Language of document : ECLI:EU:C:2022:468

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

16 de junho de 2022 (*)

[Texto retificado por Despacho de 6 de setembro de 2022]

«Incumprimento — Coordenação dos sistemas de segurança social — Regulamento (CE) n.o 883/2004 — Artigos 4.o, 7.o e 67.o — Livre circulação dos trabalhadores — Regulamento (UE) n.o 492/2011 — Artigo 7.o — Igualdade de tratamento — Prestações familiares — Vantagens sociais e fiscais — Adaptação dos montantes em função dos níveis de preços no Estado de residência dos filhos»

No processo C‑328/20,

que tem por objeto uma ação por incumprimento nos termos do artigo 258.o TFUE, que deu entrada em 22 de julho de 2020,

Comissão Europeia, representada por B.‑R. Killmann e D. Martin, na qualidade de agentes,

demandante,

apoiada por:

República Checa, representada por J. Pavliš, M. Smolek e J. Vláčil, na qualidade de agentes,

República da Croácia, representada por G. Vidović Mesarek, na qualidade de agente,

República da Polónia, representada por B. Majczyna, na qualidade de agente,

Roménia, representada por E. Gane e L. Liţu, na qualidade de agentes,

República da Eslovénia, representada por J. Morela, na qualidade de agente,

República Eslovaca, representada por B. Ricziová, na qualidade de agente,

Órgão de Fiscalização da AECL, representado por E. Gromnicka, C. Howdle, J. S. Watson e C. Zatschler, na qualidade de agentes,

intervenientes,

contra

República da Áustria, representada por M. Klamert, C. Pesendorfer, A. Posch e J. Schmoll, na qualidade de agentes,

demandada,

apoiada por:

Reino da Dinamarca, representado por M. Jespersen, J. Nymann‑Lindegren e M. Wolff, na qualidade de agentes,

Reino da Noruega, representado por S. Hammersvik, J. T. Kaasin, L. Tvedt e P. Wennerås, na qualidade de agentes,

intervenientes,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: A. Prechal, presidente de secção, J. Passer, F. Biltgen (relator), N. Wahl e M. L. Arastey Sahún, juízes,

advogado‑geral: J. Richard de la Tour,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 20 de janeiro de 2022,

profere o presente

Acórdão

1        Na sua petição, a Comissão Europeia pede ao Tribunal de Justiça que declare que ao ter introduzido:

–        um mecanismo de adaptação dos abonos de família e do crédito de imposto por filhos a cargo para os trabalhadores cujos filhos residem de forma permanente noutro Estado‑‑Membro, a República da Áustria não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do disposto nos artigos 4.o, 7.o e 67.o do Regulamento (CE) n.o 883/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativo à coordenação dos sistemas de segurança social (JO 2004, L 166, p. 1), bem como no artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento (UE) n.o 492/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de abril de 2011, relativo à livre circulação dos trabalhadores na União (JO 2011, L 141, p. 1), e

–        em relação aos trabalhadores migrantes cujos filhos residem de forma permanente noutro Estado‑‑Membro, um mecanismo de adaptação do subsídio familiar «mais», do crédito de imposto para agregados familiares com um único titular de rendimentos, do crédito de imposto para famílias monoparentais e do crédito de imposto por pensão de alimentos, a República da Áustria não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do disposto no artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 492/2011.

 Quadro jurídico

 Direito da União

 Regulamento n.o 883/2004

2        Os considerandos 8, 12 e 16 do Regulamento n.o 883/2004 têm a seguinte redação:

«(8)      O princípio geral da igualdade de tratamento é particularmente importante para os trabalhadores que não residem no Estado‑‑Membro em que exercem a sua atividade, nomeadamente os trabalhadores fronteiriços.

[…]

(12)      Atendendo ao princípio da proporcionalidade, importa evitar que o princípio da equiparação de factos ou acontecimentos conduza a resultados objetivamente injustificados ou à cumulação de prestações da mesma natureza pelo mesmo período.

[…]

(16)      No interior da Comunidade, não se justifica, em princípio, fazer depender os direitos em matéria de segurança social do lugar de residência dos interessados. Todavia, em casos específicos, nomeadamente no que respeita a prestações especiais que estão relacionadas com o contexto económico e social do interessado, o lugar de residência pode ser tido em conta.»

3        O artigo 1.o, alínea z), deste regulamento dispõe:

«Para efeitos do presente regulamento, entende‑‑se por:

[…]

z)      “Prestação familiar”, qualquer prestação em espécie ou pecuniária destinada a compensar os encargos familiares, com exclusão dos adiantamentos de pensões de alimentos e dos subsídios especiais de nascimento ou de adoção referidos no anexo I.»

4        O artigo 3.o, n.o 1, alínea j), do referido regulamento prevê:

«O presente regulamento aplica‑‑se a todas as legislações relativas aos ramos da segurança social que digam respeito a:

[…]

j)      Prestações familiares.»

5        O artigo 4.o do mesmo regulamento, sob a epígrafe «Igualdade de tratamento», enuncia:

«Salvo disposição em contrário do presente regulamento, as pessoas a quem o presente regulamento se aplica beneficiam dos direitos e ficam sujeitas às obrigações da legislação de qualquer Estado‑‑Membro nas mesmas condições que os nacionais desse Estado‑‑Membro.»

6        O artigo 5.o do Regulamento n.o 883/2004, sob a epígrafe «Igualdade de tratamento de prestações, de rendimentos e de factos», tem a seguinte redação:

«Salvo disposição em contrário do presente regulamento e tendo em conta as disposições especiais de aplicação, aplicam‑se as seguintes disposições:

a)      Se, nos termos da legislação do Estado‑Membro competente, o benefício das prestações de segurança social e de outros rendimentos produzir determinados efeitos jurídicos, as disposições relevantes dessa legislação são igualmente aplicáveis em caso de benefício de prestações equivalentes auferidas ao abrigo da legislação de outro Estado‑Membro ou de rendimentos auferidos noutro Estado‑Membro;

b)      Se, nos termos da legislação do Estado‑Membro competente, forem atribuídos efeitos jurídicos à ocorrência de certos factos ou acontecimentos, esse Estado‑Membro deve ter em conta os factos ou acontecimentos semelhantes correspondentes ocorridos noutro Estado‑Membro, como se tivessem ocorrido no seu próprio território.»

7        O artigo 7.o do Regulamento n.o 883/2004, sob a epígrafe «Derrogação das regras de residência», prevê:

«Salvo disposição em contrário do presente regulamento, as prestações pecuniárias devidas nos termos da legislação de um ou mais Estados‑‑Membros ou do presente regulamento não devem sofrer qualquer redução, modificação, suspensão, supressão ou apreensão pelo facto de o beneficiário ou os seus familiares residirem num Estado‑‑Membro que não seja aquele em que se situa a instituição responsável pela concessão das prestações.»

8        O artigo 67.o deste regulamento, sob a epígrafe «Familiares que residam noutro Estado‑‑Membro», dispõe:

«Uma pessoa tem direito às prestações familiares nos termos da legislação do Estado‑Membro competente, incluindo para os seus familiares que residam noutro Estado‑Membro, como se estes últimos residissem no primeiro Estado‑Membro. Todavia, um titular de pensão tem direito às prestações familiares em conformidade com a legislação do Estado‑Membro competente no que respeita à pensão.»

9        O artigo 68.o do referido regulamento fixa da seguinte forma as regras de prioridade em caso de cumulação:

«1.      Quando, em relação ao mesmo período e aos mesmos familiares, estejam previstas prestações nos termos das legislações de mais do que um Estado‑Membro, aplicam‑se as seguintes regras de prioridade:

a)      No caso de prestações devidas por mais do que um Estado‑Membro a diversos títulos, a ordem de prioridade é a seguinte: em primeiro lugar, os direitos adquiridos a título de uma atividade por conta de outrem ou por conta própria, em seguida os direitos adquiridos a título do benefício de pensões e, por último, os direitos adquiridos a título da residência;

b)      No caso de prestações devidas por mais do que um Estado‑Membro a um mesmo título, a ordem de prioridade é estabelecida por referência aos seguintes critérios subsidiários:

i)      No caso de direitos adquiridos a título de uma atividade por conta de outrem ou por conta própria: o local de residência dos descendentes, desde que exista tal atividade […]

[…]

2.      Em caso de cumulação de direitos, as prestações familiares são concedidas em conformidade com a legislação designada como prioritária nos termos do n.o 1. Os direitos a prestações familiares devidas nos termos da ou das outras legislações em causa são suspensos até ao montante previsto na primeira legislação e é concedido um complemento diferencial, se for caso disso, relativamente à parte que excede esse montante. […]»

 Regulamento n.o 492/2011

10      O artigo 7.o, n.os 1 e 2, do Regulamento n.o 492/2011, que figura no seu capítulo I, na secção 2, intitulada «Do exercício do emprego e da igualdade de tratamento», dispõe:

«1.      O trabalhador nacional de um Estado‑Membro não pode ser sujeito no território de outro Estado‑Membro, em razão da sua nacionalidade, a um tratamento diferente daquele que é concedido aos trabalhadores nacionais no que respeita a todas as condições de emprego e de trabalho, nomeadamente em matéria de remuneração, de despedimento e de reintegração profissional ou de reemprego, se ficar desempregado.

2.      O trabalhador referido no n.o 1 beneficia das mesmas vantagens sociais e fiscais que os trabalhadores nacionais.»

 Direito austríaco

 FLAG

11      A Bundesgesetz betreffend den Familienlastenausgleich durch Beihilfen (Lei Federal Relativa à Compensação dos Encargos Familiares Através de Abonos), de 24 de outubro de 1967 (BGBl. 376/1967), conforme alterada pela Bundesgesetz mit dem das Familienlastenausgleichsgesetz 1967, das Einkommensteuergesetz 1988 und das Entwicklungshelfergesetz geändert werden (Lei Federal que altera a Lei Federal Relativa à Compensação dos Encargos Familiares Através de Abonos de 1967, a Lei Federal Relativa à Tributação do Rendimento das Pessoas Singulares de 1988 e a Lei Relativa ao Pessoal da Ajuda ao Desenvolvimento), de 4 de dezembro de 2018 (BGB1. I, 83/2018) a seguir «FLAG»), indica, no seu § 1, que as prestações nela previstas são «concedidas para compensar os encargos suportados no interesse da família».

12      Nos termos do § 2, n.o 1, da FLAG, as pessoas que tenham o seu domicílio ou a sua residência habitual no território federal têm direito aos abonos de família a título dos filhos menores.

13      O § 4 da FLAG prevê:

«(1)      As pessoas que tenham direito a uma prestação equivalente atribuída por outro Estado não têm direito aos abonos de família.

(2)      Os nacionais austríacos que fiquem excluídos do direito aos abonos de família nos termos do n.o 1 ou do § 5, n.o [4], beneficiam de um pagamento compensatório se o montante da prestação equivalente atribuída por outro Estado, à qual os referidos nacionais austríacos ou outra pessoa tenham direito (§ 5, n.o [4]), for inferior aos abonos de família que, na falta da prestação equivalente referida, lhes seriam concedidos nos termos da presente lei federal.

(3)      O pagamento compensatório corresponde à diferença entre a prestação equivalente concedida por outro Estado e os abonos de família que seriam concedidos nos termos da presente lei federal.

[…]

(6)      Os pagamentos compensatórios são considerados abonos de família na aceção da presente lei federal, mas as disposições relativas ao montante dos abonos de família não se aplicam aos pagamentos compensatórios.»

14      O § 5, n.os 3 e 4, da FLAG tem a seguinte redação:

«(3)      Não é devido abono de família em relação aos filhos que residam de forma permanente no estrangeiro.

(4)      Não é devido abono de família em relação aos filhos relativamente aos quais exista direito ao pagamento de uma prestação equivalente concedida por outro Estado. Não fica excluída a concessão de um pagamento compensatório (§ 4, n.o 2).»

15      O § 8 da FLAG enuncia:

«(1)      O montante dos abonos de família devidos a uma pessoa é determinado em função do número e da idade dos filhos em relação aos quais os abonos de família são concedidos.

(2)      O montante mensal dos abonos de família é de

[…]

3.      a partir de 1 de janeiro de 2018:

a)      114 euros por cada filho, a contar do início do mês de calendário do nascimento,

b)      121,9 euros por cada filho, a contar do início do mês de calendário durante o qual completa três anos de idade,

c)      141,5 euros por cada filho, a contar do início do mês de calendário durante o qual completa dez anos de idade,

d)      165,1 euros por cada filho, a contar do início do mês de calendário durante o qual completa dezanove anos de idade.

(3)      O montante dos abonos de família devidos mensalmente para cada filho é aumentado

[…]

3.      a partir de 1 de janeiro de 2018, se forem

a)      concedidos a dois filhos, em 7,1 euros,

b)      concedidos a três filhos, em 17,4 euros,

c)      concedidos a quatro filhos, em 26,5 euros,

d)      concedidos a cinco filhos, em 32 euros,

e)      concedidos a seis filhos, em 35,7 euros,

f)      concedidos a sete filhos ou mais, em 52 euros.

(4)      Os montantes dos abonos de família devidos mensalmente por cada filho portador de deficiência grave são aumentados

[…]

3.      a partir de 1 de janeiro de 2018, em 155,90 euros.

[…]

(8)      Por cada filho que, no decurso de um ano civil, já tenha completado ou complete seis anos de idade e que ainda não tenha completado dezasseis anos de idade, os abonos de família são aumentados em 100 euros a partir do mês de setembro do presente ano civil.»

16      O § 8a do FLAG dispõe:

«(1)      Os montantes dos abonos de família (§ 8) para os filhos que residam de forma permanente no território de outro Estado‑‑Membro da União Europeia, de outra parte no Acordo sobre o Espaço Económico Europeu[, de 2 de maio de 1992 (JO 1994, L1, p. 3) (a seguir “Acordo EEE”,] ou da Suíça são determinados com base no rácio entre o nível de preços comparados publicado pelo Serviço de Estatística da União Europeia [(Eurostat)] para cada um dos Estados‑‑Membros da União Europeia, para cada um dos Estados partes no Acordo [EEE] e para a Suíça e o da Áustria.

(2)      Os montantes dos abonos de família referidos no n.o 1 são aplicáveis a partir de 1 de janeiro de 2019 com base nos valores na aceção do n.o 1, publicados em 1 de junho de 2018. Em seguida, esses montantes são adaptados de dois em dois anos com base nos valores publicados em 1 de junho do ano anterior.

(3)      O Bundesminister für Frauen, Familien und Jugend [(Ministro Federal para as Mulheres, a Família e a Juventude, Áustria)] publica, por meio de um regulamento adotado em conjunto com o Bundesminister für Finanzen [(Ministro Federal das Finanças, Áustria)], as bases de cálculo e os montantes referidos nos n.os 1 e 2, bem como os montantes referidos no § 33, n.o 3, ponto 2, da [Bundesgesetz über die Besteuerung des Einkommens natürlicher Personen (Lei Federal Relativa à Tributação do Rendimento das Pessoas Singulares) (400/1988), conforme alterada pela Jahressteuergesetz 2018 (Lei Tributária Anual de 2018), de 14 de agosto de 2018 (BGB1. I, 62/2018) e pela Lei Federal que altera a Lei Federal Relativa à Compensação dos Encargos Familiares Através de Abonos de 1967, a Lei Federal Relativa à Tributação do Rendimento das Pessoas Singulares de 1988 e a Lei Relativa ao Pessoal da Ajuda ao Desenvolvimento), de 4 de dezembro de 2018 (a seguir “EStG”)].»

17      O § 53 da FLAG tem a seguinte redação:

«(1)      No âmbito da presente lei federal, os nacionais dos Estados partes no Acordo [EEE] são, na medida em que tal resulte do referido acordo, equiparados aos nacionais austríacos. Neste contexto, a residência permanente de um filho num Estado do Espaço Económico Europeu [(EEE)] deve, em conformidade com as disposições comunitárias, ser equiparada à residência permanente de um filho na Áustria.

[…]

(4)      O n.o 1, segundo período, não se aplica no que respeita ao § 8a, n.os 1 a 3.

(5)      O § 26, n.o 3, da Bundesabgabenordnung [Código Federal dos Impostos] […] aplica‑se até 31 de dezembro de 2018 no que respeita às prestações referidas na presente lei federal. A partir de 1 de janeiro de 2019, o § 26, n.o 3, do Código Federal dos Impostos só se aplica às prestações referidas na presente lei federal em relação às pessoas que tenham o seu lugar de afetação no estrangeiro e que exerçam uma atividade por conta de uma entidade territorial, bem como aos seus cônjuges e aos seus filhos.»

 EStG

18      O § 33 da EStG prevê:

«(2)      Os créditos de imposto devem ser deduzidos do [montante do imposto] que resulta da aplicação do n.o 1 na seguinte ordem:

1.      O subsídio familiar “mais” referido no n.o 3a: não se procede à dedução do subsídio familiar “mais” se exceder o valor do imposto sobre o rendimento devido nos termos do n.o 1;

2.      os créditos de imposto referidos nos n.os 4 a 6.

(3)      Os contribuintes que beneficiem de abonos de família nos termos da [FLAG] têm direito, paralelamente ao pagamento dos abonos de família, a um crédito de imposto de 58,40 euros por mês por cada filho. Assim não sucederá nos seguintes casos:

1.      Não é atribuído crédito de imposto em relação aos filhos que residem de forma permanente fora de um Estado‑‑Membro da União […], de um Estado parte no [EEE] ou da Suíça.

2.      Em relação aos filhos que residam de forma permanente no território de outro Estado‑‑Membro da União […], de outra parte no Acordo [EEE] ou da Suíça, o montante do crédito de imposto por filhos a cargo é determinado com base no rácio entre o nível de preços comparados publicado pelo [Eurostat] para cada um dos Estados‑‑Membros da União, para cada uma dos Estados partes no Acordo [EEE] e para a Suíça e o da Áustria:

a)      A partir de 1 de janeiro de 2019, o montante dos créditos de imposto por filhos a cargo é adaptado em função dos valores publicados em 1 de junho de 2018. Em seguida, o montante dos créditos de impostos por filhos a cargo é adaptado de dois em dois anos com base nos valores publicados em 1 de junho do ano anterior.

[…]

(3a)      Um filho que beneficie de abono de família ao abrigo da [FLAG] e que resida de forma permanente num Estado‑‑Membro da União […] ou no território de outra parte no Acordo [EEE] ou na Suíça tem direito, mediante requerimento, a um subsídio familiar “mais” nos termos das seguintes disposições:

1.      O montante do subsídio familiar “mais” é de

a)      125 euros por mês de calendário até ao final do mês durante o qual o filho complete dezoito anos de idade,

b)      41,68 euros por mês de calendário após o final do mês durante o qual o filho complete dezoito anos de idade.

2.      Em derrogação ao disposto no n.o 1, para os filhos que residam de forma permanente no território de outro Estado‑‑Membro da União […], de outra parte no Acordo [EEE] ou da Suíça, o montante do subsídio familiar “mais”, bem como dos créditos de imposto referidos no n.o 4 é determinado com base no rácio entre o nível de preços comparados publicado pelo [Eurostat] para cada um dos Estados‑‑Membros da União […], para cada uma das partes no Acordo [EEE] e para a Suíça e o da Áustria:

a)      A partir de 1 de janeiro de 2019, o montante do subsídio familiar “mais” e dos créditos de imposto referidos no n.o 4 é adaptado com base nos valores publicados em 1 de junho de 2018. Em seguida, esse montante é adaptado de dois em dois anos com base nos valores publicados em 1 de junho do ano anterior.

[…]

5.      Não se aplica o § 26, n.o 3, segundo período, do Código Federal dos Impostos. Constituem uma exceção os cônjuges e os filhos dos contribuintes que tenham o seu lugar de afetação no estrangeiro e que exerçam uma atividade por conta de uma entidade federal, regional ou municipal.

[…]

(4)      Além disso, se o filho residir de forma permanente num Estado‑‑Membro da União […] ou no território de outra parte no Acordo [EEE] ou na Suíça são aplicáveis os seguintes créditos de imposto:

1.      As pessoas que assegurem sozinhas os rendimentos do agregado familiar têm direito a um crédito de imposto para agregados familiares com um único titular de rendimentos. Este corresponde a um montante anual:

–        no caso de um filho (§ 106, n.o 1), de 494 euros;

–        no caso de dois filhos (§ 106, n.o 1) de 669 euros.

Esse montante é acrescido de 220 euros por ano para o terceiro filho, bem como para cada filho para além do terceiro filho (§ 106, n.o 1).

[…]

2.      Os progenitores que assumem sozinhos os cuidados parentais têm direito ao crédito de imposto para famílias monoparentais. Este corresponde a um montante anual de:

–        494 euros para um filho (§ 106, n.o 1),

–        669 euros para dois filhos (§ 106, n.o 1).

Esse montante é acrescido de 220 euros por ano para o terceiro filho, bem como para cada filho para além do terceiro filho (§ 106, n.o 1). São considerados progenitores que assumem sozinhos os cuidados parentais os progenitores que vivam com, pelo menos, um filho (§ 106, n.o 1) durante mais de seis meses num ano civil, sem comunhão de habitação com um parceiro ou cônjuge.

3.      Os contribuintes que tenham a seu cargo a obrigação de alimentos em relação a um filho têm direito a um crédito de imposto para pagamento da pensão de alimentos de 29,20 euros por mês […]

4.      Em derrogação ao disposto nos n.os 1 a 3, o montante dos créditos de imposto a título dos filhos que residem de forma permanente no território de outro Estado‑‑Membro da União […], de outra parte no Acordo [EEE] ou da Suíça é determinado nos termos do n.o 3a, alínea 2). Quando o contribuinte tenha direito a um crédito de imposto a título de vários filhos e estes se encontrem em países diferentes, há que começar por tomar em consideração os filhos mais velhos que dão origem ao direito à prestação e, em seguida, os mais novos.

5.      Não se aplica o § 26, n.o 3, segundo período, do Código Federal dos Impostos. Constituem uma exceção os cônjuges e os filhos dos contribuintes que tenham o seu lugar de afetação no estrangeiro e que exerçam uma atividade por conta de uma entidade federal, regional ou municipal.

[…]

(7)      Se o imposto sobre o rendimento devido nos termos do n.o 1 for inferior a 250 euros e se for aplicável o crédito de imposto para agregados familiares com um único titular de rendimentos ou o crédito de imposto para famílias monoparentais, aplicam‑‑se as seguintes disposições quando exista um filho (§ 106, n.o 1):

1.      A diferença entre 250 euros e o imposto referido no n.o 1 deve ser reembolsada sob a forma de um suplemento por filhos a cargo.

2.      Quando o filho reside de forma permanente noutro Estado‑‑Membro da União […] ou no território de outra parte no Acordo [EEE] ou na Suíça, o montante de 250 euros é substituído pelo montante que resulte da aplicação do n.o 3a, alínea 2).

[…]

Por cada filho além do primeiro (§ 106, n.o 1), acresce a este montante 250 euros ou o montante que substitua este valor.

(8)      1. Se o imposto sobre o rendimento que resultar da aplicação dos n.os 1 e 2 for inferior a zero, haverá que proceder ao pagamento do crédito de imposto para agregados familiares com um único titular de rendimentos ou do crédito de imposto para famílias monoparentais.

[…]»

19      O montante das prestações familiares para os filhos que tenham residência permanente noutro Estado‑Membro é regulado pelo Familienbeihilfe‑Kinderabsetzbetrag‑EU‑Anpassungsverordnung (Regulamento de Adaptação dos Abonos de Família e do Crédito de Imposto por Filhos a Cargo na União Europeia), de 10 de dezembro de 2018 (BGBl. II, 318/2018, a seguir «Regulamento de Adaptação»).

20      O § 2, n.o 1, do Regulamento de Adaptação estabelece:

«Para determinar os montantes referidos no §1, procede‑se à fixação de um coeficiente de correção baseado nos índices publicados pelo [Eurostat] em 1 de junho de 2018 no âmbito dos “Níveis dos preços comparados do consumo final dos agregados familiares, incluindo os impostos indiretos (EU‑28 = 100)”».

21      O § 2, n.o 2, do Regulamento de Adaptação contém um quadro que contém os coeficientes de correção aplicáveis aos diferentes Estados. Estes coeficientes variam entre 0,450 (Bulgária) e 1,520 (Suíça), estando o da República Checa fixado em 0,619.

 Código Federal dos Impostos

22      O § 26 do Código Federal dos Impostos dispõe:

«(1)      Para efeitos das disposições fiscais, uma pessoa tem domicílio no lugar em que reside em condições que permitam concluir que conservará e utilizará essa residência.

(2)      Para efeitos das disposições fiscais, uma pessoa tem a sua residência habitual no lugar em que reside em condições que indiquem que não permanece apenas de forma temporária nesse lugar ou nesse país. […]

(3)      Considera‑se que os nacionais austríacos que tenham celebrado um contrato de trabalho com uma entidade de direito público e cujo lugar de afetação se situe no estrangeiro (funcionários públicos colocados no estrangeiro) têm a sua residência habitual no lugar em que se situa o serviço que lhes paga o salário. Sucede o mesmo em relação aos seus cônjuges se os membros do casal viverem em comunhão de habitação permanente e aos seus filhos menores que com eles residam.»

 Procedimento précontencioso e tramitação processual no Tribunal de Justiça

23      Através de uma notificação para cumprir de 25 de janeiro de 2019, a Comissão convidou a República da Áustria a apresentar as suas observações a respeito das preocupações suscitadas pela entrada em vigor, a partir de 1 de janeiro de 2019, do mecanismo de adaptação resultante das alterações introduzidas ao § 8 da FLAG e ao § 33 da EStG pela Lei Fiscal Anual de 2018, bem como pela Lei Federal de 4 de dezembro de 2018 (a seguir «mecanismo de adaptação»). A Comissão considerava que este mecanismo de adaptação das prestações familiares e das vantagens sociais e fiscais concedidas por este Estado‑Membro aos trabalhadores com filhos, que depende do nível de preços existente no Estado‑Membro em que esses filhos residem de forma permanente, era contrário aos artigos 7.o e 67.o do Regulamento n.o 883/2004, segundo os quais as prestações pecuniárias não podem sofrer reduções pelo facto de um familiar, como um filho, residir noutro Estado‑Membro. Além disso, uma vez que na sua essência este mecanismo de adaptação não abrange os trabalhadores austríacos, mas os de outros Estados‑Membros, este mecanismo constitui uma discriminação indireta contrária ao princípio da igualdade de tratamento enunciado no artigo 4.o do Regulamento n.o 883/2004 e no artigo 7.o do Regulamento n.o 492/2011.

24      Em 25 de março de 2019, a República da Áustria respondeu à Comissão que o artigo 67.o do Regulamento n.o 883/2004 autoriza que as prestações familiares sejam adaptadas em função do lugar de residência do filho. Este Estado‑Membro começou por alegar que o próprio direito da União prevê mecanismos comparáveis. Em seguida, alega que o artigo 67.o deste regulamento não exige que o montante das prestações pagas a título dos filhos que residem noutro Estado‑Membro corresponda àquele que é pago a título dos filhos que residem na Áustria. Por último, alega que não há discriminação indireta uma vez que a adaptação das prestações familiares e das vantagens sociais e fiscais em função do nível de preços existente no território do Estado em que o filho reside é objetivamente justificada e alivia os encargos de todos os trabalhadores.

25      Não tendo ficado satisfeita com esta resposta, a Comissão emitiu, em 26 de julho de 2019, um parecer fundamentado no qual manteve, no essencial, a sua posição. Esta instituição salientou que as prestações familiares e as vantagens sociais e fiscais concedidas aos filhos são fixas, não sendo adaptadas em função dos níveis de preços nas diferentes regiões da Áustria consoante o lugar de residência permanente dos filhos. Por conseguinte, uma diferença de nível destas prestações e vantagens para os filhos que residem noutro Estado‑Membro afeta mais duramente os trabalhadores migrantes do que os trabalhadores austríacos e constitui uma discriminação indireta. A natureza fixa dos montantes de tais prestações e de tais vantagens demonstra que não dependem dos custos reais relacionados com o sustento de um filho e que não asseguram, assim, uma repartição mais equitativa dos encargos suportados pelas famílias para proverem às necessidades dos filhos.

26      Por carta de 24 de outubro de 2019, a República da Áustria respondeu a este parecer fundamentado indicando que as prestações familiares e as vantagens sociais e fiscais em causa não são apenas fixas, correspondendo antes às necessidades reais dos beneficiários. Além disso, o facto de tais prestações e de tais vantagens serem concedidas sob a forma de montantes fixos não impede que sejam adaptadas em função do nível de preços existente no lugar de residência dos filhos. Semelhante adaptação não constitui uma desigualdade de tratamento e assegura que os trabalhadores que as recebem beneficiam de um alívio uniforme dos encargos, independentemente de qual seja o lugar de residência efetivo do filho. Ainda que se admita que existe uma discriminação indireta, esta é justificada, nomeadamente, pelo objetivo que consiste em alcançar um equilíbrio das despesas do sistema de segurança social, bem como pelo objetivo de tomar em consideração a capacidade contributiva dos beneficiários.

27      Não tendo ficado satisfeita com esta resposta, a Comissão intentou a presente ação por incumprimento.

28      Por Decisões do presidente do Tribunal de Justiça de 22 de outubro, de 6, 12, 19 e 20 de novembro, bem como de 18 de dezembro de 2020, foram admitidas as intervenções da República Checa, da República da Croácia, da República da Polónia, da Roménia, da República da Eslovénia, da República Eslovaca e do Órgão de Fiscalização da AECL em apoio dos pedidos da Comissão. Por Decisões do presidente do Tribunal de Justiça de 20 de novembro e de 18 de dezembro de 2020 foram admitidas as intervenções do Reino da Dinamarca e do Reino da Suécia em apoio dos pedidos da República da Áustria.

 Quanto à ação

29      Em apoio da sua ação, a Comissão apresenta duas acusações. A primeira é relativa à violação dos artigos 7.o e 67.o do Regulamento n.o 883/2004, sendo a segunda relativa à violação do artigo 4.o do Regulamento n.o 883/2004, bem como do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 492/2011.

 Quanto à primeira acusação, relativa à violação dos artigos 7.o e 67.o do Regulamento n.o 883/2004

 Argumentos das partes

30      A Comissão considera que a República da Áustria não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do disposto nos artigos 7.o e 67.o do Regulamento n.o 883/2004 por ter instituído, em relação aos trabalhadores inscritos no regime de segurança social austríaco cujos filhos residem noutro Estado‑Membro, o mecanismo de adaptação do montante dos abonos de família e do crédito de imposto por filhos a cargo, previstos, respetivamente, no § 2, n.o 1, da FLAG e no § 33, n.o 3, da EStG.

31      A Comissão alega que é facto assente que os abonos de família e o crédito de imposto por filhos a cargo, que são prestações pecuniárias pagas pelo Estado destinadas a atenuar os encargos decorrentes do sustento dos filhos, constituem prestações familiares na aceção do artigo 1.o, alínea z), e do artigo 3.o, n.o 1, alínea j), do Regulamento n.o 883/2004. Estas prestações são concedidas sem que se efetue uma apreciação individual e discricionária das necessidades pessoais, com base em critérios legalmente definidos, e são calculadas em função do número e da idade dos filhos. A República da Áustria não fez prova da existência de uma relação entre o nível dos abonos de família e o custo médio do sustento de um filho, dependendo este nível unicamente da idade do filho.

32      Ora, as disposições conjugadas dos artigos 7.o e 67.o do Regulamento n.o 883/2004, que partilham da mesma finalidade, proíbem os Estados‑Membros de fazer depender a concessão ou o montante de prestações familiares do lugar de residência dos familiares do trabalhador no Estado‑Membro que concede a prestação (Acórdão de 18 de setembro de 2019, Moser, C‑32/18, EU:C:2019:752, n.o 36). Estas disposições foram adotadas na sequência do Acórdão de 15 de janeiro de 1986, Pinna (41/84, EU:C:1986:1), através do qual o Tribunal de Justiça anulou parcialmente o artigo 73.o do Regulamento (CEE) n.o 1408/71 do Conselho, de 14 de junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade (JO 1971, L 149, p. 2; EE 05 F 01, p. 98), disposição cujo conteúdo foi, em substância, retomado no artigo 67.o do Regulamento n.o 883/2004. Deste acórdão resulta que um Estado‑Membro não pode adaptar o nível das prestações familiares às de outro Estado‑Membro apenas pelo facto de os familiares do beneficiário residirem no território desse outro Estado‑Membro. O mecanismo de adaptação conduz precisamente a que não se concedam essas prestações «como se» os familiares residissem na Áustria.

33      Esta interpretação dos artigos 7.o e 67.o do Regulamento n.o 883/2004 é reforçada pelo artigo 5.o, alínea b), deste regulamento, que impõe a cada Estado‑Membro que não se limite a tomar em conta os factos ou acontecimentos, como a presença de filhos que dão direito a receber prestações, ocorridos noutro Estado‑Membro, mas que os tenham em conta «como se» tivessem ocorrido no seu próprio território.

34      A Comissão sublinha que não se pode tirar nenhuma ilação do facto de a decisão dos Chefes de Estado ou de Governo, reunidos no Conselho Europeu de 18 e 19 de fevereiro de 2016, relativa a um novo acordo para o Reino Unido na União Europeia (JO 2016, C 69 I, p. 1, a seguir «novo acordo para o Reino Unido na União Europeia»), prever uma variação da indexação do montante das prestações sociais para os filhos em função do custo de vida no lugar de residência dos filhos. Segundo esta decisão, cabia à Comissão apresentar uma proposta de alteração do Regulamento n.o 883/2004. No entanto, devido à retirada do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte da União, o referido regulamento não foi alterado. Além disso, na sua Proposta de 13 de dezembro de 2016 de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento n.o 883/2004 [COM(2016) 815 final], a Comissão não incluiu um mecanismo de indexação, uma vez que os seus serviços emitiram reservas em relação à conformidade de tal mecanismo com o direito da União.

35      A República da Áustria salienta, a título preliminar, que a FLAG, sob o termo «abonos de família», agrupou vários auxílios às famílias que existiam antes da sua adoção, em 1967, e que se destinavam a compensar uma parte dos custos relacionados com o sustento dos filhos a cargo. Os abonos de família são calculados em função das necessidades reais dos filhos e das despesas‑tipo necessárias para prover às suas necessidades na Áustria, sem que o beneficiário seja obrigado a fazer prova das despesas efetivamente suportadas. Os abonos de família aumentam à medida que aumenta a idade dos filhos ou no caso de o filho ser portador de uma deficiência.

36      A República da Áustria explica que o sistema de prestações familiares assenta, por um lado, na concessão de ajudas diretas, e, por outro, em benefícios fiscais. Estas prestações são suportadas pelo Ausgleichsfonds für Familienbeihilfen (Fundo de Compensação para os Abonos de Família, Áustria) cujos recursos não provêm dos trabalhadores, mas das contribuições pagas pelos empregadores. Além disso, em conformidade com o § 2, n.o 1, da FLAG, todas as pessoas que tenham filhos que residam no território austríaco têm direito a receber prestações familiares de montante idêntico, independentemente de qualquer condição de exercício de uma atividade profissional ou da importância das contribuições pagas pelo empregador.

37      Segundo a República da Áustria, o crédito de imposto por filhos a cargo não tem por objetivo proporcionar aos progenitores uma prestação direta, mas cobrir uma parte dos encargos tipicamente associados ao sustento dos filhos. Este crédito de imposto destina‑se a restabelecer uma certa equidade fiscal entre as pessoas que não têm filhos e aquelas que têm filhos. Do ponto de vista económico, o crédito de imposto por filhos a cargo constitui um aumento dos abonos de família que é financiado pelas receitas fiscais gerais.

38      A República da Áustria refere que as prestações familiares foram implementadas numa época em que a função desempenhada pela migração dos trabalhadores não era significativa. Devido a uma maior circulação dos trabalhadores na União, a exportação indiferenciada dos abonos de família e do crédito de imposto por filhos a cargo conduziu a distorções crescentes no sistema austríaco das prestações familiares. O mecanismo de adaptação permite que estas distorções sejam supridas através da tomada em consideração das disparidades de preços entre os Estados‑Membros conforme estes são publicados pelo Eurostat. Não se trata, assim, de uma simples medida de economia.

39      No que se refere à interpretação dos artigos 7.o e 67.o do Regulamento n.o 883/2004, a República da Áustria começa por sustentar que esta última disposição, que se refere especificamente à situação dos familiares que residem noutro Estado‑Membro, prevalece sobre este artigo 7.o, que exprime uma regra geral. Por conseguinte, este Estado‑Membro limita‑se a examinar a compatibilidade do mecanismo de adaptação à luz do artigo 67.o deste regulamento e sustenta que o mecanismo de adaptação é conforme com os objetivos desta disposição, tal como foi interpretada pelo Tribunal de Justiça, nomeadamente no seu Acórdão de 18 de setembro de 2019, Moser (C‑32/18, EU:C:2019:752, n.o 35). Com efeito, a concessão e o montante dos abonos de família e do crédito de imposto por filhos a cargo não dependem da residência dos filhos na Áustria. Uma vez que as despesas de sustento dos filhos dependem do nível de preços no Estado‑Membro da respetiva residência e uma vez que este nível varia de um Estado‑Membro para outro, há que adaptar o montante dessas prestações para garantir que este montante é concedido «como se» os membros da família vivessem na Áustria. Esta interpretação é corroborada pelo considerando 16 do referido regulamento e pela jurisprudência do Tribunal de Justiça, nomeadamente dos Acórdãos de 27 de setembro de 1988, Lenoir (313/86, EU:C:1988:452, n.o 16), e de 18 de setembro de 2019, Moser (C‑32/18, EU:C:2019:752, n.os 53 e 54). Por conseguinte, a República da Áustria considera que uma vez que os abonos de família e o crédito de imposto por filhos a cargo têm por objetivo reembolsar aos progenitores uma parte das despesas de sustento dos filhos, é lícito adaptar o montante dessas prestações em função do nível de preços do Estado‑Membro de residência dos filhos.

40      Em seguida, a República da Áustria sublinha que, ao contrário da situação que deu origem ao Acórdão de 15 de janeiro de 1986, Pinna (41/84, EU:C:1986:1), invocado pela Comissão, o mecanismo de adaptação não exclui a exportação da prestação familiar para os outros Estados‑Membros. Ao refletir o custo de vida, este mecanismo de adaptação garante que é concedida uma prestação de valor idêntico para todos os filhos.

41      Por último, a República da Áustria salienta que o novo acordo para o Reino Unido na União Europeia visava, no que respeita à exportação de prestações familiares, tomar em consideração a importância das prestações concedidas no Estado de residência dos filhos e a tomar em consideração as diferenças dos níveis de preços entre os Estados‑Membros. Embora este acordo nunca tenha entrado em vigor, o Conselho Europeu considerou que as medidas assim previstas em relação ao Reino Unido eram plenamente compatíveis com os Tratados. A própria Comissão considerou, da mesma forma, que estas medidas eram compatíveis com o artigo 48.o TFUE. A este respeito, a República da Áustria esclarece que não foi necessário adaptar o Regulamento n.o 492/2011, o que demonstra que o artigo 7.o deste regulamento — tal como o artigo 4.o do Regulamento n.o 883/2004 — não enuncia uma regra que excede o princípio da não discriminação consagrado pelo direito primário. Segundo a República da Áustria, não teria sido necessário alterar o Regulamento n.o 883/2004 para os casos nos quais um Estado‑Membro, em caso de exportação de uma prestação familiar relacionada com o ambiente económico e social desse Estado‑Membro, adapta o montante dessa prestação, para cima ou para baixo, ao abrigo de regras objetivas.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

42      A título preliminar, há que constatar que não é contestado que os abonos de família e o crédito de imposto por filhos a cargo referidos na primeira acusação constituem prestações familiares na aceção do artigo 1.o, alínea z), do Regulamento n.o 883/2004 e que este regulamento, na medida em que se aplica a todas as legislações relativas aos ramos de segurança social respeitantes às prestações familiares, se aplica ao mecanismo de adaptação.

43      Por conseguinte, os abonos de família e o crédito de imposto por filhos a cargo devem, nomeadamente, ser conformes com o artigo 7.o do Regulamento n.o 883/2004 que prevê que, salvo disposição em contrário no referido regulamento, tais prestações «não devem sofrer qualquer redução, modificação, suspensão, supressão ou apreensão pelo facto de o beneficiário ou os seus familiares residirem num Estado‑Membro que não seja aquele em que se situa a instituição responsável pela concessão das prestações».

44      A este respeito, importa recordar que o artigo 67.o do Regulamento n.o 883/2004 institui o princípio segundo o qual uma pessoa pode requerer que sejam concedidas prestações familiares para os seus familiares que residam num Estado‑Membro diferente daquele que é competente para pagar essas prestações, como se estes últimos residissem neste último Estado‑Membro (Acórdão de 22 de outubro de 2015, Trapkowski, C‑378/14, EU:C:2015:720, n.o 35).

45      Uma vez que o artigo 67.o do Regulamento n.o 883/2004 retoma o que está estatuído no artigo 7.o deste regulamento no que respeita especificamente às prestações familiares, da violação desta primeira disposição resulta igualmente a violação da segunda.

46      Por outro lado, o Tribunal de Justiça já declarou reiteradamente que os artigos 7.o e 67.o do Regulamento n.o 883/2004 visam impedir que um Estado‑‑Membro possa fazer depender a concessão ou o montante de prestações familiares da residência dos familiares do trabalhador no Estado‑‑Membro que concede a prestação [v., nomeadamente, Acórdão de 25 de novembro de 2021, Finanzamt Österreich (Abonos de família para cooperante), C‑372/20, EU:C:2021:962, n.o 76 e jurisprudência referida].

47      O artigo 67.o do Regulamento n.o 883/2004 deve assim ser interpretado no sentido de que exige uma equivalência estrita entre os montantes das prestações familiares pagas por um Estado‑Membro aos trabalhadores cujos familiares residam nesse Estado‑Membro e àqueles cujos familiares residam noutro Estado‑Membro. Contrariamente àquilo que a República da Áustria sustenta, as disparidades do poder de compra entre Estados‑Membros não justificam, à luz desta disposição, que um Estado‑Membro possa conceder a esta segunda categoria de pessoas prestações de um montante diferente daquele que é concedido às pessoas que pertencem à primeira categoria.

48      É certo que o princípio da equiparação instituído pelo artigo 67.o do Regulamento n.o 883/2004 não é absoluto, no sentido de que, quando são devidos diversos direitos ao abrigo de diferentes legislações, aplicam‑se as regras anticúmulo previstas no artigo 68.o do referido regulamento (Acórdão de 18 de setembro de 2019, Moser, C‑32/18, EU:C:2019:752, n.o 40 e jurisprudência referida).

49      No que se refere especificamente ao artigo 68.o, n.o 2, do Regulamento n.o 883/2004, o Tribunal de Justiça declarou que semelhante regra anticúmulo visa garantir ao beneficiário das prestações pagas por vários Estados‑Membros um montante total de prestações que seja idêntico ao montante da prestação mais favorável que lhe é devida ao abrigo da legislação de apenas um desses Estados (Acórdão de 18 de setembro de 2019, Moser, C‑32/18, EU:C:2019:752, n.o 42 e jurisprudência referida).

50      O exame do tratamento concedido aos trabalhadores abrangidos pelo Regulamento n.o 883/2004 não deve assim incidir sobre o valor económico destas prestações em função do poder de compra e do nível de preço do lugar de residência das pessoas em causa, mas sobre o montante das prestações que são devidas.

51      Atendendo à ficção prevista no artigo 67.o do Regulamento n.o 883/2004, segundo a qual uma pessoa tem direito às prestações familiares para os seus familiares que residam num Estado‑Membro diferente daquele que é competente para pagar essas prestações, como se estes residissem neste último Estado‑Membro, e atendendo a que os trabalhadores migrantes devem poder beneficiar das políticas sociais do Estado‑Membro de acolhimento em condições idênticas àquelas de que gozam os trabalhadores nacionais, uma vez que contribuem para o financiamento dessas políticas através das contribuições fiscais e sociais que pagam nesse Estado, devido à atividade assalariada que aí exercem (v., neste sentido, Acórdão de 10 de julho de 2019, Aubriet, C‑410/18, EU:C:2019:582, n.o 33 e jurisprudência referida), os Estados‑Membros não podem, sem violar o referido regulamento, proceder a uma adaptação das prestações familiares em função do Estado de residência dos filhos do beneficiário.

52      Há que constatar que é precisamente isto que sucede no caso em apreço. Com efeito, só os beneficiários das prestações familiares cujos filhos residem fora do território austríaco estão sujeitos ao mecanismo de adaptação do montante destas prestações em função dos níveis de preço e do poder de compra existentes no lugar de residência dos seus filhos. Tal mecanismo não se aplica às prestações familiares concedidas em benefício dos filhos que residem em diferentes regiões da Áustria, embora existam, entre estas regiões, diferenças no que se refere aos níveis de preços de importância comparável às que podem existir entre a República da Áustria e outros Estados‑Membros.

53      Além disso, há que salientar que, conforme o advogado‑geral expôs nos n.os 77 a 79 das suas conclusões, não está demonstrado que o montante das prestações familiares concedidas pela República da Áustria varie em função do custo real de vida ou das despesas realmente suportadas para o sustento dos filhos, uma vez que estes montantes são atribuídos de modo fixo em função do número e, eventualmente, da idade dos filhos, ou no caso de estes serem portadores de uma deficiência.

54      Por conseguinte, não se pode retirar nenhum argumento do facto de, no seu Acórdão de 18 de setembro de 2019, Moser (C‑32/18, EU:C:2019:752, n.os 53 e 54), o Tribunal de Justiça ter declarado que o objetivo visado pela legislação nacional é determinante e que um Estado‑Membro pode tomar em consideração as condições de remuneração reais existentes no Estado de emprego. Com efeito, o processo que deu origem a esse acórdão tinha por objeto um subsídio para guarda dos filhos, que, na sua variante associada aos rendimentos, constituía uma prestação de substituição do rendimento profissional anterior e não dizia respeito a uma prestação familiar desprovida de qualquer relação com os custos reais e cujo montante era determinado sem ser efetuada uma apreciação individual e discricionária das necessidades pessoais dos beneficiários, com base numa situação legalmente definida [v., neste sentido, Acórdão de 2 de abril de 2020, Caisse pour l’avenir des enfants (Filho do cônjuge de um trabalhador fronteiriço), C‑802/18, EU:C:2020:269, n.o 36].

55      Além disso, embora seja certo, como a República da Áustria alegou, que o Tribunal de Justiça reconheceu, no seu Acórdão de 27 de setembro de 1988, Lenoir (313/86, EU:C:1988:452), que prestações destinadas a cobrir determinadas despesas ocasionadas pelo início do ano escolar dos filhos estão estreitamente relacionadas com o ambiente social e, por conseguinte, com a residência dos interessados, pelo que esse lugar de residência pode ser tomado em consideração, não deixa de ser certo que o Tribunal de Justiça declarou, no n.o 16 desse acórdão, que, embora as prestações pecuniárias periódicas sejam concedidas «exclusivamente em função do número e, eventualmente, da idade dos membros da família, a concessão dessas prestações continua a justificar‑se seja qual for a residência do beneficiário e da sua família». A República da Áustria não pode, por isso, retirar nenhum argumento do referido acórdão.

56      Por último, no que se refere à pertinência do Acórdão de 15 de janeiro de 1986, Pinna (41/84, EU:C:1986:1), invocado pela República da Áustria, basta salientar, como o advogado‑geral sublinhou no n.o 70 das suas conclusões, que o litígio na origem desse processo tinha por objeto uma diferença a respeito dos montantes ou das taxas das prestações consoante o Estado no qual residiam os familiares em causa, o que tinha por efeito reduzir os direitos adquiridos do trabalhador migrante e, consequentemente, violava o objetivo que consiste em assegurar a livre circulação dos trabalhadores da União. O Tribunal de Justiça considerou que, à luz da liberdade fundamental que a livre circulação dos trabalhadores constitui, a regulamentação da União se deve abster de acrescentar mais disparidades suplementares para além daquelas que já resultam da falta de harmonização das legislações nacionais em matéria de segurança social. Ora, esta apreciação é válida, a fortiori, em relação a uma disposição nacional que se afasta do princípio da equiparação instituído pelo legislador da União e que figura no artigo 67.o do Regulamento n.o 883/2004.

57      No que respeita à conformidade do mecanismo de indexação que fora previsto no novo acordo para o Reino Unido na União Europeia com o direito da União, há que salientar dois elementos. Por um lado, este acordo nunca entrou em vigor e, por conseguinte, a Comissão não apresentou uma proposta de alteração do Regulamento n.o 883/2004 que permitiria aos Estados‑Membros indexar as prestações sociais para os filhos que residem num Estado‑Membro diferente daquele em que reside o trabalhador. Por outro lado, em todo o caso, como o Acórdão de 15 de janeiro de 1986, Pinna (41/84, EU:C:1986:1) ilustra, se essa alteração tivesse sido adotada pelo legislador da União, teria sido inválida à luz do artigo 45.o TFUE.

58      Atendendo ao que precede, a primeira acusação, relativa a um incumprimento das obrigações decorrentes do artigo 67.o do Regulamento n.o 883/2004, deve ser julgada procedente.

 Quanto à segunda acusação, relativa à violação do artigo 4.o do Regulamento n.o 883/2004 e do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 492/2011

 Argumentos das partes

59      A Comissão considera que a República da Áustria não cumpriu as obrigações que lhe incumbem ao abrigo do princípio da igualdade de tratamento previsto no artigo 4.o do Regulamento n.o 883/2004 e no artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 492/2011 ao ter instituído o mecanismo de adaptação, em função do local de residência do filho, do montante dos abonos de família e do crédito de imposto por filhos a cargo, bem como do subsídio familiar «mais», previsto no § 33, n.o 3a, da EStG, do crédito de imposto para os agregados familiares com um único titular de rendimentos, do crédito de imposto para famílias monoparentais e do crédito de imposto por pensão de alimentos, previstos no § 33, n.o 4, da EStG.

60      A Comissão recorda que o artigo 4.o do Regulamento n.o 883/2004 e o artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 492/2011 concretizam, nos seus respetivos domínios, o princípio da igualdade de tratamento previsto no artigo 45.o, n.o 2, TFUE que protege os trabalhadores em causa contra qualquer discriminação, direta e indireta, em razão da nacionalidade resultante das legislações nacionais dos Estados‑Membros. Estariam nomeadamente abrangidas todas as vantagens, tanto sociais como fiscais, relacionadas ou não com um contrato de trabalho, que são geralmente reconhecidas aos trabalhadores nacionais em razão, principalmente, da sua qualidade objetiva de trabalhadores ou pelo simples facto de terem a sua residência habitual no território nacional (Acórdão de 12 de maio de 1998, Martínez Sala, C‑85/96, EU:C:1998:217, n.o 25).

61      A Comissão sustenta que resulta do Acórdão de 2 de abril de 2020, Caisse pour l’avenir des enfants (Filho do cônjuge de um trabalhador fronteiriço) (C‑802/18, EU:C:2020:269, n.o 45 e jurisprudência referida), que os abonos de família e o crédito de imposto por filhos a cargo são simultaneamente prestações familiares sujeitas ao principio da igualdade de tratamento enunciado no artigo 4.o do Regulamento n.o 883/2004 e vantagens sociais regidas pelo artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 492/2011. O subsídio familiar «mais», o crédito de imposto para agregados familiares com um único titular de rendimentos, o crédito de imposto para famílias monoparentais e o crédito de imposto por pensão de alimentos reduzem o montante do imposto sobre o rendimento. Uma vez que se presume que o beneficiário está sujeito a imposto na Áustria, estas medidas constituem vantagens fiscais sujeitas ao princípio da igualdade de tratamento enunciado no artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 492/2011.

62      A Comissão reitera que o mecanismo de adaptação afeta essencialmente os trabalhadores migrantes cujos familiares residem fora do Estado‑Membro que concede as prestações.

63      Resulta dos trabalhos preparatórios para a adoção do mecanismo de adaptação que o legislador austríaco prosseguiu um objetivo de redução das despesas orçamentais do Estado. Este legislador presumiu que os beneficiários de prestações familiares e de vantagens sociais e fiscais cujos filhos vivem em Estados‑Membros nos quais o nível de preços é inferior ao existente na Áustria eram mais numerosos do que aqueles cujos filhos residem em Estados‑Membros em que o nível de preços é mais elevado. Com efeito, só na Confederação Suíça e no Principado do Liechtenstein é que o mecanismo de adaptação pode conduzir a um montante a pagar superior ou igual àquele que deve ser pago na Áustria.

64      A Comissão acrescenta que o mecanismo de adaptação não se aplica à situação dos filhos de funcionários públicos austríacos destacados no estrangeiro embora à luz dos critérios de apreciação da comparabilidade das situações desenvolvidos pelo Tribunal de Justiça não existam diferenças entre estes funcionários públicos austríacos e os trabalhadores migrantes cujos filhos não residem na Áustria.

65      Por conseguinte, o mecanismo de adaptação cria uma discriminação indireta em prejuízo dos trabalhadores migrantes que nenhum objetivo legítimo parece poder justificar.

66      A Comissão observa que as prestações familiares, bem como as vantagens sociais e fiscais sujeitas ao mecanismo de adaptação não são calculadas em função do nível de preços existente no lugar de residência do filho. O seu montante fixo é uniforme em todo o território austríaco, não obstante a disparidade do poder de compra entre as diferentes regiões.

67      A Comissão considera que é contraditório que a República da Áustria alegue que as prestações familiares, bem como as vantagens sociais e fiscais sujeitas ao mecanismo de adaptação estão associadas às despesas efetivamente suportadas para o sustento dos filhos, embora exclua uma adaptação dos seus montantes a título das disparidades do poder de compra entre as regiões austríacas, que, por exemplo, são de cerca de 8 % entre o Land de Viena e o Land da Baixa Áustria, apesar de este Estado‑Membro considerar que essa adaptação se impõe devido às disparidades de poder de compra entre a República Federal da Alemanha ou a República Italiana, estimadas, respetivamente, em apenas 2,6 % e 5,2 %

68      A Comissão considera que o mecanismo de adaptação não é comparável com os coeficientes de correção aplicáveis às remunerações dos funcionários da União Europeia e às ajudas financeiras. Em especial, este coeficiente corretor não é determinado em função do local de residência dos filhos, mas de acordo com o local de afetação dos funcionários ou com o lugar do pagamento da ajuda financeira em causa.

69      A Comissão recorda que a justificação da existência de uma eventual discriminação a título do objetivo que consiste em querer precaver‑se contra um risco de prejuízo para o equilíbrio financeiro do sistema de segurança social pressupõe que esse risco seja grave. Ora, resulta de um relatório do Rechnungshof (Tribunal de Contas, Áustria), intitulado «Familienbeihilfe — Ziele und Zielerreichung, Kosten und Kontrollsystem» (Abono familiar — Objetivos e Realização dos Objetivos, Custos e Sistema de Controlo), publicado em julho de 2018 (a seguir «relatório do Tribunal de Contas») e invocado pela República da Áustria durante o procedimento pré‑contencioso, que a contribuição do orçamento nacional para o financiamento das prestações familiares passou a ser necessário na sequência do aumento dos montantes fixos e da concomitante redução das fontes de financiamento das prestações familiares. Além disso, as prestações familiares destinadas aos filhos residentes noutro Estado‑Membro representam apenas cerca de 6 % do conjunto dos pagamentos, e a repercussão destas prestações no financiamento das prestações familiares deve‑se principalmente à falta de controlos adequados das condições de concessão dessas prestações por parte das autoridades austríacas.

70      A República da Áustria não pode assim invocar, a título de justificação, que teve de reagir a desequilíbrios causados pelo apoio financeiro concedido aos trabalhadores migrantes, tanto mais que os trabalhadores originários de outros Estados‑Membros e os trabalhadores austríacos contribuem de forma idêntica para o financiamento do sistema social e fiscal austríaco, independentemente do local de residência dos seus filhos.

71      A vontade do legislador austríaco de garantir que as prestações familiares ou as vantagens sociais e fiscais sejam de valor equivalente para todos os filhos, independentemente do seu lugar de residência, não constitui uma justificação que se baseia numa razão imperiosa de interesse geral. As justificações que assentam em considerações relacionadas com a igualdade de tratamento e a coerência do mecanismo de adaptação são, além disso, contraditas pela exceção ao mecanismo de adaptação a favor dos funcionários públicos austríacos destacados no estrangeiro.

72      A República da Áustria nega qualquer discriminação indireta em relação aos trabalhadores migrantes. Recorda que a concessão de vantagens sociais e fiscais aos progenitores visa compensar uma parte das despesas suportadas com o sustento dos filhos que têm a seu cargo. Para alcançar este objetivo, há que distinguir a situação dos trabalhadores cujos filhos residem no estrangeiro da dos trabalhadores cujos filhos residem na Áustria. Estas situações não são materialmente comparáveis devido às diferenças de custo de vida nos Estados‑Membros. O mecanismo de adaptação não conduz a que situações idênticas sejam tratadas de forma desigual, mas assegura que situações diferentes são igualmente tratadas de forma diferente.

73      A República da Áustria invoca vários exemplos de mecanismos de adaptação de prestações familiares em função do lugar de residência considerados lícitos, nomeadamente à luz do direito da União. Este Estado‑Membro, apoiado pelo Reino da Dinamarca, alega que, segundo a posição do Comité Europeu dos Direitos Sociais, encarregado de velar pela aplicação da Carta Social Europeia, assinada em Turim em 18 de outubro de 1961 e da alteração, introduzida a esta Carta, de 3 de maio de 1996, a regra da não discriminação enunciada no artigo 12.o, n.o 4, da referida Carta não se opõe a que um Estado adapte as prestações de segurança social pagas a título de um filho residente noutro Estado no qual o custo de vida é claramente inferior.

74      Segundo a República da Áustria, o mecanismo de adaptação é comparável ao coeficiente de correção previsto no Estatuto dos Funcionários da União Europeia que, para garantir a estes últimos um poder de compra idêntico, independentemente do seu local de afetação, toma em consideração as diferenças em matéria de custo de vida entre os Estados‑Membros. O programa Erasmus+ contém uma regra comparável, para adaptar o montante da subvenção para as despesas de estada e de deslocação dos estudantes.

75      Além disso, resulta das Conclusões do Conselho de 9 de outubro de 2020, sobre o reforço da proteção do rendimento mínimo para combater a pobreza e a exclusão social no contexto da pandemia de COVID‑19 e do pós‑pandemia (11721/2/20), e mais particularmente da referência à Recomendação 92/441/CEE do Conselho, de 24 de junho de 1992, relativa a critérios comuns respeitantes a recursos e prestações suficientes nos sistemas de proteção social (JO 1992, L 245, p. 46), que, para a concessão de prestações que devem cobrir uma determinada necessidade, o nível de vida e os nível de preços no Estado de residência devem ser devidamente tomados em conta.

76      Ao contrário daquilo que a Comissão alega, as disparidades de poder de compra ou de níveis de preços no interior da Áustria são muito reduzidas face às que existem entre os Estados‑Membros. A República da Áustria alega que uma adaptação das prestações familiares em função das regiões de um mesmo Estado‑Membro acarretaria dificuldades que justificam que se recorra ao cálculo feito pelo Eurostat de um valor médio por Estado. Esta solução tem como vantagem ser um critério objetivo que evita que se questionem as situações nas quais existem diferenças reduzidas de poder de compra relativamente à situação existente, por exemplo, na Alemanha ou em Itália.

77      Em seguida, o Tribunal de Justiça já reconheceu, por um lado, que é possível fixar montantes uniformes para regiões de grande dimensão (Acórdão de 24 de fevereiro de 2015, Sopora, C‑512/13, EU:C:2015:108, n.o 34) e, por outro, que as disparidades dos custos de vida entre Estados‑Membros podem constituir um critério de diferenciação válido (Acórdãos de 17 de julho de 1963, Itália/Comissão, 13/63, EU:C:1963:20, e de 18 de setembro de 2014, Bundesdruckerei, C‑549/13, EU:C:2014:2235, n.o 34).

78      A República da Áustria contesta o argumento da Comissão segundo o qual o mecanismo de adaptação constitui uma discriminação indireta na medida em que não é aplicável aos filhos que residem num Estado no qual um dos seus progenitores está destacado com o estatuto de funcionário público austríaco. Alega que a situação de um funcionário público destacado não é comparável à de um trabalhador migrante, tanto do ponto de vista jurídico como material.

79      Por um lado, o direito internacional, o direito da União e o direito nacional reconhecem a particularidade da situação dos funcionários públicos destacados no estrangeiro. Resulta do artigo 45.o, n.o 4, TFUE, bem como do artigo 11.o, n.o 3, alínea b), e do artigo 13.o, n.o 4, do Regulamento n.o 883/2004 que os funcionários públicos destacados no estrangeiro não têm direito, nos Estados de acolhimento, a receber abonos de família nem, por conseguinte, ao pagamento de complementos diferenciais ou a prestações suplementares relacionadas com a sua situação familiar. Além disso, nos termos do direito austríaco, considera‑‑se, para efeitos do regime de segurança social e do tratamento da respetiva situação fiscal, que os funcionários públicos destacados no estrangeiro exercem a sua atividade no território nacional. Em matéria civil, continuam a estar abrangidos pelo foro geral austríaco.

80      Por outro lado, a situação dos trabalhadores migrantes difere da dos funcionários públicos na medida em que a mobilidade, no território nacional ou no estrangeiro, fazem parte integrante da sua atividade. Embora, em regra, os parceiros e os filhos dos funcionários públicos destacados no estrangeiro os acompanhem, o domicílio e o centro de interesses da família permanecem, regra geral, na Áustria.

81      Reconhecer que a situação dos funcionários públicos destacados no estrangeiro é comparável com a situação dos trabalhadores migrantes equivaleria a considerar que os primeiros, que estão excluídos do mecanismo de adaptação, são prejudicados em relação aos segundos. Com efeito, para a maioria dos funcionários públicos austríacos destacados noutros Estados‑Membros, na Suíça ou no território de partes no Acordo EEE, o custo de vida é superior ao existente na Áustria.

82      Se o Tribunal de Justiça viesse a considerar que as regras aplicáveis aos funcionários públicos austríacos destacados no estrangeiro constituem uma discriminação indireta, a República da Áustria alega que tal discriminação é justificada pelo dever de solicitude do Estado para com esses funcionários públicos, associado ao dever de lealdade destes para com aquele, constituindo estes dois elementos razões imperiosas de interesse geral.

83      Além disso, a República da Áustria alega que se a Comissão pretende neste momento passar a sustentar que a regulamentação austríaca é incoerente, esta acusação, por não ter sido suscitada no parecer fundamentado, é inadmissível.

84      Seja como for, a República da Áustria considera que esta acusação é desprovida de fundamento. As regras aplicáveis aos funcionários públicos destacados no estrangeiro, embora derrogatórias em relação ao regime comum aplicável na Áustria, fazem, no entanto, parte de um sistema coerente, baseado no direito internacional e no direito da União. Estas regras abrangem cerca de 400 funcionários públicos austríacos que estão destacados no estrangeiro no território de uma parte no Acordo EEE ou da Suíça. Só uma parte destes funcionários públicos recebe abonos de família. Por conseguinte, há que tomar em consideração a jurisprudência do Tribunal de Justiça segundo a qual qualquer exceção a uma regulamentação nacional não a torna incoerente. Disposições de exceção que têm um âmbito de aplicação particularmente restrito não permitem concluir pela existência de uma incoerência (Acórdão de 19 de maio de 2009, Comissão/Itália, C‑531/06, EU:C:2009:315, n.os 69 e 73).

85      A título subsidiário, a República da Áustria alega que, ainda que se viesse a constatar que existe uma discriminação indireta, esta é justificada por um objetivo legítimo e não excede o que é necessário para alcançar esse objetivo.

86      Em primeiro lugar, a Comissão não demonstrou que o legislador austríaco prosseguia um objetivo específico de poupanças orçamentais. Esta alegação da Comissão é infirmada pelos trabalhos preparatórios para a adoção do mecanismo de adaptação e, nomeadamente, pela avaliação das suas consequências em termos de eficácia.

87      Em segundo lugar, no que respeita aos abonos de família e ao crédito de imposto por filhos a cargo, a República da Áustria sustenta que quando essas prestações familiares deixaram de cumprir o seu objetivo destinado a compensar uma parte das despesas tipicamente associadas ao sustento dos filhos, porque o seu montante era exportado de forma indiferenciada para Estados‑Membros cujo nível de preços era diferente do da Áustria, tornou‑se necessário introduzir o mecanismo de adaptação. Com efeito, este mecanismo visava restabelecer a função de apoio ao sustento dos filhos e a equidade do sistema social. Para alcançar este objetivo sociopolítico, foi necessário suprimir as prestações que apresentavam excedentes ou insuficiências devido à aplicação indiferenciada dos montantes dos abonos de família. Uma vez que o mecanismo de adaptação prevê um aumento ou uma redução dos montantes pagos na Áustria, na proporção do nível de preços no Estado‑Membro de residência do filho a cargo, garante que cada filho beneficia efetivamente de uma prestação do mesmo valor económico. Isto é não só proporcionado, como é também conforme com o considerando 12 do Regulamento n.o 883/2004, segundo o qual importa evitar que o princípio da equiparação de factos ou acontecimentos conduza a resultados objetivamente injustificados.

88      Em terceiro lugar, no que se refere ao subsídio familiar «mais» e aos demais créditos de imposto, a República da Áustria alega que a aplicação do mecanismo de adaptação assegura que as despesas reais são tomadas em consideração de forma equitativa e que todos os contribuintes que exercem uma atividade profissional, e que têm filhos, são tratados da mesma forma no que respeita à sua capacidade contributiva. Com efeito, este mecanismo toma em consideração o princípio da igualdade de tratamento e o princípio da capacidade contributiva. Este último princípio, ancorado nas ordens jurídicas nacionais, tem o seu fundamento, no direito da União, no domínio da fiscalidade direta e constitui um princípio geral do direito fiscal na União. O Tribunal de Justiça afastou a comparabilidade de duas situações de facto relacionadas com subsídios de expatriação pagos, declarando que «essa possibilidade de comparação não é possível à luz do objetivo prosseguido com a aplicação de uma tabela de tributação progressiva que se baseia necessariamente […] numa apreciação da capacidade contributiva do sujeito passivo feita de acordo com as condições de vida no território do Estado‑‑Membro em causa» (Acórdão de 15 de setembro de 2011, Schulz‑Delzers e Schulz, C‑240/10, EU:C:2011:591, n.o 37).

89      Em quarto lugar, a República da Áustria afirma que uma vez que o mecanismo de adaptação assegura que é concedido um apoio ou um alívio de valor idêntico, este mecanismo não excede o que é necessário para realizar o objetivo prosseguido.

90      Contrariamente ao que a Comissão sustenta, a despesa administrativa suplementar resultante do mecanismo de adaptação é muito limitada. Com efeito, para efeitos da determinação do Estado competente em conformidade com o Regulamento n.o 883/2004, é, num grande número de situações, seja como for necessário verificar qual é o Estado de residência do filho em causa. O número de filhos residente noutros Estados‑Membros em relação aos quais existe direito a receber os abonos de família passou de 1 500 em 2002 para cerca de 130 000 em 2016. O Tribunal de Contas constatou que os casos que apresentavam uma relação com o estrangeiro «foram controlados mais frequentemente do que situações nacionais devido à qualificação do risco».

91      A República da Áustria precisa que os pagamentos diferenciais que efetua a título dos filhos que residem noutros Estados‑Membros excedem frequentemente as prestações primárias no Estado de residência dos filhos.

92      A República da Áustria contesta que seja injusto que trabalhadores que pagam impostos e contribuições na Áustria, participando assim no financiamento das prestações familiares e das vantagens sociais e fiscais, a final só as recebam sob a forma de prestações cujo valor é adaptado quando os seus filhos residem noutros Estados‑Membros. Considera que a base de cálculo das contribuições da entidade patronal é indiferente. Não existe nenhuma relação entre uma eventual obrigação fiscal e o direito às prestações pagas pelo Estado.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

93      [Conforme retificado por Despacho de 6 de setembro de 2022] Há que recordar que o Tribunal de Justiça já declarou que o artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1408/71, cuja redação, em substância, foi retomada no artigo 4.o do Regulamento n.o 883/2004, tinha por objetivo assegurar, em conformidade com o artigo 39.o CE, atual artigo 45.o TFUE, em benefício das pessoas às quais o regulamento se aplica, a igualdade em matéria de segurança social sem distinção de nacionalidade, suprimindo qualquer discriminação a este respeito que possa resultar das legislações nacionais dos Estados‑‑Membros (Acórdão de 22 de junho de 2011, Landtová, C‑399/09, EU:C:2011:415, n.o 42).

94      O princípio da igualdade de tratamento enunciado no artigo 45.o TFUE está igualmente concretizado no artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 492/2011, que precisa que o trabalhador nacional de um Estado‑Membro beneficia, no território dos outros Estados‑Membros, das mesmas vantagens sociais e fiscais que os trabalhadores nacionais, devendo esta última disposição ser interpretada da mesma forma que é interpretado o artigo 45.o TFUE [Acórdão de 2 de abril de 2020, Caisse pour l’avenir des enfants (Filho do cônjuge de um trabalhador fronteiriço), C‑802/18, EU:C:2020:269, n.os 24 e 70 e jurisprudência referida].

95      O conceito de «vantagem social» alargado pelo artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 492/2011 aos trabalhadores nacionais de outros Estados‑Membros engloba todas as vantagens, associadas ou não a um contrato de trabalho, que são geralmente reconhecidas aos trabalhadores nacionais, devido principalmente à sua qualidade objetiva de trabalhadores ou pelo simples facto de residirem no território nacional, e cujo alargamento aos trabalhadores nacionais de outros Estados‑Membros se afigura assim apto para facilitar a sua mobilidade no interior da União e, por conseguinte, a sua integração no Estado‑Membro de acolhimento e a referência feita nesta disposição às vantagens sociais não pode ser interpretada restritivamente [Acórdão de 2 de abril de 2020, Caisse pour l’avenir des enfants (Filho do cônjuge de um trabalhador fronteiriço), C‑802/18, EU:C:2020:269, n.os 25 e 29 e jurisprudência aí referida].

96      Por outro lado, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que determinadas prestações são suscetíveis de constituir tanto prestações familiares, na aceção do artigo 3.o, n.o 1, alínea j), do Regulamento n.o 883/2004, como uma vantagem social, na aceção do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 492/2011 [Acórdão de 2 de abril de 2020, Caisse pour l’avenir des enfants (Filho do cônjuge de um trabalhador fronteiriço), C‑802/18, EU:C:2020:269, n.os 45 e 46 e jurisprudência referida].

97      No caso em apreço, não é contestado que, como o advogado‑geral salientou no n.o 124 das suas conclusões, o abono de família e o crédito de imposto por filhos a cargo são simultaneamente prestações familiares sujeitas ao princípio da igualdade de tratamento previsto no artigo 4.o do Regulamento n.o 883/2004 e vantagens sociais abrangidas pelo âmbito de aplicação do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 492/2011, ao passo que o subsídio familiar «mais», o crédito de imposto para agregados familiares com um único titular de rendimentos, o crédito de imposto para famílias monoparentais e o crédito de imposto por pensão de alimentos só estão sujeitos ao princípio da igualdade de tratamento enunciado no artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 492/2011.

98      Em todo o caso, o artigo 4.o do Regulamento n.o 883/2004 e o artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 492/2011 concretizam ambos a regra da igualdade de tratamento em matéria de segurança social inscrita no artigo 45.o TFUE. Por conseguinte, estas duas disposições devem, em princípio, ser interpretadas do mesmo modo e em conformidade com o artigo 45.o TFUE.

99      Como decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça, uma distinção em razão da residência, que pode funcionar mais em detrimento dos cidadãos de outros Estados‑‑Membros visto que os não residentes são na maioria das vezes não nacionais, constitui assim uma discriminação indireta em razão da nacionalidade que só pode ser admitida se for objetivamente justificada [Acórdão de 2 de Abril de 2020, Caisse pour l’avenir des enfants (Filho do cônjuge de um trabalhador fronteiriço), C‑802/18, EU:C:2020:269, n.o 56 e jurisprudência referida].

100    No caso em apreço, o mecanismo de adaptação faz variar o montante das prestações familiares e das vantagens sociais que visa em função do nível dos preços existente no lugar de residência dos filhos. As adaptações para cima ou para baixo só são assim aplicadas em caso de residência do filho fora do território austríaco. Nestas condições, o vínculo direto com o Estado de residência dos filhos não pode ser contestado.

101    Ora, como o advogado‑geral salientou nos n.os 130 e 131 das suas conclusões, a redução do montante das prestações familiares, bem como das vantagens sociais e fiscais decorrentes do critério relacionado com a residência dos filhos fixado pelo mecanismo de adaptação afeta essencialmente os trabalhadores migrantes, uma vez que os seus filhos são mais particularmente suscetíveis de residir noutro Estado‑Membro (Acórdão de 20 de junho de 2013, Giersch e o., C‑20/12, EU:C:2013:411, n.o 44). Além disso, resulta dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe que, devido às disparidades entre o custo de vida nesses Estados e custo de vida na Áustria, refletidas nos coeficientes corretores que figuram no Regulamento de Adaptação, os trabalhadores que exerceram a sua liberdade de circulação a partir desses Estados são, na sua grande maioria, aqueles que receberão prestações familiares, bem como vantagens sociais e fiscais de um montante inferior àquele que é concedido aos trabalhadores nacionais.

102    No que se refere ao argumento da República da Áustria segundo o qual o mecanismo de adaptação garante que situações diferentes são tratadas de maneira diferente, devido às disparidades dos níveis de preços entre os Estados em causa, basta salientar que as prestações familiares e as vantagens sociais e fiscais sujeitas ao mecanismo de adaptação não são determinadas em função dos custos reais ocasionados pelo sustento dos filhos. Com efeito, essas prestações e essas vantagens são fixas e variam em função do número e, eventualmente, da idade dos filhos, sem tomar em consideração as respetivas necessidades reais.

103    Daqui resulta que o mecanismo de adaptação, que assenta no critério da residência no estrangeiro dos filhos para determinar o montante das prestações familiares e das vantagens sociais e fiscais, afeta mais os trabalhadores migrantes. Constitui assim uma discriminação indireta em razão da nacionalidade que só pode ser admitida se for objetivamente justificada.

104    O Tribunal de Justiça tem reiteradamente declarado que para ser justificada, tal discriminação indireta deve servir para garantir a realização de um objetivo legítimo e não exceder o que é necessário para alcançar esse objetivo [Acórdão de 2 de abril de 2020, Caisse pour l’avenir des enfants (Filho do cônjuge de um trabalhador fronteiriço), C‑802/18, EU:C:2020:269, n.o 58 e jurisprudência referida].

105    A justificação invocada pela República da Áustria, segundo a qual a adaptação do montante das prestações para os filhos não residentes visa garantir que o apoio e o correspondente alívio dos encargos familiares tenham um valor económico correspondente ao das prestações para os filhos residentes na Áustria, é, pelas razões expostas no n.o 102 do presente acórdão, desprovida de fundamento. Além disso, como foi já salientado no n.o 52 do presente acórdão, as prestações familiares e as vantagens sociais em causa não estão sujeitas ao mecanismo de adaptação quando os filhos residem na Áustria, não obstante ser facto assente que existem, entre as regiões deste Estado‑Membro, diferenças de níveis de preços de importância comparável às que podem existir entre a Áustria e outros Estados‑Membros. Esta falta de coerência na aplicação deste mecanismo confirma que a justificação invocada pela República da Áustria não pode ser acolhida.

106    Além disso, a desigualdade de tratamento resultante do mecanismo de adaptação não pode ser justificada pelo objetivo que consiste em assegurar a função de apoio e a equidade do sistema social invocado pela República da Áustria.

107    Com efeito, desde logo, como a Comissão salientou durante a fase escrita do processo no Tribunal de Justiça, o relatório do Tribunal de Contas não indica que existe um risco de prejuízo grave para o equilíbrio financeiro que pode ser sanado através da mera criação de um mecanismo de adaptação, nem que o mecanismo de adaptação é suscetível de simplificar a gestão das prestações familiares e das vantagens sociais e fiscais. Com efeito, ainda que se considere, como a República da Áustria alega, que os custos suplementares do mecanismo de adaptação são muito limitados, não deixa de ser certo que esses custos suplementares existem. Todavia, não é contestado, como o advogado‑geral salientou, com razão, no n.o 142 das suas conclusões, que esses custos são suportados por todas as pessoas que contribuem para o orçamento do Estado. Além disso, do relatório do Tribunal de Contas pode deduzir‑se que o risco de pôr em perigo o equilíbrio financeiro do sistema de segurança social não decorre dos pagamentos de prestações aos trabalhadores cujos filhos residem fora da Áustria, uma vez que se considera que estes representam apenas cerca de 6 % das despesas a título de prestações familiares, mas que esse risco pode ter origem na inexistência de um controlo adequado no que respeita à concessão dessas prestações.

108    Em seguida, a liberdade de circulação dos trabalhadores na União assenta num certo número de princípios, entre os quais o da igualdade de tratamento. A sua implementação no domínio da segurança social é, aliás, assegurada por uma regulamentação da União que assenta, nomeadamente, no princípio da unicidade da legislação aplicável nesta matéria. Este princípio, inscrito no artigo 11.o, n.o 1, do Regulamento n.o 883/2004, visa eliminar as desigualdades de tratamento que, para os trabalhadores que se deslocam no interior da União, resultem de uma cumulação parcial ou total das legislações aplicáveis. É assim que, em conformidade com o artigo 11.o, n.o 3, deste regulamento, para garantir da melhor forma possível a igualdade de tratamento de todas as pessoas que trabalham no território de um Estado‑Membro, a pessoa que exerce uma atividade por conta de outrem ou por conta própria num Estado‑Membro está sujeita, regra geral, à legislação desse Estado‑Membro e, em conformidade com o artigo 4.o do referido regulamento, aí deve beneficiar das mesmas prestações que os nacionais do mesmo Estado.

109    Por último, o Tribunal de Justiça declarou reiteradamente que os trabalhadores migrantes contribuem para o financiamento das políticas sociais do Estado‑Membro de acolhimento com as contribuições fiscais e sociais que pagam neste Estado, em consequência da atividade assalariada que aí exercem. Delas devem, por conseguinte, poder beneficiar em condições idênticas às dos trabalhadores nacionais (Acórdão de 10 de julho de 2019, Aubriet, C‑410/18, EU:C:2019:582, n.o 33 e jurisprudência referida). Por conseguinte, este elemento corrobora a importância da abordagem segundo a qual os trabalhadores migrantes devem beneficiar da igualdade de tratamento no que respeita às prestações familiares, bem como das vantagens fiscais e sociais.

110    No caso em apreço, não é contestado que as prestações familiares austríacas são financiadas por contribuições dos empregadores calculadas com base no montante total dos salários dos trabalhadores que empregam, pelo que o trabalhador migrante e um trabalhador nacional contribuem de forma idêntica para a determinação do montante das quantias pagas pelo seu empregador, não sendo para tal tomado em consideração o lugar de residência dos filhos desses trabalhadores. Sucede o mesmo com o subsídio familiar «mais» e com os outros créditos de imposto sujeitos ao mecanismo de adaptação porque estas vantagens fiscais são financiadas pelo imposto sobre o rendimento dos trabalhadores, que não procede a uma distinção consoante os filhos dos trabalhadores residam ou não no território austríaco.

111    Nestas condições, como o advogado‑geral alegou no n.o 146 das suas conclusões, há que considerar que a diferença de tratamento em função do lugar de residência do filho do trabalhador em causa instaurada pelo mecanismo de adaptação não é adequada nem necessária para assegurar a função de apoio e a equidade do sistema social.

112    A segunda acusação da Comissão deve assim também ser julgada procedente.

113    À luz de tudo o que precede, há que constatar que:

–        ao ter instituído o mecanismo de adaptação aplicável aos abonos de família e ao crédito de imposto por filhos a cargo para os trabalhadores cujos filhos residem de forma permanente noutro Estado‑Membro, a República da Áustria não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do disposto nos artigos 4.o e 67.o do Regulamento n.o 883/2004, bem como no artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 492/2011, e

–        ao ter instituído, para os trabalhadores migrantes cujos filhos residem de forma permanente noutro Estado‑‑Membro, o mecanismo de adaptação aplicável ao subsídio familiar «mais», ao crédito de imposto para agregados familiares com um único titular de rendimentos, ao crédito de imposto para crédito de imposto para famílias monoparentais e ao crédito de imposto por pensão de alimentos, a República da Áustria não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do disposto no artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 492/2011.

 Quanto às despesas

114    Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação da República da Áustria e tendo esta sido vencida, há que condená‑la nas despesas.

115    Em conformidade com o disposto no artigo 140.o, n.os 1 e 2, do Regulamento de Processo, nos termos do qual os Estados‑‑Membros, os Estados partes no Acordo EEE, que não sejam Estados‑‑Membros, bem como o Órgão de Fiscalização da AECL, quando intervenham no litígio, devem suportar as suas próprias despesas, a República Checa, o Reino da Dinamarca, a República da Croácia, a República da Polónia, a Roménia, a República da Eslovénia e a República Eslovaca, bem como o Reino da Noruega e o Órgão de Fiscalização da AECL, suportarão as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) decide:

1)      Ao ter instituído o mecanismo de adaptação resultante das alterações introduzidas ao § 8a da Bundesgesetz betreffend den Familienlastenausgleich durch Beihilfen (Lei Federal Relativa à Compensação dos Encargos Familiares Através de Abonos), de 24 de outubro de 1967, conforme alterada pela Bundesgesetz mit dem das Familienlastenausgleichsgesetz 1967, das Einkommensteuergesetz 1988 und das Entwicklungshelfergesetz geändert werden (Lei Federal que Altera a Lei Federal Relativa à Compensação dos Encargos Familiares Através de Abonos de 1967, a Lei Federal Relativa à Tributação do Rendimento das Pessoas Singulares de 1988 e a Lei Relativa ao Pessoal da Ajuda ao Desenvolvimento), de 4 de dezembro de 2018, e ao § 33 da Bundesgesetz über die Besteuerung des Einkommens natürlicher Personen (Lei Federal Relativa à Tributação do Rendimento das Pessoas Singulares), conforme alterada pela Jahressteuergesetz 2018 (Lei Tributária Anual de 2018), de 14 de agosto de 2018, e pela Lei Federal que Altera a Lei Federal Relativa à Compensação dos Encargos Familiares Através de Abonos de 1967, a Lei Federal Relativa à Tributação do Rendimento das Pessoas Singulares de 1988 e a Lei Relativa ao Pessoal da Ajuda ao Desenvolvimento), de 4 de dezembro de 2018, aplicável aos abonos de família e ao crédito de imposto por filhos a cargo para os trabalhadores cujos filhos residam de forma permanente noutro Estado‑‑Membro, a República da Áustria não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do disposto nos artigos 4.o e 67.o do Regulamento (CE) n.o 883/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativo à coordenação dos sistemas de segurança social, bem como no artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento (UE) n.o 492/2011, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de abril de 2011, relativo à livre circulação dos trabalhadores na União.

2)      Ao ter instituído, para os trabalhadores migrantes cujos filhos residem de forma permanente noutro Estado‑‑Membro, o mecanismo de adaptação resultante das alterações introduzidas ao §8a da Bundesgesetz betreffend den Familienlastenausgleich durch Beihilfen (Lei Federal Relativa à Compensação dos Encargos Familiares Através de Abonos), de 24 de outubro de 1967, conforme alterado pela Bundesgesetz mit dem das Familienlastenausgleichsgesetz 1967, das Einkommensteuergesetz 1988 und das Entwicklungshelfergesetz (Lei Federal que Altera a Lei Federal Relativa à Compensação dos Encargos Familiares Através de Abonos de 1967, a Lei Federal Relativa à Tributação do Rendimento das Pessoas Singulares de 1988 e a Lei Relativa ao Pessoal da Ajuda ao Desenvolvimento), de 4 de dezembro de 2018, e ao § 33 da Bundesgesetz über die Besteuerung des Einkommens natürlicher Personen (Lei Federal Relativa à Tributação do Rendimento das Pessoas Singulares), de 7 de julho de 1988, conforme alterado pela Jahressteuergesetz 2018 (Lei Tributária Anual de 2018), de 14 de agosto de 2018, e pela Lei Federal que Altera a Lei Federal Relativa à Compensação dos Encargos Familiares Através de Abonos de 1967, a Lei Federal Relativa à Tributação do Rendimento das Pessoas Singulares de 1988 e a Lei Relativa ao Pessoal da Ajuda ao Desenvolvimento), de 4 de dezembro de 2018, aplicável ao subsídio familiar «mais», ao crédito de imposto para agregados familiares com um único titular de rendimentos, ao crédito de imposto para famílias monoparentais e ao crédito de imposto por pensão de alimentos, a República da Áustria não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do disposto no artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 492/2011.

3)      A República da Áustria é condenada a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pela Comissão Europeia.

4)      A República Checa, o Reino da Dinamarca, a República da Croácia, a República da Polónia, a Roménia, a República da Eslovénia e a República Eslovaca, bem como o Reino da Noruega e o Órgão de Fiscalização da AECL suportarão as suas próprias despesas.

Assinaturas


*      Língua do processo: alemão.