Language of document : ECLI:EU:C:2012:718

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

15 de novembro de 2012 (*)

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Política externa e de segurança comum — Medidas restritivas específicas adotadas contra determinadas pessoas e entidades face à situação na Costa do Marfim — Congelamento de fundos — Artigo 296.° TFUE — Dever de fundamentação — Direitos de defesa — Direito a um recurso jurisdicional efetivo — Direito ao respeito da propriedade»

No processo C‑417/11 P,

que tem por objeto o recurso de uma decisão do Tribunal Geral, interposto ao abrigo do artigo 56.° do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, entrado em 5 de agosto de 2011,

Conselho da União Europeia, representado por M. Bishop, B. Driessen e E. Dumitriu‑Segnana, na qualidade de agentes,

recorrente,

apoiado por:

República Francesa, representada por G. de Bergues e É. Ranaivoson, na qualidade de agentes,

interveniente no presente recurso,

sendo as outras partes no processo:

Nadiany Bamba, residente em Abidjan (Costa do Marfim), representada inicialmente por P. Haïk e, em seguida, por P. Maisonneuve, avocats,

recorrente em primeira instância,

Comissão Europeia, representada por E. Cujo e M. Konstantinidis, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

interveniente em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: R. Silva de Lapuerta, exercendo funções de presidente da Terceira Secção, K. Lenaerts (relator), E. Juhász, G. Arestis e J. Malenovský, juízes,

advogado‑geral: P. Mengozzi,

secretário: V. Tourrès, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 20 de setembro de 2012,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        Com o seu recurso, o Conselho da União Europeia pede a anulação do acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 8 de junho de 2011, Bamba/Conselho (T‑86/11, Colet., p. II‑2749, a seguir «acórdão recorrido»), em que este anulou a Decisão 2011/18/PESC do Conselho, de 14 de janeiro de 2011, que altera a Decisão 2010/656/PESC do Conselho que renova as medidas restritivas contra a Costa do Marfim (JO L 11, p. 36), e o Regulamento (UE) n.° 25/2011 do Conselho, de 14 de janeiro de 2011, que altera o Regulamento (CE) n.° 560/2005 que institui certas medidas restritivas específicas contra determinadas pessoas e entidades a fim de ter em conta a situação na Costa do Marfim (JO L 11, p. 1) (a seguir, respetivamente, «decisão controvertida» e «regulamento controvertido» e, em conjunto, «atos controvertidos»), na parte em que estes dois atos dizem respeito a N. Bamba.

 Quadro jurídico e antecedentes do litígio

2        N. Bamba é nacional da República da Costa do Marfim.

3        Em 15 de novembro de 2004, o Conselho de Segurança das Nações Unidas adotou a Resolução 1572 (2004), pela qual afirmou, nomeadamente, que a situação na Costa do Marfim continuava a pôr em perigo a paz e a segurança internacionais na região e decidiu impor determinadas medidas restritivas contra este país.

4        O artigo 14.° da Resolução 1572 (2004) institui um Comité (a seguir «Comité de Sanções») encarregado, nomeadamente, de designar as pessoas e as entidades visadas pelas medidas restritivas em matéria de deslocações e de congelamento de fundos, de ativos financeiros e de recursos económicos, impostas pela referida resolução nos seus pontos 9 e 11, bem como de manter atualizada a respetiva lista. N. Bamba nunca foi identificada pelo Comité de Sanções como devendo ser objeto de medidas dessa natureza.

5        Em 13 de dezembro de 2004, por considerar que era necessária uma ação da Comunidade Europeia para executar a Resolução 1572 (2004), o Conselho aprovou a Posição Comum 2004/852/PESC, que impõe medidas restritivas contra a Costa do Marfim (JO L 368, p. 50).

6        Em 12 de abril de 2005, por entender que era necessário um regulamento para executar, a nível comunitário, as medidas descritas na Posição Comum 2004/852, o Conselho adotou o Regulamento (CE) n.° 560/2005, que institui certas medidas restritivas específicas contra determinadas pessoas e entidades a fim de ter em conta a situação na Costa do Marfim (JO L 95, p. 1).

7        A Posição Comum 2004/852 foi prorrogada e alterada por diversas vezes, antes de ser revogada e substituída pela Decisão 2010/656/PESC do Conselho, de 29 de outubro de 2010, que renova as medidas restritivas contra a Costa do Marfim (JO L 285, p. 28).

8        Em 31 de outubro e 28 de novembro de 2010, realizou‑se a eleição para a nomeação do Presidente da República da Costa do Marfim.

9        Em 3 de dezembro de 2010, o representante especial do secretário‑geral das Nações Unidas para a Costa do Marfim certificou o resultado definitivo da segunda volta da eleição presidencial, conforme proclamado pelo presidente da Comissão Eleitoral Independente, em 2 de dezembro de 2010, que confirmou Alassane Ouattara como vencedor da eleição presidencial.

10      Em 13 de dezembro de 2010, o Conselho salientou a importância da eleição presidencial de 31 de outubro e 28 de novembro de 2010 para o regresso da paz e da estabilidade à Costa do Marfim e afirmou que a vontade expressa soberanamente pelo povo da Costa do Marfim devia imperativamente ser respeitada. Registou igualmente as conclusões do representante especial do secretário‑geral das Nações Unidas para a Costa do Marfim, no quadro do seu mandato de certificação, e felicitou A. Ouattara pela sua eleição para a presidência da República da Costa do Marfim.

11      Em 17 de dezembro de 2010, o Conselho Europeu apelou a todos os responsáveis civis e militares da Costa do Marfim, que ainda não o tivessem feito, a submeterem‑se à autoridade do Presidente democraticamente eleito, A. Ouattara. O Conselho Europeu confirmou a determinação da União Europeia em impor sanções dirigidas contra aqueles que continuassem a impedir o respeito da vontade expressa soberanamente pelo povo da Costa do Marfim.

12      A fim de impor medidas restritivas em matéria de deslocações, contra certas pessoas que, embora não designadas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas ou pelo Comité de Sanções, ponham entraves ao processo de paz e de reconciliação nacional na Costa do Marfim, em particular as que ameacem a conclusão legítima do processo eleitoral, o Conselho adotou a Decisão 2010/801/PESC, de 22 de dezembro de 2010, que altera a Decisão 2010/656 do Conselho (JO L 341, p. 45). A lista dessas pessoas figura no anexo II da Decisão 2010/656.

13      Em 14 de janeiro de 2011, o Conselho adotou a decisão controvertida.

14      Os considerandos 2 a 7 da referida decisão enunciam:

«(2)      Em 13 de dezembro de 2010, o Conselho salientou a importância da eleição presidencial de 31 de outubro e 28 de novembro de 2010 para o regresso da paz e da estabilidade à Costa do Marfim e afirmou que a vontade expressa soberanamente pelo povo da Costa do Marfim deve imperativamente ser respeitada.

(3)      Em 17 de dezembro de 2010, o Conselho Europeu apelou a todos os dirigentes da Costa do Marfim, tanto civis como militares, que ainda não o tivessem feito, a submeterem‑se à autoridade do Presidente democraticamente eleito, Alassan Ouattara.

(4)      A 22 de dezembro de 2010, o Conselho adotou a Decisão [2010/801] para impor restrições às deslocações de todos os que ponham entraves ao processo de paz e de reconciliação nacional e, em particular, daqueles que ameacem a conclusão legítima do processo eleitoral.

(5)      A 11 de janeiro de 2011, o Conselho adotou a Decisão 2011/17/PESC que altera a Decisão [2010/656], a fim de acrescentar outras pessoas à lista das pessoas sujeitas a restrições de deslocação.

(6)      Tendo em conta a gravidade da situação na Costa do Marfim, deverão ser impostas medidas restritivas adicionais contra aquelas pessoas.

(7)      Além disso, a lista das pessoas sujeitas às medidas restritivas definidas no anexo II à Decisão [2010/656] deverá ser alterada e as informações relativas a certas pessoas da lista deverão ser atualizadas.»

15      Nos termos do artigo 1.° da decisão controvertida:

«A Decisão [2010/656] é alterada nos seguintes termos:

1.      O artigo 5.° passa a ter a seguinte redação:

Artigo 5.°

1.      São congelados todos os fundos e recursos económicos que sejam propriedade ou se encontrem, direta ou indiretamente, sob controlo:

[...]

b)      das pessoas ou entidades visadas no anexo II, não incluídas na lista constante do anexo I, que ponham entraves ao processo de paz e de reconciliação nacional e, em particular, ameacem a conclusão legítima do processo eleitoral ou que se encontrem na posse de entidades que sejam propriedade ou estejam sob controlo direto ou indireto dessas pessoas ou entidades ou que atuem por conta ou às ordens de tais pessoas ou entidades.

2.      É proibido colocar, direta ou indiretamente, fundos, ativos financeiros ou recursos económicos à disposição das pessoas ou entidades referidas no n.° 1, ou disponibilizá‑los em seu benefício.

[...]’.

2.      O artigo 10.° passa a ter a seguinte redação:

Artigo 10.°

[...]

3.      As medidas a que se referem […] a alínea b) do n.° 1 do artigo 5.° são reapreciadas a intervalos regulares, pelo menos de 12 em 12 meses. Deixam de se aplicar às pessoas e entidades visadas se o Conselho determinar, pelo procedimento referido no n.° 2 do artigo 6.°, que deixaram de estar reunidas as condições para a sua aplicação.’»

16      O artigo 2.° da decisão controvertida dispõe:

«O anexo II da Decisão [2010/656] […] é substituído pelo anexo à presente decisão.»

17      Em 14 de janeiro de 2011, o Conselho adotou também o regulamento controvertido.

18      Os considerandos 1 e 4 deste regulamento enunciam:

«(1)      A Decisão [2010/656], tal como alterada [pela decisão controvertida], prevê a adoção de medidas restritivas contra certas pessoas que, muito embora não tenham sido designadas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas ou pelo Comité de Sanções, ponham entraves ao processo de paz e de reconciliação nacional na Costa do Marfim e, em particular, ameacem a conclusão legítima do processo eleitoral, bem como contra as pessoas coletivas, entidades ou organismos que sejam propriedade ou estejam sob controlo dessas pessoas e as pessoas, entidades ou organismos que atuem por sua conta ou às suas ordens.

[...]

(4)      Tendo em consideração o perigo específico que a situação na Costa do Marfim representa para a paz internacional e a segurança, e para assegurar a coerência com o procedimento de alteração e revisão dos anexos I e II da Decisão [2010/656], o Conselho deverá exercer a sua competência para alterar a lista constante dos Anexos I e IA do Regulamento [n.° 560/2005].»

19      Nos termos do artigo 1.° do regulamento controvertido:

«O Regulamento [n.° 560/2005] é alterado do seguinte modo:

(1)      O artigo 2.° passa a ter a seguinte redação:

Artigo 2.°

1.      São congelados todos os fundos e recursos económicos pertencentes às pessoas singulares ou coletivas, entidades ou organismos que figuram nas listas constantes do Anexo I ou do Anexo IA, na posse dessas pessoas, entidades ou organismos ou por eles detidos ou controlados.

2.      É proibido colocar, direta ou indiretamente, fundos ou recursos económicos à disposição das pessoas singulares ou coletivas, entidades ou organismos que figuram nas listas constantes do Anexo I ou do Anexo IA, ou disponibilizá‑los em seu benefício.

[...]

5.      O Anexo IA inclui as pessoas singulares ou coletivas, entidades e organismos referidos na alínea b) do n.° 1 do artigo 5.° da Decisão [2010/656], tal como alterada.

[...]’.

[...]

(7)      É inserido o seguinte artigo:

Artigo 11.°‑A

[...]

2.      O Conselho altera o Anexo IA em conformidade, caso decida submeter uma pessoa singular ou coletiva, entidade ou organismo às medidas referidas no n.° 1 do artigo 2.°

3.      O Conselho dá a conhecer a sua decisão e a respetiva fundamentação à pessoa singular ou coletiva, entidade ou organismo a que se referem os n.os 1 e 2, quer diretamente, se o seu endereço for conhecido, quer através da publicação de um aviso, dando‑lhe a oportunidade de apresentar as suas observações.

4.      Caso sejam apresentadas observações ou novos elementos de prova substanciais, o Conselho reexamina a sua decisão e informa em conformidade a pessoa singular ou coletiva, entidade ou organismo em causa.

[...]

6.      A lista constante do Anexo IA é reapreciada a intervalos regulares e, pelo menos, de 12 em 12 meses.’

[...]

(10)      O texto do Anexo I é inserido no Regulamento [n.° 560/2005] como Anexo IA.»

20      Através dos atos controvertidos, o Conselho inscreveu, pela primeira vez, o nome de N. Bamba entre os das pessoas objeto de medidas restritivas de congelamento de fundos. No ponto 6 do quadro A do anexo II da Decisão 2010/656, conforme alterada pela decisão controvertida, e no ponto 6 do Anexo IA do Regulamento n.° 560/2005, conforme alterado pelo regulamento controvertido, essa inscrição vinha acompanhada da menção dos seguintes motivos: «Diretora do grupo Cyclone, editor do jornal ‘Le temps’: Obstrução aos processos de paz e de reconciliação através da incitação pública ao ódio e à violência e através da participação em campanhas de desinformação relacionadas com as eleições presidenciais de 2010».

21      Em 18 de janeiro de 2011, o Conselho publicou um Aviso à atenção das pessoas e entidades a que são aplicáveis as medidas restritivas previstas na Decisão 2010/656 e no Regulamento n.° 560/2005 (JO 2011, C 14, p. 8, a seguir «aviso publicado em 18 de janeiro de 2011»). Nesse aviso, o Conselho recorda que decidiu que as pessoas e entidades que figuram no anexo II da Decisão 2010/656, conforme alterada pela decisão controvertida, e no Anexo IA do Regulamento n.° 560/2005, conforme alterado pelo regulamento controvertido, deveriam ser incluídas nas listas de pessoas e entidades sujeitas às medidas restritivas previstas por esses atos. Além disso, chama a atenção dessas pessoas e dessas entidades para a possibilidade de apresentarem às autoridades competentes dos Estados‑Membros em causa um requerimento no sentido de serem autorizadas a utilizar fundos congelados para suprir necessidades básicas ou efetuar pagamentos específicos. Precisa, por outro lado, que as pessoas e entidades em causa lhe podiam enviar um requerimento para que fosse reapreciada a decisão por meio da qual foram inscritas nas listas em causa, devendo esse requerimento ser acompanhado de documentação justificativa. Por último, o Conselho recorda a possibilidade de interpor recurso da sua decisão «junto do Tribunal Geral da União Europeia, nas condições estabelecidas no artigo 275.°, segundo parágrafo [TFUE], e no artigo 263.°, quarto e sexto parágrafos, [TFUE]».

 Tramitação processual em primeira instância e acórdão recorrido

22      Através de petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 14 de fevereiro de 2011, N. Bamba interpôs recurso de anulação dos atos controvertidos, na parte em que lhe dizem respeito.

23      Foi admitida a intervenção da Comissão Europeia em apoio dos pedidos do Conselho.

24      N. Bamba invocou dois fundamentos de recurso.

25      O primeiro desses fundamentos, relativo à violação dos direitos de defesa e do direito a um recurso efetivo, dividia‑se em três partes. A segunda dessas partes baseava‑se no facto de os atos controvertidos não preverem a comunicação de uma fundamentação circunstanciada da inscrição de N. Bamba nas listas em causa.

26      Nos n.os 38 a 57 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral examinou esta segunda parte. Depois de ter constatado, nos n.os 41 e 42 do referido acórdão, que tanto a Decisão 2010/656 como o Regulamento n.° 560/2005 estabelecem que devem ser comunicados às pessoas, às entidades e aos organismos objeto de medidas restritivas os motivos que justificam a sua inclusão nas listas que figuram no anexo II da referida decisão e no Anexo IA do referido regulamento, o Tribunal Geral verificou se, no caso em apreço, os referidos motivos tinham sido comunicados a N. Bamba, de maneira a que esta pudesse exercer os seus direitos de defesa e o seu direito a um recurso jurisdicional efetivo.

27      Nos n.os 47 e 48 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral recordou a jurisprudência pertinente relativa ao conteúdo do dever de fundamentação de um ato do Conselho que impõe medidas restritivas como as do caso em apreço. Seguidamente, nos n.os 49 a 51 do referido acórdão, declarou que tanto os fundamentos expostos nos considerandos 6 e 7 da decisão controvertida e no considerando 4 do regulamento controvertido, que comprovam a gravidade da situação na Costa do Marfim e o perigo específico que esta situação representa para a paz e para a segurança internacionais, como os expostos no ponto 6 do quadro A do anexo II da Decisão 2010/656 e no ponto 6 do quadro A do Anexo IA do Regulamento n.° 560/2005, relativamente a N. Bamba, e referidos no n.° 20 presente acórdão, correspondiam a «considerações vagas e gerais» e não a «razões específicas e concretas pelas quais [o Conselho considerava], no exercício do seu poder discricionário de apreciação, que [N. Bamba devia] ser objeto das medidas restritivas em causa».

28      Em especial, no n.° 52 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral considerou o seguinte:

«[...] a indicação de que [N. Bamba] era diretora do grupo Cyclone, editor do jornal ‘Le temps’, não constitui uma circunstância que possa servir para fundamentar os atos impugnados, a seu respeito, de forma suficiente e específica. Com efeito, essa indicação não permite compreender em que medida [N. Bamba] obstruiu o processo de paz e reconciliação pela incitação pública ao ódio e à violência e pela participação em campanhas de desinformação relacionadas com as eleições presidenciais de 2010. Nenhum elemento concreto imputado [a N. Bamba] e que possa justificar as medidas em causa foi, assim, evocado».

29      O Tribunal Geral acrescentou, no n.° 53 do acórdão recorrido, que nenhum elemento permitia considerar que, nas circunstâncias do caso em apreço, a publicação detalhada das acusações imputadas a N. Bamba colidiu com considerações imperativas de interesse geral relacionadas com a segurança da União e dos seus Estados‑Membros, ou com a condução das suas relações internacionais, ou prejudicou os interesses legítimos de N. Bamba, sendo suscetível de afetar gravemente a sua reputação. Aliás, o Conselho não evocou nenhum desses interesses.

30      No n.° 54 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral declarou que nenhuma fundamentação suplementar tinha sido comunicada a N. Bamba depois da adoção dos atos controvertidos ou durante a tramitação processual no Tribunal Geral. Durante a fase escrita, o Conselho limitou‑se a recordar que N. Bamba tinha sido inscrita nas listas de pessoas objeto de medidas restritivas, em razão da sua «responsabilidade pela campanha de desinformação e de incitação ao ódio e à violência intercomunitária na Costa do Marfim», acrescentando que a mesma era «um dos colaboradores mais importantes» de Laurent Gbagbo e que se tratava da sua «segunda esposa». Contudo, na audiência, o Conselho indicou que não tinha sido esta última qualidade que justificara a inscrição de N. Bamba nas referidas listas.

31      No n.° 55 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral salientou também que o facto de N. Bamba não ter pedido ao Conselho, na sequência da publicação dos atos controvertidos ou do aviso publicado em 18 de janeiro de 2011, que lhe comunicasse os motivos específicos e concretos da sua inclusão na lista em causa era irrelevante para o caso em apreço, uma vez que o dever de fundamentação incumbia ao Conselho e que este o devia satisfazer no momento em que essa inclusão tinha sido decidida ou, pelo menos, o mais rapidamente possível após essa decisão.

32      No n.° 56 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral concluiu que a fundamentação dos atos controvertidos não permitira a N. Bamba impugnar a respetiva validade no referido Tribunal e o tinha impedido de exercer a sua fiscalização da legalidade desses atos.

33      O Tribunal Geral, considerando que não era necessário examinar as restantes partes do primeiro fundamento nem o segundo fundamento, anulou, assim, os referidos atos na parte em diziam respeito a N. Bamba.

 Pedidos das partes no presente recurso

34      O Conselho pede que o Tribunal de Justiça se digne:

¾        anular o acórdão recorrido;

¾        pronunciar‑se a título definitivo sobre as questões objeto do presente recurso e negar provimento ao recurso;

¾        condenar N. Bamba nas despesas que efetuou em primeira instância e no âmbito do presente recurso.

35      N. Bamba pede que o Tribunal de Justiça se digne:

¾        julgar o recurso inadmissível;

¾        negar‑lhe provimento;

¾        condenar o Conselho a suportar as despesas nos termos dos artigos 69.° e seguintes do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

36      A República Francesa, cuja intervenção em apoio dos pedidos do Conselho foi admitida por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 9 de janeiro de 2012, pede que o Tribunal se digne dar provimento ao recurso interposto pelo Conselho.

 Quanto ao recurso

37      O recurso articula‑se em torno de dois fundamentos. A título principal, o Conselho invoca um fundamento relativo ao erro de direito que o Tribunal Geral cometeu ao declarar que a fundamentação contida nos atos controvertidos não cumpre as exigências estabelecidas no artigo 296.° TFUE. A título subsidiário, suscita um fundamento relativo ao erro que o Tribunal Geral cometeu ao ignorar, no âmbito da sua apreciação do respeito do dever de fundamentação no caso vertente, o contexto, bem conhecido por N. Bamba, da adoção dos atos controvertidos.

 Quanto à admissibilidade

38      N. Bamba sustenta que os dois fundamentos do recurso são inadmissíveis pelo facto de se basearem em argumentos factuais novos. Alega que, a coberto destes dois fundamentos, relativos a erros de direito, o presente recurso foi, na realidade, «instrumentalizado» pelo Conselho, para fornecer ao Tribunal de Justiça elementos de facto, baseados em artigos de imprensa, que não foram previamente submetidos nem ao Tribunal de Justiça nem ao Tribunal Geral e que, por conseguinte, nunca foram objeto de debate contraditório neste último órgão jurisdicional.

39      A este respeito, importa recordar que, nos termos do artigo 58.° do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, um recurso de uma decisão do Tribunal Geral que lhe seja submetido está limitado às questões de direito.

40      A competência do Tribunal de Justiça no âmbito de um recurso de uma decisão do Tribunal Geral é limitada à apreciação da solução jurídica que foi dada aos fundamentos debatidos perante os primeiros juízes. Por conseguinte, o Tribunal de Justiça, no âmbito de tal processo, é unicamente competente para examinar se a argumentação contida no recurso da decisão do Tribunal Geral identifica um erro de direito de que esteja ferido o acórdão recorrido (v., neste sentido, acórdãos de 4 de julho de 2000, Bergaderm e Goupil/Comissão, C‑352/98 P, Colet., p. I‑5291, n.° 35; de 30 de setembro de 2003, Eurocoton e o./Conselho, C‑76/01 P, Colet., p. I‑10091, n.° 47; e de 21 de fevereiro de 2008, Comissão/Girardot, C‑348/06 P, Colet., p. I‑833, n.° 49).

41      A questão do alcance do dever de fundamentação de um ato adotado por uma instituição da União constitui uma questão de direito que é passível de fiscalização do Tribunal de Justiça no âmbito de um recurso de uma decisão do Tribunal Geral (v., neste sentido, acórdãos de 20 de novembro de 1997, Comissão/V, C‑188/96 P, Colet., p. I‑6561, n.° 24, e de 28 de junho de 2005, Dansk Rørindustri e o./Comissão, C‑189/02 P, C‑202/02 P, C‑205/02 P a C‑208/02 P e C‑213/02 P, Colet., p. I‑5425, n.° 453).

42      No caso em apreço, resulta inequivocamente do presente recurso que, com os seus fundamentos, o Conselho denuncia, no essencial, o erro de direito que o Tribunal Geral cometeu à luz do artigo 296.° TFUE, ao declarar insuficiente a fundamentação contida nos atos controvertidos, no que se refere à inscrição de N. Bamba nas listas que figuram no anexo II da Decisão 2010/656 e no Anexo IA do Regulamento n.° 560/2005.

43      Donde resulta que os fundamentos do presente recurso são admissíveis.

 Quanto ao mérito

 Argumentos das partes

44      No âmbito do primeiro fundamento, que invoca a título principal, o Conselho, apoiado pela República Francesa, alega que, contrariamente ao que o Tribunal Geral declarou no n.° 54 do acórdão recorrido, a fundamentação contida nos atos controvertidos é suficiente.

45      Afirma, por um lado, que os considerandos 2, 4, 6 e 7 da decisão controvertida e o considerando 4 do regulamento controvertido contêm uma descrição circunstanciada da situação, especialmente grave, que se verifica na Costa do Marfim, que justificou as medidas adotadas contra as pessoas mencionadas nas listas anexas a esses atos.

46      Por outro lado, o Conselho defende que, contrariamente ao afirmado no n.° 51 do acórdão recorrido, as indicações que figuram, no que se refere a N. Bamba, nos anexos dos atos controvertidos não constituem considerações vagas e gerais, mas indicam as razões específicas e concretas da sua inscrição nas listas das pessoas objeto de medidas restritivas. Salienta que é, com efeito, devido à sua qualidade de diretora do grupo de imprensa Cyclone, que edita o jornal Le temps, implicado na incitação pública ao ódio e à violência assim como na campanha de desinformação relacionada com as eleições presidenciais de finais de 2010, que N. Bamba foi objeto dessas medidas. Acrescenta que o papel desempenhado pelo jornal Le temps nos acontecimentos posteriores às eleições na Costa do Marfim é do domínio público nesse país, da mesma forma que o é no estrangeiro.

47      Salientando que o Conselho nunca lhe comunicou outros elementos de fundamentação da adoção dos atos controvertidos, para além dos enunciados nos referidos atos e dos contidos num artigo de imprensa apresentado em apoio da contestação apresentada no Tribunal Geral, N. Bamba sustenta que a evocação da sua função de diretora do grupo de imprensa Cyclone e do contexto político da Costa do Marfim, quando da adoção desses atos, decorre de considerações vagas, imprecisas e perentórias, que não constituem uma fundamentação suficiente que lhe permita compreender as razões da sua inscrição entre as pessoas abrangidas pelas medidas restritivas e impugnar a sua justeza, e que permita que o Tribunal Geral exerça a sua fiscalização da legalidade. Consequentemente, foi com razão que o Tribunal Geral concluiu pela insuficiência de fundamentação.

48      N. Bamba acrescenta que a apreciação do caráter suficiente dos fundamentos de uma inscrição numa lista de pessoas objeto de medidas restritivas só pode ser levada a cabo à luz dos elementos tomados em consideração pela instituição em causa, quando da adoção dessas medidas. A solução contrária, que permitiria uma fundamentação ex post, que consiste quer em alegar fundamentos que não existiam à data da adoção do ato controvertido quer em invocar elementos preexistentes, que só foram apresentados depois dessa adoção, deve ser afastada em nome do respeito das exigências fundamentais do direito a um processo equitativo.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

49      Segundo jurisprudência constante, o dever de fundamentar um ato lesivo, que constitui o corolário do princípio do respeito dos direitos de defesa, tem por fim, por um lado, fornecer ao interessado uma indicação suficiente para saber se o ato foi devidamente fundamentado ou se enferma eventualmente de um vício que permita impugnar a sua validade perante o juiz da União e, por outro, permitir a este último exercer a sua fiscalização da legalidade desse ato (v. acórdão de 2 de outubro de 2003, Corus UK/Comissão, C‑199/99 P, Colet., p. I‑11177, n.° 145; acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, já referido, n.° 462; e acórdão de 29 de setembro de 2011, Elf Aquitaine/Comissão, C‑521/09 P, Colet., p. I‑8947, n.° 148).

50      A fundamentação exigida pelo artigo 296.° TFUE deve revelar de forma clara e inequívoca o raciocínio da instituição, autora do ato, de forma a permitir que os interessados conheçam os fundamentos das medidas adotadas e que o órgão jurisdicional competente exerça a sua fiscalização (v., nomeadamente, acórdão de 15 de novembro de 2012, Al‑Aqsa/Conselho e Países Baixos/Al‑Aqsa, C‑539/10 P e C‑550/10 P, n.° 138 e jurisprudência referida).

51      Como o Tribunal Geral salientou no n.° 40 do acórdão recorrido, na medida em que o interessado não dispõe de um direito de audição prévia à adoção de uma decisão inicial de congelamento de fundos, o respeito do dever de fundamentação ainda é mais importante, uma vez que constitui a única garantia que permite ao interessado, pelo menos após a adoção dessa decisão, invocar utilmente as vias de recurso à sua disposição para contestar a legalidade da referida decisão.

52      Por conseguinte, a fundamentação de um ato do Conselho que impõe uma medida de congelamento de fundos deve, como indicou corretamente o Tribunal Geral no n.° 47 do acórdão recorrido, identificar as razões específicas e concretas pelas quais o Conselho considera, no exercício do seu poder discricionário de apreciação, que o interessado deve ser objeto dessa medida.

53      No entanto, a fundamentação exigida pelo artigo 296.° TFUE deve ser adaptada à natureza do ato em causa e ao contexto em que o mesmo foi adotado. A exigência de fundamentação deve ser apreciada em função das circunstâncias do caso concreto, designadamente do conteúdo do ato, da natureza dos fundamentos invocados e do interesse que os destinatários ou outras pessoas a quem o ato diga direta ou individualmente respeito podem ter em obter explicações. Não se exige que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que o caráter suficiente de uma fundamentação deve ser apreciado à luz não somente do seu teor mas também do seu contexto e do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa (v., nomeadamente, acórdão de 2 de abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink’s France, C‑367/95 P, Colet., p. I‑1719, n.° 63; e acórdãos, já referidos, Elf Aquitaine/Comissão, n.° 150, e Al‑Aqsa/Conselho e Países Baixos/Al‑Aqsa, n.os 139 e 140).

54      Em especial, um ato lesivo está suficientemente fundamentado quando ocorreu num contexto conhecido do interessado, que lhe permita compreender o alcance da medida adotada a seu respeito (acórdãos de 30 de setembro de 2003, Alemanha/Comissão, C‑301/96, Colet., p. I‑9919, n.° 89, e de 22 de junho de 2004, Portugal/Comissão, C‑42/01, Colet., p. I‑6079, n.os 69 e 70).

55      No caso vertente, deve observar‑se, por um lado, que, nos considerandos 2 a 6 da decisão controvertida e nos considerandos 1 e 4 do regulamento controvertido, o Conselho expõe o contexto geral que o levou a alargar o âmbito de aplicação pessoal das medidas restritivas instauradas contra a República da Costa do Marfim. Daí resulta que esse contexto geral, necessariamente conhecido de N. Bamba, tendo em conta, em especial, a sua posição profissional e pessoal, decorria da gravidade da situação no referido país e da ameaça concreta à paz e à segurança internacionais que resultava dos obstáculos ao processo de paz e de reconciliação nacional, em especial os que punham em perigo o respeito da vontade expressa soberanamente pelo povo da Costa do Marfim, quando das eleições de 21 de outubro e 28 de novembro de 2010, de nomear A. Ouattara como Presidente.

56      Por outro lado, no que se refere às razões pelas quais o Conselho considerou que N. Bamba devia ser objeto dessas medidas restritivas, a fundamentação, reproduzida no n.° 20 do presente acórdão, que figura no ponto 6 do quadro A do anexo II da Decisão 2010/656, conforme alterada pela decisão controvertida, e no ponto 6 do Anexo IA do Regulamento n.° 560/2005, conforme alterado pelo regulamento controvertido, identifica os elementos específicos e concretos, em termos de função exercida a título profissional, de grupo editorial, de jornal e de tipos de atos e de campanhas de imprensa visados, que consubstanciam, na opinião do Conselho, um envolvimento da interessada na obstrução ao processo de paz e de reconciliação na Costa do Marfim.

57      Contrariamente ao que o Tribunal Geral declarou, a leitura dessa fundamentação permite compreender que o Conselho retira a razão específica e concreta que o levou a adotar medidas restritivas contra N. Bamba da pretensa responsabilidade desta, devido à sua alegada função de diretora do grupo editorial do jornal Le temps, por atos de incitação pública ao ódio e à violência e das campanhas de desinformação relacionadas com as eleições presidenciais de 2010, que foram veiculadas por esse jornal.

58      Como o Conselho alegou, N. Bamba não podia razoavelmente ignorar que, ao fazer alusão, nos atos controvertidos, à função de diretora do grupo editorial do jornal Le temps exercida pela interessada, essa instituição pretendia destacar o poder de influência e a responsabilidade que são supostos resultar de uma função desse tipo, no que se refere à linha editorial desse jornal e ao conteúdo das campanhas de imprensa alegadamente levadas a cabo por este durante a crise pós‑eleitoral na Costa do Marfim.

59      Com essas indicações, foram assim dadas condições a N. Bamba para contestar utilmente o mérito dos atos controvertidos. À luz dessas indicações, era‑lhe possível, se fosse o caso, contestar a veracidade dos factos mencionados nos atos controvertidos, nomeadamente, negando a sua qualidade de diretora do grupo editorial do jornal Le temps ou a existência dessas campanhas, ou refutando a sua responsabilidade em relação às mesmas, ou contestar a pertinência de todos ou de parte desses factos ou a sua qualificação de obstrução ao processo de paz e de reconciliação na Costa do Marfim, suscetíveis de justificar aplicação de medidas restritivas contra si.

60      Há, além disso, que salientar que a questão da fundamentação, que diz respeito a uma formalidade essencial, difere da questão da prova do comportamento alegado, que decorre da legalidade substancial do ato em causa e implica verificar a veracidade dos factos mencionados nesse ato e a qualificação desses factos no sentido de que constituem elementos que justificam a aplicação de medidas restritivas contra a pessoa em causa (v., neste sentido, acórdãos de 15 de dezembro de 2005, Itália/Comissão, C‑66/02, Colet., p. I‑10901, n.° 26, e de 16 de novembro de 2011, Bank Melli Iran/Conselho, C‑548/09 P, Colet., p. I‑11381, n.° 88).

61      Assim, no caso vertente, a fiscalização do respeito do dever de fundamentação, que se destina a verificar se as indicações fornecidas pelo Conselho nos atos controvertidos eram suficientes para permitir conhecer os elementos que levaram essa instituição a impor medidas restritivas em relação a N. Bamba, deve ser distinguida do exame do mérito da fundamentação, que consiste, se for caso disso, em verificar se os elementos invocados pelo Conselho estão demonstrados e se são suscetíveis de justificar a adoção dessas medidas.

62      Quanto ao argumento de N. Bamba de que as medidas restritivas adotadas contra si não podem ser objeto de fundamentação a posteriori, basta referir que a documentação apresentada pelo Conselho, em anexo ao seu recurso, não tem por objetivo fundamentar a título ex post os atos controvertidos, mas demonstrar que, à luz do contexto em que se insere a adoção desses atos, a sua fundamentação era suficiente.

63      Resulta das considerações que antecedem que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito, ao declarar, nos n.os 54 e 56 do acórdão recorrido, que a fundamentação dos atos controvertidos não era suficiente para permitir a N. Bamba contestar a respetiva validade e ao próprio Tribunal exercer a fiscalização da sua legalidade.

64      Consequentemente, o fundamento invocado a título principal pelo Conselho é procedente e, sem que seja necessário examinar o fundamento invocado a título subsidiário por esta instituição, há que anular o acórdão recorrido.

 Quanto ao recurso no Tribunal Geral

65      Em conformidade com o disposto no artigo 61.°, primeiro parágrafo, segundo período, do Estatuto do Tribunal de Justiça, este pode, em caso de anulação do acórdão recorrido, decidir definitivamente o litígio, se este estiver em condições de ser julgado.

66      No caso em apreço, o Tribunal de Justiça considera que o recurso de anulação dos atos controvertidos, interposto por N. Bamba em primeira instância, está em condições de ser julgado, e que, portanto, há que proferir uma decisão definitiva sobre ele.

67      No seu recurso de anulação dos atos controvertidos, N. Bamba invocou dois fundamentos. O primeiro é relativo à violação dos direitos de defesa e do direito a um recurso efetivo. Este fundamento compreende três partes, relativas, respetivamente, à inexistência de qualquer procedimento que permita a N. Bamba ser ouvida e solicitar utilmente a sua retirada das listas em causa, à não comunicação de uma fundamentação circunstanciada da sua inscrição nessas listas e à falta de notificação à interessada das vias jurisdicionais e dos prazos de recurso contra essa inscrição. O segundo fundamento é relativo à violação manifesta do direito de propriedade.

 Quanto ao primeiro fundamento

 Quanto à primeira parte do primeiro fundamento

68      N. Bamba alega que o regulamento controvertido não prevê nenhum procedimento que lhe permita garantir um exercício efetivo dos direitos de defesa. Com efeito, o referido regulamento não prevê o direito de a interessada ser ouvida nem um procedimento que lhe permita solicitar utilmente a sua retirada da lista, anexa a esse regulamento, das pessoas objeto das medidas restritivas em causa.

69      Em primeiro lugar, N. Bamba alega que o regulamento controvertido não especifica as modalidades segundo as quais o Conselho é levado a manter ou a alterar a sua decisão de inscrever uma pessoa na lista das pessoas que são objeto de medidas restritivas. Observa, a este respeito, por um lado, que a revisão prevista no artigo 11.°‑A, n.° 4, do Regulamento n.° 560/2005, inserido neste último pelo regulamento controvertido, não é acompanhada de nenhuma exigência de fundamentação e não está sujeita a prazos, de forma que o Conselho se pode limitar a responder de forma lapidar a um pedido de retirada, ou mesmo a não lhe responder. Salienta, por outro lado, que o reexame periódico previsto no artigo 11.°‑A, n.° 6, do Regulamento n.° 560/2005 não é acompanhado de uma obrigação de o Conselho comunicar a sua nova decisão aos interessados e, consequentemente, de os convidar a apresentar novas observações.

70      A este respeito, há que referir que o artigo 11.°‑A, n.° 4, do Regulamento n.° 560/2005, inserido neste último pelo artigo 1.°, ponto 7, do regulamento controvertido, prevê que o Conselho reveja a sua decisão de aplicar a uma pessoa as medidas restritivas em causa e informe em conformidade o interessado, se forem formuladas observações ou se forem apresentados novos elementos de prova substanciais. O aviso publicado em 18 de janeiro de 2011 indica também a possibilidade de os interessados, como N. Bamba, dirigirem um pedido de reapreciação da decisão por meio da qual foram inscritas na lista em causa, juntando a esse pedido os documentos justificativos.

71      Além disso, nos termos do artigo 11.°‑A, n.° 6, do Regulamento n.° 560/2005, também inserido neste último pelo artigo 1.°, ponto 7, do regulamento controvertido, «[a] lista constante do Anexo IA é reapreciada a intervalos regulares e, pelo menos, de 12 em 12 meses».

72      No que se refere aos argumentos de N. Bamba relativos a alegadas lacunas desses procedimentos de revisão e de reapreciação periódica, deve salientar‑se que o presente recurso foi interposto por N. Bamba contra os atos controvertidos, na parte em que estes a inscreveram, pela primeira vez, nas listas, que figuram no anexo II da Decisão 2010/656 e no Anexo IA do Regulamento n.° 560/2005, das pessoas abrangidas por uma medida de congelamento de fundos. Como observou o Conselho, o caso vertente não tem por objeto uma recusa deste último de rever a sua decisão inicial de aplicar medidas restritivas a N. Bamba nem uma decisão dessa instituição de manter a interessada nas referidas listas, depois de reapreciação. Consequentemente, estes argumentos não são pertinentes.

73      Em segundo lugar, N. Bamba defende que o regulamento controvertido não prevê em nenhum momento, seja quando da inscrição inicial seja na fase de reapreciação, que os interessados possam ser ouvidos sobre as medidas tomadas contra eles.

74      A este respeito, importa recordar que, para atingir o objetivo prosseguido pelos atos controvertidos, as medidas restritivas em causa devem, pela sua própria natureza, beneficiar do efeito surpresa. Por esta razão, o Conselho não estava obrigado a proceder à audição de N. Bamba, antes da inclusão inicial do seu nome nas listas em causa (v., neste sentido, acórdãos de 3 de setembro de 2008, Kadi e Al Barakaat International Foundation/Conselho e Comissão, C‑402/05 P e C‑415/05 P, Colet., p. I‑6351, n.os 340 e 341, e de 21 de dezembro de 2011, França/People’s Mojahedin Organization of Iran, C‑27/09 P, Colet., p. I‑13427, n.° 61).

75      Por outro lado, na medida em que tem por objeto o procedimento de reapreciação, o argumento de N. Bamba relativo ao direito de ser ouvida não é pertinente, por razões idênticas às expostas no n.° 72 do presente acórdão.

76      Atendendo às considerações que antecedem, a primeira parte do primeiro fundamento deve ser julgada improcedente.

 Quanto à segunda parte do primeiro fundamento

77      N. Bamba alega que os atos controvertidos não preveem a comunicação de uma fundamentação circunstanciada da sua inscrição nas listas das pessoas objeto das medidas restritivas em causa.

78      Contudo, decorre das considerações expostas nos n.os 55 a 59 do presente acórdão que os atos controvertidos contêm uma fundamentação suficiente da inscrição de N. Bamba nas listas, anexas aos referidos atos, das pessoas objeto das medidas restritivas em causa. Consequentemente, a segunda parte do primeiro fundamento não pode ser acolhida.

 Quanto à terceira parte do primeiro fundamento

79      N. Bamba defende que os atos controvertidos não preveem que sejam notificadas à pessoa interessada as vias jurisdicionais e os prazos de recurso contra a decisão de inscrição nas listas em causa nem contêm informações a este respeito. Os referidos atos fazem recair sobre o interessado a obrigação de se informar sobre esses aspetos, o que contraria o artigo 6.° da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950.

80      A este respeito, deve observar‑se que, no aviso publicado em 18 de janeiro de 2011, o Conselho fez referência à possibilidade de as pessoas e as entidades interessadas impugnarem a sua decisão «junto do Tribunal Geral da União Europeia, nas condições estabelecidas no artigo 275.°, segundo parágrafo [TFUE], e no artigo 263.°, quarto e sexto parágrafos, [TFUE]».

81      Esta indicação, conjugada com as especificações contidas no artigo 263.°, sexto parágrafo, TFUE, permitia que N. Bamba identificasse a via de recurso jurisdicional de que dispunha para contestar a sua inscrição nas listas em causa, bem como a data do termo do prazo de recurso, o que, de resto, é confirmado pelo facto de ter interposto o seu recurso no prazo concedido por essa disposição.

82      A terceira parte do primeiro fundamento deve, portanto, ser julgada improcedente.

83      Consequentemente, há que julgar improcedente o primeiro fundamento, na sua totalidade.

 Quanto ao segundo fundamento

84      Embora afirmando não contestar o objetivo prosseguido pelos atos controvertidos, N. Bamba sustenta que estes prejudicam de forma desproporcionada o seu direito de propriedade, uma vez que lhe é impossível expor utilmente a sua causa às autoridades competentes. Os referidos atos preveem o congelamento total dos seus fundos, sem, no entanto, estabelecerem verdadeiras garantias processuais que lhe permitam contestar essa medida.

85      A este respeito, resulta da referência feita, neste segundo fundamento, aos n.os 368 a 371 do acórdão Kadi e Al Barakaat International Foundation/Conselho e Comissão, já referido, nos quais o Tribunal de Justiça concluiu pela restrição injustificada do direito de propriedade do interessado, pelo facto de a adoção de medidas restritivas adotadas contra este ter ocorrido sem lhe terem sido fornecidas garantias processuais que lhe permitissem expor a sua causa às autoridades competentes, que N. Bamba pretende inferir a existência de uma violação do seu direito de propriedade de uma alegada inexistência dessas garantias no caso vertente.

86      Ora, como decorre do exame das diferentes partes do primeiro fundamento, o Conselho, que não estava obrigado a proceder à audição de N. Bamba antes da adoção dos atos controvertidos, forneceu‑lhe, nesses atos, uma fundamentação suficiente de forma a permitir‑lhe contestar utilmente, perante o juiz da União, o mérito das medidas restritivas de que foi objeto. O presente processo distingue‑se, assim, do processo que deu origem ao acórdão Kadi e Al Barakaat International Foundation/Conselho e Comissão, já referido.

87      Quanto ao eventual direito de aceder ao dossier do Conselho relativo às medidas restritivas tomadas contra N. Bamba, basta referir, no caso vertente, que a interessada não alega ter pedido esse acesso à instituição em questão (v., neste sentido, acórdão Bank Melli Iran/Conselho, já referido, n.° 92).

88      Importa, além disso, salientar que tanto a Decisão 2010/656 como o Regulamento n.° 560/2005 preveem a revisão periódica das listas das pessoas objeto das medidas restritivas em causa. No termo dessa reapreciação, o Conselho considerou, na Decisão de Execução 2012/144/PESC, de 8 de março de 2012, que dá execução à Decisão 2010/656 (JO L 71, p. 50), e no Regulamento de Execução (UE) n.° 193/2012, de 8 de março de 2012, que dá execução ao Regulamento n.° 560/2005 (JO L 71, p. 5), que já não havia motivo para manter N. Bamba nessas listas.

89      Daqui resulta que o segundo fundamento deve ser julgado improcedente.

90      Atendendo a todas as considerações antecedentes, há que negar provimento na íntegra ao recurso interposto por N. Bamba.

 Quanto às despesas

91      Por força do disposto no artigo 184.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, se for dado provimento ao recurso e o Tribunal de Justiça decidir definitivamente o litígio, decidirá igualmente sobre as despesas. O artigo 138.°, n.° 1, deste regulamento, aplicável aos recursos de decisões do Tribunal Geral por força do disposto no artigo 184.°, n.° 1, deste, dispõe que a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. O artigo 140.°, n.° 1, do referido regulamento prevê que os Estados‑Membros e as instituições que intervenham no processo devem suportar as suas próprias despesas.

92      Tendo sido dado provimento ao recurso do Conselho e tendo sido negado provimento ao recurso interposto por N. Bamba contra os atos controvertidos, há que, em conformidade com os pedidos do Conselho, condenar N. Bamba a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pelo Conselho no âmbito do presente recurso e em primeira instância.

93      A República Francesa e a Comissão, intervenientes, respetivamente, no Tribunal de Justiça e no Tribunal Geral, suportarão as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) decide:

1)      É anulado o acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 8 de junho de 2011, Bamba/Conselho (T‑86/11).

2)      É negado provimento ao recurso de N. Bamba.

3)      N. Bamba é condenada a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pelo Conselho da União Europeia no âmbito do presente recurso e em primeira instância.

4)      A República Francesa e a Comissão Europeia suportam as suas próprias despesas.

Assinaturas


* Língua do processo: francês.