Language of document : ECLI:EU:C:2022:72

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

3 de fevereiro de 2022 (*)

«Reenvio prejudicial — Diretiva 2014/24/UE — Artigo 72.o — Modificação de contratos durante o seu período de vigência — Cessão de acordos‑quadro — Novo adjudicatário que retomou, na sequência da declaração de insolvência do adjudicatário inicial, os direitos e as obrigações atribuídos a este último ao abrigo de um acordo‑quadro — Necessidade ou não de um novo procedimento de contratação»

No processo C‑461/20,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Högsta förvaltningsdomstolen (Supremo Tribunal Administrativo, Suécia), por Decisão de 15 de setembro de 2020, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 24 de setembro de 2020, no processo

Advania Sverige AB,

Kammarkollegiet

contra

Dustin Sverige AB,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: K. Jürimäe, presidente da Terceira Secção, exercendo funções de presidente da Quarta Secção, S. Rodin (relator) e N. Piçarra, juízes,

advogado‑geral: H. Saugmandsgaard Øe,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Advania Sverige AB, por T. Wanselius,

–        em representação da Kammarkollegiet, por A. Ekberg e A. Thomsen, na qualidade de agentes,

–        em representação da Dustin Sverige AB, por C. Bokwall e L. Håkansson Kjellén, advokater,

–        em representação do Governo austríaco, por J. Schmoll, na qualidade de agente,

–        em representação da Comissão Europeia, por P. Ondrůšek, K. Simonsson e G. Tolstoy, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 9 de setembro de 2021,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 72.o, n.o 1, alínea d), ii), da Diretiva 2014/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos públicos e que revoga a Diretiva 2004/18/CE (JO 2014, L 94, p. 65).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Advania Sverige AB (a seguir «Advania») e a Kammarkollegiet (Agência Nacional de Serviços Jurídicos, Financeiros e Administrativos, Suécia) (a seguir «Agência Nacional de Serviços Jurídicos») à Dustin Sverige AB (a seguir «Dustin») a respeito da decisão de esta agência aprovar a transmissão de quatro acordos‑quadro sem novo procedimento de contratação em conformidade com a Diretiva 2014/24.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        Os considerandos 107 e 110 da Diretiva 2014/24 enunciam:

«(107)       É necessário esclarecer as condições em que as modificações de um contrato durante a sua execução exigem um novo procedimento de contratação, tendo em conta a jurisprudência pertinente do Tribunal de Justiça da União Europeia. É exigido um novo procedimento de contratação em caso de alterações materiais ao contrato inicial, em particular ao âmbito de aplicação e ao conteúdo dos direitos e obrigações mútuos das partes, incluindo a distribuição de direitos de propriedade intelectual. Tais alterações demonstram a intenção das partes de renegociar termos ou condições essenciais desse contrato. Isso verifica‑se, em particular, nos casos em que as condições alteradas poderiam ter tido influência no resultado do procedimento, se tivessem sido inicialmente contempladas.

[…]

(110)        Em conformidade com os princípios da igualdade de tratamento e da transparência, o adjudicatário não deverá, por exemplo quando um contrato seja rescindido devido a deficiências na execução, ser substituído por outro operador económico sem abrir novo concurso relativo ao contrato. Todavia, o adjudicatário responsável pela execução do contrato pode, em particular quando o contrato tenha sido adjudicado a mais do que uma empresa, sofrer algumas alterações estruturais durante essa execução, nomeadamente restruturações puramente internas, OPA, fusões e aquisições ou falências. Tais alterações estruturais não deverão exigir automaticamente novos procedimentos de contratação para todos os contratos públicos executados pelo adjudicatário em causa.»

4        O artigo 72.o da Diretiva 2014/24, sob a epígrafe «Modificação de contratos durante o seu período de vigência», dispõe:

«1.      Os contratos e os acordos‑quadro podem ser modificados sem novo procedimento de contratação, nos termos da presente diretiva, em qualquer dos seguintes casos:

[…]

d)      Se o adjudicatário ao qual a autoridade adjudicante atribuiu inicialmente o contrato for substituído por um novo adjudicatário, por um dos seguintes motivos:

i)      uma cláusula de revisão ou opção inequívoca, em conformidade com a alínea a),

ii)      transmissão universal ou parcial da posição do contratante inicial, na sequência de operações de reestruturação, incluindo OPA, fusão e aquisição, ou de uma insolvência, para outro operador económico que satisfaça os critérios em matéria de seleção qualitativa inicialmente estabelecidos, desde que daí não advenham outras modificações substanciais ao contrato e que a operação não se destine a contornar a aplicação da presente diretiva, ou

iii)      assunção pela própria autoridade adjudicante das obrigações do contratante principal para com os seus subcontratantes, se tal possibilidade estiver prevista na legislação nacional em conformidade com o artigo 71.o;

e)      Se as modificações, independentemente do seu valor, não forem substanciais na aceção do n.o 4.

[…]

4.      A modificação de um contrato ou de um acordo‑quadro durante o seu período de vigência é considerada substancial, na aceção do n.o 1, alínea e), quando tornar o contrato ou o acordo‑quadro materialmente diferente do contrato ou acordo‑quadro celebrado inicialmente. Em qualquer caso, sem prejuízo dos n.os 1 e 2, uma modificação é considerada substancial se se verificar uma ou mais das seguintes condições:

a)      A modificação introduz condições que, se fizessem parte do procedimento de contratação inicial, teriam permitido a admissão de outros candidatos ou a aceitação de outra proposta, ou teriam atraído mais participações no concurso;

b)      A modificação altera o equilíbrio económico do contrato ou do acordo‑quadro a favor do adjudicatário de uma forma que não estava prevista no contrato ou acordo‑quadro inicial;

c)      A modificação alarga consideravelmente o âmbito do contrato ou do acordo‑quadro;

d)      O adjudicatário ao qual a autoridade adjudicante atribuiu inicialmente o contrato é substituído por um novo adjudicatário, em casos não previstos no n.o 1, alínea d).

[…]»

 Direito sueco

5        A lagen (2016:1145) om offentlig upphandling (Lei n.o 1145 de 2016 Relativa aos Contratos Públicos) prevê, no seu capítulo 17, § 13, primeiro parágrafo, que um contrato ou um acordo‑quadro pode ser modificado através da substituição de um adjudicatário por outro, sem novo procedimento de contratação, se:

«1)      se verificar uma transmissão universal ou parcial da posição do adjudicatário inicial para o novo adjudicatário, na sequência de restruturações societárias, incluindo OPA, fusão e aquisição, ou de uma insolvência, e

2)      a transmissão universal ou parcial da posição do adjudicatário inicial para o novo adjudicatário não implicar outras modificações substanciais do contrato ou do acordo‑quadro.»

6        Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, resulta do capítulo 17, § 13, segundo parágrafo, desta lei que essa substituição do adjudicatário pressupõe que o novo prestador de serviços não esteja excluído por força de um dos motivos de exclusão previstos nesta lei e que preencha os critérios de seleção estabelecidos no contrato inicial.

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

7        A Agência Nacional de Serviços Jurídicos adjudicou quatro acordos‑quadro mediante reabertura de concurso, para aquisição de diferentes materiais informáticos, ao abrigo de um concurso limitado em conformidade com a lagen (2007:1091) om offentlig upphandling (Lei n.o 1091 de 2007 Relativa aos Contratos Públicos), entretanto revogada. No âmbito deste procedimento, qualificaram‑se dezassete candidatos para a seleção, entre os quais a Advania, a Dustin e a Misco AB. Ao contrário da Dustin e da Misco, que figuravam entre os nove candidatos que foram convidados a apresentar proposta, a Advania não foi considerada para o efeito. Na sequência deste procedimento, foram adjudicados à Misco acordos‑quadro nos quatro domínios em causa e à Dustin acordos‑quadro em dois domínios.

8        Por carta de 4 de dezembro de 2017, a Misco requereu à Agência Nacional de Serviços Jurídicos que autorizasse a cessão à Advania dos quatro acordos‑quadro de que era titular. Em 12 de dezembro de 2017, a Misco foi declarada insolvente e, em 18 de janeiro de 2018, o seu administrador da insolvência celebrou um acordo com a Advania que previa a cessão destes acordos‑quadro. A Agência Nacional de Serviços Jurídicos autorizou essa cessão em fevereiro de 2018.

9        A Dustin interpôs então recurso para o Förvaltningsrätten i Stockholm (Tribunal Administrativo de Estocolmo, Suécia), pedindo a declaração de nulidade dos acordos‑quadro entre a Advania e a Agência Nacional de Serviços Jurídicos.

10      O Förvaltningsrätten i Stockholm (Tribunal Administrativo de Estocolmo) negou provimento ao recurso. Declarou que a Agência Nacional de Serviços Jurídicos tinha considerado corretamente que a transmissão em causa resultava da operação de reestruturação da Misco e que a Advania tinha obtido os acordos‑quadro em causa e adquirido os ramos de atividade que permitiam a sua execução, nas condições previstas no capítulo 17, § 13, da Lei Relativa aos Contratos Públicos, que transpõe para o direito sueco o artigo 72.o, n.o 1, alínea d), ii), da Diretiva 2014/24.

11      A Dustin interpôs recurso da sentença do Förvaltningsrätten i Stockholm (Tribunal Administrativo de Estocolmo) para o Kammarrätten i Stockholm (Tribunal Administrativo de Recurso de Estocolmo, Suécia), que lhe deu provimento, declarando a nulidade dos quatro acordos‑quadro entre a Advania e a Agência Nacional de Serviços Jurídicos. Este tribunal esclareceu que não se podia considerar verificada a transmissão universal ou particular da posição da Misco à Advania, na aceção do capítulo 17, § 13, da Lei Relativa aos Contratos Públicos, posto que, com exceção dos acordos‑quadro em causa, a Misco praticamente não cedeu nenhuma atividade à Advania. Em apoio desta conclusão, o Kammarrätten i Stockholm (Tribunal Administrativo de Recurso de Estocolmo) sublinhou que apenas um trabalhador da Misco passou a integrar posteriormente a Advania, que a lista dos clientes da Misco não estava totalmente atualizada nem era pertinente, que os clientes da Misco já tinham mudado de prestador de serviços e que nenhum elemento indiciava que a Advania tivesse assumido alguns dos subcontratantes da Misco ou que outros acordos‑quadro públicos tivessem sido cedidos à Advania, embora a Misco fosse parte de, pelo menos, um outro acordo‑quadro público.

12      A Advania e a Agência Nacional de Serviços Jurídicos interpuseram, separadamente, recurso do acórdão do Kammarrätten i Stockholm (Tribunal Administrativo de Recurso de Estocolmo) para o Högsta förvaltningsdomstolen (Supremo Tribunal Administrativo, Suécia). Nos seus recursos, não impugnam a apreciação do tribunal de segunda instância quanto à natureza e ao alcance dos elementos abrangidos pela cessão em causa. Todavia, alegam que esta cessão preenche a condição relativa à transmissão universal ou parcial nos termos do capítulo 17, § 13, da Lei Relativa aos Contratos Públicos.

13      A Advania sustenta, perante o órgão jurisdicional de reenvio, que a Diretiva 2014/24 não exige a cessão, além dos acordos‑quadro, de uma atividade de uma certa natureza ou dimensão ao novo adjudicatário que substitui aquele ao qual a autoridade adjudicante atribuiu inicialmente o contrato.

14      A Agência Nacional de Serviços Jurídicos alega, no seu recurso no órgão jurisdicional de reenvio, que o conceito de «transmissão universal ou parcial», que constitui uma das modalidades de cessão previstas pelas disposições em causa da Lei Relativa aos Contratos Públicos e da Diretiva 2014/24, deve ser interpretado no sentido de que o adjudicatário cessionário só é obrigado a substituir‑se ao adjudicatário inicial nos direitos e nas obrigações emergentes do contrato ou do acordo‑quadro em causa. Ao exigir‑se, além desta substituição, a transmissão de atividades ou de património, a aplicabilidade destas disposições fica fortemente limitada. O aspeto fundamental é que o novo adjudicatário possa executar o contrato ou o acordo‑quadro em causa em conformidade com as condições e exigências estabelecidas inicialmente.

15      Por seu turno, a Dustin sustenta, perante esse órgão jurisdicional, que a condição relativa à transmissão universal ou parcial da posição do contratante inicial na sequência de operações de reestruturação previstas no artigo 72.o, n.o 1, alínea d), ii), da Diretiva 2014/24 abrange as situações em que os ramos de atividade contemplados pelo contrato ou acordo‑quadro em causa são transmitidos para o novo adjudicatário. A transmissão do contrato ou do acordo‑quadro em causa é meramente acessória em relação à transmissão da atividade. A cessão de contratos ou de acordos‑quadro que foram objeto de concurso sem a cessão simultânea dos ramos de atividade em causa não só conduziria ao tráfico desses contratos ou acordos‑quadro mas também permitiria a transmissão parcial de direitos e obrigações decorrentes desses contratos ou acordos‑quadro.

16      Nestas condições, o Högsta förvaltningsdomstolen (Supremo Tribunal Administrativo) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«A circunstância de um novo adjudicatário ter retomado os direitos e obrigações do adjudicatário inicial decorrentes de um acordo‑quadro, após a declaração de insolvência do adjudicatário inicial e a cessão do acordo pela massa insolvente, implica que se considere que se verificou uma transmissão da posição do adjudicatário inicial para o novo adjudicatário, nos termos previstos no artigo 72.o, n.o 1, alínea d), ii), da Diretiva [2014/24]?»

 Quanto à questão prejudicial

17      Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 72.o, n.o 1, alínea d), ii), da Diretiva 2014/24 deve ser interpretado no sentido de que um operador económico que, na sequência da declaração de insolvência do adjudicatário inicial que conduziu à sua liquidação, apenas retomou os direitos e as obrigações deste último decorrentes de um acordo‑quadro celebrado com uma autoridade adjudicante sucede na posição desse adjudicatário inicial nas condições previstas nesta disposição.

18      A título preliminar, há que recordar que, geralmente, se deve considerar que a substituição do adjudicatário ao qual a autoridade adjudicante tinha inicialmente adjudicado o contrato por um novo adjudicatário constitui uma alteração de um dos termos essenciais do contrato público em causa e, por conseguinte, uma alteração substancial do contrato, que deve dar lugar a um novo procedimento de adjudicação relativo ao contrato assim alterado, em conformidade com os princípios da transparência e da igualdade de tratamento subjacentes à obrigação de concorrência entre os candidatos potencialmente interessados dos diferentes Estados‑Membros (v., neste sentido, Acórdão de 19 de junho de 2008, pressetext Nachrichtenagentur, C‑454/06, EU:C:2008:351, n.os 40 e 47). Este princípio foi codificado no artigo 72.o, n.o 4, alínea d), da Diretiva 2014/24.

19      Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o princípio da igualdade de tratamento e a obrigação de transparência que dele decorre obstam a que, após a adjudicação de um contrato público, a autoridade adjudicante e o adjudicatário introduzam alterações às disposições desse contrato em termos tais, que essas disposições passem a apresentar características substancialmente diferentes das do contrato inicial (v., neste sentido, Acórdão de 7 de setembro de 2016, Finn Frogne, C‑549/14, EU:C:2016:634, n.o 28).

20      O artigo 72.o, n.o 1, alínea d), ii), da referida diretiva prevê, a título derrogatório, que um novo adjudicatário pode, sem novo procedimento de contratação em conformidade com esta diretiva, substituir aquele ao qual a autoridade adjudicante atribuiu inicialmente o contrato em caso de transmissão universal ou parcial da posição do contratante inicial, na sequência de operações de reestruturação, incluindo OPA, fusão e aquisição, ou de uma insolvência, para outro operador económico que satisfaça os critérios em matéria de seleção qualitativa inicialmente estabelecidos, desde que daí não advenham outras modificações substanciais ao contrato e a operação não se destine a contornar a aplicação dessa diretiva.

21      Resulta assim da redação deste artigo que este subordina particularmente a aplicação da derrogação em causa à condição de a substituição do antigo adjudicatário decorrer de uma transmissão universal ou parcial que ocorre na sequência de operações de reestruturação, nomeadamente de insolvência.

22      No caso em apreço, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se está preenchida a condição de transmissão universal ou parcial da posição do adjudicatário inicial na sequência de uma insolvência quando o novo adjudicatário retoma apenas os direitos e as obrigações decorrentes do acordo‑quadro celebrado com a autoridade adjudicante e não a totalidade ou parte da atividade do adjudicatário inicial abrangida pelo âmbito de aplicação desse acordo‑quadro.

23      A este respeito, há que salientar, no que respeita à redação do artigo 72.o, n.o 1, alínea d), ii), da Diretiva 2014/24, em primeiro lugar, que a substituição do adjudicatário ao qual a autoridade adjudicante atribuiu inicialmente o contrato só é autorizada em caso de «transmissão universal ou parcial da posição do contratante inicial». Daqui decorre que esta transmissão pode implicar a retoma, pelo novo adjudicatário, da totalidade ou somente de uma parte do património do adjudicatário inicial e pode, por conseguinte, implicar, como salientou o advogado‑geral no n.o 43 das suas conclusões, a transmissão de apenas um contrato público ou de um acordo‑quadro que abrange o património do contratante inicial.

24      Além disso, importa observar, à semelhança do advogado‑geral no n.o 95 das suas conclusões, que não é necessário impor uma transmissão de património para evitar que as regras de adjudicação sejam contornadas, porquanto a cessão do contrato público ou do acordo‑quadro está, em todo o caso, sujeita à condição, prevista no artigo 72.o, n.o 1, alínea d), ii), da Diretiva 2014/24, de não constituir um meio para contornar a aplicação desta diretiva.

25      Além disso, embora seja verdade que esta interpretação do conceito de «transmissão parcial» que figura no artigo 72.o, n.o 1, alínea d), ii), da Diretiva 2014/24 não é, por si só, suficiente para assegurar que o novo adjudicatário execute o contrato ou o acordo‑quadro em questão com uma capacidade equivalente à do adjudicatário inicial, como alega a Dustin, o facto é que esta disposição prevê que a referida transmissão está sujeita à condição de o novo adjudicatário preencher os critérios de seleção em matéria qualitativa inicialmente estabelecidos.

26      Por conseguinte, resulta da redação do artigo 72.o, n.o 1, alínea d), ii), da Diretiva 2014/24 que o conceito de «insolvência», abrangido pelo conceito de «operações de reestruturação», engloba as modificações estruturais do adjudicatário inicial, nomeadamente a insolvência que abrange a insolvência conducente à liquidação.

27      Em segundo lugar, no que se refere ao alcance do conceito de «insolvência», abrangido pelo conceito de «operações de reestruturação», há que examinar se este pressupõe que o novo adjudicatário retome a totalidade ou parte da atividade abrangida pelo âmbito de aplicação do acordo‑quadro em causa.

28      Embora as três primeiras situações enumeradas a título exemplificativo de «operações de reestruturação» no artigo 72.o, n.o 1, alínea d), ii), da Diretiva 2014/24, isto é, OPA, fusão e aquisição, possam implicar a manutenção de pelo menos uma parte da atividade do adjudicatário inicial, a verdade é que esta disposição enumera igualmente a insolvência como exemplo de reestruturação, que pode conduzir, como salientou o advogado‑geral no n.o 47 das suas conclusões, à dissolução da sociedade insolvente. Ora, não há nenhuma indicação na redação desta disposição no sentido de que o conceito de «insolvência» não deva ser entendido no seu sentido habitual acima referido, mas sim no sentido de estar limitado às situações em que a atividade do adjudicatário inicial que permite a execução do contrato público é prosseguida, pelo menos em parte.

29      Esta indicação também não figura no considerando 110 desta diretiva, que menciona a insolvência conjuntamente com as reestruturações puramente internas, OPA, fusões e aquisições, enquanto situações que implicam «algumas alterações estruturais» do adjudicatário.

30      A este respeito, importa, é certo, salientar que o artigo 72.o, n.o 1, alínea d), ii), da Diretiva 2014/24, e, por conseguinte, o conceito de «insolvência», deve ser interpretado de maneira estrita, uma vez que, como resulta dos n.os 20 e 21 do presente acórdão, este artigo prevê uma derrogação. No entanto, como observou o advogado‑geral no n.o 62 das suas conclusões, esta interpretação não pode privar esta derrogação do seu efeito útil. Ora, seria esse o caso se o conceito de «insolvência» estivesse limitado apenas às situações em que a atividade do adjudicatário inicial abrangida pelo acordo‑quadro em causa fosse retomada pelo novo adjudicatário, pelo menos em parte, e se este conceito não fosse entendido no seu sentido habitual mais amplo.

31      Por conseguinte, resulta da redação do artigo 72.o, n.o 1, alínea d), ii), da Diretiva 2014/24 que o conceito de «reestruturação» engloba as alterações estruturais do adjudicatário inicial, nomeadamente a insolvência que abrange a insolvência conducente à liquidação.

32      Esta interpretação literal do artigo 72.o, n.o 1, alínea d), ii), da Diretiva 2014/24 respeita, além disso, o objetivo principal prosseguido pelo artigo 72.o desta diretiva, conforme enunciado nos considerandos 107 e 110 da mesma. Segundo estes considerandos, a Diretiva 2014/24 visa esclarecer as condições em que as modificações de um contrato durante a sua execução exigem um novo procedimento de contratação, tendo em conta a jurisprudência pertinente do Tribunal de Justiça e os princípios da transparência e da igualdade de tratamento.

33      A este respeito, há que salientar, em primeiro lugar, que esta interpretação do artigo 72.o, n.o 1, alínea d), ii), da Diretiva 2014/24 assenta no sentido habitual dos conceitos que figuram nessa disposição, sem exigir, ao contrário da interpretação proposta pela Dustin e pela Comissão, critérios adicionais que aí não figuram.

34      Em segundo lugar, a referida interpretação tem em consideração a jurisprudência do Tribunal de Justiça, nomeadamente o Acórdão de 19 de junho de 2008, pressetext Nachrichtenagentur (C‑454/06, EU:C:2008:351), do qual resulta que as reorganizações internas do adjudicatário inicial são suscetíveis de constituir alterações não substanciais dos termos do contrato público em causa que não impõem a abertura de um novo procedimento de adjudicação de um contrato público.

35      Com efeito, no considerando 110 da Diretiva 2014/24, a insolvência é enumerada sem restrições como um dos exemplos de alterações estruturais do adjudicatário inicial que não são contrárias aos princípios da transparência e da igualdade de tratamento em que assenta essa jurisprudência. Como salientou o advogado‑geral nos n.os 84 e 85 das suas conclusões, a insolvência do adjudicatário inicial, incluindo a insolvência conducente à sua liquidação, representa uma circunstância extraordinária antes de cuja ocorrência o contrato público ou o acordo‑quadro em causa já foi objeto de concurso em conformidade com a Diretiva 2014/24 e, por força do artigo 72.o, n.o 1, alínea d), ii), desta diretiva, não pode implicar outras alterações substanciais, nomeadamente as relativas aos critérios em matéria de seleção qualitativa inicialmente estabelecidos, nem visar contornar a aplicação da referida diretiva.

36      No entanto, a jurisprudência mencionada no n.o 34 do presente acórdão não tem por objeto a insolvência do adjudicatário inicial nem, de modo geral, as situações em que uma alteração substancial do adjudicatário inicial não exige uma reabertura de concurso. Consequentemente, esta jurisprudência não se opõe à interpretação que resulta do n.o 31 do presente acórdão.

37      A interpretação do artigo 72.o, n.o 1, alínea d), ii), da Diretiva 2014/24 no sentido estabelecido no n.o 31 do presente acórdão é igualmente corroborada pelo objetivo específico da derrogação prevista nessa disposição, que é, como frisou o advogado‑geral nos n.os 82 e 83 das suas conclusões, introduzir uma certa flexibilidade na aplicação das regras para responder de maneira pragmática a um conjunto de situações extraordinárias, como a insolvência do adjudicatário, que o impede de executar o contrato público em causa. Ora, como salientou o advogado‑geral no n.o 83 das suas conclusões, o problema criado pela insolvência, ao qual o legislador da União tentou responder, não difere consoante as atividades do adjudicatário que se tornou insolvente sejam prosseguidas, pelo menos em parte, ou sejam completamente interrompidas.

38      À luz de todas estas considerações, há que responder à questão submetida que o artigo 72.o, n.o 1, alínea d), ii), da Diretiva 2014/24 deve ser interpretado no sentido de que se deve considerar que um operador económico que, na sequência da declaração de insolvência do adjudicatário inicial que conduziu à sua liquidação, apenas retomou os direitos e as obrigações deste último decorrentes de um acordo‑quadro celebrado com uma autoridade adjudicante sucede a título parcial na posição desse adjudicatário inicial, na sequência de operações de reestruturação, na aceção desta disposição.

 Quanto às despesas

39      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

O artigo 72.o, n.o 1, alínea d), ii), da Diretiva 2014/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos públicos e que revoga a Diretiva 2004/18/CE, deve ser interpretado no sentido de que se deve considerar que um operador económico que, na sequência da declaração de insolvência do adjudicatário inicial que conduziu à sua liquidação, apenas retomou os direitos e as obrigações deste último decorrentes de um acordoquadro celebrado com uma autoridade adjudicante sucede a título parcial na posição desse adjudicatário inicial, na sequência de operações de reestruturação, na aceção desta disposição.

Assinaturas


*      Língua do processo: sueco.