Language of document : ECLI:EU:C:2023:1014

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

21 de dezembro de 2023 (*)

«Reenvio prejudicial — Proteção dos consumidores — Contrato de leasing relativo a um veículo automóvel sem obrigação de compra — Diretiva 2008/48/CE — Artigo 2.o, n.o 2, alínea d) — Conceito de contrato de locação financeira sem obrigação de compra do objeto do contrato — Diretiva 2002/65/CE — Artigo 1.o, n.o 1, e artigo 2.o, alínea b) — Conceito de contrato de serviços financeiros — Diretiva 2011/83/UE — Artigo 2.o, n.o 6, e artigo 3.o, n.o 1 — Conceito de contrato de prestação de serviços — Artigo 2.o, ponto 7 — Conceito de contrato à distância — Artigo 2.o, ponto 8 — Conceito de contrato celebrado fora do estabelecimento comercial — Artigo 16.o, alínea l) — Exceção ao direito de retratação de uma prestação de serviços de aluguer de automóveis — Contrato de crédito para a compra de um veículo automóvel — Diretiva 2008/48 — Artigo 10.o, n.o 2 — Requisitos relativos às informações que devem ser mencionadas no contrato — Presunção de respeito da obrigação de informação em caso de utilização de um modelo regulamentar de informação — Inexistência de efeito direto horizontal de uma diretiva — Artigo 14.o, n.o 1 — Direito de retratação — Início do prazo de retratação no caso de informações incompletas ou inexatas — Caráter abusivo do exercício do direito de retratação — Preclusão do direito de retratação — Obrigação de restituição prévia do veículo em caso de exercício do direito de retratação relativamente a um contrato de crédito associado»

Nos processos apensos C‑38/21, C‑47/21 e C‑232/21,

que tem por objeto três pedidos de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.o TFUE, apresentados pelo Landgericht Ravensburg (Tribunal Regional de Ravensburg, Alemanha), por Decisão de 30 de dezembro de 2020, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 22 de janeiro de 2021 e completada por Decisão de 24 de agosto de 2021, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 1 de setembro de 2021 (processo C‑38/21), por Decisão de 8 de janeiro de 2021, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 28 de janeiro de 2021 (processo C‑47/21), e por Decisão de 19 de março de 2021, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 12 de abril de 2021 (processo C‑232/21), nos processos

VK

contra

BMW Bank GmbH (C‑38/21),

e

F. F.

contra

C. Bank AG (C‑47/21),

e

CR,

AY,

ML,

BQ

contra

Volkswagen Bank GmbH,

Audi Bank (C‑232/21),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, L. Bay Larsen, vice‑presidente, K. Jürimäe, C. Lycourgos, E. Regan, F. Biltgen, N. Piçarra, Z. Csehi, presidentes de secção, M. Safjan (relator), S. Rodin, P. G. Xuereb, I. Ziemele, J. Passer, D. Gratsias e M. L. Arastey Sahún, juízes,

advogado‑geral: A. M. Collins,

secretário: M. Krausenböck, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 7 de setembro de 2022,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação de CR, AY, ML e BQ, por M. Basun, D. Er e A. Esser, Rechtsanwälte,

–        em representação da BMW Bank GmbH, por A. Ederle e R. Hall, Rechtsanwälte,

–        em representação da C. Bank AG, por T. Winter, Rechtsanwalt,

–        em representação da Volkswagen Bank GmbH e Audi Bank, por I. Heigl, T. Winter e B. Zerelles, Rechtsanwälte,

–        em representação do Governo Alemão, por J. Möller, U. Bartl, M. Hellmann e U. Kühne, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por G. Goddin, B.‑R. Killmann e I. Rubene, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 16 de fevereiro de 2023,

profere o presente

Acórdão

1        Os pedidos de decisão prejudicial têm por objeto a interpretação do artigo 2.o, alíneas a) e b), da Diretiva 2002/65/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de setembro de 2002, relativa à comercialização à distância de serviços financeiros prestados a consumidores e que altera as Diretivas 90/619/CEE do Conselho, 97/7/CE e 98/27/CE (JO 2002, L 271, p. 16), do artigo 3.o, alínea c), do artigo 10.o, n.o 2, alíneas l), p), r) e t), e do artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2008/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2008, relativa a contratos de crédito aos consumidores e que revoga a Diretiva 87/102/CEE do Conselho (JO 2008, L 133, p. 66), do artigo 2.o, n.os 7, 9 e 12, e do artigo 16.o, alínea l), da Diretiva 2011/83/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2011, relativa aos direitos dos consumidores, que altera a Diretiva 93/13/CEE do Conselho e a Diretiva 1999/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e que revoga a Diretiva 85/577/CEE do Conselho e a Diretiva 97/7/CE do Parlamento Europeu e do Conselho (JO 2011, L 304, p. 64), bem como do artigo 267.o, segundo parágrafo, TFUE.

2        Estes pedidos foram apresentados no âmbito de litígios que opõem VK ao BMW Bank GmbH (processo C‑38/21), F. F. ao C. Bank AG (processo C‑47/21), CR ao Volkswagen Bank GmbH e AY, ML e BQ ao Audi Bank (processo C‑232/21), a respeito do exercício do direito de retratação por VK, F. F., CR, AY, ML e BQ relativamente a contratos que, na sua qualidade de consumidores, celebraram com esses bancos.

 Quadro jurídico

 Direito da União

 Diretiva 2002/65

3        Os considerandos 14, 15 e 19 da Diretiva 2002/65 têm a seguinte redação:

«(14)      A presente diretiva abrange todos os serviços financeiros que podem ser prestados à distância. Determinados serviços financeiros são, no entanto, regulados por disposições específicas da legislação comunitária que continuam a ser‑lhes aplicáveis. Contudo, devem ser consagrados princípios relativos à comercialização desses serviços à distância.

(15)      Os contratos negociados à distância implicam o emprego de técnicas de comunicação à distância que são utilizadas no quadro de um sistema de venda ou de prestação de serviços à distância sem a presença simultânea do prestador e do consumidor. A evolução permanente das referidas técnicas impõe a definição de princípios válidos mesmo para aquelas que ainda são pouco utilizadas. Os contratos à distância são portanto aqueles cuja proposta, negociação e conclusão são efetuados à distância.

[…]

(19)      O prestador é a pessoa que presta serviços à distância. Todavia, a presente Diretiva deve também aplicar‑se sempre que uma das fases da comercialização se desenrolar com a participação de um intermediário; de acordo com a natureza e o grau desta participação, as disposições pertinentes da presente Diretiva deverão ser aplicadas ao referido intermediário, independentemente do seu estatuto jurídico.»

4        O artigo 1.o da Diretiva 2002/65, sob a epígrafe «Objeto e âmbito de aplicação», dispõe no seu n.o 1:

«A presente diretiva tem por objeto a aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros relativas à comercialização à distância de serviços financeiros prestados a consumidores.»

5        Nos termos do artigo 2.o desta diretiva, sob a epígrafe «Definições»:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

a)      “Contrato à distância”: qualquer contrato relativo a serviços financeiros, celebrado entre um prestador e um consumidor, ao abrigo de um sistema de venda ou prestação de serviços à distância organizado pelo prestador que, para esse contrato, utilize exclusivamente um ou mais meios de comunicação à distância, até ao momento da celebração do contrato, inclusive;

b)      “Serviço financeiro”: qualquer serviço bancário, de crédito, de seguros, de pensão individual, de investimento ou de pagamento;

[…]»

6        O artigo 6.o da referida diretiva sob a epígrafe «Direito de rescisão» dispõe que:

«1.      Os Estados‑Membros devem garantir que o consumidor disponha de um prazo de 14 dias de calendário para rescindir o contrato, sem indicação do motivo nem penalização. […]

[…]

2.      O direito de rescisão não é aplicável:

[…]

c)      Aos contratos integralmente cumpridos por ambas as partes a pedido expresso do consumidor antes de este exercer o direito de rescisão.

[…]»

 Diretiva 2008/48

7        Os considerandos 7, 10, 31, 34 e 35 da Diretiva 2008/48 enunciam:

«(7)      A fim de facilitar a emergência de um mercado interno do crédito aos consumidores que funcione corretamente, é necessário prever um quadro comunitário harmonizado em determinados domínios essenciais. Tendo em conta a permanente evolução do mercado do crédito aos consumidores e a crescente mobilidade dos cidadãos europeus, uma legislação comunitária prospetiva, capaz de se adaptar a novas formas de crédito e que permita aos Estados‑Membros a flexibilidade adequada à sua execução, deverá contribuir para estabelecer um acervo legislativo moderno em matéria de crédito aos consumidores.

(8)      É importante que o mercado proporcione um nível suficiente de defesa dos consumidores, a fim de garantir a confiança por parte destes. Assim, a livre circulação das ofertas de crédito deverá poder decorrer nas melhores condições, tanto do lado da oferta, como do lado da procura, tendo na devida conta as situações específicas dos vários Estados‑Membros.

(9)      A harmonização plena é necessária para garantir que todos os consumidores da Comunidade beneficiem de um nível elevado e equivalente de defesa dos seus interesses e para instituir um verdadeiro mercado interno. Por conseguinte, os Estados‑Membros não deverão ser autorizados a manter nem a introduzir outras disposições para além das estabelecidas na presente diretiva. Caso não existam essas disposições harmonizadas, os Estados‑Membros deverão continuar a dispor da faculdade de manter ou introduzir legislação nacional. Assim, os Estados‑Membros podem, por exemplo, manter ou introduzir disposições nacionais relativas à responsabilidade solidária do vendedor ou fornecedor dos serviços e do mutuante. Os Estados‑Membros poderão também, por exemplo, manter ou introduzir disposições nacionais relativas à resolução do contrato de compra e venda de bens ou de prestação de serviços se o consumidor exercer o direito de retratação que lhe assiste nos termos do contrato de crédito. […]

(10)      As definições constantes da presente diretiva determinam o âmbito da harmonização. Por conseguinte, a obrigação de execução das disposições da presente diretiva por parte dos Estados‑Membros deverá ser limitada ao âmbito determinado por essas definições. Todavia, a presente diretiva não deverá obstar a que os Estados‑Membros apliquem, de acordo com o direito comunitário, as disposições nela contidas a domínios não abrangidos pelo seu âmbito de aplicação. Um Estado‑Membro pode desse modo manter ou introduzir legislação nacional correspondente às disposições da presente diretiva ou a determinadas disposições da mesma para contratos de crédito fora do âmbito da presente diretiva, por exemplo contratos de crédito de montante inferior a 200 euros ou superior a 75 000 euros. Além disso, os Estados‑Membros podem também aplicar as disposições da presente diretiva ao crédito ligado, que não entra na definição de contrato de crédito ligado constante da presente diretiva. Assim, as disposições sobre o contrato de crédito ligado poderão ser aplicadas aos contratos de crédito que sirvam apenas em parte para financiar um contrato relativo ao fornecimento de bens ou à prestação de serviços.

[…]

(31)      Para que o consumidor possa conhecer os seus direitos e obrigações decorrentes do contrato de crédito, este deverá conter toda a informação necessária, apresentada de forma clara e concisa.

[…]

(34)      A fim de aproximar as condições de exercício do direito de retratação em domínios similares, é necessário prever um direito de retratação sem penalização e sem obrigatoriedade de indicação de motivo, em condições similares às previstas na diretiva 2002/65/CE […]

(35)      Quando o consumidor exercer o direito de retratação do contrato de crédito em virtude do qual tenha recebido bens, nomeadamente no caso de uma compra a prestações ou de contratos de aluguer ou de locação financeira que prevejam uma obrigação de compra, a presente Diretiva não deverá prejudicar as regulamentações dos Estados‑Membros relativas à devolução dos bens ou a eventuais questões conexas.

[…]»

8        O artigo 1.o da Diretiva 2008/48, com a epígrafe «Objeto», dispõe:

«A presente diretiva visa a harmonização de determinados aspetos das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros em matéria de contratos que regulam o crédito aos consumidores.»

9        O artigo 2.o dessa diretiva, sob a epígrafe «Âmbito de aplicação», dispõe:

«1.      A presente Diretiva é aplicável aos contratos de crédito.

2.      A presente diretiva não é aplicável a:

[…]

d)      Contratos de aluguer ou de locação financeira que não prevejam uma obrigação de compra do objeto do contrato, seja no próprio contrato, seja num contrato separado; considera‑se que existe uma obrigação se assim for decidido unilateralmente pelo mutuante;

[…]»

10      O artigo 3.o dessa diretiva, com a epígrafe «Definições», dispõe:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[…]

c)      “Contrato de crédito”: o contrato por meio do qual um mutuante concede ou promete conceder a um consumidor um crédito sob a forma de pagamento diferido, empréstimo ou qualquer outro acordo financeiro semelhante; excetuam‑se os contratos de prestação de serviços ou de fornecimento de bens do mesmo tipo com caráter de continuidade, nos termos dos quais o consumidor pague esses serviços ou bens a prestações durante o período de validade dos referidos contratos;

[…]

i)      “taxa anual de encargos efetiva global”: o custo total do crédito para o consumidor expresso em percentagem anual do montante total do crédito e, sendo caso disso, acrescido dos custos previstos no n.o 2 do artigo 19.o;

[…]

n)      “Contrato de crédito ligado”: um contrato de crédito nos termos do qual:

i)      o crédito em questão serve exclusivamente para financiar um contrato de fornecimento de bens ou de prestação de um serviço específico e

ii)      estes dois contratos constituem uma unidade comercial de um ponto de vista objetivo; considera‑se que existe uma unidade comercial quando o crédito ao consumidor for financiado pelo próprio fornecedor ou prestador de serviços ou, no caso de financiamento por terceiros, quando o mutuante recorrer aos serviços do fornecedor ou prestador de serviços para preparar ou celebrar o contrato de crédito ou caso os bens específicos ou a prestação de um serviço específico estejam expressamente previstos no contrato de crédito.

[…]»

11      O artigo 10.o da Diretiva 2008/48, sob a epígrafe «Informação a mencionar nos contratos de crédito», tem, no n.o 2, a seguinte redação:

«O contrato de crédito deve especificar de forma clara e concisa:

[…]

l)      A taxa de juros de mora aplicável à data da celebração do contrato de crédito, bem como as regras para a respetiva adaptação e, se for caso disso, os custos devidos em caso de incumprimento;

[…]

p)      A existência ou inexistência do direito de retratação, o prazo e o procedimento previstos para o seu exercício e outras condições para o seu exercício, incluindo informações sobre a obrigação do consumidor de pagar o capital levantado e os juros, de acordo com a alínea b) do n.o 3 do artigo 14.o, bem como o montante dos juros diários;

[…]

r)      O direito de reembolso antecipado, o procedimento a seguir em caso de reembolso antecipado e, se for caso disso, informações sobre o direito do mutuante a uma indemnização e a forma de determinar essa indemnização;

[…]

t)      A existência ou inexistência de processos extrajudiciais de reclamação e de recurso acessíveis ao consumidor e, quando existam, o respetivo modo de acesso;

[…]»

12      O artigo 14.o da referida diretiva sob a epígrafe «Direito de retratação» dispõe que:

«1.      O consumidor dispõe de um prazo de 14 dias de calendário para exercer o direito de retratação do contrato de crédito sem indicar qualquer motivo.

O prazo para o exercício do direito de retratação começa a correr:

a)      A contar da data da celebração do contrato de crédito; ou

b)      A contar da data de receção, pelo consumidor, dos termos do contrato e das informações a que se refere o artigo 10.o, se essa data for posterior à data referida na alínea a) do presente parágrafo.

[…]

3.      Se exercer o seu direito de retratação, o consumidor deve:

a)      Para que a retratação produza efeitos antes do termo do prazo estabelecido no n.o 1, comunicar o facto ao mutuante de acordo com a informação que este lhe forneceu nos termos da alínea p) do n.o 2 do artigo 10.o, utilizando um meio com força de prova de acordo com o direito nacional. Considera‑se que o prazo foi respeitado se a comunicação for enviada antes do termo do prazo, desde que tenha sido efetuada em papel ou noutro suporte duradouro à disposição do mutuante e ao qual este possa aceder; e

b)      Pagar ao mutuante o capital e os juros vencidos sobre este capital a contar da data de levantamento do crédito até à data de pagamento do capital, sem atrasos indevidos e no prazo de 30 dias de calendário após ter enviado a comunicação de retratação ao mutuante. Os juros são calculados com base na taxa devedora estipulada. O mutuante não tem direito a qualquer outra indemnização por parte do consumidor em caso de retratação, com exceção da indemnização de eventuais despesas não reembolsáveis pagas pelo mutuante a qualquer órgão da administração pública.

4.      Se o mutuante ou um terceiro prestar um serviço acessório relacionado com o contrato de crédito com base num contrato entre esse terceiro e o mutuante, o consumidor deixa de estar vinculado ao contrato relativo ao serviço acessório no caso de exercer o seu direito de retratação do contrato de crédito de acordo com o presente artigo.

[…]»

13      O artigo 22.o da referida diretiva, com a epígrafe «Harmonização e caráter imperativo da presente diretiva», dispõe, no seu n.o 1:

«Na medida em que a presente diretiva prevê disposições harmonizadas, os Estados‑Membros não podem manter ou introduzir no respetivo direito interno disposições divergentes daquelas que vêm previstas na presente diretiva para além das nela estabelecidas.»

 Diretiva 2011/83

14      Os considerandos 22, 37 e 49 da Diretiva 2011/83 têm a seguinte redação:

«(20)      A definição de contrato à distância deverá abranger todos os casos em que os contratos são celebrados entre o profissional e o consumidor no âmbito de um sistema de vendas ou prestação de serviços vocacionado para o comércio à distância, mediante a utilização exclusiva de um ou mais meios de comunicação à distância (por correspondência, Internet, telefone ou fax), e/inclusive até ao momento da celebração do contrato. Essa definição deverá igualmente abranger as situações em que o consumidor visita o estabelecimento comercial apenas para recolher informações sobre os bens ou serviços, enquanto as subsequentes negociação e celebração do contrato têm lugar à distância. Em contrapartida, um contrato que tenha sido negociado no estabelecimento comercial do profissional e tenha sido celebrado por um meio de comunicação à distância não deverá ser considerado um contrato à distância. Também não deverá ser considerado um contrato à distância um contrato que tenha sido iniciado através de um meio de comunicação à distância, mas que tenha sido celebrado no estabelecimento comercial do profissional. […] O conceito de sistema de vendas ou prestação de serviços vocacionado para o comércio à distância deverá incluir os sistemas oferecidos por terceiros que não sejam o profissional, mas que são usados pelo profissional, como uma plataforma em linha. São, contudo, excluídos os casos em que os sítios Internet só disponibilizam informações sobre o profissional, os seus bens e/ou serviços e os seus contactos.

(21)      Um contrato celebrado fora do estabelecimento comercial deverá ser definido como um contrato celebrado na presença física simultânea do profissional e do consumidor, num local que não seja o estabelecimento comercial do profissional, por exemplo, no domicílio ou no local de trabalho do consumidor. Fora do estabelecimento comercial, os consumidores poderão estar sujeitos a uma eventual pressão psicológica ou ser confrontados com um elemento de surpresa, independentemente de os consumidores terem ou não solicitado a visita do profissional. A definição de contrato celebrado fora do estabelecimento comercial deverá também incluir as situações em que o consumidor é pessoal e individualmente contactado fora do estabelecimento comercial, mas em que o contrato é celebrado imediatamente a seguir, no estabelecimento comercial do profissional ou através de um meio de comunicação à distância. A definição de contrato celebrado fora do estabelecimento comercial não abrange as situações em que o profissional se desloca inicialmente ao domicílio do consumidor para efetuar medições ou apresentar um orçamento sem qualquer compromisso por parte do consumidor e em que o contrato só é celebrado posteriormente nas instalações comerciais do profissional ou através de um meio de comunicação à distância com base no orçamento do profissional. Nestes casos, o contrato não é considerado como tendo sido celebrado imediatamente após o profissional ter contactado o consumidor, caso o consumidor tenha tido tempo para refletir sobre o orçamento do profissional antes da celebração do contrato. As aquisições efetuadas durante uma visita organizada pelo profissional durante a qual se procede à promoção e venda dos produtos adquiridos deverão ser consideradas contratos celebrados fora do estabelecimento comercial.

(22)      A noção de estabelecimento comercial deverá incluir as instalações de qualquer tipo (lojas, bancas ou camiões, por exemplo) que sirvam de local de negócios permanente ou habitual para o profissional. […] O estabelecimento comercial de uma pessoa que atue em nome do profissional ou por sua conta, tal como definido na presente diretiva, deverá ser considerado um estabelecimento comercial na aceção da presente diretiva.

[…]

(37) […] Em relação aos contratos celebrados fora do estabelecimento comercial, o consumidor deverá ter um direito de retratação devido ao eventual elemento de surpresa e/ou pressão psicológica. […]

[…]

(49)      O direito de retratação deverá admitir certas exceções no que diz respeito tanto aos contratos à distância como aos contratos celebrados fora do estabelecimento comercial. […] O direito de retratação não deverá ser aplicado aos bens produzidos segundo as especificações do consumidor […] A concessão ao consumidor do direito de retratação poderá ser também inadequada em relação a certos serviços em que a celebração do contrato implica a reserva de recursos que, em caso de exercício do direito de retratação, o profissional poderá ter dificuldade em conseguir preencher. Seria o caso, por exemplo, de reservas de hotel ou de casas de férias, ou de acontecimentos culturais ou desportivos.»

15      O artigo 2.o dessa diretiva, sob a epígrafe «Definições», prevê:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[…]

2)      “Profissional”: qualquer pessoa singular ou coletiva, pública ou privada, que, nos contratos abrangidos pela presente Diretiva, atue, incluindo através de outra pessoa que atue em seu nome ou por sua conta, no âmbito da sua atividade comercial, industrial, artesanal ou profissional;

[…]

5)      “Contrato de compra e venda”: qualquer contrato ao abrigo do qual o profissional transfere ou se compromete a transferir a propriedade dos bens para o consumidor e o consumidor paga ou se compromete a pagar o respetivo preço, incluindo qualquer contrato que tenha por objeto simultaneamente bens e serviços;

6)      “Contrato de prestação de serviços”: qualquer contrato, com exceção de um contrato de compra e venda, ao abrigo do qual o profissional presta ou se compromete a prestar um serviço ao consumidor e o consumidor paga ou se compromete a pagar o respetivo preço;

7)      “Contrato à distância”: qualquer contrato celebrado entre o profissional e o consumidor no âmbito de um sistema de vendas ou prestação de serviços organizado para o comércio à distância, sem a presença física simultânea do profissional e do consumidor, mediante a utilização exclusiva de um ou mais meios de comunicação à distância até ao momento da celebração do contrato, inclusive;

8)      “Contrato celebrado fora do estabelecimento comercial”, qualquer contrato entre o profissional e o consumidor:

a)      Celebrado na presença física simultânea do profissional e do consumidor, em local que não seja o estabelecimento comercial do profissional;

b)      Em que o consumidor fez uma oferta nas mesmas circunstâncias, como referido na alínea a);

c)      Celebrado no estabelecimento comercial do profissional ou através de quaisquer meios de comunicação à distância imediatamente após o consumidor ter sido pessoal e individualmente contactado num local que não seja o estabelecimento comercial do profissional, na presença física simultânea do profissional e do consumidor; ou

d)      Celebrado durante uma excursão organizada pelo profissional com o fim ou o efeito de promover ou vender bens ou serviços ao consumidor;

9)      “Estabelecimento comercial”:

a)      Quaisquer instalações imóveis de venda a retalho, onde o profissional exerça a sua atividade de forma permanente; ou

b)      Quaisquer instalações móveis de venda a retalho onde o profissional exerça a sua atividade de forma habitual;

[…]

12)      “Serviço financeiro”: qualquer serviço bancário, de crédito, de seguros, de pensão individual, de investimento ou de pagamento;

[…]»

16      O artigo 3.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Âmbito de aplicação», dispõe:

«1.      A presente Diretiva aplica‑se, nas condições e na medida prevista nas suas disposições, aos contratos celebrados entre um profissional e um consumidor. Aplica‑se também aos contratos de fornecimento de água, gás, eletricidade ou aquecimento urbano, incluindo por fornecedores públicos, na medida em estes produtos de base sejam fornecidos numa base contratual.

[…]

3.      A presente diretiva não se aplica aos contratos:

[…]

d)      Relativos a serviços financeiros;

[…]»

17      O artigo 6.o desta diretiva, sob a epígrafe «Requisitos de informação dos contratos celebrados à distância e dos contratos celebrados fora do estabelecimento comercial», dispõe, no seu n.o 1:

«1.      Antes de o consumidor ficar vinculado por um contrato à distância ou celebrado fora do estabelecimento comercial ou por uma proposta correspondente, o profissional faculta ao consumidor, de forma clara e compreensível, as seguintes informações:

a)      Características principais dos bens ou serviços, na medida adequada ao suporte utilizado e aos bens e serviços em causa;

[…]

e)      Preço total dos bens ou serviços, incluindo impostos e taxas ou, quando devido à natureza dos bens ou serviços o preço não puder ser calculado de forma antecipada, a forma como o preço é calculado […];

[…]

g)      Modalidades de pagamento, de entrega, de execução, a data‑limite em que o profissional se compromete a entregar os bens ou a prestar os serviços, bem como, se for caso disso, o sistema de tratamento de reclamações do profissional;

[…]

o)      Duração do contrato, se aplicável, ou, se o contrato for de duração indeterminada ou de renovação automática, as condições para a sua rescisão;

[…]»

18      O artigo 9.o da Diretiva 2011/83, sob a epígrafe «Direito de retratação», dispõe:

«1.      Ressalvando os casos em que se aplicam as exceções previstas no artigo 16.o, o consumidor dispõe de um prazo de 14 dias para exercer o direito de retratação do contrato celebrado à distância ou fora do estabelecimento comercial, sem necessidade de indicar qualquer motivo, e sem incorrer em quaisquer custos para além dos estabelecidos no artigo 13.o, n.o 2, e no artigo 14.o

2.      Sem prejuízo do disposto no artigo 10.o, o prazo de retratação referido no n.o 1 do presente artigo expira 14 dias a contar do:

a)      Dia da celebração do contrato, no caso dos contratos de prestação de serviços;

[…]»

19      Nos termos do artigo 16.o desta diretiva, sob a epígrafe «Exceções ao direito de retratação»:

«Os Estados‑Membros não conferem o direito de retratação previsto nos artigos 9.o a 15.o relativamente aos contratos celebrados à distância e fora do estabelecimento comercial no tocante:

[…]

c)      Ao fornecimento de bens realizados segundo as especificações do consumidor ou claramente personalizados;

[…]

l)      Ao fornecimento de alojamento, para fins não residenciais, transporte de bens, serviços de aluguer de automóveis, restauração ou serviços relacionados com atividades de lazer se o contrato previr uma data ou período de execução específicos;

[…]»

 Direito alemão

 Lei Fundamental

20      O artigo 25.o da Grundgesetz für die Bundesrepublik Deutschland (Lei Fundamental da República Federal da Alemanha) (a seguir «Lei Fundamental») tem a seguinte redação:

«As normas gerais do direito internacional fazem parte do direito federal. São superiores às leis e criam diretamente direitos e obrigações para os habitantes do território federal.»

 Código Civil

21      O artigo 242.o do Bürgerliches Gesetzbuch (Código Civil) (a seguir «BGB»), sob a epígrafe «Prestação de boa‑fé», dispõe:

«O devedor, ao fornecer a prestação, deve atuar de boa‑fé, tendo em conta os usos aceites na vida comercial.»

22      O artigo 247.o do BGB, sob a epígrafe «Taxa dos juros de base», dispõe:

«(1)      A taxa de juros de base é de 3,62 %. Esta taxa é adaptada, em 1 de janeiro e 1 de julho de cada ano, em função da percentagem de aumento ou redução do valor de referência desde a última adaptação registada. O valor de referência corresponde à taxa de juro fixada pelo Banco Central Europeu aplicada à mais recente operação principal de refinanciamento efetuada antes do primeiro dia de calendário do semestre em causa.

(2)      O Deutsche Bundesbank [Banco Federal alemão] publica a taxa de juros de base em vigor no Bundesanzeiger [Jornal Oficial alemão] imediatamente após as datas previstas no segundo período do n.o 1.»

23      O artigo 273.o do BGB, sob a epígrafe «Direito de retenção», dispõe, no n.o 1:

«Se o devedor tiver um crédito exigível contra o credor, resultante da mesma relação jurídica em que se baseia a sua obrigação, pode, salvo convenção em contrário, recusar a prestação devida até que seja efetuada a prestação que lhe é devida (direito de retenção).»

24      Nos termos do artigo 274.o do BGB, sob a epígrafe «Exercício do direito de retenção»:

«(1)      No que respeita à ação do credor, a invocação do direito de retenção tem por efeito unicamente a condenação do devedor no cumprimento da contrapartida da receção da prestação que lhe é devida (execução simultânea).

(2)      Com base nessa condenação, o credor pode requerer a execução coerciva do seu crédito, sem que a prestação que lhe incumbe seja executada, se o devedor se encontrar em mora na receção.»

25      O artigo 288.o do BGB, sob a epígrafe «Juros de mora e outra indemnização», tem a seguinte redação, no seu n.o 1:

«Qualquer dívida pecuniária vence juros durante a mora. A taxa de juros de mora é de cinco pontos percentuais por ano acima dos juros de base.»

26      O artigo 293.o do BGB, sob a epígrafe «Mora na receção», prevê:

«O credor fica em mora se não aceitar a prestação que lhe é oferecida.»

27      O artigo 294.o do BGB, sob a epígrafe «Proposta efetiva», dispõe:

«A prestação deve ser efetivamente oferecida ao credor tal como deve ser executada.»

28      Por força do artigo 295.o do BGB, sob a epígrafe «Oferta verbal»:

«Uma oferta verbal do devedor é suficiente quando o credor lhe tiver declarado que não aceitará a execução da prestação ou quando seja necessária uma ação do credor para a execução da prestação, nomeadamente se lhe couber ir levantar a coisa. Uma proposta de execução da prestação equivale a um pedido dirigido ao credor para realizar o ato necessário.»

29      O artigo 312.ob do BGB, sob a epígrafe «Contratos fora de estabelecimento», tem a seguinte redação:

«(1)      Entende‑se por contratos celebrados fora dos estabelecimentos comerciais os contratos:

1.      celebrados na presença física simultânea do profissional e do consumidor, em local que não seja o estabelecimento comercial do profissional,

2.      que tenham sido objeto de uma proposta do consumidor nas circunstâncias referidas no n.o 1,

3.      celebrados no estabelecimento comercial do profissional ou através de quaisquer meios de comunicação à distância mas em que o consumidor tenha sido imediatamente antes contactado pessoal e individualmente fora do estabelecimento comercial do profissional, na presença física simultânea do profissional e do consumidor, ou

4.      celebrados durante uma excursão organizada pelo profissional ou com a sua ajuda, para promover ou vender bens ou serviços ao consumidor e celebrar os correspondentes contratos com ele.

São equiparadas ao profissional as pessoas que atuem em seu nome ou por sua conta.

(2)      Entende‑se por estabelecimentos comerciais na aceção do n.o 1 quaisquer instalações imóveis de venda a retalho, onde o profissional exerça a sua atividade de forma permanente e quaisquer instalações móveis de venda a retalho onde o profissional exerça a sua atividade de forma habitual. As instalações comerciais nas quais a pessoa que atua em nome e em representação do profissional exerce a sua atividade de forma permanente ou habitual são equiparados a instalações do profissional.»

30      O artigo 312.oc do BGB, sob a epígrafe «Contratos à distância», dispõe:

«(1)      Entende‑se por contrato à distância o contrato em que o profissional ou quem atue em seu nome e por sua conta e o consumidor utilizem exclusivamente meios de comunicação à distância, a menos que o contrato não seja celebrado no âmbito de um sistema de distribuição ou prestação de serviços organizado para o comércio à distância.

(2)      Entende‑se por meios de comunicação à distância na aceção da presente lei quaisquer meios de comunicação que possam ser utilizados para a preparação ou para a celebração de um contrato sem a presença física simultânea das partes no contrato, tais como cartas, catálogos, telefonemas, telecópias, mensagens de correio eletrónico (email), mensagens enviadas através das comunicações móveis (SMS), bem como meios de radiodifusão e de telecomunicações.»

31      O artigo 312.og do BGB, sob a epígrafe «Direito de retratação», dispõe:

«(1)      No caso de contratos celebrados fora do estabelecimento comercial e de contratos à distância, o consumidor tem direito de retratação, nos termos do artigo 355.o

(2)      Salvo acordo em contrário das partes, o direito de retratação não existe nos seguintes contratos:

1.      Contratos de fornecimento de qualquer bem que não seja prefabricado e para cuja produção seja indispensável uma escolha ou decisão individual do consumidor ou que seja claramente adaptado às suas necessidades pessoais,

[…]

9.      Contratos de prestação de serviços de alojamento, para fins não residenciais, de transporte de bens, de aluguer de automóveis, de restauração ou de serviços relacionados com atividades de lazer se o contrato previr uma data ou período de execução específicos;

[…]»

32      O artigo 322.o do BGB, sob a epígrafe «Condenação na execução simultânea», tem a seguinte redação, no seu n.o 2:

«Se a parte que intenta a ação tiver de executar previamente a prestação, pode, se a outra parte se encontrar em mora na receção, requerer a execução após a receção da contraprestação.»

33      Nos termos do artigo 355.o desse código, sob a epígrafe «Direito de retratação nos contratos celebrados com consumidores»:

«(1)      Quando a lei confira ao consumidor o direito de retratação do contrato nos termos da presente disposição, o consumidor e o profissional deixam de estar vinculados pela declaração de vontade referente à celebração do contrato se o consumidor se tiver retratado na sua declaração nesse sentido no prazo previsto. […]

(2)      O prazo de retratação é de 14 dias. Salvo disposição em contrário, o prazo começa a contar a partir do momento da celebração do contrato.

[…]»

34      O artigo 356.ob do BGB, sob a epígrafe «Direito de retratação nos contratos de crédito ao consumo», prevê, no seu n.o 2:

«Se, num contrato de crédito ao consumo geral, o documento entregue ao mutuário nos termos do n.o 1 não contiver as informações obrigatórias previstas no artigo 492.o, n.o 2, o prazo não começa a correr até essa irregularidade estar sanada em conformidade com o artigo 492.o, n.o 6. […]»

35      O artigo 357.o do BGB, com a epígrafe «Efeitos jurídicos da retratação de contratos celebrados fora dos estabelecimentos comerciais e à distância que não sejam contratos de serviços financeiros», dispõe:

«(1)      As prestações recebidas devem ser restituídas no prazo máximo de 14 dias.

[…]

(4)      No caso de venda de bens de consumo, o profissional pode recusar‑se a efetuar o reembolso até ter recebido a mercadoria ou o consumidor ter apresentado prova de que a expediu. Isto não se aplica se o profissional se tiver oferecido para recolher a mercadoria.»

36      O artigo 357.o do BGB, na sua versão em vigor em 31 de janeiro de 2012, aplicável à situação de BQ no processo C‑232/21, tinha a seguinte redação:

«(1)      Salvo disposição em contrário, as normas relativas à renúncia legal aplicam‑se por analogia ao direito de retratação e de restituição.

[…]»

37      O artigo 357.oa, n.o 1, do BGB, sob a epígrafe «Consequências jurídicas da retratação em contratos relativos a serviços financeiros», dispõe:

«(1)      As prestações recebidas devem ser restituídas no prazo máximo de 30 dias.

[…]

(3)      Em caso de retratação nos contratos de crédito ao consumo, o mutuário deve pagar os juros devedores acordados para o período entre o desembolso e o reembolso do crédito. […]»

38      O artigo 358.o do BGB, sob a epígrafe «Contrato ligado ao contrato de retratação», dispõe:

«[…]

(2)      Se o consumidor tiver efetuado eficazmente a retratação da sua declaração de vontade de celebração de um contrato de crédito ao consumo com base no artigo 495.o, n.o 1, ou no artigo 514.o, n.o 2, primeiro período, deixa também de estar vinculado pela sua declaração de vontade referente à intenção de celebrar o contrato de fornecimento de bens ou de outras prestações de serviços ligado com esse contrato de crédito ao consumo.

(3)      O contrato que tenha por objeto o fornecimento de uma mercadoria ou outras prestações e um contrato de crédito nos termos dos n.os 1 e 2 são ligados se o crédito se destinar a financiar total ou parcialmente o outro contrato e se ambos formarem uma unidade económica. Considera‑se existir uma unidade económica, em particular, quando o próprio profissional financia a contraprestação do consumidor ou, em caso de financiamento por terceiro, quando o mutuante recorre à cooperação do profissional para a preparação ou celebração do contrato de crédito […].

(4)      O artigo 355.o, n.o 3, e, em função do tipo de contrato ligado, os artigos 357.o a 357.ob, aplicam‑se mutatis mutandis à resolução do contrato ligado, independentemente do modo de comercialização. […] O mutuante assume, nas relações com o consumidor, os direitos e obrigações do profissional decorrentes do contrato ligado no que diz respeito aos efeitos jurídicos da retratação ou da restituição se, no momento em que produz efeitos, o montante do crédito já tiver sido pago ao profissional.

[…]»

39      O artigo 358.o do BGB, na sua versão em vigor em 31 de janeiro de 2012, aplicável à situação de BQ no processo C‑232/21, tinha a seguinte redação:

«[…]

(2)      Se o consumidor, com base no artigo 495.o, n.o 1, se tiver retratado eficazmente na sua declaração de vontade destinada à celebração de um contrato de crédito ao consumo, deixa também de estar vinculado pela sua declaração de vontade de celebração do contrato ligado ao contrato de crédito ao consumo que tenha por objeto a entrega de uma mercadoria ou outra prestação.

(3)      O contrato que tenha por objeto o fornecimento de uma mercadoria ou outras prestações e um contrato de crédito nos termos dos n.os 1 e 2 são ligados se o crédito se destinar a financiar total ou parcialmente o outro contrato e se ambos formarem uma unidade económica. Considera‑se existir uma unidade económica, em particular, quando o próprio profissional financia a contraprestação do consumidor ou, em caso de financiamento por terceiro, quando o mutuante recorre à cooperação do profissional para a preparação ou celebração do contrato de crédito. […]

(4)      O artigo 357.o é aplicável por analogia ao contrato ligado. […] O mutuante assume, nas relações com o consumidor, os direitos e obrigações do profissional decorrentes do contrato ligado no que diz respeito aos efeitos jurídicos da retratação se, no momento em que produz efeitos, o montante do crédito já tiver sido pago ao profissional.»

40      O artigo 492.o BGB, sob a epígrafe «Forma escrita, conteúdo do contrato», dispõe:

«[…]

(2)      O contrato deve conter as menções previstas para qualquer contrato de crédito ao consumo, em conformidade com o artigo 247.o, n.os 6 a 13, da Einführungsgesetz zum Bürgerlichen Gesetzbuch [(Lei de Introdução ao Código Civil), de 21 de setembro de 1994 (BGBl. 1994 I, p. 2494, e retificação no BGBl. 1997 I, p. 1061, a seguir «EGBGB»)].

[…]

(6)      Se as informações a que se refere o n.o 2 não constarem do contrato ou estiverem incompletas, poderão ser fornecidas posteriormente num suporte duradouro, após a celebração efetiva do contrato, ou, nos casos previstos no artigo 494.o, n.o 2, primeiro período, após o contrato ter entrado em vigor.

[…]»

41      O artigo 495.o do BGB, com a epígrafe «Direito de retratação; prazo de reflexão», dispõe no seu n.o 1:

«No caso de um contrato de crédito celebrado com um consumidor, o mutuário tem direito de retratação nos termos do artigo 355.o»

42      O artigo 495.o do BGB, na sua versão em vigor em 31 de janeiro de 2012, aplicável à situação de BQ no processo C‑232/21, tinha a seguinte redação:

«(1)      No âmbito de um contrato de crédito celebrado com um consumidor, o mutuário tem o direito de retratação em conformidade com o artigo 355.o

[…]

(2)      Os artigos 355.o a 359.oa são aplicáveis desde que:

1.      as informações obrigatórias previstas no artigo 247.o, n.o 6, ponto 2, da EGBGB substituam as informações sobre a retratação,

2.      o prazo de retratação não comece a correr

a)      antes da celebração do contrato

b)      antes de o mutuário ter recebido as menções obrigatórias previstas no artigo 492.o, n.o 2; […]»

43      O artigo 506.o do BGB, sob a epígrafe «Adiamento do pagamento, outra facilidade de pagamento», prevê, no seu n.o 1, que «[a]s disposições dos artigos 358.o a 360.o, 491.o‑A a 502.o e 505.o‑A a 505.o, que regulam os contratos de crédito ao consumo geral são aplicáveis por analogia, com exceção do artigo 492.o, n.o 4, e sob reserva dos n.os 3 e 4, aos contratos através dos quais um comerciante concede a título oneroso a um consumidor um pagamento diferido ou outra facilidade de pagamento […]».

 Lei de Introdução ao Código Civil

44      O artigo 247.o da EGBGB, sob a epígrafe «Requisitos em matéria de informação para contratos de crédito ao consumo, contribuições financeiras remuneradas e contratos de intermediação de crédito», dispõe:

«[…]

§ 3      Conteúdo das informações pré‑contratuais em contratos de crédito geral ao consumo

(1)      As informações prestadas antes da celebração do contrato devem mencionar:

[…]

5.      A taxa devedora,

[…]

11.      a taxa de juros de mora e as modalidades de adaptação da mesma, bem como, se necessário, os custos em caso de incumprimento,

[…]

§ 6.o      Conteúdo do contrato

(1)      O contrato de crédito ao consumo deve conter as seguintes informações, apresentadas de forma clara e inteligível:

1.      as informações referidas no artigo 3, primeiro parágrafo, pontos 1 a 14, e no n.o 4,

[…]

(2)      Quando existir um direito de retratação nos termos do artigo 495.o do BGB, o contrato deve conter informações sobre o prazo e as outras condições para a declaração de retratação, bem como uma referência à obrigação de o mutuário reembolsar o montante do crédito já pago, acrescido de juros. O montante dos juros a pagar por dia deve estar indicado. Quando o contrato de crédito ao consumo contiver uma cláusula contratual destacada e claramente formulada, que corresponda ao modelo do anexo 7 para os créditos gerais ao consumo e do anexo 8 para os créditos hipotecários ao consumo, essa cláusula contratual deve cumprir os requisitos dos primeiro e segundo períodos. […] O mutuante pode não respeitar o modelo em termos de formato e tamanho de letra, se respeitar o terceiro período.

§ 7.o      Outras informações que devem constar do contrato

(1)      O contrato de crédito ao consumo deve conter as seguintes informações, apresentadas de forma clara e inteligível, na medida em que sejam pertinentes para o contrato:

[…]

3.      o método de cálculo do direito a compensação pelo reembolso antecipado, caso o mutuante pretenda invocar esse direito se o mutuário pagar antecipadamente o mútuo,

4.      o acesso do mutuário a um procedimento extrajudicial de reclamação e de recurso, bem como, se for caso disso, as respetivas condições de acesso.

[…]

§ 12.o      Contratos ligados e compromissos financeiros a título oneroso

(1)      Os artigos 1.o a 11.o aplicam‑se mutatis mutandis aos contratos relativos a facilidades de pagamento a título oneroso referidos no artigo 506.o, n.o 1, do BGB. No que respeita a esses contratos ou aos contratos de crédito ao consumo ligados a outro contrato nos termos do artigo 358.o do BGB ou nos quais os produtos ou serviços estejam especificados nos termos do artigo 360.o, n.o 2, segundo período, do BGB:

1.      as informações pré‑contratuais devem conter, inclusivamente no caso previsto no artigo 5.o, o objeto e o preço a pronto pagamento,

2.      o contrato deve conter:

a)      o objeto e o preço a pronto pagamento;

b)      informações sobre os direitos decorrentes dos artigos 358.o e 359.o ou 360.o do BGB, bem como sobre as condições de exercício desses direitos.

Quando o contrato de crédito ao consumo contiver uma cláusula contratual destacada e claramente formulada, que corresponda ao modelo do anexo 7 para os créditos gerais ao consumo e do anexo 8 para os créditos hipotecários ao consumo, nos casos de contratos ligados ou de operações nos termos do artigo 360.o, n.o 2, do BGB, deve cumprir os requisitos do segundo período, ponto 2, alínea b).

[…]»

 Código de Processo Civil

45      O artigo 348.oa do Zivilprozessordnung (Código de Processo Civil) prevê:

«(1)      Se a competência inicial de um juiz singular nos termos do artigo 348.o, n.o 1, for infundada, a Secção Cível remete o processo, por despacho, para um dos seus membros, para que este decida, quando

1.      o processo apresente dificuldades de facto ou de direito específicas,

2.      o processo não tenha importância de princípio e

3.      não tenha ainda havido conhecimento de mérito em audiência principal, a menos que tenha sido entretanto proferida sentença sob reserva, sentença parcial ou decisão interlocutória.

(2)      O juiz singular remete o processo à secção cível para que esta dele tome conhecimento, quando

1.      dificuldades de facto ou de direito específicas do processo ou a importância de princípio do processo resultem de uma alteração substancial da situação processual, ou

2.      as partes o requeiram por unanimidade.

A Secção conhece do litígio quando estejam reunidas as condições previstas no ponto 1, primeiro período. A Secção profere a sua decisão a este respeito por despacho, ouvidas as partes. Está excluída uma nova remessa para o juiz singular.

(3)      O recurso não pode basear‑se numa remessa, proposta ou avocação que tenha ocorrido ou sido omitida.»

 Litígios nos processos principais e questões prejudiciais

 Processo C38/21

46      Intervindo como intermediário de crédito para o BMW Bank, um empregado de um concessionário da marca automóvel BMW, em cujas instalações VK, recorrente no processo principal, se deslocou, propôs a este um veículo automóvel em regime de leasing. Este empregado procedeu ao cálculo dos diferentes elementos do leasing e discutiu com VK a respetiva duração, bem como o montante do pagamento inicial e as mensalidades a pagar em caso de celebração do contrato de leasing. O empregado estava habilitado a prestar informações sobre o contrato projetado, cujas características conhecia, e a responder às perguntas dos potenciais clientes. Em contrapartida, não estava habilitado a celebrar um contrato de leasing entre o BMW Bank e os consumidores que se dirigissem a ele. VK apresentou a este concessionário um pedido escrito de celebração de um contrato de leasing com o BMW Bank relativo a um veículo automóvel afeto a uso privado. Esse pedido foi depois transmitido a este banco, que o estudou antes de o aceitar.

47      Assim, em 10 de novembro de 2018, VK, através de uma técnica de comunicação à distância, celebrou um contrato de leasing com o BMW Bank relativo a um veículo automóvel afeto a uso privado.

48      Resulta dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça que o BMW Bank adquiriu o veículo que continha as especificações fornecidas por VK e que continuou a ser proprietário do veículo durante toda a vigência do contrato.

49      O contrato de leasing assentava na concessão, pelo BMW Bank, de um empréstimo sujeito a um juro contratual de 3,49 % ao ano por toda a duração do contrato de leasing, sendo a taxa anual de encargos efetiva global de 3,55 %. Tendo em conta o facto de esse contrato ter sido celebrado por um período de 24 meses sem que VK fosse obrigado a comprar o veículo no seu termo, ficou estipulado que VK só teria que pagar um montante total de 12 468,80 euros, correspondente a um pagamento inicial de 4 760 euros que devia ser pago no início do período de leasing, até ao momento da entrega do veículo, e a 24 prestações mensais de 321,95 euros. Ficou ainda estipulado que VK devia respeitar um montante fixo por quilómetro anual de 10 000 quilómetros e que, no momento da restituição do veículo, teria que pagar o montante de 7,37 cêntimos por quilómetro suplementar percorrido, ao passo que lhe seria reembolsado o montante de 4,92 cêntimos por quilómetro não percorrido. Por outro lado, VK estava obrigado a compensar a perda de valor do veículo se se verificasse, no momento da sua restituição, que o seu estado não correspondia à sua idade nem à quilometragem acordada. Por último, o contrato estipulava que incumbia a VK contratar um seguro de todos os riscos para esse veículo, invocar perante terceiros os direitos em matéria de garantia de defeitos e suportar o risco de perda, dano e outras depreciações.

50      VK procedeu ao pagamento inicial e tomou posse do veículo antes de pagar as mensalidades previstas no contrato de leasing a partir de janeiro de 2019.

51      Por carta de 25 de junho de 2020, VK indicou que pretendia rescindir o contrato de leasing em conformidade com as disposições do direito alemão.

52      No Landgericht Ravensburg (Tribunal Regional de Ravensburg, Alemanha), o órgão jurisdicional de reenvio, VK considera que, nesta última data, o prazo de retratação de catorze dias previsto por esse direito ainda não tinha começado a correr, invocando nomeadamente, a esse respeito, o caráter insuficiente e ilegível das informações obrigatórias que lhe deviam ser fornecidas por força do referido direito. Além disso, VK considera que o contrato de leasing deve ser qualificado de contrato à distância e/ou de contrato celebrado fora do estabelecimento comercial, pelo que beneficia, em todo o caso, do direito de retratação previsto para este tipo de contratos no direito alemão. VK observa, a este respeito, que não lhe foi possível pedir esclarecimentos nem obter informações obrigatórias por parte do BMW Bank, uma vez que nenhum empregado ou representante seu estava presente na fase preparatória da celebração do contrato, que decorreu nas instalações do concessionário automóvel.

53      Por seu turno, o BMW Bank contesta, nomeadamente, a existência de um direito de retratação, com o fundamento de que as regras de retratação relativas aos contratos de crédito ao consumo não se aplicam aos contratos de leasing como o que está em causa no processo principal. Além disso, comunicou devidamente a VK, no contrato de leasing que o vinculava a este, todas as informações obrigatórias previstas no direito alemão. Entende que, em especial, a informação sobre o direito de retratação reproduz exatamente o modelo regulamentar que contém as informações relativas ao direito de retratação (a seguir «modelo legal»), pelo que essa informação deve, de acordo com este direito, presumir‑se exata. Por outro lado, o BMW Bank considera que o contrato não pode ser qualificado de contrato à distância, uma vez que VK teve um contacto pessoal com um intermediário de crédito que pôde informá‑lo sobre o serviço oferecido. Também não se trata de um contrato celebrado fora do estabelecimento comercial, devendo considerar‑se que o intermediário de crédito atua em nome ou por conta do profissional.

54      O órgão jurisdicional de reenvio observa, em primeiro lugar, que, até uma data recente, a jurisprudência alemã partia do princípio de que, no que respeita aos contratos de leasing como o que está em causa no processo principal, existia um direito de retratação, por aplicação analógica das disposições nacionais relativas aos contratos através dos quais um profissional concede a título oneroso a um consumidor uma prorrogação do pagamento ou outra facilidade de pagamento.

55      No entanto, por acórdão de 24 de fevereiro de 2021, o Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal, Alemanha) considerou que não se podia aplicar essa analogia dada a intenção do legislador alemão de não reconhecer o direito de retratação existente ao abrigo das facilidades de pagamento dos contratos de leasing como o que está em causa no processo principal. Segundo esse tribunal, tal abordagem é corroborada pelo direito da União, uma vez que, por força do seu artigo 2.o, n.o 2, alínea d), a Diretiva 2008/48 não se aplica aos contratos de locação ou de locação financeira (leasing) no âmbito dos quais não está previsto que o locatário adquira o objeto do contrato, seja no próprio contrato seja em contrato separado.

56      O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, no entanto, sobre a questão de saber se um contrato de leasing relativo a um veículo automóvel, como o que está em causa no processo principal, está abrangido pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2008/48 ou, sendo caso disso, pelo das Diretivas 2011/83 e 2002/65, perguntando nomeadamente ao Tribunal de Justiça, a respeito deste último, se esse contrato pode ser qualificado de contrato relativo a «serviços financeiros» na aceção de uma destas duas diretivas.

57      Em segundo lugar, no caso de esse contrato de leasing estar abrangido pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2008/48, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, primeiro, sobre se é compatível com essa diretiva uma legislação nacional que estabelece uma presunção legal de que o profissional respeita a sua obrigação de informar o consumidor do seu direito de retratação quando remete, no contrato, para disposições nacionais que por sua vez remetem para um modelo legal. Além disso, pergunta se, em caso de resposta negativa a esta questão, essa legislação deve ser inaplicada.

58      Em segundo lugar, no caso de essa legislação não dever ser inaplicada, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre as informações que o profissional é obrigado a mencionar nos contratos de crédito por força do artigo 10.o, n.o 2, alíneas p), l) e t), da Diretiva 2008/48, bem como sobre o momento em que começa a correr o prazo de retratação em caso de indicação incorreta dessas informações obrigatórias.

59      No que respeita ao artigo 10.o, n.o 2, alínea p), da Diretiva 2008/48, o Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal) considera que, visto que um contrato de locação financeira como o que está em causa no processo principal estipula que, em caso de reembolso antecipado do crédito na sequência do exercício do direito de retratação, deve ser pago um montante de juros diário de 0,00 euros pelo período compreendido entre a entrega do veículo e a sua restituição, o consumidor está suficientemente informado de que o mutuante renuncia ao seu direito aos juros diários relativos a esse período. O órgão jurisdicional de reenvio considera, por seu turno, que, uma vez que o contrato de leasing menciona também uma taxa de juro devedora anual de 3,49 %, a formulação assim adotada pode revelar‑se contrária à exigência de clareza e de concisão prevista nessa disposição, tanto mais que o artigo 14.o, n.o 3, alínea b), dessa diretiva prevê que os juros são calculados com base na taxa devedora acordada entre as partes.

60      No que respeita ao artigo 10.o, n.o 2, alínea l), da Diretiva 2008/48, basta, segundo o Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal), que uma cláusula como a utilizada no contrato de leasing em causa no processo principal indique que a taxa de juro aplicável em caso de atraso de pagamento é determinada em função de uma determinada percentagem em relação a uma taxa de juro de referência mencionada numa disposição legal para a qual o contrato remete. O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, no entanto, sobre se não se deve antes indicar a taxa aplicável em valor absoluto, ou seja, na forma de uma percentagem concreta.

61      Além disso, no que respeita ao artigo 10.o, n.o 2, alínea t), da Diretiva 2008/48, o Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal) entende que não é manifestamente necessário, no âmbito de uma cláusula como a que figura no contrato de leasing em causa no processo principal, mencionar nesse contrato todas as condições de admissibilidade de uma eventual reclamação do cliente, sendo suficiente uma remissão para o regulamento que rege o processo de mediação. Por seu turno, o órgão jurisdicional de reenvio considera que devem ser indicados todos os requisitos formais de acesso ao procedimento de mediação no próprio contrato.

62      Por outro lado, no que respeita ao prazo de retratação, há que determinar se só a falta de informações obrigatórias num contrato de leasing como o que está em causa no processo principal impede esse prazo de começar a correr ou se a presença de informações inexatas nesse contrato pode também produzir esse efeito.

63      Terceiro, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a possibilidade de qualificar de abusivo o exercício do direito de retratação previsto no artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2008/48 ou de o sujeitar a caducidade.

64      No que respeita, por um lado, à questão da caducidade, o órgão jurisdicional de reenvio indica que, em seu entender, é duvidoso que o exercício do direito de rescisão pelo consumidor possa ser suscetível de caducidade, tanto mais que não existe nenhuma base jurídica nesse sentido.

65      Em especial, decorre do artigo 14.o, n.o 1, alíneas a) e b), da Diretiva 2008/48 que o direito de retratação não é limitado no tempo quando o consumidor não recebe as informações previstas no artigo 10.o da Diretiva 2008/48, tendo o profissional, com efeito, a possibilidade de dar início ao prazo de retratação a qualquer momento, comunicando essas informações. Por outro lado, o direito de rescisão visa não só a proteção individual do consumidor mas também objetivos mais gerais como a prevenção do sobre‑endividamento e o reforço da estabilidade dos mercados financeiros.

66      No que respeita, por outro lado, à questão do exercício abusivo do direito de retratação, o órgão jurisdicional de reenvio indica que, segundo a jurisprudência recente do Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal), para se poder concluir pela existência desse exercício abusivo, há que ter em conta, no âmbito de uma apreciação global, certas circunstâncias, a saber, nomeadamente, que o consumidor podia claramente concluir que a informação errada, não conforme com o modelo legal, era irrelevante para ele, que alegou pela primeira vez na fase da instância de cassação que as informações sobre o direito de retratação não estavam em conformidade com o referido modelo ou que exerceu o seu direito de retratação ao considerar que não estava obrigado a pagar uma compensação ao profissional depois de ter utilizado o veículo em conformidade com o fim a que se destinava.

67      Pelos mesmos motivos, em substância, invocados relativamente à caducidade, o órgão jurisdicional de reenvio entende, no entanto, que o direito de retratação não pode ser limitado pelo facto de ter sido exercido de forma abusiva.

68      Em terceiro lugar, no caso de um contrato de leasing relativo a um veículo automóvel, como o que está em causa no processo principal, constituir um contrato de serviços financeiros, na aceção das Diretivas 2002/65 e 2011/83, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, para determinar se VK é suscetível de dispor de um direito de retratação, se, primeiro, esse contrato deve ser qualificado de contrato celebrado fora do estabelecimento comercial, na aceção da Diretiva 2011/83, uma vez que foi celebrado nas instalações comerciais de uma pessoa que intervém apenas na fase preparatória da celebração do contrato, no caso, o concessionário automóvel, sem que essa pessoa disponha de um poder de representação do mutuante para efeitos da celebração desse contrato.

69      A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio observa que, embora a Diretiva 2011/83 não seja, na verdade, aplicável aos serviços financeiros por força do seu artigo 3.o, n.o 3, alínea d), a interpretação do artigo 312.ob do BGB, que diz respeito aos contratos celebrados fora do estabelecimento comercial, depende, no entanto, da interpretação desta diretiva. Com efeito, dado que esta foi transposta para lá do quadro fixado pelo direito da União, é do interesse manifesto da União Europeia que seja objeto de interpretação uniforme. Trata‑se, assim, de saber se a contribuição de pessoas que intervêm simplesmente na fase preparatória da celebração do contrato enquanto intermediários pode ser equiparada ao facto de agir em nome ou por conta do profissional, na aceção do artigo 2.o, ponto 2, da Diretiva 2011/83 e, por conseguinte, do artigo 312.ob, n.o 1, segundo período, do BGB.

70      Segundo, na hipótese de um contrato de leasing como o que está em causa no processo principal constituir efetivamente um contrato celebrado fora do estabelecimento comercial, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a questão de saber se a exceção ao direito de retratação que figura no artigo 16.o, alínea l), da Diretiva 2011/83 a título de uma prestação de serviços de aluguer de automóveis é aplicável a esse contrato. Refere‑se, a este respeito, a uma decisão de um tribunal superior alemão segundo a qual o aluguer de automóveis só abrange o aluguer de automóveis de curta duração, e não os contratos de leasing de longa duração.

71      Terceiro, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, ainda para determinar a existência de um direito de retratação a favor da VK, sobre se um contrato de leasing relativo a um veículo automóvel como o que está em causa no processo principal pode ser qualificado de contrato à distância, na aceção das Diretivas 2002/65 e 2011/83, uma vez que o consumidor só teve contactos pessoais com uma pessoa que intervém na única fase preparatória da celebração do contrato, no caso, o concessionário automóvel, sem que essa pessoa disponha de poder de representação para efeitos da celebração desse contrato e sem que, de resto, esteja autorizada a celebrá‑lo.

72      A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio indica que as pessoas que intervêm simplesmente nessa fase preparatória não devem poder ser consideradas representantes do profissional que propõe esse contrato. Todavia, o Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal) declarou que não está preenchido o requisito do recurso exclusivo a técnicas de comunicação à distância, necessário para que haja uma venda à distância na aceção das Diretivas 2002/65 e 2011/83, quando o consumidor, na fase preparatória da celebração de um contrato, tem um contacto pessoal com uma pessoa que lhe fornece informações sobre o contrato por conta do profissional.

73      Nestas condições, o Landgericht Ravensburg (Tribunal Regional de Ravensburg) suspendeu a instância e submeteu ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1.      Relativamente à ficção legal prevista no artigo 247.o, [n.o] 6, segundo parágrafo, terceiro período, e no artigo 247.o, [n.o] 12, primeiro parágrafo, n.o 1, terceiro período, da [EGBGB]:

a)      O artigo 247.o, [n.o] 6, segundo parágrafo, terceiro período, e o artigo 247.o, [n.o] 12, primeiro parágrafo, […], terceiro período, da EGBGB, na medida em que declaram que as cláusulas contratuais contrárias ao disposto no artigo 10.o n.o 2, alínea p), da Diretiva 2008/48, cumprem os requisitos do artigo 247.o, [n.o] 6, segundo parágrafo, primeiro e segundo períodos, e do artigo 247.o, [n.o] 12, primeiro parágrafo, segundo período, alínea b), da EGBGB, são incompatíveis com os artigos 10.o, n.o 2, alínea p), e 14.o, n.o 1, da Diretiva [2008/48]?

Em caso de resposta afirmativa:

b)      Resulta do direito da União, em especial do artigo 10.o, n.o 2, alínea p), e do artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2008/48, que o artigo 247.o, [n.o] 6, segundo parágrafo, terceiro período, e o artigo 247.o, [n.o] 12, primeiro parágrafo, terceiro período, da EGBGB não são aplicáveis, na medida em que declaram que determinadas cláusulas contratuais, contrárias ao disposto no artigo 10.o, n.o 2, alínea p), da Diretiva 2008/48, cumprem os requisitos do artigo 247.o, [n.o] 6, segundo parágrafo, primeiro e segundo períodos, e do artigo 247.o, [n.o] 12, primeiro parágrafo, segundo período, n.o 2, alínea b), da EGBGB?

Caso a resposta à questão 1. b) não seja afirmativa:

2)      Quanto à informação obrigatória prevista no artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva [2008/48]:

a)      Deve o artigo 10.o, n.o 2, alínea p), da Diretiva [2008/48] ser interpretado no sentido de que o montante dos juros diários a indicar no contrato de crédito deve ser calculado a partir da taxa devedora contratual indicada no contrato?

b)      Deve o artigo 10.o, n.o 2, alínea l), da Diretiva [2008/48] ser interpretado no sentido de que a taxa de juros de mora em vigor à data da celebração do contrato de crédito deve ser comunicada como número absoluto, ou deve, pelo menos, ser indicada como número absoluto a taxa de referência em vigor [no presente caso, a taxa de juros de base nos termos do (artigo) 247.o do BGB (Código Civil alemão)], com base na qual se define a taxa de juros de mora aplicável mediante uma majoração (no presente caso, de cinco pontos percentuais, em conformidade com o [artigo] 288.o, [n.o] 1, segundo período, do BGB) e o consumidor deve ser informado da taxa de juro de referência (taxa de base) e da sua variabilidade?

c)      Deve o artigo 10.o, n.o 2, alínea t), da Diretiva [2008/48] ser interpretado no sentido de que, no texto do contrato de crédito, devem ser comunicados os requisitos formais essenciais de acesso aos procedimentos extrajudiciais de reclamação e de recurso?

Em caso de resposta afirmativa a alguma das questões submetidas nas alíneas a) a c) da segunda questão prejudicial:

d)      Deve o artigo 14.o, n.o 1, segundo período, alínea b), da Diretiva [2008/48] ser interpretado no sentido de que o prazo de retratação não começa a correr enquanto não tiver sido integral e corretamente prestada a informação prevista no artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva [2008/48]?

Em caso de resposta negativa:

e)      Quais os critérios determinantes para que o prazo de retratação comece a correr, não obstante a transmissão de informações incompletas e incorretas?

Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, alínea a) e/ou alíneas a) a c) da segunda questão:

3)      Quanto à caducidade do direito de retratação nos termos do artigo 14.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva [2008/48]:

a)      O direito de retratação previsto no artigo 14.o, n.o 1, primeiro período, da Diretiva [2008/48] está sujeito a caducidade?

Em caso de resposta afirmativa:

b)      A caducidade é uma limitação temporal do direito de retratação que deve estar prevista numa lei aprovada pelo Parlamento?

Em caso de resposta negativa:

c)      A exceção de caducidade depende, do ponto de vista subjetivo, do facto de o consumidor ter conhecimento de que mantém o direito à retratação ou, pelo menos, de que o seu desconhecimento é imputável a negligência grosseira da sua parte?

Em caso de resposta negativa:

d)      A possibilidade de o mutuante prestar a posteriori ao mutuário a informação devida nos termos do artigo 14.o, n.o 1, segundo período, alínea b), da Diretiva 2008/48, dando assim início à contagem do prazo de retratação, obsta a uma aplicação das regras da caducidade segundo o princípio da boa‑fé?

Em caso de resposta negativa:

e)      Tal situação é compatível com os princípios consagrados no Direito Internacional a que o juiz alemão está vinculado por força da Grundgesetz (Constituição alemã)?

Em caso de resposta afirmativa:

f)      Como deve o jurista alemão dirimir um conflito entre os requisitos vinculativos do Direito Internacional e o exigido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia?

4)      Quanto à presunção de abuso de direito no exercício do direito de retratação do consumidor nos termos do artigo 14.o, n.o 1, primeiro [período], da Diretiva [2008/48]:

a)      Pode o exercício do direito de retratação nos termos do artigo 14.o, n.o 1, primeiro [período], da Diretiva [2008/48] ser abusivo?

Em caso de resposta afirmativa:

b)      A presunção de exercício abusivo do direito de retratação constitui uma limitação do direito de retratação que deve estar prevista numa lei aprovada pelo Parlamento?

Em caso de resposta negativa:

c)      A presunção de exercício abusivo do direito de retratação depende, do ponto de vista subjetivo, do facto de o consumidor ter conhecimento de que mantém o direito à retratação ou, pelo menos, de que o seu desconhecimento é imputável a negligência grosseira da sua parte?

Em caso de resposta negativa:

d)      A possibilidade de o mutuante prestar subsequentemente ao mutuário a informação devida nos termos do artigo 14.o, n.o 1, segundo parágrafo, alínea b), da Diretiva [2008/48], dando assim início à contagem do prazo de retratação, obsta à presunção do exercício abusivo do direito de retratação segundo o princípio da boa‑fé?

Em caso de resposta negativa:

e)      Tal situação é compatível com os princípios consagrados no Direito Internacional a que o juiz alemão está vinculado por força da Grundgesetz (Constituição alemã)?

Em caso de resposta afirmativa:

f)      Como deve o jurista alemão dirimir um conflito entre os requisitos vinculativos do Direito Internacional e o exigido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia?

5)      Os contratos de locação financeira relativos a veículos automóveis com contabilização de quilómetros com uma duração aproximada de dois a três anos, que contêm uma cláusula de exclusão do direito de retratação ordinário, segundo os quais o consumidor é obrigado a obter um seguro contra todos os riscos para o veículo, cabendo‑lhe, além disso, acionar garantias perante terceiros (em especial, perante o concessionário e o fabricante do veículo), e ainda suportar o risco da perda, dos danos e de outras desvalorizações do veículo, são abrangidos pelo âmbito de aplicação da [Diretiva 2011/83] e/ou da Diretiva [2008/48] e/ou da Diretiva [2002/65]? Nesse caso, trata‑se de contratos de crédito na aceção do artigo 3.o, alínea c), da Diretiva [2008/48] e/ou contratos de serviços financeiros na aceção do artigo 2.o, n.o 12, da Diretiva [2011/83], bem como do artigo 2.o, alínea b), da Diretiva [2002/65]?

6)      Se se entender que os contratos de locação financeira relativos a veículos automóveis [com contabilização de quilómetros], como descritos [na questão] 5, são contratos de serviços financeiros:

a)      Consideram‑se também estabelecimentos comerciais imóveis na aceção do artigo 2.o, n.o 9, da Diretiva [2011/83] os estabelecimentos comerciais de uma pessoa que prepara as transações com os consumidores para o profissional, mas não tem ela própria poderes de representação para celebrar os respetivos contratos?

Na afirmativa:

b)      Também é esse o caso quando a pessoa que prepara o contrato exerce uma atividade empresarial noutro domínio e/ou não tem competência ao abrigo do direito de supervisão e/ou do direito civil para celebrar contratos de prestação de serviços financeiros?

7)      Em caso de resposta negativa a uma das questões 6. a) ou b):

Deve o artigo 16.o, [alínea l)], da Diretiva [2011/83] ser interpretado no sentido de que os contratos de locação financeira relativos a veículos automóveis com contabilização de quilómetros (conforme acima descritos [na questão 5]) são abrangidos por essa derrogação?

8)      Se se entender que os contratos de locação financeira relativos a veículos automóveis com contabilização de quilómetros, conforme descritos [na questão 5], são contratos de prestação de serviços financeiros:

a)      Existe igualmente um contrato à distância na aceção do artigo 2.o, alínea a), da Diretiva [2002/65] e do artigo 2.o, n.o 7, da Diretiva [2011/83], se durante as negociações do contrato tiver havido contacto pessoal com apenas uma pessoa que prepara as transações com os consumidores para o profissional, mas ela própria não tem poder de representação para a celebração dos respetivos contratos?

Na afirmativa:

b)      Também é esse o caso quando a pessoa que prepara o contrato exerce uma atividade empresarial noutro setor e/ou não tem competência ao abrigo do direito de supervisão e/ou do direito civil para celebrar contratos de prestação de serviços financeiros?»

 Processo C47/21

74      Em 12 de abril de 2017, F. F. celebrou com o C. Bank um contrato de mútuo no montante líquido de 15 111,70 euros, que se destinava à compra de um veículo ligeiro de passageiros em segunda mão destinado a uso privado.

75      No momento da preparação e da celebração do contrato de mútuo, o concessionário automóvel ao qual o veículo foi comprado agiu como intermediário do C. Bank e utilizou os formulários do contrato de mútuo postos à sua disposição por este. Segundo o contrato de mútuo, o preço de compra desse veículo era de 14 880,00 euros. Tendo sido efetuado um adiantamento de 2 000,00 euros, o preço restante a pagar era de 12 880,00 euros e devia ser financiado pelo empréstimo em questão.

76      O contrato em causa prevê o reembolso do empréstimo através de 60 mensalidades do mesmo montante, bem como um pagamento final de montante superior. O veículo adquirido por F. F. foi cedido ao C. Bank a título de garantia. Após o pagamento do montante do empréstimo, F. F. pagou regularmente as mensalidades acordadas.

77      Em 1 de abril de 2020, F. F. exerceu o direito de retratação do contrato de crédito.

78      F. F. considera que, devido à falta de clareza das informações relativas ao direito de rescisão que figuram no contrato de mútuo e ao caráter errado de várias menções obrigatórias que deviam ter sido indicadas nesse contrato por força do direito alemão, o prazo de retratação de catorze dias previsto por este direito ainda não começou a correr. Nestas condições, pede, nomeadamente, que lhe sejam reembolsadas as prestações mensais que pagou até à data da rescisão e o montante antecipado que pagou ao concessionário, ou seja, um total de 10 110,11 euros. Pede também que seja declarado que o C. Bank se encontra em mora na receção do veículo, na aceção do artigo 293.o do BGB.

79      O C. Bank pede que a ação seja julgada improcedente, considerando, em especial, que forneceu devidamente a F. F. todas as informações obrigatórias, nomeadamente através do modelo legal.

80      O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, primeiro, sobre a compatibilidade, com a Diretiva 2008/48, de uma legislação nacional que estabelece uma presunção legal de que o profissional respeita a sua obrigação de informar o consumidor do seu direito de retratação quando remete, num contrato, para disposições nacionais que por sua vez remetem para um modelo legal, ou mesmo quando insere, nesse contrato, informações retiradas desse modelo mas contrárias às prescrições desta diretiva. Além disso, interroga‑se sobre se, em caso de declaração de incompatibilidade com a referida diretiva, tal regulamentação não deve ser aplicada.

81      A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio indica que, mesmo admitindo que o C. Bank tenha utilizado o modelo legal de forma errada, F. F. não pode contestar a aplicação da presunção legal acima referida, uma vez que tal contestação constitui um abuso de direito segundo os critérios estabelecidos pelo Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal).

82      Segundo, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre as informações que o profissional é obrigado a mencionar nos contratos de crédito por força do artigo 10.o, n.o 2, alíneas l), p), r) e t), da Diretiva 2008/48, bem como sobre o momento em que o prazo de retratação começa a correr em caso de menção incorreta dessas informações obrigatórias.

83      Antes de mais, no que respeita ao artigo 10.o, n.o 2, alínea r), da Diretiva 2008/48, relativo às informações sobre o direito do mutuante a uma indemnização e ao modo de cálculo desta, o Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal) consideraria, confrontado com uma cláusula como a que figura num contrato como o que está em causa no processo principal, que o mutuante se pode limitar a mencionar, nas grandes linhas, os principais parâmetros de cálculo da indemnização devida em caso de reembolso antecipado do crédito. No entanto, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre se não é necessário indicar num contrato como o que está em causa no processo principal uma fórmula aritmética precisa e compreensível para o consumidor. Se for caso disso, importa também determinar se o caráter insuficiente das informações relativas ao cálculo da indemnização devida em caso de reembolso antecipado do crédito que figura nesse contrato pode ser sancionado exclusivamente pela extinção do direito a indemnização ou se essa situação deve ser equiparada a uma falta de informação, pelo que o prazo de retratação não começa a correr.

84      Em seguida, no que respeita ao artigo 10.o, n.o 2, alíneas l), p) e t), da Diretiva 2008/48, o órgão jurisdicional de reenvio expõe as mesmas dúvidas mencionadas nos n.os 59 a 61 do presente acórdão, precisando‑se que o contrato celebrado por F. F. com o C. Bank em 12 de abril de 2017 continha cláusulas semelhantes às mencionadas nesses números.

85      Por último, no que respeita ao prazo de retratação, o órgão jurisdicional de reenvio manifesta as mesmas interrogações expostas no n.o 62 do presente acórdão.

86      Terceiro, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a questão de saber se o direito de retratação pode ser limitado no tempo em caso de violação da boa‑fé. Pergunta, em especial, se e, sendo caso disso, segundo que modalidades pode o direito de rescisão previsto no artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2008/48 estar sujeito a preclusão e se o exercício desse direito pode ser considerado abusivo em determinadas circunstâncias. A este respeito, baseia‑se no mesmo raciocínio que figura nos n.os 63 a 67 do presente acórdão.

87      Quarto, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a aplicação do direito de o consumidor obter o reembolso das prestações mensais pagas, quando o contrato de crédito que resolveu estiver ligado a um contrato de compra e venda. Com efeito, resulta da jurisprudência do Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal) que, quando um contrato de crédito está ligado a um contrato de venda de um veículo ligeiro de passageiros, o mutuante pode recusar‑se a reembolsar as prestações mensais e, se for caso disso, o pagamento por conta efetuado, até que esse veículo lhe tenha sido entregue ou que o consumidor tenha fornecido a prova de que o expediu ou que colocou o mutuante em mora na receção, na aceção do artigo 293.o do BGB, na sequência de uma oferta efetiva de receção enviada para a sede do profissional.

88      Ora, o órgão jurisdicional de reenvio refere que esse reembolso pode ser diferido, em caso de contestação da validade da retratação pelo mutuante, até ao desfecho definitivo do litígio judicial. Isso leva‑o a duvidar da compatibilidade dessa obrigação de restituição prévia bem como das suas consequências processuais com o efeito útil do direito de retratação previsto no artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2008/48. Com efeito, na maior parte dos casos, esse veículo será necessário ao exercício da profissão do consumidor e imobilizará um capital considerável. Se este tiver de restituir o veículo sem saber se a retratação é verdadeiramente efetiva e em que prazo, sendo caso disso, receberá as quantias devidas pelo mutuante, para, em seguida, poder adquirir um bem de substituição, seria frequentemente dissuadido de fazer uso do seu direito de retratação.

89      Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, na hipótese de se concluir que a obrigação de restituição prévia do veículo não é compatível com o artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2008/48, se esta disposição tem efeito direto que leve a não poderem ser aplicadas disposições nacionais relevantes.

90      Quinto, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a compatibilidade de uma legislação processual nacional que enquadra o exercício da função de juiz singular com o artigo 267.o TFUE. Esta interrogação explica‑se pelo facto de o processo submetido ao órgão jurisdicional de reenvio ter sido transferido para um juiz singular pela formação de julgamento colegial encarregada desse processo nesse órgão jurisdicional e de o pedido de decisão prejudicial emanar, por conseguinte, apenas desse juiz singular.

91      A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio explica que a questão de saber se, no direito alemão, um juiz singular pode proceder a um reenvio prejudicial é controversa. Mais especificamente, resulta da jurisprudência do Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal) que um juiz singular viola o princípio do juiz legal ao proceder, por sua própria iniciativa, a um reenvio prejudicial, pelo facto de ser obrigado a remeter o litígio à formação de julgamento colegial competente para que esta avoque o processo.

92      Ora, o órgão jurisdicional de reenvio entende que o artigo 267.o, segundo parágrafo, TFUE se opõe a essa obrigação de reenvio para o tribunal coletivo competente. Embora o Tribunal de Justiça já tenha declarado que um reenvio prejudicial efetuado por um juiz singular é admissível do ponto de vista do direito da União, independentemente do respeito ou não das regras processuais nacionais, deixou em suspenso a questão de saber se uma disposição nacional que limita a faculdade de um juiz singular proceder a um reenvio prejudicial não pode ser aplicada.

93      Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio sublinha que esta questão é relevante para a decisão da causa que lhe foi submetida, uma vez que, nos processos paralelos em que um juiz singular submeteu um pedido de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça, os recorridos, baseando‑se nas considerações do Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal) já referidas, impugnaram os despachos de reenvio ou pediram o impedimento do juiz de reenvio por parcialidade, podendo essa situação reproduzir‑se no presente processo.

94      Nestas condições, o Landgericht Ravensburg (Tribunal Regional de Ravensburg) suspendeu a instância e submeteu ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Relativamente à ficção legal prevista no artigo 247.o, [n.o] 6, segundo parágrafo, terceiro período, e no artigo 247.o, [n.o] 12, primeiro parágrafo, terceiro período, da [EGBGB]:

a)      O artigo 247.o, [n.o 6], segundo parágrafo, terceiro período, e o artigo 247.o, [n.o] 12, primeiro parágrafo, terceiro período, da EGBGB, na medida em que declaram que as cláusulas contratuais contrárias ao disposto no artigo 10.o, n.o 2, alínea p), da Diretiva [2008/48] cumprem os requisitos do artigo 247.o, [n.o] 6, segundo parágrafo, primeiro e segundo períodos, e do artigo 247.o, [n.o] 12, primeiro parágrafo, segundo período, n.o 2, alínea b), da EGBGB, são incompatíveis com os artigos 10.o, n.o 2, alínea p), e 14.o, n.o 1, da Diretiva [2008/48]?

Em caso de resposta afirmativa:

b)      Resulta do direito da União, em especial do artigo 10.o, n.o 2, alínea p), e do artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva [2008/48], que o artigo 247.o, [n.o] 6, segundo parágrafo, terceiro período, e o artigo 247.o, [n.o] 12, primeiro parágrafo, terceiro período, da EGBGB não são aplicáveis, na medida em que declaram que determinadas cláusulas contratuais, contrárias ao disposto no artigo 10.o n.o 2, alínea p), da Diretiva [2008/48], cumprem os requisitos do artigo 247.o, [n.o] 6, segundo parágrafo, primeiro e segundo períodos, e do artigo 247.o, [n.o] 12, primeiro parágrafo, segundo período, n.o 2, alínea b), da EGBGB?

Independentemente da resposta às questões 1 a) e b):

2)      Quanto à informação obrigatória prevista no artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva [2008/48]:

[a segunda questão, alínea a) foi retirada]

b)      Quanto ao artigo 10.o, n.o 2, alínea r), da Diretiva [2008/48]:

aa)      Deve esta disposição ser interpretada no sentido de que as informações no contrato de crédito relativas à compensação devida em caso de pagamento antecipado do crédito devem ser precisas de modo a permitir ao consumidor calcular, pelo menos aproximadamente, o montante da compensação devida?

(em caso de resposta afirmativa à questão anterior)

bb)      Os artigos 10.o, n.o 2, alínea r), e 14.o, n.o 1, segundo período, da Diretiva [2008/48] opõem‑se a uma legislação nacional nos termos da qual, no caso de ser prestada informação incompleta na aceção do artigo 10.o, n.o 2, alínea r), da Diretiva 2008/48/CE, o prazo para o exercício do direito de retratação começa a correr a partir da data da celebração do contrato e o direito do mutuante a compensação apenas se extingue pelo reembolso antecipado do crédito?

c)      Deve o artigo 10.o, n.o 2, alínea l), da Diretiva [2008/48] ser interpretado no sentido de que a taxa de juros de mora em vigor à data da celebração do contrato de crédito deve ser comunicada como número absoluto, ou deve, pelo menos, ser indicada como número absoluto a taxa de referência em vigor [no presente caso, a taxa de juros de base nos termos do (artigo) 247 do BGB (Código Civil alemão)], com base na qual se define a taxa de juros de mora aplicável mediante uma majoração (no presente caso, de cinco pontos percentuais, em conformidade com o [artigo] 288, [n.o] 1, segundo período, do BGB) e deve o consumidor ser informado sobre a taxa de juros de referência (taxa de juros de base) e a sua variabilidade?

d)      Deve o artigo 10.o, n.o 2, alínea t), da Diretiva [2008/48] ser interpretado no sentido de que, no texto do contrato de crédito, devem ser comunicados os requisitos formais essenciais de acesso aos procedimentos extrajudiciais de reclamação e de recurso?

Em caso de resposta afirmativa a, pelo menos, uma das questões 2. a) a d) precedentes:

e)      Deve o artigo 14.o, n.o 1, segundo parágrafo, alínea b), da Diretiva [2008/48] ser interpretado no sentido de que o prazo de retratação não começa a correr enquanto não tiver sido integral e corretamente prestada a informação prevista no artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva [2008/48]?

Em caso de resposta negativa:

f)      Quais os critérios determinantes para que o prazo de retratação comece a correr, não obstante a transmissão de informações incompletas e incorretas?

Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, alínea a) e/ou alíneas a) a c) da segunda questão:

3)      Quanto à caducidade do direito de retratação nos termos do artigo 14.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva [2008/48]:

a)      O direito de retratação previsto no artigo 14.o, n.o 1, primeiro período, da Diretiva [2008/48] está sujeito a caducidade?

Em caso de resposta afirmativa:

b)      A caducidade é uma limitação temporal do direito de retratação que deve estar prevista numa lei aprovada pelo Parlamento?

Em caso de resposta negativa:

c)      A exceção de caducidade depende, do ponto de vista subjetivo, do facto de o consumidor ter conhecimento de que mantém o direito à retratação ou, pelo menos, de que o seu desconhecimento é imputável a negligência grosseira da sua parte?

Em caso de resposta negativa:

d)      A possibilidade de o mutuante prestar a posteriori ao mutuário a informação devida nos termos do artigo 14.o, n.o 1, segundo período, alínea b), da Diretiva 2008/48, dando assim início à contagem do prazo de retratação, obsta a uma aplicação das regras da caducidade segundo o princípio da boa‑fé?

Em caso de resposta negativa:

e)      Tal situação é compatível com os princípios consagrados no Direito Internacional a que o juiz alemão está vinculado por força da Grundgesetz (Constituição alemã)?

Em caso de resposta afirmativa:

f)      Como devem os juízes alemães dirimir um conflito entre os princípios vinculativos do Direito Internacional e a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia?

4)      Quanto à presunção de abuso de direito no exercício do direito de retratação do consumidor nos termos do artigo 14.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva [2008/48]:

a)      Pode o exercício do direito de retratação nos termos do artigo 14.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva [2008/48] ser abusivo?

Em caso de resposta afirmativa:

b)      A presunção de exercício abusivo do direito de retratação constitui uma limitação do direito de retratação que deve estar prevista numa lei aprovada pelo Parlamento?

Em caso de resposta negativa:

c)      A presunção de exercício abusivo do direito de retratação depende, do ponto de vista subjetivo, do facto de o consumidor ter conhecimento de que mantém o direito à retratação ou, pelo menos, de que o seu desconhecimento é imputável a negligência grosseira da sua parte?

Em caso de resposta negativa:

d)      A possibilidade de o mutuante prestar subsequentemente ao mutuário a informação devida nos termos do artigo 14.o, n.o 1, segundo parágrafo, alínea b), da Diretiva [2008/48], dando assim início à contagem do prazo de retratação, obsta à presunção do exercício abusivo do direito de retratação segundo o princípio da boa‑fé?

Em caso de resposta negativa:

e)      Tal situação é compatível com os princípios consagrados no Direito Internacional a que o juiz alemão está vinculado por força da Grundgesetz (Constituição alemã)?

Em caso de resposta afirmativa:

f)      Como deve o [aplicador do direito] alemão dirimir um conflito entre os requisitos vinculativos do Direito Internacional e o exigido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia?

5)      Independentemente da resposta às questões precedentes:

a)      É compatível com o direito da União, em especial com o direito de retratação previsto no artigo 14.o, n.o 1, primeiro período, da Diretiva [2008/48], que, por força do direito nacional, no âmbito de um contrato de crédito ligado a um contrato de compra e venda, após o exercício efetivo do direito de retra[ta]ção do consumidor ao abrigo do artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva [2008/48],

aa)      o direito do consumidor de receber do mutuante o reembolso das prestações do empréstimo já pagas só se vence quando o mesmo, por seu turno, entregar ao mutuante o bem adquirido ou tiver feito prova de que expediu o bem para o mutuante?

bb)      deve a ação proposta pelo consumidor com vista à obtenção do reembolso das prestações do empréstimo já pagas, na sequência da entrega do objeto do contrato de compra e venda, ser julgada improcedente se o mutuante credor não tiver entrado em mora [no] que respeita à receção do objeto do contrato de compra e venda?

Em caso de resposta negativa:

b)      Resulta do direito da União que as disposições de direito nacional descritas nas alíneas a) aa) e/ou a) bb) não são aplicáveis?

Independentemente das respostas [às primeiras cinco questões]:

6)      O artigo 348[a], [n.o 2, ponto] 1, do ZPO (Código de Processo Civil alemão), na medida em que também abrange as decisões de reenvio nos termos do artigo 267.o, segundo parágrafo, TFUE, é incompatível com a faculdade de os órgãos jurisdicionais nacionais efetuarem reenvios prejudiciais, não devendo, como tal, ser aplicado a estes últimos?»

 Processo C232/21

95      De acordo com os seus pedidos, respetivamente, de 30 de junho de 2017, de 28 de março de 2017, de 26 de janeiro de 2019 e de 31 de janeiro de 2012, CR, por um lado, e AY, ML e BQ, por outro, celebraram, respetivamente com o Volkswagen Bank e o Audi Bank, nos processos submetidos ao órgão jurisdicional de reenvio, contratos de mútuo destinados à compra de veículos ligeiros de passageiros em segunda mão para uso privado. Os montantes líquidos dos contratos de empréstimo ascendiam, respetivamente, a 21 418,66 euros, 28 671,25 euros, 18 972,74 euros e 30 208,10 euros.

96      Na preparação e celebração dos contratos de mútuo, os concessionários de automóveis aos quais os veículos foram adquiridos agiram como intermediários de crédito do Volkswagen Bank e do Audi Bank. Os contratos em causa previam o reembolso dos empréstimos através de mensalidades, sendo o montante dos empréstimos acrescido de um montante relativo a um seguro que cobria os casos de morte, invalidez ou desemprego. Os contratos previam também um pagamento final de um montante determinado, bem como, para alguns, o pagamento antecipado pelo consumidor.

97      CR, AY, ML e BQ retrataram‑se, respetivamente, em 31 de março de 2019, 13 de junho de 2019, 16 de setembro de 2019 e 20 de setembro de 2020, nos contratos de mútuo. Como resulta da decisão de reenvio, os três primeiros consumidores propuseram ao Volkswagen Bank e ao Audi Bank a restituição do veículo, no seu caso, na sua sede, em contrapartida do reembolso simultâneo dos pagamentos efetuados. No que respeita a BQ, à data da sua retratação, já tinha, ao contrário dos outros três consumidores, reembolsado integralmente o empréstimo de que tinha beneficiado. Pediu também, a título principal, o reembolso das mensalidades pagas, após a transmissão da propriedade e a entrega do veículo.

98      Estes quatro consumidores consideram que as suas revogações são válidas pelo facto de o prazo de retratação de catorze dias previsto pelo direito alemão não ter começado a correr. Com efeito, afirmam que as informações relativas ao direito de retratação e as outras informações obrigatórias não lhes foram devidamente transmitidas.

99      O Volkswagen Bank e o Audi Bank consideram que forneceram devidamente todas as informações necessárias, utilizando o modelo legal. Em dois dos processos submetidos ao órgão jurisdicional de reenvio, invocam, a título subsidiário, a exceção de caducidade e a exceção de exercício abusivo de um direito pelos consumidores em causa, visto que se basearam legitimamente no facto de estes já não exercerem o seu direito de retratação depois de terem utilizado de forma efetiva o veículo e de terem pago regularmente as mensalidades devidas nos termos dos contratos de mútuo. Nos dois outros processos submetidos ao órgão jurisdicional de reenvio, sustentam que não se encontram em mora na receção do veículo, na aceção do artigo 293.o do BGB, uma vez que os consumidores em causa não lhes apresentaram uma oferta efetiva de receção na aceção do artigo 294.o do BGB.

100    Num contexto factual e jurídico muito semelhante ao do processo C‑47/21, o órgão jurisdicional de reenvio coloca questões quase idênticas às colocadas nesse processo, avançando uma fundamentação substancialmente idêntica à resumida nos n.os 80 a 93 do presente acórdão.

101    Quanto às questões relativas às exceções de preclusão e de abuso de direito, o órgão jurisdicional de reenvio precisa que, segundo a jurisprudência do Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal), é, antes de mais, em relação aos contratos que já foram integralmente executados pelas partes que a aplicação dessas exceções deve ser encarada.

102    Nestas condições, o Landgericht Ravensburg (Tribunal Regional de Ravensburg) suspendeu a instância e submeteu ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Relativamente à ficção legal prevista no artigo 247.o, [n.o] 6, segundo parágrafo, terceiro período, e no artigo 247.o, [n.o] 12, primeiro parágrafo, terceiro período, da [EGBGB]:

a)      O artigo 247.o, [n.o] 6, segundo parágrafo, terceiro período, e o artigo 247.o, [n.o] 12, primeiro parágrafo, terceiro período, da EGBGB, na medida em que declaram que as cláusulas contratuais contrárias ao disposto no artigo 10.o, n.o 2, alínea p), da Diretiva [2008/48] cumprem os requisitos do artigo 247.o, [n.o] 6, segundo parágrafo, primeiro e segundo períodos, e do artigo 247.o, [n.o] 12, primeiro parágrafo, segundo período, [ponto] 2, alínea b), da EGBGB, são incompatíveis com os artigos 10.o, n.o 2, alínea p), e 14.o, n.o 1, da Diretiva 2008/48/CE?

Em caso de resposta afirmativa:

b)      Resulta do direito da União, em especial do artigo 10.o, n.o 2, alínea p), e do artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva [2008/48], que o artigo 247.o, [n.o] 6, segundo parágrafo, terceiro período, e o artigo 247.o, [n.o] 12, primeiro parágrafo, terceiro período, da EGBGB não são aplicáveis, na medida em que declaram que determinadas cláusulas contratuais, contrárias ao disposto no artigo 10.o n.o 2, alínea p), da Diretiva [2008/48], cumprem os requisitos do artigo 247.o, [n.o] 6, segundo parágrafo, primeiro e segundo períodos, e do artigo 247.o, [n.o] 12, primeiro parágrafo, segundo período, [ponto] 2, alínea b), da EGBGB?

Independentemente da resposta às questões 1 a) e 1. b):

2)      Quanto à informação obrigatória prevista no artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva [2008/48]:

a)      Deve o artigo 10.o, n.o 2, alínea p), da Diretiva [2008/48] ser interpretado no sentido de que o montante dos juros diários a indicar no contrato de crédito deve ser calculado a partir da taxa devedora contratual indicada no contrato?

b)      Quanto ao artigo 10.o, n.o 2, alínea r), da Diretiva [2008/48]:

aa)      Deve esta disposição ser interpretada no sentido de que as informações no contrato de crédito relativas à compensação devida em caso de pagamento antecipado do crédito devem ser precisas de modo a permitir ao consumidor calcular, pelo menos aproximadamente, o montante da compensação devida?

(em caso de resposta afirmativa à questão anterior)

bb)      Os artigos 10.o, n.o 2, alínea r), e 14.o, n.o 1, segundo parágrafo, da Diretiva [2008/48] opõem‑se a uma legislação nacional nos termos da qual, no caso de ser prestada informação incompleta na aceção do artigo 10.o, n.o 2, alínea r), da Diretiva 2008/48/CE, o prazo para o exercício do direito de retratação começa a correr a partir da data da celebração do contrato e o direito do mutuante a compensação apenas se extingue pelo reembolso antecipado do crédito?

Em caso de resposta afirmativa a, pelo menos, uma das questões 2. a) ou 2. b):

c)      Deve o artigo 14.o, n.o 1, segundo parágrafo, alínea b), da Diretiva [2008/48] ser interpretado no sentido de que o prazo de retratação não começa a correr enquanto não tiver sido integral e corretamente prestada a informação prevista no artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva [2008/48]?

Em caso de resposta negativa à questão anterior:

d)      Quais os critérios determinantes para que o prazo de retratação comece a correr, não obstante a transmissão de informações incompletas e incorretas?

Em caso de resposta afirmativa às questões 1. a) e/ou a uma das questões 2. a) ou 2. b) anteriores:

3)      Quanto à caducidade do direito de retratação nos termos do artigo 14.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva [2008/48]:

a)      O direito de retratação previsto no artigo 14.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva [2008/48] está sujeito a caducidade?

Em caso de resposta afirmativa:

b)      A caducidade é uma limitação temporal do direito de retratação que deve estar prevista numa lei aprovada pelo Parlamento?

Em caso de resposta negativa:

c)      A exceção de caducidade depende, do ponto de vista subjetivo, do facto de o consumidor ter conhecimento de que mantém o direito à retratação ou, pelo menos, de que o seu desconhecimento é imputável a negligência grosseira da sua parte? Esta regra também se aplica aos contratos rescindidos?

Em caso de resposta negativa:

d)      A possibilidade de o mutuante prestar a posteriori ao mutuário a informação devida nos termos do artigo 14.o, n.o 1, segundo parágrafo, alínea b), da Diretiva [2008/48], dando assim início à contagem do prazo de retratação, obsta a uma aplicação das regras da caducidade segundo o princípio da boa‑fé? Esta regra também se aplica aos contratos rescindidos?

Em caso de resposta negativa:

e)      Tal situação é compatível com os princípios consagrados no Direito Internacional a que o juiz alemão está vinculado por força da Grundgesetz (Lei Fundamental alemã)?

Em caso de resposta afirmativa:

f)      Como devem os juízes alemães dirimir um conflito entre os princípios vinculativos do Direito Internacional e a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia?

4)      Quanto à presunção de abuso de direito no exercício do direito de retratação do consumidor nos termos do artigo 14.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva [2008/48]:

a)      Pode o exercício do direito de retratação nos termos do artigo 14.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva [2008/48] ser abusivo?

Em caso de resposta afirmativa:

b)      A presunção de exercício abusivo do direito de retratação constitui uma limitação do direito de retratação que deve estar prevista numa lei aprovada pelo Parlamento?

Em caso de resposta negativa:

c)      A presunção de exercício abusivo do direito de retratação depende, do ponto de vista subjetivo, do facto de o consumidor ter conhecimento de que mantém o direito à retratação ou, pelo menos, de que o seu desconhecimento é imputável a negligência grosseira da sua parte? Esta regra também se aplica aos contratos rescindidos?

Em caso de resposta negativa:

d)      A possibilidade de o mutuante prestar subsequentemente ao mutuário a informação devida nos termos do artigo 14.o, n.o 1, segundo parágrafo, alínea b), da Diretiva [2008/48], dando assim início à contagem do prazo de retratação, obsta à presunção do exercício abusivo do direito de retratação segundo o princípio da boa‑fé? Esta regra também se aplica aos contratos rescindidos?

Em caso de resposta negativa:

e)      Tal situação é compatível com os princípios consagrados no Direito Internacional a que o juiz alemão está vinculado por força da Grundgesetz (Lei Fundamental alemã)?

Em caso de resposta afirmativa:

f)      Como devem os juízes alemães dirimir um conflito entre os princípios vinculativos do Direito Internacional e a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia?

Independentemente da resposta às questões 1 a 4 precedentes:

5)      a)      É compatível com o direito da União que, por força do direito nacional, no âmbito de um contrato de crédito ligado a um contrato de compra e venda, após o exercício efetivo do direito de retratação do consumidor ao abrigo do artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva [2008/48],

aa)      o direito do consumidor de receber do mutuante o reembolso das prestações do empréstimo já pagas só se vence quando o mesmo, por seu turno, entregar ao mutuante o bem adquirido ou tiver feito prova de que expediu o bem para o mutuante?

bb)      a ação proposta pelo consumidor com vista à obtenção do reembolso das prestações do empréstimo [pagas depois] da entrega do objeto do contrato de compra e venda, dev[e] ser julgada improcedente se o mutuante credor não tiver entrado em mora no que respeita à receção do objeto do contrato de compra e venda?

Em caso de resposta negativa:

b)      Resulta do direito da União que as disposições de direito nacional descritas nas alíneas a) aa) e/ou a) bb) não são aplicáveis?

Independentemente da resposta às questões 1) a 5) anteriores:

6)      O [artigo] 348[a], [n.o 2, ponto] 1, do ZPO (Código de Processo Civil alemão), na medida em que também abrange as decisões de reenvio nos termos do artigo 267.o, segundo parágrafo, TFUE, é incompatível com a faculdade de os órgãos jurisdicionais nacionais efetuarem reenvios prejudiciais, não devendo, como tal, ser aplicado a estes últimos?»

 Tramitação processual no Tribunal de Justiça

103    Por Decisão do presidente do Tribunal de Justiça de 22 de abril de 2021, os processos C‑38/21 e C‑47/21 foram apensados para efeitos das fases escrita e oral e do acórdão. Por Decisão do presidente do Tribunal de Justiça de 31 de maio de 2022, o processo C‑232/21 foi apensado aos referidos processos para efeitos da fase oral e do acórdão.

104    Por carta de 3 de agosto de 2021, o órgão jurisdicional de reenvio informou o Tribunal de Justiça de que, no processo C‑47/21, tinha havido transação num dos dois processos principais e que retirava, por isso, a segunda questão, alínea a), no processo C‑47/21, mantendo todas as outras questões nesse processo.

105    Na sequência de um complemento ao pedido de decisão prejudicial no processo C‑38/21, de 24 de agosto de 2021, foi reaberta a fase escrita nos processos apensos C‑38/21 e C‑47/21.

106    Em conformidade com o artigo 16.o, terceiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, o Governo Alemão pediu que os presentes processos fossem julgados em Grande Secção, o que foi aceite pelo Tribunal de Justiça em 31 de maio de 2022.

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à admissibilidade

107    O BMW Bank, o C. Bank, o Volkswagen Bank o Audi Bank, o Governo Alemão e a Comissão Europeia manifestam dúvidas quanto à admissibilidade de certas questões prejudiciais submetidas nos três processos.

 Quanto às primeira a quarta questões e à sexta questão no processo C38/21

108    O BMW Bank alega que as primeira a quarta questões no processo C‑38/21 são inadmissíveis por ser manifesto que os factos em causa no processo principal não são abrangidos pela Diretiva 2008/48 visada por estas questões. Com efeito, esta diretiva exclui do seu âmbito de aplicação os contratos de leasing que não incluem a obrigação de compra do bem objeto do leasing. Além disso, entendem que a sexta questão no processo C‑38/21, que se coloca para a hipótese de um contrato de leasing como o que está em causa no processo principal vir a ser qualificado de contrato relativo a um serviço financeiro, na aceção da Diretiva 2011/83, é inadmissível, uma vez que os contratos relativos a serviços financeiros estão expressamente excluídos do âmbito de aplicação desta diretiva.

109    A este respeito, há que lembrar que, segundo jurisprudência constante, no âmbito da cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais instituída pelo artigo 267.o TFUE, o julgador nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão judicial a tomar, tem competência exclusiva para apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça. Consequentemente, desde que as questões submetidas tenham por objeto a interpretação do direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a decidir [Acórdão de 21 de março de 2023, Mercedes‑Benz Group (Responsabilidades dos fabricantes de veículos munidos de dispositivo manipulador), C‑100/21, EU:C:2023:229, n.o 52 e jurisprudência referida].

110    Daí resulta que as questões relativas ao direito da União gozam de uma presunção de pertinência. O Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar‑se sobre uma questão prejudicial submetida por um órgão jurisdicional nacional se for manifesto que a interpretação do direito da União pedida não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal de Justiça não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas [Acórdão de 21 de março de 2023, Mercedes‑Benz Group (Responsabilidade dos fabricantes de veículos munidos de dispositivo manipulador), C‑100/21, EU:C:2023:229, n.o 53 e jurisprudência referida].

111    No caso, há que sublinhar que o órgão jurisdicional de reenvio transmitiu ao Tribunal de Justiça o seu pedido de decisão prejudicial em duas fases, a saber, num primeiro momento, em 30 de dezembro de 2020, enviando nessa ocasião as primeira a quarta questões, e depois, num segundo momento, em 24 de agosto de 2021, comunicando quatro outras questões. No âmbito deste complemento ao seu pedido inicial de decisão prejudicial, esse órgão jurisdicional precisou que se interrogava sobre a questão de saber se, como decorre da quinta questão, a Diretiva 2008/48 se destinava a regular um contrato de leasing como o que está em causa no processo principal. Indicou também em que casos, em função da resposta que o Tribunal de Justiça iria dar a esse respeito, considerava que ainda era pertinente responder às primeira a quarta questões submetidas em 30 de dezembro de 2020.

112    Por outro lado, embora seja verdade que o órgão jurisdicional de reenvio sujeitou a sexta questão no processo C‑38/21 a que, no âmbito da resposta à quinta questão nesse processo, se declarasse que um contrato de leasing como o que está em causa no processo principal pode ser qualificado de contrato relativo a um serviço financeiro, na aceção da Diretiva 2011/83, não é menos verdade que a pertinência ou o caráter não hipotético e, portanto, a admissibilidade dessa sexta questão só podem ser apreciados à luz da resposta que o Tribunal de Justiça der à quinta questão.

113    Nestas condições, as primeira a quarta questões no processo C‑38/21, tal como a sexta questão nesse processo, não podem, nesta fase, ser consideradas hipotéticas, dado que a necessidade e a utilidade de lhes dar resposta dependem da resposta a dar à quinta questão nesse processo.

114    Em todo o caso, importa recordar que, quando, como no caso presente, não seja manifesto que a interpretação de uma disposição do direito da União não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, a objeção relativa à inaplicabilidade desta disposição ao processo principal não diz respeito à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial, antes pertence à substância das questões (Acórdão de 24 de julho de 2023, Lin, C‑107/23 PPU, EU:C:2023:606, n.o 66 e jurisprudência referida).

 Quanto à terceira questão, alíneas e) e f), e à quarta questão, alíneas e) e f), colocadas nos processos C38/21, C47/21 e C232/21

115    Com a terceira questão, alíneas e) e f), e a quarta questão, alíneas e) e f), nos processos C‑38/21, C‑47/21 e C‑232/21, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, no essencial, sobre a relação entre o direito de retratação previsto no artigo 14.o da Diretiva 2008/48 e as normas do direito internacional consuetudinário em matéria de preclusão e de abuso de direito.

116    O C. Bank, o Volkswagen Bank e o Audi Bank, bem como o Governo Alemão, manifestam dúvidas quanto à admissibilidade destas questões.

117    A esse respeito, há que lembrar que, para o Tribunal de Justiça poder fornecer uma interpretação do direito da União que seja útil ao julgador nacional, resulta do artigo 94.o, alínea c), do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça que o pedido de decisão prejudicial deve conter a exposição das razões que conduziram o órgão jurisdicional de reenvio a interrogar‑se sobre a interpretação ou sobre a validade de determinadas disposições do direito da União, bem como o nexo que o mesmo estabelece entre essas disposições e a legislação nacional aplicável ao litígio no processo principal.

118    No caso, é também verdade que, de acordo com jurisprudência constante, a União é obrigada a exercer as suas competências no respeito do direito internacional no seu conjunto, que compreende não só as disposições de convenções internacionais que a vinculam mas também as normas e os princípios do direito internacional geral consuetudinário [Acórdão de 6 de outubro de 2020, Comissão/Hungria (Ensino superior), C‑66/18, EU:C:2020:792, n.o 87 e jurisprudência referida].

119    Todavia, o órgão jurisdicional de reenvio limita‑se a afirmar que, por força dos princípios gerais do direito internacional público, que vinculam o julgador alemão em conformidade com o artigo 25.o, n.o 2, da Lei Fundamental e em que se enquadram os princípios da preclusão e da boa‑fé, só quando um consumidor sabe ou ignora devido a negligência grave que beneficia de um direito de retratação é que esse direito pode ser considerado precludido ou o exercício do referido direito pode ser considerado contrário à boa‑fé.

120    Ora, ao fazê‑lo, o órgão jurisdicional de reenvio não demonstra suficientemente em que medida as normas do direito internacional consuetudinário em matéria de preclusão e de abuso de direito poderiam entrar em conflito com o direito da União no contexto de litígios entre particulares relativos ao direito de retratação previsto no artigo 14.o da Diretiva 2008/48.

121    Nestas condições, a terceira questão, alíneas e) e f), e a quarta questão, alíneas e) e f), nos processos C‑38/21, C‑47/21 e C‑232/21 não cumprem as exigências do artigo 94.o, alínea c), do Regulamento de Processo e são, portanto, inadmissíveis.

 Quanto à sexta questão submetida nos processos C47/21 e C232/21

122    Com a sexta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 267.o, segundo parágrafo, TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional por força da qual um juiz singular é obrigado, nomeadamente em razão da importância de princípio de um processo que lhe foi submetido, a remeter esse processo a uma secção cível composta por três juízes e a renunciar a apresentar por si próprio um pedido de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça no âmbito do referido processo.

123    O C. Bank, o Volkswagen Bank e o Audi Bank, o Governo Alemão e a Comissão consideram que estas questões são inadmissíveis, por, no essencial, não ser necessária uma resposta às mesmas para a decisão da causa nos processos principais.

124    No caso, tendo em conta a jurisprudência recordada nos n.os 109 e 110 do presente acórdão, há que observar que a sexta questão submetida nos processos C‑47/21 e C‑232/21 tem por objeto a interpretação do artigo 267.o, segundo parágrafo, TFUE, mas o órgão jurisdicional de reenvio não explicou por que razões a interpretação dessa disposição é necessária para lhe permitir decidir os litígios que conhece. Com efeito, limitou‑se a indicar que a competência do juiz singular para submeter ao Tribunal de Justiça os seus pedidos de decisão prejudicial poderia ser contestada, citando, a este respeito, processos diferentes dos que deram origem aos presentes reenvios prejudiciais, nos quais foram impugnados despachos de reenvio adotados por um juiz singular ou foi pedido o afastamento do juiz singular por parcialidade. Em contrapartida, não precisa qual seria a incidência dessa impugnação nas decisões de reenvio ou, sendo caso disso, nas decisões que ponham termo à instância. Em especial, não resulta das decisões de reenvio que estas tenham, nessa fase do processo, sido objeto de um recurso em que se alegasse que estas padecem de um eventual vício por terem sido adotadas por um juiz singular.

125    Nestas condições, a sexta questão no processo C‑47/21 e no processo C‑232/21 é inadmissível ao ser de natureza hipotética.

 Quanto ao mérito

 Quanto à quinta questão prejudicial no processo C38/21

126    Com a quinta questão no processo C‑38/21, a examinar em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se um contrato de leasing relativo a um veículo automóvel, que estipula que o consumidor não tem obrigação de comprar o veículo no termo do contrato, está abrangido pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2008/48, da Diretiva 2002/65 ou da Diretiva 2011/83.

127    A título preliminar, há que lembrar que, embora caiba exclusivamente ao órgão jurisdicional de reenvio pronunciar‑se sobre a qualificação do contrato em causa no litígio que lhe foi submetido em função das circunstâncias próprias do processo principal, não é menos verdade que o Tribunal de Justiça pode extrair das disposições das referidas diretivas os critérios que esse órgão jurisdicional deve aplicar para esse efeito (v., neste sentido, Acórdão de 3 de dezembro de 2015, Banif Plus Bank, C‑312/14, EU:C:2015:794, n.o 51 e jurisprudência referida).

128    Além disso, nada impede que um órgão jurisdicional nacional peça ao Tribunal de Justiça que se pronuncie sobre essa qualificação, sem prejuízo de, à luz de todos os elementos dos autos de que dispõe, o órgão jurisdicional nacional proceder ao apuramento e à apreciação dos factos necessários a essa qualificação (v., neste sentido, Acórdão de 3 de dezembro de 2015, Banif Plus Bank, C‑312/14, EU:C:2015:794, n.o 52).

129    No caso, resulta dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe que, como foi exposto no n.o 49 do presente acórdão, o contrato em causa no processo principal estipula a concessão de um empréstimo a VK para que este possa utilizar em regime de aluguer, durante um período de 24 meses e sob reserva de um limite máximo de quilometragem que está autorizado a percorrer, um veículo automóvel adquirido pelo BMW Bank segundo as especificações fornecidas por VK, continuando esse veículo a ser propriedade desse banco. Durante a vigência do contrato, o consumidor suporta o risco de perda, dano e outras depreciações do veículo e deve, para o efeito, subscrever um seguro contra todos os riscos. Cabe também ao consumidor fazer valer os direitos em matéria de garantia dos defeitos em relação a terceiros, nomeadamente em relação ao concessionário e ao construtor. Nem o próprio contrato nem nenhum contrato separado impõem uma obrigação de compra do veículo a esse consumidor. Por último, o consumidor não assume nenhuma garantia de valor residual no termo do contrato; só é obrigado a compensar a perda de valor se, aquando da devolução do veículo, se verificar que o seu estado não corresponde à sua idade ou que o número máximo de quilómetros do contrato foi excedido.

130    No que respeita, em primeiro lugar, ao âmbito de aplicação da Diretiva 2008/48, há que lembrar que, nos termos do seu artigo 2.o, n.o 1, essa diretiva é aplicável aos contratos de crédito, sem prejuízo das exclusões previstas no seu artigo 2.o, n.o 2.

131    De acordo com o seu artigo 2.o, n.o 2, alínea d), a Diretiva 2008/48 não é aplicável aos contratos de aluguer ou de locação financeira que não prevejam uma obrigação de compra do objeto do contrato, seja no próprio contrato, seja num contrato separado; considera‑se que existe uma obrigação se assim for decidido unilateralmente pelo mutuante.

132    Neste âmbito, há que determinar se um contrato de leasing, como o que está em causa no processo principal, se integra no conceito de «contrato de locação financeira» previsto nesta disposição, precisando‑se que nem este nem nenhuma outra disposição da Diretiva 2008/48 definem esse conceito nem remetem para o direito nacional.

133    Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, decorre das exigências tanto da aplicação uniforme do direito da União como do princípio da igualdade que os termos de uma disposição do direito da União que não contenha nenhuma remissão expressa para o direito dos Estados‑Membros para determinar o seu sentido e alcance devem normalmente ser objeto, em toda a União, de uma interpretação autónoma e uniforme, que deve ser procurada tendo em conta os termos desse conceito, à luz do contexto e do objetivo prosseguido pela disposição em que esse conceito é utilizado (Acórdão de 18 de junho de 2020, Sparkasse Südholstein, C‑639/18, EU:C:2020:477, n.o 24 e jurisprudência referida).

134    Na linguagem jurídica corrente, o conceito de «contrato de locação financeira» abrange um contrato pelo qual uma das partes concede um crédito à outra parte para financiar a utilização locativa de um bem de que continua proprietária e que a outra parte pode, no termo do contrato, restituir ou comprar, precisando‑se que a maioria das vantagens e dos riscos inerentes à propriedade legal são transferidos para essa outra parte durante todo o período de vigência do contrato (v., por analogia, Acórdão de 16 de fevereiro de 2012, Eon Aset Menidjmunt, C‑118/11, EU:C:2012:97, n.os 37 e 38).

135    No caso, resulta das características do contrato de leasing em causa no processo principal, recordadas no n.o 129 do presente acórdão, que o BMW Bank concedeu a VK um crédito para financiar a utilização locativa de um veículo adquirido por esse banco segundo as especificações fornecidas por VK, estando este último, no termo do contrato, obrigado a restituir o veículo, dado não ter a obrigação de o comprar, devendo, porém, suportar a maior parte das vantagens e dos riscos inerentes à propriedade do veículo durante toda a vigência do contrato. Embora esse contrato de leasing esteja abrangido pelo conceito de «locação financeira» na aceção do artigo 2.o, n.o 2, alínea d), da Diretiva 2008/48, está, no entanto, excluído do âmbito de aplicação dessa diretiva, uma vez que não é acompanhado de qualquer obrigação de o consumidor comprar o objeto do contrato no seu termo.

136    No que respeita, em segundo lugar, ao âmbito de aplicação da Diretiva 2002/65, há que lembrar que, de acordo com o seu artigo 1.o, n.o 1, esta diretiva tem por objeto a aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros relativas à comercialização à distância de serviços financeiros prestados a consumidores. O considerando 14 da referida diretiva precisa que esta abrange todos os serviços financeiros que possam ser prestados à distância, sem prejuízo da aplicação das disposições da legislação da União que regem especificamente determinados serviços financeiros.

137    Para estar abrangido pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2002/65, um contrato não só tem de ser um «contrato à distância» na aceção do artigo 2.o, alínea a), desta diretiva, mas deve também ter por objeto a prestação de um «serviço financeiro», na aceção do artigo 2.o, alínea b), da referida diretiva, sendo estes dois requisitos cumulativos.

138    A este respeito, há que lembrar que a Diretiva 2002/65 procede, em princípio, à harmonização completa dos aspetos que regula, pelo que a sua redação deve ser objeto de interpretação comum a todos os Estados‑Membros (Acórdão de 18 de junho de 2020, Sparkasse Südholstein, C‑639/18, EU:C:2020:477, n.o 23), em conformidade com os princípios jurisprudenciais recordados no n.o 133 do presente acórdão.

139    No que respeita ao conceito de «serviço financeiro», o artigo 2.o, alínea b), da Diretiva 2002/65 define‑o como qualquer serviço bancário, de crédito, de seguros, de pensão individual, de investimento ou de pagamento. Importa, portanto, verificar se um contrato de leasing como o que está em causa no processo principal diz respeito a pelo menos um dos domínios referidos no artigo 2.o, alínea b), da Diretiva 2002/65.

140    Primeiro, há que considerar, como faz o advogado‑geral no n.o 95 das suas conclusões, que o conceito de «serviço bancário», na aceção dessa disposição, deve ser entendido como um serviço proposto no âmbito de uma atividade comercial tradicionalmente exercida pelos bancos.

141    Refira‑se, a este respeito, como sustenta o Governo Alemão nas suas observações escritas, que a oferta de um contrato de leasing relativo a um veículo automóvel como o que está em causa no processo principal se situa, em todo o caso, fora da gama de prestações clássica do setor bancário, sendo esse serviço específico, na maior parte das vezes, oferecido por bancos ligados a construtores automóveis ou por sociedades especializadas no leasing automóvel, como as sociedades de aluguer de veículos.

142    Daí resulta que esse contrato não tem por objeto um «serviço bancário» na aceção do artigo 2.o, alínea b), da Diretiva 2002/65.

143    Segundo, no que respeita ao conceito de «serviço […] de crédito» na aceção do artigo 2.o, alínea b), da Diretiva 2002/65, há que observar que esta diretiva não contém uma definição do termo «crédito».

144    Contudo, na linguagem jurídica corrente, este termo designa a disponibilização de uma quantia em dinheiro ou prazos ou facilidades de pagamento pelo mutuante ao mutuário para efeitos de financiamento ou de pagamento diferido, de modo que um contrato de crédito deve ser considerado um contrato por força do qual um mutuante concede ou se obriga a conceder a um consumidor um crédito na forma de pagamento diferido, empréstimo ou qualquer outra facilidade de pagamento semelhante.

145    Daí resulta que um contrato de serviço financeiro relativo ao crédito é, como resulta também, em substância, dos n.os 97 e 100 das conclusões do advogado‑geral, caracterizado pelo facto de se inscrever numa lógica de financiamento ou de pagamento diferido, através de fundos ou de prazos ou facilidades de pagamento colocados à disposição do consumidor pelo profissional para esse efeito.

146    No caso, como exposto no Tribunal de Justiça, um contrato de leasing de um veículo automóvel sem obrigação de compra, como o que está em causa no processo principal, contém dois elementos, a saber, por um lado, um elemento de crédito caracterizado pela circunstância de um banco conceder a um consumidor um crédito na forma de facilidades de pagamento e, por outro, um elemento de locação que visa permitir ao consumidor utilizar, durante um período determinado, um veículo da sua escolha pertencente a esse banco em contrapartida do pagamento de um preço inicial seguido de prestações mensais.

147    Nestas condições, para determinar se esse contrato, devido ao seu caráter híbrido, é de crédito, na aceção do artigo 2.o, alínea b), da Diretiva 2002/65, há que atender, como indicou o advogado‑geral no n.o 97 das suas conclusões, ao seu objeto principal, para verificar se o elemento relativo ao crédito prevalece sobre o elemento relativo ao aluguer ou se é o inverso.

148    A este respeito, há que observar, como, em substância, o advogado‑geral indica no n.o 100 das suas conclusões, que esse contrato não se distingue, no essencial, de um contrato de aluguer de automóvel de longa duração no âmbito do qual o consumidor tem de pagar um aluguer em contrapartida do direito de utilizar o veículo, desde que não seja acompanhado de uma obrigação de compra do veículo no termo do período de leasing, o consumidor não suporte a amortização integral dos custos suportados pelo fornecedor do veículo para a aquisição deste e não suporte os riscos ligados ao valor residual do veículo no termo do contrato. A obrigação de o consumidor compensar a perda de valor do veículo se se verificar, no momento da sua restituição, que o seu estado não corresponde à sua idade ou que a quilometragem máxima acordada foi ultrapassada também não permite distinguir estes tipos de contratos.

149    Uma vez que o objeto principal de um contrato de leasing relativo a um veículo automóvel sem obrigação de compra, como o que está em causa no processo principal, diz respeito à locação desse veículo, esse contrato não pode ser qualificado de contrato de serviço financeiro de crédito, na aceção do artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2002/65, conjugado com o seu artigo 2.o, alínea b).

150    Terceiro, dado que esse contrato também não é manifestamente «de seguros, de pensão individual, de investimento ou de pagamento», na aceção do artigo 2.o, alínea b), da Diretiva 2002/65, não pode ser qualificado de contrato relativo à comercialização de um «serviço financeiro», na aceção dessa mesma disposição.

151    Uma vez que não está preenchido um dos dois pressupostos cumulativos mencionados no n.o 137 do presente acórdão, há que concluir que um contrato de leasing relativo a um veículo automóvel, caracterizado nomeadamente pelo facto de nem esse contrato nem um contrato separado estipularem que o consumidor é obrigado a comprar o veículo no termo do contrato, bem como pelo facto de o consumidor não suportar a amortização integral dos custos suportados pelo fornecedor do veículo para a aquisição deste nem os riscos ligados ao valor residual do veículo no termo do contrato, não pertence ao âmbito de aplicação da Diretiva 2002/65.

152    Em terceiro lugar, no que respeita ao âmbito de aplicação da Diretiva 2011/83, há que lembrar que, de acordo com o seu artigo 3.o, n.o 1, esta diretiva se aplica, nas condições e na medida prevista nas suas disposições, a todos os contratos celebrados entre um profissional e um consumidor, com exceção dos contratos referidos no n.o 3 desse artigo, tal como os contratos de serviço financeiro, estando estes últimos definidos no artigo 2.o, ponto 12, desta diretiva, em substância, da mesma forma que no artigo 2.o, alínea b), da Diretiva 2002/65, mencionado no n.o 139 do presente acórdão.

153    Um contrato de leasing como o do processo principal não pode ser qualificado, por analogia com as considerações expostas nos n.os 143 a 149 do presente acórdão, de contrato «de serviço financeiro», na aceção do artigo 2.o, ponto 12, dessa Diretiva 2011/83. Contudo, não se pode excluir a possibilidade de esse contrato de leasing ser qualificado de «contrato de prestação de serviços» na aceção do artigo 2.o, ponto 6, dessa mesma diretiva.

154    A este respeito, há que lembrar que o conceito de «contrato de prestação de serviços», referido nesta última disposição desta diretiva, é definido de forma lata no sentido de que corresponde a «qualquer contrato, com exceção de um contrato de compra e venda, ao abrigo do qual o profissional presta ou se compromete a prestar um serviço ao consumidor e o consumidor paga ou se compromete a pagar o respetivo preço». Resulta da redação desta disposição que este conceito deve ser entendido no sentido de que inclui todos os contratos que não estão abrangidos pelo conceito de «contrato de compra e venda» (Acórdão de 12 de março de 2020, Verbraucherzentrale Berlin, C‑583/18, EU:C:2020:199, n.o 22).

155    Um contrato de leasing como o que está em causa no processo principal, pelo qual um profissional se obriga a disponibilizar um veículo a um consumidor em contrapartida de pagamentos escalonados sem obrigação de compra desse veículo no termo do leasing, não constitui um «contrato de compra e venda», que consiste em transmitir a propriedade do veículo ao consumidor, na aceção do artigo 2.o, ponto 5, da Diretiva 2011/83. Uma vez que esse contrato também não faz parte da lista das exclusões a que se refere o artigo 3.o, n.o 3, dessa diretiva, há que considerar que faz parte do âmbito de aplicação dessa diretiva enquanto «contrato de prestação de serviços», na aceção do seu artigo 2.o, ponto 6.

156    Em face destes fundamentos, há que responder à quinta questão no processo C‑38/21 que o artigo 2.o, ponto 6, da Diretiva 2011/83, conjugado com o seu artigo 3.o, n.o 1, deve ser interpretado no sentido de que um contrato de leasing relativo a um veículo automóvel, caracterizado pelo facto de nem esse contrato nem um contrato separado estipularem que o consumidor é obrigado a comprar o veículo no termo do contrato, está abrangido pelo âmbito de aplicação dessa diretiva, enquanto «contrato de prestação de serviços», na aceção do seu artigo 2.o, ponto 6. Em contrapartida, esse contrato não faz parte do âmbito de aplicação da Diretiva 2002/65 nem da Diretiva 2008/48.

 Quanto às sexta a oitava questões no processo C38/21

157    Há que observar que todas estas questões são colocadas para o caso de o Tribunal de Justiça concluir que um contrato de leasing como o que está em causa no processo principal deve ser qualificado de contrato relativo a serviços financeiros na aceção das Diretivas 2002/65 e/ou 2011/83.

158    Ora, resulta das considerações expostas nos n.os 149, 151 e 156 do presente acórdão que esse contrato não tem por objeto serviços financeiros na aceção dessas diretivas, antes devendo ser qualificado de «contrato de prestação de serviços» na aceção do artigo 2.o, ponto 6, da Diretiva 2011/83, lido em conjugação com o seu artigo 3.o, n.o 1.

159    Assim, as sexta a oitava questões continuam a ser pertinentes, uma vez que têm por objeto a interpretação das disposições dessa diretiva.

160    A este respeito, importa precisar que estas questões visam, em substância, permitir ao órgão jurisdicional de reenvio determinar se VK pode invocar o direito de retratação, previsto no artigo 9.o da Diretiva 2011/83, apenas para os contratos celebrados à distância ou fora do estabelecimento comercial, ou se esse direito está excluído por força do seu artigo 16.o

161    Nestas condições, o Tribunal de Justiça considera útil responder, antes do mais, à oitava questão, relativa ao conceito de «contrato à distância», e depois à sexta questão, relativa ao conceito de «contrato celebrado fora do estabelecimento comercial», e, por último, à sétima questão, relativa ao artigo 16.o da Diretiva 2011/83.

–       Quanto à oitava questão prejudicial no processo C38/21

162    Com a oitava questão no processo C‑38/21, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 2.o, ponto 7, da Diretiva 2011/83 deve ser interpretado no sentido de que um contrato de prestação de serviços, na aceção do artigo 2.o, ponto 6, dessa diretiva, celebrado entre um consumidor e um profissional através de um meio de comunicação à distância, pode ser qualificado de «contrato à distância», na aceção da primeira destas disposições, quando, durante a fase preparatória da celebração do contrato, o consumidor esteve na presença física de um intermediário habilitado a responder às suas questões e a preparar o contrato mas não a celebrá‑lo.

163    O artigo 2.o, n.o 7, da Diretiva 2011/83 define «[c]ontrato à distância» como qualquer contrato celebrado entre o profissional e o consumidor no âmbito de um sistema de vendas ou prestação de serviços organizado para o comércio à distância, sem a presença física simultânea do profissional e do consumidor, mediante a utilização exclusiva de um ou mais meios de comunicação à distância até ao momento da celebração do contrato, inclusive.

164    Resulta assim da redação desta disposição, nomeadamente da expressão «até ao momento […] inclusive», que, para efeitos da qualificação de um contrato como «contrato à distância», a exigência da utilização exclusiva de um ou mais meios de comunicação à distância entre o profissional e o consumidor sem a presença física simultânea dessas pessoas é válida não só para a celebração do contrato enquanto tal mas também para a sua fase preparatória.

165    Por outro lado, decorre da definição do conceito de «profissional», que figura no artigo 2.o, ponto 2, da Diretiva 2011/83, que um profissional pode agir, no que respeita a contratos abrangidos pelo âmbito de aplicação desta diretiva, por intermédio de outra pessoa que atue em seu nome ou por sua conta.

166    A este respeito, há que salientar que um intermediário que, como no caso, está habilitado pelo profissional a proceder ao cálculo dos diferentes elementos do objeto do contrato, a discutir as modalidades e as condições do contrato com o consumidor, a fornecer informações sobre o contrato previsto e a responder às questões desse consumidor, bem como a preencher, receber ou transmitir o pedido escrito do referido consumidor relativo à celebração de um contrato com o profissional atua necessariamente em nome e por conta do profissional.

167    Resulta das considerações expostas nos n.os 163 a 166 do presente acórdão que a presença física simultânea do consumidor e de um intermediário que atua em nome ou por conta do profissional na fase preparatória da celebração do contrato se opõe, em princípio, a que se possa considerar que o referido contrato foi celebrado exclusivamente através de uma ou mais técnicas de comunicação à distância.

168    No entanto, como resulta do considerando 20 da Diretiva 2011/83, a definição do conceito de «contrato à distância» abrange as situações em que o consumidor se desloca a um estabelecimento comercial apenas para recolher informações sobre bens ou serviços e, em seguida, negoceia e celebra o contrato à distância. Em contrapartida, um contrato que tenha sido negociado no estabelecimento comercial do profissional e tenha sido celebrado por um meio de comunicação à distância não deverá ser considerado um contrato à distância.

169    As disposições da Diretiva 2011/83 em matéria de contratos à distância visam, neste sentido, evitar que a utilização de técnicas de comunicação à distância conduza a uma diminuição das informações fornecidas ao consumidor, em especial na medida em que as informações prestadas antes da celebração de um contrato nos termos do artigo 6.o dessa diretiva, que dizem respeito tanto às condições contratuais e às consequências da referida celebração, que permitem a esse consumidor decidir se deseja vincular‑se contratualmente a um profissional, como à boa execução do contrato, nomeadamente ao exercício dos direitos do referido consumidor, são, para este último, de importância fundamental. (v., neste sentido, Acórdãos de 23 de janeiro de 2019, Walbusch Walter Busch, C‑430/17, EU:C:2019:47, n.os 35 e 36 e jurisprudência referida, e de 5 de maio de 2022, Victorinox, C‑179/21, EU:C:2022:353, n.o 26 e jurisprudência referida).

170    Assim, não há que decidir pela qualificação de «contrato à distância», na aceção do artigo 2.o, ponto 7, da Diretiva 2011/83, para contratos que, sendo certo terem sido celebrados com o profissional através de um meio de comunicação à distância, mas que foram objeto de negociação entre o consumidor e um intermediário que atua em nome ou por conta do profissional, durante o qual o consumidor, na presença física desse intermediário, recebeu, nomeadamente, as informações referidas no artigo 6.o da Diretiva 2011/83 e pôde colocar questões a este sobre o contrato previsto ou a proposta feita, para dissipar qualquer incerteza quanto ao alcance do seu eventual compromisso contratual com o profissional.

171    Em contrapartida, um contrato celebrado entre um consumidor e um profissional através de uma ou várias técnicas de comunicação à distância pode ser qualificado de «contrato à distância», na aceção do artigo 2.o, ponto 7, da Diretiva 2011/83, quando, na fase preparatória da celebração do contrato com o profissional, o consumidor se encontrou na presença física de um intermediário que atuava em nome ou por conta do profissional, tendo‑se esse intermediário limitado, no entanto, a permitir ao consumidor recolher informações sobre o objeto do contrato e, se for caso disso, receber e transmitir ao profissional o pedido do consumidor sem negociar com este último nem lhe fornecer as informações referidas no artigo 6.o desta diretiva.

172    Resulta das considerações expostas nos n.os 46 e 166 do presente acórdão que houve efetivamente uma fase de negociação entre VK e um intermediário habilitado a agir em nome ou por conta do BMW Bank, em especial na medida em que os elementos e a duração do leasing, bem como o montante do pagamento inicial e das mensalidades devidas, foram, enquanto informações previstas no artigo 6.o, n.o 1, alíneas a), e), g) e o), da Diretiva 2011/83, objeto de discussão entre essas duas pessoas, tendo o intermediário, além disso, respondido às questões de VK relativas ao contrato previsto. Sem prejuízo de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio de que VK recebeu no âmbito dessa fase preparatória, de forma clara e compreensível, todas as informações referidas no artigo 6.o desta diretiva, há que concluir, portanto, em conformidade com as considerações expostas no n.o 170 do presente acórdão, que o contrato de leasing em causa no processo principal não é um contrato à distância na aceção do artigo 2.o, ponto 7, da Diretiva 2011/83.

173    Em face destes fundamentos, há que responder à oitava questão no processo C‑38/21 que o artigo 2.o, ponto 7, da Diretiva 2011/83 deve ser interpretado no sentido de que um contrato de prestação de serviços, na aceção do artigo 2.o, ponto 6, desta diretiva, celebrado entre um consumidor e um profissional através de um meio de comunicação à distância, não pode ser qualificado de «contrato à distância», na aceção da primeira destas disposições, quando a celebração do contrato tiver sido precedida de uma fase de negociação que decorreu na presença física simultânea do consumidor e de um intermediário que atua em nome ou por conta do profissional e durante a qual esse consumidor recebeu desse intermediário, para efeitos dessa negociação, todas as informações referidas no artigo 6.o da referida diretiva e pôde colocar questões ao referido intermediário sobre o contrato previsto ou sobre a proposta feita, para dissipar qualquer incerteza quanto ao alcance do seu eventual compromisso contratual com o profissional.

–       Quanto à sexta questão prejudicial no processo C38/21

174    Com a sexta questão no processo C‑38/21, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 2.o, ponto 8, alínea a), da Diretiva 2011/83 deve ser interpretado no sentido de que um contrato de prestação de serviços, na aceção do artigo 2.o, ponto 6, dessa diretiva, celebrado entre um consumidor e um profissional pode ser qualificado de «contrato celebrado fora do estabelecimento comercial», na aceção da primeira destas disposições, quando, durante a fase preparatória da celebração do contrato através da utilização de meios de comunicação à distância, o consumidor se deslocou ao estabelecimento comercial de um intermediário que atuava em nome ou por conta do profissional para efeitos da negociação desse contrato, mas que operava num domínio de atividade diferente desse profissional.

175    A este respeito, há que lembrar que, em conformidade com o artigo 2.o, ponto 8, alínea a), da Diretiva 2011/83, o conceito de «contrato celebrado fora do estabelecimento comercial» é definido, nomeadamente, como qualquer contrato entre o profissional e o consumidor celebrado na presença física simultânea do profissional e do consumidor, num local que não é o estabelecimento comercial do profissional. Nos termos do artigo 2.o, ponto 9, desta diretiva, o conceito de «estabelecimento comercial» é definido no sentido de que abrange quaisquer instalações imóveis de venda a retalho onde o profissional exerça a sua atividade de forma permanente ou quaisquer instalações móveis de venda a retalho em que o profissional exerça a sua atividade de forma habitual.

176    O artigo 2.o, ponto 2, da Diretiva 2011/83 prevê que o «profissional» pode agir por intermédio de outra pessoa que atue em seu nome ou por sua conta. Além disso, resulta do considerando 22 desta diretiva que o estabelecimento comercial de um intermediário deve ser considerado um estabelecimento profissional na aceção dessa diretiva, ou seja, o estabelecimento comercial do profissional, na aceção do artigo 2.o, ponto 9, da referida diretiva.

177    Por conseguinte, resulta de uma leitura conjugada de todas estas disposições à luz desse considerando que, quando um consumidor se desloca espontaneamente ao estabelecimento comercial de um intermediário que atua em nome ou por conta do profissional e aí negoceia um contrato antes de o celebrar com o profissional através de um meio de comunicação à distância, esse contrato não constitui um «contrato celebrado fora do estabelecimento comercial», na aceção do artigo 2.o, n.o 8, alínea a), da Diretiva 2011/83, mesmo que o consumidor se tenha deslocado unicamente ao estabelecimento comercial próprio do intermediário.

178    Esta interpretação é reforçada pelo objetivo prosseguido pelas disposições da Diretiva 2011/83 relativas aos contratos celebrados fora do estabelecimento comercial, que consiste, como resulta dos considerandos 21 e 37 dessa diretiva, em proteger o consumidor contra o risco de ser sujeito a pressão psicológica ou de ser confrontado com um elemento surpresa quando se encontra fora do estabelecimento comercial do profissional (v., neste sentido, Acórdão de 7 de agosto de 2018, Verbraucherzentrale Berlin, C‑485/17, EU:C:2018:642, n.o 33).

179    Neste contexto, o Tribunal de Justiça já declarou que, se o legislador da União, em princípio, previu um direito de retratação para proteger o consumidor nos contratos celebrados fora do estabelecimento comercial, no caso de, no momento da celebração do contrato, o consumidor não se encontrar num estabelecimento ocupado de forma permanente ou habitual pelo profissional, foi porque considerou que o referido consumidor só pode esperar ser solicitado pelo profissional quando se desloca espontaneamente para um estabelecimento ocupado de forma permanente ou habitual por esse profissional, de modo que, sendo caso disso, não pode validamente sustentar em seguida ter sido surpreendido pela proposta do referido profissional (v., neste sentido, Acórdão de 7 de agosto de 2018, Verbraucherzentrale Berlin, C‑485/17, EU:C:2018:642, n.o 34).

180    Ora, a situação não pode ser diferente quando esse consumidor se desloca espontaneamente ao estabelecimento comercial de um intermediário que atua com toda a aparência em nome ou por conta desse profissional, independentemente da questão de saber se esse intermediário está habilitado a agir unicamente para efeitos da negociação do contrato e não da sua celebração. Nesse caso, o estabelecimento comercial do intermediário deve ser equiparado ao estabelecimento comercial do profissional na aceção do artigo 2.o, ponto 8, alínea a), da Diretiva 2011/83, lido à luz do seu considerando 22.

181    Assim sendo, no caso de o próprio intermediário ser um profissional cuja atividade pertence a um setor diferente da do profissional em nome ou por conta do qual atua, é determinante saber, para se poder proceder a essa equiparação, se um consumidor médio, normalmente informado e razoavelmente atento e avisado, pode ou não esperar, ao deslocar‑se ao estabelecimento comercial do referido intermediário, ser objeto de uma solicitação comercial por parte deste último para efeitos de negociação e, em seguida, de celebração à distância de um contrato abrangido pela atividade do profissional em nome ou por conta do qual atua esse intermediário (v., neste sentido, Acórdão de 7 de agosto de 2018, Verbraucherzentrale Berlin, C‑485/17, EU:C:2018:642, n.os 43 e 44).

182    Nestas condições, caberá ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se, ao dirigir‑se ao estabelecimento comercial do concessionário automóvel, VK podia, do ponto de vista de um consumidor médio, normalmente informado e razoavelmente atento e avisado, esperar ser objeto de uma solicitação comercial por parte desse concessionário para efeitos da negociação e da celebração de um contrato de leasing com o BMW Bank e, além disso, facilmente compreender que esse concessionário atuava em nome ou por conta do profissional.

183    Em face destes fundamentos, há que responder à sexta questão submetida no processo C‑38/21 que o artigo 2.o, ponto 8, alínea a), da Diretiva 2011/83 deve ser interpretado no sentido de que um contrato de prestação de serviços, na aceção do artigo 2.o, ponto 6, dessa diretiva, celebrado entre um consumidor e um profissional, não pode ser qualificado de «contrato celebrado fora do estabelecimento comercial», na aceção da primeira destas disposições, quando, durante a fase preparatória da celebração do contrato através da utilização de um meio de comunicação à distância, o consumidor se tenha deslocado ao estabelecimento comercial de um intermediário que atuava em nome ou por conta do profissional para efeitos da negociação desse contrato, mas que operava noutro domínio de atividade diferente desse profissional, desde que esse consumidor pudesse esperar, enquanto consumidor médio, normalmente informado e razoavelmente atento e avisado, ao deslocar‑se ao estabelecimento comercial do intermediário, ser objeto de uma solicitação comercial por parte deste último para efeitos da negociação e da celebração de um contrato de prestação de serviços com o profissional e que, além disso, tenha podido compreender facilmente que esse intermediário atuava em nome ou por conta do referido profissional.

–       Quanto à sétima questão no processo C38/21

184    Com a sétima questão no processo C‑38/21, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 16.o, alínea l), da Diretiva 2011/83 deve ser interpretado no sentido de que a exceção ao direito de retratação prevista nesta disposição para os contratos à distância ou fora do estabelecimento comercial abrangidos pelo âmbito de aplicação dessa diretiva e que têm por objeto serviços de aluguer de automóveis com uma data ou um período de execução específico é oponível a um consumidor que celebrou com um profissional, por um período de 24 meses, um contrato de leasing relativo a um veículo automóvel, qualificado de contrato de serviço à distância ou fora do estabelecimento comercial na aceção da referida diretiva.

185    A título preliminar, há que esclarecer que a resposta do Tribunal de Justiça a esta questão só será relevante no caso de o órgão jurisdicional de reenvio vir a qualificar o contrato de leasing em causa no processo principal, à luz da resposta dada às oitava e sexta questões no processo C‑38/21, de contrato à distância ou de contrato celebrado fora do estabelecimento comercial, na aceção da Diretiva 2011/83.

186    Feito este esclarecimento, há que lembrar que os artigos 9.o a 15.o dessa diretiva conferem ao consumidor um direito de retratação na sequência da celebração de um contrato à distância ou de um contrato celebrado fora do estabelecimento comercial, na aceção, respetivamente, do artigo 2.o, pontos 7 e 8, dessa diretiva, e estabelecem as condições e as modalidades de exercício desse direito.

187    No entanto, o artigo 16.o da mesma diretiva estabelece exceções a esse direito de retratação, nomeadamente no caso, previsto na alínea l) desse artigo, de prestação de serviços de aluguer de automóveis se o contrato previr uma data ou um período de execução específicos.

188    Há que determinar, portanto, se um contrato de leasing relativo a um veículo automóvel celebrado por um período de 24 meses, como o do processo principal, é relativo a um «fornecimento de […] serviços de aluguer de automóveis [por] uma data ou período de execução específicos», na aceção do artigo 16.o, alínea l), da Diretiva 2011/83. Na falta de uma remissão para o direito dos Estados‑Membros, esse conceito deve, de acordo com a jurisprudência lembrada no n.o 133 do presente acórdão, ter uma interpretação autónoma e uniforme que deve ser procurada tendo em conta os termos desse conceito e à luz do contexto e do objetivo prosseguido por essa disposição.

189    Além disso, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, quando os termos a interpretar constam de uma disposição que constitui uma exceção a um princípio ou, mais especificamente, a normas do direito da União que se destinam a proteger os consumidores, devem ser interpretados de forma estrita [v., neste sentido, Acórdãos de 10 de março de 2005, EasyCar, C‑336/03, EU:C:2005:150, n.o 21, e de 14 de maio de 2020, NK (Projeto de casa individual), C‑208/19, EU:C:2020:382, n.o 40]. Contudo, isso não significa que os termos utilizados para definir esse regime excecional devam ser interpretados para o privar dos seus efeitos. Com efeito, a interpretação desses termos deve ser conforme com os objetivos prosseguidos por esse regime (Acórdão de 30 de setembro de 2021, Icade Promotion, C‑299/20, EU:C:2021:783, n.o 31 e jurisprudência referida).

190    No que respeita, em primeiro lugar, à redação do artigo 16.o, alínea l), da Diretiva 2011/83, há que considerar que os serviços de aluguer de automóveis referidos nesta disposição se caracterizam pela colocação à disposição do consumidor, numa data ou durante um período específico, de um veículo, isto é, de um veículo automóvel, em contrapartida do pagamento de um preço de aluguer ou de mensalidades (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 10 de março de 2005, EasyCar, C‑336/03, EU:C:2005:150, n.o 27).

191    Ora, referido no n.o 148 do presente acórdão, o objeto principal de um contrato de locação financeira como o que está em causa no processo principal consiste em permitir ao consumidor utilizar o veículo durante um período de execução específico, no caso presente 24 meses, em contrapartida do pagamento mensal de uma quantia em dinheiro durante todo esse período. Embora seja verdade que esse contrato inclui também um elemento de crédito, a redação do artigo 16.o, alínea l), da Diretiva 2011/83, na medida em que visa de forma geral o «fornecimento de […] serviços de aluguer de automóveis», não permite considerar, mesmo tendo em conta a jurisprudência referida no n.o 189 do presente acórdão, que o legislador da União tenha pretendido excluir do âmbito de aplicação desta disposição os contratos de leasing relativos a veículos automóveis.

192    Em especial, o facto de o artigo 16.o, alínea l), da Diretiva 2011/83 impor como condição que o contrato de aluguer de automóveis preveja uma data ou um período de execução «específicos» não permite considerar que o legislador da União só previu contratos de aluguer de curta duração. Com efeito, o termo «específicos» é igualmente suscetível de abranger contratos de locação com uma duração mais longa, como uma duração de 24 meses, desde que esteja especificada de forma suficientemente precisa no contrato.

193    Em segundo lugar, no que respeita ao contexto em que se inscreve essa disposição, é verdade que as categorias de serviços não relativos ao aluguer de automóveis, nela mencionadas, a saber, os serviços de alojamento não residenciais, os serviços de transporte de bens, os serviços de restauração e os serviços relacionados com atividades de lazer, são, regra geral, prestados de forma pontual ou por períodos relativamente curtos. Contudo, o artigo 16.o, alínea l), da Diretiva 2011/83 não deixa transparecer a existência de nenhuma limitação concreta no tempo que permita considerar que só os contratos de aluguer de automóveis celebrados por um determinado período máximo podem estar abrangidos pela exceção ao direito de retratação prevista nesta disposição. Deve ser ainda menos assim quando as outras categorias de serviços também podem, em determinadas circunstâncias, ser objeto de contratos de longa duração.

194    Em terceiro lugar, tendo em conta as considerações expostas nos n.os 190 a 193 e a jurisprudência recordada no n.o 189 do presente acórdão, é, portanto, à luz do objetivo prosseguido pelo artigo 16.o, alínea l), da Diretiva 2011/83 que há que determinar se o conceito de «fornecimento de […] serviços de aluguer de automóveis [por] uma data ou período de execução específicos», de interpretação estrita, inclui os contratos de leasing relativos a um veículo automóvel celebrados por um período de 24 meses, como o que está em causa no processo principal.

195    Este objetivo consiste, como resulta do considerando 49 desta diretiva, em proteger o profissional contra o risco associado à reserva de determinadas capacidades que este último poderá ter dificuldades em preencher em caso de exercício do direito de retratação (Acórdão de 31 de março de 2022, CTS Eventim, C‑96/21, EU:C:2022:238, n.o 44).

196    Assim, o artigo 16.o, alínea l), da Diretiva 2011/83 visa, nomeadamente, instituir uma proteção dos interesses dos fornecedores de determinados serviços, para que estes não sofram os inconvenientes desproporcionados ligados à anulação, sem despesas nem motivos, de um serviço que deu origem a uma reserva prévia, em consequência de uma retratação do consumidor pouco tempo antes do momento previsto para a prestação desse serviço (Acórdão de 31 de março de 2022, CTS Eventim, C‑96/21, EU:C:2022:238, n.o 45 e jurisprudência referida).

197    No que respeita mais especificamente à atividade das empresas de aluguer de automóveis, o Tribunal de Justiça declarou que a proteção que o legislador da União quis conferir‑lhe pela referida exceção ao direito de retratação está ligada ao facto de essas empresas terem de adotar disposições para a realização, na data fixada no momento da reserva, da prestação acordada e sofrerem, por essa razão, os mesmos inconvenientes em caso de anulação que as empresas que exercem a sua atividade nos outros setores enumerados na referida disposição (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 10 de março de 2005, EasyCar, C‑336/03, EU:C:2005:150, n.o 29).

198    No caso, resulta dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça que, no âmbito de um contrato de leasing como o que está em causa no processo principal, o profissional adquire o veículo em causa a pedido e em função das especificações do consumidor. O profissional continua a ser proprietário do veículo durante a vigência do contrato, estando o consumidor obrigado a restituir‑lhe esse veículo no seu termo, para que o profissional o destine a uma nova utilização, como um novo leasing, outra forma de locação ou uma venda.

199    Ora, independentemente do período pelo qual esse contrato é celebrado, o profissional pode, no caso de vir a ser reconhecido ao consumidor um direito de retratação, ter dificuldades em reafetar, sem sofrer inconvenientes desproporcionados, o veículo especialmente adquirido a pedido do consumidor para cumprir as especificações deste último. Com efeito, em função, nomeadamente, da marca, do modelo, do tipo de motor, da cor da carroçaria ou do interior do veículo ou ainda das opções de que este está equipado, o profissional pode não conseguir, num prazo razoável após o exercício do direito de retratação, afetar o veículo a outra utilização equivalente durante o período correspondente ao período de locação financeira originalmente previsto, sem sofrer um prejuízo económico considerável.

200    Esta interpretação é coerente com a exceção ao direito de retratação prevista no artigo 16.o, alínea c), da Diretiva 2011/83, relativa ao «fornecimento de bens realizados segundo as especificações do consumidor ou claramente personalizados». É certo que um contrato de leasing como o que está em causa no processo C‑38/21 não tem por objeto o fornecimento de um bem, mas sim a prestação de um serviço. Não deixa de ser verdade que esta outra exceção demonstra a vontade de o legislador da União excluir o direito de retratação nos casos em que um bem foi fabricado ou fabricado segundo especificações precisas do consumidor, o que é o caso quando um veículo novo é encomendado segundo as especificações precisas do consumidor para utilização no âmbito de um contrato de leasing.

201    Resulta da interpretação literal, contextual e teleológica do artigo 16.o, alínea l), da Diretiva 2011/83, efetuada nos n.os 190 a 200 do presente acórdão, que um contrato de locação financeira relativo a um veículo automóvel celebrado por um período de 24 meses, como o que está em causa no processo principal, se refere a um «fornecimento de […] serviços de aluguer de automóveis [por] uma data ou período de execução específicos», na aceção do artigo 16.o, alínea l), da Diretiva 2011/83.

202    Em face destes fundamentos, há que responder à sétima questão submetida no processo C‑38/21 que o artigo 16.o, alínea l), da Diretiva 2011/83 deve ser interpretado no sentido de que está abrangido pela exceção ao direito de retratação prevista nesta disposição para os contratos à distância ou fora do estabelecimento comercial abrangidos pelo âmbito de aplicação desta diretiva e que tenha por objeto serviços de aluguer de automóveis com uma data ou um período específicos de execução um contrato de leasing relativo a um veículo automóvel celebrado entre um profissional e um consumidor e qualificado de contrato de prestação de serviços à distância ou fora do estabelecimento comercial na aceção da referida diretiva, quando o objeto principal desse contrato consiste em permitir ao consumidor utilizar um veículo durante o período de tempo específico previsto no referido contrato, em contrapartida do pagamento regular de montantes pecuniários.

 Quanto às primeira a quarta questões no processo C38/21

203    Uma vez que as primeira a quarta questões têm por objeto a interpretação de disposições da Diretiva 2008/48, há que observar, em primeiro lugar, que, dado que um contrato de leasing como o que está em causa no processo principal não está abrangido, em conformidade com a resposta à quinta questão no processo C‑38/21, pelo âmbito de aplicação desta diretiva, deixa de ser necessário, por força da jurisprudência recordada no n.o 110 do presente acórdão, responder a estas quatro primeiras questões à luz da referida diretiva.

204    Isto não é posto em causa pelo facto de o órgão jurisdicional de reenvio expor que, em seu entender, esse contrato de leasing deve ser regido por analogia pelas disposições de direito nacional que transpõem a Diretiva 2008/48.

205    É verdade que, nos termos do artigo 1.o da Diretiva 2008/48, conjugado com o seu considerando 10, os Estados‑Membros têm, apesar da harmonização completa dos aspetos abrangidos por esta diretiva, a faculdade de manter ou introduzir disposições nacionais correspondentes às disposições da referida diretiva ou a algumas das suas disposições para os contratos de crédito não abrangidos pelo âmbito de aplicação da mesma diretiva, como os «contratos de aluguer ou de locação financeira que não prevejam uma obrigação de compra do objeto do contrato, seja no próprio contrato, seja num contrato separado», referidos no artigo 2.o, n.o 2, alínea d), da Diretiva 2008/48.

206    É também verdade que o Tribunal de Justiça já se tem declarado reiteradamente competente para conhecer dos pedidos prejudiciais relativos a disposições do direito da União em situações em que essas disposições passaram a ser aplicáveis por força do direito nacional, tendo este dado cumprimento, nas soluções dadas a situações puramente internas, às soluções adotadas pelo direito da União. Existe, com efeito, um interesse efetivo da União em que, para evitar divergências de interpretação futuras, as disposições ou os conceitos procedentes do direito da União sejam interpretados de modo uniforme, quaisquer que sejam as condições em que se devam aplicar (v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, I.G.I., C‑394/18, EU:C:2020:56, n.os 45, 46 e jurisprudência referida).

207    Contudo, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que as disposições em causa do direito da União devem ter passado a ser aplicáveis por força do direito nacional de forma direta e incondicional, para assegurar um tratamento idêntico às situações internas e às situações reguladas pelo direito da União, e que os elementos concretos que permitem estabelecer essa aplicabilidade direta e incondicional devem resultar da decisão de reenvio. Para este efeito, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio indicar, em conformidade com o artigo 94.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, de que modo, não obstante o seu caráter puramente interno, o litígio que lhe é submetido tem um elemento de conexão com as disposições do direito da União que torna necessária a interpretação prejudicial solicitada para a decisão dessa causa (v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, I.G.I., C‑394/18, EU:C:2020:56, n.os 48, 49 e jurisprudência referida).

208    No caso, o tribunal de reenvio expõe, no complemento ao pedido de decisão prejudicial, que o Bundesgerichtshof (Tribunal Federal de Justiça) considerou que os contratos de leasing relativos a um veículo automóvel que preveem que o consumidor não tem a obrigação de comprar o veículo no termo do contrato não pertencem ao âmbito de aplicação do artigo 506.o do BGB, que remete para disposições do BGB que transpuseram a Diretiva 2008/48. Assim, e não obstante o facto de ter dúvidas quanto a essa interpretação, o tribunal de reenvio indica no seu pedido de decisão prejudicial que, segundo a jurisprudência do Bundesgerichtshof (Tribunal Federal de Justiça), que faz parte do direito alemão, as disposições da Diretiva 2008/48 não passaram a ser aplicáveis de forma direta e incondicional por força desse direito aos contratos de leasing como os do processo principal.

209    Em segundo lugar, há que observar que, no seu complemento ao pedido de decisão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio expõe que, ainda que o contrato em causa no processo principal não viesse a ser abrangido pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2008/48 enquanto contrato de crédito ao consumo, a terceira e quarta questões no processo C‑38/21 continuariam a ser pertinentes no caso de o direito de retratação previsto para os contratos celebrados fora do estabelecimento comercial e para os contratos à distância pelas disposições do direito alemão que transpõem as disposições da Diretiva 2002/65 e da Diretiva 2011/83 poder ser invocado pelo consumidor.

210    A este respeito, resulta do n.o 156 do presente acórdão que um consumidor como VK não dispõe de um direito de retratação com fundamento na Diretiva 2002/65, uma vez que um contrato de leasing relativo a um veículo automóvel, como o que está em causa no processo principal, não está abrangido pelo âmbito de aplicação desta diretiva. Além disso, resulta dos n.os 156 e 202 do presente acórdão que, embora esse contrato esteja abrangido pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2011/83 e admitindo que possa ser qualificado de contrato celebrado fora do estabelecimento comercial ou de contrato à distância na aceção do artigo 2.o, pontos 6 e 7, desta diretiva, o consumidor que o celebrou com um profissional não beneficia do direito de retratação previsto nessa diretiva, em conformidade com o artigo 16.o, alínea l), da mesma.

211    Nestas condições, não há que responder às terceira e quarta questões no processo C‑38/21 à luz das Diretivas 2002/65 e 2011/83.

 Quanto à primeira questão submetida nos processos C47/21 e C232/21

212    A título preliminar e para responder à objeção do C. Bank, do Volkswagen Bank e do Audi Bank segundo a qual esta questão é inadmissível, há que recordar que, embora seja verdade que o teor literal da referida questão convida o Tribunal de Justiça a pronunciar‑se sobre a compatibilidade de disposições de direito interno com o direito da União, tal formulação não impede o Tribunal de Justiça de fornecer ao órgão jurisdicional de reenvio os elementos de interpretação do direito da União que lhe permitirão decidir sobre a compatibilidade do direito interno com o direito da União (Acórdão de 17 de março de 2021, Consulmarketing, C‑652/19, EU:C:2021:208, n.o 33 e jurisprudência referida).

213    No caso, resulta, antes de mais, dos pedidos de decisão prejudicial nos processos C‑47/21 e C‑232/21 que os contratos em causa nesses processos preveem que o prazo de retratação pelo consumidor só começa a correr após a celebração do contrato, desde que o mutuário tenha recebido todas as informações obrigatórias previstas no direito alemão e que correspondam, em substância, às menções indicadas no artigo 10.o, n.o 2, alínea p), da Diretiva 2008/48.

214    Em seguida, estes contratos contêm cláusulas que correspondem ao modelo legal, previsto no direito alemão. Embora o órgão jurisdicional de reenvio tenha verificado que algumas dessas cláusulas não eram conformes com o artigo 10.o, n.o 2, alínea p), da Diretiva 2008/48, precisa que resulta do artigo 247.o, n.o 6, segundo parágrafo, terceiro período, e n.o 12, primeiro parágrafo, terceiro período, da EGBGB que, se o contrato contiver uma cláusula evidenciada e apresentada claramente que corresponda ao referido modelo, considera‑se que essa cláusula cumpre as exigências em matéria de informação do consumidor quanto ao seu direito de retratação.

215    Por último, há que observar que, embora a primeira questão nos processos C‑47/21 e C‑232/21 seja submetida não só à luz do artigo 10.o, n.o 2, alínea p), da Diretiva 2008/48 mas também do artigo 14.o, n.o 1, desta diretiva, só a interpretação da primeira destas disposições é necessária para efeitos da resposta a esta questão.

216    Nestas condições, há que entender que, com a sua primeira questão nos processos C‑47/21 e C‑232/21, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 10.o, n.o 2, alínea p), da Diretiva 2008/48 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que estabelece uma presunção legal de que o profissional cumpre a sua obrigação de informar o consumidor do seu direito de retratação quando esse profissional remete, num contrato, para disposições nacionais que, por sua vez, remetem para um modelo de informação regulamentar a esse respeito, não deixando de utilizar cláusulas que figuram nesse modelo que não são conformes com o disposto nesta disposição da diretiva. Em caso afirmativo, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta igualmente se essa legislação nacional deve ser deixada por aplicar num litígio que opõe exclusivamente particulares.

217    A esse respeito, há que salientar que os contratos de mútuo em causa nos litígios nos processos C‑47/21 e C‑232/21 correspondem à definição dos contratos de crédito que constavam do artigo 3.o, alínea c), da Diretiva 2008/48. Esses contratos fazem, assim, parte do âmbito de aplicação dessa diretiva, de acordo com o seu artigo 2.o, n.o 1.

218    Feito este esclarecimento, há que lembrar que o artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva 2008/48 enumera as informações a mencionar de forma clara e concisa nos contratos de crédito abrangidos pelo âmbito de aplicação dessa diretiva nos termos do seu artigo 2.o O artigo 10.o, n.o 2, alínea p), dessa diretiva dispõe que o contrato de crédito deve especificar dessa forma a existência ou inexistência do direito de retratação, o prazo e o procedimento e outras condições para o seu exercício, incluindo informações sobre a obrigação de o consumidor pagar o capital levantado e os juros, bem como o montante dos juros diários.

219    O Tribunal de Justiça já decidiu no sentido de que o artigo 10.o, n.o 2, alínea p), da Diretiva 2008/48 se opõe a que um contrato de crédito proceda, no que diz respeito às informações visadas no artigo 10.o dessa diretiva, a uma remissão para uma disposição nacional que, por sua vez, remete para outras disposições do direito do Estado‑Membro em causa. Com efeito, quando um contrato celebrado por um consumidor remete para certas disposições de direito nacional no respeitante às informações cuja menção é exigida nos termos do artigo 10.o da Diretiva 2008/48, o consumidor não está em condições, com base no contrato, de determinar a extensão do seu compromisso contratual nem de controlar se todos os elementos exigidos, nos termos dessa disposição, figuram no contrato que celebrou, nem, a fortiori, de verificar se o prazo de retratação de que pode dispor começou a correr no que lhe diz respeito (v., neste sentido, Acórdão de 26 de março de 2020, Kreissparkasse Saarlouis, C‑66/19, EU:C:2020:242, n.os 44 e 49).

220    Daqui resulta que o artigo 10.o, n.o 2, alínea p), da Diretiva 2008/48 se opõe à inclusão no contrato de crédito de uma cláusula que remete para disposições nacionais que, por sua vez, remetem para um modelo de informação regulamentar, como o modelo legal. O mesmo acontece, a fortiori, quando as cláusulas que figuram nesse modelo sejam contrárias à referida disposição devido à sua falta de clareza no contexto do contrato em causa. Por conseguinte, a mesma disposição opõe‑se também a uma legislação nacional que associa à utilização dessas cláusulas uma presunção legal de que o profissional respeita a sua obrigação de informar o consumidor do seu direito de retratação.

221    No que respeita às consequências que o órgão jurisdicional de reenvio daqui deve retirar, há que lembrar que um órgão jurisdicional nacional que conhece de um litígio exclusivamente entre particulares é obrigado, quando aplica as disposições do direito interno adotadas para transpor as obrigações previstas numa diretiva, a tomar em consideração o conjunto das normas do direito nacional e a interpretá‑las, na medida do possível, à luz do texto e da finalidade dessa diretiva, para alcançar uma solução conforme com o objetivo por ela prosseguido (Acórdão de 18 de janeiro de 2022, Thelen Technopark Berlin, C‑261/20, EU:C:2022:33, n.o 27 e jurisprudência referida).

222    No entanto, o princípio da interpretação conforme do direito nacional está sujeito a certos limites. Assim, a obrigação de o juiz nacional se basear no conteúdo de uma diretiva quando procede à interpretação e aplicação das normas relevantes do direito interno é limitada pelos princípios gerais do direito e não pode servir de fundamento a uma interpretação contra legem do direito nacional (Acórdão de 18 de janeiro de 2022, Thelen Technopark Berlin, C‑261/20, EU:C:2022:33, n.o 28 e jurisprudência referida).

223    No caso, resulta dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça que, segundo o Bundesgerichtshof (Tribunal Federal de Justiça), a letra, a génese e a finalidade das disposições nacionais em causa no processo principal se opõem a que estas possam ser objeto de interpretação conforme à Diretiva 2008/48. O tribunal de reenvio refere, por sua vez, a existência de uma posição doutrinal a favor dessa interpretação, não deixando de rejeitar a aplicação dessas disposições nacionais.

224    Nestas condições, cabe a esse órgão jurisdicional verificar se as disposições nacionais em causa no processo principal se prestam a uma interpretação conforme com a Diretiva 2008/48, precisando‑se que não pode validamente considerar que lhe é impossível proceder a essa interpretação pelo simples facto de essas disposições terem sido interpretadas por outros órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro a que pertence, mesmo um tribunal supremo, num sentido que não é compatível com esse direito (v., neste sentido, Acórdão de 22 de abril de 2021, Profi Credit Slovakia, C‑485/19, EU:C:2021:313, n.o 72 e jurisprudência referida).

225    No caso de o órgão jurisdicional de reenvio concluir pela existência dessa impossibilidade, há que lembrar que, na impossibilidade de proceder a uma interpretação da regulamentação nacional conforme com as exigências do direito da União, o princípio do primado deste direito exige que o julgador nacional encarregado de aplicar, no âmbito da sua competência, as disposições do referido direito assegure o pleno efeito das mesmas, não aplicando, se necessário e por autoridade própria, qualquer regulamentação ou prática nacional, mesmo posterior, que seja contrária a uma disposição do direito da União com efeito direto, sem que tenha de pedir ou aguardar a eliminação prévia dessa regulamentação ou prática nacional por via legislativa ou por qualquer outro procedimento constitucional [Acórdãos de 8 de março de 2022, Bezirkshauptmannschaft Hartberg‑Fürstenfeld (Efeito direto), C‑205/20, EU:C:2022:168, n.o 37 e jurisprudência referida, e de 24 de julho de 2023, Lin, C‑107/23 PPU, EU:C:2023:606, n.o 95].

226    Ora, segundo jurisprudência constante, uma diretiva não pode, por si mesma, criar obrigações a um particular, pelo que não lhe é oponível nos tribunais nacionais. Portanto, mesmo clara, precisa e incondicional, uma disposição de uma diretiva não permite ao julgador nacional inaplicar uma disposição do seu direito interno que lhe seja contrária, se, ao fazê‑lo, vier a ser imposta a um particular uma obrigação suplementar (v., neste sentido, Acórdão de 18 de janeiro de 2022, Thelen Technopark Berlin, C‑261/20, EU:C:2022:33, n.o 32 e jurisprudência referida).

227    No caso, é pacífico, por um lado, que os litígios nos processos principais opõem exclusivamente particulares. Por outro lado, se as disposições nacionais em causa fossem afastadas por força do artigo 10.o, n.o 2, alínea p), da Diretiva 2008/48 nos litígios nos processos principais, os bancos demandados nesses litígios ficariam privados do benefício da presunção legal que estas disposições estabelecem e, por conseguinte, seriam obrigados a mencionar, de forma clara e compreensível nos contratos em causa no processo principal, as informações relativas ao direito de retratação enumeradas nessa disposição. Ora, a jurisprudência recordada no número anterior exclui que esse efeito possa ser reconhecido à referida disposição, só com fundamento no direito da União.

228    Daí resulta que o órgão jurisdicional de reenvio não é obrigado, só com fundamento no direito da União, a deixar de aplicar o artigo 247.o, n.o 6, segundo parágrafo, terceiro período, e n.o 12, primeiro parágrafo, terceiro período, da EGBGB, apesar de estas disposições serem contrárias ao artigo 10.o, n.o 2, alínea p), da Diretiva 2008/48, sem prejuízo da possibilidade de esse órgão jurisdicional inaplicar essas disposições com fundamento no seu direito interno (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 18 de janeiro de 2022, Thelen Technopark Berlin, C‑261/20, EU:C:2022:33, n.o 33).

229    No entanto, há que esclarecer que a parte lesada pela desconformidade do direito nacional com o direito da União pode invocar a jurisprudência resultante do Acórdão de 19 de novembro de 1991, Francovich e o. (C‑6/90 e C‑9/90, EU:C:1991:428), para obter, sendo caso disso, a reparação do dano sofrido (v., neste sentido, Acórdãos de 7 de março de 1996, El Corte Inglés, C‑192/94, EU:C:1996:88, n.o 22, e de 18 de janeiro de 2022, Thelen Technopark Berlin, C‑261/20, EU:C:2022:33, n.o 41 e jurisprudência referida).

230    Em face dos fundamentos expostos, há que responder à primeira questão nos processos C‑47/21 e C‑232/21, que o artigo 10.o, n.o 2, alínea p), da Diretiva 2008/48 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que estabelece uma presunção legal de que o profissional cumpre a sua obrigação de informar o consumidor do seu direito de retratação quando esse profissional remete, num contrato, para disposições nacionais que, por sua vez, remetem para um modelo de informação regulamentar a esse respeito, não deixando de utilizar cláusulas que figuram nesse modelo que não são conformes com o disposto nesta disposição da diretiva. Na impossibilidade de interpretar a regulamentação nacional em causa em conformidade com a Diretiva 2008/48, um órgão jurisdicional nacional, chamado a conhecer de um litígio que opõe exclusivamente particulares, não é obrigado, só com fundamento no direito da União, a deixar de aplicar essa regulamentação, sem prejuízo da possibilidade de esse órgão jurisdicional a afastar com fundamento no seu direito interno e, se assim não for, do direito de a parte lesada pela desconformidade do direito nacional com o direito da União pedir a reparação do dano que daí resultou para ela.

 Quanto à alínea a) da segunda questão, no processo C232/21

231    Com a segunda questão, alínea a), no processo C‑232/21, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o artigo 10.o, n.o 2, alínea p), da Diretiva 2008/48 deve ser interpretado no sentido de que o montante dos juros diários que deve ser indicado num contrato de crédito por força desta disposição, aplicável em caso de exercício do direito de retratação pelo consumidor, deve resultar aritmeticamente da taxa devedora contratual estipulada nesse contrato.

232    O artigo 10.o, n.o 2, alínea p), da Diretiva 2008/48 dispõe que um contrato de crédito deve especificar, de forma clara e concisa, informações sobre a obrigação de o consumidor, em caso de exercício do seu direito de retratação, pagar o capital levantado e os juros, nos termos do artigo 14.o, n.o 3, alínea b), desta diretiva, bem como o montante dos juros diários.

233    Resulta do artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva 2008/48, lido à luz do seu considerando 31, que o requisito de especificar, num contrato de crédito feito em papel ou noutro suporte duradouro, de forma clara e concisa, os elementos referidos nessa disposição é necessário para que o consumidor possa conhecer os seus direitos e obrigações (Acórdão de 9 de setembro de 2021, Volkswagen Bank e o., C‑33/20, C‑155/20 e C‑187/20, EU:C:2021:736, n.o 70 e jurisprudência referida).

234    O conhecimento e uma boa compreensão do consumidor quanto aos elementos que um contrato de crédito deve obrigatoriamente conter, em conformidade com o disposto no artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva 2008/48, são necessários para a boa execução desse contrato e, em especial, para o exercício dos direitos do consumidor, entre os quais figura o seu direito de retratação (v., neste sentido, Acórdão de 9 de setembro de 2021, Volkswagen Bank e o., C‑33/20, C‑155/20 e C‑187/20, EU:C:2021:736, n.o 71 e jurisprudência referida).

235    A fim de permitir uma boa compreensão dos referidos elementos no respeito da exigência de clareza imposta pelo artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva 2008/48, a informação fornecida num contrato de crédito deve, portanto, estar isenta de qualquer contradição objetivamente suscetível de induzir em erro um consumidor médio, normalmente informado e razoavelmente atento e avisado, quanto ao alcance dos seus direitos e obrigações por força do referido contrato.

236    Por outro lado, o artigo 14.o, n.o 3, alínea b), da Diretiva 2008/48 prevê, nomeadamente, que, em caso de exercício do direito de retratação, os juros devem ser calculados com base na taxa devedora acordada. Há que considerar que o conceito de «juros» engloba também os juros diários previstos no artigo 10.o, n.o 2, alínea p), desta diretiva, uma vez que o artigo 14.o, n.o 3, alínea b), da referida diretiva visa todos os «juros vencidos sobre este capital a contar da data de levantamento do crédito até à data de pagamento do capital».

237    Resulta assim das disposições conjugadas do artigo 10.o, n.o 2, alínea p), e do artigo 14.o, n.o 3, alínea b), da Diretiva 2008/48 que, no que respeita ao montante dos juros diários que o consumidor deve pagar em caso de exercício do seu direito de retratação, em nenhum caso esses juros podem ser superiores ao montante resultante aritmeticamente da taxa devedora acordada no contrato de crédito.

238    Tendo em conta a jurisprudência recordada nos n.os 233 a 235 do presente acórdão, a informação fornecida no contrato sobre o montante dos juros diários deve ser indicada de forma clara e concisa, de modo que, nomeadamente, lida em conjugação com outras informações, esteja isenta de qualquer contradição objetivamente suscetível de induzir em erro um consumidor médio, normalmente informado e razoavelmente atento e avisado quanto ao montante de juros diários que deverá pagar no final. Na falta de informações que apresentem estas características, não é devido nenhum montante de juros diários.

239    Caberá ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se, à luz das cláusulas contratuais em causa no processo C‑232/21, um consumidor médio, normalmente informado e razoavelmente atento e avisado, estava em condições de identificar claramente o montante dos juros diários devidos em caso de exercício do direito de retratação.

240    Em face destes fundamentos, há que responder à segunda questão, alínea a), no processo C‑232/21 que o artigo 10.o, n.o 2, alínea p), da Diretiva 2008/48, lido em conjugação com o artigo 14.o, n.o 3, alínea b), desta diretiva, deve ser interpretado no sentido de que o montante dos juros diários que deve ser indicado num contrato de crédito por força dessa disposição, aplicável em caso de exercício do direito de retratação pelo consumidor, em nenhum caso pode ser superior ao montante resultante aritmeticamente da taxa devedora contratual estipulada nesse contrato. A informação fornecida no contrato sobre o montante dos juros diários deve ser indicada de forma clara e concisa, de modo que, nomeadamente, lida em conjugação com outras informações, seja desprovida de qualquer contradição objetivamente suscetível de induzir em erro um consumidor médio, normalmente informado e razoavelmente atento e avisado quanto ao montante de juros diários que deverá pagar no final. Na falta de informações que apresentem estas características, não será devido nenhum montante de juros diários.

 Quanto à alínea d) da segunda questão, no processo C47/21

241    Com a sua segunda questão no processo C‑47/21, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se o artigo 10.o, n.o 2, alínea t), da Diretiva 2008/48 deve ser interpretado no sentido de que o contrato de crédito deve indicar os requisitos formais essenciais a que está sujeita a instauração de um processo extrajudicial de reclamação ou de recurso ou se é suficiente que esse contrato remeta, a esse respeito, para um regulamento de processo disponível na Internet.

242    A este respeito, há que lembrar que, de acordo com o artigo 10.o, n.o 2, alínea t), da Diretiva 2008/48 dispõe que o contrato de crédito deve especificar, de forma clara e concisa, «a existência ou inexistência de processos extrajudiciais de reclamação e de recurso acessíveis ao consumidor e, quando existam, o respetivo modo de acesso».

243    Neste contexto, o Tribunal de Justiça já declarou que, embora a informação que figura no contrato de crédito não tenha necessariamente de reproduzir todas as regras processuais relativas aos procedimentos extrajudiciais de reclamação e de recurso acessíveis ao consumidor, o artigo 10.o, n.o 2, alínea t), da Diretiva 2008/48 visa assegurar, por um lado, que o consumidor possa decidir, com pleno conhecimento dos factos, se lhe é oportuno recorrer a um desses procedimentos e, por outro, que esteja efetivamente em condições de instaurar esse processo com base nas informações que figuram no contrato de crédito (v., neste sentido, Acórdão de 9 de setembro de 2021, Volkswagen Bank e o., C‑33/20, C‑155/20 e C‑187/20, EU:C:2021:736, n.os 132 e 135).

244    Para esse efeito, é essencial que o consumidor seja informado, primeiro, de todos os procedimentos extrajudiciais de reclamação ou de recurso à sua disposição e, se for caso disso, dos custos de cada um deles; segundo, do facto de a reclamação ou o recurso ter de ser apresentado por correio ou por via eletrónica; terceiro, do endereço físico ou eletrónico para o qual essa reclamação ou recurso deve ser enviado e, quarto, dos outros requisitos formais a que essa reclamação ou recurso está sujeito (Acórdão de 9 de setembro de 2021, Volkswagen Bank e o., C‑33/20, C‑155/20 e C‑187/20, EU:C:2021:736, n.o 136).

245    O Tribunal de Justiça já declarou a este respeito que uma simples remissão, feita no contrato de crédito, para um regulamento processual consultável na Internet ou para outro ato ou documento relativo às modalidades de acesso a procedimentos extrajudiciais de reclamação e de recurso não é suficiente (Acórdão de 9 de setembro de 2021, Volkswagen Bank e o., C‑33/20, C‑155/20 e C‑187/20, EU:C:2021:736, n.o 137). O mesmo se aplica quando o contrato de crédito menciona que esse regulamento está disponível a pedido.

246    Em face destes fundamentos, há que responder à segunda questão, alínea d), no processo C‑47/21 que o artigo 10.o, n.o 2, alínea t), da Diretiva 2008/48 deve ser interpretado no sentido de que um contrato de crédito tem de mencionar as informações essenciais relativas a todos os processos extrajudiciais de reclamação ou de recurso à disposição do consumidor e, se for caso disso, o custo de cada um deles, o facto de a reclamação ou o recurso dever ser apresentado por correio ou por via eletrónica, o endereço físico ou eletrónico para o qual essa reclamação ou recurso deve ser enviado e os outros requisitos formais a que está sujeita essa reclamação ou recurso, não sendo suficiente uma simples remissão, feita no contrato de crédito, para um regulamento processual disponível a pedido ou consultável na Internet ou para outro ato ou documento relativo às modalidades de acesso a processos extrajudiciais de reclamação e de recurso.

 Quanto à segunda questão, alínea b), subalínea aa), nos processos C47/21 e C232/21

247    Com a segunda questão, alínea b), subalínea aa), nos processos C‑47/21 e C‑232/21, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 10.o, n.o 2, alínea r), da Diretiva 2008/48 deve ser interpretado no sentido de que um contrato de crédito deve, para o cálculo da indemnização devida em caso de reembolso antecipado do empréstimo, indicar uma fórmula aritmética suficientemente concreta e compreensível para o consumidor, de forma que este possa calcular, pelo menos aproximadamente, o montante devido nesse caso.

248    Nos termos do artigo 10.o, n.o 2, alínea r), da Diretiva 2008/48, o contrato de crédito deve mencionar, de forma clara e concisa, «o direito de reembolso antecipado, o procedimento a seguir em caso de reembolso antecipado e, se for caso disso, informações sobre o direito do mutuante a uma indemnização e a forma de determinar essa indemnização».

249    No caso, resulta das decisões de reenvio que os contratos de crédito em causa nos processos C‑47/21 e C‑232/21 preveem, em substância, que, em caso de reembolso antecipado do empréstimo pelo consumidor, o banco pode reclamar uma indemnização calculada em conformidade com o quadro aritmético decretado pelo Bundesgerichtshof (Tribunal Federal de Justiça), que tem em conta, nomeadamente, o nível da taxa de juro que entretanto variou, os fluxos de tesouraria inicialmente acordados para o empréstimo, o lucro cessante do banco mutuante, os custos administrativos relacionados com o reembolso antecipado, bem como os custos do risco e os custos administrativos economizados graças ao reembolso antecipado. Esses contratos especificam também que a indemnização de reembolso antecipado assim calculada é reduzida ao mais baixo dos dois montantes seguintes, se for superior: um por cento ou, caso o reembolso antecipado seja efetuado menos de sete anos antes da data de reembolso acordada, 0,5 % do montante reembolsado antecipadamente, ou o montante dos juros devedores que o mutuário teria pago entre a data do reembolso antecipado e a data acordada para o reembolso.

250    Num contexto semelhante, o Tribunal de Justiça já declarou que, no caso de a Diretiva 2008/48 prever uma obrigação de o profissional dar a conhecer ao consumidor o conteúdo do compromisso contratual que lhe é proposto, certos elementos do qual são determinados pelas disposições legislativas ou regulamentares imperativas de um Estado‑Membro, esse profissional é obrigado a informar de forma clara e concisa esse consumidor do conteúdo das referidas disposições, para que este possa conhecer os seus direitos e as suas obrigações (Acórdão de 9 de setembro de 2021, Volkswagen Bank e o., C‑33/20, C‑155/20 e C‑187/20, EU:C:2021:736, n.o 99 e jurisprudência referida).

251    Embora não seja necessário, para esse efeito, no que se refere à indemnização devida em caso de reembolso antecipado prevista no artigo 10.o, n.o 2, alínea r), da Diretiva 2008/48, que o contrato de crédito precise uma fórmula aritmética para cálculo dessa indemnização, deve, não obstante, indicar o seu método de cálculo de forma concreta e facilmente compreensível para um consumidor médio, de modo que este possa determinar o montante da indemnização devida em caso de reembolso antecipado com base nas informações fornecidas no contrato de crédito (v., neste sentido, Acórdão de 9 de setembro de 2021, Volkswagen Bank e o., C‑33/20, C‑155/20 e C‑187/20, EU:C:2021:736, n.o 100).

252    Assim, o Tribunal de Justiça declarou que uma simples remissão, para efeitos do cálculo da indemnização devida em caso de reembolso antecipado do empréstimo, para o quadro aritmético financeiro estabelecido por um tribunal nacional não cumpre a exigência, recordada no n.o 250 do presente acórdão, de dar conhecimento ao consumidor do conteúdo do seu compromisso contratual (Acórdão de 9 de setembro de 2021, Volkswagen Bank e o., C‑33/20, C‑155/20 e C‑187/20, EU:C:2021:736, n.o 101).

253    Contudo, a obrigação, prevista no artigo 10.o, n.o 2, alínea r), da Diretiva 2008/48, de informar o consumidor da forma de cálculo da indemnização que deverá pagar ao mutuante em caso de reembolso antecipado do empréstimo visa permitir ao consumidor determinar o montante dessa indemnização com base nas informações fornecidas no contrato de crédito. A este respeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a prestação de uma informação incompleta ou errada só pode ser equiparada a uma falta de informação na condição de o consumidor ser, por esse facto, induzido em erro sobre os seus direitos e obrigações (v., neste sentido, Acórdãos de 10 de abril de 2008, Hamilton, C‑412/06, EU:C:2008:215, n.o 35, e de 19 de dezembro de 2019, Rust Hackner e o., C‑355/18 a C‑357/18 e C‑479/18, EU:C:2019:1123, n.o 78) e que, por conseguinte, seja levado a celebrar um contrato que eventualmente não teria celebrado se dispusesse de todas as informações completas e materialmente incorretas.

254    Ora, não se pode considerar que um consumidor foi induzido em erro, na aceção dessa jurisprudência, quando, não obstante a desconformidade de uma remissão, para efeitos do cálculo da referida indemnização, para o quadro aritmético financeiro decretado por um tribunal nacional, o contrato contenha outros elementos que permitam a esse consumidor determinar facilmente o montante da indemnização em causa, em particular o seu montante máximo, que terá de pagar em caso de reembolso antecipado do empréstimo.

255    Incumbirá, portanto, ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se os contratos em causa nos processos C‑47/21 e C‑232/21 preenchem este requisito, uma vez que preveem que a indemnização de reembolso antecipado calculada com base no quadro aritmético financeiro jurisprudencial é reduzida ao mais baixo dos dois montantes mencionados no n.o 249 do presente acórdão quando for superior.

256    Tendo em conta estes fundamentos, há que responder à segunda questão, alínea b), subalínea aa), nos processos C‑47/21 e C‑232/21 que o artigo 10.o, n.o 2, alínea r), da Diretiva 2008/48 deve ser interpretado no sentido de que um contrato de crédito deve, em princípio, para o cálculo da indemnização devida em caso de reembolso antecipado do empréstimo, indicar o modo de cálculo dessa indemnização de forma concreta e facilmente compreensível para um consumidor médio, normalmente informado e razoavelmente atento e avisado, de modo que este possa determinar o montante da indemnização devida em caso de reembolso antecipado com base nas informações fornecidas nesse contrato. Contudo, mesmo na falta de indicação concreta e facilmente compreensível do modo de cálculo, esse contrato pode cumprir a obrigação enunciada nesta disposição desde que contenha outros elementos que permitam ao consumidor determinar facilmente o montante da indemnização em causa, em especial o respetivo montante máximo que terá de pagar em caso de reembolso antecipado do empréstimo.

 Quanto à segunda questão, alínea b), subalínea bb), alíneas e) e f), no processo C47/21, e quanto à segunda questão, alínea b), subalínea bb), alíneas c) e d), no processo C232/21

257    A título preliminar, há que considerar que a segunda questão, alíneas e) e f), no processo C‑47/21 e a segunda questão, alíneas c) e d), no processo C‑232/21 são admissíveis, contrariamente ao que sustentam, respetivamente, o C. Bank, o Volkswagen Bank e o Audi Bank nas suas observações escritas. É certo que o órgão jurisdicional de reenvio submete as referidas questões referindo‑se de forma geral ao artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva 2008/48 e não especificamente a pontos precisos desta disposição. No entanto, decorre de uma leitura de conjunto das decisões de reenvio nestes dois processos que o Tribunal de Justiça está em condições de compreender os aspetos desta disposição que suscitam dúvidas de interpretação no órgão jurisdicional de reenvio e de lhe dar uma resposta útil a esse respeito. Daí resulta que, em conformidade com os princípios recordados nos n.os 110 e 117 do presente acórdão, o órgão jurisdicional de reenvio identificou com suficiente precisão, no âmbito das referidas questões, uma disposição do direito da União que tem uma relação com a realidade e o objeto do litígio nos processos principais, permitindo assim ao Tribunal de Justiça dar a esse órgão jurisdicional uma resposta útil.

258    Assim, com a segunda questão, alínea b), subalínea bb), alíneas e) e f), no processo C‑47/21 e com a segunda questão, alínea b), subalínea bb), alíneas c) e d), no processo C‑232/21, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 14.o, n.o 1, segundo parágrafo, alínea b), da Diretiva 2008/48 deve ser interpretado no sentido de que o prazo de retratação, previsto nesse artigo 14.o, n.o 1, primeiro parágrafo, só começa a correr na condição de as informações exigidas nos termos do artigo 10.o, n.o 2, dessa diretiva terem sido fornecidas ao consumidor de forma completa e de não terem nenhum erro material.

259    Refira‑se, a este respeito, que, à semelhança de outras diretivas da União em matéria de proteção dos consumidores, o sistema de proteção instituído pela Diretiva 2008/48 assenta na ideia de que o consumidor se encontra numa situação de inferioridade relativamente ao profissional, no que respeita quer ao poder de negociação quer ao nível de informação, situação esta que o leva a aderir às condições redigidas previamente pelo profissional sem poder influenciar o conteúdo destas (v., neste sentido, Acórdãos de 4 de junho de 2015, Faber, C‑497/13, EU:C:2015:357, n.o 42 e jurisprudência referida, e de 21 de abril de 2016, Radlinger e Radlingerová, C‑377/14, EU:C:2016:283, n.o 63 e jurisprudência referida).

260    Nesta ótica, a informação prévia e simultânea à celebração de um contrato, relativa às condições contratuais e às consequências da referida celebração, é de importância fundamental para um consumidor. É, nomeadamente, com base nesta informação que este decide se deseja vincular‑se às condições previamente redigidas pelo profissional (Acórdão de 21 de abril de 2016, Radlinger e Radlingerová, C‑377/14, EU:C:2016:283, n.o 64 e jurisprudência referida).

261    Assim, resulta do artigo 14.o, n.o 1, segundo parágrafo, alínea b), da Diretiva 2008/48 que o prazo de retratação de catorze dias começa a correr unicamente no dia em que, nomeadamente, as informações previstas no artigo 10.o desta diretiva tenham sido recebidas pelo consumidor, se esse dia for posterior ao da celebração do contrato de crédito. O n.o 2 do referido artigo 10.o enumera as informações que devem ser mencionadas, de forma clara e concisa, no contrato de crédito.

262    A este respeito, importa recordar que a obrigação de informação, enunciada no artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva 2008/48, contribui para a realização do objetivo por ela prosseguido, que consiste, como resulta dos seus considerandos 7 e 9, em prever, em matéria de crédito aos consumidores, uma harmonização plena e imperativa em determinados domínios essenciais, que é considerada necessária para garantir a todos os consumidores da União um nível elevado e equivalente de defesa dos seus interesses e para facilitar o surgimento de um mercado interno eficaz em matéria de crédito ao consumo (Acórdão de 21 de abril de 2016, Radlinger e Radlingerová, C‑377/14, EU:C:2016:283, n.o 61 e jurisprudência referida).

263    Com efeito, como já se indicou nos n.os 233 e 234 do presente acórdão, decorre do artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva 2008/48, lido à luz do seu considerando 31, que a exigência de especificar, num contrato de crédito feito em papel ou noutro suporte duradouro, de forma clara e concisa, toda a informação referida por essa disposição é necessária para que o consumidor possa conhecer os seus direitos e obrigações. Mais especificamente, o conhecimento e uma boa compreensão, pelo consumidor, da informação que o contrato de crédito deve obrigatoriamente conter são necessários para a boa execução desse contrato e, em especial, para o exercício dos direitos do consumidor (Acórdão de 9 de setembro de 2021, Volkswagen Bank e o., C‑33/20, C‑155/20 e C‑187/20, EU:C:2021:736, n.os 70 e 71 e jurisprudência referida).

264    No entanto, como recordado no n.o 253 do presente acórdão, o fornecimento de uma informação incompleta ou errada só pode ser equiparado a uma falta de informação na condição de o consumidor ser, por esse facto, induzido em erro sobre os seus direitos e obrigações e de, portanto, ser levado a celebrar um contrato que não teria eventualmente celebrado se tivesse disposto de todas as informações completas e materialmente não erradas.

265    Por conseguinte, há que considerar que, quando uma informação prestada pelo mutuante ao consumidor nos termos do artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva 2008/48 se revelar incompleta ou errada, o prazo de retratação só começa a correr se o caráter incompleto ou errado dessa informação não for suscetível de afetar a capacidade do consumidor para apreciar o alcance dos seus direitos e obrigações ao abrigo dessa diretiva nem a sua decisão de celebrar o contrato e de o privar, se for caso disso, da possibilidade de exercer os seus direitos, em substância, nas mesmas condições que teriam prevalecido se essa informação tivesse sido prestada de forma completa e exata (v., neste sentido e por analogia, Acórdãos de 9 de novembro de 2016, Home Credit Slovakia, C‑42/15, EU:C:2016:842, n.o 72, e de 19 de dezembro de 2019, Rust‑Hackner e o., C‑355/18 a C‑357/18 e C‑479/18, EU:C:2019:1123, n.o 81). Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar estes pontos.

266    Há que esclarecer ainda que a eventual existência, no direito nacional, de medidas destinadas a punir o caráter incompleto ou errado das informações fornecidas ao consumidor de uma forma diferente da que acaba de ser exposta não tem incidência nas modalidades de início do prazo de retratação. Com efeito, como observa o advogado‑geral, em substância, no n.o 146 das suas conclusões, o facto de, por força do artigo 14.o, n.o 1, segundo parágrafo, alínea b), da Diretiva 2008/48, o prazo de retratação só começar a correr a partir do dia em que as informações previstas no artigo 10.o dessa diretiva tenham sido recebidas pelo consumidor constitui a consequência direta da inobservância da obrigação de o mutuante lhe prestar, no contrato de crédito, as informações obrigatórias previstas nesse artigo 10.o Ora, de acordo com o artigo 22.o, n.o 1, da Diretiva 2008/48, seria incompatível com os efeitos da harmonização completa e imperativa feita por essa diretiva no domínio do direito de retratação permitir aos Estados‑Membros derrogarem a consequência que o artigo 14.o, n.o 1, segundo parágrafo, alínea b), dessa diretiva associa à inobservância da obrigação de informação prevista nomeadamente no artigo 10.o, n.o 2, da mesma diretiva.

267    Em face destes fundamentos, há que responder à segunda questão, alínea b), subalínea bb), alíneas e) e f), no processo C‑47/21, bem como à segunda questão, alínea b), subalínea bb), alíneas c) e d), no processo C‑232/21, que o artigo 14.o, n.o 1, segundo parágrafo, alínea b), da Diretiva 2008/48 deve ser interpretado no sentido de que, quando uma informação fornecida pelo mutuante ao consumidor, nos termos do artigo 10.o, n.o 2, dessa diretiva se revelar incompleta ou errada, o prazo de retratação só começa a correr se o caráter incompleto ou errado dessa informação não for suscetível de afetar a capacidade do consumidor para apreciar o alcance dos seus direitos e obrigações ao abrigo da referida diretiva nem a sua decisão de celebrar o contrato e de o privar, sendo caso disso, da possibilidade de exercer os seus direitos, no essencial, nas mesmas condições que teriam prevalecido se essa informação tivesse sido prestada de forma completa e exata.

 Quanto à segunda questão, alínea c), no processo C47/21

268    Com a sua segunda questão, alínea c), no processo C‑47/21, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 10.o, n.o 2, alínea l), da Diretiva 2008/48 deve ser interpretado no sentido de que um contrato de crédito deve mencionar, na forma de percentagem concreta, a taxa de juros de mora aplicável no momento da celebração do contrato e, quando essa taxa é determinada em função de uma taxa de juro de referência variável, esta última taxa e o mecanismo ao abrigo do qual pode variar no tempo.

269    A este respeito, há que recordar que, nos termos do artigo 10.o, n.o 2, alínea l), da Diretiva 2008/48, um contrato de crédito deve, nomeadamente, indicar, de forma clara e concisa, a taxa de juro aplicável, em caso de atraso de pagamento, no momento da celebração do contrato e as modalidades de adaptação dessa taxa.

270    Tendo em conta a jurisprudência recordada nos n.os 233 a 235 do presente acórdão, o Tribunal de Justiça já declarou que um contrato de crédito deve mencionar, na forma de percentagem concreta, a taxa de juros de mora aplicável no momento da celebração desse contrato e deve descrever de forma concreta o mecanismo de adaptação da taxa de juros de mora (Acórdão de 9 de setembro de 2021, Volkswagen Bank e o., C‑33/20, C‑155/20 e C‑187/20, EU:C:2021:736, n.os 92 e 95).

271    Importa sublinhar que, quando, como é o caso do contrato em causa no processo principal, essa taxa é determinada em função de uma taxa de juro de referência variável, esta última deve, pelas mesmas razões, ser mencionada na forma de percentagem concreta, aplicável à data da celebração do contrato. O modo de cálculo da taxa de juros de mora em função da taxa de juro de referência deve ser apresentado no contrato de forma facilmente compreensível para um consumidor médio que não disponha de conhecimentos especializados no domínio financeiro, de modo que este possa calcular a taxa de juros de mora com base nas informações fornecidas no mesmo contrato. Por outro lado, o contrato de crédito deve apresentar a frequência da alteração dessa taxa de juro de referência, mesmo que esta seja determinada pelas disposições nacionais (v., neste sentido, Acórdão de 9 de setembro de 2021, Volkswagen Bank e o., C‑33/20, C‑155/20 e C‑187/20, EU:C:2021:736, n.o 94).

272    Em face destes fundamentos, há que responder à segunda questão, alínea c), no processo C‑47/21 que o artigo 10.o, n.o 2, alínea l), da Diretiva 2008/48 deve ser interpretado no sentido de que um contrato de crédito deve mencionar, na forma de percentagem concreta, a taxa de juros de mora aplicável no momento da celebração do contrato e deve descrever de forma concreta o mecanismo de adaptação dessa taxa. Quando a referida taxa for determinada em função de uma taxa de juro de referência variável no tempo, o contrato de crédito deve mencionar a taxa de juro de referência aplicável à data da celebração do contrato, precisando‑se que o modo de cálculo da taxa de juros de mora em função da taxa de juro de referência deve ser apresentado no contrato de forma facilmente compreensível para um consumidor médio que não disponha de conhecimentos especializados no domínio financeiro, de modo que este possa calcular a taxa de juros de mora com base nas informações fornecidas no mesmo contrato. Por outro lado, o contrato de crédito deve apresentar a frequência da alteração dessa taxa de juro de referência, mesmo que esta seja determinada pelas disposições nacionais.

 Quanto à quarta questão, alíneas a) a d), nos processos C47/21 e C232/21

273    Com a quarta questão, alíneas a) a d), nos processos C‑47/21 e C‑232/21, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2008/48 deve ser interpretado no sentido de que, quando pelo menos uma das menções obrigatórias previstas no artigo 10.o, n.o 2, dessa diretiva não figurar num contrato de crédito ou nele figurar de forma incompleta ou errada sem ter sido devidamente comunicada posteriormente, se opõe a que o mutuante possa validamente alegar que o consumidor exerceu de forma abusiva o seu direito de retratação.

274    Para responder a esta questão e tendo em conta o facto de, num dos processos principais que deram origem ao processo C‑232/21, o direito de rescisão ter sido exercido quando o contrato de crédito tinha sido integralmente executado, importa, em primeiro lugar, verificar em que medida esse cumprimento integral tem, na falta de disposições específicas na Diretiva 2008/48 a esse respeito, incidência na manutenção do direito de retratação previsto no seu artigo 14.o, n.o 1.

275    Refira‑se, a este respeito, que, de acordo com o artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2008/48, o consumidor dispõe de um direito de retratação no âmbito do contrato de crédito, tendo o exercício desse direito por efeito extinguir a obrigação de as partes executarem o contrato de crédito nas condições e nos prazos referidos no artigo 14.o, n.o 3, alínea b), desta diretiva.

276    Por outro lado, resulta do seu considerando 34 que a Diretiva 2008/48 prevê um direito de retratação em condições semelhantes às previstas na Diretiva 2002/65. Ora, ao dispor, no seu artigo 6.o, n.o 2, alínea c), que o direito de retratação não é aplicável aos contratos integralmente executados pelas duas partes a pedido expresso do consumidor, a Diretiva 2002/65 dá expressão ao princípio de que o direito de retratação não pode, em todas as circunstâncias, ser invocado em caso de execução integral do contrato, princípio que deve valer também para a Diretiva 2008/48.

277    Além disso, em caso de execução integral do contrato de crédito, a obrigação de fornecer as informações previstas no artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva 2008/48 já não é, em princípio, suscetível de alcançar o objetivo prosseguido por esta disposição, que consiste, como referido nos n.os 233 e 234 do presente acórdão, em permitir ao consumidor obter todas as informações necessárias à boa execução do contrato e, em especial, ao exercício dos seus direitos, entre os quais figura o seu direito de retratação, para lhe permitir conhecer a extensão dos seus direitos e das suas obrigações. Daí resulta que essas obrigações já não apresentam o mesmo grau de utilidade, uma vez que o contrato foi integralmente executado.

278    Por último, há que lembrar que, pronunciando‑se sobre o direito de rescisão previsto na Diretiva 85/577/CEE do Conselho, de 20 de dezembro de 1985, relativa à proteção dos consumidores no caso de contratos negociados fora dos estabelecimentos comerciais (JO 1985, L 372, p. 31; EE 15 F6, p. 83), o Tribunal de Justiça já declarou que, em conformidade com os princípios gerais do direito civil, este direito não pode ser exercido quando já não exista qualquer obrigação decorrente desse contrato (v., neste sentido, Acórdão de 10 de abril de 2008, Hamilton, C‑412/06, EU:C:2008:215, n.o 42).

279    Nestas condições, uma vez que a execução de um contrato constitui o mecanismo natural de extinção das obrigações contratuais, há que considerar que, na falta de disposições específicas a este respeito, um consumidor já não pode invocar o direito de retratação que lhe é reconhecido pelo artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2008/48, uma vez integralmente cumprido pelas partes o contrato de crédito e que, por isso, cessaram as obrigações mútuas decorrentes desse contrato.

280    Em segundo lugar, quanto à questão de saber se o mutuante pode invocar o exercício abusivo, pelo consumidor, do direito de retratação previsto no artigo 14.o da Diretiva 2008/48, importa, primeiro, recordar que esta diretiva não contém disposições que regulem a questão do abuso, pelo consumidor, dos direitos que esta diretiva lhe confere (Acórdão de 9 de setembro de 2021, Volkswagen Bank e o., C‑33/20, C‑155/20 e C‑187/20, EU:C:2021:736, n.o 120).

281    No entanto, segundo jurisprudência constante, existe, no direito da União, um princípio geral de direito de que os particulares não se podem prevalecer fraudulenta ou abusivamente das normas do direito da União (Acórdão de 26 de fevereiro de 2019, T Danmark e Y Denmark, C‑116/16 e C‑117/16, EU:C:2019:135, n.o 70 e jurisprudência referida).

282    O respeito por este princípio geral de direito impõe‑se aos particulares. Com efeito, a aplicação da regulamentação da União não pode ser alargada a ponto de abranger as operações realizadas com o objetivo de beneficiar de forma fraudulenta ou abusiva das vantagens previstas pelo direito da União (Acórdão de 26 de fevereiro de 2019, T Danmark e Y Denmark, C‑116/16 e C‑117/16, EU:C:2019:135, n.o 71 e jurisprudência referida).

283    Decorre assim deste princípio que um Estado‑Membro deve recusar, mesmo na falta de disposições do direito nacional que prevejam essa recusa, o benefício das disposições do direito da União quando estas não sejam invocadas por alguém para realizar os objetivos dessas disposições mas sim com o objetivo de beneficiar de uma vantagem conferida a essa pessoa pelo direito da União, quando os requisitos objetivos exigidos para a obtenção da vantagem pretendida, previstos pelo direito da União, só estão formalmente preenchidos (v., neste sentido, Acórdãos de 22 de novembro de 2017, Cussens e o., C‑251/16, EU:C:2017:881, n.os 32 e 33, e de 26 de fevereiro de 2019, T Danmark e Y Denmark C‑116/16 e C‑117/16, EU:C:2019:135, n.os 72 e 91).

284    Assim, é irrelevante o facto de o princípio do direito da União relativo à proibição do abuso de direito estar ou não consagrado em disposições de direito nacional e de, sendo caso disso, essas disposições terem sido adotadas pelo Parlamento do Estado‑Membro em causa ou não.

285    Como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, a prova de uma prática abusiva requer, por um lado, um conjunto de circunstâncias objetivas das quais resulte que, apesar do preenchimento formal dos requisitos previstos na regulamentação da União, o objetivo prosseguido por essa regulamentação não foi alcançado e, por outro, um elemento subjetivo que consiste na vontade de obter uma vantagem resultante da regulamentação da União, através da criação artificial dos requisitos exigidos para a sua obtenção (Acórdãos de 26 de fevereiro de 2019, T Danmark e Y Denmark, C‑116/16 e C‑117/16, EU:C:2019:135, n.o 97 e jurisprudência referida, e de 9 de setembro de 2021, Volkswagen Bank e o., C‑33/20, C‑155/20 e C‑187/20, EU:C:2021:736, n.o 122).

286    A verificação da existência de uma prática abusiva exige que o órgão jurisdicional de reenvio tenha em conta todos os factos e circunstâncias do caso concreto, incluindo os posteriores à operação cujo caráter abusivo é alegado (v., neste sentido, Acórdão de 14 de abril de 2016, Cervati e Malvi, C‑131/14, EU:C:2016:255, n.o 35 e jurisprudência referida).

287    Cabe, portanto, ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, de acordo com as regras da prova do direito nacional, desde que não seja posta em causa a eficácia do direito da União, se os elementos constitutivos de uma prática abusiva, conforme recordados no n.o 285 do presente acórdão, estão preenchidos nos litígios nos processos principais, diferentes do referido no n.o 274 do presente acórdão, no qual o contrato foi integralmente executado. Todavia, o Tribunal de Justiça, decidindo a título prejudicial, pode, sendo caso disso, fornecer esclarecimentos que permitam guiar esse órgão jurisdicional na sua interpretação (Acórdãos de 28 de julho de 2016, Kratzer, C‑423/15, EU:C:2016:604, n.o 42 e jurisprudência referida, e de 22 de novembro de 2017, Cussens e o., C‑251/16, EU:C:2017:881, n.o 59 e jurisprudência referida).

288    Segundo, a este respeito, no que se refere à existência de um elemento objetivo que revela uma prática abusiva, referido no n.o 285 do presente acórdão, o Tribunal de Justiça já declarou, por um lado, que o objetivo do artigo 14.o da Diretiva 2008/48 consiste em permitir ao consumidor escolher o contrato que melhor se adapte às suas necessidades e, portanto, renunciar aos efeitos de um contrato que, após a sua celebração, se revela, no prazo de reflexão previsto para o exercício do direito de retratação, inadequado às necessidades desse consumidor. Por outro lado, o objetivo do artigo 14.o, n.o 1, segundo parágrafo, alínea b), desta diretiva é assegurar que o consumidor receba todas as informações necessárias para apreciar a extensão do seu compromisso contratual e penalizar o mutuante, que não lhe transmita as informações previstas no artigo 10.o dessa diretiva (Acórdão de 9 de setembro de 2021, Volkswagen Bank e o., C‑33/20, C‑155/20 e C‑187/20, EU:C:2021:736, n.os 123 e 124 e jurisprudência referida).

289    Para que o mutuante seja dissuadido de violar as obrigações que lhe incumbem, em conformidade com a Diretiva 2008/48, para com o consumidor, o Tribunal de Justiça declarou, no n.o 126 do Acórdão de 9 de setembro de 2021, Volkswagen Bank e o. (C‑33/20, C‑155/20 e C‑187/20, EU:C:2021:736), que, quando o mutuante não tiver transmitido ao consumidor as informações referidas no artigo 10.o dessa diretiva e este decidir retratar‑se do contrato de crédito para lá do prazo de catorze dias a contar da sua celebração, esse profissional não pode acusar o referido consumidor de ter exercido abusivamente o seu direito de retratação, mesmo que o tempo decorrido entre a celebração desse contrato e a retratação pelo consumidor seja considerável.

290    O Tribunal de Justiça concluiu daí que a Diretiva 2008/48 deve ser interpretada no sentido de que se opõe a que o mutuante possa validamente considerar que, devido a um considerável período de tempo entre a celebração do contrato e o exercício do direito de retratação previsto no artigo 14.o, n.o 1, desta diretiva, o consumidor abusou desse direito, quando uma das menções obrigatórias previstas no artigo 10.o, n.o 2, da referida diretiva não constava do contrato de crédito nem tinha sido devidamente comunicada posteriormente, independentemente da questão de saber se esse consumidor ignorava a existência do seu direito de retratação (Acórdão de 9 de setembro de 2021, Volkswagen Bank e o., C‑33/20, C‑155/20 e C‑187/20, EU:C:2021:736, n.o 127).

291    No entanto, há que precisar a este respeito que, de acordo com a resposta dada pelo Tribunal de Justiça no n.o 267 do presente acórdão, um mutuante não pode invocar o caráter abusivo do exercício do direito de retratação quando, em caso de informação incompleta ou errada que figure no contrato, o prazo de retratação não tenha começado a correr por se demonstrar que o caráter incompleto ou errado dessa informação afetou a capacidade do consumidor para apreciar o alcance dos seus direitos e obrigações nos termos da Diretiva 2008/48, bem como a sua decisão de celebrar o contrato.

292    Em face destes fundamentos, há que responder à quarta questão, alíneas a) a d), nos processos C‑47/21 e C‑232/21 que o artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2008/48 deve ser interpretado no sentido de que a execução integral do contrato de crédito implica a extinção do direito de retratação. Além disso, o mutuante não pode validamente alegar que o consumidor, pelo seu comportamento entre a celebração do contrato e o exercício do direito de retratação ou mesmo posteriormente a esse exercício, exerceu esse direito de forma abusiva quando, devido a uma informação incompleta ou errada no contrato de crédito, em violação do artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva 2008/48, o prazo de retratação não tenha começado a correr pelo facto de estar demonstrado que esse caráter incompleto ou errado afetou a capacidade do consumidor para apreciar a extensão dos seus direitos e obrigações ao abrigo da Diretiva 2008/48, bem como a sua decisão de celebrar o contrato.

 Quanto à terceira questão, alíneas a) a d), nos processos C47/21 e C232/21

293    Com a terceira questão, alíneas a) a d), nos processos C‑47/21 e C‑232/21, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a Diretiva 2008/48 deve ser interpretada no sentido de que se opõe a que o mutuante possa, quando o consumidor exerce o seu direito de retratação em conformidade com o artigo 14.o, n.o 1, desta diretiva, invocar a preclusão desse direito por força das normas de direito nacional, mesmo quando o consumidor não tinha conhecimento da manutenção desse direito e/ou quando pelo menos uma das menções obrigatórias referidas no artigo 10.o, n.o 2, da referida diretiva não constava do contrato de crédito ou nele figurava de forma incompleta ou errada sem ter sido devidamente comunicada posteriormente.

294    Para responder a estas questões, importa recordar que, conforme resulta do artigo 14.o, n.o 1, segundo parágrafo, alínea b), da Diretiva 2008/48, o prazo de retratação de 14 dias só começa a contar quando as informações a que se refere o artigo 10.o desta diretiva tiverem sido transmitidas ao consumidor, se essa data for posterior à data da celebração do contrato de crédito. O referido artigo 10.o enumera as informações que devem ser mencionadas de forma clara e concisa nos contratos de crédito.

295    Há que lembrar que resulta do artigo 22.o, n.o 1, da Diretiva 2008/48, interpretado à luz dos seus considerandos 9 e 10, que, no que respeita aos contratos de crédito abrangidos pelo seu âmbito de aplicação, esta diretiva prevê uma harmonização completa e, conforme resulta da epígrafe do referido artigo 22.o, tem caráter imperativo. Daí resulta que, nas matérias especificamente visadas por esta harmonização, os Estados‑Membros não estão autorizados a manter ou a introduzir disposições nacionais diferentes das previstas na mesma diretiva (v., neste sentido, Acórdão de 9 de março de 2023, Sogefinancement, C‑50/22, EU:C:2023:177, n.o 27 e jurisprudência referida).

296    Ora, o Tribunal de Justiça já declarou que as condições temporais relativas ao exercício do direito de retratação pelo consumidor estão abrangidas pela harmonização a que procede o artigo 14.o da Diretiva 2008/48 e que, por conseguinte, uma vez que esta diretiva não prevê nenhuma limitação temporal ao exercício, pelo consumidor, do seu direito de retratação no caso de as informações previstas no artigo 10.o da referida diretiva não lhe terem sido transmitidas ou lhe terem sido transmitidas de forma incompleta ou errada, e de, segundo a resposta dada no n.o 267 do presente acórdão, o prazo de retratação não ter começado a correr, tal limitação, como a que resultaria da preclusão, não pode ser imposta, num Estado‑Membro, pela legislação nacional (v., neste sentido, Acórdão de 9 de setembro de 2021, Volkswagen Bank e o., C‑33/20, C‑155/20 e C‑187/20, EU:C:2021:736, n.os 116 e 117 e jurisprudência referida).

297    Nestas condições, e para responder às interrogações do órgão jurisdicional de reenvio, pouco importa saber se as normas de direito nacional em questão resultam de uma lei votada pelo Parlamento do Estado‑Membro em causa, se o consumidor tinha ou não conhecimento da manutenção do seu direito de retratação e se o mutuante tinha a possibilidade de fazer correr o prazo de retratação comunicando as informações em falta, incompletas ou erradas.

298    O mesmo se diga do facto alegado pelo Governo Alemão nas suas observações escritas de, no direito alemão, a preclusão exigir não só o decurso de um certo período de tempo mas também circunstâncias factuais que demonstrem que o exercício do direito em causa tem caráter abusivo. Com efeito, decorre da resposta dada no n.o 293 do presente acórdão que esse caráter abusivo está excluído numa situação como a descrita no n.o 297 do referido acórdão.

299    Em face destes fundamentos, há que responder à terceira questão, alíneas a) a d), nos processos C‑47/21 e C‑232/21 que a Diretiva 2008/48 deve ser interpretada no sentido de que se opõe a que o mutuante possa, quando o consumidor exerce o seu direito de retratação em conformidade com o artigo 14.o, n.o 1, desta diretiva, invocar a preclusão desse direito ao abrigo das normas do direito nacional, quando pelo menos uma das menções obrigatórias previstas no artigo 10.o, n.o 2, dessa diretiva não figure no contrato de crédito ou nele figure de forma incompleta ou errada sem ter sido devidamente comunicada posteriormente e, por esse motivo, o prazo de retratação previsto nesse mesmo artigo 14.o, n.o 1, não tenha começado a correr.

 Quanto à quinta questão nos processos C47/21 e C232/21

300    Com a quinta questão nos processos C‑47/21 e C‑232/21, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2008/48 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional que prevê que, quando o consumidor se retrata de um contrato de crédito ligado, na aceção do artigo 3.o, alínea n), desta diretiva, deve restituir ao mutuante o bem financiado pelo crédito ou tê‑lo interpelado para recuperar esse bem antes de poder pedir e obter o reembolso das prestações mensais pagas nos termos do contrato de crédito, podendo esse reembolso ser diferido, em caso de impugnação da validade da retratação pelo mutuante, até ao desfecho definitivo do litígio judicial.

301    A este respeito, há que lembrar que, nos termos do artigo 3.o, alínea n), da Diretiva 2008/48, um «contrato de crédito ligado» é definido como um contrato de crédito nos termos do qual o crédito em questão serve exclusivamente para financiar um contrato relativo, nomeadamente, ao fornecimento de bens, como, no caso presente, um veículo automóvel, desde que esses dois contratos constituam, do ponto de vista objetivo, uma unidade comercial.

302    No entanto, a Diretiva 2008/48 não contém disposições que regulem as consequências da retratação, pelo consumidor, de um contrato de crédito ligado ao contrato de fornecimento de bens. De resto, o seu considerando 35 enuncia que essa diretiva se deve aplicar sem prejuízo de quaisquer disposições dos Estados‑Membros que regulem as questões relativas à restituição do bem financiado pelo crédito ou quaisquer outras questões conexas.

303    Ora, na falta de regulamentação específica da União na matéria, as modalidades de execução da proteção dos consumidores prevista pela Diretiva 2008/48 fazem parte do ordenamento jurídico interno dos Estados‑Membros por força do princípio da autonomia processual destes últimos. Contudo, essas modalidades não devem ser menos favoráveis do que as que regulam situações semelhantes de natureza interna (princípio da equivalência), nem ser concebidas para, na prática, impossibilitarem ou dificultarem excessivamente o exercício dos direitos conferidos pelo ordenamento jurídico da União (princípio da efetividade) (v., por analogia, Acórdão de 10 de junho de 2021, BNP Paribas Personal Finance, C‑776/19 a C‑782/19, EU:C:2021:470, n.o 27 e jurisprudência referida).

304    No que diz especificamente respeito ao princípio da efetividade, o único relevante para os presentes processos, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que cada caso em que se coloque a questão de saber se uma disposição processual nacional impossibilita ou dificulta excessivamente a aplicação do direito da União deve ser analisado tendo em conta o lugar dessa disposição no conjunto do processo e a sua tramitação e as suas especificidades nas várias instâncias nacionais. Nesta perspetiva, há que tomar em consideração, se necessário, os princípios que estão na base do sistema jurisdicional nacional, tais como a proteção dos direitos de defesa, o princípio da segurança jurídica e a correta tramitação do processo (v., neste sentido, Acórdãos de 10 de junho de 2021, BNP Paribas Personal Finance, C‑776/19 a C‑782/19, EU:C:2021:470, n.o 28 e jurisprudência referida, e de 17 de maio de 2022, Unicaja Banco, C‑869/19, EU:C:2022:397, n.o 28 e jurisprudência referida).

305    No caso, resulta das decisões de reenvio que, por força do direito alemão, o consumidor, quando se retrata de um contrato de crédito, é sempre obrigado a restituir ao mutuante o bem financiado por esse contrato ou a interpelá‑lo a recuperar esse bem, para poder pedir e obter o reembolso das prestações mensais pagas nos termos do referido contrato, incluindo quando o mutuante impugna a validade da retratação e o consumidor deva então intentar, por via judicial, uma ação de reembolso e aguardar o resultado dessa ação para obter, em caso de sucesso, o reembolso das prestações mensais.

306    Ora, sem prejuízo das verificações que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar, há que considerar que essas normas processuais que regulam os efeitos jurídicos ligados ao exercício do direito de retratação previsto no artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2008/48 são suscetíveis de impossibilitar ou dificultar excessivamente na prática o exercício desse direito quando o consumidor tiver de restituir o bem financiado pelo crédito ou interpelar o mutuante para recuperar esse bem sem que este seja obrigado, no mesmo momento, a reembolsar as prestações mensais do crédito já pagas pelo consumidor.

307    Em face destes fundamentos, há que responder à quinta questão nos processos C‑47/21 e C‑232/21 que o artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2008/48, lido em conjugação com o princípio da efetividade, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional que prevê que, quando o consumidor se retrata de um contrato de crédito ligado, na aceção do artigo 3.o, alínea n), dessa diretiva, deve restituir ao mutuante o bem financiado pelo crédito ou tê‑lo interpelado para recuperar esse bem, sem que esse mutuante seja obrigado, no mesmo momento, a reembolsar as mensalidades do crédito já pagas pelo consumidor.

 Quanto às despesas

308    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

1)      O artigo 2.o, ponto 6, da Diretiva 2011/83/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2011, relativa aos direitos dos consumidores, que altera a Diretiva 93/13/CEE do Conselho e a Diretiva 1999/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e que revoga a Diretiva 85/577/CEE do Conselho e a Diretiva 97/7/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, lido em conjugação com o artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2011/83,

deve ser interpretado no sentido de que:

um contrato de leasing relativo a um veículo automóvel, caracterizado pelo facto de nem esse contrato nem um contrato separado estipularem que o consumidor é obrigado a comprar o veículo no termo do contrato, faz parte do âmbito de aplicação dessa diretiva, enquanto «contrato de prestação de serviços», na aceção do seu artigo 2.o, ponto 6. Em contrapartida, esse contrato não faz parte do âmbito de aplicação da Diretiva 2002/65/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de setembro de 2002, relativa à comercialização à distância de serviços financeiros prestados a consumidores e que altera as Diretivas 90/619/CEE do Conselho, 97/7/CE e 98/27/CE, nem da Diretiva 2008/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2008, relativa a contratos de crédito aos consumidores e que revoga a Diretiva 87/102/CEE do Conselho.

2)      O artigo 2.o, ponto 7, da Diretiva 2011/83

deve ser interpretado no sentido de que:

um contrato de prestação de serviços, na aceção do artigo 2.o, ponto 6, desta diretiva, celebrado entre um consumidor e um profissional através de um meio de comunicação à distância, não pode ser qualificado de «contrato à distância», na aceção da primeira destas disposições, quando a celebração do contrato tiver sido precedida de uma fase de negociação que decorreu na presença física simultânea do consumidor e de um intermediário que atua em nome ou por conta do profissional e durante a qual esse consumidor recebeu desse intermediário, para efeitos dessa negociação, todas as informações referidas no artigo 6.o da referida diretiva e pôde colocar questões ao referido intermediário sobre o contrato previsto ou sobre a proposta feita, para dissipar qualquer incerteza quanto ao alcance do seu eventual compromisso com o profissional.

3)      O artigo 2.o, ponto 8, alínea a), da Diretiva 2011/83

deve ser interpretado no sentido de que:

um contrato de prestação de serviços, na aceção do artigo 2.o, ponto 6, dessa diretiva, celebrado entre um consumidor e um profissional, não pode ser qualificado de «contrato celebrado fora do estabelecimento comercial», na aceção da primeira destas disposições, quando, durante a fase preparatória da celebração do contrato através da utilização de um meio de comunicação à distância, o consumidor se tenha deslocado ao estabelecimento comercial de um intermediário que atuava em nome ou por conta do profissional para efeitos da negociação desse contrato, mas que operava noutro domínio de atividade diferente desse profissional, desde que esse consumidor pudesse esperar, enquanto consumidor médio, normalmente informado e razoavelmente atento e avisado, ao deslocarse ao estabelecimento comercial do intermediário, ser objeto de uma solicitação comercial por parte deste último para efeitos da negociação e da celebração de um contrato de prestação de serviços com o profissional e que, além disso, tenha podido compreender facilmente que esse intermediário atuava em nome ou por conta do referido profissional.

4)      O artigo 16.o, alínea l), da Diretiva 2011/83:

deve ser interpretado no sentido de que:

está abrangido pela exceção ao direito de retratação prevista nesta disposição para os contratos à distância ou fora do estabelecimento comercial abrangidos pelo âmbito de aplicação desta diretiva e que tenha por objeto serviços de aluguer de automóveis com uma data ou um período específicos de execução um contrato de leasing relativo a um veículo automóvel celebrado entre um profissional e um consumidor e qualificado de contrato de prestação de serviços à distância ou fora do estabelecimento comercial na aceção da referida diretiva, quando o objeto principal desse contrato consiste em permitir ao consumidor utilizar um veículo durante o período de tempo específico previsto no referido contrato, em contrapartida do pagamento regular de montantes pecuniários.

5)      O artigo 10.o, n.o 2, alínea p) da Diretiva 2008/48

deve ser interpretado no sentido de que:

se opõe a uma legislação nacional que estabelece uma presunção legal de que o profissional cumpre a sua obrigação de informar o consumidor do seu direito de retratação quando esse profissional remete, num contrato, para disposições nacionais que, por sua vez, remetem para um modelo de informação regulamentar a esse respeito, não deixando de utilizar cláusulas que figuram nesse modelo que não são conformes com o disposto nesta disposição da diretiva. Na impossibilidade de interpretar a regulamentação nacional em causa em conformidade com a Diretiva 2008/48, um órgão jurisdicional nacional, chamado a conhecer de um litígio que opõe exclusivamente particulares, não é obrigado, só com fundamento no direito da União, a deixar de aplicar essa regulamentação, sem prejuízo da possibilidade de esse órgão jurisdicional a afastar com fundamento no seu direito interno e, se assim não for, do direito de a parte lesada pela desconformidade do direito nacional com o direito da União pedir a reparação do dano que daí resultou para ela.

6)      O artigo 10.o, n.o 2, alínea p), da Diretiva 2008/48, lido em conjugação com o artigo 14.o, n.o 3, alínea b), desta diretiva,

deve ser interpretado no sentido de que:

o montante dos juros diários que deve ser indicado num contrato de crédito por força dessa disposição, aplicável em caso de exercício do direito de retratação pelo consumidor, em nenhum caso pode ser superior ao montante resultante aritmeticamente da taxa devedora contratual estipulada nesse contrato. A informação fornecida no contrato sobre o montante dos juros diários deve ser indicada de forma clara e concisa, de modo que, nomeadamente, lida em conjugação com outras informações, seja desprovida de qualquer contradição objetivamente suscetível de induzir em erro um consumidor médio, normalmente informado e razoavelmente atento e avisado quanto ao montante de juros diários que deverá pagar no final. Na falta de informações que apresentem estas características, não será devido nenhum montante de juros diários.

7)      O artigo 10.o, n.o 2, alínea t) da Diretiva 2008/48

deve ser interpretado no sentido de que:

um contrato de crédito tem de mencionar as informações essenciais relativas a todos os processos extrajudiciais de reclamação ou de recurso à disposição do consumidor e, se for caso disso, o custo de cada um deles, o facto de a reclamação ou o recurso dever ser apresentado por correio ou por via eletrónica, o endereço físico ou eletrónico para o qual essa reclamação ou recurso deve ser enviado e os outros requisitos formais a que está sujeita essa reclamação ou recurso, não sendo suficiente uma simples remissão, feita no contrato de crédito, para um regulamento processual disponível a pedido ou consultável na Internet ou para outro ato ou documento relativo às modalidades de acesso a processos extrajudiciais de reclamação e de recurso.

8)      O artigo 10.o, n.o 2, alínea r), da Diretiva 2008/48

deve ser interpretado no sentido de que:

um contrato de crédito deve, em princípio, para o cálculo da indemnização devida em caso de reembolso antecipado do empréstimo, indicar o modo de cálculo dessa indemnização de forma concreta e facilmente compreensível para um consumidor médio, normalmente informado e razoavelmente atento e avisado, de modo que este possa determinar o montante da indemnização devida em caso de reembolso antecipado com base nas informações fornecidas nesse contrato. Contudo, mesmo na falta de indicação concreta e facilmente compreensível do modo de cálculo, esse contrato pode cumprir a obrigação enunciada nesta disposição desde que contenha outros elementos que permitam ao consumidor determinar facilmente o montante da indemnização em causa, em especial o respetivo montante máximo que terá de pagar em caso de reembolso antecipado do empréstimo.

9)      O artigo 14.o, n.o 1, segundo parágrafo, alínea b), da Diretiva 2008/48

deve ser interpretado no sentido de que:

quando uma informação fornecida pelo mutuante ao consumidor, nos termos do artigo 10.o, n.o 2, dessa diretiva se revelar incompleta ou errada, o prazo de retratação só começa a correr se o caráter incompleto ou errado dessa informação não for suscetível de afetar a capacidade do consumidor para apreciar o alcance dos seus direitos e obrigações ao abrigo da referida diretiva nem a sua decisão de celebrar o contrato e de o privar, sendo caso disso, da possibilidade de exercer os seus direitos, no essencial, nas mesmas condições que teriam prevalecido se essa informação tivesse sido prestada de forma completa e exata.

10)    O artigo 10.o, n.o 2, alínea l), da Diretiva 2008/48

deve ser interpretado no sentido de que:

um contrato de crédito deve mencionar, na forma de percentagem concreta, a taxa de juros de mora aplicável no momento da celebração do contrato e deve descrever de forma concreta o mecanismo de adaptação dessa taxa. Quando a referida taxa for determinada em função de uma taxa de juro de referência variável no tempo, o contrato de crédito deve mencionar a taxa de juro de referência aplicável à data da celebração do contrato, precisandose que o modo de cálculo da taxa de juros de mora em função da taxa de juro de referência deve ser apresentado no contrato de forma facilmente compreensível para um consumidor médio que não disponha de conhecimentos especializados no domínio financeiro, de modo que este possa calcular a taxa de juros de mora com base nas informações fornecidas no mesmo contrato. Por outro lado, o contrato de crédito deve apresentar a frequência da alteração dessa taxa de juro de referência, mesmo que esta seja determinada pelas disposições nacionais.

11)    O artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2008/48:

deve ser interpretado no sentido de que:

a execução integral do contrato de crédito implica a extinção do direito de retratação. Por outro lado, o mutuante não pode validamente alegar que o consumidor, pelo seu comportamento entre a celebração do contrato e o exercício do direito de retratação ou mesmo posteriormente a esse exercício, exerceu esse direito de forma abusiva quando, devido a uma informação incompleta ou errada no contrato de crédito, em violação do artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva 2008/48, o prazo de retratação não tenha começado a correr pelo facto de estar demonstrado que esse caráter incompleto ou errado afetou a capacidade do consumidor para apreciar a extensão dos seus direitos e obrigações ao abrigo da Diretiva 2008/48, bem como a sua decisão de celebrar o contrato.

12)    A Diretiva 2008/48

deve ser interpretada no sentido de que:

se opõe a que o mutuante possa, quando o consumidor exerce o seu direito de retratação em conformidade com o artigo 14.o, n.o 1, desta diretiva, invocar a preclusão desse direito ao abrigo das normas do direito nacional, quando pelo menos uma das menções obrigatórias previstas no artigo 10.o, n.o 2, dessa diretiva não figure no contrato de crédito ou nele figure de forma incompleta ou errada sem ter sido devidamente comunicada posteriormente e, por esse motivo, o prazo de retratação previsto nesse mesmo artigo 14.o, n.o 1, não tenha começado a correr.

13)    O artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2008/48, lido em conjugação com o princípio da efetividade,

deve ser interpretado no sentido de que:

se opõe a uma regulamentação nacional que prevê que, quando o consumidor se retrata de um contrato de crédito ligado, na aceção do artigo 3.o, alínea n), dessa diretiva, deve restituir ao mutuante o bem financiado pelo crédito ou têlo interpelado para recuperar esse bem, sem que esse mutuante seja obrigado, no mesmo momento, a reembolsar as mensalidades do crédito já pagas pelo consumidor.

Assinaturas


*      Língua do processo: alemão.