Language of document : ECLI:EU:T:2006:219

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção)

14 de Julho de 2006 (*)

«Concorrência – Concentração – Regulamento (CE) n.° 139/2004 – Mercado da electricidade – Decisão que declara a falta de dimensão comunitária de uma operação de concentração – Cálculo do volume de negócios – Normas de contabilidade – Ajustamentos – Ónus da prova – Direitos de defesa»

No processo T‑417/05,

Endesa, SA, com sede em Madrid (Espanha), representada por J. Flynn, QC, S. Baxter, solicitor, M. Odriozola Alén, M. Muñoz de Juan, M. Merola, J. García de Enterría Lorenzo‑Velázquez e J. Varcárcel Martínez, advogados,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por F. Castillo de la Torre, É. Gippini Fournier, A. Whelan e M. Schneider, na qualidade de agentes,

recorrida,

apoiada pelo

Reino de Espanha, representado por N. Díaz Abad, abogado del Estado,

e pela

Gas Natural SDG, SA, com sede em Barcelona (Espanha), representada por F. González Díaz, J. Jiménez de la Iglesia e A. Leis García, advogados,

intervenientes,

que tem por objecto um pedido de anulação da Decisão da Comissão, de 15 de Novembro de 2005, que declara a falta de dimensão comunitária de uma concentração (Processo COMP/M.3986 – Gas Natural/Endesa),

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Terceira Secção),

composto por: M. Jaeger, presidente, V. Tiili e O. Czúcz, juízes,

secretário: J. Palacio González, administrador principal,

vistos os autos e após a audiência de 9 de Março de 2006,

profere o presente

Acórdão

 Quadro jurídico

 Regulamentos relativos ao controlo das concentrações

1        O artigo 1.° do Regulamento (CE) n.° 139/2004 do Conselho, de 20 de Janeiro de 2004, relativo ao controlo das concentrações de empresas (JO L 24, p. 1, a seguir «regulamento»), dispõe:

«1. Sem prejuízo do n.° 5 do artigo 4.° e do artigo 22.°, o presente regulamento é aplicável a todas as concentrações de dimensão comunitária definidas no presente artigo.

2. Uma concentração tem dimensão comunitária quando:

a)      O volume de negócios total realizado à escala mundial pelo conjunto das empresas em causa for superior a 5 000 milhões de euros; e

b)      O volume de negócios total realizado individualmente na Comunidade por pelo menos duas das empresas em causa for superior a 250 milhões de euros,

a menos que cada uma das empresas em causa realize mais de dois terços do seu volume de negócios total na Comunidade num único Estado‑Membro.

[…] »

2        O artigo 5.° do regulamento intitulado «Cálculo do volume de negócios» prevê:

«1. O volume de negócios total para efeitos do presente regulamento, inclui os montantes que resultam da venda de produtos e da prestação de serviços realizadas pelas empresas em causa durante o último exercício e correspondentes às suas actividades normais, após a dedução dos descontos sobre vendas, do imposto sobre o valor acrescentado e de outros impostos directamente relacionados com o volume de negócios. O volume de negócios total de uma empresa em causa não inclui as transacções ocorridas entre as empresas referidas no n.° 4.

O volume de negócios realizado, quer na Comunidade, quer num Estado‑Membro, compreende os produtos vendidos e os serviços prestados a empresas ou a consumidores, quer na Comunidade, quer nesse Estado‑Membro.

[…]»

3        Em conformidade com o artigo 19.° do regulamento:

«1. A Comissão deve transmitir, no prazo de três dias úteis, às autoridades competentes dos Estados‑Membros, cópias das notificações, bem como, no mais breve prazo, cópias dos documentos mais importantes que tenha recebido ou que tenha emitido em aplicação do presente regulamento […]

2. A Comissão deve conduzir os processos referidos no presente regulamento em ligação estreita e constante com as autoridades competentes dos Estados‑Membros, que estão habilitadas a formular quaisquer observações sobre esses processos […]»

4        Nos termos do artigo 21.° do regulamento:

«2. Sob reserva do controlo do Tribunal de Justiça, a Comissão tem competência exclusiva para tomar as decisões previstas no presente regulamento.

3. Os Estados‑Membros não podem aplicar a sua legislação nacional sobre a concorrência às concentrações de dimensão comunitária.»

5        O artigo 22.° do regulamento dispõe:

«1. Um ou mais Estados‑Membros podem solicitar à Comissão que examine qualquer concentração, tal como definida no artigo 3.°, que não tenha dimensão comunitária na acepção do artigo 1.°, mas que afecte o comércio entre Estados‑Membros e ameace afectar significativamente a concorrência no território do Estado‑Membro ou Estados‑Membros que apresentam o pedido.

Esse pedido deve ser apresentado no prazo máximo de 15 dias úteis a contar da data de notificação da concentração ou, caso não seja necessária notificação, da data em que foi dado conhecimento da concentração ao Estado‑Membro em causa.

2. A Comissão deve informar sem demora as autoridades competentes dos Estados‑Membros e as empresas em causa dos pedidos que recebeu nos termos do n.° 1.

Qualquer outro Estado‑Membro tem [o direito] de se associar ao pedido inicial num prazo de 15 dias úteis após ter sido informado pela Comissão do pedido inicial.

Todos os prazos nacionais relativos à concentração são suspensos até que, em conformidade com o procedimento estabelecido no presente artigo, tenha sido decidido onde a concentração será examinada. Logo que o Estado‑Membro tenha informado a Comissão e as empresas em questão que não pretende associar‑se ao pedido, terminará a suspensão dos prazos nacionais.

3. A Comissão pode, no prazo máximo de 10 dias úteis após o termo do prazo fixado no n.° 2, decidir examinar a concentração sempre que considere que afecta o comércio entre Estados‑Membros e ameaça afectar significativamente a concorrência no território do Estado‑Membro ou Estados‑Membros que apresentam o pedido. Se a Comissão não tomar uma decisão dentro deste prazo, presumir‑se‑á que decidiu examinar a concentração em conformidade com o pedido.

A Comissão deve informar todos os Estados‑Membros e as empresas em causa da sua decisão. Pode exigir a apresentação de uma notificação nos termos do artigo 4.°

O Estado‑Membro ou Estados‑Membros que apresentaram o pedido deixam de aplicar à concentração a sua legislação nacional de concorrência.

[…]»

6        Nos termos do artigo 17.°, n.° 3, do Regulamento (CE) n.° 802/2004 da Comissão, de 7 de Abril de 2004, de execução do regulamento (JO L 133, p. 1):

«O direito de acesso ao processo não abrange as informações confidenciais ou documentos internos da Comissão ou das autoridades competentes dos Estados‑Membros. O direito de acesso ao processo também não abrange a correspondência entre a Comissão e as autoridades competentes dos Estados‑Membros ou entre estas últimas.»

7        O artigo 1.° do Regulamento (CE) n.° 1606/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Julho de 2002, relativo à aplicação das normas internacionais de contabilidade (JO L 243, p. 1), dispõe:

«O presente regulamento tem como objectivo a adopção e a utilização das normas internacionais de contabilidade na Comunidade, com vista a harmonizar as informações financeiras apresentadas pelas sociedades referidas no artigo 4.°, por forma a assegurar um elevado grau de transparência e de comparabilidade das demonstrações financeiras e, deste modo, um funcionamento eficiente do mercado de capitais da Comunidade e do mercado interno.»

 Regulamentação relativa à contabilidade das sociedades

8        O artigo 4.° do Regulamento n.° 1606/2002 (epigrafado «Contas consolidadas das sociedades cujos títulos são negociados publicamente») dispõe:

«Em relação a cada exercício financeiro com início em ou depois de 1 de Janeiro de 2005, as sociedades regidas pela legislação de um Estado‑Membro devem elaborar as suas contas consolidadas em conformidade com as normas internacionais de contabilidade, adoptadas nos termos do n.° 2 do artigo 6.°, se, à data do balanço e contas, os seus valores mobiliários estiverem admitidos à negociação num mercado regulamentado de qualquer Estado‑Membro, na acepção do artigo 1.°, [ponto 13)] da Directiva 93/22/CEE do Conselho, de 10 de Maio de 1993, relativa aos serviços de investimento no domínio dos valores mobiliários.»

9        O Regulamento (CE) n.° 1725/2003 da Comissão, de 21 de Setembro de 2003, que adopta certas normas internacionais de contabilidade, nos termos do Regulamento n.° 1606/2002 (JO L 261, p. 1) dispõe:

«Artigo 1.°

São adoptadas as normas internacionais de contabilidade constantes do Anexo.

[…]»

10      A norma internacional de contabilidade IAS 18, intitulada «Rédito», anexa ao Regulamento n.° 1725/2003, dispõe:

«Definições

7. Nesta norma são usados os termos seguintes com os significados especificados:

Rédito é o influxo bruto de benefícios económicos durante o período proveniente do curso das actividades ordinárias de uma empresa quando esses influxos resultarem em aumentos de capital próprio, que não sejam aumentos relacionados com contribuições de participantes no capital próprio.

Justo valor é a quantia pela qual um activo pode ser trocado, ou um passivo liquidado, entre partes conhecedoras, dispostas a isso, numa transacção em que não exista relacionamento entre as mesmas.

8. O rédito inclui somente os influxos brutos de benefícios económicos recebidos e a receber pela empresa de sua própria conta. As quantias cobradas por conta de terceiros tais como impostos sobre vendas, impostos sobre bens e serviços e impostos sobre o valor acrescentado não são benefícios económicos que fluam para a empresa e não resultem em aumentos de capital próprio. Por isso, são excluídos do rédito. Semelhantemente, num relacionamento de agência, os influxos brutos de benefícios económicos não resultam em aumentos de capital próprio para a empresa. As quantias cobradas por conta do capital não são rédito. Em vez disso, o rédito é a quantia de comissão.»

11      O Regulamento (CE) n.° 707/2004 da Comissão, de 6 de Abril de 2004, que altera o Regulamento n.° 1725/2003 (JO L 111, p. 3) dispõe:

«Artigo 1.°

No anexo do Regulamento [...] n.° 1725/2003, a SIC‑8 ‘Primeira aplicação das IAS como a base primária de contabilidade’ é substituída pelo texto contido no anexo ao presente regulamento.

Artigo 2.°

O presente regulamento entra em vigor 20 dias após a sua publicação no Jornal Oficial da União Europeia.

[…]»

12      O anexo do Regulamento n.° 707/2004 intitulado «IFRS 1 – Adopção pela primeira vez das normas internacionais de relato financeiro» especifica:

«36. Para estarem conformes com a IAS 1 ‘Apresentação de demonstrações financeiras’, as primeiras demonstrações financeiras de acordo com as IFRSs de uma entidade devem incluir, pelo menos, um ano de informação comparativa segundo as IFRSs.

[…]

47. Uma entidade deverá aplicar esta IFRS se as suas primeiras demonstrações financeiras de acordo com as IFRS corresponderem a um período com início em ou após 1 de Janeiro de 2004. Incentiva‑se uma aplicação mais cedo […]»

 Comunicação relativa ao cálculo do volume de negócios

13      Segundo o ponto 26 da Comunicação da Comissão relativa ao cálculo do volume de negócios para efeitos do Regulamento (CEE) n.° 4064/89 do Conselho, relativo ao controlo das operações de concentração de empresas (JO 1998, C 66, p. 25, a seguir «comunicação»):

«A Comissão procura basear‑se nos valores disponíveis mais exactos e fiáveis. Por conseguinte, regra geral, a Comissão basear‑se‑á nas contas auditadas ou noutras contas finais. No entanto, nos casos em que se observam importantes diferenças entre as normas contabilísticas comunitárias e as normas de um país não comunitário, a Comissão pode considerar necessário proceder à reelaboração destas contas em conformidade com as normas comunitárias em matéria de volume de negócios. Em todo o caso, a Comissão manifesta uma certa relutância em basear‑se em contas provisórias, contas de gestão ou qualquer outro tipo de contas provisórias, salvo em circunstâncias excepcionais (ver ponto subsequente). Quando uma operação de concentração é realizada nos primeiros meses do ano, não estando ainda disponíveis as contas auditadas do mais recente exercício financeiro, os valores a tomar em consideração são os referentes ao exercício anterior. No caso de se verificarem importantes discrepâncias entre as duas séries de contas e, em especial, quando se encontram disponíveis os projectos de valores finais relativos aos exercícios mais recentes, a Comissão pode optar por tomá‑los em consideração.»

14      Nos termos do ponto 27 da comunicação:

«Não obstante o referido no ponto 26, podem ser sempre introduzidas adaptações de modo a ter em conta as aquisições ou alienações efectuadas após a data das contas auditadas. Tal é necessário para que sejam identificados os verdadeiros recursos que serão objecto de concentração. Assim, se uma empresa alienar uma parte das suas actividades em qualquer momento anterior à assinatura do acordo final ou ao anúncio de uma oferta pública ou da aquisição de uma participação de controlo susceptível de dar origem a uma operação de concentração, ou se tal alienação ou encerramento constituir uma condição prévia para a operação, a parte do volume de negócios a ser atribuída a essa parte do negócio deve ser deduzida do volume que figura nas últimas contas auditadas da parte notificante. Inversamente, o volume de negócios a ser atribuído aos activos cujo controlo tenha sido adquirido após a elaboração das contas auditadas mais recentes da empresa deve ser acrescentado ao volume de negócios da empresa para efeitos de notificação.»

 Factos que deram origem ao litígio

15      A recorrente, Endesa, SA, é uma sociedade comercial cotada, nomeadamente, na bolsa de Madrid. Encontra‑se no comando do grupo Endesa, o maior grupo de electricidade de Espanha, com presença em Itália, em França, em Portugal, na Polónia e na América Latina.

16      A Gas Natural SDG, SA (a seguir «Gas Natural») é uma sociedade comercial cotada na bolsa de Madrid. Está no comando do grupo Gas Natural, um grupo de empresas que presta serviços no sector da energia e intervém essencialmente no abastecimento, distribuição e comercialização do gás natural em Espanha, em Itália e na América Latina. A sociedade desenvolve igualmente actividades no domínio do sector eléctrico, principalmente na produção e na comercialização de energia eléctrica, sector em que é uma recém‑chegada.

17      Em 5 de Setembro de 2005, a Gas Natural anunciou a sua intenção de lançar uma oferta pública de aquisição (a seguir «OPA») incidindo sobre a integralidade do capital social em acções da Endesa e dando lugar a uma operação de concentração em conformidade com o disposto no artigo 3.° do regulamento. A OPA foi declarada hostil pelos órgãos de administração da Endesa.

18      Em 12 de Setembro de 2005, a Gas Natural notificou a operação de concentração às autoridades espanholas da concorrência.

19      Pouco depois do anúncio da OPA da Gas Natural, a Endesa dirigiu‑se à Comissão para lhe expor que, em sua opinião, a operação de concentração tinha dimensão comunitária na acepção do artigo 1.° do regulamento. Daí resultava, segundo a Endesa, por um lado, que a operação de concentração devia ser notificada à Comissão em aplicação do artigo 4.° do regulamento e, por outro, que a autoridade espanhola da concorrência era incompetente para se pronunciar sobre essa operação.

20      Em 19 de Setembro de 2005, a Endesa pediu à Comissão que se pronunciasse sobre a sua competência para analisar a operação de concentração em razão da dimensão comunitária desta.

21      Nessas comunicações, a Endesa indicava em particular, em primeiro lugar, que os números a tomar em consideração para o volume de negócios de 2004 eram os calculados com base nas novas normas internacionais de relato financeiro («IFRS») e não os resultantes da auditoria das contas e, em segundo lugar, que devia introduzir‑se um certo número de outros ajustamentos a esses números a fim de respeitar as disposições da Comunicação da Comissão relativa ao cálculo do volume de negócios. Com base nos números assim obtidos, a Endesa considera não ter realizado, em Espanha, em 2004, mais de dois terços do seu volume de negócios total na Comunidade.

22      Em 20 de Setembro de 2005, a autoridade portuguesa da concorrência pediu à Comissão que aceitasse a remessa da operação de concentração com fundamento no artigo 22.° do regulamento. Em 22 de Setembro de 2005, a Comissão informou os outros Estados‑Membros desse pedido de remessa, dando‑lhes a possibilidade de a ele se associarem. Em 28 de Setembro de 2005, a autoridade espanhola da concorrência comunicou à Comissão que não desejava associar‑se ao pedido português. Em 7 de Outubro de 2005, a autoridade italiana informou a Comissão de que desejava associar‑se ao pedido português. A Comissão indeferiu esses pedidos de remessa em 27 de Outubro de 2005, pela razão de que as autoridades nacionais não demonstravam em que medida a operação de concentração afectava o comércio intracomunitário e o livre jogo da concorrência, e concluiu que não era a autoridade mais bem colocada para conhecer do caso.

23      Em 26 de Setembro de 2005, a Comissão escreveu à Gas Natural pedindo‑lhe que precisasse com que base tinha notificado a operação de concentração à autoridade espanhola da concorrência e que lhe comunicasse as suas observações a propósito dos argumentos da Endesa. A Gas Natural respondeu a essa carta em 3 de Outubro de 2005. Na sua resposta, indicava que, para identificar a autoridade da concorrência competente, tinha utilizado os números publicados nas contas auditadas da Endesa relativas a 2004. Segundo a Gas Natural, essas contas mostram que, em 2004, a Endesa (como a Gas Natural) realizou em Espanha mais de dois terços do seu volume de negócios total na Comunidade.

24      Igualmente, em 26 de Setembro de 2005, a Comissão escreveu à Endesa para lhe pedir várias precisões a propósito das suas comunicações. Além disso, em 4 de Outubro de 2005, transmitiu à Endesa uma cópia das observações da Gas Natural sobre as suas primeiras comunicações, pedindo‑lhe para as comentar. A Endesa respondeu a esses pedidos em 5 e 7 de Outubro, respectivamente.

25      Em 6 de Outubro de 2005, a autoridade espanhola da concorrência comunicou à Comissão o seu desacordo quanto aos argumentos avançados pela Endesa e indicou que se julgava competente para apreciar a operação em causa.

26      Em 25 de Outubro de 2005, a Comissão transmitiu à Gas Natural cópia das comunicações da Endesa de 5 e 7 de Outubro de 2005, dando‑lhe a possibilidade de a elas responder. Em 26 de Outubro de 2005, a Comissão convidou a Gas Natural, a Endesa e a autoridade espanhola da concorrência a comunicarem‑lhe o seu parecer sobre a interpretação do artigo 5.° do regulamento relativo às concentrações à luz do ponto 40 da Comunicação da Comissão atrás mencionada. Ao mesmo tempo, transmitiu à autoridade espanhola da concorrência uma cópia das comunicações da Endesa de 5 e 7 de Outubro de 2005, dando‑lhe a possibilidade de exprimir o seu parecer sobre o conjunto das questões em causa.

27      Em 27 de Outubro de 2005, a autoridade espanhola da concorrência informou a Comissão de que não tinha qualquer observação complementar a formular a propósito dos ajustamentos e comunicou‑lhe o seu parecer sobre a interpretação do artigo 5.° do regulamento relativo às concentrações à luz do ponto 40 da Comunicação da Comissão pertinente. Em 2 de Novembro de 2005, a Gas Natural e a Endesa deram a conhecer o seu ponto de vista a esse propósito. Além disso, a Gas Natural forneceu novos comentários sobre os ajustamentos propostos pela Endesa, com base nas comunicações da Endesa de 5 e 7 de Outubro de 2005. Nos seus comentários, a Gas Natural propunha novos ajustamentos que considerava terem sido esquecidos pela Endesa. Em 4 de Novembro de 2005, foi enviada cópia dessas propostas de ajustamento à Endesa, que deu a conhecer as suas observações quanto a essa matéria em 9 de Novembro de 2005.

28      Em 15 de Novembro de 2005, a Comissão adoptou a decisão que declara a falta de dimensão comunitária de uma concentração (Processo COMP/M.3986 – Gas Natural/Endesa) que é objecto do presente recurso (a seguir «decisão»).

29      No que respeita ao procedimento nacional de controlo das concentrações, o ministro da Economia espanhol decidiu, em 7 de Novembro de 2005, lançar a «segunda fase» do referido procedimento, remetendo o processo do Servicio de Defensa de la Competencia (Serviço de Defesa da Concorrência, a seguir «SDC») ao Tribunal de Defensa de la Competencia (Tribunal de Defesa da Concorrência, a seguir «TDC»).

30      Em 20 de Dezembro de 2005, a Comisión Nacional de la Energía (Comissão Nacional da Energia, a seguir «CNE») emitiu o seu parecer sobre a operação de concentração, no qual recomendou a autorização da operação sob certas condições.

31      Em 5 de Janeiro de 2006, o TDC emitiu o seu parecer, no qual recomendou a proibição da operação de concentração.

32      Em 3 de Fevereiro de 2006, o Conselho de Ministros espanhol autorizou a operação de concentração sob certas condições.

33      Em 21 de Março de 2006, o Tribunal de Comércio n.° 3 de Madrid suspendeu a operação de concentração.

 Tramitação processual

34      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 29 de Novembro de 2005, a Endesa interpôs o presente recurso. Por requerimento separado apresentado no mesmo dia, a recorrente apresentou um pedido com vista a que o seu recurso fosse tratado com o benefício da tramitação acelerada, em conformidade com o disposto no artigo 76.°‑A do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância.

35      Por requerimento separado apresentado na Secretaria do Tribunal em 29 de Novembro de 2005, a recorrente apresentou um pedido com vista a que, por um lado, fosse ordenada a suspensão da execução da decisão e, por outro, fosse ordenado à Comissão que dirigisse uma injunção às autoridades espanholas da concorrência no sentido de suspenderem todos os procedimentos nacionais.

36      Por requerimentos apresentados na Secretaria do Tribunal em, respectivamente, 2 e 9 de Dezembro de 2005, a Gas Natural e o Reino de Espanha pediram para intervir em apoio da recorrida, ao abrigo do disposto no artigo 115.°, n.os 1 e 2, do Regulamento de Processo.

37      Os dois pedidos de intervenção foram notificados às partes, em conformidade com o disposto no artigo 116.°, n.° 1, do Regulamento de Processo.

38      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal em 15 de Dezembro de 2005, a recorrente pediu que certos elementos das peças processuais não fossem comunicados aos eventuais intervenientes, de harmonia com o disposto no artigo 116.°, n.° 2, segunda frase, do Regulamento de Processo.

39      Em 15 de Dezembro de 2005, a Terceira Secção do Tribunal de Primeira Instância, à qual o processo foi atribuído, decidiu que o presente processo fosse julgado seguindo uma tramitação acelerada.

40      Por despachos de 16 de Dezembro de 2005, o presidente da Terceira Secção do Tribunal admitiu os pedidos de intervenção da Gas Natural e do Reino de Espanha e reservou a decisão sobre a procedência do pedido de tratamento confidencial.

41      Por cartas apresentadas na Secretaria do Tribunal em, respectivamente, 3 e 4 de Janeiro de 2006, a Gas Natural e o Reino de Espanha emitiram objecções quanto ao tratamento confidencial de certos elementos das peças processuais que lhes foram comunicadas.

42      Por carta apresentada na Secretaria do Tribunal em 11 de Janeiro de 2006, a recorrente retirou o pedido de confidencialidade, em relação à Gas Natural, no que respeita ao relatório preparado pela Deloitte, SL, junto como anexo à petição.

43      Em 12 e 13 de Janeiro de 2006, respectivamente, a Gas Natural e o Reino de Espanha apresentaram as suas alegações de intervenção.

44      Em 19 de Janeiro de 2006, a Comissão apresentou a sua contestação.

45      Por despacho de 24 de Janeiro de 2006, o presidente da Terceira Secção do Tribunal deferiu parcialmente o pedido de tratamento confidencial apresentado pela recorrente, ordenou a transmissão aos intervenientes de uma versão não confidencial de todas as peças processuais e convidou‑os a apresentarem na audiência as suas observações complementares a elas relativas. Além disso, reservou para final a decisão quanto às despesas.

46      Por despacho de 1 de Fevereiro de 2006, Endesa/Comissão (T‑417/05 R, Colect., p. I‑0000), o presidente do Tribunal indeferiu o pedido de medidas provisórias, considerando que a recorrente não tinha demonstrado que corria o risco de sofrer um prejuízo grave e irreparável no caso de tais medidas não serem decretadas, e reservou para final a decisão quanto às despesas.

47      Com base em relatório do juiz‑relator, o Tribunal de Primeira Instância (Terceira Secção) decidiu dar início à fase oral do processo e, no âmbito das medidas de organização do processo, convidou as partes a responder a uma série de perguntas escritas. As partes acederam a este convite nos prazos fixados.

48      As partes foram ouvidas em alegações e responderam às perguntas que lhe foram oralmente feitas na audiência de 9 de Março de 2006.

 Pedidos das partes

49      A Endesa conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        declarar o recurso admissível;

–        anular a decisão;

–        condenar a Comissão nas despesas.

50      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas, incluindo as relativas ao processo de medidas provisórias.

51      O Reino de Espanha conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

52      A Gas Natural conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

 Questão de direito

53      Em apoio do seu recurso, a recorrente avança cinco fundamentos relativos, em primeiro lugar, a vícios de processo, em segundo lugar à inversão do ónus da prova e a falta de fundamentação, em terceiro lugar à não utilização das contas elaboradas em conformidade com as normas de contabilidade IAS/IRFS, em quarto lugar à rejeição dos ajustamentos propostos e, em quinto lugar, à violação dos critérios enunciados na comunicação, à falta de análise e de fundamentação e a desvio de poder.

 Quanto ao primeiro fundamento relativo a vícios de processo

 Quanto ao primeiro segmento, relativo à adopção das decisões sobre os pedidos de remessa antes da decisão.

–       Argumentos das partes

54      A Endesa sustenta que resulta claramente do regulamento que qualquer decisão baseada no seu artigo 22.° deve dizer respeito a uma operação de concentração que respeite os limiares de uma ou de várias regras nacionais e que não tenha dimensão comunitária. Assim, o mecanismo do artigo 22.° permite à Comissão ser competente no que respeita a operações que deveriam, a priori, escapar a essa competência.

55      Decorre daí que, em aplicação do artigo 22.° do regulamento, a falta de dimensão comunitária constitui uma condição prévia essencial à decisão de remessa. Por conseguinte, segundo a Endesa, uma vez que ela pedira formalmente à Comissão para tomar posição sobre a dimensão comunitária da concentração, esta tinha a opção entre indeferir o pedido sem iniciar o procedimento, por o considerar manifestamente infundado, ou iniciar um procedimento e pronunciar‑se formalmente sobre a questão de saber qual era a autoridade competente antes de decidir quanto aos pedidos de remessa. Acrescenta que o facto de o prazo para decidir sobre os pedidos de remessa estar previsto no regulamento (dez dias úteis a contar do termo do prazo previsto para que as autoridades nacionais se associem a um ou vários pedidos), não poderá justificar uma inversão da ordem lógica à qual está submetido o exame da Comissão. Dado que o regulamento não menciona os incidentes processuais relativos à determinação da autoridade, mas os incidentes relativos à competência material (através das regras sobre as remessas do artigo 22.°), o prazo previsto para os segundos deve aplicar‑se, por analogia, aos primeiros. Se a Comissão não dispunha de todos os elementos necessários para tomar uma decisão e devia pedir informações complementares, o seu pedido de informações deveria ter suspendido automaticamente o prazo de que dispunha para decidir, bem como, necessariamente, os prazos relativos à adopção de todos os actos dele decorrentes, entre os quais a decisão baseada no artigo 22.°

56      A Endesa alega que, no caso, decorreram 38 dias entre o primeiro pedido de remessa e a decisão da Comissão de indeferir os pedidos da República Italiana e da República Portuguesa. Ao adoptar as decisões sobre a remessa antes de determinar a dimensão nacional ou comunitária da operação, a Comissão antecipou o juízo sobre o resultado da decisão, se bem que nela tenha feito figurar uma reserva puramente formal quanto a esse ponto. Isso resulta claramente da fundamentação da decisão sobre os pedidos de remessa, a qual indica, nomeadamente, que a Comissão não é a autoridade mais bem colocada para decidir sobre a operação em questão. Independentemente dos fundamentos desta afirmação, é evidente que ela faz um julgamento prematuro sobre, pelo menos, uma das apreciações que incumbe à Comissão efectuar no quadro do exame de uma operação de dimensão comunitária, isto é, a relativa aos pedidos eventuais de remessa baseados no artigo 9.° do regulamento.

57      A Comissão, apoiada pelos intervenientes, alega que o fundamento é simplesmente inoperante, que não há analogia entre a situação de um Estado‑Membro que apresenta um pedido ao abrigo do artigo 22.° e aquela em que uma empresa pede à Comissão para tomar posição sobre a sua própria competência e que as decisões tomadas sobre os pedidos apresentados ao abrigo do artigo 22.° não anteciparam o julgamento das questões relativas à competência comunitária, pois que ela se pronunciou expressamente sobre os referidos pedidos sem prejuízo desse aspecto.

–       Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

58      A Endesa sustenta que a decisão deveria ter sido adoptada antes da decisão sobre os pedidos de remessa feitos ao abrigo do artigo 22.° do regulamento, uma vez que a falta de dimensão comunitária constitui uma condição prévia e essencial a uma decisão de remessa.

59      O artigo 22.°, n.° 1, do regulamento dispõe que «[u]m ou mais Estados‑Membros podem solicitar à Comissão que examine qualquer concentração [...] que não tenha dimensão comunitária na acepção do artigo 1.°, mas que afecte o comércio entre Estados‑Membros e ameace afectar significativamente a concorrência no território do Estado‑Membro ou Estados‑Membros que apresentam o pedido [...]»

60      Deve recordar‑se que, em 19 de Setembro de 2005, a Endesa pediu à Comissão que se pronunciasse sobre a sua competência para analisar a operação de concentração. Por pedido de 20 de Setembro de 2005, a autoridade portuguesa da concorrência pediu à Comissão que aceitasse o exame da concentração com fundamento no artigo 22.° do regulamento. Na sequência da transmissão pela Comissão aos outros Estados‑Membros desse pedido de remessa, a autoridade italiana da concorrência informou a Comissão, em 7 de Outubro de 2005, de que desejava associar‑se ao pedido da autoridade portuguesa da concorrência. A Comissão indeferiu esses pedidos de remessa em 27 de Outubro de 2005, considerando que não estava demonstrado que a operação ameaçasse afectar a concorrência em Portugal e em Itália e que a Comissão estava mais bem colocada para apreciar tais efeitos.

61      A esse propósito, há que salientar, por um lado, que o vício alegado pela recorrente não diz respeito à decisão, mas unicamente às decisões de 27 de Outubro de 2005 sobre os pedidos de remessa, que não são objecto do presente recurso. A acusação é, por isso, de qualquer forma, inoperante.

62      Deve, de resto, observar‑se que, como alega a Comissão, a consequência jurídica dos argumentos aduzidos pela recorrente não é clara. Com efeito, se esses argumentos fossem acolhidos, qualquer decisão, incluindo uma decisão que declare a dimensão comunitária da operação de concentração, adoptada após as decisões de 27 de Outubro de 2005 sobre os pedidos de remessa, estaria afectada pela irregularidade alegada e poderia, portanto, por seu turno, ser anulada por razões idênticas às invocadas pela recorrente. Assim, toda e qualquer decisão tomada pela Comissão sobre o pedido da Endesa posteriormente a essa data, mesmo favorável a esse pedido, deveria ser anulada.

63      Por outro lado, é forçoso reconhecer que a recorrente não demonstrou em que terão as decisões de 27 de Outubro de 2005 sobre os pedidos de remessa antecipado o julgamento da questão relativa à competência comunitária, uma vez que as decisões sobre os pedidos de remessa expressamente indicam, pelo contrário, que elas eram adoptadas sem prejuízo da apreciação sobre a dimensão comunitária da operação de concentração planeada.

64      Por outro lado, não poderá criticar‑se a Comissão por ter decidido sobre os pedidos de remessa antes de decidir sobre a dimensão comunitária. Com efeito, o artigo 22.°, n.° 3, do regulamento impõe à Comissão decidir num prazo de dez dias sobre um pedido de remessa e prevê que, caso isso não aconteça, daí resulte uma decisão implícita de aceitação da remessa. A Comissão é, por isso, obrigada a pronunciar‑se rapidamente sobre a decisão de remessa. Nestas condições, se tivesse de se pronunciar previamente sobre a dimensão comunitária, ela deveria tê‑lo feito num prazo de menos de dez dias, pelo que não teria podido examinar com todo o cuidado requerido a questão relativa à dimensão comunitária da operação planeada.

65      Longe de prejudicar os interesses da Endesa, a circunstância de a Comissão ter prosseguido o exame da dimensão comunitária e só ter adoptado a decisão após as decisões de 27 de Outubro de 2005 sobre os pedidos de remessa permitiu, portanto, no caso em apreço, pelo contrário, que a decisão sobre a dimensão comunitária fosse baseada num exame atento de todos os elementos pertinentes.

66      Por outro lado, o argumento da recorrente, segundo o qual o prazo para se pronunciar sobre os pedidos apresentados ao abrigo do artigo 22.° do regulamento deveria ser suspenso, por analogia, até que o incidente relativo à determinação da dimensão comunitária da operação de concentração fosse resolvido, deve ser rejeitado. Com efeito, nada no regulamento indica que o prazo para a pronúncia sobre um pedido apresentado ao abrigo do artigo 22.° deva ser suspenso nessas circunstâncias. Ora, no tocante a prazos que produzem efeitos jurídicos, qualquer fundamento de suspensão deverá ser expressamente previsto. A esse propósito, deve recordar‑se a importância de assegurar um controlo das operações de concentração em prazos compatíveis simultaneamente com as exigências de uma boa administração e com as da vida comercial (acórdão do Tribunal de Justiça de 25 de Setembro de 2003, Schlüsselverlag J. S. Moser e o./Comissão, C‑170/02 P, Colect., p. I‑9889, n.° 34).

67      Segue‑se que o primeiro segmento do primeiro fundamento deve ser rejeitado.

 Quanto ao segundo segmento, relativo à falta de transparência e à violação dos direitos de defesa.

–       Argumento das partes

68      A Endesa observa que o regulamento não prevê um procedimento especial para demonstrar a dimensão comunitária de uma operação de concentração. Por conseguinte, em resposta ao pedido formal da Endesa de decidir sobre a determinação da autoridade competente para conhecer da concentração, a Comissão deveria ter indicado claramente qual era o procedimento que ia seguir, o que teria permitido garantir um mínimo de segurança jurídica. A Endesa pediu expressamente à Comissão, desde o início do procedimento, que informasse as partes das regras desse procedimento, mas esse pedido não foi tomado em conta.

69      O procedimento seguido pela Comissão careceu igualmente de transparência, pois esta não precisou à Endesa quais eram exactamente os documentos levados ao conhecimento da Gas Natural, também não tendo havido uma comunicação completa dos argumentos por esta apresentados à Comissão. Acima de tudo, se bem que o SDC tenha intervindo como parte no procedimento, a Endesa não recebeu comunicação, nem foi mesmo advertida, das observações apresentadas por este, apesar dos pedidos expressos e reiterados que apresentara nas suas cartas de 23 de Setembro e de 10 e 12 de Outubro de 2005.

70      A confusão e a falta de transparência das regras processuais aplicadas constituíram uma violação flagrante dos direitos de defesa. E o mesmo se passa com a transmissão ao SDC dos documentos da Endesa sem que a sua autorização tenha sido solicitada, com excepção da transmissão do requerimento inicial directamente entregue ao SDC pela recorrente a pedido da Comissão.

71      A Comissão, apoiada pelos intervenientes, alega que a participação da Endesa no procedimento bastou certamente para salvaguardar os seus interesses.

–       Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

72      No tocante, em primeiro lugar, à acusação relativa ao facto de a Comissão não ter informado a recorrente do procedimento aplicável, deve observar‑se que o regulamento não prevê um procedimento especial para demonstrar a dimensão comunitária de uma concentração. É também forçoso reconhecer que a recorrente não demonstrou em que é essa falta de informação susceptível de afectar a legalidade da decisão.

73      De qualquer forma, o facto de a Comissão não ter indicado à recorrente o procedimento que tinha a intenção de seguir para examinar a dimensão comunitária, ou não, da concentração só seria susceptível de afectar a legalidade da decisão adoptada no termo desse procedimento se dela resultasse uma violação dos direitos da defesa. Ora, como resulta das considerações que se seguem, tal não acontece no caso em apreço.

74      No que respeita, em segundo lugar, à acusação da recorrente relativa ao facto de a Comissão não lhe ter precisado quais eram exactamente os documentos levados ao conhecimento da Gas Natural, há que reconhecer que a recorrente não especifica em que pôde essa circunstância afectar os seus direitos ou influenciar o conteúdo da decisão. Além disso, nem os direitos de defesa da recorrente nem o seu direito de acesso aos autos impõem que seja igualmente informada do acesso de outras pessoas a certos elementos dos autos. Nestas circunstâncias, a acusação deve ser rejeitada.

75      No tocante, em terceiro lugar, à acusação relativa ao facto de a Comissão não lhe ter comunicado, de forma completa, os argumentos apresentados pela Gas Natural, deve declarar‑se, em primeiro lugar, que a Comissão reconhece que certas informações confidenciais foram omitidas. Há, em seguida, que observar que, como salienta a Comissão, a recorrente não fez prova de que pediu acesso às informações consideradas confidenciais. Por fim, e acima de tudo, a recorrente de modo algum demonstrou que essas informações teriam sido úteis para a sua participação no procedimento, quer por se tratar de informações citadas na decisão quer por se tratar de informações susceptíveis de demonstrar a dimensão comunitária da operação de concentração. Por outro lado, uma vez que a divergência entre a Endesa e a Comissão incidia, nomeadamente, sobre a determinação do volume de negócios da Endesa e não do da Gas Natural, as informações confidenciais da Gas Natural mostram‑se desprovidas de incidência a esse respeito. Segue‑se que a acusação deve ser rejeitada.

76      No que respeita, em quarto lugar, à acusação relativa ao facto de a Comissão não lhe ter comunicado, de forma completa, os argumentos apresentados pelo SDC, resulta da jurisprudência (v., por analogia, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 1 de Abril de 1993, BPB Industries e British Gypsum/Comissão, T‑65/89, Colect., p. II‑389, n.° 33) que as correspondências com os Estados‑Membros constituem, em princípio, documentos internos que não devem ser comunicados às pessoas que participam no processo. Além disso, segundo o artigo 17.°, n.° 3, do Regulamento n.° 802/2004, o direito de acesso ao processo não abrange a correspondência entre a Comissão e as autoridades competentes dos Estados‑Membros. De qualquer forma, é forçoso reconhecer que a recorrente não indica que informações transmitidas pelo SDC terão sido utilizadas pela Comissão ou terão podido afectar os seus direitos ou influenciar a decisão. Segue‑se que a acusação não é fundada.

77      Finalmente, no tocante, em quinto lugar, à acusação da recorrente relativa ao facto de a Comissão ter comunicado documentos da Endesa ao SDC sem que lhe tenha solicitado a sua autorização, basta lembrar que o artigo 19.°, n.° 2, do regulamento prevê que a Comissão conduza os processos referidos no regulamento em ligação estreita e constante com as autoridades competentes dos Estados‑Membros, e que o n.° 1 do mesmo artigo determina que a Comissão transmita no prazo de três dias úteis, às autoridades competentes dos Estados‑Membros, cópias das notificações, bem como, no mais breve prazo, cópias dos documentos mais importantes que tenha recebido ou que tenha emitido em aplicação do regulamento. De qualquer forma, deve observar‑se que a recorrente não demonstrou em que pôde a comunicação dos documentos ao SDC ter incidência sobre a legalidade da decisão. Nestas condições, a acusação não pode ser acolhida.

78      À luz do que precede, há que rejeitar o segundo segmento do primeiro fundamento.

 Quanto ao terceiro segmento, relativo à não suspensão do processo nacional

–       Argumentos das partes

79      A Endesa sustenta que, durante o desenrolar do procedimento respeitante à determinação da autoridade competente, a Comissão deveria ter pedido a suspensão do procedimento nacional que se desenrolou paralelamente perante as autoridades espanholas da concorrência e perante as autoridades de regulação desse país. Considera que o facto de não ter pedido essa suspensão constitui um vício processual grave.

80      A Endesa alega que a suspensão se impunha por força do artigo 21.°, n.° 3, do regulamento que prevê a obrigação de os Estados‑Membros se absterem de aplicar a sua legislação nacional em matéria de concorrência às concentrações de dimensão comunitária, e em razão do dever geral de colaboração referido no artigo 10.° CE. Por outro lado, deve tomar‑se em conta o facto de que, se, a fim de evitar procedimentos paralelos, o artigo 22.° do regulamento impõe a suspensão dos prazos nacionais até ao momento em que a Comissão decida sobre a sua competência, a mesma lógica deveria ter sido aplicada, após a verificação da existência de uma lacuna no regulamento, no que diz respeito à decisão sobre a dimensão comunitária, ou não, da operação de concentração. A Comissão deveria, por conseguinte, ter pedido a suspensão dos processos nacionais.

81      A Endesa observa que a suspensão do exame dos pedidos de remessa até que a decisão relativa à autoridade competente seja proferida deveria ter sido automática por aplicação do artigo 22.° do regulamento. O facto de a decisão ter sido adoptada sem respeitar um dos princípios gerais do sistema de controlo das concentrações, no caso o princípio do interlocutor único, que permite evitar procedimentos paralelos, comunitário e nacional, afecta de nulidade essa decisão. Além disso, o facto de ter obrigado a Endesa a agir simultaneamente ao nível das autoridades comunitárias e das autoridades nacionais constituiu uma violação dos direitos de defesa. A violação desses direitos constitui um fundamento de anulação, segundo jurisprudência constante (acórdão do Tribunal de Justiça de 27 de Setembro de 1988, Ahlström Osakeyhtiö e o./Comissão, 89/85, 104/85, 114/85, 116/85, 117/85 e 125/85 a 129/85, Colect., p. 5193, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 22 de Outubro de 2002, Schneider Electric/Comissão, T‑310/01, Colect., p. II‑4071).

82      A Comissão, apoiada pelos intervenientes, alega que, independentemente da questão de saber se ela detém realmente os poderes que a recorrente lhe reconhece, em momento algum esta a convidou claramente a fazer uso deles. Por outro lado, não poderá existir uma obrigação de suspensão por simples analogia. Além disso, o direito de participar num procedimento administrativo não implica o direito de participar num único procedimento administrativo.

–       Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

83      No que respeita à acusação relativa ao facto de a Comissão não ter pedido às autoridades competentes espanholas que suspendessem o processo nacional, basta declarar que é desprovida de qualquer pertinência no quadro do presente recurso. A recorrente não demonstrou, aliás, em que é que a não suspensão do procedimento nacional, mesmo supondo que tenha resultado de um comportamento ilícito da Comissão, poderá ter afectado a legalidade da decisão.

84      Com efeito, em primeiro lugar, na medida em que a recorrente baseia a sua acusação quanto à não suspensão dos procedimentos nacionais no artigo 21.°, n.° 3, do regulamento e no dever geral de colaboração referido no artigo 10.° CE, basta sublinhar, como faz a recorrida, que se trata, tal sendo o caso, de uma ilegalidade cometida pelo Reino de Espanha e não pela Comissão. Nenhuma decisão desta está, por isso, na origem dessa ilegalidade, e, de qualquer modo, esta não afecta a legalidade da decisão.

85      Em segundo lugar, na medida em que a acusação se baseia no artigo 22.°, n.° 2, terceiro parágrafo, do regulamento, que impõe a suspensão dos prazos nacionais até ao momento em que a Comissão se pronuncie sobre a sua competência, deve recordar‑se que não existe analogia entre a situação de um Estado‑Membro que apresenta um pedido de remessa ao abrigo do artigo 22.° e aquela em que uma empresa pede à Comissão para tomar posição sobre a sua competência, e que não pode existir uma obrigação de suspensão por simples analogia.

86      Em terceiro lugar, no tocante ao argumento da recorrente segundo o qual a decisão foi adoptada sem respeitar o princípio do interlocutor único e ao argumento segundo o qual o facto de ter obrigado a Endesa a agir simultaneamente ao nível das autoridades comunitárias e das autoridades nacionais constituiu uma violação dos direitos de defesa, basta recordar que a recorrente, que foi a própria a pedir a intervenção da Comissão, não demonstrou em que medida e porque razão teve dificuldades em defender a sua posição simultaneamente em várias instâncias nem em que pôde essa circunstâncias ter tido influência na decisão. Deve, por outro lado, observar‑se que, não havendo dimensão comunitária, as empresas devem frequentemente notificar as operações de concentração a várias autoridades nacionais.

87      O terceiro segmento do primeiro fundamento deve, por isso, ser rejeitado.

88      Decorre do que precede que o primeiro fundamento da recorrente não procede.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo à inversão do ónus da prova e a falta de fundamentação

 Argumentos das partes

89      A Endesa sustenta que a fundamentação da decisão é deficiente, não tendo a Comissão respeitado os artigos 1.°, 5.° e 21.° do regulamento. Mesmo que nenhuma disposição do regulamento o indique expressamente, a Comissão é obrigada a determinar a autoridade competente em razão da competência exclusiva que detém para conhecer das operações que tenham dimensão comunitária (acórdão Schlüsselverlag J. S. Moser e o./Comissão, n.° 66 supra). Essa competência exclusiva da Comissão exige que esta determine se o artigo 1.° do regulamento é aplicável. Para o fazer, deve precisar e determinar o volume de negócios realizado pelas empresas em causa durante o último exercício contabilístico, em conformidade com as regras enunciadas no artigo 5.° do regulamento.

90      A Endesa sustenta que a Comissão não pode inverter o ónus da prova no tocante à determinação da autoridade competente. Uma vez que a Comissão tem a competência exclusiva para determinar qual é a autoridade competente para conhecer de uma concentração, está encarregada de, a título exclusivo, verificar e, sobretudo, provar o volume de negócios das empresas em causa.

91      Contrariamente a isso, a Comissão baseou a sua decisão no facto de a Endesa não ter aduzido provas suficientes para demonstrar a necessidade de utilizar contas elaboradas segundo as normas IAS/IFRS e de proceder a uma série de ajustamentos em aplicação da comunicação. Esse fundamento é inaceitável em razão da própria natureza das regras aplicáveis que regem a determinação da autoridade competente, que são de ordem pública. Trata‑se de uma fundamentação que vai contra toda a lógica e contra princípios elementares da ordem jurídica comunitária, tanto mais que a Comissão poderia ter contado com a total colaboração da Endesa e poderia ter‑lhe pedido qualquer informação complementar que julgasse pertinente. Na realidade, a Comissão consagrou a quase totalidade dos dois meses que durou o procedimento a examinar aspectos que não foram finalmente tratados na decisão.

92      Considerando que cabe aos particulares convencer a Comissão de que ela é exclusivamente competente, a decisão está afectada por uma grave falta de fundamentação, pois que é a Comissão que é obrigada, na sequência de denúncia ou oficiosamente, a determinar com certeza as matérias que relevam da sua competência, no quadro das responsabilidades que o Tratado lhe impõe enquanto sua guardiã.

93      A esse propósito, a Endesa refere‑se ao acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 21 de Setembro de 2005, EDP/Comissão (T‑87/05, Colect., p. II‑0000), no qual o Tribunal lembrou, no quadro da aplicação de outra comunicação sobre as concentrações, relativa aos compromissos, que a Comissão não podia inverter o ónus da prova impondo às partes uma obrigação que se baseasse unicamente na comunicação e não tivesse qualquer fundamento jurídico no regulamento. Incumbe à parte em causa remeter à Comissão todos os elementos necessários à avaliação da operação e à Comissão proceder a essa avaliação sem inverter o ónus da prova.

94      A fim de levar a bom porto essa avaliação, a Comissão dispõe de importantes instrumentos processuais, tais como o pedido de informações. A Comissão poderia, assim, ter recorrido a peritos independentes para a auditoria das contas da Endesa, se o julgasse necessário, e teve dois meses para levar a bom porto uma análise detalhada e exaustiva da melhor forma de determinar o volume de negócios da Endesa em 2004.

95      Além disso, nenhum elemento do processo submetido à Comissão permite afirmar que as informações aduzidas pela Endesa eram insuficientes. No termo do procedimento, durante o qual a Endesa colaborou o mais estreitamente possível com a Comissão, não podia afirmar‑se que as informações aduzidas eram insuficientes.

96      A Comissão, apoiada pelos intervenientes, alega que o debate que teve lugar ao longo do procedimento nela decorrido foi essencialmente jurídico e que, na decisão, respondeu aos argumentos da recorrente não porque considerasse que a recorrente tinha o ónus da prova, mas porque o dever de fundamentar as suas decisões inclui a obrigação de responder aos argumentos apresentados pelas partes sempre que sejam rejeitados.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

97      A Endesa sustenta que a Comissão inverteu o ónus da prova quanto à determinação da autoridade competente para examinar a operação de concentração ao basear a sua decisão no facto de a Endesa não ter aduzido provas suficientes para demonstrar a necessidade de utilizar contas elaboradas segundo as normas IAS/IFRS e de proceder a uma série de ajustamentos.

98      Há que recordar que uma concentração se reputa de dimensão comunitária quando o volume de negócios total das empresas em causa ultrapassar os limiares previstos pelo regulamento. Em conformidade com o considerando 17 do regulamento, é conferida à Comissão, sob reserva do controlo do Tribunal de Justiça, competência exclusiva para aplicar o regulamento. Nos termos do seu artigo 1.°, n.° 1, o regulamento é aplicável a todas as concentrações de dimensão comunitária. Segue‑se que, quando a operação de concentração tiver dimensão comunitária, a Comissão tem competência exclusiva para a examinar. Daí não decorre automaticamente, todavia, que a Comissão tenha uma competência exclusiva para determinar se uma concentração tem dimensão comunitária.

99      Deve salientar‑se, a esse propósito, que, nos termos do regulamento, é, em primeiro lugar, às empresas em causa que incumbe fazer uma primeira apreciação da dimensão da concentração e determinar, em consequência, a que autoridades deve notificar‑se o projecto de concentração. Em seguida, quando, como no caso em apreço, uma operação de concentração não for notificada à Comissão mas às autoridades de um ou de vários Estados‑Membros, a estas cabe, tendo presente, nomeadamente, a obrigação de cooperação leal decorrente do artigo 10.° CE e o artigo 21.° do regulamento, que prevê a competência exclusiva da Comissão para examinar a compatibilidade das concentrações de dimensão comunitária e a correlativa proibição de os Estados‑Membros aplicarem a sua legislação nacional sobre concorrência às ditas concentrações, verificar que a concentração que lhes foi submetida não tem dimensão comunitária. É claro que, nessa hipótese, a Comissão tem sempre a possibilidade de decidir que a concentração, contrariamente ao parecer das autoridades dos Estados‑Membros, tem, na verdade, dimensão comunitária e releva da sua competência exclusiva.

100    Por outro lado, o regulamento relativo ao controlo das concentrações não contém qualquer disposição específica que preveja expressamente uma obrigação, incidente sobre a Comissão, de se assegurar, oficiosamente, de que toda a operação de concentração que lhe não foi notificada não é efectivamente de dimensão comunitária. Todavia, resulta da jurisprudência que, chamada a conhecer de uma denúncia por uma empresa que considera que uma concentração não notificada à Comissão é de dimensão comunitária, a Comissão é obrigada a decidir sobre o princípio da sua competência de autoridade de controlo (acórdão Schlüsselverlag/Comissão, n.° 66 supra, n.os 27 e 28). Neste quadro, cabe, em princípio, ao denunciante demonstrar o bem‑fundado da sua denúncia, entendendo‑se que cabe à Comissão proceder, no interesse de uma boa administração, a um exame diligente e imparcial das denúncias de que ela é chamada a conhecer e responder de maneira fundamentada aos argumentos avançados pelo denunciante com vista a demonstrar que a concentração se inclui na competência exclusiva da Comissão.

101    Resulta do que precede que, contrariamente ao que sustenta a recorrente, a Comissão não é, em princípio, obrigada a fazer prova de que não é competente para decidir sobre uma concentração que lhe não é notificada nem a demonstrar que a referida operação não tem dimensão comunitária, e isto mesmo quando for chamada a conhecer de uma denúncia.

102    De qualquer forma, é forçoso reconhecer que, contrariamente ao que sustenta a recorrente, a Comissão não se contentou com declarar que a Endesa não fizera a prova de que a concentração tinha dimensão comunitária, antes tendo examinado, efectivamente, em detalhe, os elementos relativos à dimensão da concentração, do que concluiu que a operação não tinha dimensão comunitária, assim refutando os argumentos da recorrente.

103    Resulta, com efeito, da leitura da decisão que a Comissão esclareceu efectivamente as razões pelas quais não considerou oportuno utilizar as contas IAS/IFRS nem efectuar os ajustamentos propostos.

104    Em primeiro lugar, no que respeita à alegada necessidade de utilizar as contas elaboradas segundo as normas IAS/IFRS, a Comissão indicou, em primeiro lugar, no ponto 20 da decisão, que resulta do artigo 1.° do regulamento, bem como da comunicação, que o princípio geral é o de que o volume de negócios deve ser calculado com base nas contas auditadas e que é só em circunstâncias excepcionais que a Comissão pode afastar‑se deste princípio. A Comissão concluiu em seguida que, uma vez que está demonstrado que, com base no volume de negócios indicado nas contas auditadas da Endesa de 2004, a sociedade realizou em Espanha mais de dois terços do seu volume de negócios na Comunidade, cabe à Endesa aduzir elementos suficientes que indiquem a existência de circunstâncias excepcionais que justifiquem a referência a volumes de negócios diferentes dos que figuram nas suas contas auditadas (ponto 21 da decisão).

105    É certo que a Comissão afirmou, em seguida, que a Endesa não aduziu tais elementos suficientes (ponto 23 da decisão). Todavia, a Comissão explicou as razões pelas quais não existem aquelas circunstâncias excepcionais no caso em apreço e expôs os motivos pelos quais devia dar‑se a preferência às contas elaboradas segundo os princípios contabilísticos gerais (a seguir «PCGA»), refutando os argumentos invocados pela recorrente.

106    Assim, em primeiro lugar, a Comissão indicou, na decisão, por um lado, que a Endesa era legalmente obrigada a elaborar as suas contas consolidadas oficiais relativas a 2004 na base dos PCGA e, por outro, que essa exigência era conforme às regras comunitárias de contabilidade que eram então aplicáveis. Indica, por outro lado, que a Endesa não era obrigada a elaborar contas consolidadas auditadas conformes às normas IAS/IFRS antes do ano que teve início em 1 de Janeiro de 2005. Acrescenta que a Endesa era obrigada a elaborar contas IAS/IFRS relativas a 2004 unicamente para fins de comparação das novas contas IAS/IFRS do exercício de 2005 com as elaboradas quanto ao ano precedente, o que explica também que a Endesa não era obrigada a mandar auditar as suas contas IAS/IFRS relativas a 2004. Salienta, além disso, que essas contas não são definitivas e podem ser modificadas na medida em que as normas IAS/IFRS, segundo as quais as contas de 2005 devem ser elaboradas, ainda não foram completamente finalizadas.

107    Em segundo lugar, a Comissão explicou, na decisão, que o objectivo que visa medir a força económica das empresas não lhe impõe, nem lhe permite, num caso individual de aplicação dos artigos 1.° e 5.° do regulamento, dedicar‑se a uma apreciação geral dos méritos das diferentes abordagens contabilísticas previstas pelo direito comunitário ou pela lei dos Estados‑Membros, em particular quando apenas existem contas auditadas em função de uma só das normas de contabilidade e esta era a exigida tanto pelo direito nacional como pelo direito comunitário à época em causa. A Comissão indicou que isso está em desacordo com os objectivos, também válidos, que consistem em aplicar critérios simples e objectivos a fim de determinar a competência da Comissão em matéria de concentração e em respeitar o princípio geral da segurança jurídica. Afirmou que o seu papel se limita a examinar certos ajustamentos exigidos pelo artigo 5.° do regulamento (ponto 25 da decisão).

108    A decisão precisa, além disso, que o facto de o legislador comunitário ter considerado que as normas IAS/IFRS adoptadas pelo Regulamento n.° 1606/2002 deveriam permitir obter uma representação fiel da situação financeira de uma empresa não implica, ipso facto, a superioridade técnica dessas normas de contabilidade, estando essa exigência de representação fiel também presente na legislação comunitária que rege as antigas normas de contabilidade nacionais (ponto 26 da decisão).

109    Finalmente, a Comissão expôs, na decisão, que não é de opinião, no caso em apreço, de que a utilização das contas IAS/IFRS seja preferível para assegurar uma aplicação uniforme das regras relativas ao controlo das operações de concentração. Refere que a utilização de contas IAS/IFRS não auditadas no caso presente criaria uma disparidade de tratamento com todos os processos em que a Comissão se baseou em contas auditadas do exercício de 2004 elaboradas em aplicação de normas nacionais.

110    Tendo presente o que precede, é forçoso reconhecer que a Comissão não fez incidir sobre a recorrente o ónus de demonstrar a dimensão comunitária ou nacional da operação de concentração, mas que, por um lado, examinou a dimensão da referida operação e expôs os motivos pelos quais havia, no caso concreto, que tomar por base as contas elaboradas segundo os PCGA (v., por analogia, acórdão EDP/Comissão, n.° 93 supra, n.° 73) e, por outro lado, declarou que a recorrente não tinha aduzido argumentos de molde a pôr em causa essa análise.

111    Acontece da mesma forma no que respeita, em segundo lugar, à alegada necessidade de efectuar uma série de ajustamentos. É certo que, tanto no que diz respeito ao ajustamento «pass through» como no que diz respeito ao relativo às trocas comerciais de gás, a Comissão afirmou novamente na decisão (pontos 32 e 38), que a Endesa não forneceu elementos suficientes para a convencer de que tais ajustamentos das suas contas auditadas se justificavam por força do artigo 5.° do regulamento e da comunicação. Todavia, é forçoso reconhecer que a Comissão, ao refutar os argumentos da recorrente, expôs as razões pelas quais não considerou oportuno efectuar os ajustamentos propostos, sem proceder à inversão do ónus da prova.

112    Assim, em primeiro lugar, no que diz respeito ao ajustamento «pass through», a Comissão salientou, na decisão (pontos 30 a 36), que a comunicação não se refere ao conceito de receita repercutida (em parte) proveniente da venda de produtos e da prestação de serviços. Acrescenta que as empresas espanholas de distribuição de electricidade não podem ser equiparadas às empresas que se limitam a uma função de intermediário e cujo volume de negócios é constituído unicamente pelo montante das comissões que cobram. A Comissão observou, por outro lado, que o risco de não pagamento pelos consumidores finais do preço regulamentado do fornecimento de electricidade é suportado pelas sociedades de distribuição e não pelos gestores das redes de transporte, pelos produtores de electricidade ou pelo pool.

113    Em segundo lugar, no que respeita ao ajustamento relativo às trocas comerciais de gás, a Comissão considerou, na decisão (pontos 37 a 40), que essas trocas comerciais deveriam ser consideradas operações pelas quais a Endesa vende e compra uma quantidade correspondente de gás, o que é demonstrado pelo facto de essas operações serem facturadas em separado. Indicou, além disso, que o facto de o preço de venda e de compra ser o mesmo não é pertinente nesse aspecto e significa unicamente que a Endesa não realiza qualquer margem de lucro nessas operações consideradas no seu conjunto.

114    Decorre daí que a Comissão também não fez pesar sobre a recorrente o ónus da prova respeitante a esses ajustamentos. Pelo contrário, ela examinou os ajustamentos propostos e expôs as razões pelas quais considerou não dever efectuá‑los.

115    Há que salientar, por outro lado, que a Comissão não poderá ser obrigada a assegurar‑se oficiosamente em cada caso de que as contas auditadas que lhe foram apresentadas reflectem fielmente a realidade nem a proceder ao exame de todos os ajustamentos previsíveis. É só quando a sua atenção é chamada para os problemas específicos que a Comissão deve examiná‑los, como fez no caso em apreço.

116    Finalmente, a recorrente sustenta, em terceiro lugar, que nenhum elemento do processo submetido à Comissão permite afirmar que as informações que forneceu eram insuficientes. Além disso, alega que, no termo de um procedimento que durou quase dois meses, durante o qual ela colaborou o mais estreitamente possível com a Comissão e durante o qual esta poderia ter‑lhe pedido toda e qualquer informação complementar que julgasse pertinente, não pode afirmar‑se que as informações prestadas foram insuficientes.

117    A esse propósito, basta observar que a Comissão de forma alguma se limitou, na decisão, a afirmar que as informações prestadas pela Endesa eram insuficientes. Além disso, como observa a Comissão, o debate que teve lugar no decurso do procedimento nela decorrido era essencialmente jurídico e dizia respeito à interpretação das disposições aplicáveis. Resulta dos fundamentos retidos na decisão para rejeitar a tomada em consideração das contas elaboradas em conformidade com as normas IAS/IFRS e os ajustamentos propostos que a Comissão não criticou a recorrente por não lhe ter fornecido as informações factuais necessárias, antes tendo declarado que os argumentos da recorrente não eram convincentes.

118    De qualquer forma, na medida em que a Endesa sustentava que não deviam utilizar‑se as suas contas auditadas e que deviam efectuar‑se ajustamentos que não correspondiam a uma prática habitual nem estavam previstos em qualquer texto aplicável, encontrava‑se na situação de um denunciante na acepção do acórdão Schlüsselverlag J. S. Moser e o./Comissão, n.° 66 supra. Nestas condições, cabia‑lhe precisar os seus argumentos e demonstrar a sua procedência, tendo em conta, em particular, o imperativo de celeridade que caracteriza os processos de controlo das concentrações. A recorrente não pode criticar uma pretensa inversão do ónus da prova, tanto mais que contestava a sua própria contabilidade e devia, por isso, ter um conhecimento preciso de todos os elementos pertinentes.

119    Resulta das considerações que precedem que o segundo fundamento não procede.

 Quanto ao terceiro fundamento, relativo à não utilização das contas elaboradas em conformidade com as normas de contabilidade IAS/IFRS

120    A recorrente divide o seu fundamento em três segmentos relativos à não utilização das normas IAS/IFRS enquanto únicas normas de contabilidade em vigor, à preponderância das normas de contabilidade IAS/IFRS e, finalmente, a erros manifestos de direito e a erros manifestos de apreciação que afectam a rejeição das contas elaboradas em conformidade com as normas de contabilidade IAS/IFRS.

 Quanto ao primeiro segmento, relativo à não utilização das normas IAS/IFRS enquanto únicas normas de contabilidade em vigor

–       Argumentos das partes

121    A Endesa alega que a Comissão não se pronunciou sobre o facto de, no dia do anúncio da OPA, em 5 de Setembro de 2005, as únicas normas de contabilidade em vigor serem as normas IAS/IFRS. Na sequência da substituição de todas as bases primárias de contabilidade nacionais pelas normas IAS/IFRS, as únicas contas consolidadas que podiam ser tomadas em consideração para determinar a dimensão comunitária da concentração eram as elaboradas em conformidade com as normas de contabilidade em vigor.

122    A Endesa observa que a dimensão comunitária de uma operação deve ser determinada à data em que nasce a obrigação de notificação. No caso presente, a obrigação de notificação terá nascido na data do anúncio da OPA. Segundo o artigo 5.° do regulamento, o volume de negócios compreende os montantes resultantes da venda de produtos e da prestação de serviços correspondentes às actividades normais do último exercício. Esta referência às actividades do último exercício é apenas uma convenção formal à qual o legislador faz apelo perante a impossibilidade de ter em conta o volume de negócios do exercício em curso na altura da notificação da operação. A circunstância de ser obrigatório fazer referência, por razões práticas, ao exercício precedente, não significa que normas jurídicas revogadas ou antigas normas de contabilidade devam ou possam ser aplicadas.

123    Para determinar o volume de negócios para efeitos de demonstrar a dimensão comunitária da operação é, por conseguinte, indispensável considerar que as únicas normas de contabilidade válidas eram as que estavam em vigor à data em que a OPA da Gas Natural foi anunciada. Dado que as contas conciliadas existiam nessa data e que, além disso, eram públicas e definitivas, a Comissão deveria ter feito uso exclusivamente das referidas contas quando apreciou a dimensão comunitária da concentração.

124    A decisão não tomou em conta o facto de a determinação do volume de negócios ao nível europeu seguir princípios muito diferentes dos que existem em outros sistemas jurídicos, como o dos Estados Unidos. Neste, a competência em matéria de concentração é igualmente determinada com base nos resultados obtidos durante o exercício precedente, mas sem tomar em consideração o que se passou após o encerramento do referido exercício. O legislador comunitário, pelo contrário, preferiu utilizar o critério da força económica real das empresas em causa no momento da notificação.

125    A Comissão, apoiada pelos intervenientes, alega que a invocação do facto de a nova regulamentação contabilística estar em vigor em Setembro de 2005 visa apenas dissimular que as contas de 2004 deviam obrigatoriamente ser elaboradas em conformidade com os PCGA.

–       Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

126    A Endesa sustenta que a Comissão não tomou em conta o facto de, no dia do anúncio da OPA, as únicas normas de contabilidade em vigor serem as normas IAS/IFRS, o que afecta de nulidade a decisão.

127    Há que recordar que, nos termos do artigo 5.° do regulamento «[o] volume de negócios total [...] inclui os montantes que resultam da venda de produtos e da prestação de serviços realizadas pelas empresas em causa durante o último exercício e correspondentes às suas actividades normais».

128    Tal como admite a recorrente, o regulamento refere‑se necessariamente, por razões práticas, ao volume de negócios do exercício precedente. A razão disso é a de que só existem normalmente contas auditadas quanto ao último exercício completo, sendo as contas dos períodos mais recentes desprovidas das garantias oferecidas por contas auditadas.

129    No caso em apreço, é claro que as contas do último exercício, na acepção do artigo 5.° do regulamento, são as relativas ao exercício de 2004. Deve igualmente recordar‑se que uma empresa que tem a obrigação de elaborar contas anuais sujeitas a auditoria dispõe de uma única espécie de contas oficiais, isto é, as que foram elaboradas e auditadas em conformidade com a legislação aplicável. Ora, não poderá contestar‑se que as contas anuais da recorrente relativas ao exercício de 2004, que estavam sujeitas à obrigação de auditoria, deviam imperativamente ser elaboradas em conformidade com os PCGA espanhóis. Se a recorrente tivesse apresentado, quanto ao exercício de 2004, contas elaboradas segundo as normas IFRS, não teria, aliás, respeitado as suas obrigações legais em Espanha. Nos termos do artigo 4.° do Regulamento n.° 1606/2002, as normas IFRS só são aplicáveis e obrigatórias a partir do exercício de 2005. A «conciliação» das contas do exercício de 2004 com os princípios IFRS é prevista pelo Regulamento n.° 707/2004 apenas para facilitar a transição entre as antigas e as novas normas, fornecendo aos accionistas e investidores uma referência com a qual comparar as contas do exercício 2005, que são as primeiras contas elaboradas em conformidade com as novas normas. Além disso, as contas de «conciliação» do exercício de 2004, elaboradas exclusivamente para fins de comparação, não oferecem as mesmas garantias que as contas oficiais elaboradas em conformidade com os PCGA e sujeitas a auditoria. Segue‑se que o argumento da recorrente relativo ao facto de a nova regulamentação de contabilidade IFRS estar em vigor à data do anúncio da OPA, em 5 de Setembro de 2005, é desprovido de pertinência.

130    Há que observar, além disso, que a argumentação da recorrente conduziria, de cada vez que ocorressem mudanças na regulamentação da contabilidade, a afastar as contas oficiais auditadas e a exigir uma nova elaboração dessas contas em conformidade com princípios tornados aplicáveis no momento em que nasce a obrigação de notificação, o que não é razoável nem prudente na medida em que essas novas contas não auditadas não apresentam as mesmas garantias que as contas oficiais sujeitas a auditoria.

131    É igualmente sem razão que a recorrente sustenta que a Comissão aplicou regras jurídicas revogadas. A Comissão, na realidade, não aplica qualquer norma de contabilidade, mas refere‑se, como o regulamento lhe impõe, às contas das empresas relativas ao último exercício, as quais constituem um facto situado no passado que deve ser apreciado em conformidade com as normas que lhes eram aplicáveis. No caso em apreço, devendo as contas da recorrente relativas ao exercício de 2004 ser, como foi reconhecido acima, elaboradas em conformidade com os PCGA, a recorrente não poderá afirmar que a Comissão ignorou o âmbito temporal de aplicação das normas em causa. Não tendo o Regulamento n.° 1606/2002 tornado a aplicação das normas IFRS obrigatória senão a partir das contas do exercício de 2005, é, pelo contrário, a tese da recorrente que conduziria a dar‑lhe uma alcance retroactivo, aplicando‑o às contas do exercício de 2004. Nem o Regulamento n.° 1606/2002 nem o Regulamento n.° 707/2004 permitem, aliás, supor que o legislador comunitário tenha tido a intenção de afastar as contas oficiais elaboradas segundo as normas de contabilidade nacionais em vigor e substitui‑las, de maneira geral ou para efeitos do regulamento relativo às concentrações, pelas contas do exercício de 2004 conciliadas com as IFRS, elaboradas unicamente a título comparativo.

132    No tocante, finalmente, ao argumento segundo o qual a decisão não teve em conta o facto de a determinação do volume de negócios ao nível europeu seguir princípios diferentes dos existentes noutros sistemas jurídicos, deve observar‑se, em primeiro lugar, que o sistema americano mais não faz do que confirmar a necessidade de se poder determinar de maneira rápida e previsível se uma concentração deve ser notificada e, tal sendo o caso, a que autoridade. Há que observar em seguida que, se, diferentemente do dos Estados Unidos, o sistema comunitário permite ter em conta eventos ocorridos na vida da empresa após o encerramento do último exercício contabilístico, tais como alienações ou aquisições de empresas durante o exercício em curso, essa hipótese visa, em princípio, como resulta da comunicação, ter em conta mudanças ocorridas na situação económica da empresa e não operar uma revisão completa do tratamento contabilístico de uma realidade económica que permaneceu estável. Fazer depender em cada caso a aplicabilidade do regulamento comunitário relativo às concentrações de um reexame completo pela Comissão da contabilidade das empresas em causa iria contra os imperativos de segurança jurídica e de rapidez prosseguidos pelo legislador comunitário.

133    Daqui resulta que há que rejeitar o primeiro segmento do terceiro fundamento.

 Quanto ao segundo segmento, relativo à preponderância das normas de contabilidade IAS/IFRS

–       Argumentos das partes

134    A Endesa sustenta que a Comissão deveria, pelo menos, ter precisado quais as normas de contabilidade, IAS/IFRS ou PCGA, que permitiam determinar o mais precisamente possível o volume de negócios efectivo correspondente ao exercício contabilístico de 2004. Acrescenta que, com essa finalidade, a Comissão deveria ter simplesmente analisado as características das diferentes normas de contabilidade e das duas demonstrações contabilísticas que estavam à sua disposição, dado que uma e outra eram válidas, legais e definitivas.

135    Segundo a Endesa, se essa análise tivesse sido realizada, teria necessariamente conduzido a dar a preferência às contas IAS/IFRS, na medida em que essas contas conferem prioridade à substância sobre a forma, por oposição às normas acolhidas pelos PCGA, que fazem precisamente o contrário: certas transacções, se bem que desprovidas de conteúdo económico real, são registadas nas contas com base em elementos puramente formais.

136    A Endesa salienta que a fundamentação da decisão (ponto 20) tem por ponto de partida a indicação de que o princípio geral é o de que o volume de negócios deve ser calculado com base nas contas auditadas da empresa, só em circunstâncias excepcionais podendo a Comissão afastar‑se deste princípio. Este raciocínio é manifestamente errado. Não só parece sugerir que a obrigação da Comissão de determinar correctamente a dimensão comunitária se limita a uma simples verificação das contas auditadas das empresas em causa mas, além disso, assenta numa interpretação deliberadamente incompleta das próprias práticas da Comissão e da comunicação, ao conferir às contas auditadas uma importância idêntica à de outras contas definitivas. Na decisão, a Comissão recorda o ponto 26 da comunicação, mas esquece, na sua fundamentação, que este faz referência às contas auditadas mas também a «outras contas finais», entendendo‑se que só em caso de circunstâncias excepcionais podem ser utilizadas contas não definitivas.

137    A Endesa sustenta que a decisão constitui uma renúncia inaceitável da Comissão às obrigações que lhe impõe o direito comunitário, o qual a obriga a exercer as suas competências exclusivas sem se abrigar detrás das presunções sobre a suposta conformidade das contas auditadas. Essa presunção, que é uma criação ad hoc da Comissão, não é apoiada por nenhuma das disposições do regulamento, o qual evita não somente fazer referência ao carácter auditado ou não auditado das contas, mas contém, além disso, uma obrigação precisa e incondicional, que incumbe à Comissão, de determinar em cada caso o volume de negócios real das empresas em causa. A referência às contas auditadas aparece apenas na Comunicação da Comissão, que não poderá em caso algum modificar o teor ou o alcance do regulamento. O mínimo conflito entre os dois está sujeito ao princípio da hierarquia das normas (acórdãos do Tribunal de Justiça de 28 de Janeiro de 1992, Soba, C‑266/90, Colect., p. I‑287, de 16 de Junho de 1994, Peugeot/Comissão, C‑322/93 P, Colect., p. I‑2727, e do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Dezembro de 1996, AIUFFASS e AKT/Comissão, T‑380/94, Colect., p. II‑2169). Mas, neste caso, a comunicação coloca no mesmo plano as contas auditadas e outras contas definitivas, isto é, as relativas a um exercício fiscal completo e encerrado.

138    A Endesa observa, além disso, que a posição da Comissão a este respeito está em contradição com a sua própria prática. Assim, num processo anterior (M.705 Deutsche Telekom/SAP), a Comissão aceitou a utilização das contas não auditadas mais recentes, pois apresentavam importantes diferenças relativamente às contas auditadas e eram as únicas que demonstravam a dimensão comunitária da operação. A Comissão aceitou igualmente a utilização de contas não auditadas no processo M.2340 EDP/Cajastur/Caser/Hidroelectrica del Cantabrico.

139    A Endesa alega que a Comissão cometeu um erro suplementar ao considerar que as contas consolidadas da Endesa, elaboradas segundo as normas IAS/IFRS, comunicadas ao mercado cinco meses antes do anúncio da OPA, não constituíam contas definitivas. A Comissão não tomou em consideração o facto de as contas IAS/IFRS serem uma conciliação das contas auditadas de 2004 com as novas normas de contabilidade, nem o facto de todas as empresas cotadas em bolsa terem apresentado à Comisión Nacional del Mercado de Valores (Comissão Nacional do Mercado de Valores a seguir «CNMV») as suas contas consolidadas de 2004 que foram objecto de conciliação com as normas de contabilidade IAS/IFRS (a seguir «contas conciliadas») bem como todas as informações periódicas relativas ao exercício de 2004, nem o facto de estas últimas contas serem as que o mercado toma por referência.

140    Assim, a Comissão não só violou as regras de competência, introduzindo uma presunção inexistente no regulamento a favor das contas auditadas, mas cometeu também um erro manifesto de apreciação na medida em que considerou que as contas IAS/IFRS não eram definitivas. A fundamentação quanto a essa matéria é além disso contraditória, uma vez que a Comissão sugere, por um lado, que as contas IAS/IFRS não são tomadas em consideração, por não estarem auditadas (esquecendo a referência às «outras contas finais» contida no ponto 26 da comunicação) e afirma, por outro, que a razão da sua rejeição é que não são definitivas. A decisão deve, por conseguinte ser anulada em razão destes vícios e na medida em que não determina quais as contas consolidadas de 2004 mais próximas das exigências do artigo 5.° do regulamento.

141    A Comissão, apoiada pelos intervenientes, alega que a recorrente parte da premissa errada de que os PCGA e as contas IAS/IFRS relativas a 2004 têm um estatuto idêntico e acrescenta que as contas IAS/IFRS relativas a 2004 apresentadas pela recorrente não podem ser consideradas finais.

–       Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

142    No tocante, em primeiro lugar, ao pretenso carácter mais adequado das contas conciliadas da recorrente, deve recordar‑se, em primeiro lugar, que a Comissão expôs, nos pontos 19 a 27 da decisão, as razões pelas quais o volume de negócios da recorrente devia ser determinado com base nas contas oficiais elaboradas em conformidade com os PCGA e não com base nas contas conciliadas. Tal como acima declarado, foi com razão que ela salientou, a este propósito, que a Endesa era legalmente obrigada a elaborar as suas contas consolidadas oficiais relativas ao exercício de 2004 em conformidade com os PCGA, que essa exigência era conforme com as regras comunitárias de contabilidade aplicáveis nessa época e que as contas conciliadas só deviam ser elaboradas a título comparativo.

143    Há que reconhecer, em seguida, que, tal como exposto nos pontos 25 e 26 da decisão, o argumento da recorrente segundo o qual os princípios de contabilidade IFRS reflectem de forma mais exacta o potencial económico das empresas não pode ser acolhido.

144    Por um lado, o objectivo consistente em medir o potencial económico das empresas não obriga a Comissão a proceder, num caso individual de aplicação dos artigos 1.° e 5.° do regulamento, a uma apreciação geral dos méritos das diferentes abordagens contabilísticas previstas pelo direito comunitário, em particular quando existam contas auditadas em função de uma única dessas normas, que era precisamente a exigida tanto pelo direito nacional como pelo direito comunitário aplicável à época.

145    Por outro lado, a afirmação da recorrente segundo a qual as normas IFRS reflectem melhor a realidade económica pela razão de que privilegiam a substância em relação à forma, ao inverso das normas dos PCGA, não esta de forma alguma demonstrada. Tal como exposto no ponto 26 da decisão, a circunstância de o legislador comunitário ter considerado que as normas internacionais de contabilidade adoptadas pelo Regulamento n.° 1606/2002, deviam permitir obter uma imagem fiel da situação financeira das empresas não implica ipso facto a superioridade técnica dessas normas, para efeitos da aplicação do artigo 5.° do regulamento relativo às concentrações, em comparação com as normas de contabilidade aplicáveis por força da legislação dos Estados‑Membros até 1 de Janeiro de 2005. O Regulamento n.° 1606/2002, adoptado com base no artigo 95.°, n.° 1, CE, constitui uma medida de harmonização e não contém qualquer juízo de valor sobre as diferentes normas nacionais. Além disso, como sublinhou a Gas Natural, numerosas normas de contabilidade espanholas que aplicam os PCGA prevêem que a substância deve sempre prevalecer sobre a forma e o plano geral de contabilidade põe o acento na ideia de «imagem fiel», corolário de um «mecanismo capaz de exprimir a realidade económica das transacções realizadas».

146    No tocante, em segundo lugar, ao argumento da recorrente segundo o qual as suas contas conciliadas deveriam ser consideradas como «outras contas finais» na acepção do ponto 26 da comunicação, deve recordar‑se que, tal como resulta da comunicação, o volume de negócios das empresas em causa deve ser calculado com base em números fiáveis, objectivos e facilmente identificáveis. Embora o ponto 26 precise que «por conseguinte, regra geral, a Comissão basear‑se‑á nas contas auditadas ou noutras contas finais [...]» e que ela «em todo o caso, [...] manifesta uma certa relutância em basear‑se em contas provisórias, contas de gestão ou qualquer outro tipo de contas provisórias, salvo em circunstâncias excepcionais», isso não significa, todavia, que a comunicação ponha ao mesmo nível as contas auditadas e as «outras contas finais». O ponto 26 da comunicação não poderá ser interpretado como apresentando várias opções entre as quais seria possível escolher livremente, mas como visando cobrir situações específicas em que não existam contas auditadas relativas ao último exercício. O ponto 27 da comunicação apenas faz, aliás, referência às contas auditadas do exercício mais recente e já não às «outras contas finais». Ora, no caso em apreço, não é contestado que existam contas auditadas relativas ao exercício de 2004 e não há, portanto, que tomar em consideração outras contas finais.

147    De qualquer forma, é forçoso reconhecer que a recorrente não chegou a demonstrar se as contas conciliadas que apresentou à Comissão são contas finais ou definitivas.

148    A este propósito, basta recordar o teor dos comentários da Endesa que acompanhavam as suas contas conciliadas quando estas foram comunicadas à CNMV em 5 de Abril de 2005. Na parte «Considerações gerais», a Endesa afirma que «[o]s balanços e contas de resultados consolidados do exercício de 2004, determinados em conformidade com os critérios de avaliação e de classificação das IAS/IFRS, são demonstrações pró‑forma que servirão unicamente a título de comparação com as de 2005, primeiro exercício relativamente ao qual as contas serão elaboradas segundo as IFRS» (p. 3, ponto 1). A Endesa menciona, por outro lado, que existem várias excepções na primeira aplicação das normas IAS/IFRS (p. 13). Finalmente, na nota jurídica II (p. 34), a Endesa esclarece que o Conselho das normas internacionais de contabilidade (IASB) poderá publicar novas normas aplicáveis a partir de 1 de Janeiro de 2005, que não existe ainda uma autoridade competente para velar pela boa aplicação das normas que possa ser consultada a esse propósito, que as mudanças susceptíveis de resultar do que precede, bem como da evolução da prática do sector, podem influenciar igualmente a maneira como ela interpreta as normas e que, por consequência, poderão se aduzidas modificações às informações fornecidas antes da sua publicação (em 2006) por comparação com as contas anuais do exercício de 2005.

149    Nestas condições, há que considerar que as contas conciliadas produzidas pela Endesa não podem ser consideradas contas «finais» na acepção da comunicação.

150    Quanto aos dois processos, invocados pela recorrente, em que a Comissão aceitou a utilização das contas não auditadas mais recentes, basta indicar que, nesses dois processos, a operação de concentração tinha sido notificada no início de ano (a primeira em Fevereiro de 1996 e a segunda em Fevereiro de 2001) e que as empresas em questão não dispunham ainda de contas auditadas quanto ao último exercício. Por conseguinte, era necessário decidir utilizar as contas auditadas de um exercício anterior (1994 e 1999, respectivamente) ou as contas do último exercício, já encerrado, mesmo que elas não estivessem ainda auditadas. Em ambos os casos, por outro lado, as contas mais antigas não reflectiram mudanças consideráveis na actividade económica das empresas que se tenham produzido durante o último exercício e a sua utilização infringiu o artigo 5.° do regulamento. Portanto, os factos próprios desses dois processos distinguem‑se de maneira determinante das circunstâncias do presente processo.

151    Resulta do que precede que as contas apresentadas pela Endesa elaboradas segundo as normas IAS/IFRS não podem ser consideradas finais, de forma que os argumentos segundo os quais a Comissão deveria ter‑lhe dado a preferência não poderão, de qualquer maneira, ser acolhidos.

152    Resulta das considerações que precedem que o segundo segmento do terceiro fundamento deve ser rejeitado.

 Quanto ao terceiro segmento, relativo a erros de direito e a erros manifestos de apreciação que afectam a rejeição das contas conciliadas

–       Argumentos das partes

153    A Endesa invoca, em primeiro lugar, o carácter manifestamente errado dos fundamentos que a Comissão apresentou para rejeitar os seus argumentos relativos à oportunidade de utilizar as contas conciliadas, em segundo lugar a existência de circunstâncias excepcionais, no caso concreto, que justificam, de qualquer forma, a utilização das contas conciliadas e, em terceiro lugar, o carácter manifestamente errado dos fundamentos da decisão relativos à pretensa incompatibilidade da utilização das contas conciliadas com o objectivo de simplicidade, com o princípio geral da segurança jurídica e com a exigência de uma aplicação uniforme do regulamento.

154    A Endesa sustenta, em primeiro lugar, que o raciocínio seguido no ponto 24 da decisão está incompleto, pois não tem em conta o facto de, em conformidade com as IFRS‑1 adoptadas pelo Regulamento n.° 707/2004, a data de passagem às normas IAS/IFRS ser 1 de Janeiro de 2004. Mais precisamente, o legislador comunitário previu a obrigação de as empresas cotadas em bolsa prepararem contas consolidadas e conciliadas pelo menos quanto ao ano de 2004. Em Espanha, a CNMV fixou em 31 de Agosto de 2005 a data‑limite de apresentação das contas conciliadas relativas ao exercício de 2004. A Endesa deu a isso cumprimento em 5 de Abril de 2005. Por conseguinte, contrariamente à leitura parcial realizada pela Comissão, a interpretação coerente e completa da intenção do legislador comunitário permite concluir que o exercício contabilístico de 2004 era um período transitório no decurso do qual coexistiam duas normas de contabilidade em razão de uma exigência legal.

155    A Endesa salienta, em seguida, que a Comissão enuncia, igualmente no ponto 24 da decisão, que as contas IAS/IFRS do exercício de 2004 podiam ser objecto de modificações e tinham um valor puramente comparativo, tese que é demonstrada pela ausência de uma obrigação legal de auditar as referidas contas. Ora, a Comissão parece ignorar que todas as contas de uma empresa têm um objectivo comparativo e que as contas IAS/IFRS do exercício de 2004 foram elaboradas em conformidade com uma obrigação prevista pelo direito comunitário. A inexistência de uma obrigação legal de auditar as referidas contas está ligada às particularidades de um período transitório. Seria, com efeito, absurdo que o legislador comunitário ou nacional acrescentasse aos custos da transição contabilística os da realização de uma dupla auditoria para um mesmo exercício, constituindo as contas IAS/IFRS de 2004 uma conciliação com as contas auditadas do mesmo exercício contabilístico, que têm um valor contabilístico e legal idêntico.

156    A afirmação segundo a qual as normas IAS/IFRS podem sofrer mudanças até ao fim do exercício de 2005, o que, segundo a decisão, impede de as considerar definitivas, revela um desconhecimento das normas de contabilidade estabelecidas pelo legislador comunitário bem como dos regulamentos de aplicação que a própria Comissão adoptou durante os últimos meses. Por um lado, o novo sistema de contabilidade é aplicável a partir de 1 de Janeiro de 2005 e o facto de certas regras de contabilidade do novo sistema terem sido adoptadas pela Comissão após o lançamento da OPA não tem incidência sobre o carácter definitivo das contas, tendo as contas conciliadas da Endesa sido elaboradas com base em dados certos e definitivos e aplicando as regras de contabilidade utilizadas até então na execução das normas IAS/IFRS. Considerar que as referidas contas não são definitivas porque posteriormente outras regras foram acrescentadas no novo quadro jurídico é tão absurdo como afirmar que nunca existem contas definitivas, pois a adaptação e o desenvolvimento de um sistema de contabilidade é um processo em evolução permanente.

157    Por outro lado, as regras recentemente adoptadas, com efeito retroactivo, não afectam em caso algum as contas da Endesa, pois que elas dizem respeito ao sector financeiro e ao dos seguros, e não ao sector da electricidade. Além disso, as modificações respeitantes às IAS 39 não têm qualquer incidência na determinação do volume de negócios, na medida em que estas visam apenas o tratamento contabilístico de instrumentos financeiros. Ademais, desde a data em que a Gas Natural anunciou a OPA sobre a Endesa, nenhuma modificação das normas IAS/IFRS susceptível de afectar a contabilização das receitas relativas aos exercícios de 2004 ou 2005 se produziu e nenhuma pode já ocorrer.

158    Por conseguinte, nenhum dos argumentos da Comissão permite considerar que as contas consolidadas do exercício de 2004 segundo as normas IAS/IFRS não são contas definitivas. Afastar a utilização das contas IAS/IFRS de 2004 até ao encerramento do exercício de 2005 é manifestamente contrário à intenção do legislador comunitário, o qual impôs a aplicação das normas comunitárias de contabilidade a partir de 1 de Janeiro de 2005 e não a partir de 1 de Janeiro de 2006. Portanto, todas as informações contabilísticas que as empresas cotadas em bolsa devem divulgar ao mercado durante o ano de 2005, façam elas referência ao exercício de 2005 ou ao de 2004, são comunicadas exclusivamente segundo as normas IAS/IFRS.

159    A Endesa conclui que, mesmo que sejam adoptadas modificações, por o aperfeiçoamento de um sistema de contabilidade ser um processo de evolução permanente, não é menos verdade que, como a Comissão reconheceu em várias ocasiões, «de acordo com o Regulamento [...] n.° 1606/2002, constitui um objectivo da Comissão dispor de uma plataforma estável de normas internacionais de contabilidade aplicáveis a partir de 1 de Janeiro de 2005» [considerando 4 do Regulamento (CE) n.° 2086/2004 da Comissão, de 19 de Novembro de 2004, que altera o Regulamento n.° 1725/2003 (JO L 363, p. 1), e considerando 2 do Regulamento n.° 2238/2004 da Comissão, de 29 de Dezembro de 2004, que altera o Regulamento n.° 1725/2003 (JO L 394, p. 1)].

160    No que respeita ao ponto 25 da decisão, a Endesa observa que a decisão não explica as razões pelas quais a Comissão não pode avaliar os diferentes métodos de contabilidade disponíveis. Essa posição da Comissão está claramente em contradição com o ponto 60 da comunicação, no qual a própria Comissão indica que é possível «tomar em consideração diferentes regras contabilísticas, nomeadamente as referentes à elaboração de contas consolidadas, que embora se encontrem em certa medida harmonizadas, não são idênticas na Comunidade» e que «esta consideração sucede em relação a qualquer tipo de empresa abrangida pelo regulamento [...]». Este ponto da comunicação, se bem que faça principalmente referência às sociedades holding, indica, todavia, que a possibilidade de tomar em consideração diferentes normas de contabilidade se estende a todas as empresas qualquer que seja o sector a que pertencem.

161    A Endesa opõe‑se à afirmação, que figura também no ponto 25 da decisão, segundo a qual «o papel da Comissão, tal como descrito mais em detalhe na comunicação relativa ao cálculo do volume de negócios, limita‑se a examinar os ajustamentos específicos exigidos por força do disposto no artigo 5.° do regulamento [...]» e considera, pelo contrário, que a obrigação contida no artigo 5.° do regulamento compreende o exame da adequação das contas das empresas em causa para determinar o seu volume de negócios efectivo.

162    Essa afirmação, contida na decisão, está de novo em contradição manifesta com a comunicação que, no ponto 26, indica que «a Comissão procura basear‑se nos valores disponíveis mais exactos e fiáveis». No caso em apreço, na sequência do trabalho de harmonização realizado pelas instituições comunitárias, existiram duas contas consolidadas correspondentes ao exercício contabilístico de 2004 e foi necessário determinar qual das duas era a mais justa e a mais fiável. Ora, tendo presentes os relatórios dos auditores externos da empresa, que a Comissão não menciona uma única vez na decisão, é evidente que as contas consolidadas elaboradas segundo as normas de contabilidade espanholas desnaturavam, de maneira significativa, as receitas operacionais de uma empresa activa no sector da electricidade.

163    No que respeita à superioridade técnica das normas comunitárias de contabilidade relativamente às normas nacionais, sobre a qual a Comissão emite dúvidas no ponto 26 da decisão, a Endesa observa que, nos actos preparatórios do Regulamento n.° 1606/2002, a Comissão faz expressamente referência à necessidade de melhorar, harmonizar e tornar mais fiáveis as informações financeiras, indo para além das previsões da Quarta Directiva 78/660/CEE do Conselho, de 25 de Julho de 1978, baseada no artigo 54.°, n.° 3, alínea g), do Tratado e relativa às contas anuais de certas formas de sociedades (JO L 222, p. 11; EE 17 F1 p. 55) e que, se esta tivesse garantido informações tão claras e fiáveis como as requeridas pelo novo sistema de contabilidade, teria sido inútil introduzir este último. A este propósito, a Comissão não tomou em consideração os pareceres dos auditores externos da Endesa, que explicam claramente as diferenças existentes entre os resultados indicados nas contas elaboradas segundo as diferentes normas de contabilidade.

164    A Endesa acrescenta que os fundamentos da decisão, segundo os quais tanto as normas comunitárias de contabilidade actuais como as antigas normas têm por objectivo uma representação fiel da realidade económica das empresas, desprezaram as diferenças concretas existentes entre uma harmonização parcial e uma harmonização total das normas, bem como os princípios de base do direito comunitário e a lógica mais elementar. A própria Comissão reconheceu, aliás, que as antigas directivas contabilísticas «deixaram de satisfazer as necessidades de empresas que pretendem mobilizar capitais nos mercados de valores mobiliários pan‑europeus ou internacionais» [v. o ponto 9 da Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento de 13 de Junho de 2000, COM (2000) 359 final] e reconheceu também que «as normas IAS [...] asseguram um conjunto de normas exaustivo e conceptualmente sólido para a apresentação de informações financeiras pelas empresas que deverá satisfazer as necessidades da comunidade internacional na esfera de negócios».

165    A Endesa sustenta que a Comissão comete igualmente um erro ao considerar que a utilização de contas não auditadas só é possível em circunstâncias excepcionais. Essa interpretação não aparece nem explicita nem implicitamente no regulamento, que constitui a única regulamentação aplicável de carácter obrigatório, e também não é conforme ao ponto 26 da comunicação, segundo o qual só é necessário provar a existência de circunstâncias excepcionais se se pretender utilizar contas de gestão ou contas não definitivas.

166    Para o caso de a tese da Comissão ser acolhida, deveria considerar‑se que existem efectivamente, no presente caso, circunstâncias excepcionais. Por um lado, a questão da utilização de uma norma contabilística em vez de outra é em si mesma excepcional. Por outro lado, a utilização de diferentes sistemas de contabilidade implica uma diferença de 4 400 milhões de euros no tocante às receitas da Endesa, o que é um facto raro que atinge poucos mercados, de forma que a mudança do próprio sistema de contabilidade deveria ser considerada um elemento excepcional e de grande importância para o mercado da electricidade espanhol, em que a presença de um pool obrigatório multiplica artificialmente por dois as transacções do ponto de vista financeiro, se a compensação das rubricas não for realizada, como é exigido pelo novo sistema de contabilidade.

167    A Endesa contesta, por outro lado, os fundamentos que figuram no ponto 25 da decisão, segundo os quais a utilização das contas IAS/IFRS teria sido contrária a outro «objectivo igualmente válido, que consiste em aplicar critérios simples e objectivos para determinar a competência da Comissão nos processos de concentração, bem como ao princípio geral da segurança jurídica».

168    Quanto à objectividade, a Endesa sustenta que a Comissão não explica as razões pelas quais as contas IAS/IFRS são menos objectivas que outras e esquece que o auditor externo da Endesa certificou que eram baseadas em dados correctos e auditados e que o método de conciliação era também correcto.

169    No tocante à simplicidade, todas as empresas comunitárias cotadas em bolsa têm sido informadas desde há anos da introdução dos novos critérios e sabiam que o ano de 2004 era um ano de transição. A Endesa acrescenta que a consideração segundo a qual a simplicidade das regras de interpretação é um objectivo que tem o mesmo valor jurídico que a obrigação de determinar correctamente a competência da Comissão é dificilmente conciliável com a comunicação, a qual sublinha, nos pontos 60 e 61, a necessidade de fazer um exame minucioso, rigoroso, ou mesmo oneroso das contas, quando o volume de negócios estiver próximo dos limiares do regulamento (Processo IV/M.213 – Hong Kong and Shangai Bank/Midland).

170    Quanto ao princípio da segurança jurídica, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que esse princípio garante uma regulamentação «clara e precisa, a fim de que os administrados possam conhecer sem ambiguidade os seus direitos e obrigações e agir em conformidade» (acórdãos do Tribunal de Justiça de 9 de Julho de 1981, Gondrand Frères e Garancini, 169/80, Recueil, p. 1931, de 13 de Fevereiro de 1996, Van Es Douane Agenten, C‑143/93, Colect., p. I‑431, n.° 27, e de 14 de Abril de 2005, Bélgica/Comissão, C‑110/03, Colect., p. I‑2801). Isso não significa que a determinação do volume de negócios tenha de ser «fácil» em todos os casos e não justifica o facto de não tomar em consideração todas as informações disponíveis. A Endesa lembra que a conciliação das contas é uma obrigação decorrente de regras comunitárias que qualquer operador prudente deve conhecer desde há alguns anos e que a protecção dos direitos dos operadores económicos não é justificada «quando um operador económico prudente e avisado puder prever a adopção de uma medida comunitária» (acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Julho de 2004, Di Lenardo e Dilexport, C‑37/02 e C‑38/02, Colect., p. I‑6911, n.° 70). No caso presente, as normas IAS/IFRS eram claras, precisas e conhecidas dos operadores prudentes e avisados no momento do lançamento da OPA, de forma que não se verifica qualquer violação caracterizada do princípio da segurança jurídica.

171    Quanto ao último fundamento, exposto no ponto 27 da decisão, segundo o qual «a utilização dos números IFRS não auditados no presente caso, criaria uma disparidade de tratamento relativamente a todos os outros processos em que a Comissão se referiu a números elaborados com base nas normas nacionais nas contas auditadas relativas a 2004», a Endesa sublinha que a Comissão não teve em conta a jurisprudência segundo a qual uma desigualdade de tratamento existe não somente quando duas situações similares recebem tratamento diferente, mas também quando duas situações diferentes recebem tratamento semelhante. Ora, ela forneceu numerosos relatórios durante o procedimento administrativo que explicam o tratamento contabilístico particular aplicável às empresas espanholas do sector da electricidade, o qual não diz respeito às outras empresas espanholas nem às empresas do mesmo sector ou de outros sectores estabelecidos noutros Estados‑Membros.

172    O carácter obrigatório do pool em Espanha, acrescido à natureza das antigas normas de contabilidade, que não permitiam a compensação de rubricas, tem por efeito, nomeadamente, que transacções realizadas entre empresas do mesmo grupo ou, em suma, que correspondam a uma única transacção económica sejam contabilizadas duas vezes. Por conseguinte, é, na realidade, a decisão que cria um tratamento discriminatório, pois, em caso de realização da mesma operação entre empresas de dimensão idêntica à da Gas Natural e da Endesa, mas de outros sectores económicos ou de outros países da Comunidade, os volumes de negócios das empresas em causa teriam sido calculados evitando uma duplicação de rubricas.

173    A Endesa conclui que, por todas estas razões, a Comissão cometeu uma falta na análise das informações fornecidas por ela, que se traduz por uma grave deficiência na fundamentação da decisão e por um erro manifesto resultante da não aplicação dos princípios resultantes do artigo 5.° do regulamento e da comunicação.

174    A Comissão, apoiada pelos intervenientes, alega que nenhum dos argumentos invocados pela recorrente procede.

–       Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

175    No tocante, em primeiro lugar, aos argumentos da recorrente relativos ao facto de a Comissão ter cometido um erro ao afastar a possibilidade de utilizar as contas conciliadas, basta remeter para a apreciação dos dois primeiros segmentos do fundamento. Com efeito, foi já salientado que as únicas contas válidas da Endesa para apreciar a dimensão comunitária ou nacional da operação de concentração são as do exercício de 2004 elaboradas em conformidade com a legislação espanhola em vigor no momento da OPA, auditadas por revisores de contas e aprovadas pelos accionistas e que, de qualquer forma, as contas conciliadas, elaboradas unicamente para fins comparativos, que a recorrente apresentou à Comissão, não podiam ser consideradas definitivas. O carácter não definitivo das contas conciliadas da recorrente é, de resto, confirmado pela circunstância de, em 19 de Setembro de 2005, ela ter modificado essas contas com vista a incluir ajustamentos destinados a baixar o volume de negócios em Espanha num montante de 111 milhões de euros em relação às contas conformes com as normas IFRS apresentadas à CNMV em 5 de Abril de 2005. Finalmente, a circunstância de as mudanças introduzidas posteriormente nas normas IAS/IFRS não dizerem respeito ao sector da electricidade em nada altera o facto de as normas IAS/IFRS que deviam aplicar‑se ao exercício de 2005 não terem ainda conteúdo estável e definitivo em Setembro de 2005, nem sobretudo o facto de não existir ainda qualquer autoridade para interpretar essas novas normas. É, aliás, forçoso reconhecer que o próprio revisor de contas da Endesa precisou que não podia pronunciar‑se sobre a validade dos métodos de conciliação seguidos.

176    No tocante, em segundo lugar, às circunstâncias excepcionais que impõem a utilização das contas conciliadas, deve salientar‑se que nenhuma das circunstâncias invocadas poderá ser considerada excepcional. Com efeito, no que respeita, em primeiro lugar, às particularidades do sector da electricidade em Espanha, basta reconhecer que o pool existe em Espanha desde 1998 e que nem a Endesa nem qualquer outra empresa do sector deram conta da necessidade de proceder a qualquer ajustamento das suas contas PCGA em nenhum dos processos de controlo de concentrações, nacional ou comunitário, em que foram partes. Deve observar‑se, além disso, que as pretensas especificidades e distorções graves da contabilidade das empresas do sector da electricidade em Espanha, alegadas pela recorrente, também não constituem circunstâncias excepcionais, na medida em que a oportunidade de proceder a eventuais ajustamentos para as ter em conta pode ser examinada independentemente do sistema de contabilidade. No caso em apreço, a Comissão procedeu, aliás, ao exame dos principais ajustamentos propostos pela recorrente a esse respeito.

177    Em segundo lugar, o facto de as normas IAS/IFRS serem chamadas a substituir os PCGA a partir do exercício de 2005 não pode considerar‑se excepcional, também não o podendo ser a necessidade de elaborar contas conciliadas relativas a 2004 para fins de comparação. É certo que uma mudança da regulamentação contabilística constitui um evento importante e pouco frequente na vida de uma empresa, mas a recorrente não invoca qualquer elemento fundado na letra e nos objectivos do regulamento que faça dessa mudança uma circunstância excepcional. Por outro lado, a aplicação obrigatória das novas normas de contabilidade não significa necessariamente que as regras de contabilidade aplicáveis anteriormente fossem pouco fiáveis ou imprecisas.

178    Em terceiro lugar, a circunstância de a utilização de diferentes sistemas de contabilidade provocar uma diferença de 4 400 milhões de euros no tocante às receitas da Endesa também não poderá ser considerada excepcional. Com efeito, essa diferença provém de ajustamentos cuja oportunidade pode ser examinada independentemente do sistema de contabilidade.

179    De qualquer forma, deve salientar‑se que as circunstâncias excepcionais mencionadas nos pontos 26 e 27 da comunicação se referem unicamente, salvo no que respeita às diferenças existentes em relação às normas de contabilidade de Estados não membros da União Europeia, à necessidade de tomar em conta as mudanças significativas e permanentes que afectam a realidade económica das empresas em causa (aquisições e alienações posteriores à auditoria das contas, encerramento de estabelecimento). Ora, no caso em apreço a recorrente não invocou tais mudanças.

180    No tocante, em terceiro lugar, à acusação relativa à violação do princípio da segurança jurídica, basta salientar que as contas auditadas oferecem mais garantias objectivas, pois que envolvem a responsabilidade da empresa e do auditor. É, pelo contrário, a utilização de contas que não foram aprovadas pelos accionistas nem confortadas por uma auditoria externa que é contrária ao objectivo consistente em aplicar critérios simples e objectivos para a determinação da dimensão de uma concentração. Deve recordar‑se que o próprio fundamento do sistema de limiares estabelecido pelo artigo 1.° do regulamento consiste em fornecer um método simples e eficaz para determinar a autoridade competente. Como alegou, com razão, a Comissão, o uso das contas oficiais e auditadas e, em princípio, a limitação dos ajustamentos a fazer nessas contas ao que é estritamente indispensável à luz do artigo 5.° do regulamento são elementos essenciais desse método simples, previsível e eficaz.

181    Por outro lado, aceitar a tese da Endesa equivaleria a admitir que qualquer operação de concentração deveria ser objecto de um exame contabilístico prévio pela Comissão para verificar a conformidade das contas das empresas em causa com os princípios enunciados no artigo 5.° do regulamento.

182    No tocante ao argumento da Endesa segundo o qual a utilização das contas conciliadas em nada teria ofendido o princípio da segurança jurídica, pois que qualquer operador avisado estava em condições de prever a entrada em vigor de um novo sistema de contabilidade, há que indicar que um operador avisado e razoável não teria podido prever que a Comissão se afastasse das únicas contas oficiais que foram auditadas. Deve, por outro lado, recordar‑se que as normas de contabilidade IAS/IFRS, e mais ainda a sua interpretação, não estavam ainda definitivamente fixadas em Setembro de 2005.

183    De qualquer forma, há que recordar, de novo, que as contas conciliadas que a recorrente apresentou à Comissão não podem ser consideradas definitivas.

184    Finalmente, a acusação relativa a uma pretensa discriminação em relação a concentrações que relevam de outros sectores ou de outros Estados‑Membros deve ser rejeitada como manifestamente desprovida de qualquer fundamento. Por um lado, assenta em simples alegações e na premissa não demonstrada de que as contas oficiais e auditadas do exercício de 2004 da Endesa não reflectem a realidade económica. Por outro lado, uma vez que a Comissão segue a prática de se basear nas contas oficiais auditadas, é, pelo contrário, o abandono dessa prática, na ausência de circunstâncias excepcionais, que podia ser percepcionado como uma discriminação. Além disso, as contas auditadas que são utilizadas para apreciar a dimensão da operação podem, para ter em conta as eventuais especificidades do sector ou do país em questão, ser objecto de eventuais ajustamentos. A este propósito, há que recordar que a Comissão examinou os ajustamentos propostos pela recorrente.

185    Resulta do que precede que o terceiro segmento do terceiro fundamento não pode ser acolhido.

186    Por conseguinte, há que rejeitar o terceiro fundamento.

 Quanto ao quarto fundamento, relativo à rejeição do ajustamento «pass throug» e do ajustamento respeitante às trocas comerciais de gás

187    No quadro do presente fundamento, a Endesa contesta a rejeição pela Comissão de dois ajustamentos que ela tinha exigido, um relativo às operações de distribuição (o ajustamento «pass through») e o outro às trocas comerciais de gás. Há que observar, a título preliminar, que as contas anuais da recorrente elaboradas segundo os PCGA relativamente a 2004 mostram que o seu volume de negócios em Espanha representava 80,07% do seu volume de negócios comunitário. Se fosse admitido que os dois ajustamentos em causa, pedidos pela Endesa, eram fundados, a percentagem do seu volume de negócios em Espanha seria reconduzida a 73,94% do seu volume de negócios comunitário. Daí decorre que, mesmo que esse fundamento fosse acolhido, isso não significaria ipso facto que a operação em causa tivesse uma dimensão comunitária, mas antes que a Comissão deveria examinar os outros ajustamentos propostos pela recorrente, bem como os propostos pela Gas Natural, sobre os quais não se pronunciou na decisão, pois só uma combinação de numerosos ajustamentos permitiria passar abaixo do limiar dos dois terços.

188    Sendo o ajustamento «pass through» de qualquer forma necessário para que a dimensão comunitária da operação de concentração possa ser atingida, deve examinar‑se, em primeiro lugar, o primeiro segmento do fundamento, a ele relativo.

–       Argumentos das partes

189    A Endesa salienta que o artigo 5.°, n.° 1, do regulamento é literalmente copiado do § 23 da Lei alemã relativa à concorrência (GWB), cujo § 29 especifica que as «receitas das actividades não ordinárias serão unicamente tomadas em conta em casos excepcionais». Por conseguinte, só a parte das receitas ligada à actividade de distribuição deveria ser tomada em conta no momento de determinar o volume de negócios da empresa de distribuição, isto é, só a comissão correspondente a essa actividade.

190    A Endesa denuncia, a esse propósito, a apreciação errada da Comissão sobre o valor jurídico da comunicação e o facto de ter omitido examinar os ajustamentos propostos em conformidade com o regulamento. Salienta que, no ponto 33 da decisão, a Comissão afirma que, «a esse propósito, deve notar‑se que a comunicação [...] em lado algum faz referência ao conceito de montante ‘repercutido’ (em parte) proveniente da venda de produtos e da prestação de serviços pela empresa». Ora, a única base jurídica para o cálculo do volume de negócios é o regulamento, tendo a comunicação somente valor de acto interpretativo da Comissão. Qualquer interpretação contrária violaria o princípio da hierarquia das normas. No caso em apreço, uma vez que a actividade da empresa de distribuição comporta custos correspondentes a simples montantes «repercutidos», só a comissão correspondente a essas actividades deveria ser considerada como relevando do conceito de «actividade normal» que figura no artigo 5.° do regulamento.

191    A Endesa acrescenta que, ao seguir a abordagem errada que consiste em assentar a sua fundamentação na comunicação, a Comissão faz referência ao conteúdo dos pontos 7, 11 e 13 da comunicação afirmando que, «tendo em conta as circunstâncias próprias do presente processo, as empresas espanholas de distribuição de electricidade não podem ser equiparadas a empresas que fazem simplesmente função de intermediário e cujo volume de negócios é constituído unicamente pelo montante das comissões que elas cobram». Assim, a Comissão descreve o funcionamento da actividade das empresas de distribuição e do pool em Espanha sem definir os fundamentos pelos quais, no caso em apreço, as empresas de distribuição não são simples intermediárias. A Comissão não examina a questão de saber se as empresas de distribuição extraem efectivamente lucros dessa actividade, que ultrapassem a simples remuneração dos seus serviços determinada por tarifas regulamentadas. De facto, a Comissão não toma em conta o facto de o decreto real pelo qual são determinadas as tarifas eléctricas de cada ano fixar a retribuição que as empresas de distribuição recebem pelo exercício das suas funções durante o referido período, retribuição que é independente das vendas de energia que as empresas de distribuição realizam e, por conseguinte, da quantidade de energia que lhes é fornecida.

192    Ora, não adicionando as operações realizadas pelas empresas de distribuição qualquer valor à transacção, pois que a retribuição da actividade de distribuição é determinada ex ante, prévia e independentemente das operações de compra e de venda de energia, estas constituem operações neutras para efeitos do cálculo do volume de negócios. O papel de intermediário das empresas de distribuição resulta explicitamente do artigo 4.° do Decreto Real n.° 2017/1997, de 26 de Dezembro de 1997, que organiza e regulamenta o processo de liquidação dos custos de transporte, distribuição e comercialização segundo uma tarifa, bem como dos custos permanentes do sistema, da diversificação e da segurança do abastecimento, de forma que, contrariamente ao que acontece no sector liberalizado, o distribuidor que cobrou a tarifa regulamentada conserva apenas a remuneração do seu serviço e transfere o remanescente pago pelo utente para o resto dos operadores. Na hipótese de existir um défice na cobrança, é o produtor que o suportará.

193    No que respeita ao fundamento da decisão segundo o qual as empresas de distribuição assumem o risco financeiro pelo não pagamento, de forma que não são intermediárias, a Endesa observa que a Comissão interpreta de forma errada as informações que lhe deu quanto a este ponto, bem como o conceito de «intermediária» que figura no ponto 13 da comunicação.

194    Recorda, por um lado, que as empresas de distribuição não assumem qualquer risco financeiro pelo não pagamento que não seja compensado por um elemento incorporado nas tarifas, pois que o sistema regulamentado (e não o operador de maneira unilateral) prevê um mecanismo de garantias que permite evitar esses riscos. Por outro, indica que a existência, ou não, do risco financeiro permite diferenciar a situação do agente da de um comissário independente. A Comissão interpreta, sem fundamento jurídico, o conceito de «intermediário» como fazendo unicamente referência aos agentes, quando deveria ser relacionado com a natureza das actividades do agente.

195    A qualificação de intermediário das empresas de distribuição corresponde à prática habitual do sector energético de Espanha. Basta observar que a Gas Natural procede igualmente ao ajustamento «pass through» não só nas suas contas IAS/IFRS, mas também nas suas contas elaboradas segundo as normas de contabilidade espanholas. Assim, recusando à Endesa o ajustamento «pass through», a Comissão impediu‑a de homogeneizar o volume de negócios da sua actividade de distribuição com o da empresa adquirente.

196    A Endesa considera que a recusa de considerar o ajustamento por si proposto está, além disso, afectada de uma grave omissão na análise de um elemento que a Comissão considerou finalmente determinante, que se traduz por um excesso de poder e por uma insuficiência da fundamentação. A Endesa reconhece que a Comissão emitiu subitamente dúvidas a este respeito na fase final do processo, quando, antes, esta nunca lhe tinha pedido explicações a esse propósito. Mais precisamente, a Comissão não manifestou qualquer dúvida nem pediu qualquer explicação entre 19 de Setembro e 8 de Novembro de 2005, data em que concedeu à Endesa um prazo de 24 horas para responder a uma série de questões que iriam ser determinantes na fundamentação da decisão.

197    Além disso, a análise desse ajustamento está também incompleta quanto a outros elementos e a fundamentação da decisão é manifestamente contraditória. Segundo a Endesa, se se considera que as sociedades de distribuição não agem como intermediárias, deve averiguar‑se se uma parte das operações de distribuição não é constituída por operações intragrupos e, nomeadamente, se não existe uma dupla contabilização da mesma transacção, uma vez que a energia distribuída pela Endesa Distribución é adquirida junto da Endesa Generación através do pool.

198    A Endesa indica, a esse propósito, que, em 10 de Novembro de 2005, a Comissão lhe pediu verbalmente explicações quanto a esse aspecto do ajustamento. Por duas mensagens electrónicas de 11 e 12 de Novembro de 2005, a Endesa insistiu no facto de a lógica desse ajustamento ir para além da simples eliminação da parte intragrupo, propondo simultaneamente, no entanto, aduzir dados relativos às operações intragrupos. A Comissão nunca deu seguimento a essas mensagens e, na decisão, não se pronunciou sobre essa questão.

199    A análise efectuada pela Comissão é contraditória na medida em que a Comissão indica, na decisão, que não se pronunciará sobre o ajustamento proposto em relação à facturação intragrupo, mas rejeita, no entanto, o ajustamento «pass through» que contém uma parte muito significativa das vendas intragrupos. Além disso, a decisão insiste na falta de importância das eventuais transacções intragrupos, embora afirmando que a Endesa não forneceu dados sobre a percentagem delas, e isto apesar das mensagens electrónicas supramencionadas, às quais a Comissão não deu seguimento.

200    A Comissão, apoiada pelos intervenientes, alega que as empresas de distribuição não são simples intermediárias ou simples comissionistas e que, por isso, os argumentos da recorrente devem ser rejeitados.

–       Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

201    A recorrente invoca diversos argumentos, de fundamentação e de fundo, contra a recusa da Comissão de proceder a um ajustamento das receitas das empresas de distribuição em causa para eliminar as receitas cobradas em nome de terceiros. Alega, em substância, que em direito espanhol as empresas distribuidoras de electricidade são obrigadas a cobrar certos montantes junto dos seus clientes para os repercutir, em seguida, nos produtores de electricidade e nos operadores de rede e que esses montantes deverão portanto, ser deduzidos das receitas que figuram na contabilidade da Endesa, uma vez que não resultam da «venda de produtos e da prestação de serviços realizadas pelas empresas em causa [...] e correspondentes às suas actividades normais» na acepção do artigo 5.°, n.° 1, do regulamento.

202    No tocante, em primeiro lugar, ao argumento da recorrente segundo o qual a Comissão cometeu um erro ao basear a sua apreciação no simples facto de a comunicação não prever qualquer ajustamento para as situações de repercussão, deve salientar‑se, em primeiro lugar, que a recorrente não contesta a legalidade da referida comunicação, mas sustenta que a Comissão lhe deu um alcance excessivo, quando apenas tem o valor de acto interpretativo, e deveria ter examinado o ajustamento proposto em conformidade com as disposições do regulamento, que constitui a única base jurídica para o cálculo do volume de negócios.

203    Deve recordar‑se, a este propósito, que a Comissão é obrigada a aplicar a comunicação na medida em que não for contrária ao regulamento e que essa comunicação especifica que, a título excepcional, certos ajustamentos devem ser efectuados em certas circunstâncias Tendo a recorrente procurado, no decurso do procedimento administrativo, ligar os ajustamentos propostos às categorias de ajustamentos mencionados na comunicação, não poderá criticar‑se a Comissão por se ter referido, na decisão, aos pontos 7, 11 e 13 da comunicação para refutar os argumentos desenvolvidos à volta desses mesmos pontos pela recorrente durante o procedimento administrativo.

204    Há que observar em seguida que, se a decisão indica que a comunicação não se refere em parte alguma ao conceito de montante «repercutido» proveniente da venda de produtos e da prestação de serviços pela empresa, a circunstância de a comunicação não prever um ajustamento em caso de repercussão dos custos não é, todavia, a única razão pela qual a Comissão não procedeu ao referido ajustamento. Com efeito, a Comissão salientou igualmente na decisão (pontos 33 in fine, 34 e 35), nomeadamente, que as empresas espanholas de distribuição de electricidade não podem ser equiparadas a empresas que fazem simplesmente função de intermediário e cujo volume de negócios é constituído unicamente pelo montante das comissões que cobram, pelas seguintes razões: as sociedades de distribuição de electricidade são obrigadas não somente a transportar electricidade nas suas redes de distribuição, mas também a fornecer electricidade aos clientes que decidem manter‑se no sistema regulamentado; a distribuição de electricidade implica a venda aos consumidores finais de produtos adquiridos anteriormente pelos distribuidores; as despesas ligadas à compra de electricidade deverão ser consideradas custos para as sociedades de distribuição; o risco de não pagamento pelos clientes finais do preço da electricidade fornecida é suportado pelas sociedades de distribuição e é o distribuidor que arca com toda a responsabilidade por qualquer desrespeito das obrigações decorrentes do contrato celebrado com o cliente final.

205    Segue‑se que a acusação da recorrente relativa ao facto de a Comissão ter cometido um erro ao basear a sua apreciação no simples facto de a comunicação não prever qualquer ajustamento «pass through» é de rejeitar.

206    No tocante, em segundo lugar, à acusação de que a fundamentação é insuficiente, basta remeter para os pontos 30 a 36 da decisão, que expõem os fundamentos considerados pela Comissão para rejeitar o ajustamento «pass through» e acima foram sucintamente resumidos, para declarar que não poderá ser acolhida.

207    Deve, em seguida, examinar‑se se foi com razão que a Comissão considerou, na decisão, que não havia que proceder ao ajustamento «pass through».

208    A esse propósito, deve recordar‑se em primeiro lugar que, como foi indicado no ponto 9 da comunicação, o conceito de volume de negócios enunciado no artigo 5.° do regulamento se refere de forma explícita «aos montantes que resultam da venda de produtos e da prestação de serviços». A venda, reflexo da actividade da empresa, é portanto o critério essencial da determinação do volume de negócios, quer se trate de produtos quer da prestação de serviços.

209    Por outro lado, os imperativos de segurança jurídica e de rapidez que prevalecem no quadro do controlo das concentrações implicam que tanto as empresas como as autoridades de concorrência possam fundar‑se, em princípio, num critério previsível e de acesso imediato. Nestas condições, o volume de negócios a tomar em consideração com vista a determinar a autoridade competente para conhecer de uma operação de concentração deve, em princípio, ser definido a partir das contas anuais publicadas. Portanto, é só a título excepcional, quando circunstâncias particulares o justificarem, que há que proceder a certos ajustamentos destinados a reflectir o melhor possível a realidade económica das empresas em causa.

210    Deve ainda sublinhar‑se que o artigo 5.° do regulamento se refere o todo o volume de negócios e não a uma simples parte deste. A título excepcional, a comunicação encarou a possibilidade de determinar, em certas circunstâncias, o volume de negócios de outra forma que não por referência ao conjunto das vendas de produtos e das prestações de serviços. O ponto 13 da comunicação especifica a este propósito:

«Atendendo à complexidade do sector dos serviços, este princípio geral é susceptível de ser adaptado às condições específicas do serviço prestado. Assim, em determinados sectores de actividade (turismo, publicidade, etc.), o serviço pode ser vendido por intermédio de terceiros. Tendo em conta a diversidade destes sectores, podem verificar‑se vários tipos de casos: por exemplo, uma empresa de serviços que actua como intermediária pode apenas ter um volume de negócios correspondente ao montante das comissões por ela cobradas.»

211    Deve salientar‑se, em primeiro lugar, que esse ponto da comunicação diz respeito a uma categoria particular de intermediários, que é a dos que se incluem exclusivamente no sector dos serviços e cuja única remuneração é o montante das comissões que cobram. Trata‑se, portanto, de uma excepção à regra geral segundo a qual o volume de negócios pertinente deve ser determinado na base do montante total das vendas. Por conseguinte, esse conceito de intermediário deve ser interpretado de modo estrito.

212    Há que observar, em seguida, que a recorrente não afirma que, em direito espanhol, a sua actividade seja exercida no quadro de um contrato de agência ou de comissão, ou de outra forma de contrato similar. Assim, é forçoso reconhecer que a recorrente não vende a electricidade ao consumidor final em nome ou por conta dos produtores de electricidade ou dos operadores da rede.

213    Além disso, na ausência de elementos de natureza jurídica avançados pela Endesa em sentido contrário, a relação jurídica existente entre a Endesa e os consumidores finais deve analisar‑se como um contrato de venda de electricidade. Essa venda é um acto comercial que implica uma transferência de propriedade.

214    Acontece o mesmo com a relação jurídica existente entre a Endesa e o produtor de electricidade que a fornece, seja por intermédio da bolsa de electricidade OMEL seja por outra forma. O artigo 41.°, n.° 2, da Lei espanhola n.° 54/1997, relativa ao sistema de produção e de distribuição de electricidade, determina que os distribuidores de electricidade têm, nomeadamente, o direito de adquirir a electricidade necessária para assegurar o abastecimento dos seus clientes e cobrar a retribuição correspondente ao exercício da actividade de distribuição. O artigo 45.°, n.° 1, alínea h), da mesma lei dispõe que as empresas de distribuição são obrigadas, para efeitos de entrega da energia eléctrica, a adquirir a energia necessária para o desenvolvimento das suas actividades e a realizar o pagamento das suas aquisições segundo o processo de liquidação estabelecido para esse efeito.

215    Tendo presentes essas disposições, há que rejeitar os argumentos expostos pela recorrente na audiência, segundo os quais o distribuidor não é proprietário da energia, porque no momento em que o produtor põe a energia em circulação no sistema ela se torna instantaneamente propriedade do cliente. O artigo 11.°, n.° 4, da Lei n.° 54/1997 dispõe, aliás, também que, salvo convenção em contrário, se entende que a transferência da propriedade da energia eléctrica se efectua no momento em que esta entra nas instalações do comprador.

216    Segue‑se que a actividade dos distribuidores que consiste, nomeadamente, em comprar electricidade ou gás aos seus fornecedores e em assegurar a sua distribuição e a sua venda ao consumidor final não poderá ser qualificada de prestação de serviços que se limita a fornecer um produto por conta dos produtores e outros operadores. A Endesa não poderá, portanto, de um ponto de vista jurídico, ser considerada uma simples intermediária na acepção do ponto 13 da Comunicação e não poderá, em princípio, ser objecto da excepção que nele é contemplada, uma vez que as receitas que extrai da distribuição correspondem às suas actividades normais na acepção do artigo 5.°, n.° 1, do regulamento. Portanto, o ajustamento em causa não poderá justificar‑se pelo carácter pretensamente excepcional da actividade de venda das empresas de distribuição.

217    Deve, aliás, observar‑se que o artigo 20.° da Lei n.° 54/1997 não introduz qualquer disposição especial para ter em conta uma particularidade de empresas como a da recorrente. Assim, o seu n.° 2, terceiro parágrafo, lê‑se da seguinte forma: «No que respeita às sociedades que têm por objecto a realização de actividades regulamentadas, em conformidade com o disposto no artigo 11.°, n.° 2, da presente lei, essas sociedades devem ter na sua contabilidade contas separadas que diferenciem as receitas e os custos estritamente imputáveis à actividade de transporte, à actividade de distribuição e, tal sendo o caso, às actividades de comercialização e de venda aos clientes a preços fixos». Como a Comissão salienta, com razão, essa disposição não se refere aos PCGA espanhóis aplicáveis aos simples comissionistas.

218    A Endesa alega, todavia, que a Comissão não investigou se as empresas de distribuição retiravam efectivamente dessa actividade benefícios económicos que ultrapassassem a simples remuneração dos seus serviços determinada por tarifas regulamentadas.

219    A esse propósito, deve, antes de mais, salientar‑se que a simples circunstância de a remuneração da actividade de distribuição ser regulamentada, de forma mais ou menos extensa, não poderá bastar, por si só, para levar à conclusão de que a remuneração dos distribuidores deve ser qualificada de simples comissão para efeitos da aplicação do regulamento.

220    A Endesa sustenta, todavia, que o papel de intermediário das empresas de distribuição resulta explicitamente do artigo 4.° do Decreto Real n.° 2017/1997, de 26 de Dezembro de 1997, que organiza e regulamenta o processo de liquidação dos custos de transporte, distribuição e comercialização segundo uma tarifa, bem como dos custos permanentes do sistema, da diversificação e da segurança do abastecimento.

221    Não resulta, todavia, do referido artigo que a actividade de distribuição seja a de um simples intermediário. Em particular, esse artigo não indica que uma empresa de distribuição conserve somente a remuneração do seu serviço e transfira o resto para os outros operadores, antes estabelecendo uma lista de receitas e de custos liquidáveis para efeitos da aplicação do decreto real.

222    Quanto ao facto, alegado pela recorrente, de as operações realizadas pelas empresas de distribuição não adicionarem qualquer valor à transacção, há que salientar, como fez a Comissão, que a distribuição compreende uma série de actividades que vão para além do simples fornecimento de energia. Assim, o distribuidor utiliza, ainda, a sua marca e fornece um serviço integral ao cliente que compreende o serviço ao cliente, as recomendações de segurança, a inspecção das instalações, a leitura dos contadores, a facturação e a cobrança. Deve, por outro lado, observar‑se que o facto de um sector ser regulamentado não cria de forma alguma uma ficção económica segundo a qual a distribuição não gera qualquer valor acrescentado nem qualquer fluxo de receitas.

223    No tocante aos argumentos da recorrente segundo os quais, por um lado, a retribuição das empresas de distribuição é fixada em cada ano independentemente das compras e das vendas de energia, e, por outro lado, essas empresas não assumem qualquer risco pelo não pagamento, deve observar‑se, em primeiro lugar, que o Decreto Real n.° 2819/1998, relativo à regulação das actividades de transporte e de distribuição de energia eléctrica, fixa, no artigo 15.°, os elementos da retribuição da actividade de distribuição, a saber: os custos de investimento, de exploração e de manutenção das instalações, os custos da energia encaminhada, os custos de um modelo que caracteriza as zonas de distribuição, os custos dos incentivos à qualidade do fornecimento e à redução das perdas e outros custos necessários ao exercício da actividade de distribuição, entre os quais figuram os custos da gestão comercial.

224    Sendo o custo da energia encaminhada um dos elementos da retribuição da actividade de distribuição, segue‑se que a afirmação da recorrente segundo a qual a retribuição das empresas de distribuição é absolutamente independente das vendas de energia que elas realizem e, por conseguinte, da quantidade de energia que lhes é fornecida, não tem fundamento.

225    Deve observar‑se em seguida que, se bem que, em conformidade com o artigo 20.° do Decreto Real n.° 2819/1998, a retribuição global da actividade de distribuição seja anualmente calculada ex ante, os distribuidores devem, no entanto, suportar riscos decorrentes da sua própria gestão, em particular no que respeita às suas previsões quanto à procura. Com efeito, o distribuidor compra electricidade ao pool ao preço do mercado, mas, como resulta do artigo 4.°, alínea e), do Decreto Real n.° 2017/1997, é retribuído com base no preço médio ponderado. Assim, na altura da liquidação dos custos de aquisição da energia, em conformidade com o anexo I.6 do Decreto Real n.° 2017/1997, o custo que é imputado ao distribuidor não é o custo que efectivamente pagou no mercado, mas o preço médio ponderado das compras de energia pelos distribuidores durante o período de liquidação. Portanto, o distribuidor que pague um preço superior à média perderá a diferença, pois que terá suportado um custo real superior ao que lhe é efectivamente pago. Pelo contrário, o distribuidor que pague um preço inferior à média obterá um lucro adicional. Segue‑se que, como aliás a recorrente reconhece na sua resposta a uma pergunta escrita do Tribunal, o sistema em vigor assegura uma remuneração da actividade de distribuição meramente teórica, dependendo a remuneração efectiva do nível de eficácia dos distribuidores na compra da energia.

226    Por outro lado, no tocante às vendas de electricidade dos distribuidores aos consumidores finais, deve observar‑se que a recorrente não demonstrou a inexactidão da afirmação que figura no considerando 35 da decisão, segundo a qual o risco de não pagamento pelos clientes finais do preço (regulado) da electricidade fornecida é suportado pelas sociedades de distribuição. Se é verdade que existe um mecanismo que permite tomar em conta, de maneira geral e em certa medida, o risco de não pagamento, não é menos verdade que é o distribuidor que suportará o risco de não pagamento, como resulta do artigo 4.°, alínea a), última frase, do Decreto Real n.° 2017/1997, segundo o qual «no processo de liquidação, são tomadas em conta as receitas obtidas a esse título a partir dos dados de facturação, independentemente da sua cobrança». Fazendo essa disposição referência à facturação e não aos montantes efectivamente recebidos, deve considerar‑se que o risco de não pagamento da factura pelo cliente está a cargo da empresa de distribuição.

227    A circunstância de o artigo 79.°, n.° 7, do Decreto Real n.° 1955/2000, relativo à regulamentação das actividades de transporte, distribuição, comercialização e fornecimento, bem como dos procedimentos de autorização de instalações de energia eléctrica, prever que as empresas de electricidade possam exigir a constituição de um depósito em garantia não é de molde a infirmar essa conclusão. Com efeito, por um lado, o montante desse depósito é limitado à facturação mensal de 50 horas de utilização para a potência instalada. Por outro lado, essa disposição prevê igualmente que certas categorias de consumidores, segundo zonas geográficas determinadas, possam ser isentas da obrigação de efectuar esse depósito. Finalmente, segundo a sexta disposição transitória desse decreto real, o referido depósito não pode ser exigido aos consumidores que já recebiam o fornecimento a uma tarifa regulamentada no momento da sua entrada em vigor. Ora, como observa a Comissão, neste ponto não contestada pela recorrente, a grande maioria dos consumidores de electricidade a tarifa regulamentada subscreveu o seu contrato de fornecimento de electricidade antes do ano 2000. Segue‑se que esses depósitos em garantia apenas cobrem uma parte limitada do risco de não pagamento.

228    Quanto ao facto de a qualificação de intermediário das empresas de distribuição corresponder à prática habitual no sector energético em Espanha, há todavia que observar, ainda que este ponto não seja decisivo, que, na sequência da pergunta escrita feita pelo Tribunal e das observações feitas pelas partes na audiência, se revelou que não havia unanimidade no que respeita à prática do ajustamento «pass through» nas empresas do sector.

229    Finalmente, no tocante à afirmação da recorrente segundo a qual a recusa de considerar o ajustamento «pass through» está inquinada por uma grave omissão na análise, que se traduz num excesso de poder e numa insuficiência de fundamentação, na medida em que a Comissão manifestou subitamente dúvidas relativamente a esse ajustamento, na fase final do procedimento, quando nunca antes tinha pedido explicações à Endesa a esse respeito, basta reconhecer que a circunstância de certas informações terem sido recolhidas no fim do procedimento não poderá, enquanto tal, afectar de ilegalidade a decisão. Além disso, a complexidade do procedimento é de molde a justificar que a Comissão procure obter, mesmo numa fase avançada dele e após ter adquirido um conhecimento mais detalhado do contexto, certas informações complementares. Por outro lado, é forçoso reconhecer, de qualquer forma, que o pedido de informações enviado pela Comissão em 28 de Setembro de 2005 continha já diversas perguntas relativas à eventual eliminação de certas receitas cobradas em Espanha (perguntas 2 e 3) e que a recorrente prestou, na sua resposta, esclarecimentos quanto ao ajustamento «pass through» (carta de 5 de Outubro de 2005).

230    Resulta do que precede que os argumentos da recorrente avançados em apoio da acusação relativa à falta de ajustamento «pass through» devem ser rejeitados.

231    Nestas circunstâncias, o Tribunal declara que não é necessário examinar a procedência da tese subsidiária da recorrente segundo a qual, mesmo que se considere que as sociedades de distribuição não actuam como intermediárias, deve ainda investigar‑se se uma parte das operações de distribuição não é constituída por operações intragrupos. Com efeito, resulta da resposta à pergunta escrita do Tribunal que esse ajustamento correspondente ascende a 1 510 milhões de euros. Ora, resulta dos autos que, mesmo que todos os outros ajustamentos que propõe a recorrente fossem aceites e que todos os «contra‑ajustamentos» que propõe a Gas Natural fossem rejeitados, esse montante não bastaria para que a operação de concentração pudesse ter uma dimensão comunitária.

232    À luz destas considerações, há que rejeitar o primeiro segmento do quarto fundamento.

233    Sendo o ajustamento «pass through» de qualquer forma necessário para que a dimensão comunitária da operação de concentração possa ser atingida, também não é necessário examinar o segundo segmento do fundamento, relativo às trocas comerciais de gás.

234    Resulta do que precede que o quarto fundamento deve ser rejeitado.

 Quanto ao quinto fundamento, relativo à violação dos critérios enunciados na comunicação, à falta de análise e de fundamentação e a desvio de poder

 Argumentos das partes

235    A Endesa considera que, pelas razões mencionadas nos segundo, terceiro e quarto fundamentos de anulação, bem como em razão dos vícios processuais que afectam a decisão, esta deve ser anulada, sem que seja necessário emitir pronúncia sobre a apreciação manifestamente errada que a Comissão faz dos outros ajustamentos propostos. Indica que, dado o seu pedido tendente a que este recurso seja tratado segundo uma tramitação acelerada, se limita a alegar a insuficiência da fundamentação quanto a esse ponto.

236    A Endesa critica a abordagem adoptada pela Comissão que consiste em invocar a falta de base jurídica específica, na comunicação, para rejeitar vários ajustamentos, e em examinar certos ajustamentos e não outros.

237    No tocante ao primeiro ponto, alega que a Comissão desconhece ainda o facto de a base jurídica para o cálculo do volume de negócios das empresas em causa ser o artigo 5.° do regulamento e não a comunicação. O facto de considerar admissíveis unicamente os ajustamentos nesta previstos ou nos termos que nela são indicados, sem pôr a questão de saber se esses ajustamentos são conformes, ou não, ao regulamento, constitui um erro manifesto.

238    Quanto ao segundo ponto, a Endesa considera que a Comissão deveria ter explicado segundo que critério escolheu os ajustamentos que mereciam ser objecto de uma análise e os ajustamentos em relação aos quais tal análise não podia ser realizada. A justificação fornecida no ponto 70 da decisão segundo a qual «a Comissão considera [...] que não é necessário pronunciar‑se quanto a este ponto, na medida em que a concentração não teria dimensão comunitária mesmo que esses ajustamentos fossem aceites» é inaceitável, pois que a mesma justificação poderia ter sido dada para numerosos outros ajustamentos muito menos importantes e que, não obstante, foram examinados.

239    A Endesa invoca outros elementos que, considerados no seu conjunto, constituem indícios claros e unívocos de um desvio de poder. É pelo menos singular, por exemplo, que a Comissão não avalie nenhum dos ajustamentos propostos pela Gas Natural, com excepção de um só, relativo «às sociedades não consolidadas» do grupo, que joga, mesmo que de forma insignificante, em favor dela. É ainda mais significativo verificar que a Comissão omitiu mencionar na decisão o caso de uma outra sociedade não consolidada (Ergon Energía) que a Endesa mencionara na sua resposta ao pedido de informações da Comissão de 4 de Novembro de 2005. Ora, se se tivessem em conta todas as sociedades não consolidadas, a balança penderia a favor da dimensão comunitária da operação. A fundamentação do ponto relativo às receitas suplementares da Endesa em Itália (pontos 60 a 64 da decisão) é igualmente surpreendente, pois que a Comissão faz alusão a duas rubricas mas não se pronuncia sobre a que era economicamente mais importante.

240    A Endesa sustenta que uma leitura atenta da decisão permite entrever que o único objectivo da Comissão foi limitar os riscos de a decisão ser anulada pelo Tribunal, quando lhe incumbia aplicar as regras em matéria de competência e, em particular, expor as razões pelas quais rejeitava os ajustamentos propostos.

241    A Endesa afirma que o abandono, pela Comissão, das suas responsabilidades quanto à determinação da sua competência constitui um desvio de poder que, além disso, viola os direitos de defesa, por falta de fundamentação suficiente, quando ela colaborou activamente, ao longo de todo o procedimento administrativo, aduzindo uma série de dados pedidos pela Comissão.

242    O prazo de 24 horas concedido à Endesa para responder a um pedido de informações enviado 50 dias após o início do procedimento e que ia ser determinante na fundamentação da decisão é um indício suplementar de desvio de poder e constitui, além disso, uma violação dos direitos de defesa.

243    Tendo presentes os elementos supramencionados e, em particular, a falta de justificação da escolha dos ajustamentos examinados e a insuficiência da fundamentação, e tendo em conta os seus argumentos relativos às duas acusações principais (referentes às normas de contabilidade, por um lado, e ao ajustamento «pass through» e ao ajustamento respeitante às trocas comerciais de gás, por outro), a Endesa considera que é inútil desenvolver os seus argumentos que contestam a avaliação dos diferentes ajustamentos examinados nos pontos 37 a 72 da decisão.

244    A Comissão, apoiada pelos intervenientes, afirma que o presente fundamento se compõe de argumentos diversos, que se limitam, no essencial, a exprimir a surpresa da recorrente perante certos aspectos da decisão e cujo único objectivo parece ser fazer com que sejam consideradas contestadas as apreciações dos ajustamentos que não foram objecto de contestação expressa. A Comissão sustenta que essa crítica não está de forma alguma escorada e não remete para qualquer passagem precisa da decisão. Considera, portanto, que se trata de um fundamento inadmissível por não satisfazer as condições de forma previstas no artigo 44.° do Regulamento de Processo. Acrescenta que, mesmo que os erros alegados fossem reais, eles não poderiam constituir a prova de um desvio de poder

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

245    No quadro deste fundamento, a recorrente formula uma série de argumentos heterogéneos relativos aos outros ajustamentos rejeitados na decisão, aos ajustamentos sobre os quais a Comissão não se pronunciou na decisão, ou ao prazo de resposta a um pedido de informações. Finalmente, a recorrente invoca um desvio de poder.

246    No tocante, em primeiro lugar, ao exame dos outros ajustamentos propostos e que foram objecto de análise na decisão, a recorrente limita‑se a alegar que a Comissão os rejeitou pela simples razão de eles não estarem previstos na comunicação.

247    É certo que, como recorda a Comissão, o Tribunal já teve ocasião de indicar que a tramitação acelerada do processo, na qual não existe a possibilidade de apresentar segundos articulados, supõe que os argumentos da recorrente estejam clara e definitivamente expostos desde o início na petição (acórdão EDP/Comissão, n.° 93 supra, n.° 183). Todavia, no caso em apreço, a acusação é admissível na medida em que, embora exposta muito sucintamente e pouco escorada, pode todavia ser compreendida como tendo por alvo o erro cometido pela Comissão, consistente em esta ter considerado admissíveis unicamente os ajustamentos previstos na comunicação, sem verificar se esses ajustamentos eram conformes, ou não, ao previsto no regulamento.

248    Esta acusação deve, no entanto, ser rejeitado quanto ao fundo. Resulta, com efeito, do exame da decisão que, contrariamente ao que sustenta a recorrente, a Comissão não rejeitou qualquer dos ajustamentos em causa pela simples razão de não estar explicitamente previsto na comunicação.

249    Assim, a rejeição dos ajustamentos visados nos pontos 41 a 44 da decisão não se baseia na comunicação, mas na circunstância de se tratar de ajustamentos que não foram auditados ou que não tinham fundamento (ponto 44 da decisão). Também não é feita referência à comunicação a propósito do ajustamento analisado nos pontos 45 a 50 da decisão. Por outro lado, a recusa do ajustamento examinado nos pontos 51 a 55 da decisão assenta na consideração de que se trata de custos que as empresas de electricidade devem suportar para continuar activas no mercado, referindo‑se a conclusão ao artigo 5.°, n.° 1, do regulamento. O ajustamento examinado nos pontos 56 e 57 da decisão é rejeitado porque, de um ponto de vista contabilístico, a transferência de activos em questão devia ser considerada, em si mesma, uma receita, quer os activos transferidos sejam ou não, em si mesmos, geradores de receitas. Além disso, a Comissão considerou que esse tipo de prática era corrente ou, pelo menos, não excepcional. A conclusão refere‑se igualmente ao artigo 5.°, n.° 1, do regulamento. A crítica da recorrente também não é fundada no que respeita ao ajustamento examinado nos pontos 58 e 59, em que é indicado que a Endesa não demonstrou de forma suficientemente clara que as receitas em questão diziam realmente respeito aos anos anteriores, nem no que respeita ao ajustamento examinado nos pontos 60 a 64 da decisão, que é rejeitado por força do princípio de prudência e do próprio regulamento. Por fim, no tocante ao ajustamento examinado nos pontos 65 a 68 da decisão, a conclusão refere‑se igualmente ao artigo 5.° do regulamento.

250    Segue‑se que a acusação da recorrente relativa aos outros ajustamentos rejeitados na decisão não pode ser acolhida.

251    Deve salientar‑se, por outro lado, que a recorrente não pode reservar‑se a possibilidade de suscitar posteriormente novos fundamentos ou argumentos. Há que considerar que a decisão é definitiva no que diz respeito aos outros ajustamentos propostos pela Endesa e que foram objecto de análise por parte da Comissão na decisão.

252    No tocante, em segundo lugar, à acusação relativa aos ajustamentos sobre os quais a Comissão não tomou posição, a recorrente sustenta que a Comissão deveria ter esclarecido segundo que critério definiu os ajustamentos que mereciam ser objecto de análise e os ajustamentos em relação aos quais tal análise podia não ser realizada. Considera que essa escolha é completamente injustificada e tem por consequência privar a decisão de fundamento se o Tribunal acolher um dos dois fundamentos principais, ou ambos, relativos, por um lado, às normas de contabilidade a utilizar e, por outro, ao ajustamento «pass through» e ao ajustamento respeitante às trocas comerciais de gás.

253    Esta acusação não pode ser acolhida. Com efeito, é claro que, mesmo que todos os ajustamentos sobre os quais a Comissão não se pronunciou fossem aceites, a concentração não teria dimensão comunitária, o que só poderia ocorrer se, além disso, devessem ser aceites quer as contas IFRS produzidas pela recorrente quer os dois ajustamentos respeitantes à repercussão e às trocas comerciais de gás. Tendo a Comissão concluído na decisão pela rejeição tanto das contas IFRS como dos dois ajustamentos, era, por isso, inútil que ela examinasse os restantes ajustamentos propostos pela Endesa.

254    A recorrente também não poderá invocar uma falta de fundamentação quanto a esse ponto. Com efeito, o dever de fundamentação, em particular no quadro do controlo das concentrações, que requer uma adopção rápida de decisões, não exige que a Comissão tome posição sobre ajustamentos que, mesmo que fossem aceites, seriam desprovidos de efeito, na medida em que, da rejeição prévia de outros ajustamentos já resulta, suficientemente de um ponto de vista jurídico, que a operação de concentração não tem dimensão comunitária.

255    Por identidade de razão, devem ser rejeitados os argumentos relativos ao facto de a Comissão não ter avaliado nenhum dos ajustamentos propostos pela Gas Natural (com excepção do que joga contra a Endesa) nem os relativos às sociedades não consolidadas, em particular a Ergon Energia. Além disso, deve observar‑se que, se bem que a Comissão tenha todavia aceitado um dos ajustamentos propostos pela Gas Natural, o fez pela razão de que a própria recorrente tinha admitido o bem fundado deste. Finalmente, a censura de não ter examinado os ajustamentos propostos pela Gas Natural é desprovida de sentido, uma vez que esses «contra‑ajustamentos» propostos pela Gas Natural teriam por efeito aumentar a proporção do volume de negócios que a recorrente realiza em Espanha.

256    No tocante, em terceiro lugar, à afirmação da recorrente segundo a qual uma leitura atenta da decisão permite entrever que o único objectivo da Comissão foi limitar os riscos de que a decisão fosse anulada pelo Tribunal, basta observar que não poderá censurar‑se a Comissão por se assegurar da legalidade das suas decisões, a fim de que estas não sejam anuladas pelo Tribunal.

257    No que respeita, em quarto lugar, à acusação relativa ao facto de lhe ter sido concedido um prazo de apenas 24 horas para responder a um pedido de informações enviado 50 dias após o início do procedimento e que ia ser determinante na fundamentação da decisão, basta reconhecer que a recorrente não pediu a prorrogação do prazo e pôde responder no prazo fixado.

258    Finalmente, no tocante, em quinto lugar, à acusação de desvio de poder, deve recordar‑se que um acto só enferma de desvio de poder se se verificar, com base em indícios objectivos, pertinentes e concordantes, que foi adoptado com a finalidade exclusiva, ou pelo menos determinante, de atingir fins diversos dos invocados ou de eludir um processo especialmente previsto pelo Tratado para fazer face às circunstâncias do caso em apreço (acórdãos do Tribunal de Justiça de 21 de Junho de 1984, Lux/Tribunal de Contas, 69/83, Recueil, p. 2447, n.° 30; de 13 de Novembro de 1990, Fedesa e o., C‑331/88, Colect., p. I‑4023, n.° 24; de 13 de Julho de 1995, Parlamento/Comissão, C‑156/93, Colect., I‑2019, n.° 31; de 14 de Maio de 1998, Windpark Groothusen/Comissão, C‑48/96 P, Colect., p. I‑2873, n.° 52, e de 22 de Novembro de 2001, Países Baixos/Conselho, C‑110/97, Colect., p. I‑8763, n.° 137). Não sendo fundado nenhum dos vícios ou erros alegados pela recorrente, tanto no quadro do presente fundamento como no dos outros fundamentos do recurso, com o fim de demonstrar a existência de um pretenso desvio de poder, a acusação deve ser rejeitada. De qualquer forma, mesmo supondo que os erros alegados fossem reais, eles não poderiam constituir a prova de um desvio de poder.

259    Por conseguinte, o quinto fundamento deve ser julgado improcedente.

260    Resulta de tudo o que precede que há que negar provimento ao recurso.

 Quanto às despesas

261    Por força do disposto no artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas, se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida e tendo tanto a Comissão como os intervenientes concluído pela condenação da recorrente nas despesas, há que decidir que a recorrente suportará, além das suas próprias despesas, as da Comissão e as da Gas Natural, incluindo as atinentes ao processo de medidas provisórias.

262    Nos termos do artigo 87.°, n.° 4, do Regulamento de Processo, os Estados‑Membros que intervenham no processo devem suportar as respectivas despesas. Por isso, o Reino de Espanha suportará as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A recorrente suportará as suas próprias despesas, bem como as efectuadas pela Comissão e pela Gas Natural SDG, SA, incluindo as atinentes ao processo de medidas provisórias.

3)      O Reino de Espanha suportará as suas próprias despesas.

Jaeger

Tiili

Czúcz

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 14 de Julho de 2006.

O secretário

 

       O presidente

E. Coulon

 

      M. Jaeger


Índice


Quadro jurídico

Regulamentos relativos ao controlo das concentrações

Regulamentação relativa à contabilidade das sociedades

Comunicação relativa ao cálculo do volume de negócios

Factos que deram origem ao litígio

Tramitação processual

Pedidos das partes

Questão de direito

Quanto ao primeiro fundamento relativo a vícios de processo

Quanto ao primeiro segmento, relativo à adopção das decisões sobre os pedidos de remessa antes da decisão.

– Argumentos das partes

– Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

Quanto ao segundo segmento, relativo à falta de transparência e à violação dos direitos de defesa.

– Argumento das partes

– Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

Quanto ao terceiro segmento, relativo à não suspensão do processo nacional

– Argumentos das partes

– Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

Quanto ao segundo fundamento, relativo à inversão do ónus da prova e a falta de fundamentação

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

Quanto ao terceiro fundamento, relativo à não utilização das contas elaboradas em conformidade com as normas de contabilidade IAS/IFRS

Quanto ao primeiro segmento, relativo à não utilização das normas IAS/IFRS enquanto únicas normas de contabilidade em vigor

– Argumentos das partes

– Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

Quanto ao segundo segmento, relativo à preponderância das normas de contabilidade IAS/IFRS

– Argumentos das partes

– Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

Quanto ao terceiro segmento, relativo a erros de direito e a erros manifestos de apreciação que afectam a rejeição das contas conciliadas

– Argumentos das partes

– Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

Quanto ao quarto fundamento, relativo à rejeição do ajustamento «pass througt» e do ajustamento respeitante às trocas comerciais de gás

– Argumentos das partes

– Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

Quanto ao quinto fundamento, relativo à violação dos critérios enunciados na comunicação, à falta de análise e de fundamentação e a desvio de poder

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

Quanto às despesas


* Língua do processo: espanhol.