Language of document : ECLI:EU:T:2006:159

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Primeira Secção)

13 de Junho de 2006 (*)

«Pesca – Programas de orientação plurianuais – Pedidos de aumento dos objectivos com vista a melhorar a segurança – Decisão 97/413/CE – Recusa da Comissão – Recurso de anulação – Admissibilidade – Competência da Comissão»

Nos processos apensos T‑218/03 a T‑240/03,

Cathal Boyle, residente em Killybegs (Irlanda), e 22 outros recorrentes cujos nomes figuram em anexo, representados por P. Gallagher, SC, A. Collins, SC, e D. Barry, solicitor,

recorrentes,

apoiados por

Irlanda, representada por D. O’Hagan e C. O’Toole, na qualidade de agentes, assistidos por D. Conlan Smyth, barrister, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

interveniente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por G. Braun e B. Doherty, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida,

que tem por objecto um pedido de anulação da Decisão 2003/245/CE da Comissão, de 4 de Abril de 2003, relativa aos pedidos recebidos pela Comissão no sentido de aumentar os objectivos do POP IV, a fim de ter em conta as melhorias em matéria de segurança, navegação marítima, higiene, qualidade dos produtos e condições de trabalho no respeitante aos navios de comprimento de fora a fora superior a 12 metros (JO L 90, p. 48), na medida em que indefere os pedidos de aumento de capacidade dos navios dos recorrentes,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Primeira Secção),

composto por: J. D. Cooke, presidente, R. García‑Valdecasas e I. Labucka, juízes,

secretário: J. Plingers, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 23 de Novembro de 2005,

profere o presente

Acórdão

 Quadro jurídico

1        Nos termos do artigo 4.°, n.° 2, da Decisão 97/413/CE do Conselho, de 26 de Junho de 1997, relativa aos objectivos e às normas de execução para a reestruturação do sector das pescas da Comunidade, no período compreendido entre 1 de Janeiro de 1997 e 31 de Dezembro de 2001, a fim de alcançar, numa base sustentável, o equilíbrio entre os recursos e a sua exploração (JO 1998, L 175, p. 27):

«Nos programas de orientação plurianuais para os Estados‑Membros, os aumentos de capacidade que resultem exclusivamente de melhorias na segurança justificarão, caso a caso, um aumento de nível equivalente dos objectivos para os segmentos de frota desde que não aumentem o esforço de pesca dos navios em causa.»

2        Segundo o n.° 3.3 do anexo da Decisão 98/125/CE da Comissão, de 16 de Dezembro de 1997, que aprova o programa de orientação plurianual para a frota de pesca da Irlanda relativo ao período compreendido entre 1 de Janeiro de 1997 e 31 de Dezembro de 2001 (JO 1998, L 39, p. 41, a seguir «POP IV»):

«Os Estados‑Membros podem apresentar, em qualquer momento, um programa de melhoria da segurança. Nos termos dos artigos 3° e 4° da Decisão 97/413 […], a Comissão decidirá se os aumentos de capacidade previstos por tal programa justificam um aumento correspondente dos objectivos do POP IV.

[…]»

3        O artigo 6.° do Regulamento (CE) n.° 2792/1999 do Conselho, de 17 de Dezembro de 1999, que define os critérios e condições das acções estruturais no sector das pescas (JO L 337, p. 10), tem a seguinte redacção:

«1. A renovação da frota e a modernização dos navios de pesca serão organizadas de acordo com o presente título.

Cada Estado‑Membro apresentará à Comissão, para efeitos de aprovação em conformidade com o processo estabelecido no n.° 2 do artigo 23.° do Regulamento (CEE) n.° 3760/92, um regime permanente de controlo da renovação e modernização da frota. No quadro desse regime, e tendo em conta o disposto no n.° 4 do artigo 7.°, os Estados‑Membros demonstrarão que as entradas e saídas da frota sejam geridas por forma a que a capacidade de pesca não exceda os objectivos anuais fixados no programa de orientação plurianual na globalidade e relativamente aos segmentos abrangidos ou, se for caso disso, seja progressivamente reduzida até à consecução desses objectivos.

Este regime terá nomeadamente em conta que, excepto no caso dos navios com menos de 12 metros de comprimento de fora a fora que não sejam arrastões, a capacidade que tenha sido retirada com ajudas públicas não pode ser substituída.

2. Os Estados‑Membros podem formular um pedido de aumento claramente identificado e quantificado, no contexto dos objectivos de capacidade, relativamente a medidas tendentes a melhorar a segurança, a navegação marítima, a higiene, a qualidade dos produtos e as condições de trabalho, na condição de estas medidas não resultarem num aumento da taxa de exploração dos recursos abrangidos.

Esse pedido será analisado pela Comissão e aprovado nos termos do procedimento estabelecido no n.° 2 do artigo 23.° do Regulamento (CEE) n.° 3760/92. Qualquer aumento de capacidade será gerido pelos Estados‑Membros através do regime permanente do controlo referido no n.° 1.»

4        O artigo 4.°, n.° 2, da Decisão 97/413 foi revogado com efeitos reportados a 1 de Janeiro de 2002 pela Decisão 2002/70/CE do Conselho, de 28 de Janeiro de 2002, que altera a Decisão 97/473 (JO L 31, p. 77).

5        O artigo 11.°, n.° 5, do Regulamento (CE) n.° 2371/2002 do Conselho, de 20 de Dezembro de 2002, relativo à conservação e à exploração sustentável dos recursos haliêuticos no âmbito da Política Comum das Pescas (JO L 358, p. 59), tem a seguinte redacção:

«Nos navios de pesca com idade igual ou superior a cinco anos, a modernização do convés principal destinada a reforçar a segurança a bordo, as condições de trabalho, a higiene e a qualidade do produto pode aumentar a tonelagem do navio, desde que essa modernização não aumente a respectiva capacidade de captura […]»

 Matéria de facto na origem do litígio

6        Os recorrentes são proprietários de navios que fazem parte da frota de pesca irlandesa.

7        Entre 1999 e 2001, foi trocada correspondência relativamente ao artigo 4.°, n.° 2, da Decisão 94/413 entre o Departamento da Marinha (a seguir «Departamento») e a Comissão.

8        Durante este período e, em especial, em Novembro e Dezembro de 2001, cada um dos recorrentes solicitou ao Departamento a obtenção de um aumento de capacidade devido às melhorias efectuadas na segurança, ao abrigo do artigo 4.°, n.° 2, da Decisão 97/413 e do n.° 3.3 do anexo da Decisão 98/125.

9        Por carta de 14 de Dezembro de 2001, o Departamento pediu à Comissão um aumento de 1 304 toneladas brutas (a seguir «TB») do segmento polivalente e de 5 335 TB do segmento pelágico da frota irlandesa, ao abrigo do artigo 4.°, n.° 2, da Decisão 97/413. Esta carta completava um pedido anterior do Departamento relativamente a dois navios, enviada à Comissão como «processo‑piloto».

10      A carta de 14 de Dezembro de 2001, indicava que dava seguimento aos pedidos de 38 proprietários de navios que tinham alterado ou substituído o seu navio ou que tinham intenção de o fazer. Era acompanhada de documentação detalhada relativa aos 38 navios em causa. Resulta da lista junta à referida carta que 18 dos recorrentes se incluíam nestes 38 proprietários.

11      Por cartas de 19 e 21 de Dezembro de 2001, o Departamento forneceu à Comissão informações relativas aos navios de que os outros recorrentes eram proprietários.

12      Em 4 de Abril de 2003, a Comissão adoptou a Decisão 2003/245/CE relativa aos pedidos recebidos pela Comissão no sentido de aumentar os objectivos do POP IV, a fim de ter em conta as melhorias em matéria de segurança, navegação marítima, higiene, qualidade dos produtos e condições de trabalho no respeitante aos navios de comprimento de fora a fora superior a 12 metros (JO L 90, p. 48, a seguir «decisão impugnada»).

13      O dispositivo da decisão impugnada tem a seguinte redacção:

«Artigo 1.°

Elegibilidade dos pedidos

Os pedidos de aumento dos objectivos de arqueação do POP IV serão considerados elegíveis sob reserva das seguintes condições:

1.      Os pedidos devem ter sido apresentados pelo Estado‑Membro, caso a caso, antes de 31 de Dezembro de 2001;

2.      O navio deve estar devidamente registado no ficheiro comunitário dos navios de pesca;

3.      O navio em causa deve ter um comprimento de fora a fora igual ou superior a 15 metros;

4.      O aumento da arqueação deve resultar de trabalhos de modernização realizados ou a realizar acima do convés principal num navio existente registado, de idade não inferior a cinco anos na data do início dos referidos trabalhos. Em caso de perda de um navio no mar, o aumento da arqueação deve resultar do facto de o volume acima do convés principal do navio de substituição ser superior ao do navio perdido;

5.      O aumento da arqueação é justificado se se destinar a melhorar a segurança, a navegação marítima, a higiene, a qualidade dos produtos ou as condições de trabalho;

6.      O volume abaixo do convés principal do navio alterado ou do navio de substituição não pode ser objecto de aumento;

Os pedidos de aumento dos objectivos de potência do POP IV não são elegíveis.

Artigo 2.°

Os pedidos aceites de acordo com as condições fixadas no artigo 1.° são os constantes do anexo I.

Os pedidos rejeitados de acordo com as condições fixadas no artigo 1.° são os constantes do anexo II.

Artigo 3.°

O Reino da Bélgica, a Irlanda, o Reino dos Países Baixos, o Reino da Suécia e o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte são os destinatários da presente decisão.»

14      Os navios dos recorrentes figuram todos na lista dos «pedidos rejeitados» contida no anexo II da decisão impugnada.

 Tramitação processual e pedidos das partes

15      Por petições entradas na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 13 de Junho de 2003, registadas sob os números T‑218/03 a T‑240/03, os recorrentes interpuseram os presentes recursos. Os recorrentes aceitaram a proposta do Tribunal no sentido de estes recursos serem apreciados num processo único.

16      Por despacho de 20 de Janeiro de 2004, o presidente da Quinta Secção do Tribunal de Primeira Instância autorizou a Irlanda a intervir em apoio dos pedidos dos recorrentes. As alegações de intervenção da Irlanda foram apresentadas em 10 de Março de 2004. A Comissão apresentou as suas observações sobre estas alegações em 16 de Junho de 2004.

17      Por decisão de 8 de Dezembro de 2004, o Tribunal de Primeira Instância (Primeira Secção), no âmbito das medidas de organização do processo, convidou os recorrentes a apresentarem quaisquer documentos susceptíveis de confirmar a sua qualidade de proprietários dos navios em causa. Os recorrentes deram cumprimento a este pedido.

18      Com base no relatório do juiz relator, o Tribunal de Primeira Instância decidiu dar início à fase oral e, no âmbito das medidas de organização do processo, convidou as partes a apresentarem determinados documentos e a responderem a determinadas questões escritas. As partes deram cumprimento a estes pedidos.

19      Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões do Tribunal de Primeira Instância na audiência que se realizou em 23 de Novembro de 2005.

20      Ouvidas as partes a esse respeito na audiência, o Tribunal de Primeira Instância decidiu apensar os presentes processos para efeitos do acórdão, ao abrigo do artigo 50.° do seu Regulamento de Processo.

21      As recorrentes e a Irlanda concluem pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular a decisão impugnada na medida em que indefere os pedidos de aumento de capacidade relativos aos seus navios;

–        condenar a Comissão nas despesas.

22      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        julgar os recursos inadmissíveis;

–        a título subsidiário, negar provimento aos recursos;

–        condenar as recorrentes nas despesas.

 Quanto à admissibilidade

23      A Comissão alega que os presentes recursos são inadmissíveis pelo facto de a decisão impugnada não dizer directa e individualmente respeito aos recorrentes, na acepção do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE.

24      Alega igualmente que determinados recorrentes não demonstraram ser proprietários dos navios em causa. No entanto, na audiência, desistiu desta objecção.

 Argumentos das partes

25      A Comissão salienta, antes de mais, que a decisão impugnada se destina aos Estados‑Membros em causa. Os recorrentes não são seus destinatários, nomeadamente, não são mencionados na decisão e não dialogaram directamente com a Comissão.

26      A decisão impugnada foi adoptada na sequência de um pedido da Irlanda destinado a obter um aumento da capacidade total da sua frota. Embora as autoridades irlandesas tenham baseado o seu pedido em factos relativos a navios determinados, não se pode considerar que a decisão fosse, na realidade, dirigida aos recorrentes.

27      A Comissão alega que a decisão impugnada não diz individualmente respeito aos recorrentes. Estes só são afectados por esta decisão pelo facto de serem proprietários de navios na Irlanda. A decisão impugnada não viola os seus direitos de propriedade relativos a esses navios e os recorrentes podem continuar a pescar com os seus actuais navios (acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Janeiro de 1985, Piraiki‑Patraiki e o./Comissão, 11/82, Recueil, p. 207, n.° 13). A Comissão acrescenta que, mesmo admitindo que a categoria dos proprietários de navios de pesca na Irlanda seja completamente fechada, a decisão não diz mais respeito aos recorrentes do que a qualquer outro proprietário de um navio de pesca na Irlanda.

28      Quanto ao facto de a decisão impugnada mencionar no seu anexo II os navios dos recorrentes, a Comissão afirma que tal menção resulta apenas do contexto factual da decisão (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 10 de Julho de 1996, Weber/Comissão, T‑482/93, Colect., p. II‑609).

29      A Comissão recusa a comparação efectuada pelos recorrentes com o acórdão Piraiki‑Patraiki e o./Comissão, acima referido no n.° 27, baseada, em sua opinião, na afirmação errada, de facto e de direito, de que «entregaram pedidos individuais de capacidade suplementar à Comissão».

30      Resulta da jurisprudência que o alcance geral e, portanto, a natureza regulamentar de uma medida não é posta em causa pelo facto de ser possível determinar mais ou menos exactamente o número ou mesmo a identidade das pessoas às quais se aplica em determinado momento, tanto mais que está demonstrado que a medida se aplica às pessoas por força de uma situação jurídica ou factual objectiva, definida pela acção em questão em relação com o seu objectivo. Não basta demonstrar que a medida em causa se aplica a um «círculo fechado» de operadores (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 7 de Novembro de 1996, Roquette Frères/Conselho, T‑298/94, Colect., p. II‑1531, n.os 41 e 42). Em todo o caso, no presente processo, o grupo de pessoas ligadas a determinados navios não está definitivamente estabelecido, na medida em que um navio pode mudar de proprietário.

31      Segundo a Comissão, os recorrentes também não são directamente afectados na acepção da jurisprudência (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Julho de 2001, Comafrica e Dole Fresh Fruit Europe/Comissão, T‑198/95, T‑171/96, T‑230/97, T‑174/98 e T‑225/99, Colect., p. II‑1975, n.° 96). A decisão impugnada tem por único efeito jurídico conceder um aumento de capacidade de 203 TB à frota irlandesa (v. artigo 4.°, n.° 2, da Decisão 97/413). Apesar de o ónus da prova lhes incumbir, os recorrentes não explicaram de forma alguma de que modo a decisão impugnada os afecta. Além disso, nem sequer alegaram que esta decisão alterou a sua situação jurídica.

32      O debate relativo à afectação directa resume‑se, no caso vertente, a uma questão simples, a de saber o efeito da decisão da Comissão para os recorrentes. A Comissão salienta igualmente que, se a decisão impugnada tivesse realmente efeitos automáticos, estes já deveriam ter sido sentidos.

33      Compete às autoridades irlandesas decidir como utilizar o aumento de capacidade e qual a linha de conduta a adoptar à luz dos pedidos de capacidade que excedam o nível autorizado pela Comissão (v. artigo 6.°, n.° 2, do Regulamento n.° 2792/1999). Assim, toda e qualquer decisão relativa a navios determinados necessita da aplicação de outras normas intermédias pelas autoridades irlandesas, não sendo meramente automática.

34      A Comissão contesta o argumento dos recorrentes segundo o qual adoptou uma decisão relativa a navios individualmente considerados. Contesta a pertinência do exemplo dos recorrentes relativo à reatribuição a outro navio de um aumento de capacidade destinado a um navio incluído no anexo I. Antes de mais, os pedidos dirigidos à Comissão e os dirigidos a um Estado‑Membro não têm o mesmo conteúdo. Em seguida, embora o proprietário de um navio mencionado no anexo I possa alegar que tem uma expectativa legítima de que os pedidos que apresentou a nível nacional relativamente à licença do seu navio sejam aprovados, tal expectativa legítima não existe no caso de uma decisão negativa. Por um lado, mesmo que a Comissão indefira o pedido de aumento dos objectivos de capacidade para uma frota inteira, pode ainda haver aumentos de dimensão de navios individualmente considerados, uma vez que um Estado‑Membro pode aceitar pedidos de aumento de capacidade dentro do limite estabelecido no âmbito do POP IV. Existem, nomeadamente, reservas de capacidade na Irlanda. Por outro lado, existe um mercado de capacidades na Irlanda, pelo que um proprietário pode sempre adquirir capacidade suplementar para um navio novo. Contrariamente ao que alegam os recorrentes, a existência de tal mercado é pertinente na medida em que demonstra que uma decisão negativa da Comissão não implica necessariamente uma decisão negativa relativamente aos pedidos dirigidos às autoridades irlandesas por operadores individuais.

35      A Comissão acrescenta que muitos dos recorrentes puderam pescar antes da data de adopção da decisão impugnada. Noutros termos, vários recorrentes terão beneficiado, muito tempo antes da decisão impugnada, da vantagem económica conferida pela capacidade suplementar. Além disso, vários recorrentes puderam continuar a pescar depois da referida decisão. O Ministro das Pescas irlandês verificou, em Outubro de 2003, que cinco dos navios dos recorrentes tinham licenças. Outros navios, pertencentes aos recorrentes, obtiveram uma licença em 2004.

36      Por outro lado, em resposta ao argumento dos recorrentes de que a Comissão poderia simplesmente atribuir um aumento de capacidade de 203 TB à Irlanda sem designar navios individualmente, a Comissão indica que isso não altera o efeito jurídico da decisão que está definido pelo quadro regulamentar em que se insere e não pela forma da decisão impugnada (acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Junho de 1980, Calpak e Società emiliana lavorazione frutta/Comissão, 789/79 e 790/79, Recueil, p. 1949, n.° 7).

37      Quanto ao argumento da Irlanda segundo o qual os recorrentes, devido à política de entrada e saída aplicável à frota irlandesa, têm de suportar um custo enorme (v. n.° 41, infra), a Comissão observa que o mesmo não foi suscitado pelos recorrentes e foi invocado tardiamente. Além disso, este argumento prejudica a tese dos recorrentes ao demonstrar que qualquer eventual consequência negativa para os mesmos resulta da legislação nacional e não da decisão impugnada. A legislação irlandesa pode reflectir determinadas normas de direito comunitário, mas não é uma legislação de execução da decisão impugnada.

38      A adopção, pela Irlanda, de uma nova política de concessão de licenças aos navios de pesca em Novembro de 2003 (Policy Directive 2/2003) confirma isto mesmo. Esta política não é uma consequência automática da decisão impugnada e demonstra que as autoridades irlandesas dispõem de uma certa margem para aplicar a legislação nacional em matéria de licenças.

39      Os recorrentes alegam que a decisão impugnada lhes diz directa e individualmente respeito.

40      Sustentam designadamente, no que respeita à afectação directa, que o artigo 6.°, n.° 2, do Regulamento n.° 2792/1999 (v. n.° 33, supra) não estava em vigor na data em que foi adoptada a decisão impugnada. Em todo o caso, o facto de este artigo prever que os aumentos de capacidade são geridos pelos Estados‑Membros deve ser apenas considerado uma simples exigência imposta aos Estados‑Membros para que estes adoptem as medidas necessárias para aplicar toda e qualquer decisão positiva que seja adoptada.

41      A Irlanda alega que o efeito jurídico da decisão impugnada é o de indeferir de forma expressa os pedidos dos recorrentes de um aumento de capacidade em termos de tonelagem por motivos de segurança com base nos critérios do artigo 1.° desta decisão. Daqui resulta que os recorrentes deverão suportar um custo enorme, dado que são obrigados a obter capacidade em substituição da tonelagem perdida em favor da segurança que foi objecto dos pedidos.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

42      Por força do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, qualquer pessoa singular ou colectiva pode interpor recurso das decisões de que seja destinatária e das decisões que, embora tomadas sob a forma de regulamento ou de decisão dirigida a outra pessoa, lhe digam directa e individualmente respeito.

43      Sendo a decisão impugnada dirigida à Irlanda e aos outros Estados‑Membros em causa, há que verificar se a mesma diz directa e individualmente respeito aos recorrentes.

44      No que respeita à questão de saber se a decisão impugnada diz individualmente respeito aos recorrentes, há que recordar que resulta de jurisprudência assente que os sujeitos que não são os destinatários de uma decisão só podem pretender ser afectados individualmente se essa decisão os afectar em razão de determinadas qualidades que lhes são próprias ou de uma situação de facto que os caracterize relativamente a qualquer outra pessoa, individualizando‑os, por isso, de forma idêntica à de um destinatário (acórdãos do Tribunal de Justiça de 15 de Julho de 1963, Plaumann/Comissão, 25/62, Colect., 1962‑1964, p. 279, e Piraiki‑Patraiki e o./Comissão, acima referido no n.° 27, n.° 11; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 27 de Abril de 1995, ASPEC e o./Comissão, T‑435/93, Colect., p. II‑1281, n.° 62).

45      A este respeito, há que recordar que, na decisão impugnada, a Comissão se pronunciou sobre pedidos dos Estados‑Membros destinados a obter um aumento global dos seus objectivos no âmbito do POP IV. No entanto, o pedido de aumento relativo à frota nacional irlandesa, apresentado à Comissão, era composto por todos os pedidos individuais dos proprietários de navios, entre os quais os dos recorrentes.

46      Há também que referir que a Comissão tinha a obrigação de apreciar estes pedidos individuais «caso a caso» por força do disposto no artigo 4.°, n.° 2, da Decisão 97/413 (v., igualmente, o segundo considerando da decisão impugnada). Defendeu nos seus articulados que tinha analisado «caso a caso» a situação de cada navio mencionado no pedido da Irlanda e confirmou, na audiência, que a expressão «caso a caso» significava «navio por navio». A este respeito, há que referir que o «pedido global» dos Países Baixos foi rejeitado pela Comissão pelo facto de não ter sido «descriminado caso a caso» (anexo II).

47      Além disso, a Comissão enumera no anexo I («pedidos aceites») e no anexo II («pedidos rejeitados») da decisão impugnada os navios afectados. Assim, os nomes dos navios dos recorrentes estão todos incluídos no anexo II.

48      Embora a decisão impugnada tenha sido dirigida aos Estados‑Membros em questão, há que assinalar que a mesma diz respeito a uma série de navios designados. Por conseguinte, a decisão impugnada deve ser considerada um conjunto de decisões individuais, cada uma delas afectando a situação jurídica dos proprietários dos referidos navios, incluindo a dos recorrentes (v., por analogia, acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Maio de 1971, International Fruit Company e o./Comissão, 41/70 a 44/70, Colect., p. 131, n.os 17 a 22).

49      O Tribunal de Primeira Instância considera que o número e a identidade dos proprietários dos navios em causa eram determinados e verificáveis antes da data da adopção da decisão impugnada e que a Comissão tinha possibilidade de saber que a sua decisão afectava exclusivamente os interesses e a posição dos referidos proprietários. A decisão impugnada diz respeito a um círculo fechado de pessoas determinadas no momento da sua adopção, cujos direitos a Comissão pretendia regular. Daqui resulta que a situação de facto, assim criada, caracteriza os recorrentes relativamente a qualquer outra pessoa e os individualiza de uma forma análoga à do destinatário (acórdão do Tribunal de Justiça de 1 de Julho de 1965, Toepfer e Getreide‑Import/Comissão, 106/63 e 107/63, Colect. 1965‑1968, p. 119).

50      Relativamente à questão de saber se a decisão impugnada diz directamente respeito aos recorrentes, há que recordar os dois critérios cumulativos, desenvolvidos por jurisprudência assente, para que se possa afirmar que um acto diz directamente respeito a uma pessoa na acepção do quarto parágrafo do artigo 230.° CE.

51      Em primeiro lugar, o acto em causa deve produzir directamente efeitos na esfera jurídica do particular. Em segundo lugar, o referido acto não deve deixar qualquer poder de apreciação aos seus destinatários encarregados da sua aplicação, tendo esta um carácter puramente automático e decorrendo somente da regulamentação comunitária sem aplicação de outras regras intermédias (acórdãos do Tribunal de Justiça de 5 de Maio de 1998, Dreyfus/Comissão, C‑386/96 P, Colect., p. I‑2309, n.° 43, e do Tribunal de Primeira Instância de 13 de Dezembro de 2000, DSTV/Comissão, T‑69/99, Colect., p. II‑4039, n.° 24). A condição exigida pelo segundo critério está igualmente preenchida quando a possibilidade de o Estado‑Membro não dar seguimento ao acto em causa for puramente teórica, não existindo quaisquer dúvidas quanto à sua intenção de retirar consequências conformes ao referido acto (acórdão Dreyfus/Comissão, já referido, n.° 44; v., igualmente, neste sentido, acórdão Piraiki‑Patraiki e o./Comissão, acima referido no n.° 27, n.os 8 a 10).

52      No presente processo, é ponto assente que a Comissão era a única autoridade habilitada a tomar uma decisão ao abrigo do artigo 4.°, n.° 2, da Decisão 97/413. Nenhuma outra entidade administrativa, incluindo as autoridades irlandesas, podia, com base nesta disposição, atribuir aumentos de capacidade devido às melhorias efectuadas em matéria de segurança.

53      Além disso, como foi acima referido no n.° 46, a Comissão adoptou efectivamente decisões «caso a caso» no que respeita à elegibilidade dos pedidos de aumento de capacidade dos navios em causa. Cada pedido formulado pelos proprietários de navios tem efectivamente uma resposta expressa nos anexos da decisão impugnada, que prevê aumentos de tonelagem específicos a favor dos navios incluídos no anexo I e que não atribui qualquer aumento de tonelagem aos navios repertoriados no anexo II. Assim, a decisão impugnada constitui uma tomada de posição expressa quanto à questão de saber se os navios designados nos seus anexos podem ou não beneficiar da aplicação do artigo 4.°, n.° 2, da Decisão 97/413.

54      Na decisão impugnada, a Comissão, na qualidade de única autoridade competente na matéria, pronuncia‑se de forma definitiva sobre a elegibilidade de determinados navios para um aumento de capacidade, por referência aos requisitos de aplicação da excepção prevista no artigo 4.°, n.° 2, da Decisão 97/413. Ao verificar assim a não elegibilidade dos navios que pertencem aos recorrentes, a decisão impugnada tem o efeito directo e definitivo de os afastar da possibilidade de beneficiarem de uma medida de direito comunitário. Daqui resulta que tal decisão diz directamente respeito aos recorrentes.

55      Há que acrescentar que, em conformidade com a sua obrigação de aplicar o direito comunitário, os Estados‑Membros eram obrigados a conceder os aumentos mencionados no anexo I aos navios correspondentes. Não podiam, designadamente, atribuir uma capacidade suplementar concedida pela Comissão a um navio incluído no anexo I a um navio incluído no anexo II. Os navios que figuram no anexo II, entre os quais os dos recorrentes, não têm, portanto, direito a um aumento de capacidade devido a melhorias em matéria de segurança. Dado que apenas a Comissão podia conceder tal aumento de capacidade, foi a Comissão que determinou com carácter definitivo o destino dos navios.

56      Este efeito da decisão impugnada resulta apenas da regulamentação comunitária, sendo a Comissão a única autoridade competente para aplicar o artigo 4.°, n.° 2, da Decisão 97/413. As autoridades nacionais não têm qualquer opção nem dispõem de qualquer poder de apreciação quanto à obrigação de executar esta decisão. Não têm nenhuma opção nem qualquer margem de manobra quanto à atribuição de capacidade suplementar em matéria de segurança e devem executar esta decisão de forma meramente automática, sem aplicação de outras regras intermédias.

57      Os argumentos respectivos das partes relativos aos efeitos práticos ou não da decisão impugnada sobre os navios em causa não são pertinentes a este respeito. Com efeito, o Tribunal de Primeira Instância considera que a decisão impugnada diz directamente respeito aos recorrentes na medida em que excluiu a elegibilidade dos navios em causa para um aumento de capacidade ao abrigo do artigo 4.°, n.° 2, da Decisão 97/413, qualquer que seja a situação prática dos navios e, em especial, a questão de saber se pescavam antes e depois da decisão impugnada.

58      As apreciações acima efectuadas nos n.os 52 a 56 não são postas em causa pelo argumento da Comissão segundo o qual a Irlanda pode teoricamente decidir conceder capacidade suplementar aos navios dos recorrentes. Uma decisão nacional desta ordem não priva a decisão impugnada da sua aplicabilidade automática. Seria juridicamente estranha à aplicação, em direito comunitário, da decisão impugnada. Essa decisão nacional teria por efeito alterar de novo a situação dos recorrentes, designadamente suprimindo a necessidade dos mesmos de adquirirem capacidade de substituição. Esta segunda alteração da sua situação jurídica decorreria apenas da nova decisão nacional e não da execução da decisão impugnada.

59      Quanto ao argumento da Comissão segundo o qual os recorrentes podiam evitar as consequências negativas, adquirindo capacidade suplementar no mercado, longe de afastar o efeito directo da decisão impugnada, o mesmo demonstra que a decisão implicou para os recorrentes a necessidade de adoptarem medidas para fazer face à situação criada pela decisão impugnada.

60      Daqui resulta que o fundamento de inadmissibilidade suscitado pela Comissão deve ser julgado improcedente.

61      No entanto, vistas as respostas da Irlanda às questões colocadas no âmbito das medidas de organização do processo, o Tribunal de Primeira Instância suscitou oficiosamente a questão de saber se quatro dos recorrentes tinham interesse em agir no caso vertente (v. n.° 17, supra). Trata‑se de Thomas Faherty (T‑224/03), da Ocean Trawlers Ltd (T‑226/03), de Larry Murphy (T‑236/03) e da O’Neill Fishing Co. Ltd (T‑239/03).

62      Resulta destas respostas que os pedidos apresentados por estes quatro recorrentes assentaram na sua intenção, na época, de mandar construir navios e de lhes atribuir os nomes reproduzidos no anexo II da decisão impugnada. Entretanto, comprovou‑se que estes recorrentes não procederam à construção desses navios de modo que, na data da decisão impugnada, não eram efectivamente proprietários dos navios em questão. Daqui resulta que os referidos recorrentes não têm interesse em agir. Em todo o caso, a decisão impugnada não lhes diz individualmente respeito, uma vez que os navios em questão são fictícios.

 Quanto ao mérito

63      Os recorrentes invocam três fundamentos de recurso. O primeiro, relativo à falta de competência da Comissão, o segundo, à falta de fundamentação e o terceiro, à violação do princípio da igualdade de tratamento. Há que analisar, antes de mais, o primeiro fundamento.

 Argumentos das partes

64      A título liminar, os recorrentes alegam que os seus pedidos dizem respeito a melhorias em matéria de segurança introduzidas nos termos da Directiva 93/103/CE do Conselho, de 23 de Novembro de 1993, relativa às prescrições mínimas de segurança e de saúde no trabalho a bordo dos navios de pesca (JO L 307, p. 1), e à Convenção de Torremolinos. A maioria deles substituiu simplesmente os navios existentes por navios novos. Nos processos T‑220/03, Cavankee Fishing Co. Ltd/Comissão, e T‑227/03, Brendan Gill/Comissão, os recorrentes, num primeiro momento, alteraram os seus navios e pediram um aumento de tonelagem a esse respeito. Num segundo momento, substituíram os seus navios e pediram igualmente um aumento de tonelagem para os navios novos.

65      Os recorrentes alegam que, na medida em que a Comissão exercia uma competência por força dos artigos 3.° e 4.° da Decisão 97/413 e do n.° 3.3 do anexo da Decisão 98/125, esta competência estava limitada pelas disposições da Decisão 97/413. Resulta desta última decisão que as únicas questões que a Comissão podia analisar ao pronunciar‑se relativamente a cada um dos pedidos eram as de saber se, por um lado, o aumento de capacidade proposto resultava apenas das melhorias em matéria de segurança e, por outro, se o mesmo implicava um aumento do esforço de pesca dos navios em causa. Daqui resulta que o artigo 4.° da Decisão 97/413 não autorizava a Comissão a aplicar alguns dos critérios mencionados no artigo 1.° da decisão impugnada.

66      Os recorrentes não contestam os critérios enunciados no artigo 1.°, n.os 1 e 3, da decisão impugnada.

67      Em contrapartida, relativamente ao critério enunciado no artigo 1.°, n.° 2, da decisão impugnada, a saber, o critério segundo o qual o navio deve estar devidamente registado no ficheiro comunitário dos navios de pesca (a seguir «segundo critério»), alegam que este não figura na Decisão 97/413 nem na Decisão 98/125. Na medida em que tem por objectivo limitar a possibilidade de pedir aumentos de capacidade que resultem de melhorias em matéria de segurança para navios de substituição, o segundo critério é totalmente injustificado, uma vez que a Decisão 97/413 e a Decisão 98/125 não excluem que sejam acolhidos favoravelmente pedidos para navios de substituição.

68      Quanto ao critério enunciado no artigo 1.°, n.° 4, da decisão impugnada, segundo o qual o aumento da arqueação deve resultar de trabalhos de modernização realizados ou a realizar acima do convés principal num navio existente registado, de idade não inferior a cinco anos na data do início dos referidos trabalhos (a seguir «quarto critério»), este também não se justifica à luz da Decisão 97/413 nem da Decisão 98/125.

69      Em primeiro lugar, os recorrentes recordam que estas disposições não limitam as melhorias em matéria de segurança a navios registados já existentes. Sublinham que a idade de um navio é um conceito totalmente estranho à definição de «esforço de pesca» dada pelo Conselho. Por conseguinte, a Comissão não tem competência para tomar em consideração a idade dos navios quando adopta decisões no âmbito das competências que a Decisão 97/413 lhe confere.

70      Em segundo lugar, a Decisão 97/413 não exige que os navios tenham pelo menos cinco anos de idade no momento do início dos trabalhos. Esta última exigência parece ter sido inspirada pelo artigo 11.°, n.° 5, do Regulamento n.° 2371/2002, que não pode manifestamente regular a gestão do POP IV.

71      Em terceiro lugar, as melhorias em matéria de segurança não se limitam aos trabalhos de modernização acima do convés principal. A Comissão não tem nenhuma competência para excluir uma qualquer categoria de trabalhos. Em especial, os aumentos de capacidade ligados a trabalhos abaixo do convés principal podem resultar exclusivamente de melhorias em matéria de segurança, quando, por exemplo, aumentam a dimensão das linhas de carga e de flutuabilidade do navio.

72      Além disso, a Comissão raciocinou em termos gerais sem fazer referência às condições específicas de cada pedido que lhe foi submetido. Os recorrentes consideram que os trabalhos abaixo do convés principal podem mesmo constituir um aumento de capacidade que resulte exclusivamente de melhorias em matéria de segurança. Ao não se pronunciar individualmente sobre cada pedido, a Comissão violou manifestamente o dever que lhe é imposto de analisar os pedidos caso a caso.

73      Em quarto lugar, no que respeita à excepção relativa aos navios perdidos no mar, esta excepção só se aplica à decisão tomada ultra vires pela Comissão de restringir o benefício do artigo 4.°, n.° 2, da Decisão 97/413 a navios registados existentes, com pelo menos cinco anos de idade no momento do início dos trabalhos. Além disso, esta excepção está em contradição com o raciocínio da Comissão segundo o qual os navios novos que substituem os navios perdidos no mar aumentam o esforço de pesca.

74      No que respeita ao critério referido no artigo 1.°, n.° 6, da decisão impugnada, a saber, o critério segundo o qual o volume situado abaixo do convés principal do navio alterado ou do navio de substituição não pode ser objecto de aumento (a seguir «sexto critério»), os recorrentes alegam que o mesmo não tem nenhuma relação directa com a questão de saber se uma dada proposta de aumento de capacidade, apresentada nos termos do artigo 4.°, n.° 2, da Decisão 97/413, cumpre os requisitos desta disposição.

75      A Irlanda compartilha da argumentação dos recorrentes. Considera que os critérios objecto dos n.° 2 a 5 do artigo 1.° da decisão impugnada (v. n.° 13 supra) não têm fundamento jurídico e foram adoptados ultra vires relativamente à Decisão 97/413.

76      No que respeita ao argumento da Comissão segundo o qual a Irlanda pediu um aumento de tonelagem da frota muito mais elevado do que o pedido pelos outros Estados‑Membros, os recorrentes consideram que o mesmo é totalmente irrelevante no caso vertente.

77      A Comissão alega, em primeiro lugar, que, em todos os processos, os navios novos são maiores do que aqueles que visam substituir. Em alguns casos, foi proposto retirar determinado número de antigos navios para introduzir novos. Essa capacidade é por vezes repartida por diferentes navios, pelo que nem sempre é fácil efectuar uma comparação directa entre os navios. A Comissão acrescenta que, quando o aumento da dimensão dos navios pode ser definido em percentagem, esta é significativa, a saber, raramente menos de 30% e na maior parte das vezes entre 70 e 90%. A Comissão acrescenta que o aumento de capacidade pedido pela Irlanda implicaria um aumento de aproximadamente 11% da tonelagem da frota irlandesa.

78      A Comissão afirma que o Conselho deixou em aberto a possibilidade de aumentar a capacidade da frota de um Estado‑Membro por razões de segurança. No entanto, tendo em conta o objectivo da Decisão 97/413 de congelar ou de reduzir as frotas de pesca, esta possibilidade constitui uma excepção ao princípio geral e deve ser interpretada de forma restritiva.

79      Em seguida, a Comissão alega que os critérios contestados resultam expressa ou tacitamente das disposições regulamentares pertinentes. Contesta ter excedido os seus poderes ao adoptar estes critérios na decisão impugnada.

80      Recorda que, no domínio agrícola, que inclui a pesca, as instituições comunitárias gozam de um amplo poder de apreciação (acórdãos do Tribunal de Justiça de 5 de Outubro de 1994, Crispoltoni e o., C‑133/93, C‑300/93 e C‑362/93, Colect., p. I‑4863, n.° 42, e de 12 de Julho de 2001, Jippes e o., C‑189/01, Colect., p. I‑5689, n.° 80).

81      Quanto ao segundo critério, a Comissão sustenta que os recorrentes não explicam claramente por que razão o mesmo é criticável. Embora este critério não apareça expressamente na Decisão 97/413 e na Decisão 98/125, figura nestas decisões implicitamente. O pedido da Irlanda visa obter um aumento de capacidade da sua frota de pesca. Resulta do artigo 1.° do Regulamento (CE) n.° 2090/98 da Comissão, de 30 de Setembro de 1998, relativo ao ficheiro comunitário dos navios de pesca (JO L 266, p. 27), que este ficheiro constitui uma simples lista de barcos de pesca definida no artigo 3.° do Regulamento (CEE) n.° 3760/92 do Conselho, de 20 de Dezembro de 1992, que institui um regime comunitário da pesca e da aquicultura (JO L 389, p. 1).

82      Seria estranho que a capacidade da frota de pesca irlandesa pudesse ser aumentada tendo em conta navios que não são navios de pesca ou que não estão registados na Irlanda. É por esta razão que o artigo 6.° da Decisão 98/125 prevê que a Irlanda deve informar a Comissão de quaisquer alterações da situação da sua frota e do esforço de pesca, nos termos dos procedimentos estabelecidos pelo regulamento que definia na época o ficheiro.

83      A Comissão salienta que a crítica dos recorrentes relativa ao segundo critério diz respeito à exigência de que os navios não devem ser novos, a qual se justifica pelas razões acima referidas (n.os 87 a 94).

84      Quanto ao quarto critério (v. n.° 13, supra), a Comissão considera que não excedeu as suas competências ao defini‑lo.

85      Em primeiro lugar, no que respeita à exclusão de navios novos, refere que o artigo 4.°, n.° 2, da Decisão 97/413 previa que os aumentos de capacidade devidos a melhorias em matéria de segurança só eram aceitáveis se não implicassem um aumento do esforço de pesca dos navios em causa. Esta limitação, sistematicamente ignorada pelos recorrentes na réplica, é conforme ao objectivo geral da Decisão 97/413, a saber, a redução da quantidade de peixes pescados pela frota de cada Estado‑Membro.

86      Segundo a Comissão, é geralmente admitido que os navios novos são mais eficazes que os que substituem, de modo que, mesmo que a sua arqueação ou a sua potência se mantenham inalteradas, a capacidade real de um navio novo é mais significativa. Assim, a introdução de um navio novo implica inevitavelmente um «aumento do esforço de pesca dos navios em causa» e não está, portanto, abrangida pela excepção prevista no artigo 4.°, n.° 2, da Decisão 97/413.

87      Os recorrentes ampliaram o significado do termo «melhoria» que figura no artigo 4.°, n.° 2, da Decisão 97/413, para abranger a substituição completa de um navio. Ora, a capacidade de um navio novo é muito mais importante do que a do navio que substitui, devido não apenas às melhorias introduzidas em matéria de segurança, mas também à sua superioridade técnica em geral. Por conseguinte, não se pode considerar que o aumento de capacidade dos navios dos recorrentes era «exclusivamente» devido a melhorias em matéria de segurança, como exige essa disposição.

88      Segundo a Comissão, mesmo com tonelagem e potência iguais, um navio novo é superior a um navio antigo tendo em conta os elementos seguintes:

–        o emprego de equipamentos electrónicos para detectar o peixe e para medir exactamente a profundidade e a velocidade da rede de arrasto;

–        a utilização mais eficaz do combustível;

–        a eficácia acrescida da hélice e a melhoria da hidrodinâmica da rede, que permite que um navio reboque com a mesma potência uma rede maior;

–        o emprego de um equipamento de convés mais potente que permita subidas da rede com mais frequência (nos navios maiores, o equipamento do convés é accionado por motores auxiliares que não entram no cálculo da potência do navio);

–        o emprego de dispositivos mecânicos para arriar os palangres, o que permite empregar e recuperar mais anzóis gastando o mesmo tempo.

89      A Comissão acrescenta que o artigo 4.°, n.° 2, da Decisão 97/413 não tinha por objectivo instituir um procedimento de entrada de navios novos de pesca. Estes últimos são regulados pelo sistema de entrada e saída a que o artigo 6.° do Regulamento n.° 2792/1999 e o artigo 6.° da Decisão 97/413 fazem referência. A interpretação defendida pelos recorrentes significa que qualquer navio, mesmo novo, pode ser substituído em qualquer momento por outro (por exemplo, o Mark Amay, em causa no processo T‑222/03, construído em 2000, que foi substituído após dois anos apenas por um navio cuja dimensão era quase 50% superior). Ora, tal lógica implicaria um crescimento exponencial da frota e poderia mesmo ameaçar a segurança no mar. Os construtores e os proprietários de navios seriam tentados a construir navios com as maiores tonelagem e potência possíveis, economizando nos equipamentos de segurança.

90      Por outro lado, o objectivo do artigo 4.°, n.° 2, da Decisão 97/413 é o de permitir um aumento de capacidade que resulte de «melhorias na segurança». A idade de um navio não foi tomada em consideração pela Comissão em abstracto, mas como parâmetro para determinar se deveriam ser introduzidas melhorias na segurança do mesmo navio. Um navio novo obedece às normas de segurança recentes. Por conseguinte, os equipamentos de segurança dos navios novos não necessitam de melhorias importantes.

91      A correspondência entre a Irlanda e a Comissão invocada pelos recorrentes constitui apenas um simples pedido de informações. Nessa correspondência, a Comissão não enumera todos os critérios aplicáveis e não tinha motivos para o fazer.

92      Em segundo lugar, no que respeita ao critério dos cinco anos, a Comissão alega que deve ser fixado um limite de idade para definir de forma objectiva os conceitos de «navio novo» e de «navio existente». Optou por um período de cinco anos tendo em conta o facto de que um navio de pesca tem uma duração de vida média de 20 a 25 anos e que normalmente não tem de ser modernizado durante os primeiros cinco anos. A Comissão indica que não considera que o artigo 11.°, n.° 5, do Regulamento n.° 2371/2002 seja a base jurídica do período de cinco anos. No entanto, esta última disposição reflecte a filosofia da Comissão a este respeito. A Comissão considera que o limite de cinco anos figura implicitamente na legislação.

93      Em terceiro lugar, no que respeita ao critério segundo o qual os trabalhos devem ser efectuados no convés principal, a Comissão refere que, por força do princípio de Arquimedes, o peso suportado por um navio é igual à quantidade de água deslocada pela parte submersa do casco. Qualquer aumento da dimensão do casco aumentará inevitavelmente a quantidade de água deslocada e, portanto, o peso que o navio pode suportar. Assim, o aumento da dimensão do casco pode corresponder a um aumento da dimensão do navio e, portanto, do esforço de pesca. Por conseguinte, a Comissão explica que considerou que um aumento do volume abaixo do convés principal implica automaticamente um aumento do esforço de pesca e é assim contrário ao artigo 4.°, n.° 2, da Decisão 97/413.

94      Em contrapartida, as melhorias efectuadas acima do convés principal não aumentam habitualmente a capacidade do navio e estão mais estreitamente ligadas à segurança. Segundo a Comissão, não é possível aumentar sensivelmente o peso de um navio acima do convés principal, pois isso tem efeitos negativos para a sua estabilidade. Os porões para peixe não podem estar situados acima do convés principal, geralmente destinado ao trabalho e ao alojamento.

95      A afirmação dos recorrentes de que os dispositivos de segurança acima do convés principal têm sempre por consequência tornar um navio instável é demasiado genérica. O efeito de tais dispositivos sobre a estabilidade depende do navio. Segundo a Comissão, é possível, em determinados casos, acrescentar um pouco de peso acima do convés principal.

96      A Comissão acrescenta na tréplica que, contrariamente ao que alegam os recorrentes, efectuou uma análise caso a caso. A este respeito, refere que detectou um erro nos documentos relativos ao navio que devia substituir o Áine (processo T‑223/03). Assinala igualmente que a sua contestação dizia respeito a 23 processos, pelo que tinha que se expressar em termos gerais.

97      Em quarto lugar, a Comissão refere que, embora um navio com menos de cinco anos não deva necessitar de ser modernizado ou substituído, pode‑se perder no mar. O seu proprietário será então obrigado a substituí‑lo para poder continuar a pescar. Neste caso, o navio de substituição não será necessariamente idêntico ao anterior e o equipamento de segurança poderá ser melhorado nessa ocasião. Contrariamente ao que alegam os recorrentes, isto não está em contradição com o argumento da Comissão de que os navios novos são mais eficazes. Uma vez que o antigo navio perdido no mar já não está disponível para efeitos de comparação, não é possível calcular o ganho de eficácia. Por conseguinte, não existe nenhum fundamento para obrigar os armadores em causa a comprar navios de capacidade reduzida. Além disso, um navio que substitui um navio perdido no mar não deve ter uma capacidade de transporte acrescida.

98      Quanto ao critério previsto no artigo 1.°, n.° 5, da decisão impugnada (a seguir «quinto critério»), a Comissão não compreende que conclusão os recorrentes extraem da afirmação segundo a qual este critério ultrapassa o conceito de «segurança». Se tivesse interpretado este conceito de forma demasiado ampla, isso seria favorável aos recorrentes, dado que abrangeria uma gama mais ampla de trabalhos. Por conseguinte, a Comissão considera que a redacção do quinto critério era justificada à luz do artigo 6.° do Regulamento n.° 2792/1999. Em todo o caso, resulta da análise acima exposta que as propostas relativas aos navios dos recorrentes foram todas rejeitadas com base no quarto critério, pelo que a anulação da decisão impugnada, na medida em que se apoia no quinto critério, não implica qualquer alteração da situação dos recorrentes.

99      Quanto ao sexto critério, a Comissão considera que o mesmo se justifica pelas razões acima indicadas (n.° 93).

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

100    No artigo 1.° da decisão impugnada, a Comissão enuncia seis critérios de elegibilidade dos pedidos de aumento de capacidade (v. n.° 13, supra). Os recorrentes alegam que a Comissão não tinha competência para adoptar os segundo, quarto, quinto e sexto critérios. Alegam, em especial, que a Comissão excedeu as suas competências na medida em que limitou o conceito de melhorias em matéria de segurança às alterações efectuadas nos navios registados existentes, com pelo menos cinco anos de idade no momento do início dos trabalhos (segundo e quarto critérios).

101    Há que referir que o Tribunal de Justiça decidiu que a Comissão pode tomar todas as medidas de aplicação necessárias ou úteis para pôr em prática a regulamentação de base, desde que tais medidas não sejam contrárias a esta última ou à regulamentação de aplicação do Conselho (acórdãos do Tribunal de Justiça de 15 de Maio de 1984, Zuckerfabrik Franken, 121/83, Recueil, p. 2039, n.° 13; de 17 de Outubro de 1995, Países Baixos/Comissão, C‑478/93, Colect., p. I‑3081, n.° 31, e de 30 de Setembro de 2003, Alemanha/Comissão, C‑239/01, Colect., p. I‑10333, n.° 55).

102    No caso vertente, resulta do artigo 9.°, da Decisão 97/413 (e da regulamentação aí referida) que a Comissão estava habilitada a executar os objectivos e os critérios constantes desta decisão segundo o procedimento dito «do comité de gestão» (v., igualmente, o nono considerando da decisão impugnada). Segundo a jurisprudência, a Comissão pode ter uma competência de execução particularmente importante no âmbito de tal procedimento (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 30 de Outubro de 1975, Rey Soda, 23/75, Recueil, p. 1279, n.os 13 e 14; Colect., p. 445).

103    No entanto, a Comissão não sustenta que estava habilitada a acrescentar critérios totalmente novos na decisão impugnada. Ao admitir que os segundo e quarto critérios tiveram como efeito tornar os navios novos não elegíveis para um aumento de capacidade nos termos do artigo 4.°, n.° 2, da Decisão 97/413, a Comissão alega, contudo, que estes critérios resultam expressa ou tacitamente desta disposição (v. n.° 79, supra).

104    Uma vez que os recursos interpostos pelos recorrentes incidem todos sobre pedidos relativos a navios inteiramente novos, há que analisar se a exclusão dos navios novos é uma aplicação do critério principal previsto no artigo 4.°, n.° 2, da Decisão 97/413 ou se é contrária a esta disposição.

105    Há que referir que o artigo 4.°, n.° 2, da Decisão 97/413 (v. n.° 1, supra) não impõe qualquer limite no que respeita à idade do navio susceptível de beneficiar de um aumento de capacidade em matéria de segurança. A redacção desta disposição permite, à primeira vista, qualquer aumento de capacidade que resulte de melhorias em matéria de segurança, desde que estes aumentos não impliquem um aumento do esforço de pesca. Se o Conselho tivesse querido excluir os navios novos teria verosimilmente precisado isso (v., a este respeito, n.° 117, infra).

106    Há igualmente que referir que as outras disposições que se referem à excepção prevista pelo artigo 4.°, n.° 2, da Decisão 97/413, a saber, o n.° 3.3 do anexo da Decisão 98/125 (v. n.° 2, supra) e o artigo 6.°, n.° 2, do Regulamento n.° 2792/1999 (v. n.° 3, supra), não contêm qualquer indicação de que esta excepção diz exclusivamente respeito aos navios com mais de cinco anos (v., igualmente, décimo segundo considerando da Decisão 97/413).

107    A este respeito, há que referir que o artigo 6.° do Regulamento n.° 2792/1999 tem por título «Renovação das frotas e modernização dos navios de pesca». A Comissão admitiu na audiência que o artigo 6.°, n.° 2, deste regulamento retomava o artigo 4.°, n.° 2, da Decisão 97/413. O Tribunal de Primeira Instância considera que, atendendo em especial ao referido título, se o n.° 2 do artigo 6.° se aplicasse apenas aos navios antigos, o regulamento o especificaria.

108    Contrariamente ao que alega a Comissão, o conceito de melhorias constante do artigo 4.°, n.° 2, da Decisão 97/413 não deve ser entendido no sentido de se referir a melhorias efectuadas num navio em especial, mas sim como referindo‑se à frota nacional. A este respeito, há nomeadamente que notar que o n.° 3.3 do anexo da Decisão 98/125 se refere a um «programa de melhoria da segurança» da frota nacional em geral.

109    Há igualmente que tomar em consideração os objectivos da Decisão 97/413. Esta decisão tem efectivamente por objectivo a conservação das unidades populacionais de peixes nas águas comunitárias. No entanto, o Conselho tomou em consideração a «necessidade de assegurar as mais elevadas normas de segurança na frota pesqueira da Comunidade» (décimo segundo considerando). Por conseguinte, incluiu o artigo 3.° (que diz respeito os navios de pesca da sua frota que não sejam de arrasto e tenham menos de 12 metros de comprimento) e o artigo 4.°, n.° 2, na referida decisão.

110    Contrariamente ao que a Comissão dá a entender, não é necessário, para assegurar o referido objectivo da Decisão 97/413, que os navios novos sejam excluídos do regime estabelecido pelo artigo 4.°, n.° 2, desta decisão. A este respeito, o Tribunal de Primeira Instância sublinha que esta última disposição está em conformidade com este objectivo na medida em que proíbe qualquer aumento do esforço de pesca. A Comissão, que invoca aumentos muito consideráveis de dimensão não motivados por razões de segurança, poderia ter examinado os navios, caso a caso, para estabelecer se havia ou não um aumento do esforço de pesca. Com efeito, a própria Comissão indica que a proibição de tal aumento visa cumprir o objectivo geral da Decisão 97/413, que é o de reduzir a quantidade de peixes pescados na Comunidade (v. n.° 85, supra).

111    A Comissão alega que o artigo 4.°, n.° 2, da Decisão 97/414 não tinha por objectivo instituir um procedimento de entrada de navios novos de pesca. Este procedimento é regulado pelo sistema de entrada e saída que consta do artigo 6.° do Regulamento n.° 2792/1999 e do artigo 6.° da Decisão 97/413.

112    Estas afirmações da Comissão não foram contestadas pelos recorrentes. Com efeito, estes últimos reconhecem que todos os navios novos devem respeitar o procedimento de entrada previsto nas referidas disposições. No entanto, nada impede que um navio que entre na frota em conformidade com o sistema de entrada e saída constante do artigo 6.° do Regulamento n.° 2792/1999 e do artigo 6.° da Decisão 97/413, beneficie da excepção prevista no artigo 4.°, n.° 2, da Decisão 97/413. Efectivamente, o último período do artigo 6.°, n.° 2, do Regulamento n.° 2792/1999 dispõe que qualquer aumento de capacidade que resulte de melhorias em matéria de segurança é gerido pelos Estados‑Membros no âmbito do regime permanente de controlo da renovação e modernização da sua frota previsto no artigo 6.°, n.° 1, do referido regulamento.

113    Há que acrescentar que o sistema de entrada e de saída a que o artigo 6.° da Decisão 97/413 faz referência não está limitado aos navios novos. Neste sistema, para introduzir um navio usado (que fazia anteriormente parte, por exemplo, de uma outra frota nacional) é necessário reduzir capacidade. Ora, a Comissão não contesta que os navios usados podem beneficiar de um aumento de capacidade por força do artigo 4.°, n.° 2, da mesma decisão.

114    Por outro lado, o Tribunal de Primeira Instância salienta que a própria Comissão interpretou o artigo 4.°, n.° 2, da Decisão 97/413 no sentido de permitir pedidos de aumento de capacidade ligados à introdução de navios novos.

115    A este respeito, há que referir que os trabalhos preparatórios da Decisão 2002/70, que suprimiu o artigo 4.°, n.° 2, da Decisão 97/413 com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2002, demonstram que a Comissão considerava que esta última disposição se aplicava igualmente aos navios novos. A Decisão 2002/70 prorrogou o período de aplicação da Decisão 97/413 até 31 de Dezembro de 2002. Ora, nos termos da exposição de motivos da proposta de decisão do Conselho que altera a Decisão 97/413 [COM (2001) 322 final], formulada pela Comissão:

«[Q]ualquer prorrogação [da Decisão 97/413] deverá, pelo menos, ser associada a medidas destinadas a tornar [os objectivos do POP IV] mais eficazes. Em consequência, a proposta em anexo elimina as possibilidades, actualmente previstas nos artigos 3.° e 4.° da Decisão 97/413 […], de aumentar os objectivos do POP por motivos de segurança. Todos os navios novos deverão ser construídos no respeito de certas normas mínimas de segurança e as capacidades para construir os referidos navios devem ser retiradas dos objectivos de capacidade existentes.»

116    Resulta claramente desta passagem que a própria Comissão considerou que o artigo 4.°, n.° 2, da Decisão 97/413 permitia pedidos de aumento de capacidade ligados à introdução de navios novos e que, portanto, tinha a intenção de suprimir esta disposição na medida em que a mesma permitia, na sua opinião, um aumento excessivo dos objectivos do POP IV.

117    Há que acrescentar que, um ano após a adopção da Decisão 2002/70, o Conselho adoptou o Regulamento n.° 2371/2002, cujo artigo 11.°, n.° 5, prevê expressamente, ao contrário do artigo 4.°, n.° 2, da Decisão 97/413, que os aumentos de capacidade, nomeadamente em matéria de segurança, só são possíveis relativamente a navios de pesca com cinco anos de idade ou mais (v. n.° 5, supra). A redacção desta disposição é precisa e restritiva, contrariamente à do artigo 4.°, n.° 2, da Decisão 97/413.

118    A Comissão, que admite que o artigo 11.°, n.° 5, do Regulamento n.° 2371/2002, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2003, não se aplicava ao presente processo e que teve de adoptar a decisão impugnada com base nas disposições aplicáveis no momento da recepção dos pedidos, a saber, o artigo 4.°, n.° 2, da Decisão 97/413, alega no entanto que o Regulamento n.° 2371/2002 «reflectia a sua filosofia» no caso vertente. A este respeito, há que constatar que são manifestas as semelhanças entre o artigo 11.°, n.° 5 do Regulamento n.° 2371/2002 e os critérios enunciados na decisão impugnada. Ora, estes critérios não figuram na Decisão 97/413 e têm o efeito de alterar o alcance desta última. Embora a Comissão tivesse objecções a opor ao artigo 4.°, n.° 2, da Decisão 97/413 (v. n.° 115, supra), não tinha, contudo, o direito de alterar o seu alcance (v. n.° 101, supra).

119    Além disso, é de notar que, como referem, com razão, os recorrentes e a Irlanda, a correspondência trocada entre a Irlanda e a Comissão a propósito dos pedidos de aumento de capacidade demonstra que esta última considerava que os navios novos podiam beneficiar do artigo 4.°, n.° 2 da Decisão 97/413.

120    Por carta de 28 de Outubro de 1999, a Irlanda requereu, pela primeira vez à Comissão, um aumento de capacidade ao abrigo do artigo 4.°, n.° 2, da Decisão 97/413. Este pedido baseava‑se nos pedidos de sete proprietários de navios novos ainda em construção. Na sua resposta de 10 de Dezembro de 1999, a Comissão não levantou qualquer objecção quanto ao facto de o pedido dizer respeito a navios novos. A Comissão limitou‑se a indicar que «[o] volume dos espaços destinados à segurança nos navios retirados [devia] também ser conhecido de modo a poder calcular os volumes suplementares destinados à segurança nos navios novos».

121    Nesta carta, a Comissão insistiu no seu pedido de que fossem efectuadas comparações entre os navios novos e os antigos que se destinavam a ser substituídos. Assim, indicou numa carta de 23 de Janeiro de 2001 que estava consciente de que os volumes que podiam ser considerados como destinados à segurança seriam mais significativos nos navios novos do que nos navios que substituíam, mas que, a menos que os possa quantificar, não seria possível aumentar os objectivos do POP para tomar este elemento em consideração. Pese embora a correspondência trocada entre a Irlanda e a Comissão, incluindo as cartas enviadas no fim do ano de 2001 relativas aos pedidos em causa, que dizia expressamente respeito a navios novos, foi apenas na decisão impugnada que a Comissão indicou, pela primeira vez, que os navios novos estavam excluídos do regime estabelecido pelo artigo 4.°, n.° 2, da Decisão 97/413.

122    Além disso, há que referir que a posição adoptada no caso vertente pela Comissão é contraditória. Por um lado, defende que o artigo 4.°, n.° 2, da Decisão 97/413 não se aplica aos navios novos. Por outro, permite, com base na mesma disposição, aumentos de capacidade para navios novos no caso de estes substituírem navios perdidos no mar (quarto critério). Ora, se o artigo 4.°, n.° 2, da Decisão 97/413 excluísse os navios novos, esta mesma disposição não poderia servir de base para aumentos de capacidade relativos a navios novos que substituíam navios perdidos no mar.

123    O argumento da Comissão de que os proprietários dos navios perdidos no mar estavam obrigados a substituí‑los não pode ser acolhido. Mesmo que tal fosse o caso, também é verdade que a Comissão permitia assim que navios novos beneficiassem do artigo 4.°, n.° 2, da Decisão 97/413, ao mesmo tempo que afirmava que esta disposição exclui os navios novos. Além disso, há que observar que o proprietário de um navio antigo embora também pudesse ser obrigado a substituí‑lo uma vez que se tivesse tornado inutilizável e pouco fiável, era excluído pela Comissão do benefício do artigo 4.°, n.° 2, da Decisão 97/413.

124    Quanto ao argumento da Comissão de que não era possível calcular o ganho de eficácia dos navios novos que substituem os navios perdidos no mar, há que recordar que a Comissão afirmou que os navios novos aumentavam automaticamente o esforço de pesca (v. n.° 126, infra). Ora, a Comissão não pode alegar simultaneamente que os navios novos são mais eficazes que os que substituem e justificar a substituição dos navios perdidos no mar por navios novos pelo facto de não poder calcular o ganho de eficácia dos navios novos.

125    Há que acrescentar que a Comissão admite, no âmbito do fundamento relativo à violação do princípio da igualdade de tratamento, que «um proprietário que queira comprar um navio novo [pode] vender o antigo e, eventualmente, transferir uma parte do seu equipamento para o navio novo». Daqui resulta que os elementos que tornam um navio novo mais eficaz não estão automaticamente presentes nesse navio.

126    A Comissão alega que é geralmente admitido que os navios novos são mais eficazes que aqueles que substituem, pelo que, mesmo que a sua tonelagem ou a sua potência permaneçam inalteráveis, a «capacidade real» de um navio novo é maior. Assim, a introdução de um navio novo implica inevitavelmente um «aumento do esforço de pesca dos navios em causa» e não está, portanto, abrangida pela excepção constante do artigo 4.°, n.° 2, da Decisão 97/413.

127    Há que concluir que a Comissão não demonstrou de forma juridicamente bastante que a introdução de um navio novo implica necessariamente um aumento do esforço de pesca.

128    Com efeito, é ponto assente que, no que respeita ao caso vertente, o esforço de pesca de um navio é definido como o produto da sua actividade e da sua capacidade expresso em TB [v., artigo 1.°, n.° 2, da Decisão 97/413 e o artigo 3.°, n.° 1, alínea iii), da Decisão 98/125]. Além disso, resulta do artigo 4.°, n.° 2, da Decisão 97/413 que os aumentos de capacidade não são permitidos se implicarem um aumento do esforço de pesca. Ora, embora se possa supor que os navios novos são geralmente mais eficazes do que os antigos, não pode no entanto daí deduzir‑se que todos os navios novos são necessária e sistematicamente mais eficazes do ponto de vista do esforço de pesca do que aqueles que substituem. Assim, as melhorias tecnológicas invocadas pela Comissão (v. n.° 88, supra), não dizem necessariamente respeito a todos os navios. Na mesma ordem de ideias, há que assinalar que o proprietário de um navio relativamente recente e já equipado com aparelhos de tecnologia moderna pode substituir o seu navio por um navio mais seguro e mais estável, tendo embora o cuidado de não aumentar o esforço de pesca.

129    Há que sublinhar que nada impedia a Comissão de determinar caso a caso se os navios novos implicavam de facto um aumento do esforço de pesca relativamente aos navios anteriores.

130    Quanto ao argumento da Comissão de que um navio novo deve já responder às normas de segurança recentes e não necessita de melhoramentos importantes, trata‑se na realidade de uma posição política da Comissão que está doravante consagrada na legislação pertinente (v. n.os 117 e 118, supra). No entanto, esta posição da Comissão não pode ser invocada para alterar ex post facto os termos do artigo 4.°, n.° 2, da Decisão 97/413. Pode supor‑se que o legislador considerava, na época em que esta decisão foi adoptada, que a substituição dos antigos navios de pesca por um navio novo seria desejável do ponto de vista da segurança.

131    Por outro lado, a Comissão sustenta que, no que respeita a um navio novo, a capacidade aumenta não apenas devido às melhorias em matéria de segurança, mas também à superioridade geral do navio novo. Por conseguinte, é impossível determinar se o aumento de capacidade é «exclusivamente» devido às melhorias em matéria de segurança, como exige o artigo 4.°, n.° 2, da Decisão 97/413.

132    Este argumento não pode ser acolhido. Além de a Comissão raciocinar em termos gerais quanto à superioridade dos navios novos sem fazer referência às circunstâncias de cada pedido (v. n.° 128, supra), a análise comparativa necessária para a determinação dos aumentos de capacidade dos navios novos, quer resultem de melhorias em matéria de segurança ou de outros tipos de melhorias, foi objecto da correspondência entre a Comissão e o Governo irlandês. A pedido da Comissão, os pedidos foram reformulados para lhe permitir efectuar as comparações necessárias. Por conseguinte, a Comissão não pode agora invocar a impossibilidade de apurar se os aumentos de capacidade se deviam a melhorias em matéria de segurança.

133    Por último, o quarto critério limita o conceito de melhorias em matéria de segurança aos «trabalhos de modernização acima do convés principal» (v., igualmente, o sexto critério acima referido no n.° 13). É pacífico que vários pedidos dos recorrentes diziam respeito a um aumento de volume situado abaixo do convés principal. A este respeito, basta constatar que as alterações abaixo do convés eram proibidas, por força do artigo 4.°, n.° 2, da Decisão 97/413, se implicassem um aumento do esforço de pesca. No entanto, a Comissão não demonstrou que este tipo de alterações implicava sistematicamente esse aumento. Mais uma vez, a Comissão deveria ter analisado os navios caso a caso para se pronunciar sobre esta questão.

134    Tendo em consideração todo o exposto, há que decidir que a Comissão, ao adoptar na decisão impugnada critérios não previstos pela regulamentação aplicável ao caso vertente, ultrapassou os limites da sua competência. Por conseguinte, o primeiro fundamento deve ser acolhido e a decisão impugnada anulada sem que seja necessário analisar os restantes fundamentos.

 Quanto às despesas

135    Por força do disposto no artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão sido vencida, há que condená‑la nas suas próprias despesas e nas despesas dos recorrentes, por estes o terem requerido. Por força do disposto no artigo 87.°, n.° 4, do Regulamento de Processo, a Irlanda suportará as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Primeira Secção)

decide :

1)      É negado provimento aos recursos interpostos por Thomas Faherty (T‑224/03), pela Ocean Trawlers Ltd (T‑226/03), por Larry Murphy (T‑236/03) e pela O’Neill Fishing Co. Ltd (T‑239/03).

2)      A Decisão 2003/245/CE da Comissão, de 4 de Abril de 2003, relativa aos pedidos recebidos pela Comissão no sentido de aumentar os objectivos do POP IV, a fim de ter em conta as melhorias em matéria de segurança, navegação marítima, higiene, qualidade dos produtos e condições de trabalho no respeitante aos navios de comprimento de fora a fora superior a 12 metros, é anulada na parte em que se aplica aos navios dos outros recorrentes.

3)      A Comissão suportará as suas próprias despesas e as dos recorrentes referidos no n.° 2.

4)      Os recorrentes referidos no n.° 1 suportarão as suas próprias despesas.

5)      A Irlanda suportará as suas próprias despesas.

Cooke

García‑Valdecasas

Labucka

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 13 de Junho de 2006.

O secretário

 

      O presidente

E. Coulon

 

      Garcia‑Valdecasas

ANEXO

T‑219/03 Mullglen Ltd, com sede em Killybegs (Irlanda),

T‑220/03 Cavankee Fishing Co. Ltd, com sede em Greencastle (Irlanda),

T‑221/03 Padraigh Coneely, com domicílio em Claregalway (Irlanda),

T‑222/03 Island Trawlers Ltd, com sede em Killybegs,

T‑223/03 Joseph Doherty, com domicílio em Burtonport (Irlanda),

T‑224/03 Thomas Faherty, com domicílio em Kilronan, Aran Islands (Irlanda),

T‑225/03 Pat Fitzpatrick, com domicílio em Inishmore, Aran Islands (Irlanda),

T‑226/03 Ocean Trawlers Ltd, com sede em Killybegs,

T‑227/03 Brendan Gill, com domicílio em Lifford (Irlanda),

T‑228/03 Eugene Hannigan, com domicílio em Killybegs,

T‑229/03 Edward Kelly, com domicílio em Greencastle,

T‑230/03 Peter McBride, com domicílio em Downings (Irlanda),

T‑231/03 Hugh McBride, com domicílio em Downings,

T‑232/03 Adrian McClennaghan, com domicílio em Greencastle,

T‑233/03 Noel McGing, com domicílio em Killybegs,

T‑234/03 Eamon McHugh, com domicílio em Killybegs,

T‑235/03 Gerard Minihane, com domicílio em Skibbereen (Irlanda),

T‑236/03 Larry Murphy, com domicílio em Castletownbere (Irlanda),

T‑237/03 Eileen Oglesby, com domicílio em Kincasslagh (Irlanda),

T‑238/03 Patrick O’Malley, com domicílio em Galway (Irlanda),

T‑239/03 O’Neill Fishing Co. Ltd, com sede em Killybegs (Irlanda),

T‑240/03 Cecil Sharkey, com domicílio em Clogherhead (Irlanda).


* Língua do processo: inglês.