Language of document : ECLI:EU:C:2021:515

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

JEAN RICHARD DE LA TOUR

apresentadas em 24 de junho de 2021 (1)

Processo C709/20

CG

contra

The Department for Communities in Northern Ireland

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Appeal Tribunal for Northern Ireland (Tribunal de Recurso da Irlanda do Norte, Reino Unido)]

«Reenvio prejudicial — Livre circulação de pessoas — Cidadania da União — Acordo sobre a saída do Reino Unido — Período de transição — Artigo 18.o TFUE — Não discriminação em razão da nacionalidade — Diretiva 2004/38/CE — Artigo 24.o — Direito de residência nacional — Prestações de assistência social — Disposição nacional que exclui do benefício de uma prestação de subsistência os cidadãos da União economicamente inativos que dispõem de um direito de residência nacional — Igualdade de tratamento»






I.      Introdução

1.        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 18.o TFUE.

2.        Este pedido insere‑se no âmbito de um litígio que opõe CG, uma nacional neerlandesa e croata, residente na Irlanda do Norte (Reino Unido) desde 2018, ao Department for Communities in Northern Ireland (Departamento para as Comunidades na Irlanda do Norte, Reino Unido), a respeito da recusa deste último em conceder‑lhe uma prestação de subsistência, denominada «Universal Credit» (crédito universal).

3.        A questão submetida ao Tribunal de Justiça tem por objeto, em substância, a proteção devida a um cidadão da União Europeia em matéria de acesso às prestações de assistência social, por força do princípio da igualdade de tratamento, quando o Estado‑Membro de acolhimento lhe concedeu um direito de residência, baseado no direito nacional, em condições mais favoráveis do que as previstas pela Diretiva 2004/38/CE (2).

4.        Assim, este processo proporciona ao Tribunal de Justiça a oportunidade de esclarecer o modo como se articulam o artigo 18.o TFUE e o artigo 24.o desta diretiva e em que condições deve ser aplicado o princípio da igualdade de tratamento quando a regulamentação nacional exclui do acesso às prestações sociais, que visam conferir aos seus beneficiários o mínimo de meios de subsistência, determinados cidadãos da União em razão da natureza do seu direito de residência, apesar de tais prestações serem garantidas aos nacionais do Estado‑Membro em causa que se encontram na mesma situação de indigência.

5.        Nas presentes conclusões, proporei que o Tribunal de Justiça conclua que a recusa de prestações de assistência social, por parte de um Estado‑Membro, a um nacional de outro Estado‑Membro economicamente inativo, apenas com fundamento na natureza do seu direito de residência, atribuído sem condições de recursos em aplicação de uma disposição nacional, pode constituir uma discriminação indireta em razão da nacionalidade, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, e que, em tal hipótese, essa regulamentação vai além do que é necessário para manter o equilíbrio do sistema de assistência social do Estado‑Membro de acolhimento.

II.    Quadro jurídico

A.      Direito da União

1.      Acordo sobre a saída do Reino Unido

6.        Os sexto e oitavo parágrafos do preâmbulo do Acordo sobre a saída do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte da União Europeia e da Comunidade Europeia da Energia Atómica(3), aprovado pela Decisão (UE) 2020/135 (4), estabelecem:

«Reconhecendo que é necessário prever a proteção recíproca dos cidadãos da União e dos nacionais do Reino Unido, bem como dos respetivos familiares, sempre que tenham exercido o direito à livre circulação antes de uma data fixada no presente Acordo, e assegurar que os seus direitos ao abrigo do presente Acordo podem ser invocados e são baseados no princípio da não‑discriminação; reconhecendo igualmente que os períodos de cobertura da segurança social deverão ser garantidos,

[…]

Considerando que é do interesse da União e do Reino Unido determinar o período de transição ou de execução, durante o qual […] o direito da União, incluindo os acordos internacionais, é aplicável ao Reino Unido e no seu território, e, como regra geral, produz os mesmos efeitos em relação aos Estados‑Membros, a fim de evitar perturbações durante o período de negociação do(s) acordo(s) sobre as futuras relações»

7.        O artigo 2.o, alíneas a) e c), do Acordo sobre a saída do Reino Unido dispõe:

«Para efeitos do presente Acordo, entende‑se por:

a)      “Direito da União”:

i)      o Tratado da União Europeia (“TUE”), o Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”) e o Tratado que institui a Comunidade Europeia da Energia Atómica […], tal como alterados ou complementados, bem como os Tratados de Adesão e a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia [a seguir “Carta”], adiante designados conjuntamente como os “Tratados”;

ii)      os princípios gerais do direito da União;

iii)      atos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União;

[…]

c)      “Cidadão da União”, qualquer pessoa que tenha a nacionalidade de um Estado‑Membro.»

8.        A segunda parte do Acordo sobre a saída do Reino Unido, sob a epígrafe «Direitos dos cidadãos» (5), inclui os artigos 9.o a 39.o

9.        O artigo 13.o, n.o 1, deste acordo precisa:

«Os cidadãos da União e os nacionais do Reino Unido têm o direito de residir no Estado de acolhimento com as limitações e nas condições estabelecidas no artigo 21.o, no artigo 45.o ou no artigo 49.o [TFUE], e no artigo 6.o, n.o 1, no artigo 7.o, n.o 1, [alíneas] a), b) ou c), ou n.o 3, no artigo 14.o, no artigo 16.o, n.o 1, ou no artigo 17.o, n.o 1, da Diretiva [2004/38].»

10.      O artigo 86.o, n.os 2 e 3, do referido acordo dispõe:

«2.      O Tribunal de Justiça da União Europeia continua a ser competente para decidir, a título prejudicial, sobre os pedidos dos órgãos jurisdicionais do Reino Unido apresentados antes do termo do período de transição.

3.      Para efeitos do presente capítulo, considera‑se que um processo é instaurado no Tribunal de Justiça da União Europeia, e que um pedido de decisão prejudicial é apresentado, no momento em que o ato introdutório da instância foi registado pela secretaria do Tribunal de Justiça ou do Tribunal Geral, consoante o caso.»

11.      O artigo 89.o, n.o 1, do mesmo acordo, prevê:

«Os acórdãos e despachos do Tribunal de Justiça da União Europeia proferidos antes do termo do período de transição, bem como os referidos acórdãos e despachos proferidos após o termo do período de transição nos processos referidos nos artigos 86.o e 87.o, são plenamente vinculativos para o Reino Unido e no seu território.»

12.      O artigo 126.o do Acordo sobre a saída do Reino Unido, sob a epígrafe «Período de transição» estabelece:

«É estabelecido um período de transição ou de execução, com início na data de entrada em vigor do presente Acordo e termo em 31 de dezembro de 2020.»

13.      O artigo 127.o deste Acordo dispõe, nos seus n.os 1 e 3:

«1.      Salvo disposição em contrário do presente Acordo, o direito da União é aplicável ao Reino Unido e no seu território durante o período de transição.

[…]

3.      Durante o período de transição, o direito da União aplicável nos termos do n.o 1 produz, no que respeita ao Reino Unido e no seu território, os mesmos efeitos jurídicos que produz na União e nos seus Estados‑Membros, e deve ser interpretado e aplicado em conformidade com os mesmos métodos e princípios gerais que são aplicáveis na União.»

14.      O Acordo sobre a saída do Reino Unido entrou em vigor em 31 de janeiro de 2020 à meia‑noite (6).

2.      Diretiva 2004/38

15.      Os considerandos 10, 20 e 21 da Diretiva 2004/38 enunciam:

«(10)      As pessoas que exercerem o seu direito de residência não deverão […] tornar‑se uma sobrecarga não razoável para o regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento durante o período inicial de residência. Em consequência, o direito de residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias por períodos superiores a três meses deverá estar sujeito a condições.

[…]

(20)      Em conformidade com a proibição da discriminação em razão da nacionalidade, todos os cidadãos da União e membros das suas famílias que residam num Estado‑Membro com base na presente diretiva deverão beneficiar, nesse Estado‑Membro, de igualdade de tratamento em relação aos nacionais nos domínios abrangidos pelo Tratado, sob reserva das disposições específicas expressamente previstas no Tratado e no direito secundário.

(21)      Contudo, caberá ao Estado‑Membro de acolhimento determinar se tenciona conceder prestações a título de assistência social durante os primeiros três meses de residência ou por um período mais longo no caso das pessoas à procura de emprego, a pessoas que não sejam trabalhadores assalariados ou não assalariados nem conservem esse estatuto, ou não sejam membros das famílias dos mesmos, ou bolsas de subsistência para estudos, incluindo a formação profissional, antes da aquisição do direito de residência permanente.»

16.      Nos termos do artigo 1.o desta diretiva:

«A presente diretiva estabelece:

a)      As condições que regem o exercício do direito de livre circulação e residência no território dos Estados‑Membros pelos cidadãos da União e membros das suas famílias;

b)      O direito de residência permanente no território dos Estados‑Membros para os cidadãos da União e membros das suas famílias;

c)      As restrições aos direitos a que se referem as alíneas a) e b), por razões de ordem pública, de segurança pública ou de saúde pública.»

17.      Nos termos do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38:

«A presente diretiva aplica‑se a todos os cidadãos da União que se desloquem ou residam num Estado‑Membro que não aquele de que são nacionais, bem como aos membros das suas famílias, na aceção do ponto 2) do artigo 2.o, que os acompanhem ou que a eles se reúnam.»

18.      O artigo 7.o da Diretiva 2004/38, sob a epígrafe «Direito de residência por mais de três meses», dispõe, no seu n.o 1, alíneas b) e d):

«Qualquer cidadão da União tem o direito de residir no território de outro Estado‑Membro por período superior a três meses, desde que:

[…]

b)      Disponha de recursos suficientes para si próprio e para os membros da sua família, a fim de não se tornar uma sobrecarga para o regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento durante o período de residência, e de uma cobertura extensa de seguro de doença no Estado‑Membro de acolhimento; ou,

[…]

d)      Seja membro da família [na aceção do artigo 2.o, n.o 2)] que acompanha ou se reúne a um cidadão da União que preencha as condições a que se referem as alíneas a), b) ou c).»

19.      Nos termos do artigo 24.o desta diretiva, sob a epígrafe «Igualdade de tratamento»:

«1.      Sob reserva das disposições específicas previstas expressamente no Tratado e no direito secundário, todos os cidadãos da União que, nos termos da presente diretiva, residam no território do Estado‑Membro de acolhimento beneficiam de igualdade de tratamento em relação aos nacionais desse Estado‑Membro, no âmbito de aplicação do Tratado. O benefício desse direito é extensível aos membros da família que não tenham a nacionalidade de um Estado‑Membro e tenham direito de residência ou direito de residência permanente.

2.      Em derrogação do n.o 1, o Estado‑Membro de acolhimento pode não conceder o direito a prestações de assistência social durante os primeiros três meses de residência ou, quando pertinente, o período mais prolongado previsto na alínea b) do n.o 4 do artigo 14.o, assim como, antes de adquirido o direito de residência permanente, pode não conceder ajuda de subsistência, incluindo a formação profissional, constituída por bolsas de estudo ou empréstimos estudantis, a pessoas que não sejam trabalhadores assalariados ou trabalhadores não assalariados, que não conservem este estatuto ou que não sejam membros das famílias dos mesmos.»

20.      O artigo 37.o da referida diretiva dispõe:

«As disposições da presente diretiva não afetam disposições legislativas, regulamentares e administrativas de um Estado‑Membro que sejam mais favoráveis às pessoas abrangidas pela presente diretiva.»

B.      Direito do Reino Unido

1.      EU Settlement Scheme Immigration Rules Appendix EU

21.      O EU Settlement Scheme — Immigration Rules Appendix EU [Regime de Residência UE — Anexo UE das regras sobre imigração (a seguir «Anexo UE»)] (7) cria, segundo as explicações do Governo do Reino Unido, um novo sistema que foi concebido em preparação e em consequência da saída do Reino Unido da União. Permite que todos os cidadãos da União, do Espaço Económico Europeu e da Suíça, residentes no Reino Unido antes de 31 de dezembro de 2020, e os membros das suas famílias, peçam autorização para permanecerem no Reino Unido. Este Anexo UE entrou em vigor em 30 de março de 2019. Prevê que os pedidos de direito de residência devem ser apresentados o mais tardar até 30 de junho de 2021 (8).

22.      O Anexo UE prevê a concessão:

–        do estatuto de residente permanente, que confere o direito de permanecer indefinidamente no Reino Unido, aos requerentes que viveram de forma contínua no Reino Unido durante cinco anos, nos termos dos artigos 2.o, 2.o‑A e 11.o a 13.o, bem como

–        do estatuto de residente temporário que habilita os requerentes a permanecerem no Reino Unido durante cinco anos, completando, assim, o período de residência exigido para poderem pedir o estatuto de residente permanente, ao abrigo dos artigos 3.o, 3.o‑A e 14.o

23.      Segundo o Governo do Reino Unido, ao contrário do artigo 7.o da Diretiva 2004/38 (9), o Anexo UE permite aos cidadãos economicamente inativos, que atualmente não são titulares de um direito de residência ao abrigo do direito da União, continuarem a residir no território enquanto aguardam a saída do Reino Unido da União. Estas pessoas também podem obter o estatuto de residente permanente após cinco anos de simples residência. A partir da obtenção deste estatuto, têm um acesso incondicional ao sistema de previdência social do Reino Unido.

2.      Regulamento de 2016, relativo ao crédito universal

24.      O Universal Credit Regulations (Northern Ireland) 2016 [Regulamento de 2016, relativo ao crédito universal (Irlanda do Norte)], conforme alterado pelo Social Security (Income‑related Benefits) (Updating and Amendment) (EU Exit) Regulations (Northern Ireland) 2019 [Regulamento da Segurança Social (Prestações com base nos rendimentos) (Atualização e Alteração) (Saída da UE) (Irlanda do Norte) de 2019 (10)] (11), contém disposições que visam determinar quais as pessoas que têm direito ao crédito universal e como é que este deve ser calculado.

25.      O crédito universal é um regime de proteção social financiado pelo imposto e sujeito a condições de rendimentos cujo objetivo é substituir várias outras prestações sociais que desapareceram (ou ainda estão em vigor), como o subsídio para candidatos a emprego, o subsídio de emprego e de apoio baseados no rendimento, o apoio ao rendimento, o crédito de imposto para pessoas em atividade, o crédito de imposto por filho a cargo e o subsídio de habitação (12).

26.      O facto de a pessoa se encontrar na Irlanda do Norte é uma condição a que está sujeito o direito ao crédito universal, nos termos do artigo 9.o, n.o 1, alínea c), do Welfare Reform (Northern Ireland) Order 2015 [Decreto sobre a reforma da segurança social (Irlanda do Norte)] de 2015 (13).

27.      O artigo 9.o do Regulamento de 2016, relativo ao Crédito Universal prevê:

«(1)      Para determinar se uma pessoa preenche a condição de base de se encontrar na Irlanda do Norte, exceto no caso de uma pessoa estar abrangida pelo n.o 4, deve considerar‑se que uma pessoa não se encontra na Irlanda do Norte se não tiver a sua residência habitual no Reino Unido, nas Ilhas Anglo‑Normandas, na Ilha de Man ou na República da Irlanda.

(2)      Uma pessoa só é considerada residente habitual no Reino Unido, nas Ilhas Anglo‑Normandas, na Ilha de Man ou na República da Irlanda se dispuser de um direito de residência num destes lugares.

(3)      Para efeitos do n.o 2, um direito de residência não inclui um direito que existe ao abrigo ou de acordo com:

(a)      o artigo 13.o do Immigration (European Economic Area) Regulations 2016 [Regulamento de 2016, relativo à imigração (EEE) (14)] ou ao artigo 6.o da Diretiva [2004/38],

(b)      o artigo 14.o do Immigration (European Economic Area) Regulations 2016 [Regulamento EEE] [(15)], mas unicamente nos casos em que tal direito existe ao abrigo do Regulamento EEE pelo facto de a pessoa ser:

(i)      uma pessoa elegível na aceção do artigo 6.o, n.o 1, deste regulamento enquanto candidato a emprego, ou

(ii)      um membro da família (na aceção do artigo 7.o do referido regulamento) desse candidato a emprego,

(c)      o artigo 16.o do Regulamento EEE, mas apenas nos casos em que existe um direito ao abrigo deste regulamento porque a pessoa preenche os critérios enunciados no artigo 16.o, n.o 5, do referido regulamento [(16)], ou no artigo 20.o [TFUE] (nos casos em que o direito de residência tem origem no facto de que, na falta deste, um cidadão britânico seria privado do gozo efetivo dos seus direitos enquanto cidadão da União), ou

(d)      uma pessoa obteve uma autorização limitada para entrar ou permanecer no Reino Unido ao abrigo do Immigration Act 1971 [(Lei de 1971, Relativa à Imigração)] por força:

(i)      [do Anexo UE (17)], ou

(ii)      da sua qualidade de pessoa titular de um direito de residência, conforme reconhecido pela jurisprudência Zambrano [Acórdão de 8 de março de 2011, Ruiz Zambrano (C‑34/09, EU:C:2011:124)] e definido no anexo 1 do [Anexo UE] adotados nos termos do artigo 3.o, n.o 2, da Lei de 1971, Relativa à Imigração.

(4)      Uma pessoa está abrangida por este número se for:

(a)      uma pessoa elegível para efeitos do artigo 6.o do Regulamento EEE enquanto trabalhador assalariado ou trabalhador independente,

(b)      um membro da família de uma pessoa referida na alínea a) na aceção do artigo 7.o, n.o 1, alíneas a), b) ou c), do Regulamento EEE [(18)],

(c)      uma pessoa que tenha um direito de residência permanente no Reino Unido ao abrigo do artigo 15.o, n.o 1, alíneas c), d) ou e), do Regulamento EEE,

(d)      um refugiado, na aceção do artigo 1.o da Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados, assinada em Genebra, em 28 de julho de 1951, conforme alterada pelo artigo 1.o, n.o 2, do Protocolo relativo ao Estatuto dos Refugiados, assinado em Nova Iorque, em 31 de janeiro de 1967,

(e)      uma pessoa que tenha obtido, ou que se considera que obteve, uma autorização fora das regras previstas no artigo 3.o, n.o 2, da Lei de 1971, Relativa à Imigração, quando essa autorização é:

(i)      uma autorização discricionária para entrar ou permanecer no Reino Unido,

(ii)      uma autorização de permanência ao abrigo da exceção baseada em violência familiar, ou

(iii)      uma autorização que se considera ter sido concedida nos termos do artigo 3.o do Displaced Persons (Temporary Protection) Regulations 2005 [Regulamento de 2005 sobre as pessoas deslocadas (proteção temporária)],

(f)      uma pessoa que beneficie de proteção humanitária concedida ao abrigo dessas regras, ou

(g)      uma pessoa que não seja uma pessoa sujeita ao controlo da imigração na aceção do artigo 115.o, n.o 9, do Immigration and Asylum Act 1999 [Lei da Imigração e do Asilo de 1999] e que se encontre no Reino Unido devido ao seu afastamento, à sua expulsão ou a outra repulsão legal do território de outro país para o Reino Unido.»

III. Litígio no processo principal e questões prejudiciais

28.      A recorrente no processo principal, CG, é uma nacional neerlandesa e croata, mãe solteira de duas crianças de tenra idade (19), que declarou ter chegado à Irlanda do Norte no ano de 2018 (20). Nunca exerceu qualquer atividade económica no Reino Unido e vivia com o seu parceiro, cidadão da União, de nacionalidade neerlandesa e pai dos seus filhos, até se mudar para um centro de acolhimento de mulheres vítimas de violência na sequência de alegados atos de violência doméstica(21). CG não possui recursos nem tem acesso a nenhuma prestação social para prover às suas necessidades, bem como às dos seus filhos.

29.      Em 4 de junho de 2020, CG obteve o estatuto de residente provisório no Reino Unido com base no Anexo UE. Este estatuto é concedido pelo Home Office (Ministério do Interior, Reino Unido) aos cidadãos da União que residiram no Reino Unido durante um período inferior a cinco anos, não estando sujeito a uma condição de recursos suficientes. Este estatuto oferece a possibilidade de permanência no Reino Unido por um período determinado de cinco anos após o termo do período de transição(22) previsto pelo Acordo sobre a saída do Reino Unido.

30.      No que respeita ao direito de residência de CG (23), o órgão jurisdicional de reenvio conclui que:

–        CG não pode invocar a qualidade de «membro da família», uma vez que não demonstrou ser casada ou manter ainda uma relação duradoura com um cidadão da União, e

–        CG obteve uma autorização de residência temporária (estatuto de residente provisório), que deve ser distinguida de um «residence permit» (autorização de residência).

31.      Em 8 de junho de 2020, CG solicitou uma prestação de assistência social (crédito universal) ao Departamento para as Comunidades na Irlanda do Norte. Este indeferiu o seu pedido por Decisão de 17 de junho de 2020, com fundamento no artigo 9.o, n.o 3, alínea d), i), do Regulamento de 2016, relativo ao Crédito Universal, introduzido pelo Regulamento da Segurança Social de 2019, pelo facto de que, por efeito dessa alteração, os cidadãos da União, titulares de um direito de residência no Reino Unido por tempo determinado, ao abrigo do Anexo UE, não preenchem a condição de residência na Irlanda do Norte fixada por este artigo para a obtenção de uma prestação de assistência social. Ao recurso gracioso interposto por CG foi negado provimento em 30 de junho de 2020.

32.      O órgão jurisdicional de reenvio é chamado a pronunciar‑se sobre o recurso interposto por CG contra essa decisão. CG contesta a legalidade do artigo 9.o, n.o 3, alínea d), i), do Regulamento de 2016, relativo ao Crédito Universal. Alega que esta disposição, que exclui do benefício de uma prestação de assistência social os cidadãos da União que o Reino Unido reconheceu como legalmente residentes no seu território, é incompatível com as obrigações impostas ao Reino Unido pelo European Communities Act 1972 (Lei de 1972, Relativa às Comunidades Europeias) (24) e viola o artigo 18.o TFUE.

33.      CG alega, a este respeito, que a recusa de lhe conceder a prestação de assistência social, quando lhe foi concedido um direito de residência por tempo determinado ao abrigo do direito nacional, embora não tivesse direito de residência ao abrigo do direito da União, constituiria uma diferença de tratamento em relação aos cidadãos britânicos e, por conseguinte, uma discriminação em razão da nacionalidade.

34.      O Departamento para as Comunidades na Irlanda do Norte afirma, pelo contrário, que, ao abrigo do direito do Reino Unido, o estatuto de residente temporário não confere, por si só, um direito às prestações de assistência social, as quais continuam sujeitas às suas próprias condições de elegibilidade.

35.      Salienta que as circunstâncias do caso em apreço são distintas das do processo que deu origem ao Acórdão Trojani (25), de 7 de setembro de 2004, e que os tribunais nacionais têm constantemente seguido o Acórdão Patmalniece, de 16 de março de 2011, do Supreme Court (Supremo Tribunal, Reino Unido), que concluiu que, apesar de a aplicação do critério da residência habitual ser indiretamente discriminatória, era justificada.

36.      Neste contexto, o Appeal Tribunal for Northern Ireland (Tribunal de Recurso da Irlanda do Norte, Reino Unido) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      O artigo 9.o, n.o 3, alínea [d], i), do [Regulamento de 2016, relativo ao crédito universal], introduzido pelo [Regulamento de 2019, relativo à Segurança Social], que exclui os cidadãos da União Europeia com direito de residência no Reino Unido (autorização temporária de residência) [no caso em apreço, o “estatuto provisório de residente permanente” ao abrigo do Anexo UE] do direito a prestações da Segurança Social, constitui uma discriminação ilegal (direta ou indireta) na aceção do artigo 18.o do [TFUE] e é incompatível com as obrigações do Reino Unido decorrentes da [Lei 1972, Relativa às Comunidades Europeias]?

2)      Em caso de resposta afirmativa à primeira questão e se se considerar que o artigo 9.o, n.o 3, alínea [d]), subalínea i), do [Regulamento de 2016, relativo ao crédito universal] constitui uma discriminação indireta, o artigo 9.o, n.o 3, alínea c), subalínea i), do Regulamento de 2016, relativo ao Crédito Universal está justificado ao abrigo do artigo 18.o do [TFUE] e é incompatível com as obrigações do Reino Unido decorrentes da [Lei de 1972, Relativa às Comunidades Europeia]s?»

37.      Em 11 de fevereiro de 2021, o presidente do Tribunal de Justiça deferiu o pedido de tramitação acelerada, em conformidade artigo 105.o do Regulamento de Processo.

38.      CG (26), o Departamento para as Comunidades na Irlanda do Norte, o Governo do Reino Unido e a Comissão apresentaram observações escritas, bem como as suas observações orais na audiência realizada em 4 de maio de 2021.

IV.    Análise

39.      O órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se existe uma discriminação direta ou indireta, na aceção do artigo 18.o TFUE, que resulte da exclusão de determinados cidadãos da União residentes no Reino Unido do benefício de prestações sociais em razão da natureza do direito de residência que lhes foi concedido com fundamento no direito nacional.

40.      As circunstâncias de facto do processo principal e a abundante jurisprudência do Tribunal de Justiça em matéria de igualdade de tratamento relativa ao direito a prestações sociais de que os cidadãos da União que exerceram a sua liberdade de circulação podem beneficiar levam‑me a considerar que é necessário precisar o âmbito em que se insere o pedido de decisão prejudicial.

A.      Quanto ao âmbito do pedido de decisão prejudicial e à sua reformulação

41.      Em primeiro lugar, importa, a meu ver, precisar o fundamento da competência do Tribunal de Justiça, uma vez que o litígio tem por objeto um pedido de prestação social, apresentado em 8 de junho de 2020 por um cidadão da União residente no Reino Unido, que foi indeferido em 30 de junho de 2020, ou seja, durante o período de transição fixado pelo Acordo sobre a saída do Reino Unido(27). A este respeito, sublinho que o litígio não tem por objeto o direito de residência, denominado «estatuto de residente provisório», que foi concedido a CG em 4 de junho de 2020 em aplicação do Anexo UE (28) mas o facto de lhe ter sido recusado o benefício ao crédito universal em razão da natureza do seu direito de residência. Uma vez que todos os factos e disposições nacionais aplicáveis se situam quer antes quer durante o período de transição, e que o pedido do órgão jurisdicional de reenvio foi registado pela Secretaria em 30 de dezembro de 2020, o Tribunal de Justiça é competente para decidir sobre o pedido prejudicial com fundamento no artigo 86.o, n.os 2 e 3, do Acordo sobre a saída do Reino Unido (29).

42.      Em segundo lugar, no que respeita à qualificação das prestações solicitadas por CG com base no artigo 18.o TFUE, de que depende a identificação da regra do direito da União em virtude da qual deve ser apreciada a compatibilidade das disposições nacionais à luz do respeito do princípio da igualdade de tratamento (30), saliento que é pacífico que é a inexistência de recursos que está na base do pedido de crédito universal apresentado por CG para si própria e para os seus filhos (31) e que esta prestação tem a qualificação de «prestações de assistência social» na aceção da Diretiva 2004/38. A precisão efetuada na audiência, segundo a qual a prestação solicitada por CG deveria cobrir as suas despesas de saúde não é suscetível de alterar esta qualificação.

43.      Em conformidade com a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, este conceito de «prestações de assistência social» abrange qualquer prestação pecuniária de caráter não contributivo, que constitui a expressão da solidariedade nacional e financiada como tal(32). Uma vez que se destina a assegurar a subsistência da pessoa que a recebe, é incondicional. A este respeito, o Tribunal de Justiça recordou que as prestações de subsistência que visam conferir aos seus beneficiários os meios de subsistência necessários mínimos para terem uma vida que seja conforme com a dignidade humana são «prestações de assistência social» na aceção do artigo 24.o, n.o 2, da Diretiva 2004/38 (33).

44.      Em terceiro lugar, as condições de permanência de CG são diferentes das previstas pela Diretiva 2004/38. Com efeito, é pacífico que CG obteve, em 4 de junho de 2020, em aplicação do Anexo UE, um direito de residência denominado «estatuto de residente provisório», que é concedido sem nenhuma condição de recursos ou de subscrição de um seguro social e mesmo que a pessoa não exerça uma atividade profissional. Este estatuto permite‑lhe residir legalmente no Reino Unido durante cinco anos e obter, no termo desse prazo, o estatuto de residente permanente, que lhe dará a possibilidade de beneficiar de prestações sociais.

45.      Uma vez que CG, cidadã da União, exerceu a sua liberdade de circulação e reside, nessa qualidade, no território de outro Estado‑Membro, a sua situação é abrangida pelo direito da União (34) mesmo que lhe tenha sido concedido um direito de residência ao abrigo do direito nacional em condições mais flexíveis do que as previstas nas disposições da Diretiva 2004/38. Importa precisar, quanto a este ponto, que, tendo adquirido o seu direito de residência e solicitado o benefício de prestações de assistência social durante o período de transição, a aplicação do direito da União é garantida pelo artigo 127.o do Acordo sobre a saída do Reino Unido.

46.      Por conseguinte, e em quarto lugar, no que respeita à aplicabilidade do artigo 18.o, primeiro parágrafo, TFUE, deve recordar‑se que segundo jurisprudência constante esta disposição só se destina a ser aplicada autonomamente em situações reguladas pelo direito da União em relação às quais o TFUE não preveja regras específicas de não discriminação (35). Ora, em matéria de direito de residência dos cidadãos da União no território de outro Estado‑Membro, o princípio da não discriminação consta do artigo 24.o da Diretiva 2004/38 (36).

47.      Assim, pelo simples facto de a situação em causa no processo principal estar abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2004/38, considero que não é necessário apreciar a situação à luz do artigo 18.o TFUE, tal como pede o órgão jurisdicional de reenvio.

48.      Por conseguinte, não se pode argumentar que as circunstâncias de facto do processo principal são semelhantes às que deram origem aos acórdãos do Tribunal de Justiça que interpretam as disposições do Tratado CE equivalentes às do artigo 18.o TFUE, em casos de concessão do direito de residência baseado no direito nacional, antes da entrada em vigor da Diretiva 2004/38 (37), mesmo que esta jurisprudência continue a ser pertinente em determinados aspetos, na medida em que o Tribunal de Justiça aplicou o princípio da não discriminação, posteriormente precisado no artigo 24.o desta diretiva (38).

49.      Por outras palavras, uma vez que se encontra estabelecido o princípio da aplicabilidade da Diretiva 2004/38 e, mais precisamente, do seu artigo 24.o e que a situação em causa está abrangida pelo âmbito de aplicação desta diretiva, já não é à luz do artigo 18.o TFUE que a questão dos direitos às prestações de assistência social deve ser apreciada, a menos que se adote um raciocínio contraditório (39).

50.      Há que recordar que, no âmbito do processo de cooperação entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça, instituído pelo artigo 267.o TFUE, compete a este dar ao órgão jurisdicional nacional uma resposta útil que lhe permita decidir o litígio que lhe foi submetido. Nesta ótica, compete ao Tribunal de Justiça, se necessário, reformular as questões que lhe foram apresentadas (40).

51.      Por conseguinte, proponho que o Tribunal de Justiça reformule as duas questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio que, em meu entender, devem ser apreciadas em conjunto e considere que este pergunta, em substância, se o artigo 24.o da Diretiva 2004/38 deve ser interpretado no sentido de que se opõe à regulamentação de um Estado‑Membro que exclui do benefício de prestações de assistência social os cidadãos da União aos quais concedeu um direito de residência legal sem condições de recursos, ao passo que essas prestações são garantidas aos nacionais do Estado‑Membro em causa que se encontram na mesma situação de indigência e se, sendo esse o caso, tal discriminação é suscetível de ser justificada.

52.      Nesta fase da reflexão, importa fazer um balanço do estado da jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à aplicabilidade do artigo 24.o da Diretiva 2004/38 antes de apreciar a possibilidade de a fazer evoluir em caso de concessão de um direito de residência legal devido a uma legislação nacional mais favorável do que as disposições que figuram nesta diretiva.

B.      Quanto ao critério da aplicabilidade do artigo 24.o da Diretiva 2004/38, relativo ao direito de residência «nos termos da diretiva» em matéria de direito às prestações de assistência social

53.      Observo que, desde a entrada em vigor da Diretiva 2004/38, o Tribunal de Justiça não se pronunciou sobre os efeitos, em matéria de prestações de assistência social, de um direito de residência legal, atribuído em condições que não são as previstas pelo direito da União que regem a entrada e a residência dos nacionais dos Estados‑Membros que exerceram a sua liberdade de circulação.

54.      Em contrapartida, antes da entrada em vigor da Diretiva 2004/38, o Tribunal de Justiça declarou que os cidadãos da União que residam legalmente no território do Estado‑Membro de acolhimento podem invocar o princípio da não discriminação, atualmente consagrado no artigo 18.o TFUE, para beneficiarem de uma prestação de assistência social (41).

55.      Desde a entrada em vigor da Diretiva 2004/38, o Tribunal de Justiça interpretou o artigo 24.o desta diretiva com base em situações em que as pessoas em causa não preenchiam os requisitos para obter um direito de residência previstos na referida diretiva e dispunham apenas de atestados de residência de duração ilimitada que têm um valor apenas declarativo (42). Recordo, a este respeito, que o artigo 7.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2004/38 prevê que qualquer cidadão da União tem o direito de residir no território de outro Estado‑Membro por período superior a três meses, desde que disponha de recursos suficientes a fim de não se tornar uma sobrecarga para o regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento e de um seguro de doença. Caso preencha estas condições, a residência não lhe pode ser recusada. A contrario, isto significa que os Estados‑Membros não são obrigados a permitir a residência dos nacionais de outros Estados‑Membros que não disponham de recursos suficientes.

56.      O Tribunal de Justiça declarou que o artigo 24.o da Diretiva 2004/38 não se opõe a uma regulamentação de um Estado‑Membro que exclui do benefício de determinadas «prestações sociais pecuniárias de caráter não contributivo» e que são igualmente constitutivas de «prestações de assistência social» na aceção do n.o 2 deste artigo, os nacionais de outros Estados‑Membros que não preencham as condições referidas no artigo 7.o, n.o 1, alínea b), desta diretiva e não podem, assim, invocar um direito de residência em aplicação desta disposição (43). No Acórdão Brey, o Tribunal de Justiça fixou uma condição, a saber, que esta exclusão não seja automática em todas as circunstâncias (44).

57.      Uma consequência importante desta interpretação do Tribunal de Justiça do princípio da igualdade de tratamento prevista no artigo 24.o da Diretiva 2004/38 parece que deve ser sublinhada.

58.      O Tribunal de Justiça, no Acórdão Dano, após ter salientado que a situação em causa não saía do âmbito de aplicação do artigo 24.o, n.o 2, da Diretiva 2004/38 (45) e que esta disposição constitui uma derrogação ao princípio da não discriminação enunciado no artigo 18.o TFUE (46) procurou, porém, determinar, com base no artigo 24.o, n.o 1, da referida diretiva, em que condições pode ser recusada a um cidadão que disponha de um atestado de residência a concessão de prestações sociais quando as únicas exclusões ao princípio da igualdade de tratamento estão enumeradas no n.o 2 deste artigo.

59.      O Tribunal de Justiça deduziu desta fundamentação, no que respeita às condições de aplicação do artigo 24.o da Diretiva 2004/38 (47), que uma regulamentação nacional que limita o acesso às prestações sociais apenas aos cidadãos da União cuja residência no território do Estado‑Membro de acolhimento está em conformidade com as condições previstas no artigo 7.o da Diretiva 2004/38 não constitui uma desigualdade de tratamento (48).

60.      Para assim decidir, o Tribunal de Justiça baseou‑se na expressão «que, nos termos da […] diretiva, residam» constante do artigo 24.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38. Desta redação deduziu que o princípio da igualdade de tratamento apenas podia beneficiar os cidadãos da União que residem de pleno direito no território de outro Estado‑Membro por preencherem os requisitos previstos no artigo 7.o desta diretiva. Deste modo, exclui da proteção conferida pelo artigo 24.o, n.o 1, da referida diretiva os cidadãos da União que, tal como CG, obtiveram um direito de residência de cinco anos num Estado‑Membro sem qualquer condição de recursos e que não provam disporem dos mesmos, na aceção do artigo 7.o, n.o 1, alínea b), da mesma diretiva. Estas pessoas também não podem invocar a proteção conferida pelo artigo 18.o TFUE pelas razões expostas no n.o 47 das presentes conclusões.

61.      Daqui decorre que um cidadão da União que reside regular e legalmente no território de um Estado‑Membro, apesar de não ter meios de subsistência, pode ser tratado de forma diferente dos nacionais desse Estado pela simples razão de o Estado de acolhimento lhe ter concedido um direito de residência sem condições de recursos.

62.      Assim, este critério relativo ao benefício do direito de residência «nos termos da […] diretiva», segundo a expressão utilizada no artigo 24.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38, constitui, em meu entender, a base da questão inédita que foi submetida ao Tribunal de Justiça, na medida em que esta não tem por objeto outra disposição do direito da União da qual decorra o direito de residência (49).

63.      A justificação deste critério, que visa limitar a concessão de prestações a fim de proteger o equilíbrio financeiro do regime de segurança social dos Estados‑Membros de uma sobrecarga não razoável (50) está ligada ao histórico legislativo da Diretiva 2004/38, recordado no Acórdão Ziolkowski e Szeja (51), ao qual o Tribunal de Justiça se referiu no Acórdão Dano, n.os 70 a 72, e no Acórdão Jobcenter Krefeld, proferido em 6 de outubro de 2020, no n.o 63.

64.      No entanto, neste último acórdão, o Tribunal de Justiça declarou que às pessoas abrangidas pelo âmbito de aplicação do artigo 24.o da Diretiva 2004/38, incluindo pela derrogação prevista no seu n.o 2, pelo facto de beneficiarem de um direito de residência baseado no artigo 14.o, n.o 4, alínea b), desta diretiva mas que também podem invocar um direito de residência autónomo com base no artigo 10.o do Regulamento (UE) n.o 492/2011 (52), a referida derrogação não lhes é oponível (53).

65.      Por conseguinte, no estado atual da jurisprudência do Tribunal de Justiça resultante do Acórdão Jobcenter Krefeld, o benefício da igualdade de tratamento no âmbito da Diretiva 2004/38 deixou de estar circunscrito às situações visadas nesta diretiva na medida em que se aplica igualmente às situações em que o direito de residência assenta numa outra disposição de direito derivado (54).

66.      Assim, tal como no processo que deu origem ao referido Acórdão Jobcenter Krefeld, trata‑se de determinar as consequências que devem ser extraídas para a interpretação do artigo 24.o da Diretiva 2004/38 da concessão de uma residência legal a cidadãos da União por um Estado‑Membro em condições mais favoráveis do que as fixadas pela Diretiva 2004/38 quanto à decisão de excluir esses cidadãos das prestações de assistência social exclusivamente por causa do seu estatuto de residente provisório (55).

C.      Quanto à aplicabilidade do artigo 24.o da Diretiva 2004/38 em caso de concessão de um direito à residência «legal nacional»

67.      Resulta das respostas das partes quando da audiência que, ao instituir, através do Anexo UE, um direito de residência sem especial exigência, nomeadamente quanto aos recursos do cidadão da União, o Reino Unido adotou uma medida mais favorável na aceção do artigo 37.o da Diretiva 2004/38 (56).

68.      Não é a primeira vez que o Tribunal de Justiça se pronunciará sobre os efeitos desta disposição introduzida na Diretiva 2004/38.

69.      No Acórdão Ziolkowski e Szeja, o Tribunal de Justiça declarou que o facto de não prejudicar as disposições nacionais mais favoráveis do que as da Diretiva 2004/38 não implica minimamente que estas disposições devam ser integradas no sistema implementado por esta diretiva (57). O Tribunal de Justiça declarou que cabe a cada Estado‑Membro decidir não apenas se institui esse regime mas também quais as condições e os efeitos deste último, nomeadamente no que respeita às consequências jurídicas de um direito de residência concedido unicamente com fundamento no direito nacional (58). E quanto às prestações de assistência social?

1.      Alcance do Acórdão Ziolkowski e Szeja

70.      Observo, por um lado, que, no Acórdão Ziolkowski e Szeja, o Tribunal de Justiça se pronunciou sobre uma questão relativa à aquisição de uma autorização de residência permanente resultante de uma disposição nova inserida no artigo 16.o da Diretiva 2004/38 (59). Por conseguinte, esta decisão não dizia respeito à concessão de prestações de assistência social a um cidadão da União residente num Estado‑Membro e não tinha de tomar em consideração uma necessidade de proteção dos interessados ou dos interesses ligados à sobrecarga não razoável para as finanças desse Estado que podia resultar da atribuição dessas prestações a pessoas que dispõem de uma autorização de residência por razões humanitárias como as concedidas nesse processo (60). Por outro lado, o Tribunal de Justiça não tinha de interpretar o artigo 24.o da Diretiva 2004/38 nem de apreciar uma eventual diferença de tratamento entre o cidadão da União que reside no território de um Estado‑Membro e os nacionais desse Estado.

71.      Parece‑me, portanto, que as conclusões a que o Tribunal de Justiça chegou no Acórdão Ziolkowski e Szeja, ao interpretar o artigo 37.o da Diretiva 2004/38 à luz do direito de residência permanente previsto no artigo 16.o desta diretiva, não são utilmente transponíveis em matéria de igualdade de tratamento entre cidadãos da União no que se refere às condições de concessão das prestações de assistência social.

72.      A este respeito, considero que importa sublinhar, em primeiro lugar, que, contrariamente ao artigo 16.o da Diretiva 2004/38, que criou um direito de residência permanente, o artigo 24.o desta diretiva mais não é do que a concretização, em matéria de direito de residência dos cidadãos da União, do princípio da não discriminação entre cidadãos da União consagrado no artigo 18.o TFUE. Por conseguinte, não podem existir situações em que um cidadão da União possa residir legal e regularmente no território de outro Estado‑Membro sem beneficiar do direito à não discriminação ligado ao seu estatuto nas condições previstas por esse artigo 24.o

73.      Em segundo lugar, tal solução parece‑me conforme com o objetivo prosseguido pelo artigo 37.o da Diretiva 2004/38. A faculdade de os Estados‑Membros adotarem disposições mais favoráveis do que as previstas nesta diretiva em matéria de direito de residência só faz sentido se for aplicada para se adaptar a circunstâncias especiais.

74.      Por conseguinte, considero que a interpretação pelo Tribunal de Justiça do conceito de «residência legal» deveria ser adaptada quando se trata de garantir o respeito do princípio da igualdade de tratamento entre cidadãos da União em matéria de prestações sociais no quadro estritamente fixado no artigo 24.o da Diretiva 2004/38.

2.      Interpretação do conceito de «residência legal»

75.      Em primeiro lugar, considero que a mera constatação da qualidade de cidadão da União da pessoa que reside legalmente noutro Estado‑Membro (61) deveria levar a considerar que o conceito de «residência regular» abrange o conceito de «direito de residência legal» (62), a fortiori quando o direito nacional desse Estado‑Membro favorece, devido a essa qualidade de cidadão da União, a manutenção no seu território de cidadãos economicamente inativos, sem condições relativas aos recursos ou a um seguro social.

76.      Em segundo lugar, tal interpretação, que não alarga o âmbito de aplicação do artigo 24.o, n.o 2, da Diretiva 2004/38, satisfaz a exigência de este ser interpretado de forma estrita e em conformidade com as disposições do TFUE, incluindo as relativas à cidadania da União e à livre circulação dos trabalhadores, conforme recordada no Acórdão Jobcenter Krefeld (63).

77.      A este respeito, essa interpretação assenta na necessidade, constatada no Acórdão Jobcenter Krefeld (64), de distinguir certas situações dos anteriores processos que deram origem aos Acórdãos Alimanovic e García‑Nieto e o., relativos às exclusões expressamente previstas nesse artigo 24.o, n.o 2 (65), bem como no Acórdão Dano (66).

78.      Em terceiro lugar, esta interpretação do artigo 24.o, n.o 1, que garante que «todos os cidadãos da União que, nos termos [desta] diretiva, residam no território do Estado‑Membro de acolhimento» beneficiam da igualdade de tratamento é também conforme ao objetivo prosseguido pela referida diretiva. Embora uma especial atenção deva ser evidentemente dada à liberdade dos Estados‑Membros de aplicarem disposições mais favoráveis a favor dos cidadãos da União que exerceram a sua liberdade de circular e de residir mais de três meses num Estado‑Membro de que não são nacionais, essas disposições não devem ter por resultado restringir a proteção garantida no artigo 18.o TFUE, de que esse artigo 24.o, n.o 1, constitui apenas uma expressão específica.

79.      A este respeito, o Tribunal de Justiça tem repetidamente considerado que a margem de manobra reconhecida aos Estados‑Membros não deve ser utilizada por estes de forma a prejudicar o objetivo da Diretiva 2004/38, que consiste, nomeadamente, em facilitar e reforçar o exercício do direito fundamental dos cidadãos da União a circular e residir livremente no território dos Estados‑Membros, bem como o efeito útil desta (67).

80.      Em quarto lugar, tal interpretação não contraria o objetivo prosseguido pelo legislador da União no artigo 24.o, n.o 2, da Diretiva 2004/38 e que resulta do considerando 10 desta diretiva. No caso em apreço, pode razoavelmente pensar‑se que o risco de prejuízo para o equilíbrio financeiro do regime de segurança social do Reino Unido causado pelas pessoas economicamente inativas cujas necessidades de subsistência deviam ser asseguradas foi avaliado por este Estado‑Membro antes de criar um direito de residência com uma duração de cinco anos exigível sem condição de recursos e que o caráter temporário desse direito de residência foi necessariamente tido em consideração.

81.      Em quinto lugar, esta interpretação é corroborada pela constatação de que, ao conceder um direito de residência a um cidadão da União em condições mais favoráveis do que as previstas na Diretiva 2004/38, um Estado‑Membro aplica o direito da União, na aceção do artigo 51.o, n.o 1, da Carta. A este respeito, considero que o alcance da decisão do Tribunal de Justiça no Acórdão Dano, relativo à invocabilidade dos artigos 1.o e 20.o da Carta, é limitado, uma vez que diz respeito às condições de concessão das prestações pecuniárias especiais de caráter não contributivo no âmbito de situações de pessoas que não dispõem de um direito de residência legal (68).

82.      Todos estes argumentos levam‑me a considerar que um cidadão da União pode beneficiar, no que respeita ao acesso a prestações de assistência social, da igualdade de tratamento em relação aos nacionais do Estado‑Membro de acolhimento, conforme precisada no artigo 24.o da Diretiva 2004/38, quando o seu direito de residência no território desse Estado resulta de uma medida adotada por este nas condições previstas no artigo 37.o desta diretiva.

83.      Importa agora apreciar as condições em que o respeito do princípio da igualdade de tratamento pode ser garantido.

3.      Aplicação do princípio da igualdade de tratamento especificado no artigo 24.o da Diretiva 2004/38

84.      O princípio da igualdade de tratamento, tal como especificado no artigo 24.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38 e respetivas derrogações enunciadas no seu n.o 2, poderia, em meu entender, levar a interpretar artigo 24.o, em conformidade com o que o Tribunal de Justiça decidiu no Acórdão Jobcenter Krefeld (69), no sentido de que se opõe, em princípio, à regulamentação de um Estado‑Membro por força da qual os nacionais de outros Estados‑Membros que residem no seu território estão excluídos do benefício das prestações de assistência social de que beneficiam os nacionais do Estado de acolhimento, na medida em que dispõem de um direito de residência que lhes foi concedido por esse Estado, no âmbito da faculdade permitida no artigo 37.o desta diretiva.

85.      Em concreto, como a jurisprudência do Tribunal de Justiça confirmou, o benefício desse direito tem por efeito conceder o acesso sem restrições às prestações de assistência social de que beneficiam os nacionais do Estado de acolhimento, à semelhança do que sucede com qualquer cidadão da União cujo direito de residência se encontre previsto, nomeadamente, no artigo 7.o da Diretiva 2004/38 (70).

86.      No entanto, afigura‑se que admitir tal automatismo vai além do equilíbrio pretendido pelo legislador da União na Diretiva 2004/38, expresso claramente no artigo 24.o, n.o 2, desta especialmente quando, como sucede no caso em apreço, o direito de residência foi concedido ao cidadão da União sem condição de rendimento ou de seguro social. Por outras palavras, conforme a Comissão sublinhou oralmente, a inexistência de condições para a concessão de um direito de residência não deve ter por efeito impor aos Estados‑Membros que não façam qualquer verificação quanto ao direito às prestações sociais.

87.      Por outro lado, observo que, quando o Tribunal de Justiça se pronunciou sobre a compatibilidade de regulamentações nacionais que recusam a concessão de prestações de assistência social a cidadãos economicamente inativos com o direito da União, interpretou o artigo 24.o da Diretiva 2004/38 no sentido de que se opõe à sua exclusão em todas as circunstâncias e automaticamente (71).

88.      Por conseguinte, parece‑me poder ser estabelecida uma distinção entre os cidadãos da União que disponham de um direito de residência concedido sem condições de recursos é possível entre os que são economicamente inativos e os outros. Além disso, no caso em apreço, as informações comunicadas ao Tribunal de Justiça sobre a diversidade das situações individuais em que os pedidos de crédito universal podem ser apresentados corroboram a necessidade de afastar qualquer mecanismo de recusa sistemática das prestações de assistência social(72).

89.      Por este motivo, considero que, no caso de um direito de residência concedido em condições mais favoráveis do que as previstas na Diretiva 2004/38, esta deve ser interpretada no sentido de que permite ao Estado‑Membro de acolhimento impor restrições legítimas à concessão das prestações sociais (73), dado que «[a]s pessoas que exercerem o seu direito de residência [não se tornem] deverão uma sobrecarga não razoável para o regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento» na aceção do considerando 10 desta diretiva.

90.      Assim, há que admitir que não seria ao contrário ao princípio da igualdade de tratamento afirmado no artigo 24.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38 que possa existir, para os cidadãos da União residentes ao abrigo de um direito de residência nacional, uma diferença de tratamento entre aqueles que são economicamente inativos e os outros, uma vez que essa diferença não se baseia na nacionalidade. Com efeito, conforme enunciado no artigo 18.o TFUE, o princípio da igualdade de tratamento, recordado no artigo 24.o da Diretiva 2004/38, significa que a diferença de tratamento não deve basear‑se apenas na nacionalidade, mas não visa proibir que se baseie em critérios objetivos como, no caso em apreço, a atividade económica do cidadão da União.

91.      Contudo, importa verificar se esta diferença de tratamento, na medida em que se baseia apenas na atividade económica do cidadão, não afeta, em definitivo, em comparação com os nacionais do Estado‑Membro de acolhimento, unicamente ou em grande maioria os cidadãos da União que residem legalmente sem condições de recursos no seu território. Nessa hipótese, esta diferença de tratamento seria qualificada de discriminação indireta baseada na nacionalidade(74).

92.      No caso em apreço, no que respeita aos requisitos estabelecidos no artigo 9.o do Regulamento de 2019, relativo à Segurança Social para a concessão do crédito universal (75), constato que, em certas condições, os cidadãos da União que são economicamente ativos não podem invocar o seu estatuto de residente temporário para obterem o crédito universal e que determinados nacionais do Reino Unido devem demonstrar a sua residência na aceção deste artigo 9.o, para obterem tal prestação (76). Assim, afigura‑se que uma diferença de tratamento baseada diretamente na nacionalidade pode ser afastada. Mas, pela própria natureza do critério adotado, a regulamentação parece afetar mais os nacionais de outros Estados‑Membros do que os cidadãos nacionais e, por conseguinte, pode desfavorecer mais especificamente os primeiros. Assim, esta regulamentação cria, em meu entender, uma discriminação indireta em razão da nacionalidade (77). Todavia, esta conclusão apenas pode ser admitida após um exame aprofundado da regulamentação nacional que só o órgão jurisdicional de reenvio está em condições de realizar.

93.      Caso se conclua pela existência de uma discriminação indireta, importa recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, para ser justificada, essa discriminação indireta deve ser apta a garantir a realização de um objetivo legítimo e não pode ir além do necessário para alcançar esse objetivo (78).

94.      No que diz respeito às justificações relativas ao objetivo de proteção contra o risco de sobrecarga não razoável para as finanças públicas que os Estados devem apresentar, sublinho apenas que, no estado atual da jurisprudência, embora tais justificações sejam admitidas em princípio (79), os Estados‑Membros não estão dispensados de fundamentar as suas afirmações (80).

95.      No caso em apreço, o Reino Unido optou por excluir do acesso às prestações sociais determinados cidadãos da União apenas com base na natureza do direito de residência que este Estado lhes concedeu, ou seja, o estatuto de residente provisório.

96.      É certo que a liberdade dos Estados‑Membros para determinar as condições de concessão das prestações de assistência social e as suas modalidades, enunciada em matéria de prestações sociais de caráter não contributivo, na falta de harmonização, pode ser invocada(81).

97.      No entanto, o caráter sistemático da recusa de acesso às prestações de assistência social, sem ter em consideração as situações individuais dos recorrentes(82), que, aliás, não foram apreciadas quando esse estatuto de residente temporário foi concedido devido à falta de requisitos quanto à sua autonomia financeira, não me parece proporcionado ao objetivo prosseguido.

98.      Nestas condições, considero que a resposta do Tribunal de Justiça, relativa ao exame das consequências da legalidade da residência, à luz do artigo 24.o da Diretiva 2004/38, deveria conter indicações sobre os diversos elementos suscetíveis de serem tidos em conta para satisfazer a exigência de proporcionalidade, à semelhança do que decidiu no Acórdão Brey (83).

4.      Individualização das decisões em matéria de prestações sociais

99.      À semelhança de CG, considero que a sua situação demonstra os limites da falta do exame individual que precede a decisão de excluir ou não um cidadão da União do benefício de prestações de assistência social. Mesmo que existam vários pontos em comum com as circunstâncias factuais em causa no Acórdão Dano, as circunstâncias do processo principal apresentam características, destacadas mais especialmente na audiência, que justificam uma evolução da jurisprudência do Tribunal de Justiça, independentemente da solução adotada quanto ao conceito de «residência legal» (84). Com efeito, estas mobilizam outros direitos fundamentais, sobre os quais exporei a minha posição mais detalhadamente a seguir.

100. Em meu entender, é necessário que as autoridades competentes do Estado‑Membro de acolhimento, quando apreciam o pedido de um cidadão da União economicamente inativo, possam ter em conta, além do facto de lhe terem concedido um direito de residência sem verificação da sua autonomia financeira, da sua situação familiar no que respeita às condições da sua deslocação e à duração do seu período de residência no território desse Estado‑Membro, na medida em que revela um certo grau de integração (85), bem como o período durante o qual a prestação solicitada é suscetível de lhe ser paga, nomeadamente se as dificuldades encontradas pelo beneficiário do direito de residência tiverem caráter temporário (86).

101. No caso em apreço, caberia ao órgão jurisdicional de reenvio, que tem competência exclusiva para apreciar os factos, determinar, designadamente atendendo a esses elementos, se a concessão de uma prestação de subsistência a uma pessoa na situação de CG é suscetível de representar um encargo não razoável para o sistema nacional de assistência social. A este respeito, esclareço que, segundo CG, proceder‑se-ia ao exame de situações individuais, no âmbito de ações intentadas por nacionais de países terceiros a fim de, em certas circunstâncias, beneficiar de fundos públicos (87).

102. Esta apreciação factual deverá necessariamente ser efetuada à luz de outros direitos fundamentais aplicáveis à situação individual em causa, uma vez que está abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2004/38(88).

5.      Justificação à luz dos direitos fundamentais da obrigação de prever uma apreciação das situações individuais

103. A situação de CG implica, em meu entender, uma análise da questão da restrição do acesso às prestações de assistência social à luz das decisões do Tribunal de Justiça relativas a direitos fundamentais distintos da igualdade de tratamento, que vai além da referência geral ao facto de as prestações de subsistência se destinarem a conferir aos seus beneficiários o mínimo de meios de subsistência necessários para terem uma vida que seja conforme com a dignidade humana (89).

104. A este respeito, observo que CG se deslocou para o Reino Unido para acompanhar o seu companheiro, nacional neerlandês, quando estava grávida do seu primeiro filho e dependia financeiramente daquele. Deu à luz um segundo filho no Reino Unido que atualmente está a seu cargo(90). Pode deduzir‑se da situação de CG que o pai não contribui para o sustento dos filhos.

105. Afigura‑se que estas constatações permitem uma aproximação à decisão adotada pelo Tribunal de Justiça no Acórdão Chavez‑Vilchez e o., mesmo que esse processo tivesse por objeto o direito de residência de nacionais de países terceiros no Estado‑Membro de que os seus filhos eram nacionais, e isto por três razões.

106. Antes de mais, estas situações são regidas por legislação que, a priori, é da competência dos Estados‑Membros. Em seguida, estas têm, contudo, uma relação intrínseca com a liberdade de circulação e de residência de um cidadão da União (91).

107. Por último, o pedido de interpretação do artigo 20.o TFUE submetido ao Tribunal de Justiça justificava‑se pelo facto de não estar excluído que o progenitor, igualmente nacional do mesmo Estado‑Membro de acolhimento, pudesse ocupar‑se quotidianamente e efetivamente do seu filho (92).

108. Nesta ocasião, o Tribunal de Justiça recordou que é a relação de dependência entre o cidadão da União de tenra idade e o nacional de um país terceiro a quem um direito de residência é recusado que pode pôr em causa o efeito útil da cidadania da União, dado que é essa dependência que coloca o cidadão da União na obrigação, de facto, de abandonar não só o território do Estado‑Membro de que é nacional mas também o território da União, considerado no seu todo, como consequência dessa decisão de recusa (93). O Tribunal de Justiça precisou que para apreciar o risco de o menor em causa, cidadão da União, ficar privado do gozo efetivo do essencial dos direitos que lhe são conferidos pelo artigo 20.o TFUE se ao seu progenitor, nacional de um país terceiro, fosse recusada a concessão do direito de residência no Estado‑Membro em causa, apesar de assumir a guarda efetiva do menor, as autoridades competentes devem ter em conta o direito ao respeito da vida familiar, como enunciado no artigo 7.o da Carta, devendo este artigo ser lido em conjugação com a obrigação de tomar em consideração o interesse superior do menor, reconhecido no artigo 24.o, n.o 2, da referida Carta (94). O Tribunal de Justiça considerou que a relação de dependência existente entre o progenitor nacional de um país terceiro e o menor, deve assentar na tomada em consideração, no interesse superior do menor em causa, de todas as circunstâncias do caso em apreço, nomeadamente, da sua idade, do seu desenvolvimento físico e emocional, do grau da sua relação afetiva tanto com o progenitor cidadão da União como com o progenitor nacional de um país terceiro e do risco que a separação deste último acarretaria para o equilíbrio desse menor (95).

109. Por conseguinte, afigura‑se que a aplicação destes princípios pode ser transposta, a fortiori, em matéria de prestações de assistência social, especialmente quando servem para assegurar uma vida familiar normal a cidadãos da União. Trata‑se de permitir ao progenitor isolado e indigente cumprir as suas obrigações para com os seus filhos de tenra idade, tanto no que respeita à sua saúde e segurança como à sua relação com o seu outro progenitor, cidadão da União. Do meu ponto de vista, estes princípios justificam amplamente que se proceda a uma apreciação individual da situação do cidadão da União, requerente de prestações de assistência social e que reside legalmente no Estado‑Membro de acolhimento.

110. Por todas estas razões, entendo que, ao não prever que as autoridades competentes devem proceder a uma apreciação de todas as circunstâncias individuais que caracterizam a situação de indigência do interessado e das consequências de uma recusa do seu pedido, tendo em consideração, consoante a situação deste, o direito ao respeito da vida familiar e o interesse superior da criança, a regulamentação nacional vai além do que é necessário para manter o equilíbrio do sistema de assistência social do Estado‑Membro de acolhimento.

V.      Conclusão

111. Tendo em consideração o exposto, proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões prejudiciais submetidas pelo Appeal Tribunal for Northern Ireland (Tribunal de Recurso da Irlanda do Norte, Reino Unido) o seguinte:

O artigo 24.o da Diretiva 2004/38/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros, que altera o Regulamento (CEE) n.o 1612/68 e que revoga as Diretivas 64/221/CEE, 68/360/CEE, 72/194/CEE, 73/148/CEE, 75/34/CEE, 75/35/CEE, 90/364/CEE, 90/365/CEE e 93/96/CEE deve ser interpretado no sentido de que constitui uma discriminação indireta em razão da nacionalidade e vai além do que é necessário para manter o equilíbrio do sistema de assistência social do Estado‑Membro de acolhimento a regulamentação nacional de um Estado‑Membro por força da qual um nacional de outro Estado‑Membro economicamente inativo que dispõe de um direito de residência, concedido sem condições de recursos em aplicação de uma disposição nacional, não pode beneficiar de prestações de assistência social com fundamento exclusivamente na natureza do seu direito de residência se essa recusa do benefício de tais prestações afetar em maior medida ou na sua maioria os nacionais de outros Estados‑Membros do que os nacionais do Estado de acolhimento — o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar —, uma vez que essa regulamentação não prevê que sejam examinadas as circunstâncias individuais que caracterizam a situação do interessado e que seja tomada em conta, designadamente, a sua situação de indigência, o seu direito ao respeito da sua vida familiar e o interesse superior do seu filho.


1      Língua original: francês.


2      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros, que altera o Regulamento (CEE) n.o 1612/68 e que revoga as Diretivas 64/221/CEE, 68/360/CEE, 72/194/CEE, 73/148/CEE, 75/34/CEE, 75/35/CEE, 90/364/CEE, 90/365/CEE e 93/96/CEE (JO 2004, L 158, p. 77, e retificações no JO 2004, L 229, p. 35, e JO 2005, L 197, p. 34).


3      JO 2020, L 29, p. 7, a seguir «Acordo sobre a saída do Reino Unido».


4      Decisão do Conselho de 30 de janeiro de 2020, relativa à celebração do Acordo sobre a Saída do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte da União Europeia e da Comunidade Europeia da Energia Atómica (JO 2020, L 29, p. 1).


5      O sublinhado é meu.


6      V. recapitulativo das etapas da saída do Reino Unido da União disponível no endereço Internet seguinte: https://eur‑lex.europa.eu/content/news/Brexit‑UK‑withdrawal‑from‑the‑eu.html?locale=fr.


7      https://www.gov.uk/guidance/immigration‑rules/immigration‑rules‑appendix‑eu.


8      Trata‑se de um prazo igual ao fixado para os pedidos apresentados ao abrigo do artigo 18.o, n.o 1, alínea b), do Acordo sobre a saída do Reino Unido, a partir de 1 de janeiro de 2021. V., igualmente, nota de pé de página 29 das presentes conclusões.


9      O Reino Unido faz referência ao Acórdão de 21 de dezembro de 2011, Ziolkowski e Szeja, a seguir «Acórdão Ziolkowski e Szeja» (C‑424/10 e C‑425/10, EU:C:2011:866).


10      A seguir «Regulamento da Segurança Social de 2019».


11      A seguir, conjuntamente, «Regulamento de 2016, relativo ao crédito universal».


12      V., exposição de motivos do Regulamento de 2016, relativo ao crédito universal, acessível no endereço Internet seguinte: https://www.legislation.gov.uk/nisr/2016/216/pdfs/nisrem_20160216_en.pdf.


13      Disposições substancialmente idênticas são aplicáveis no resto do Reino Unido, sendo o território de referência a Grã‑Bretanha, em conformidade com o artigo 4.o, n.o 1, alínea c), do Welfare Reform Act 2012 (Lei da Segurança Social de 2012) e com o Regulamento da Segurança Social de 2019.


14      A seguir «Regulamento EEE». Este artigo visa o direito de residência inicial e trata da residência com menos de três meses.


15      Este artigo refere‑se ao direito de residência prolongada, correspondente ao previsto no artigo 7.o da Diretiva 2004/38.


16      Isto é, uma pessoa que seja a responsável principal pelos cuidados a nacionais do Reino Unido.


17      O sublinhado é meu. Trata‑se da alteração resultante do Regulamento da Segurança Social de 2019, em que se baseia o pedido de decisão prejudicial. Nas suas observações escritas, o Departamento para as Comunidades na Irlanda do Norte, precisa que a referência, nas primeira e segunda questões do órgão jurisdicional de reenvio, ao artigo 9.o, n.o 3, alínea c), i), remete para a disposição aplicável na Grã‑Bretanha. Por conseguinte, para efeitos do presente reenvio prejudicial, proveniente da Irlanda do Norte, há que entender as questões no sentido de que visam o artigo 9.o, n.o 3, alínea d), i), do Regulamento de 2016, relativo ao Crédito Universal, que é o equivalente para a Irlanda do Norte.


18      Na decisão de reenvio precisa‑se que, segundo o serviço do crédito universal, a definição do membro da família que conservou o direito de residência é idêntica à prevista no artigo 10.o do Regulamento EEE e que CG não pode invocá‑la, uma vez que não demonstrou que estava casada ou que ainda mantinha uma relação duradoura com o seu companheiro, cidadão da União.


19      Segundo os elementos dos autos, as duas crianças nasceram no Reino Unido, respetivamente em 1 de março de 2019 e no ano de 2020. O mais velho não frequenta a escola. O Appeal Tribunal for Northern Ireland (Tribunal de Recurso da Irlanda do Norte, Reino Unido), o órgão jurisdicional de reenvio, precisou na sua resposta às questões do Tribunal de Justiça relativas ao pedido de tramitação acelerada que, segundo CG, as duas crianças são objeto de uma medida de vigilância pelos Social Services (serviços sociais, Reino Unido).


20      CG refere que chegou ao Reino Unido «no final de 2018 ou no início de 2019» para que o seu companheiro pudesse aceitar uma oferta de emprego. A Comissão Europeia fixa a data de 21 de janeiro de 2019.


21      Segundo as observações de CG, após várias deslocações de ida e volta entre o domicílio que partilhava com o seu companheiro violento e o referido centro, instalou‑se definitivamente neste desde o início de 2020. Na sua resposta às questões do Tribunal de Justiça relativas ao pedido de tramitação acelerada, o órgão jurisdicional de reenvio informou o Tribunal de Justiça de que o alojamento de CG num centro de acolhimento não pode ser considerado um alojamento estável. Nas suas observações escritas, CG esclareceu que se instalou num alojamento independente disponibilizado pelos serviços sociais em janeiro de 2021.


22      V. n.o 12 das presentes conclusões.


23      Nas suas observações escritas, CG precisou, por um lado, que, durante os três primeiros meses da sua residência no Reino Unido, tinha o direito de residir nesse país sem condições nem formalidades, de acordo com o artigo 6.o da Diretiva 2004/38. Findo este prazo de três meses, não foi convidada pelas autoridades do Reino Unido a fazer a prova de um direito de residência permanente. Não lhe foi pedido ou ordenado que abandonasse o Reino Unido. CG e o seu primeiro filho partiram temporariamente do Reino Unido para os Países Baixos, entre outubro de 2019 e janeiro de 2020, para ficarem na residência dos seus pais, tendo posteriormente regressado. Sublinha que passou toda a sua estada na Irlanda do Norte. Por outro lado, precisa que não pode pedir uma autorização de residência por tempo indeterminado enquanto vítima de violência doméstica. O seu pedido a este título, apresentado em 11 de novembro de 2020, foi indeferido em 3 de março de 2021. V., quanto às condições de obtenção dessa autorização, nota de pé de página 18 das presentes conclusões.


24      A Lei das Comunidades Europeias de 1972 é a Lei Relativa à Adesão do Reino Unido à União.


25      C‑456/02, a seguir «Acórdão Trojani», EU:C:2004:488.


26      Nas suas observações escritas, CG precisou que, no processo Fratila/Secretary of State for Work and Pensions [2020] EWCA Civ 1741, disposições análogas às criticadas no caso em apreço, aplicáveis na Grã‑Bretanha, foram declaradas ilegais, com base em discriminação em razão da nacionalidade, contrária ao artigo 18.o TFUE, por Decisão de 18 de dezembro de 2020 da Court of Appeal (Tribunal de Recurso, Reino Unido). Esta decisão foi objeto de recurso interposto pelo Secretary of State State for Work and Pensions (ministro do Trabalho e das Pensões, Reino Unido) no Supreme Court (Supremo Tribunal), cuja data de apreciação foi fixada na audiência de 18 e 19 de maio de 2021. CG refere que este processo diz respeito a dois nacionais romenos, designadamente, G. Fratila, chegada ao Reino Unido, que trabalhou pouco menos de um ano, tendo‑lhe sido retirado o estatuto de trabalhador. Esta pediu para beneficiar do crédito universal, o que lhe foi recusado. Pouco tempo antes, foi‑lhe concedido o estatuto de residente provisório. Nesse momento, encontrava‑se no Reino Unido há quase cinco anos. Em seguida, obteve o estatuto de residente permanente e foi‑lhe concedido o crédito universal. A outra pessoa em causa, R. Tanase, tem uma deficiência permanente e movimenta‑se de cadeira de rodas. Deslocou‑se ao Reino Unido para receber os cuidados de G. Fratila. Beneficia de diversas prestações na Roménia, incluindo uma pensão de invalidez, uma pensão de base e um subsídio para despesas de saúde. O crédito universal foi‑lhe igualmente recusado, pouco tempo depois de ter obtido um estatuto de residente provisório. Residia no Reino Unido há cinco meses. V. n.os 13 e 14 da decisão disponível no endereço Internet seguinte: https://files.gcnchambers.co.uk/wp‑content/uploads/2020/12/18111043/Fratila‑v‑Secretary‑of‑State‑for‑Work‑and‑Pensions‑2020‑EWCA‑1741‑18‑December‑2020.pdf.


27      V. n.o 12 das presentes conclusões.


28      Nessa data, o novo estatuto de residente, instituído no artigo 18.o do Acordo sobre a saída do Reino Unido, não podia ser concedido. Embora, por força do artigo 19.o deste acordo, durante o período de transição, os pedidos para obter esse estatuto pudessem ser apresentados antecipadamente, as decisões relativas ao seu deferimento ou indeferimento só começaram a produzir efeitos a partir de 1 de janeiro de 2021. Além disso, os requerentes devem preencher condições equivalentes às enunciadas na Diretiva 2004/38.


29      Só assim não seria, em aplicação do artigo 158.o, n.o 1, segundo parágrafo, do Acordo sobre a saída do Reino Unido, se o procedimento, iniciado após 1 de fevereiro de 2020, ou seja, durante o período de transição, tivesse tido por objeto uma decisão sobre um pedido apresentado nos termos do artigo 19.o deste acordo que previsse a possibilidade de pedir antecipadamente um novo estatuto de residente ou uma autorização de residência como os previstos no artigo 18.o do referido acordo (n.os 1 e 4).


30      V., nomeadamente, Acórdão de 15 de setembro de 2015, Alimanovic (C‑67/14, a seguir «Acórdão Alimanovic», EU:C:2015:597, n.os 42 a 44 e jurisprudência referida).


31      No que respeita ao âmbito da expressão «crédito universal», v. n.o 25 das presentes conclusões. Designa uma variedade de subsídios, alguns dos quais suscetíveis de ser regidos por regras especiais do direito da União. V., a título de exemplo, Acórdão de 14 de junho de 2016, a seguir «Acórdão Comissão/Reino Unido» (C‑308/14, EU:C:2016:436, n.os 27 e 55).


32      Quanto ao conceito de «regime de segurança social» que figura no artigo 7.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2004/38 e à sua interpretação segundo a qual faz referência a todos os regimes de apoios instituídos pelas autoridades públicas, a nível nacional, regional ou local, aos quais recorreu um indivíduo que não dispõe de recursos suficientes para fazer face às suas necessidades elementares, bem como às da sua família, v. Acórdão de 19 de setembro de 2013, a seguir «Acórdão Brey»(C‑140/12, EU:C:2013:565, n.os 60 e 61).


33      V. Acórdão de 6 de outubro de 2020, J a seguir «Acórdão Jobcenter Krefeld» (C‑181/19, EU:C:2020:794, n.o 57 e jurisprudência referida).


34      V. Acórdão de 11 de novembro de 2014, a seguir «Acórdão Dano» (C‑333/13, EU:C:2014:2358, n.o 59).


35      V., nomeadamente, Acórdão Jobcenter Krefeld, n.o 78 e jurisprudência referida.


36      V., nomeadamente, Acórdão Dano, n.os 59 a 61. Observo que, na segunda parte do Acordo sobre a saída do Reino Unido (v. n.o 8 das presentes conclusões), são reproduzidos o artigo 18.o TFUE no seu artigo 12.o, e a sua expressão mais precisa, a saber, o artigo 24.o da Diretiva 2004/38, no artigo 23.o deste acordo. Quanto à jurisprudência anterior à entrada em vigor desta diretiva, v. n.o 54 das presentes conclusões.


      V., igualmente, análise de Robin‑Olivier, S., «Les droits sociaux des “étrangers communautaires”», L’Avenir de l’État de Droit Social en Europe, Julia Iliopoulos‑Strangas (Ed.), Nomos Verlagsgesellschaft, Baden‑Baden, 2015, p. 217 a 246, especialmente pp. 221 e 228. V., no mesmo sentido, Rondu, J., «Chapitre 2 — L’individu relevant du seul droit national, résultante du caractère partiel de l’intégration» em L’individu, sujet du droit de l’Union européenne, Bruylant, 1.a edição, Bruxelas, 2020, pp. 683 a 756, especialmente, p. 711 ponto 898. Esta autora entende que o artigo 18.o TFUE já não é aplicável, considerando que a lex specialis do artigo 24.o da diretiva substitui a lex generalis do princípio da igualdade de tratamento nos Tratados.


37      Nas observações escritas de CG é recordado que, em apoio do seu pedido, esta invocou o Acórdão Trojani, tendo em vista a aplicação do artigo 18.o TFUE.


38      V., nomeadamente, Acórdão Brey (n.o 44 e jurisprudência referida).


39      A este respeito, saliento que, na audiência, a Comissão, num primeiro momento, retomou esta forma de raciocínio, que figurava nas suas observações escritas, sem, contudo, invocar os acórdãos aí referidos, e, num segundo momento, reformulou‑o em resposta a uma questão do Tribunal de Justiça relativa à aplicabilidade da Carta. A este respeito, v. n.o 81 das presentes conclusões.


40      V. Acórdão Brey, n.o 31.


41      V. Acórdãos de 20 de setembro de 2001, a seguir «Acórdão Grzelczyk» (C‑184/99, EU:C:2001:458, n.os 32, 33 e 35), e Trojani (n.os 37 e 40).


42      V. Acórdãos Brey (n.o 18), Dano (n.o 36), e Alimanovic (n.o 27). Segundo jurisprudência constante, a concessão de uma autorização de residência não constitui um direito, mas produz apenas um efeito declarativo. Não confere qualquer direito de residência [v., nomeadamente, Acórdão de 14 de setembro de 2017, Petrea (C‑184/16, EU:C:2017:684, n.os 32 e 33)]. Em contrapartida, esta qualificação não exclui o cidadão da União que residia no Estado‑Membro de acolhimento antes da entrada em vigor da diretiva, mas legalmente ao abrigo de outro instrumento do direito da União [Acórdão de 7 de outubro de 2010, Lassal (C‑162/09, EU:C:2010:592)].


43      V. Acórdão Dano (n.os 65 e 66).


44      V. n.o 80 deste acórdão.


45      V. Acórdão Dano (n.o 66).


46      V. Acórdão Dano (n.os 61 e 64).


47      A este respeito, v., Martin, D., «Article 24 – Égalité de traitement», Directive 2004/38 relative au droit de séjour des citoyens de l’Union européenne et des membres de leur famille, Bruylant, Bruxelas, 2020, pp. 373 a 396, especialmente. p. 380, n.o 16, segundo o qual, «[n]a medida em que o legislador europeu não quis, no artigo 24.o da diretiva, introduzir outras nuances no direito à não discriminação, estabelecido no n.o 1, para além das que figuram no n.o 2, o Tribunal de Justiça ainda tinha o direito de interpretar o n.o 1 no sentido de que este incluía, implicitamente, uma condição de integração?»


48      No seu Acórdão Comissão/Reino Unido, o Tribunal de Justiça confirmou o sentido da sua jurisprudência (n.os 66 a 69). V., igualmente, n.o 77 das presentes conclusões, no que respeita aos Acórdãos Alimanovic e de 25 de fevereiro de 2016, García‑Nieto e o., a seguir «Acórdão García‑Nieto e o.» (C‑299/14, EU:C:2016:114,), proferidos anteriormente, relativos às condições fixadas, respetivamente, no artigo 14.o, n.o 4, alínea b), e no artigo 6.o, n.o 1, desta diretiva. Por outro lado, no que respeita à importância destas decisões no âmbito do processo principal, destaco a observação de Iliopoulou‑Penot, A., «Capítulo 11 — Citoyenneté de l’Union et accès des inactifs aux prestations sociales dans l’État d’accueil» Le rôle politique de la Cour de justice de l’Union européenne, Clément‑Wilz, L. (dir.), Bruylant, 1.a edição, Bruxelas, 2018, pp. 315 a 334, especialmente, p. 318, segundo a qual «o acordo político alcançado pelo Conselho Europeu de 19 de fevereiro de 2016, numa vã tentativa de evitar o Brexit, incorpora[va], palavra por palavra, as soluções dos Acórdãos Dano e Alimanovic, sublinhando assim a sua importância na discussão sobre o “novo lugar” do Reino Unido na União»]. V., igualmente, quanto às tomadas de posição deste Estado‑Membro em 2017, nota de pé de página 55 das presentes conclusões.


49      V., a este respeito, Acórdão Jobcenter Krefeld (n.o 62).


50      V. Acórdão Jobcenter Krefeld (n.o 66).


51      V. n.os 36 e 37 desse acórdão.


52      Quanto à aplicação autónoma do artigo 10.o do Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de abril de 2011, relativo à livre circulação dos trabalhadores na União (JO 2011, L 141, p. 1) em relação às disposições do direito da União, tais como as da Diretiva 2004/38, que permitem aos filhos de um nacional de um Estado‑Membro que trabalha ou trabalhou no Estado‑Membro de acolhimento, assim como ao progenitor que assegura efetivamente a guarda daqueles invocá‑las sem que estejam obrigados a satisfazer as condições de recursos suficientes e de um seguro de doença completo, v. Acórdão Jobcenter Krefeld (n.os 38 e 39 e jurisprudência referida).


53      V. Acórdão Jobcenter Krefeld (n.o 69).


54      V. Acórdão Jobcenter Krefeld (n.o 87).


55      V., a este respeito, Acórdão Jobcenter Krefeld, n.o 62. No que respeita à decisão do Reino Unido de não criar novos direitos às prestações para as pessoas com o estatuto de residente provisório, este Estado expôs, nas suas observações escritas, que a mesma está em conformidade com as suas constantes tomadas de posições públicas que foram objeto, em junho de 2017, de uma publicação, Safeguarding the Position of EU Citizens Living in the UK and UK Nationals Living in the EU (preservar o estatuto dos cidadãos da União que vivem no Reino Unido e dos nacionais do Reino Unido que vivem na União, v., mais precisamente, n.o 41).


56      V. O’Brien, C., «Between the devil and the deep blue sea: vulnerable EU citizens cast adrift in the UK post‑Brexit», Common Market Law Review, vol. 58, Kluwer Law International, Alphen‑sur‑le‑Rhin, 2021, pp. 431 a 470, especialmente, pp. 456 e 457. A opção do Reino Unido de criar um direito incondicional de residência para os cidadãos da União no âmbito da saída do Reino Unido da União, designadamente, um estatuto de residente provisório, em vez de simplesmente sujeitar o direito de residência às condições da Diretiva 2004/38, ou de criar apenas um estatuto declarativo (e não criador de direitos) foi seguida, em 2019, de uma exclusão explícita desse direito de residência específico do benefício das prestações sociais, a menos que os cidadãos provem que preenchem as condições da Diretiva 2004/38, em virtude do Regulamento de 2016, relativo ao crédito universal. De acordo com a mesma autora, esta opção do Reino Unido foi decidida tendo em consideração a carga administrativa demasiado pesada imposta às autoridades para condicionarem o direito de residência pós‑Brexit dos cidadãos da União aos critérios do artigo 7.o da Diretiva 2004/38.


57      Acórdão Ziolkowski e Szeja (n.o 49).


58      Acórdão Ziolkowski e Szeja (n.o 50).


59      V. n.o 51 deste acórdão. Assim, o Tribunal de Justiça declarou que uma residência, em virtude de um direito conforme com o direito de um Estado‑Membro, mas que não preencha as condições estabelecidas pelo direito da União, não pode ser considerada uma residência legal, na aceção do artigo 16.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38, para efeitos da aquisição de um direito de residência permanente. V., igualmente, Acórdão de 2 de maio de 2018, K. e H. F. (Direito de residência e alegações de crimes de guerra) (C‑331/16 e C‑366/16, EU:C:2018:296, n.o 74).


60      Acórdão Ziolkowski e Szeja (n.os 18 e 19).


61      A este respeito, recordo que, no Acórdão Grzelczyk, no n.o 31, o Tribunal de Justiça declarou que «o estatuto de cidadão da União tende a ser o estatuto fundamental dos nacionais dos Estados‑Membros que permite aos que entre estes se encontrem na mesma situação obter, independentemente da sua nacionalidade e sem prejuízo das exceções expressamente previstas a este respeito, o mesmo tratamento jurídico». V., igualmente, Acórdão de 17 de setembro de 2002, Baumbast e R (C‑413/99, EU:C:2002:493, n.o 83).


62      Devo precisar que extraio a expressão «direito à residência regular» do Acórdão Comissão/Reino Unido, utilizada em alguns casos com base em disposições que transpõem o artigo 7.o da Diretiva 2004/38, mas também para exprimir mais genericamente a condição da regularidade da residência (v. n.os 72, 80 e 81). Verschueren, H., «The right to reside and to social benefits for economically inactive EU migrants: how to balance freedom of movement and solidarity?», La libre circulation sous pression,; Régulation et dérégulation des mobilités dans l’Union européenne Damay, L. e o. (dir.), Bruylant, 1.a edição, Bruxelas, 2018, pp. 33 a 51, em especial, p. 45, extrai da constatação da utilização da expressão «residência regular», sem nunca fazer referência à Diretiva 2004/38, o argumento segundo o qual essa residência pode basear‑se noutra disposição do direito da União, o que foi confirmado pelo Acórdão Jobcenter Krefeld, mas também numa disposição de direito nacional mais favorável como, nomeadamente, no Acórdão Trojani.


63      V. n.o 60 desse acórdão.


64      V. n.os 67, 68 e 87 desse acórdão.


65      Nos n.os 67 e 87 deste acórdão, é recordado que esses processos diziam respeito a cidadãos que dispunham, respetivamente, de um direito de residência baseado unicamente no artigo 14.o, n.o 4, alínea b), da Diretiva 2004/38, no quadro da procura de um emprego, ou de um direito de residência por um período limitado a três meses nos termos do artigo 6.o, n.o 1, da referida diretiva.


66      No n.o 68 do referido acórdão, é precisado que este processo dizia respeito a nacionais de um Estado‑Membro economicamente inativos que tinham exercido a sua liberdade de circulação com o único objetivo de obter o benefício do apoio social de outro Estado‑Membro e que não beneficiavam, no Estado‑Membro de acolhimento, de nenhum direito de residência baseado na Diretiva 2004/38 ou noutra disposição do direito da União.


67      V. Acórdão Brey (n.o 71 e jurisprudência referida). V., igualmente, quanto às consequências em matéria de proteção contra o afastamento que devem ser tomadas em consideração, Acórdãos Grzelczyk, n.o 43, e Trojani, n.o 45, bem como a análise de Rondu, J., op. cit, especialmente, p. 714, n.o 902, que se refere ao Acórdão de 13 de setembro de 2016, CS (C‑304/14, EU:C:2016:674, n.o 42). V., especialmente, p. 717, n.o 907, notas de pé de página 157 e 158.


68      V. Acórdão Dano (n.os 87, 90 e 91). O Tribunal de Justiça declarou que, na medida em que as condições de concessão das prestações pecuniárias especiais de caráter não contributivo não resultam do Regulamento (CE) n.o 883/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativo à coordenação dos sistemas de segurança social (JO 2004, L 166, p. 1), nem da Diretiva 2004/38 ou de outros atos de direito derivado da União, os Estados‑Membros são competentes para fixar as condições de concessão e o seu alcance, e que, por conseguinte, estes não aplicam o direito da União na aceção do artigo 51.o, n.o 1, da Carta e que esta não é aplicável.


69      V. n.o 65.


70      V. Acórdão Dano (n.o 69).


71      V. Acórdãos Brey (n.os 77 e 80), e Jobcenter Krefeld (n.o 79).


72      V., a este respeito, as circunstâncias factuais no processo pendente no Reino Unido, assinaladas por CG e descritas na nota de pé de página 26 das presentes conclusões.


73      V. Acórdão Brey (n.os 72 e 77).


74      V., nomeadamente, Acórdão de 13 de abril de 2010, Bressol e o. (C‑73/08, EU:C:2010:181, n.o 41).


75      V. n.o 27 das presentes conclusões.


76      Este requisito pode não ser satisfeito por determinados nacionais do Reino Unido que, por exemplo, tenham residido no estrangeiro. V., quanto a uma regulamentação nacional que não prevê essa hipótese, Acórdão de 4 de maio de 1999, Sürül (C‑262/96, EU:C:1999:228, n.os 102 e 104).


77      V., por analogia, Acórdão Comissão/Reino Unido (n.o 78 e jurisprudência referida).


78      V. Acórdão Comissão/Reino Unido (n.o 79 e jurisprudência referida).


79      V. Acórdão Comissão/Reino Unido (n.o 80).


80      V. Acórdão Brey (n.o 78).


81      V. Acórdão Comissão/Reino Unido (n.o 65 e jurisprudência referida).


82      V. Acórdão Comissão/Reino Unido (n.o 81). V., igualmente, Acórdão Brey (n.o 77).


83      V. n.o 78. V., igualmente, Acórdão de 17 de setembro de 2002, Baumbast e R (C‑413/99, EU:C:2002:493, n.os 91 e 92).


84      Recordo que resulta do Acórdão Dano (n.o 81) que o Tribunal de Justiça não considerou necessário salvaguardar as situações em que se impõe uma apreciação individual.


85      A este respeito, partilho do ponto de vista expresso pela Comissão segundo o qual a exclusão automática do benefício das prestações de assistência social é particularmente inadaptada para períodos de residências relativamente longos. V., a título de exemplo, situação de G. Fratila recordada na nota de pé de página 26 das presentes conclusões.


86      V. Acórdão Brey (n.o 72 e jurisprudência referida).


87      Segundo o representante de CG, trata‑se de nacionais de um país terceiro cujo direito de residência estava sujeito à condição prevista no artigo 3.o, n.o 1, alínea c), ii), da Lei da Imigração de 1971 de não recorrerem a fundos públicos e que pedem para ser dispensados desta condição quando consideram correr, sem utilizarem recursos públicos, um risco iminente de extrema pobreza. Nas suas observações escritas figuram as duas referências seguintes: «Family life (as a partner or parent), private life and exceptional circumstances, do Ministério do Interior (versão 13.0, 1 de fevereiro de 2021), p. 88» e «Immigration rules, Appendix FM: family members», GEN.1.11A. no que respeita à legislação em matéria de imigração no Reino Unido.


88      V. n.o 81 das presentes conclusões.


89      V. Acórdão Jobcenter Krefeld (n.o 57). A este respeito, além do artigo 1.o da Carta, o artigo 34.o, n.o 2, desta merece uma atenção especial, uma vez que estabelece um nexo entre os princípios da livre circulação e da igualdade de tratamento em matéria de assistência social e se baseia, nomeadamente, no artigo 13.o da Carta Social Europeia, assinada em Turim em 18 de outubro de 1961 e que o Reino Unido aceitou. Assim, não excluo que esta disposição possa ter um efeito útil enquanto elemento de fiscalização da legalidade das medidas nacionais que procedem à sua execução ou, no mínimo, para enquadrar a margem de apreciação da igualdade de tratamento pelo juiz nacional. V., neste sentido, Acórdão de 24 de abril de 2012, Kamberaj (C‑571/10, EU:C:2012:233, n.os 80 e 92).


90      Nas suas observações escritas, CG esclareceu que os filhos têm nacionalidade neerlandesa. A situação familiar de CG deve ser comparada, nomeadamente, à de H. C. Chavez‑Vilchez descrita no Acórdão de 10 de maio de 2017, Chavez‑Vilchez e o. (C‑133/15, a seguir «Acórdão Chavez‑Vilchez e o.», EU:C:2017:354, n.os 21 e 22).


91      V. Acórdão Chavez‑Vilchez e o. (n.o 64).


92      V. Acórdão Chavez‑Vilchez e o. (n.o 59).


93      V. Acórdão Chavez‑Vilchez e o. (n.o 69 e jurisprudência referida).


94      V. Acórdão Chavez‑Vilchez e o. (n.o 70).


95      V. Acórdão Chavez‑Vilchez e o. (n.o 71).