Language of document : ECLI:EU:F:2008:113

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA FUNÇÃO PÚBLICA
DA UNIÃO EUROPEIA (Terceira Secção)

11 de Setembro de 2008 (*)

«Função pública – Funcionários – Concurso geral – Não inscrição na lista de reserva – Avaliação das provas escrita e oral»

No processo F‑127/07,

que tem por objecto um recurso nos termos dos artigos 236.° CE e 152.° EA,

Juana Maria Coto Moreno, funcionária da Comissão das Comunidades Europeias, residente em Gaborone (Botswana), representada por K. Lemmens e C. Doutrelepont, advogados,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por B. Eggers e M. Velardo, na qualidade de agentes,

recorrida,

O TRIBUNAL DA FUNÇÃO PÚBLICA (Terceira Secção),

composto por: P. Mahoney, presidente, H. Kanninen e S. Gervasoni (relator), juízes,

secretário: R. Schiano, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 11 de Junho de 2008,

profere o presente

Acórdão

1        Por petição entrada na Secretaria do Tribunal em 30 de Outubro de 2007, por fax (tendo a apresentação do original sido efectuada em 6 de Novembro seguinte), J. M. Coto Moreno pede, essencialmente, ao Tribunal que anule a decisão de 12 de Fevereiro de 2007 através da qual o júri do concurso EPSO/AD/28/05 recusou a inscrição do seu nome na lista de reserva, que declare que as autoridades competentes devem inscrever o seu nome na referida lista de reserva e que condene a Comissão das Comunidades Europeias no pagamento de uma indemnização pelos danos profissionais, financeiros e morais que alega ter sofrido.

 Factos na origem do litígio

2        Em 16 de Setembro de 2004 a recorrente foi nomeada funcionária de grau B*3 e colocada na delegação da Comissão no Botswana.

3        Seguidamente, a recorrente apresentou a sua candidatura ao concurso EPSO/AD/28/05 destinado a constituir uma lista de reserva de 100 candidatos aprovados para o recrutamento de administradores de grau AD 5 no domínio «Gestão de recursos financeiros».

4        Como resulta do anúncio de concurso EPSO/AD/28/05 publicado no Jornal Oficial das Comunidades Europeias de 20 de Julho de 2005 (JO C 178 A, p. 3, a seguir «anúncio de concurso»), este concurso comportava três fases.

5        Em primeiro lugar, o concurso começava por três testes de pré‑selecção, na segunda língua escolhida pelo candidato, que consistiam em perguntas de escolha múltipla. Os candidatos que obtivessem os mínimos exigidos em cada um destes testes e que ficassem classificados entre os 300 melhores candidatos eram admitidos a passar à prova escrita.

6        Em segundo lugar, a prova escrita, na língua principal do candidato, respeitava a um assunto à escolha do candidato, relacionado com o domínio do concurso, e visava avaliar os conhecimentos específicos do candidato, as suas capacidades de compreensão, de análise e de síntese, bem como as suas capacidades de redacção. A prova era classificada de 0 a 50 pontos e o mínimo exigido era de 25 pontos. Os candidatos que obtivessem o mínimo exigido na prova escrita e que ficassem classificados entre os 150 melhores candidatos eram convidados a apresentar‑se à prova oral.

7        Em terceiro lugar, a prova oral, sempre na língua principal do candidato, deveria permitir ao júri apreciar a aptidão do candidato para exercer as funções correspondentes aos lugares que o concurso visava prover. Respeitava aos conhecimentos específicos relacionados com o domínio do concurso e ao conhecimento sobre a União Europeia, as suas instituições e as suas políticas. Eram também examinados os conhecimentos da segunda língua, bem como a capacidade de adaptação ao trabalho na administração pública europeia, num ambiente multicultural. A prova era classificada de 0 a 50 pontos, com um mínimo exigido de 25 pontos.

8        Os testes de pré‑selecção e a prova escrita decorreram em 31 de Março de 2006. A recorrente foi aprovada e foi convidada a apresentar‑se à prova oral, que decorreu em Bruxelas, em 10 de Janeiro de 2007.

9        Por carta de 12 de Fevereiro de 2007, o Serviço de Selecção do Pessoal das Comunidades Europeias (EPSO) informou a recorrente de que o júri não tinha inscrito o seu nome na lista de reserva, uma vez que o seu resultado não se encontrava entre os 100 melhores resultados (a seguir «decisão impugnada»). Com efeito, o último candidato admitido tinha obtido 56,1 pontos, ao passo que a recorrente apenas tinha totalizado 54 pontos, a saber, 25/50 na prova escrita e 29/50 na prova oral.

10      Num e‑mail enviado ao EPSO em 22 de Fevereiro de 2007, a recorrente expressou a sua surpresa quanto à classificação obtida na prova oral, apresentou observações sobre esta prova e, por fim, requereu o reexame, pelo júri, das provas escrita e oral.

11      Por carta de 22 de Março de 2007, o presidente do júri respondeu à recorrente que o júri, após ter procedido ao reexame das provas escrita e oral, tinha confirmado o resultado da recorrente e enviou‑lhe a sua prova escrita bem como a folha de avaliação desta prova pelo júri.

12      Resulta da folha de avaliação, pelo júri, da prova da recorrente que o júri considerou que a sua resposta à primeira questão era «suficiente mas não pormenorizada» do ponto de vista dos conhecimentos, e «boa» do ponto de vista das capacidades de análise, de síntese e de redacção. Quanto à resposta à questão n.° 3, escolhida pela recorrente como tema de exame, de entre as questões n.° 2, n.° 3, e n.° 4, o júri constatou que «faltavam certos conceitos», classificando embora a resposta como «suficiente», do ponto de vista dos conhecimentos e «boa», do ponto de vista das capacidades de análise, de síntese e de redacção.

13      Em 29 de Março de 2007, a recorrente enviou uma nova carta ao EPSO, em que sustentava que não tinha obtido resposta suficiente às suas observações relativas à prova oral e em que considerava os comentários do júri particularmente sucintos. Pedia também a equivalência, em termos de pontos, dos comentários «suficiente» e «bom». Por fim, a recorrente contestava a apreciação da sua resposta à questão n.° 3 da prova escrita.

14      Por carta de 2 de Maio de 2007, o presidente do júri respondeu novamente à recorrente. Em especial, justificou a apreciação, pelo júri, da prova da recorrente. Indicou que os quatro critérios de apreciação desta prova não tinham o mesmo valor, sendo os conhecimentos no domínio da prova julgados mais importantes dos que as capacidades de compreensão, de análise e de expressão. O presidente do júri explicou que, no que respeita à primeira questão, as lacunas no conteúdo do ensaio tinham sido compensadas pela qualidade da análise, da síntese e da redacção, o que tinha permitido à recorrente obter a classificação de 25/50.

15      No que respeita à apreciação da resposta à questão n.° 3, o presidente do júri apresentou, na carta de 2 de Maio de 2007, as explicações seguintes:

«Uma vez que solicitou explicitamente mais pormenores quanto à sua resposta à questão 3, a opinião do júri é de que a sua resposta continha muitas falhas. Em primeiro lugar, os critérios de selecção não eram explicados nem justificados. Quais eram os objectivos dos limites propostos? Por que razão o volume de negócios devia ser dez vezes o valor do contrato? Por que razão devia 50% do volume de negócios ser realizado no domínio do contrato? Por que razão devia 50% do pessoal dedicar‑se ao domínio do contrato? etc.

No que respeita aos critérios de adjudicação, a prestação e a qualidade do equipamento não são citadas. Critérios tais como, por exemplo, a taxa de amortização e a relação entre o custo de compra e o custo de manutenção não eram referidos. Os critérios da experiência do pessoal e da sociedade são manifestamente critérios de selecção e não critérios de adjudicação; a simples, mas crucial, data de fornecimento também não era mencionada.

Além disso, as cláusulas contratuais citadas nem sempre eram pertinentes (por exemplo, a garantia de pré‑financiamento) para um contrato deste tipo, e faltavam outras cláusulas possíveis, mais importantes, tais como uma cláusula relativa às sanções em caso de atraso ou de não funcionamento, à responsabilidade contratual pelos danos causados por faltas, à obrigação de subscrição de um seguro profissional. Também não eram mencionadas cláusulas de anulação do contrato em caso de erro profissional.» (Tradução livre.)

(«As you specifically requested more detail as regards your answer to question 3, the opinion of the Board is that your answer contained many weaknesses. First, the selection criteria were not explained or justified. What were the purposes of the proposed ceilings? Why would the turnover have to be 10 times the value of the market? Why did 50 % of the turnover have to come from the tender domain? Why would 50 % of the personnel have to be dedicated to the tender domain? etc.

As regards the award criteria there was no mention of performance and quality of the equipment. Criteria such as the rate of becoming obsolete and the purchase cost versus maintenance, for example, were not mentioned. The criteria on the experience of the personnel and the company are clearly selection criteria and not award criteria; the simple but crucial date of delivery was also not mentioned.

Further the contractual clauses given were not always pertinent (e.g. Pre‑financing guarantee) for such a market, but other more important possible clauses were missing such as a clause for the sanctions in case of delay or non‑function, the contractual responsibility for damages resulting from faults, the obligation to subscribe a professional insurance. Clauses for cancelling the contract in case of professional misconduct were also not mentioned.»)

16      Em 3 de Maio de 2007, a recorrente apresentou uma reclamação contra a decisão impugnada. Por decisão de 31 de Julho seguinte, a autoridade investida do poder de nomeação (a seguir «AIPN») indeferiu esta reclamação.

 Pedidos das partes

17      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular a decisão impugnada;

–        condenar a Comissão a pagar‑lhe uma indemnização de 25 000 euros pelos danos morais que alega ter sofrido;

–        condenar a Comissão a pagar‑lhe uma indemnização de 8 000 euros correspondente aos honorários dos seus advogados;

–        declarar, a título principal, que as autoridades competentes devem inscrever o seu nome na lista de reserva ou, a título subsidiário, na falta de tal inscrição, pagar‑lhe uma indemnização no montante de 384 000 euros pelos danos materiais que alega ter sofrido;

–        condenar a Comissão nas despesas.

18      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

 Quanto ao pedido de anulação

19      A recorrente invoca quatro fundamentos para sustentar o seu pedido de anulação:

–        o primeiro fundamento, relativo ao erro manifesto de apreciação cometido pelo júri na apreciação das suas respostas às provas escrita e oral;

–        o segundo fundamento, relativo à violação do anúncio de concurso, do princípio da igualdade e do «princípio da razoabilidade»;

–        o terceiro fundamento, relativo à violação do dever de fundamentação;

–        o quarto fundamento, relativo a um erro manifesto de apreciação associado à falta de concordância entre a classificação numérica da prova escrita e as apreciações escritas do júri.

 Quanto ao primeiro e ao quarto fundamentos, relativos a erros manifestos de apreciação cometidos pelo júri

 Argumentos das partes

–       Quanto ao primeiro fundamento, relativo ao erro manifesto de apreciação cometido pelo júri na apreciação das respostas da recorrente às provas escrita e oral

20      A recorrente sustenta, em primeiro lugar, que o júri cometeu um erro manifesto de apreciação ao constatar a existência de «muitas falhas» na sua resposta à questão n.° 3 da prova escrita. Por um lado, não se pode censurar a recorrente por não ter explicado nem justificado os critérios de selecção relativos à capacidade económica e técnica das empresas proponentes, uma vez que se pedia aos candidatos que definissem os critérios de selecção e não que justificassem a sua escolha. Aliás, os critérios de selecção indicados pela recorrente eram de tal modo evidentes que a fundamentação ou justificação da sua escolha teria sido supérflua. Por outro lado, os critérios de selecção indicados pela recorrente eram não só pertinentes como correntemente utilizados na prática, uma vez que constavam do «Guia prático dos procedimentos contratuais no âmbito das acções externas» da Comissão. Tendo a recorrente mencionado os critérios deste guia da Comissão, o júri não podia considerar que a sua resposta continha «muitas falhas».

21      Em segundo lugar, o júri cometeu também um erro manifesto de apreciação ao considerar que a experiência do pessoal e a da empresa tinham sido incorrectamente indicadas pela recorrente como critérios de adjudicação do contrato, quando se tratavam de critérios de selecção. Com efeito, o «Guia prático dos procedimentos contratuais no âmbito das acções externas» da Comissão menciona os curricula vitae dos peritos propostos, entre os critérios de adjudicação dos contratos de serviços. O júri ignorou, assim, as regras que a Comissão tinha fixado para si própria, violando, consequentemente, o princípio patere legem quam ipse fecisti.

22      Em terceiro lugar, o júri considerou erradamente que as cláusulas contratuais propostas pela recorrente para assegurar a qualidade dos produtos e dos serviços e para limitar os riscos financeiros nem sempre eram pertinentes. A garantia de pré‑financiamento, citada a título de exemplo pelo júri na sua carta de 2 de Maio de 2007, era, pelo contrário, não só pertinente como até obrigatória nos contratos do Fundo Europeu de Desenvolvimento (FED).

23      Por fim, à questão colocada na prova oral, de saber de que modo se podia reduzir o risco de perdas financeiras na sequência de variações das taxas de câmbio, no âmbito de um contrato celebrado entre partes de dois países com moedas diferentes, a recorrente deu uma resposta conforme à prática do FED: pagar o preço recorrendo a ambas as moedas e prever cláusulas contratuais que permitissem a revisão dos preços. Consequentemente, o júri não tinha razão ao considerar esta resposta insuficiente.

24      A Comissão recorda o carácter restrito da fiscalização exercida pelo Tribunal sobre as apreciações do júri.

25      No que respeita à prova escrita, a Comissão considera que as diversas referências ao «Guia do Serviço de Cooperação EuropAid» feitas pela recorrente na sua petição para demonstrar a correcção das suas respostas evidenciam um erro de perspectiva. Este guia trata dos contratos de serviços celebrados pelo FED, ao passo que o texto das questões da prova escrita não mencionava o FED e respeitava a contratos de fornecimento.

–       Quanto ao quarto fundamento, relativo à manifesta falta de concordância entre a classificação numérica da prova escrita e as apreciações escritas do júri

26      A recorrente sustenta que o júri cometeu um erro manifesto de apreciação, ao traduzir numa classificação numérica a apreciação da sua prova escrita. Tendo o júri considerado as suas respostas «suficientes» em matéria de conhecimentos e «boas» quanto às capacidades de compreensão, de análise, de síntese e de redacção que revelavam, o júri enganou‑se manifestamente ao atribuir‑lhe a classificação de 25/50, ou seja, a classificação mínima para admissão à prova oral.

27      Além disso, ao atribuir à recorrente a classificação de 25/50, o júri violou o princípio da igualdade. Com efeito, o júri tratou a recorrente como qualquer candidato que tivesse obtido duas vezes a apreciação «suficiente» quanto aos seus conhecimentos e duas vezes a apreciação «suficiente» quanto às suas capacidades de análise e de síntese, de compreensão e de redacção. A recorrente considera que a sua classificação devia reflectir o facto de que tinha obtido, quanto a todos os critérios que não respeitavam aos conhecimentos, a menção «bom».

28      De qualquer modo, a classificação obtida na prova escrita não era proporcional à apreciação que constava da folha de avaliação.

29      A Comissão responde que não existe qualquer incoerência entre a classificação numérica de 25/50 e os comentários. Com efeito, tal como o presidente do júri explicou na sua carta de 2 de Maio de 2007, os conhecimentos no domínio do concurso tinham uma importância preponderante na avaliação dos candidatos. Admitindo que existisse uma incoerência entre a classificação numérica e os comentários, seria completamente irrelevante e em caso algum seria manifesta.

 Apreciação do Tribunal

30      A recorrente invoca dois erros manifestos de apreciação, o primeiro relativo à apreciação pelo júri das prestações dos candidatos, e o segundo relativo à concordância entre a classificação numérica da prova escrita e as apreciações escritas do júri.

31      A título liminar, há que recordar o alcance da fiscalização exercida pelo Tribunal sobre uma decisão através da qual um júri de concurso recusa a inscrição de um candidato na lista dos aprovados.

32      Quando é chamado a pronunciar‑se sobre a legalidade de uma decisão deste tipo, o Tribunal verifica o respeito das regras jurídicas aplicáveis, ou seja, as regras, nomeadamente processuais, definidas pelo estatuto e pelo anúncio de concurso, e as que regem os trabalhos do júri, em especial o dever de imparcialidade do júri e o respeito, por parte deste, da igualdade de tratamento dos candidatos (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 5 de Março de 2003, Staelen/Parlamento, T‑24/01, ColectFP, p. I‑A‑79 e II‑423, n.os 47 a 52; de 25 de Junho de 2003, Pyres/Comissão, T‑72/01, ColectFP, p. I‑A‑169 e II‑861, n.os 32 a 42, e de 10 de Novembro de 2004, Vonier/Comissão, T‑165/03, ColectFP, p. I‑A‑343 e II‑1575, n.° 39), bem como a inexistência de desvio de poder (acórdão do Tribunal de Justiça de 9 de Outubro de 1974, Campogrande e o./Comissão, 112/73, 144/73 e 145/73, Recueil, p. 957, Colect., p. 447, n.os 34 a 53 ; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 11 de Fevereiro de 1999, Jiménez/IHMI, T‑200/97, ColectFP, p. I‑A‑19 e II‑73, n.os 43 a 57). Em certos casos, em que o júri não dispõe de margem de apreciação, esta fiscalização pode abranger a exactidão dos factos em que o júri se baseou para poder tomar a sua decisão (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Março de 2008, Giannini/Comissão, T‑100/04, ainda não publicado na Colectânea, n.os 277 e 278).

33      Em contrapartida, as apreciações feitas por um júri de concurso ao avaliar os conhecimentos e as aptidões dos candidatos escapam à fiscalização do Tribunal (acórdão Campogrande e o./Comissão, já referido, n.° 53; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 26 de Janeiro de 2005, Roccato/Comissão, T‑267/03, ColectFP, p. I‑A‑1 e II‑1, n.° 42).

34      Não é este o caso da concordância entre a classificação numérica e as apreciações escritas do júri. Com efeito, esta concordância, garante da igualdade de tratamento entre os candidatos, é uma das normas que rege os trabalhos do júri e cujo respeito compete ao juiz verificar, nos termos da jurisprudência acima referida. Além disso, a concordância entre a classificação numérica e a apreciação escrita pode ser objecto de uma fiscalização, por parte do Tribunal, independente da fiscalização da apreciação das prestações dos candidatos feita pelo júri, que o Tribunal se recusa a exercer, desde que a fiscalização da concordância se limite a verificar a inexistência de uma manifesta incoerência. Foi por esta razão que, no acórdão de 13 de Dezembro de 2007, Van Neyghem/Comissão (F‑73/06, ainda não publicado na Colectânea, n.° 87), o Tribunal examinou se, tendo em conta a apreciação escrita da ficha de avaliação de uma prova, o júri não tinha cometido um erro manifesto de apreciação ao fixar a classificação dessa prova.

35      Resulta, em primeiro lugar, da jurisprudência recordada no n.° 33 do presente acórdão que a recorrente não pode invocar utilmente perante o Tribunal o erro manifesto de apreciação de que, na sua opinião, enferma a apreciação pelo júri das prestações dos candidatos e que o primeiro fundamento só pode, portanto, ser julgado improcedente.

36      Em segundo lugar, resulta do n.° 34 do presente acórdão que compete, em contrapartida, ao Tribunal verificar se o júri do concurso não atribuiu à recorrente uma classificação manifestamente incoerente com as apreciações escritas feitas na folha de avaliação da sua prova.

37      A recorrente alega, essencialmente, que o júri cometeu um erro manifesto de apreciação ao atribuir‑lhe a classificação de 25/50 na prova escrita, ou seja, a classificação mais baixa que permitia a admissão à prova oral, quando considerou as suas respostas às duas questões da prova escrita «suficientes», no que respeita aos conhecimentos, e «boas», quanto às capacidades de análise, de síntese e de redacção.

38      Há que recordar que, no âmbito de um concurso, o valor das prestações dos candidatos é apreciado de modo relativo e que nada impede, em especial, que só os candidatos julgados de bom nível sejam admitidos à prova oral. Assim, a recorrente não pode inferir da classificação que obteve na prova escrita (25/50), que era a mínima para ser admitida à prova oral, que o júri não considerou a sua prova satisfatória. Nestas condições, o facto de a recorrente ter obtido a classificação mínima que lhe permitia apresentar‑se à prova oral, apesar de as suas respostas terem sido consideradas, globalmente, mais do que suficientes, não revela uma discordância manifesta entre a classificação e a apreciação escrita. Consequentemente, no caso em apreço, não se pode deduzir a existência de um erro manifesto de apreciação da comparação entre a classificação atribuída à prova da interessada e as apreciações escritas feitas pelo júri quanto a esta prova.

39      Consequentemente, o quarto fundamento deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do anúncio de concurso, do princípio da igualdade e do «princípio da razoabilidade»

 Argumentos das partes

40      Segundo a recorrente, embora o anúncio de concurso previsse que a prova escrita visava examinar «os conhecimentos específicos, a capacidade de compreensão, de análise e de síntese, a capacidade de redacção», o júri só avaliou os conhecimentos da recorrente. O critério dos conhecimentos foi, em qualquer caso, privilegiado em detrimento dos outros critérios.

41      Visando o respeito do anúncio de concurso garantir o igual tratamento dos candidatos, a igualdade de tratamento deixou de ser assegurada, uma vez que o anúncio de concurso não foi respeitado.

42      A classificação obtida pela recorrente na prova escrita, que era a mínima para ser admitida a apresentar‑se à prova oral, reflectia apenas a apreciação «suficiente» que o júri fez dos conhecimentos da recorrente, e não a apreciação favorável de que a sua prova tinha sido objecto quanto às qualidades de análise, de síntese e de redacção. A discordância entre a classificação e as apreciações escritas demonstrava assim que o critério dos conhecimentos tinha sido excessivamente valorizado, ou mesmo exclusivamente tomado em consideração. O júri violou assim o «princípio da razoabilidade».

43      A Comissão observa que a prova escrita foi avaliada à luz de todos os critérios previstos e considera que, tratando‑se de um concurso organizado para o recrutamento de funcionários com competências específicas no domínio da gestão de recursos financeiros, era razoável atribuir uma importância preponderante aos conhecimentos dos candidatos neste domínio.

 Apreciação do Tribunal

44      A recorrente apresenta dois argumentos para sustentar o fundamento relativo à violação do anúncio de concurso, do princípio da igualdade e do «princípio da razoabilidade».

45      Em primeiro lugar, alega que o júri apenas tomou em conta os conhecimentos dos candidatos no domínio do concurso, a saber, a gestão de recursos financeiros, e não os outros critérios de avaliação da prova escrita enumerados no anúncio de concurso. Esta alegação é manifestamente desmentida pelas apreciações escritas feitas pelo júri na folha de avaliação da prova da recorrente. Com efeito, estas apreciações referem‑se tanto aos conhecimentos da recorrente, julgados «suficientes», como às suas capacidades de análise, de síntese e de redacção, qualificadas de «boas».

46      A recorrente considera, em segundo lugar, não sem contradição com o argumento anterior, que, entre os critérios de selecção enumerados no anúncio de concurso, o júri tinha ilegalmente atribuído um valor preponderante ao critério dos conhecimentos no domínio do concurso. É pacífico que o júri considerou efectivamente que este critério era o mais importante.

47      Porém, a hierarquização dos critérios efectuada pelo júri não era contrária ao anúncio de concurso, dado que este não indicava que os critérios enumerados teriam a mesma importância na avaliação dos candidatos.

48      Acresce que a hierarquização dos critérios não é, em si, contrária ao princípio da igualdade de tratamento dos candidatos. A recorrente não alegou, de resto, que o júri tivesse procedido a uma aplicação diferente destes critérios aos outros candidatos.

49      Por fim, a recorrente baseia‑se exclusivamente na discordância, manifesta, na sua opinião, entre a classificação que obteve na prova escrita e as apreciações escritas do júri sobre a sua prova para sustentar que o júri atribuiu uma importância manifestamente desproporcionada ao critério dos conhecimentos. Ora, tal como se explicou no n.° 38 do presente acórdão, não pode observar‑se qualquer discordância manifesta entre a classificação obtida pela recorrente na prova escrita e as apreciações escritas do júri, ao contrário do que a recorrente sustenta.

50      Resulta do que precede que o segundo fundamento deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao terceiro fundamento, relativo à violação do dever de fundamentação

 Argumentos das partes

51      Segundo a recorrente, o presidente do júri afirmou, na sua carta de 2 de Maio de 2007, que a resposta da recorrente à questão n.° 3 continha «muitas falhas», embora na folha de avaliação o júri tenha indicado que a referida resposta omitia certos conceitos mas era suficiente. Tendo em conta estas contradições, a apreciação do júri não pode ser considerada fundamentada.

52      Em nenhuma das respostas às cartas que a recorrente lhe enviou o júri justificou de que modo a resposta oral da recorrente à questão relativa aos riscos financeiros gerados pelas variações das taxas de câmbio não era satisfatória. O júri ignorou, assim, o seu dever de fundamentação.

53      A Comissão sustenta que, tal como o Tribunal de Justiça declarou no seu acórdão de 4 de Julho de 1996, Parlamento/Innamorati (C‑254/95 P, Colect., p. I‑3423, n.° 31), a comunicação das classificações obtidas nas diferentes provas constitui uma fundamentação suficiente das decisões do júri. A Instituição deduz daqui que a falta de fundamentação não pode assentar numa alegada incoerência entre dois documentos elaborados posteriormente à atribuição da classificação. Além disso, a recorrente obteve todas as explicações necessárias nas fases do processo de reexame e do procedimento pré‑contencioso. A Comissão observa que a recorrente obteve não só a comunicação da sua prova, como também a da respectiva folha de avaliação.

54      No que respeita à questão colocada à recorrente na prova oral, sobre o modo de prevenir o risco financeiro associado à variação das taxas de câmbio, o júri tinha já explicado à recorrente que a resposta desta não era totalmente errada mas que havia respostas mais adequadas e melhor fundamentadas do que a sua.

 Apreciação do Tribunal

55      O dever de fundamentação de uma decisão de um júri deve, por um lado, ser conciliado com o segredo que envolve os trabalhos deste último. O respeito desse segredo opõe‑se tanto à divulgação das atitudes individuais de cada membro do júri como à revelação de quaisquer elementos relacionados com apreciações de carácter pessoal ou comparativo respeitantes aos candidatos (acórdão Parlamento/Innamorati, já referido, n.° 24).

56      Por outro lado, o dever de fundamentação não deve sobrecarregar de modo intolerável as operações dos júris e os trabalhos da administração do pessoal (acórdãos do Tribunal de Justiça de 28 de Fevereiro de 1980, Bonu/Conselho, 89/79, Recueil, p. 553, n.° 6, e, a contrario, de 28 de Fevereiro de 2008, Neirinck/Comissão, C‑17/07 P, ainda não publicado na Colectânea, n.° 58). É por esta razão que, num concurso com muitos participantes, a comunicação das classificações obtidas nas diferentes provas constitui uma fundamentação suficiente das decisões do júri (acórdão Parlamento/Innamorati, já referido, n.° 31).

57      No caso em apreço, após as provas de pré‑selecção, 300 candidatos foram admitidos a apresentar‑se à prova escrita do concurso e foi, por fim, elaborada uma lista de reserva de 100 candidatos. O concurso em que a recorrente participou era, portanto, um concurso com muitos participantes. Nestas condições, como se recordou no parágrafo anterior, a comunicação das classificações obtidas nas diferentes provas constituía uma fundamentação suficiente das decisões tomadas pelo júri quanto a cada candidato. Ora, é pacífico que a recorrente obteve a comunicação das suas classificações. Em qualquer caso, a recorrente recebeu, além disso, outros elementos que lhe permitiam conhecer com mais exactidão ainda as razões da sua não aprovação no concurso, tais como a sua prova escrita, a folha de avaliação desta prova e uma carta explicativa, datada de 2 de Maio de 2007, que lhe foi enviada pelo presidente do júri. Daqui resulta que o terceiro fundamento, relativo à falta de fundamentação da decisão impugnada, não merece acolhimento.

58      O pedido de anulação da referida decisão deve, portanto, ser julgado improcedente.

 Quanto aos pedidos de indemnização

59      A recorrente pede indemnizações pelos danos materiais e morais que, segundo alega, a decisão impugnada lhe causou. Consequentemente, a improcedência do pedido relativo a esta decisão implica a improcedência dos pedidos de indemnização apresentados na petição.

60      Resulta de tudo o que precede que deve ser negado provimento ao recurso.

 Quanto às despesas

61      Por força do disposto no artigo 122.° do Regulamento de Processo do Tribunal da Função Pública, as disposições do capítulo VIII do título II do referido regulamento, relativas às despesas e aos encargos judiciais, apenas se aplicam aos processos intentados no Tribunal a contar da entrada em vigor desse Regulamento de Processo, isto é, 1 de Novembro de 2007. As disposições do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância pertinentes na matéria continuam a aplicar‑se, mutatis mutandis, aos processos pendentes no Tribunal antes dessa.

62      Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Porém, nos termos do artigo 88.° do mesmo Regulamento, nos litígios entre as Comunidades e os seus agentes, as despesas efectuadas pelas Instituições ficam a cargo destas. Tendo a recorrente sido vencida, há que decidir que cada uma das partes suportará as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DA FUNÇÃO PÚBLICA (Terceira Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso de J. M. Coto Moreno.

2)      Cada uma das partes suportará as suas próprias despesas.

Mahoney

Kanninen

Gervasoni

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 11 de Setembro de 2008.

O secretário

 

      O presidente

W. Hakenberg

 

      P. Mahoney

O texto da presente decisão, bem como os das decisões das jurisdições comunitárias nela citadas ainda não publicadas na Colectânea, estão disponíveis no sítio Internet do Tribunal de Justiça, www.curia.europa.eu


* Língua do processo: francês.