DESPACHO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção)
24 de março de 2023 (*)
«Reenvio prejudicial — Artigo 99.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça — Trabalhadores migrantes — Desemprego — Acordo da saída do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte da União Europeia e da Comunidade Europeia da Energia Atómica — Segurança social — Artigo 30.o — Determinação do direito ao subsídio de desemprego — Regulamento (CE) n.o 883/2004 — Artigo 65.o, n.o 2 — Nacional de um Estado‑Membro que exerceu uma atividade por conta de outrem no Reino‑Unido — Cessação do seu contrato de trabalho após a saída do Reino‑Unido e o termo do período de transição fixado por esse acordo — Direito dessa nacional a um subsídio de desemprego ao abrigo da legislação desse Estado‑Membro ao regressar a este último»
No processo C‑30/22,
que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Administrativen sad Veliko Tarnovo (Tribunal Administrativo de Veliko Tarnovo, Bulgária), por Decisão de 20 de dezembro de 2021, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 12 de janeiro de 2022, no processo
DV
contra
Direktor na Teritorialno podelenie na Natsionalnia osiguritelen institut — Veliko Tarnovo,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção),
composto por: M. L. Arastey Sahún, presidente de secção, F. Biltgen (relator) e N. Wahl, juízes,
advogado‑geral: N. Emiliou,
secretário: A. Calot Escobar,
vistos os autos,
vistas as observações apresentadas:
– em representação do Governo búlgaro, por M. Georgieva, T. Mitova e E. Petranova, na qualidade de agentes,
– em representação do Governo checo, por O. Serdula, M. Smolek e J. Vláčil, na qualidade de agentes,
– em representação da Comissão Europeia, por D. Martin e N. Nikolova, na qualidade de agentes,
vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de decidir por meio de despacho fundamentado, nos termos do artigo 99.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça,
profere o presente
Despacho
1 O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 30.o e 31.o do Acordo sobre a Saída do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte da União Europeia e da Comunidade Europeia da Energia Atómica (JO 2020, L 29, p. 7; a seguir «Acordo de Saída»), assinado em Bruxelas (Bélgica) e em Londres (Reino Unido), em 24 de janeiro de 2020, e que entrou em vigor em 1 de fevereiro de 2020, e do artigo 65.o, n.o 2, do Regulamento (CE) n.o 883/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativo à coordenação dos sistemas de segurança social (JO 2004, L 166, p. 1; retificação no JO 2004, L 200, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (UE) n.o 465/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2012 (JO 2012, L 149, p. 4) (a seguir «Regulamento n.o 883/2004»).
2 Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opunha DV ao Direktor na Teritorialno podelenie na Natsionalnia osiguritelen institut — Veliko Tarnovo (Diretor do Departamento Regional do Instituto Nacional da Segurança Social de Veliko Tarnovo, Bulgária) a propósito da recusa de este lhe conceder prestações por desemprego na sequência da cessação da sua relação laboral no Reino Unido em 29 de março de 2021.
Quadro jurídico
Direito da União
Acordo de Saída
3 O Acordo de Saída foi aprovado em nome da União e da Comunidade Europeia da Energia Atómica pela Decisão (UE) 2020/135 do Conselho, de 30 de janeiro de 2020 (JO 2020, L 29, p. 1).
4 Nos termos do sexto parágrafo do preâmbulo deste acordo:
«Reconhecendo que é necessário prever a proteção recíproca dos cidadãos da União [Europeia] e dos nacionais do Reino Unido [da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte], bem como dos respetivos familiares, sempre que tenham exercido o direito à livre circulação antes de uma data fixada no presente Acordo, e assegurar que os seus direitos ao abrigo do presente Acordo podem ser invocados e são baseados no princípio da não‑discriminação; reconhecendo igualmente que os períodos de cobertura da segurança social deverão ser garantidos.»
5 O artigo 7.o, n.o 1, do referido acordo enuncia:
«Para efeitos do presente Acordo, todas as referências aos Estados‑Membros e às autoridades competentes dos Estados‑Membros nas disposições do direito da União aplicáveis por força do presente Acordo entendem‑se como incluindo o Reino Unido e as suas autoridades competentes, exceto no que diz respeito à:
[…]»
6 O artigo 10.o, n.o 1, alínea a), do mesmo acordo tem a seguinte redação:
«Sem prejuízo do título III, a presente parte é aplicável às seguintes pessoas:
a) Cidadãos da União que tenham exercido o seu direito de residir no Reino Unido, em conformidade com o direito da União, antes do termo do período de transição, e que continuem a residir no país após esse período.»
7 O título III da parte II do Acordo de Saída, intitulado «Coordenação dos sistemas de segurança social», inclui os artigos 30.o a 36.o do mesmo.
8 O artigo 30.o, n.os 1 a 4, deste acordo prevê:
«1. O presente título é aplicável às seguintes pessoas:
a) cidadãos da União sujeitos à legislação do Reino Unido no termo do período de transição, bem como os seus familiares e sobreviventes;
[…]
c) cidadãos da União que residam no Reino Unido e estejam sujeitos à legislação de um Estado‑Membro no termo do período de transição, bem como os seus familiares e sobreviventes;
[…]
e) Outras pessoas não abrangidas pelo âmbito das alíneas a) a d), mas que sejam:
i) cidadãos da União que exerçam uma atividade por conta de outrem ou por conta própria no Reino Unido no termo do período de transição e que, nos termos do título II do [Regulamento n.o 883/2004], estejam sujeitos ao direito de um Estado‑Membro, bem como os seus familiares e sobreviventes […]
[…]
2. As pessoas a que se refere o n.o 1 são abrangidas enquanto permanecerem, sem interrupção, numa das situações indicadas nesse número, que envolvam simultaneamente um Estado‑Membro e o Reino Unido.
3. O presente título é igualmente aplicável às pessoas que não são ou deixaram de ser abrangidas pelo n.o 1, alíneas a) a e), do presente artigo, mas que são abrangidas pelo artigo 10.o do presente Acordo, bem como os seus familiares e sobreviventes.
4. As pessoas a que se refere o n.o 3 são abrangidas enquanto continuarem a ter o direito de residir no Estado de acolhimento ao abrigo do artigo 13.o do presente Acordo ou o direito de trabalhar no seu Estado de emprego ao abrigo do artigo 24.o ou do artigo 25.o do presente Acordo.»
9 O artigo 31.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do referido acordo dispõe:
«As regras e os objetivos estabelecidos no artigo 48.o [TFUE], no [Regulamento n.o 883/2004] e no Regulamento (CE) n.o 987/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho[, de 16 de setembro de 2009, que estabelece as modalidades de aplicação do Regulamento (CE) n.o 883/2004 relativo à coordenação dos sistemas de segurança social (JO 2009, L 284, p. 1),] são aplicáveis às pessoas abrangidas pelo presente título.»
10 Nos termos do artigo 32.o, n.o 1, alínea a), do mesmo acordo:
«As regras a seguir indicadas são aplicáveis às situações seguintes na medida do estabelecido pelo presente artigo, desde que se refiram a pessoas que não são ou deixaram de ser abrangidas pelo artigo 30.o:
a) as pessoas a seguir indicadas são abrangidas pelo presente título para efeitos de invocação e de totalização dos períodos de seguro, de emprego, de atividade por conta própria ou de residência, incluindo os direitos e obrigações decorrentes desses períodos, em conformidade com o [Regulamento n.o 883/2004]:
i) os cidadãos da União […] que tenham estado sujeitos à legislação do Reino Unido antes do termo do período de transição, bem como os seus familiares e sobreviventes;
[…]
Para efeitos da totalização de períodos, devem ser tidos em conta os períodos cumpridos antes e depois do termo do período de transição, em conformidade com o [Regulamento n.o 883/2004]».
11 O artigo 126.o do Acordo de Saída tem a seguinte redação:
«É estabelecido um período de transição ou de execução, com início na data de entrada em vigor do presente Acordo e termo em 31 de dezembro de 2020.»
Regulamento n.o 883/2004
12 O artigo 1.o, alínea j), do Regulamento n.o 883/2004 define, para efeitos deste último, o termo «residência» como o lugar em que a pessoa reside habitualmente.
13 Com o título «Prestações por desemprego», o capítulo 6 do título III deste regulamento contém os artigos 61.o a 65.o‑A do mesmo.
14 O artigo 61.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Regras especiais sobre a totalização dos períodos de seguro, de emprego ou de atividade por conta própria», dispõe:
«1. A instituição competente de um Estado‑Membro cuja legislação faça depender a aquisição, a conservação, a recuperação ou a duração do direito às prestações do cumprimento de períodos de seguro, de emprego ou de atividade por conta própria, tem em conta, na medida em que tal seja necessário, os períodos de seguro, de emprego ou de atividade por conta própria cumpridos ao abrigo da legislação de qualquer outro Estado‑Membro, como se tivessem sido cumpridos ao abrigo da legislação por ela aplicada.
Todavia, sempre que a legislação aplicável faça depender o direito às prestações do cumprimento de períodos de seguro, os períodos de emprego ou de atividade por conta própria cumpridos ao abrigo da legislação de outro Estado‑Membro só são tomados em conta desde que fossem considerados períodos de seguro se tivessem sido cumpridos ao abrigo da legislação aplicável.
2. Salvo nos casos referidos na alínea a) do n.o 5 do artigo 65.o, a aplicação do n.o 1 do presente artigo fica subordinada à condição de o interessado ter cumprido em último lugar, em conformidade com a legislação ao abrigo da qual são requeridas as prestações:
– períodos de seguro, se tal legislação exigir períodos de seguro, ou
– períodos de emprego, se tal legislação exigir períodos de emprego, ou
– períodos de atividade por conta própria, se tal legislação exigir períodos de atividade por conta própria.»
15 O artigo 65.o, n.os 2 e 5, do mesmo regulamento, prevê:
«2. A pessoa em situação de desemprego completo que, no decurso da sua última atividade por conta de outrem ou por conta própria, residia num Estado‑Membro que não seja o Estado‑Membro competente e que nele continue a residir ou a ele regresse deve colocar‑se à disposição dos serviços de emprego do Estado‑Membro de residência. Sem prejuízo do artigo 64.o, uma pessoa em situação de desemprego completo pode, além disso, colocar‑se à disposição dos serviços de emprego do Estado‑Membro em que exerceu a última atividade por conta de outrem ou por conta própria.
[…]
5. a) A pessoa em situação de desemprego a que se referem o primeiro e o segundo períodos do n.o 2 beneficia das prestações em conformidade com a legislação do Estado‑Membro de residência como se tivesse estado sujeita a essa legislação durante a sua última atividade por conta de outrem ou por conta própria. Essas prestações são concedidas pela instituição do lugar de residência.
[…]»
Direito búlgaro
16 O artigo 54a, n.o 1, do Kodeks za sotsialno osiguriavane (Código da Segurança Social) (DV n.o 77, de 16 de setembro de 2021, a seguir «KSO»), dispõe:
«Têm direito às prestações por desemprego as pessoas para as quais tenham sido pagas contribuições obrigatórias para a segurança social, para o fundo de “desemprego”, por um período mínimo de 12 dos 18 meses anteriores à cessação do seguro e que:
1. estejam inscritas na agência de emprego como estando desempregadas;
2. não tenham adquirido direito a pensão na República da Bulgária em razão de períodos de seguro e da idade, ou a pensão de velhice noutro Estado, não recebam uma pensão de valor reduzido em razão de períodos de seguro e da idade, nos termos do artigo 68a ou uma pensão de reforma nos termos do artigo 168.o
3. não exerçam uma atividade profissional sujeita a seguro obrigatório ao abrigo do presente código ou da legislação de outro Estado, com exceção das pessoas referidas no artigo 114a, n.o 1, do Kodeks na truda [(Código do Trabalho búlgaro)].»
Litígio no processo principal e questões prejudiciais
17 DV é uma nacional búlgara. De 1 de dezembro de 2014 a 29 de março de 2021, exerceu uma atividade por conta de outrem no Reino Unido para diferentes empregadores, no domínio dos serviços sociais e de saúde.
18 Em 2 de abril de 2021, DV, enquanto pessoa desempregada, invocou o seu direito a prestações por desemprego na Bulgária ao abrigo do KSO. Em apoio do seu pedido, DV apresentou determinados documentos, entre os quais uma declaração de residência para efeitos da aplicação do artigo 65.o, n.o 2, do Regulamento n.o 883/2004. Além disso, teve lugar uma troca eletrónica de informações sobre a situação de DV entre o Reino Unido e a República da Bulgária.
19 Por Decisão de 18 de agosto de 2021, a autoridade búlgara do seguro de desemprego indeferiu esse pedido, com o fundamento de que os períodos de seguro cumpridos por DV no Reino Unido até 29 de março de 2021 não tinham sido seguidos de períodos durante os quais tivesse sido subscrito um seguro social na Bulgária. Segundo esta autoridade, o artigo 30.o do Acordo de Saída não se aplicava, uma vez que DV tinha interrompido, com o seu regresso à Bulgária, a situação transfronteiriça em que se encontrava na data do termo do período de transição fixado no artigo 126.o do Acordo de Saída (a seguir «período de transição»), a saber, 31 de dezembro de 2020, e que, por conseguinte, a sua situação já não dizia respeito simultaneamente a um Estado‑Membro e ao Reino Unido. Além disso, no que respeita ao artigo 32.o deste acordo, que diz respeito à totalização dos períodos de seguro cumpridos antes e depois do termo do período de transição, DV não exerceu, na Bulgária, uma atividade profissional cuja cessação tivesse permitido determinar se cumpria os requisitos exigidos pelo direito búlgaro que regula o direito às prestações por desemprego.
20 Em 27 de setembro de 2021, o recorrido no processo principal indeferiu o recurso interposto por DV desta decisão. Em seguida, DV interpôs recurso dessa decisão de indeferimento no órgão jurisdicional de reenvio, o Administrativen sad Veliko Tarnovo (Tribunal Administrativo de Veliko Tarnovo, Bulgária).
21 Segundo esse órgão jurisdicional, a apreciação da legalidade da referida decisão de indeferimento está ligada, ou mesmo subordinada, à aplicabilidade das regras enunciadas nos artigos 61.o a 65.o do Regulamento n.o 883/2004 e das disposições do Regulamento n.o 987/2009 que concretizam essas normas na situação em causa no processo principal, tendo em conta o artigo 31.o, n.o 1, do Acordo de Saída, ou à aplicabilidade do artigo 32.o deste acordo apenas para efeitos da totalização dos períodos em causa.
22 O referido órgão jurisdicional entende que a situação de DV não corresponde à hipótese prevista no artigo 30.o, n.o 1, alínea c), do referido acordo, que o recorrido no processo principal considera pertinente, mas à hipótese prevista neste artigo 30.o, n.o 1, alínea a), que se aplica aos cidadãos da União sujeitos à legislação do Reino Unido no termo do período de transição.
23 No que respeita à aplicabilidade do artigo 31.o, n.o 1, do Acordo de Saída e, por conseguinte, das disposições do Regulamento n.o 883/2004, o órgão jurisdicional de reenvio precisa que, segundo o recorrido no processo principal, a situação de DV não se enquadra nas hipóteses previstas no artigo 30.o, n.o 1, deste acordo, uma vez que a sua aplicação está condicionada pelo artigo 30.o, n.o 2, do referido acordo, por força do qual as pessoas a que se refere esse artigo 30.o, n.o 1, são abrangidas «enquanto permanecerem», sem interrupção, numa das situações aí indicadas, que envolvam simultaneamente um Estado‑Membro e o Reino Unido. Ora, a cessação do emprego de DV no Reino Unido em 29 de março de 2021 pôs termo à situação em que se enquadrava.
24 A este respeito, esse órgão jurisdicional interroga‑se sobre se a expressão «enquanto permanecerem» deve ser interpretada no sentido de que as pessoas visadas no referido artigo 30.o, n.o 1, só estão abrangidas por uma das situações enunciadas nesta disposição enquanto se encontrarem nessa situação ou no sentido de que, tendo em conta a lógica das disposições em causa do Acordo de Saída e o objetivo prosseguido por este último, essas pessoas continuam a estar abrangidas pela referida disposição quando se encontravam na referida situação durante todo o período de transição, pelo que uma alteração da situação ocorrida após esse período é irrelevante para a aplicabilidade da mesma disposição.
25 A título subsidiário, o referido órgão jurisdicional interroga‑se sobre a eventual aplicabilidade do artigo 30.o, n.o 3, do Acordo de Saída ao litígio no processo principal, uma vez que, em seu entender, a situação de DV está prevista no artigo 10.o, n.o 1, alínea a), deste acordo, para o qual remete esse n.o 3. A este respeito, interroga‑se sobre se a limitação prevista no artigo 30.o, n.o 4, do referido acordo exclui a aplicação do referido n.o 3 a DV, uma vez que já não tem o direito de residir no Reino Unido desde o termo da sua relação laboral, ou se essa limitação visa a existência de um direito de residir ou de trabalhar exercido após o termo do período de transição, sem que o momento em que esse direito cessou após esse período seja pertinente.
26 Nestas condições, o Administrativen sad Veliko Tarnovo (Tribunal Administrativo de Veliko Tarnovo) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:
«1) Deve o disposto no artigo 30.o, n.o 2, do [Acordo de Saída], em conjugação com o artigo 30.o, n.o 1, alínea a), do mesmo, ser interpretado no sentido de que as pessoas referidas na segunda disposição são abrangidas pelo artigo 31.o, n.o 1, do acordo, se tiverem sido ininterruptamente, durante todo o período de transição, nacionais de um Estado‑Membro e tiverem estado simultaneamente sujeitas à legislação do Reino Unido, ou deve ser interpretado no sentido de que as pessoas referidas no artigo 30.o, n.o 1, alínea a), do acordo só são abrangidas pelo artigo 31.o, n.o 1, [do referido acordo], se, no termo do período de transição e/ou após o seu termo, exercerem uma atividade profissional no Reino Unido?
2) Deve o disposto no artigo 30.o, n.o 2, do acordo, em conjugação com o artigo 30.o, n.o 1, alínea c) [do mesmo], ser interpretado no sentido de que as pessoas referidas na segunda disposição são abrangidas pelo artigo 31.o, n.o 1, do acordo, se, enquanto cidadãos da União, tiverem residido no Reino Unido ininterruptamente durante todo o período de transição e simultaneamente, durante todo o período de transição até ao seu termo, tiverem estado sujeitas à legislação de um único Estado‑Membro, ou deve ser interpretado no sentido de que as pessoas referidas no artigo 30.o, n.o 1, alínea c), não são abrangidas pelo artigo 31.o, n.o 1, [do referido acordo] se tiverem deixado de residir no Reino Unido no termo do período de transição?
3) Se da interpretação do disposto no artigo 30.o, n.o 2, do acordo, em conjugação com o artigo 30.o, n.o 1, alíneas a) e c), do mesmo, resultar que estas disposições não são aplicáveis aos factos do processo principal, por o cidadão da União ter deixado de residir no Reino Unido após o termo do período de transição, devem, nesse caso, as disposições do artigo 30.o, n.o 4, [desse acordo] em conjugação com o n.o 3, [desse artigo do acordo] ser interpretadas no sentido de que as pessoas que residem ou trabalham no Estado de acolhimento ou no Estado de emprego deixam de ser abrangidas pelo disposto no artigo [31].o, n.o 1, [do referido acordo] se as suas relações jurídicas enquanto trabalhadores (por conta de outrem) cessarem e, consequentemente, perderem o seu direito de residência e tiverem de deixar o Estado de emprego ou o Estado de acolhimento após o termo do período de transição, ou devem ser interpretadas no sentido de que a restrição prevista no artigo 30.o, n.o 4, [do mesmo acordo] diz respeito ao direito de residir e de trabalhar, exercidos após o termo do período de transição, sem que seja relevante o momento em que os direitos cessaram, se estes ainda existirem após o termo do período de transição?»
Tramitação processual no Tribunal de Justiça
27 Em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pediu que o presente reenvio prejudicial fosse submetido a tramitação prejudicial acelerada prevista no artigo 105.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça. Em apoio do seu pedido, este órgão jurisdicional salienta que DV deixou de auferir rendimentos desde o termo da sua atividade por conta de outrem no Reino Unido e que se encontrará eventualmente na necessidade de fazer valer o seu direito a prestações por desemprego neste Estado, nos prazos e nas condições fixados pela legislação deste último.
28 Por Decisão de 25 de fevereiro de 2022, o presidente do Tribunal de Justiça, ouvidos o juiz‑relator e o advogado‑geral, indeferiu esse pedido com o fundamento de que, por um lado, em conformidade com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, nem o simples interesse dos particulares, por muito importante e legítimo que seja, em que seja determinado o mais rapidamente possível o alcance dos direitos que lhes são conferidos pelo direito da União, nem o caráter económico ou socialmente sensível do processo principal implicam a necessidade do seu tratamento dentro de prazos curtos, na aceção do artigo 105.o, n.o 1, do Regulamento de Processo (Despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 27 de fevereiro de 2019, M.V. e o., C‑760/18, não publicado, EU:C:2019:170, n.o 18 e jurisprudência referida), e, por outro, no que respeita à eventual necessidade de DV invocar o seu direito a prestações por desemprego no Reino Unido, que o órgão jurisdicional de reenvio não tinha precisado qual seria o prazo previsto para esse efeito pela legislação desse Estado nem tinha exposto as razões pelas quais DV se encontrava impedido de invocar esse direito antes de o Tribunal de Justiça se pronunciar sobre o presente pedido de decisão prejudicial.
29 Em segundo lugar, em 30 de setembro de 2022, o Tribunal de Justiça enviou a esse órgão jurisdicional um pedido de informações com vista a saber qual era o Estado de residência, na aceção do artigo 1.o, alínea j), e do artigo 65.o, n.o 2, do Regulamento n.o 883/2004, de DV durante o período de exercício de uma atividade por conta de outrem no Reino Unido entre 1 de dezembro de 2014 e 29 de março de 2021.
30 Em 11 de outubro de 2022, o referido órgão jurisdicional respondeu a este pedido que, durante todo esse período, o Estado de residência de DV era o Reino Unido, como resultava tanto das trocas eletrónicas de informações entre este Estado e a República da Bulgária como da declaração de residência apresentada por DV para efeitos da aplicação do artigo 65.o, n.o 2, do Regulamento n.o 883/2004.
Quanto às questões prejudiciais
31 Ao abrigo do artigo 99.o do Regulamento de Processo, quando a resposta a uma questão submetida a título prejudicial possa ser claramente deduzida da jurisprudência ou quando a resposta a essa questão não suscite nenhuma dúvida razoável, o Tribunal pode, a qualquer momento, mediante proposta do juiz‑relator, ouvido o advogado‑geral, decidir pronunciar‑se por meio de despacho fundamentado.
32 Importa aplicar esta disposição no presente processo.
33 A título preliminar, há que recordar que, segundo jurisprudência constante, no âmbito do processo de cooperação entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça, instituído pelo artigo 267.o TFUE, cabe a este dar ao juiz nacional uma resposta útil que lhe permita decidir o litígio que lhe foi submetido. Nesta ótica, incumbe ao Tribunal de Justiça, se necessário, não só reformular as questões que lhe são submetidas, mas também tomar em consideração normas de direito da União a que o juiz nacional não fez referência no enunciado da sua questão (Acórdão de 12 de janeiro de 2023, RegioJet, C‑57/21, EU:C:2023:6, n.o 92 e jurisprudência referida).
34 No caso em apreço, as questões submetidas têm por objeto apenas a interpretação dos artigos 30.o e 31.o do Acordo de Saída e visam determinar a sua aplicabilidade a uma situação, como a que está em causa no processo principal, em que uma pessoa que trabalhou no território do Reino Unido durante vários anos regressa à Bulgária após o termo do período de transição e solicita, nesse Estado‑Membro, o benefício de prestações por desemprego.
35 A este respeito, resulta do sexto parágrafo do preâmbulo deste acordo que é necessário prever a proteção recíproca dos cidadãos da União e dos nacionais do Reino Unido que tenham exercido os seus direitos à livre circulação antes de uma data fixada no referido acordo, em especial os que decorrem dos períodos de cobertura da segurança social.
36 Além disso, o artigo 7.o, n.o 1, do Acordo de Saída precisa que, para efeitos do mesmo, todas as referências aos Estados‑Membros e às autoridades competentes dos Estados‑Membros em disposições do direito da União tornadas aplicáveis por força desse acordo entendem‑se, salvo determinadas exceções, como incluindo o Reino Unido e as suas autoridades competentes.
37 Daqui decorre que o objetivo do Acordo de Saída não é criar direitos independentes do direito da União, mas proteger os direitos exercidos ao abrigo desse direito antes do termo do período de transição, tornando as disposições do referido direito referidas nesse acordo aplicáveis às situações definidas neste último, que envolvam os nacionais, a legislação ou o território do Reino Unido.
38 Mais especificamente, o artigo 31.o do Acordo de Saída, que faz parte do título III da segunda parte deste acordo, intitulado «Coordenação dos sistemas de segurança social», prevê, no seu n.o 1, que as regras e os objetivos estabelecidos, nomeadamente, no Regulamento n.o 883/2004 são aplicáveis às pessoas abrangidas por esse título.
39 Daqui resulta que, antes de examinar se as disposições do Acordo de Saída são suscetíveis de ser aplicadas a uma situação como a que está em causa no processo principal, há que determinar se as disposições do Regulamento n.o 883/2004 que DV invoca lhe seriam aplicáveis independentemente da saída do Reino Unido da União ou do facto de ter exercido a sua atividade por conta de outrem nesse Estado, e não num Estado‑Membro da União. Com efeito, se assim não fosse, não existiria um direito adquirido ao abrigo deste regulamento, a título do período de atividade por conta de outrem exercida por DV no Reino Unido, que o Acordo de Saída se destina a proteger.
40 No caso em apreço, resulta da decisão de reenvio, por um lado, que a autoridade búlgara do seguro de desemprego recusou a concessão de prestações por desemprego a DV com o fundamento de que, após ter cumprido períodos de seguro no Reino Unido a título do exercício de uma atividade por conta de outrem no território desse Estado, DV regressou à Bulgária, onde pediu o benefício de tais prestações sem ter exercido uma atividade profissional ou cumprido períodos de seguro no território desse Estado‑Membro. Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio considera que, por força do artigo 31.o, n.o 1, do Acordo de Saída, a legalidade dessa decisão de recusa está condicionada pela aplicabilidade das disposições dos artigos 61.o a 65.o‑A do Regulamento n.o 883/2004 a tais circunstâncias.
41 A este respeito, importa recordar que o artigo 61.o deste regulamento prevê, nomeadamente, no seu n.o 1, que a instituição competente de um Estado‑Membro cuja legislação faça depender a aquisição do direito às prestações por desemprego do cumprimento de períodos de seguro tem em conta, na medida em que tal seja necessário, os períodos de seguro cumpridos ao abrigo da legislação de qualquer outro Estado‑Membro, como se tivessem sido cumpridos ao abrigo da legislação por ela aplicada. Todavia, resulta do n.o 2 deste artigo 61.o que, salvo nos casos referidos na alínea a) do n.o 5 do artigo 65.o, do referido regulamento, a aplicação do n.o 1 do referido artigo 61.o fica subordinada à condição de o interessado ter cumprido em último lugar, em conformidade com a legislação ao abrigo da qual são requeridas as prestações, períodos de seguro, se tal legislação os exigir.
42 Por conseguinte, na medida em que decorre do artigo 54a, n.o 1, do KSO que a legislação búlgara faça depender a aquisição do direito às prestações por desemprego ao cumprimento de períodos de seguro e em que DV não cumpriu nenhum no seu regresso à Bulgária, só poderia ter direito a prestações por desemprego ao abrigo do Regulamento n.o 883/2004, através da totalização dos períodos de seguro completados noutro Estado, neste caso o Reino Unido, se a sua situação correspondesse à prevista no artigo 65.o, n.o 5, alínea a), deste regulamento, lido em conjugação com esse artigo 65.o, n.o 2.
43 A este respeito, o artigo 65.o, n.o 2, primeiro período, do referido regulamento dispõe que uma pessoa em situação de desemprego completo que, no decurso da sua última atividade por conta de outrem ou por conta própria, residia num Estado‑Membro que não seja o Estado‑Membro competente e que nele continue a residir no mesmo Estado‑Membro ou a ele regresse deve colocar‑se à disposição dos serviços de emprego do Estado‑Membro de residência. Essa pessoa beneficia, em conformidade com este artigo 65.o, n.o 5, alínea a), das prestações por desemprego em conformidade com as disposições da legislação do Estado‑Membro de residência como se tivesse estado sujeita a essa legislação durante a sua última atividade por conta de outrem ou por conta própria. Essas prestações são concedidas pela instituição do lugar de residência.
44 Ora, resulta claramente da resposta ao pedido de informações, mencionado nos n.os 29 e 30 do presente despacho, fornecida pelo órgão jurisdicional de reenvio, que tem competência exclusiva, no âmbito do procedimento instituído no artigo 267.o TFUE, para apreciar os factos do litígio que lhe foi submetido [v., neste sentido, Acórdão de 15 de setembro de 2022, Fossil (Gibraltar), C‑705/20, EU:C:2022:680, n.o 37 e jurisprudência referida], que, durante todo o período de exercíco da atividade por conta de outrem de DV no território do Reino Unido, esta residia, na aceção do artigo 1.o, alínea j), e do artigo 65.o, n.o 2, do Regulamento n.o 883/2004, nesse Estado, que era o Estado‑Membro competente, na aceção desta última disposição, durante esse período. Só após a cessação dessa atividade por conta de outrem é que DV regressou à Bulgária para solicitar a concessão de prestações por desemprego à autoridade competente deste Estado‑Membro.
45 Daqui resulta que importa responder à questão prévia suscitada no n.o 39 do presente despacho que o artigo 65.o, n.o 2, do Regulamento n.o 883/2004 deve ser interpretado no sentido de que não se aplica a uma situação em que uma pessoa solicita o benefício de prestações por desemprego junto da autoridade competente de um Estado‑Membro no qual não cumpriu períodos de seguro, de emprego ou de atividade por conta própria e a cujo território regressa no termo de um período de seguro, de emprego ou de atividade por conta própria cumprido noutro Estado, no qual residia, na aceção desta disposição, durante todo esse período.
46 Tendo em conta a resposta dada a esta questão prévia, não há que responder às questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio.
Quanto às despesas
47 Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sétima Secção) declara:
O artigo 65.o, n.o 2, do Regulamento (CE) n.o 883/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativo à coordenação dos sistemas de segurança social, conforme alterado pelo Regulamento (UE) n.o 465/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2012,
deve ser interpretado no sentido de que:
não se aplica a uma situação em que uma pessoa solicita o benefício de prestações por desemprego junto da autoridade competente de um Estado‑Membro no qual não cumpriu períodos de seguro, de emprego ou de atividade por conta própria e a cujo território regressa no termo de um período de seguro, de emprego ou de atividade por conta própria cumprido noutro Estado, no qual residia, na aceção desta disposição, durante todo esse período.
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