Language of document : ECLI:EU:T:2007:168

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quinta Secção alargada)

12 de Junho de 2007 (*)

«Marca comunitária – Processo de oposição – Pedido de marca figurativa comunitária composta pelos termos ‘AB’, ‘genuine’, ‘budweiser’, ‘king of beers’ – Marca nominativa internacional anterior BUDWEISER – Denominações de origem registadas ao abrigo do Acordo de Lisboa – Artigo 8.°, n.° 1, alínea b), e n.° 4, do Regulamento (CE) n.° 40/94 – Deferimento e indeferimento parciais da oposição»

Nos processos apensos T‑57/04 e T‑71/04,

Budějovický Budvar, národní podnik, com sede em České Budějovice (República Checa), representada por F. Fajgenbaum, advogado,

recorrente no processo T‑57/04,

Anheuser‑Busch, Inc., com sede em Saint Louis, Missouri (Estados Unidos da América), representada inicialmente por V. von Bomhard, A. Renck, A. Pohlmann, D. Ohlgart e B. Goebel, e depois por V. von Bomhard, A. Renck, D. Ohlgart e B. Goebel, advogados,

recorrente no processo T‑71/04,

contra

Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI), representado por A. Folliard‑Monguiral e I. de Medrano Caballero, na qualidade de agentes,

recorrido,

sendo as outras partes no processo na Câmara de Recurso do IHMI, intervenientes neste Tribunal,

Anheuser‑Busch, Inc. (no processo T‑57/04),

Budějovický Budvar, národní podnik (no processo T‑71/04),

que tem por objecto dois recursos de anulação da decisão da Segunda Câmara de Recurso do IHMI, de 3 de Dezembro de 2003, (processos R 1024/2001‑2 e R 1000/2001‑2), relativa ao processo de oposição entre a Budějovický Budvar, národní podnik e a Anheuser‑Busch, Inc.,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quinta Secção alargada),

composto por: M. Vilaras, presidente, E. Martins Ribeiro, F. Dehousse, D. Šváby e K. Jürimäe, juízes,

secretário: I. Natsinas, administrador,

vistas as petições apresentadas na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 10 (processo T‑57/04) e em 20 de Fevereiro de 2004 (processo T‑71/04),

visto o despacho do presidente da Quinta Secção do Tribunal de Primeira Instância, de 23 de Setembro de 2004, que determinou a apensação dos presentes processos para efeitos da fase escrita, da fase oral e do acórdão, em conformidade com o artigo 50.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância,

vistas as contestações do IHMI apresentadas na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 27 de Setembro de 2004,

vistas as alegações das intervenientes apresentadas na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 28 (processo T‑71/04) e em 29 de Setembro de 2004 (processo T‑57/04),

vista a remessa dos presentes processos para a Quinta Secção Alargada do Tribunal de Primeira Instância e após a audiência de 13 de Outubro de 2005,

visto o despacho de reabertura da fase oral do processo de 14 de Maio de 2007 e as observações das partes sobre o pedido de não conhecimento do mérito apresentado pela Anheuser‑Busch, Inc. em 18 de Maio de 2007 no processo T‑71/04,

vista a declaração de encerramento da fase oral do processo em 24 de Maio de 2007,

profere o presente

Acórdão

 Quadro jurídico

I –  Direito internacional

1        Os artigos 1.° a 5.° do Acordo de Lisboa Relativo à Protecção das Denominações de Origem e ao Seu Registo Internacional (a seguir «Acordo de Lisboa»), adoptado em 31 de Outubro de 1958, revisto em Estocolmo em 14 de Julho de 1967, e modificado em 28 de Setembro de 1979, dispõem:

«Artigo 1.°

Os países a que se aplica o presente Acordo constituem‑se em União Particular dentro da União para a Protecção da Propriedade Industrial.

Obrigam‑se a proteger nos seus territórios, nos termos do presente Acordo, as denominações de origem dos produtos dos outros países da União Particular, reconhecidas e protegidas como tal no país de origem e registadas na Secretaria da União para a Protecção da Propriedade Industrial [prevista na Convenção que institui a Organização Mundial da Propriedade Intelectual].

Artigo 2.°

1) Entende‑se por denominação de origem, no sentido do presente Acordo, a denominação geográfica de um país, região ou localidade que serve para designar um produto dele originário cuja qualidade ou caracteres são devidos exclusiva ou essencialmente ao meio geográfico, incluindo os factores naturais e os factores humanos.

2) O país de origem é aquele cujo nome, ou no qual está situada a região ou localidade cujo nome constitui a denominação de origem que deu ao produto a sua notoriedade.

Artigo 3.°

A protecção será assegurada contra qualquer usurpação ou imitação, ainda que se indique a verdadeira origem do produto ou que a denominação seja usada em tradução ou acompanhada de expressões como ‘género’, ‘tipo’, ‘maneira’, ‘imitação’ ou outras semelhantes.

Artigo 4.°

As disposições do presente Acordo não excluem de modo algum a protecção já existente a favor das denominações de origem em cada um dos países da União Particular, em virtude de outros instrumentos internacionais, tais como a Convenção de Paris para a Protecção da Propriedade Industrial de 20 de Março de 1883 e o Acordo de Madrid de 14 de Abril de 1891 relativo à Repressão das Indicações de Proveniência Falsas ou Falaciosas, revistos em último lugar em Lisboa, a 31 de Outubro de 1958, ou em virtude da legislação nacional ou da jurisprudência.

Artigo 5.°

1) O registo das denominações de origem será feito na Secretaria Internacional para a Protecção da Propriedade Industrial, a requerimento das Administrações dos países da União Particular, em nome das pessoas físicas ou morais, públicas ou privadas, titulares do direito de usar essas denominações segundo a sua legislação nacional.

2) A Secretaria Internacional notificará sem demora os registos às Administrações dos diversos países da União Particular e publicá‑los‑á num compêndio periódico.

3) As Administrações dos países poderão declarar que não podem assegurar a protecção de uma denominação de origem cujo registo lhes tenha sido notificado, mas somente quando a sua declaração for notificada à Secretaria Internacional, com indicação dos motivos, dentro do prazo de um ano a contar da data da recepção da notificação do registo, e sem que esta declaração possa prejudicar, no país em causa, outras formas de protecção da denominação que o seu titular possa pretender, de harmonia com o artigo 4.° anterior.

[…]»

2        As regras 9 e 16 do Regulamento de Execução do Acordo de Lisboa, na redacção que entrou em vigor em 1 de Abril de 2001, dispõem:

«Regra 9

Declaração de recusa

1) As declarações de recusa serão notificadas à Secretaria Internacional pela administração competente do país contratante em relação ao qual a recusa é emitida, devendo ser assinadas por essa administração.

[…]

Regra 16

Invalidade

1) Quando os efeitos de um registo internacional forem declarados nulos ou anulados num país contratante e a declaração de nulidade ou anulação não puder ser objecto de recurso, a administração competente desse país deverá notificar essa invalidade à Secretaria Internacional […]»

II –  Direito comunitário

3        Os artigos 8.° e 43.° do Regulamento (CE) n.° 40/94 do Conselho, de 20 de Dezembro de 1993, sobre a marca comunitária (JO 1994, L 11, p. 1), conforme alterado e aplicável à época dos factos, têm a seguinte redacção:

«Artigo 8.°

Motivos relativos de recusa

1. Após oposição do titular de uma marca anterior, o pedido de registo de marca será recusado:

a)      Sempre que esta seja idêntica à marca anterior e sempre que os produtos ou serviços para os quais a marca é pedida sejam idênticos aos produtos ou serviços para os quais a marca está protegida;

b)      Quando, devido à sua identidade ou semelhança com a marca anterior e devido à identidade ou semelhança dos produtos ou serviços designados pelas duas marcas, exista risco de confusão no espírito do público do território onde a marca anterior está protegida; o risco de confusão compreende o risco de associação com a marca anterior.

2. São consideradas «marcas anteriores», na acepção do n.° 1:

a)      As marcas cuja data de depósito seja anterior à do pedido de marca comunitária, tendo em conta, se aplicável, o direito de prioridade invocado em apoio dessas marcas, e que pertençam às seguintes categorias:

[…]

iii)      Marcas que tenham sido objecto de registo internacional com efeitos num Estado‑Membro;

[…]

4. Após oposição do titular de uma marca não registada ou de outro sinal utilizado na vida comercial cujo alcance não seja apenas local, será recusado o pedido de registo da marca quando e na medida em que, segundo o direito do Estado‑Membro aplicável a esse sinal:

a)      Tenham sido adquiridos direitos sobre esse sinal antes da data de depósito do pedido de marca comunitária ou, se for caso disso, antes da data de prioridade invocada em apoio do pedido de marca comunitária;

b)      Esse sinal confira ao seu titular o direito de proibir a utilização de uma marca posterior.

[…]

Artigo 43.°

Exame da oposição

[…]

2. A pedido do requerente, o titular de uma marca comunitária anterior que tenha deduzido oposição, provará que, nos cinco anos anteriores à publicação do pedido de marca comunitária, a marca comunitária anterior foi objecto de uma utilização séria na Comunidade em relação aos produtos ou serviços para que foi registada e em que se baseia a oposição, ou que existem motivos justificados para a sua não utilização, desde que, nessa data, a marca anterior esteja registada há, pelo menos, cinco anos. Na falta dessa prova, a oposição será rejeitada. Se a marca comunitária anterior tiver sido utilizada apenas para uma parte dos produtos ou serviços para que foi registada, só se considera registada, para efeitos de análise da oposição, em relação a essa parte dos produtos ou serviços.

3. O n.° 2 é aplicável às marcas nacionais anteriores referidas no n.° 2, alínea a), do artigo 8.°, partindo‑se do princípio de que a utilização na Comunidade é substituída pela utilização no Estado‑Membro em que a marca nacional anterior se encontre protegida.

[…]»

4        A regra 22 do Regulamento (CE) n.° 2868/95 da Comissão, de 13 de Dezembro de 1995, relativo à execução do Regulamento n.° 40/94 (JO L 303, p. 1), conforme alterado e aplicável à época dos factos, prevê:

«Regra 22

Prova de utilização

1. No caso de, em conformidade com os n.os 2 ou 3 do artigo 43.° do regulamento, o opositor ter de provar a utilização ou a existência de motivos justificados para a não utilização, o [IHMI] convidá‑lo‑á a fornecer a necessária prova no prazo por ele fixado. Se o opositor não fornecer a prova dentro do prazo fixado, o [IHMI] rejeitará a oposição.

2. As indicações e comprovativos para fornecimento da prova da utilização devem consistir em indicações relativas ao local, período, extensão e natureza da utilização da marca oponível em relação aos produtos e serviços para os quais se encontra registada e nos quais se baseia a oposição e em comprovativos dessas indicações, em conformidade com o disposto no n.° 3.

3. Os comprovativos devem de preferência limitar‑se à apresentação de documentos justificativos e de elementos como embalagens, rótulos, tabelas de preços, catálogos, facturas, fotografias, anúncios de jornais e declarações escritas referidas no n.° 1, alínea f), do artigo 76.° do regulamento.

[…]»

III –  Direito nacional

5        O artigo L. 641‑2 do Código Rural francês (code rural, a seguir «Código Rural»), conforme aplicável à época dos factos, dispõe:

«Poder‑se‑á reconhecer de maneira exclusiva aos produtos agrícolas ou alimentares, em natureza ou transformados, uma denominação de origem controlada. Não lhes é aplicável o disposto nos artigos L. 115‑2 a L. 115‑4 e L. 115‑8 a L. 115‑15 do Código do Consumo.

Nas condições a seguir previstas, estes produtos poderão beneficiar de uma denominação de origem controlada se cumprirem o disposto no artigo L. 115‑1 do Código do Consumo, possuírem uma notoriedade devidamente comprovada e forem objecto de procedimentos de autorização.

Em caso algum a denominação de origem controlada poderá ser considerada como apresentando um carácter genérico e pertencer ao domínio público.

O nome geográfico que constitui a denominação de origem ou qualquer outra menção que a evoque não poderão ser utilizados para nenhum produto similar, sem prejuízo das disposições legislativas ou regulamentares em vigor em 6 de Julho de 1990, nem para nenhum outro produto ou serviço quando essa utilização for susceptível de desviar ou de enfraquecer a notoriedade da denominação de origem.

As denominações de origem dos vinhos delimitados de qualidade superior mencionadas no artigo L. 641‑24 e as que estejam em vigor em 1 de Julho de 1990 nos departamentos ultramarinos conservarão o seu estatuto.»

6        O artigo L. 115‑5 do Código do Consumo francês (code de la consommation, a seguir «Código do Consumo»), conforme aplicável à época dos factos, dispõe:

«O procedimento de atribuição de uma denominação de origem controlada é definido no artigo L. 641‑2 do Código Rural, a seguir reproduzido […]»

7        Os artigos L. 711‑3 e L. 711‑4 do Código da Propriedade Intelectual francês (code de la propriété intellectuelle, a seguir «Código da Propriedade Intelectual»), conforme aplicáveis à época dos factos, têm a seguinte redacção:

«Artigo L. 711‑3

Não poderá ser adoptado como marca ou elemento de marca um sinal:

a)      excluído pelo artigo 6.°‑B da Convenção de Paris de 20 de Março de 1883, revista, para a protecção da propriedade industrial ou pelo n.° 2 do artigo 23.° do anexo I C ao Acordo que institui a Organização Mundial do Comércio;

b)      contrário à ordem pública ou aos bons costumes, ou cuja utilização seja proibida por lei;

c)      susceptível de induzir em erro o público, nomeadamente, no que respeita à natureza, à qualidade ou à proveniência geográfica do produto ou do serviço.

Artigo L. 711‑4

Não pode ser adoptado como marca um sinal que prejudique direitos anteriores e nomeadamente:

a)      uma marca anterior registada ou notoriamente conhecida na acepção do artigo 6.°‑A da Convenção de Paris para a protecção da propriedade industrial;

b)      uma denominação ou firma, se existir risco de confusão no espírito do público;

c)      uma designação comercial ou uma insígnia conhecidos em todo o território nacional, se existir risco de confusão no espírito do público;

d)      uma denominação de origem protegida;

e)      direitos de autor;

f)      direitos decorrentes de um desenho ou modelo protegido;

g)      o direito de personalidade de um terceiro, designadamente, o seu nome patronímico, o seu pseudónimo ou a sua imagem;

h)      o nome, a imagem ou a reputação de uma colectividade territorial.»

 Antecedentes do litígio

I –  Pedido de marca comunitária apresentado pela Anheuser‑Busch

8        A Anheuser‑Busch, Inc. apresentou, em 1 de Abril de 1996, um pedido de registo de marca comunitária ao IHMI, em conformidade com o Regulamento n.° 40/94.

9        Esse pedido tinha por objecto a seguinte marca figurativa:

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10      Os produtos para os quais o registo da marca figurativa foi pedido pertencem às classes 16, 21, 25, 30 e 32 na acepção do Acordo de Nice relativo à Classificação Internacional dos Produtos e dos Serviços para o registo de marcas, de 15 de Junho de 1957, revisto e alterado, e correspondem, para cada uma dessas classes, à seguinte descrição:

–        classe 16: «Papel, cartão e produtos nestas matérias (compreendidos na classe 16); produtos de impressão; artigos para encadernação; papelaria; adesivos para papelaria ou para uso doméstico; material de instrução ou de ensino (excepto aparelhos); matérias plásticas para embalagem (compreendidas na classe 16); cartas de jogar»;

–        classe 21: «Utensílios e recipientes para uso doméstico ou para a cozinha (não em metais preciosos nem em ‘plaqué’); pentes e esponjas; escovas (excepto pincéis); materiais para o fabrico de escovas; material de limpeza; vidro em bruto ou semitrabalhado (com excepção do vidro de construção); vidraria, porcelana e faiança (compreendidas na classe 21)»;

–        classe 25: «Vestuário, sapatos, chapelaria»;

–        classe 30: «Farinhas e preparações feitas de cereais, pão, pastelaria e confeitaria; gelados comestíveis; mel e xarope de melaço; levedura e fermento em pó; mostarda; vinagre, molhos (condimentos); especiarias; gelo para refrescar; aperitivos compreendidos na classe 30»;

–        classe 32: «Cerveja, ‘ale’, ‘porter’, bebidas maltadas alcoólicas e não alcoólicas».

11      Em 1 de Dezembro de 1997, o pedido de registo da marca comunitária figurativa foi publicado no Boletim de Marcas Comunitárias n.° 31/97.

II –  Oposição deduzida contra o pedido de marca comunitária

12      Em 27 de Fevereiro de 1998, a sociedade Budějovický Budvar, národní podnik, com sede na República Checa (a seguir «Budvar»), deduziu oposição, nos termos do artigo 42.° do Regulamento n.° 40/94, para todos os produtos especificados no pedido de registo.

13      Como fundamento da sua oposição, a Budvar invocou, em primeiro lugar, o risco de confusão, previsto no artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94, entre a marca figurativa cujo registo foi pedido e as marcas internacionais anteriores de que é titular, a saber:

–        a marca nominativa internacional BUDWEISER (R 238 203), registada inicialmente em 5 de Dezembro de 1960 para a «cerveja de todo o tipo», com efeitos na Alemanha, na Áustria, no Benelux e em Itália;

–        a marca figurativa international (R 342 157), registada inicialmente em 26 de Janeiro de 1968 para a «cerveja de todo o tipo», com efeitos na Alemanha, na Áustria, no Benelux, em França e em Itália, a seguir reproduzida:

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14      Em 3 de Fevereiro de 1999, a Anheuser‑Busch pediu à Budvar para apresentar provas da utilização das suas marcas internacionais, em conformidade com o artigo 43.°, n.° 2, do Regulamento n.° 40/94. Em 7 de Abril de 1999, a Divisão de Oposição do IHMI convidou a Budvar a produzir a referida prova no prazo de dois meses, isto é, o mais tardar até 7 de Junho de 1999. Este prazo foi prorrogado, a pedido da Budvar, até 7 de Setembro de 1999.

15      Em 7 de Setembro de 1999, a Budvar forneceu, designadamente, cópias de anúncios publicitários publicados em oito revistas entre 1996 e 1997, bem como dez facturas emitidas entre 1993 e 1997, de modo a provar a utilização da marca nominativa internacional BUDWEISER R 238 203 na Alemanha. Além disso, a Budvar forneceu cópias de anúncios publicitários publicados em seis revistas entre 1996 e 1998 e dez facturas emitidas entre 1993 e 1997, para provar a utilização da marca nominativa internacional BUDWEISER R 238 203 na Áustria.

16      Como fundamento da sua oposição, a Budvar invocou, em segundo lugar, com base no artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94, quatro denominações de origem para cerveja, registadas em 22 de Novembro de 1967, na Organização Mundial para a Propriedade Intelectual (OMPI), ao abrigo do Acordo de Lisboa. Essas denominações de origem são as seguintes:

–        denominação de origem n.° 49: ČESKOBUDĚJOVICKÉ PIVO (BUDWEISER BIER segundo a versão alemã do registo);

–        denominação de origem n.° 50: BUDĚJOVICKÉ PIVO – BUDVAR (BUDWEISER BIER – BUDVAR segundo a versão alemã do registo);

–        denominação de origem n.° 51: BUDĚJOVICKÝ BUDVAR (BUDWEISER BUDVAR segundo a versão alemã do registo);

–        denominação de origem n.° 52: BUDĚJOVICKÉ PIVO (BUDWEISER BIER segundo a versão alemã do registo).

17      Com base nestes registos, a Budvar defendeu que as denominações de origem em causa estavam protegidas, em particular no território francês, e justificavam, a esse respeito, a oposição baseada no artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94.

III –  Decisão da Divisão de Oposição

18      Através da decisão n.° 2412/2001, de 8 de Outubro de 2001, a Divisão de Oposição:

–        indeferiu parcialmente a oposição deduzida contra o pedido de registo da marca figurativa, na parte em que a oposição se baseia no artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94 e nas quatro denominações de origem referidas no n.° 16 supra;

–        deferiu parcialmente a oposição deduzida contra o pedido de registo da marca figurativa, em relação aos produtos da classe 32 («Cerveja, ‘ale’, ‘porter’, bebidas maltadas alcoólicas e não alcoólicas»), na parte em que a oposição se baseia no artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94 e na marca nominativa internacional BUDWEISER R 238 203.

19      No que respeita ao indeferimento da oposição baseada no artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94, a Divisão de Oposição considerou, em substância, que a utilização das denominações de origem não ficou demonstrada nos casos de França e de Portugal – o direito francês e o direito português tinham sido invocados para fundamentar a oposição – e que, portanto, não se tinha provado que o alcance dos direitos adquiridos em virtude das denominações de origem não era apenas local, na acepção do artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94. No que respeita à Itália – dado que foi demonstrada a utilização das denominações de origem nesse território −, a Divisão de Oposição concluiu que, relativamente a produtos diferentes, não tinha ficado provada a protecção conferida pelo direito italiano às denominações de origem em causa.

20      No que se refere ao deferimento parcial da oposição baseada no artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/04, a Divisão de Oposição considerou que ficou provada a utilização séria da marca nominativa internacional BUDWEISER R 238 203 e da marca figurativa internacional R 342 157 no que respeita à Alemanha, à Áustria, ao Benelux e à Itália. Além disso, por razões de economia processual, a Divisão de Oposição examinou, em primeiro lugar, a marca nominativa internacional BUDWEISER R 238 203. Na medida em que esta marca era claramente válida na Alemanha e na Áustria, a Divisão de Oposição limitou a sua análise a estes dois Estados‑Membros. A Divisão de Oposição considerou que os produtos visados pela marca figurativa pedida pertencentes à classe 32 («Cerveja, ‘ale’, ‘porter’, bebidas maltadas alcoólicas e não alcoólicas») eram idênticos aos produtos abrangidos pela marca nominativa internacional BUDWEISER R 238 203. Indicou que, em virtude da identidade fonética e conceptual entre a marca figurativa pedida e marca nominativa internacional BUDWEISER R 238 203, e da identidade dos produtos, existia risco de confusão no espírito do público na Alemanha e na Áustria em relação aos produtos da classe 32. Em contrapartida, considerou que os produtos visados pela marca figurativa pedida pertencentes às classes 16, 21, 25, 30 e os produtos abrangidos pelas marcas anteriores não eram similares e que, por conseguinte, não existia risco de confusão em relação a esses produtos.

IV –  Decisões da Segunda Câmara de Recurso do IHMI

21      Em 27 de Novembro de 2001, a Anheuser‑Busch interpôs recurso da decisão da Divisão de Oposição, na medida em que essa decisão deferia a oposição baseada no artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94 em relação aos produtos da classe 32.

22      Em 10 de Dezembro de 2001, a Budvar interpôs recurso da decisão da Divisão de Oposição, na medida em que, designadamente, a decisão indeferia a oposição baseada no artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94 em relação aos produtos das classes 16, 21, 25, 30 e 32.

23      No âmbito do seu recurso, a Budvar não contestou o indeferimento parcial da oposição baseada no artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94, para os produtos das classes 16, 21, 25 e 30.

24      Através de uma decisão adoptada em 3 de Dezembro de 2003 (processos R 1000/2001‑2 e R 1024/2001‑2, a seguir «decisão impugnada»), a Segunda Câmara de Recurso do IHMI negou provimento aos recursos interpostos pela Budvar e pela Anheuser‑Busch da decisão da Divisão de Oposição.

25      No que respeita ao recurso interposto pela Anheuser‑Busch, a Câmara de Recurso entendeu que a Divisão de Oposição não tinha cometido um erro ao considerar provada a utilização da marca nominativa internacional BUDWEISER R 238 203 na Alemanha e na Áustria. Além disso, a Câmara de Recurso considerou que existia risco de confusão entre a marca figurativa pedida e a marca nominativa internacional BUDWEISER R 238 203, na Alemanha e na Áustria, para os produtos da classe 32, tendo em conta o facto, em primeiro lugar, de a característica dominante da marca figurativa pedida ser idêntica à marca nominativa anterior e, em segundo lugar, de os produtos em causa serem idênticos.

26      No que respeita ao recurso interposto pela Budvar, a Câmara de Recurso considerou desde logo que era inadmissível no que respeita aos produtos da classe 32, na medida em que a Budvar venceu nesse ponto, em virtude do artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94.

27      Quanto ao mérito, no que respeita aos produtos das classes 16, 21, 25 e 30 do pedido de marca e à oposição com fundamento no artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94, baseada nas denominações de origem, a Câmara de Recurso considerou, antes de mais, que as provas apresentadas pela Budvar eram insuficientes para demonstrar a protecção das denominações de origem em causa pelos direitos italiano e português.

28      Em segundo lugar, e contrariamente à posição da Divisão de Oposição, a Câmara de Recurso considerou que a prova de que o alcance dos direitos adquiridos ao abrigo das denominações de origem não era apenas local, na acepção do artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94, já tinha sido feita noutros processos em relação a França. A Budvar não estava, pois, obrigada, segundo a Câmara de Recurso, a provar esses factos novamente, contrariamente ao decidido pela Divisão de Oposição.

29      Por conseguinte, segundo a Câmara de Recurso a única questão que se colocava era a de saber se as denominações de origem em causa gozavam de protecção ao abrigo do direito francês. A esta questão respondeu, em relação aos produtos das classes 16, 21, 25 e 30, que as denominações de origem registadas ao abrigo do Acordo de Lisboa beneficiavam em França da protecção conferida pelo artigo L. 641‑2 do Código Rural, que prevê que «[o] nome geográfico que constitui a denominação de origem ou qualquer outra menção que a evoque não poderão ser utilizados para nenhum produto similar […], nem para nenhum outro produto ou serviço quando essa utilização for susceptível de desviar ou de enfraquecer a notoriedade da denominação de origem». A Câmara de Recurso acrescentou que, uma vez que os produtos abrangidos pelo pedido de marca comunitária diferiam dos produtos visados pelas denominações de origem, importava verificar se a utilização em França da marca figurativa pedida era susceptível de desviar ou de enfraquecer a notoriedade das referidas denominações de origem. A este respeito, a Câmara de Recurso esclareceu que a notoriedade não podia ser desviada ou enfraquecida se ela não existisse e que a Budvar não tinha fornecido nenhum elemento que provasse que as denominações de origem em causa possuíam notoriedade em França. A Câmara de Recurso considerou, além disso, que não se podia presumir a notoriedade e que a Budvar não tinha conseguido demonstrar como é que a notoriedade das denominações de origem, admitindo que exista, seria susceptível de ser desviada ou enfraquecida se a Anheuser‑Busch fosse autorizada a utilizar uma marca figurativa com o termo «Budweiser» para os produtos pedidos das classes 16, 21, 25 e 30.

 Pedidos das partes

I –  Processo T‑57/04

30      A Budvar conclui pedindo que o Tribunal de Primeira Instância se digne:

–        anular a decisão da Segunda Câmara de Recurso do IHMI, de 3 de Dezembro de 2003, adoptada no processo R 1024/2001‑2;

–        indeferir o pedido de registo de marca apresentado em 1 de Abril de 1996 em nome da sociedade Anheuser‑Busch para as classes de produtos 16, 21, 25 e 31;

–        remeter o acórdão do Tribunal de Primeira Instância ao IHMI;

–        condenar a Anheuser‑Busch nas despesas.

31      O IHMI e a Anheuser‑Busch concluem pedindo que o Tribunal se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a Budvar nas despesas.

II –  Processo T‑71/04

32      A Anheuser‑Busch conclui pedindo que o Tribunal de Primeira Instância se digne:

–        anular a decisão da Segunda Câmara de Recurso do IHMI, de 3 de Dezembro de 2003, adoptada no processo R 1000/2001‑2, na medida em que indefere o pedido de registo de marca para os produtos da classe 32;

–        condenar o IHMI nas despesas.

33      O IHMI conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        negar provimento ao recurso na sua totalidade;

–        condenar a Anheuser‑Busch nas despesas.

34      A Budvar conclui pedindo que o Tribunal de digne:

–        declarar inadmissível o recurso interposto pela Anheuser‑Busch;

–        a título subsidiário, confirmar a decisão impugnada pela Anheuser‑Busch;

–        ordenar a notificação do acórdão do Tribunal de Primeira Instância ao IHMI;

–        condenar a Anheuser‑Busch nas despesas.

 Questão de direito

I –  Processo T‑57/04

35      A título liminar, importa observar que o recurso da Budvar no Tribunal de Primeira Instância visa contestar a decisão impugnada na medida em que esta indeferiu a oposição baseada no artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94, para os produtos das classes 16, 21, 25 e 30.

36      O recurso da Budvar no Tribunal de Primeira Instância não visa contestar a decisão impugnada na parte em que considerou que o recurso interposto na Câmara de Recurso era inadmissível em relação aos produtos compreendidos na classe 32.

37      Além disso, há que assinalar que, no âmbito da sua petição inicial, a Budvar faz referência, por erro, à classe 31, que não tem qualquer relação com o pedido de marca figurativa em causa.

A –  Quanto à admissibilidade do segundo pedido da Budvar

38      Importa observar que, com o seu segundo pedido, que visa «[o indeferimento do] pedido de registo de marca apresentado em 1 de Abril de 1996 em nome da sociedade Anheuser‑Busch para as classes de produtos 16, 21, 25 e 31», a Budvar pretende, em substância, que o Tribunal de Justiça ordene ao IHMI que recuse o registo da marca figurativa pedida [v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 23 de Outubro de 2002, Institut für Lernsysteme/IHMI – Educational Services (ELS), T‑388/00, Colect., p. II‑4301, n.° 18, e de 9 de Março de 2005, Osotspa/IHMI – Distribution & Marketing (Hai), T‑33/03, Colect., p. II‑763, n.° 14].

39      A este respeito, importa recordar que, de acordo com o artigo 63.°, n.° 6, do Regulamento n.° 40/94, o IHMI deve tomar as medidas necessárias à execução do acórdão do juiz comunitário. Logo, não cabe ao Tribunal ordenar ao IHMI um comportamento [acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 31 de Janeiro de 2001, Mitsubishi HiTec Paper Bielefeld/IHMI (Giroform), T‑331/99, Colect., p. II‑433, n.° 33; de 27 de Fevereiro de 2002, Eurocool Logistik/IHMI (EUROCOOL), T‑34/00, Colect., p. II‑683, n.° 12; e ELS, n.° 38 supra, n.° 19].

40      Daqui resulta que o segundo pedido da Budvar é inadmissível.

B –  Quanto ao mérito

41      O recurso da Budvar assenta num único fundamento, relativo à violação do artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94.

42      A título liminar, a Budvar recorda o regime que regia a protecção das denominações de origem em direito francês.

43      A Budvar indica, designadamente, que o objectivo da denominação de origem consiste em ligar a um produto um nome geográfico que garanta a sua proveniência e as suas qualidades de modo a proteger simultaneamente o consumidor e o produtor desse produto contra usurpações. Este objectivo justifica que as disposições que visam a protecção das denominações de origem em França figurem tanto no Código da Propriedade Intelectual como no Código Rural, os quais remetem para o Código do Consumo. A Budvar sublinha igualmente que a denominação de origem é definida por decreto, que delimita a área geográfica de produção e que determina as condições dessa produção e de autorização do produto.

44      Além disso, a Budvar indica que as denominações de origem beneficiam de um estatuto de ordem pública e de uma protecção absoluta e que existe, no direito francês, uma preeminência das denominações de origem sobre as marcas. Esta preeminência traduz‑se numa proibição absoluta de depositar uma marca que prejudique uma denominação de origem, e igualmente numa proibição de utilizar qualquer sinal que, ao ostentar o nome geográfico que constitui essa denominação de origem, a prejudica. A este propósito, a Budvar sublinha, em primeiro lugar, que o artigo L. 115‑5 do Código do Consumo prevê que «[e]m caso algum se pode considerar que a denominação de origem controlada apresenta um carácter genérico e que pertence ao domínio público»; em segundo lugar, que a denominação de origem é, por natureza, a designação de um produto originário de um lugar determinado; e em terceiro lugar, que a denominação de origem não pode caducar, ao contrário da marca que não é utilizada.

45      A Budvar deduz do que precede que uma marca nunca pode ser registada se for susceptível de prejudicar uma denominação de origem protegida em França, independentemente dos produtos ou dos serviços para os quais o pedido de registo seja feito. Consequentemente, uma denominação de origem não pode ser utilizada para nenhum outro produto, sendo irrelevante que ele seja idêntico, similar ou diferente.

46      Tendo em conta estes elementos, a Budvar sustenta que a Câmara de Recurso cometeu dois erros.

47      Numa primeira parte, a Budvar considera que o artigo L. 641‑2 do Código Rural não era aplicável e que a Câmara de Recurso se devia ter socorrido dos artigos L. 711‑3 e L. 711‑4 do Código da Propriedade Intelectual para apreciar se um sinal constituído pelo nome geográfico de uma denominação de origem pode ser registado como marca.

48      Numa segunda parte, a título subsidiário, a Budvar considera que a Câmara de Recurso fez, em qualquer caso, uma apreciação errada do artigo L. 641‑2 do Código Rural.

49      O Tribunal observa que os argumentos das partes dizem respeito, mais especificamente, à pertinência, no caso vertente, do artigo L. 641‑2, quarto parágrafo, do Código Rural.

1.     Quanto à primeira parte, relativa à inaplicabilidade do artigo L. 641‑2, quarto parágrafo, do Código Rural.

a)     Argumentos das partes

 Argumentos da Budvar

50      Recordando os termos do artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94, a Budvar indica que é pacífico que o direito francês permite ao titular de uma denominação de origem proibir tanto o registo como a utilização de uma marca posterior, ao abrigo do disposto no artigo L. 711‑4 do Código da Propriedade Intelectual e do artigo L. 641‑2 do Código Rural.

51      Todavia, no caso vertente, é pedido o registo como marca da designação «Budweiser», não estando em debate a utilização dessa marca.

52      Por conseguinte, a Budvar faz referência aos artigos L. 711‑3 e L. 711‑4 do Código da Propriedade Intelectual, que, segundo ela, enunciam os fundamentos que justificam a recusa de registo de uma marca.

53      Com base no artigo L. 711‑4, alínea d), do Código da Propriedade Intelectual que prevê que «[n]ão pode ser adoptado como marca um sinal que prejudique direitos anteriores e nomeadamente […] uma denominação de origem protegida», a Budvar considera que o beneficiário do direito de utilizar uma denominação de origem pode obter uma declaração de nulidade e impedir a utilização de uma marca que a reproduza ou imite.

54      A Budvar indica igualmente que as denominações de origem constituem direitos anteriores que impedem a validade de uma marca, sem que seja necessária a demonstração de que existe risco de confusão ou similitude entre os produtos, ao contrário do que é exigido no caso das denominações ou das firmas, das insígnias ou dos nomes comerciais ou ainda das marcas anteriores. Relativamente a este último ponto, a Budvar remete para os artigos L. 716‑1, L. 713‑2 e L. 713‑3 do Código da Propriedade Intelectual. Assim, com base no artigo L. 711‑4 do Código da Propriedade Intelectual, há que considerar que um sinal que reproduza uma denominação de origem não pode ser adoptado como marca, não sendo necessário ter em conta nem a notoriedade dessa denominação de origem, que por definição já existe, nem os produtos visados pela marca cujo registo foi pedido.

55      A Budvar acrescenta, por outro lado, que a recusa de registo de uma marca pode igualmente ter como fundamento a ofensa à ordem pública sancionada pelo artigo L. 711‑3, alínea b), do Código da Propriedade Intelectual, que dispõe que «[n]ão poderá ser adoptado como marca ou elemento de marca um sinal […] contrário à ordem pública ou aos bons costumes, ou cuja utilização seja proibida por lei». Segundo a Budvar, tendo sido anteriormente demonstrado o carácter de ordem pública de uma denominação de origem, qualquer pedido de registo de marca que prejudique uma denominação de origem deve ser recusado nessa base. A Budvar remete especificamente para um acórdão proferido pela cour d’appel de Paris, de 15 de Fevereiro de 1990, no qual este considerou que a ordem pública devia ser entendida de modo a englobar as prescrições imperativas da legislação económica, em particular, as destinadas a proteger o consumidor, e para um acórdão da Cour de cassation francesa, de 26 de Outubro de 1993, que estabelece uma protecção de ordem pública para as denominações «Fourme d’Ambert» e «Fourme de Montbrison».

56      Por fim, a Budvar indica que o artigo L. 711‑3, alínea c), do Código da Propriedade Intelectual proíbe igualmente o registo de qualquer sinal susceptível de induzir em erro, referindo a este propósito que «[n]ão poderá ser adoptado como marca ou elemento de marca um sinal […] susceptível de induzir em erro o público, nomeadamente, no que respeita à natureza, à qualidade ou à proveniência geográfica do produto ou do serviço». Deste modo, segundo a Budvar, a colocação à disposição de produtos das classes 16, 21, 25 e 30 com a designação «Budweiser», conhecida em relação a um determinado número de produtos, entre os quais cervejas, induz o público em erro ou pode defraudá‑lo quanto às qualidades desse produto, designadamente, as ligadas ao seu lugar de produção.

57      Em contrapartida, o artigo L. 641‑2, quarto parágrafo, do Código Rural, reproduzido no artigo L. 115‑5 do Código do Consumo, não visa proibir o registo de uma marca contrária a uma denominação de origem, mas apenas proibir a utilização do nome geográfico que constitui no todo ou em parte uma denominação de origem. Segundo a Budvar, as disposições do Código da Propriedade Intelectual não têm a mesma finalidade que as do Código do Consumo. As primeiras dizem respeito à apropriação de sinais abrangidos pela propriedade intelectual, ao passo que as segundas dizem directamente respeito à protecção do consumidor.

58      Consequentemente, para apreciar se um sinal constituído pelo nome geográfico de uma denominação de origem pode ser adoptado como marca, importa consultar os artigos L. 711‑3 e L. 711‑4 do Código da Propriedade Intelectual e não o artigo L. 641‑2, quarto parágrafo, do Código Rural, como fez a Câmara de Recurso.

59      Por outro lado, numa carta de 24 de Agosto de 2005, apresentada em resposta a uma questão colocada pelo Tribunal de Primeira Instância, a Budvar indica que para fundamentar a sua oposição invocou, perante os órgãos do IHMI, e em particular perante a Câmara de Recurso, o artigo L. 641‑2, quarto parágrafo, do Código Rural. Não obstante, a Budvar alega que pode invocar doravante, perante o Tribunal de Primeira Instância, a inaplicabilidade dessa disposição ao presente caso. A este respeito, em primeiro lugar, a Budvar considera que não modifica o objecto do litígio, na medida em que este último é constituído pela oposição deduzida contra o pedido de registo da marca figurativa. Em segundo lugar, a Budvar indica que a invocação dos artigos L. 711‑3 e L. 711‑4 do Código da Propriedade Intelectual não significa tomar em consideração factos novos, uma vez que estes artigos constituem o fundamento da petição inicial apresentada no Tribunal de Primeira Instância. No que respeita mais especificamente ao artigo L. 711‑4, alínea d), do Código da Propriedade Intelectual, a Budvar esclarece que invocou essa disposição perante as instâncias do IHMI. Por fim, referindo‑se ao acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 20 de Abril de 2005, Atomic Austria/IHMI − Fabricas Agrupadas de Muñecas de Onil (ATOMIC BLITZ) (T‑318/03, Colect., p. II‑1319), a Budvar considera, em substância, que o IHMI devia ter‑se informado sobre o direito nacional do Estado‑Membro em causa.

 Argumentos do IHMI

60      Antes de responder aos argumentos apresentados pela Budvar na sua primeira parte, o IHMI dá a sua interpretação da letra do artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94 e, em particular, das condições por ele colocadas.

61      Em primeiro lugar, o IHMI sublinha que o direito anterior deve assentar numa utilização cujo alcance não seja apenas local. A este respeito, o IHMI indica que os registos realizados ao abrigo do Acordo de Lisboa constituem direitos anteriores abrangidos pelo âmbito de aplicação do artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94. Por outro lado, o IHMI observa que, no caso vertente, a Budvar provou a utilização de direitos anteriores em França.

62      Em segundo lugar, o IHMI considera que o artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94 é aplicável a marcas não registadas e a sinais similares anteriores, que são utilizados na vida comercial para designar produtos ou serviços ou ainda a actividade comercial do titular do direito. A origem geográfica é um factor ligado à actividade comercial na medida em que se trata de um elemento‑chave que determina a escolha e a compra dos produtos em questão. O IHMI remete, quanto a este ponto, para o acórdão do Tribunal de Justiça de 20 de Maio de 2003, Consorzio del Prosciutto di Parma e Salumificio S. Rita (C‑108/01, Colect., p. I‑5121).

63      Em terceiro lugar, o IHMI observa que o artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94 requer que o opositor seja «titular de uma marca não registada ou de outro sinal utilizado na vida comercial». O IHMI esclarece, a propósito deste ponto, que, em determinados sistemas jurídicos, as indicações geográficas não são sinais comerciais, dado que não é conferido qualquer direito individual aos que têm o direito de as utilizar. Em contrapartida, outros sistemas jurídicos atribuem às pessoas singulares ou às associações um direito exclusivo sobre a indicação geográfica, incluindo o direito de proibir a utilização de uma marca posterior. Neste último caso, em que se inclui, segundo o IHMI, o direito francês aplicável ao caso vertente, o direito respeitante à indicação geográfica é abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94.

64      Por outro lado, fazendo referência ao artigo 5.°, n.° 1, do Acordo de Lisboa, o IHMI afirma que a denominações de origem são registadas, ainda que a requerimento das administrações competentes, em nome das pessoas singulares ou colectivas, públicas ou privadas. Além disso, o artigo 8.° do Acordo de Lisboa prevê que as diligências necessárias para assegurar a protecção das denominações de origem poderão ser exercidas, nos termos da legislação nacional, por iniciativa da administração competente ou a requerimento do Ministério Público, ou por qualquer parte interessada. Segundo o IHMI, o direito exclusivo de utilizar uma designação protegida acompanhado do direito de propor uma acção contra uma utilização indevida da mesma é suficiente para que seja qualificado de direito de titular ou, pelo menos, de direito equivalente ao direito de um titular, na acepção do artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94. Esta conclusão é confirmada pela leitura do artigo 5.°, n.° 3, do Acordo de Lisboa.

65      Em quarto lugar, o IHMI indica que o direito em causa deve ser protegido segundo a legislação nacional antes da data de depósito do pedido de marca contestado. No caso presente, o IHMI sublinha que as denominações de origem em causa foram registadas em 22 de Novembro de 1967 e que a sua protecção em França teve início a partir da data desse registo. Os direitos em causa são, portanto, anteriores à data de depósito do pedido de marca contestado.

66      Em quinto lugar, o IHMI centra a sua atenção na condição segundo a qual o direito anterior deve conferir ao seu titular, ao abrigo da legislação nacional aplicável, o direito de proibir a utilização da marca oposta.

67      Nessa fase, o IHMI responde, designadamente, aos argumentos avançados pela Budvar, na sua primeira parte, relativos ao direito francês aplicável.

68      Segundo o IHMI, é pacífico que entre as regras de direito francês se encontram várias disposições relativas aos conflitos entre denominações de origem e sinais posteriores.

69      Recordando os termos do artigo L. 641‑2, quarto parágrafo, do Código Rural, o IHMI observa que essa disposição é mencionada e reproduzida no artigo L. 115‑5 do Código do Consumo.

70      No que respeita aos argumentos da Budvar que salientam o facto de as disposições aplicáveis serem os artigos L. 711‑3, alíneas b) e c), e L. 711‑4, alínea d), do Código da Propriedade Intelectual e não o artigo L. 641‑2 do Código Rural, ao contrário do que foi decidido pela Câmara de Recurso, o IHMI esclarece que, num caso que implique o artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94, importa aplicar a legislação nacional da mesma forma que um órgão jurisdicional nacional o faria. A este respeito, a jurisprudência nacional reveste‑se de uma particular importância que vincula o IHMI.

71      O IHMI observa que as decisões nacionais apresentadas pela Budvar durante o processo de oposição ou ao Tribunal de Primeira Instância, relativas a conflitos entre denominações de origem e marcas posteriores, aplicaram, todas elas, o artigo L. 641‑2, quarto parágrafo, do Código Rural, e não o artigo L. 711‑4, alínea d), do Código da Propriedade Intelectual. Isto demonstra que o L. 711‑4, alínea d), do Código da Propriedade Intelectual ou qualquer outra disposição reproduzida nesse código não são aplicáveis.

72      Analisando mais detalhadamente o artigo L. 711‑4, alínea d), do Código da Propriedade Intelectual, o IHMI opõe‑se à afirmação da Budvar segundo a qual a protecção oferecida pelas denominações de origem contra marcas posteriores é absoluta e incondicional. O IHMI observa, a este propósito, que o artigo L. 711‑4, alínea d), do Código da Propriedade Intelectual diz respeito à proibição de registar um sinal que entre em conflito com uma denominação de origem e não à proibição de utilizar esse sinal. Uma vez que o artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94 requer expressamente que a legislação nacional confira um «direito de proibir a utilização de uma marca posterior» e não o seu registo, o IHMI conclui que o artigo L. 711‑4 do Código da Propriedade Intelectual não é aplicável.

73      Partindo do princípio de que o direito de proibir o registo confere igualmente o direito de proibir a utilização de uma marca posterior, devem tomar‑se em consideração as condições para que se considere que uma denominação de origem foi «prejudicada», na acepção do L. 711‑4, alínea d), do Código da Propriedade Intelectual.

74      O IHMI afirma, como indicado pela Budvar, que o Código da Propriedade Intelectual é silencioso quanto ao conceito de «prejuízo» quando se trata de denominações de origem, enquanto que é mais explícito quando se trata de marcas anteriores, de firmas ou de nomes comerciais. Segundo o IHMI, tal não é de admirar uma vez que o alcance da protecção das denominações de origem é especialmente definido pelo artigo L. 641‑2, quarto parágrafo, do Código Rural. Por conseguinte, importa interpretar o conceito de «prejuízo» à luz desta última disposição.

75      Decorre das considerações precedentes que o artigo L. 711‑4, alínea d), do Código da Propriedade Intelectual não acrescenta nem retira nada ao conteúdo jurídico do artigo L. 641‑2, quarto parágrafo, do Código Rural. Esta última disposição é a única aplicável para determinar o alcance da protecção reconhecida às denominações de origem contra a utilização de sinais, sobretudo de marcas posteriores.

76      No que respeita à invocação pela Budvar do artigo L. 711‑3, alíneas b) e c), do Código da Propriedade Intelectual, o IHMI considera que esta disposição não é pertinente, porque respeita a motivos absolutos de recusa, a saber, a proibição de sinais contrários à ordem pública ou susceptíveis de induzir o público em erro, nomeadamente no que respeita à natureza, à qualidade ou à proveniência geográfica do produto ou do serviço. A referida disposição constitui o equivalente do artigo 7.°, n.° 1, alíneas f) e g), do Regulamento n.° 40/94. Fazendo referência ao acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 9 de Abril de 2003, Durferrit/IHMI − Kolene (NU‑TRIDE) (T‑224/01, Colect., p. II‑1589), o IHMI indica que, em todo o caso, as disposições nacionais ou comunitárias relativas aos motivos absolutos de recusa não podem ser invocadas nos processos de oposição perante o IHMI.

77      Além disso, numa carta de 9 de Agosto de 2005, apresentada em resposta a uma questão colocada pelo Tribunal de Primeira Instância, o IHMI indica que a Budvar não pode invocar a inaplicabilidade do artigo L. 641‑2, quarta alínea, do Código Rural ao caso vertente, depois de ter defendido perante as instâncias do IHMI que essa disposição fundamentava a oposição em causa.

 Argumentos da Anheuser‑Busch

78      A Anheuser‑Busch recorda, em primeiro lugar, que, no âmbito do artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94, e no que respeita à legislação nacional em jogo, as normas jurídicas aplicáveis, a jurisprudência e a doutrina fazem parte dos factos. Estes elementos devem ser fornecidos e provados pelo opositor, em conformidade com o artigo 74.°, n.° 1, do Regulamento n.° 40/94. No caso vertente, a Budvar não apresentou uma explicação coerente sobre o direito aplicável, nem sequer provas para sustentar as suas posições.

79      No que respeita às disposições aplicáveis de direito francês, a Anheuser‑Busch considera que as alegações apresentadas pela Budvar ao longo dos diferentes processos foram contraditórias e pouco claras. No IHMI, a oposição teve por fundamento principalmente o artigo L. 641‑2, quarto parágrafo, do Código Rural. Uma vez que a Câmara de Recurso indeferiu a oposição com base nesse fundamento, a Budvar alterou a sua posição e afirmou, pela primeira vez, que o artigo L. 641‑2, quarto parágrafo, do Código Rural não era aplicável (sustentando que deviam ser aplicados os artigos L. 711‑3 e L. 711‑4 do Código da Propriedade Intelectual). Para a Anheuser‑Busch, esta mudança de posição e a apresentação contraditória da situação jurídica em França justificam, por si sós, que seja negado provimento ao presente recurso. Em particular, a Anheuser‑Busch defende que a Budvar não pode mudar de fundamento de direito nesta fase do processo e que os argumentos apresentados a este respeito perante o Tribunal não devem ser tidos em consideração. Isto estaria em conformidade com a prática do Tribunal de Primeira Instância na matéria [acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 3 de Julho de 2003, Alejandro/IHMI − Anheuser‑Busch (BUDMEN), T‑129/01, Colect., p. II‑2251, n.° 67, e de 18 de Fevereiro de 2004, Koubi/IHMI − Flabesa (CONFORFLEX), T‑10/03, Colect., p. II‑719, n.° 52].

80      Além disso, a Anheuser‑Busch sustenta que o artigo L. 641‑2, quarto parágrafo, do Código Rural é aplicável. A Anheuser‑Busch sublinha que a própria Budvar indicou que o artigo L. 711‑4 do Código da Propriedade Intelectual «proíbe o depósito como marca de um sinal que prejudique uma denominação de origem», ao passo que, por outro lado, o artigo L. 641‑2, quarto parágrafo, do Código Rural «proíbe apenas a utilização do nome geográfico que constitui no todo ou em parte uma denominação de origem». Por outras palavras, o artigo L. 711‑4, do Código da Propriedade Intelectual diz respeito ao registo de marcas francesas, ao passo que o artigo L. 641‑2, quarto parágrafo, do Código Rural visa a utilização de uma marca posterior. Assim, tendo em conta que o artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94 diz respeito ao «direito de proibir a utilização de uma marca posterior», a Anheuser‑Busch conclui que apenas o artigo L. 641‑2, quarto parágrafo, do Código Rural é aplicável.

81      Por outro lado, supondo que os argumentos da Budvar relativamente ao artigo L. 711‑4 do Código da Propriedade Intelectual são admissíveis, e que devem ser analisados, a Anheuser‑Busch considera que esses argumentos são desprovidos de fundamento.

82      Em particular, a Anheuser‑Busch sublinha que o artigo L. 711‑4 do Código da Propriedade Intelectual não determina o alcance da protecção de todos os direitos anteriores que menciona. Em vez disso, ao indicar que esses direitos anteriores impedem a adopção de uma marca se esta os prejudicar, o artigo L. 711‑4 do Código da Propriedade Intelectual pressupõe que o alcance da protecção é definido e regulamentado noutra sede. Se a interpretação defendida pela Budvar estivesse correcta, outros direitos anteriores – como marcas anteriores muito conhecidas, direitos de autor, direitos industriais ou de personalidade – gozariam de uma «protecção absoluta» em relação a marcas posteriores, independentemente de outras condições como, designadamente, a similitude dos direitos em causa.

83      A verdadeira questão relacionada com o artigo a L. 711‑4 do Código da Propriedade Intelectual é a de saber se foram ou não prejudicados direitos anteriores. A resposta só pode ser dada tendo em conta as regras específicas aplicáveis a esses direitos. A este propósito, a Anheuser‑Busch assinala que o Código da Propriedade Intelectual faz, ele próprio, explicitamente referências ao Código Rural. Em particular, o título II do livro VII do Código da Propriedade Intelectual, relativo às «denominações de origem», contém um artigo único (L. 721‑1) que indica que «[a]s regras relativas à determinação das denominações de origem são fixadas pelo artigo L. 115‑1 do Código do Consumo». Assim, as disposições aplicáveis para a protecção das denominações de origem devem ser as do Código do Consumo que, por sua vez, faz referência ao Código Rural. A Anheuser‑Busch opõe‑se, deste modo, à posição sustentada pela Budvar segundo a qual um sinal que reproduz uma denominação de origem não pode ser registado como marca, quaisquer que sejam as circunstâncias. Para a Anheuser‑Busch, a denominação de origem é protegida para um produto específico. Uma vez que os produtos em causa nos presentes casos são diferentes, a utilização de um mesmo termo por esses produtos não pode prejudicar as denominações de origem, salvo em circunstâncias específicas. Estas circunstâncias estão previstas apenas no artigo 641‑2, quarto parágrafo, do Código Rural e não no artigo L. 711‑4 do Código da Propriedade Intelectual. Esta última disposição não é, pois, aplicável para determinar se a legislação francesa confere um direito à Budvar, segundo o artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94.

84      A Anheuser‑Busch observa, por outro lado, que, pela primeira vez em seis anos de processo, a Budvar invoca uma violação do artigo L. 711‑3, alíneas b) e c), do Código da Propriedade Intelectual. A Anheuser‑Busch não crê que seja necessário responder a esses argumentos, que, segundo ela, são inadmissíveis e inaplicáveis. Essas alegações são intempestivas e, de qualquer modo, não são sustentadas por factos ou provas. A Anheuser-Busch sublinha igualmente que os presentes processos resultam de oposições que se prendem com motivos relativos de recusa. Ora, o artigo L. 711‑3 do Código da Propriedade Intelectual diz respeito a motivos absolutos de recusa de registo de uma marca e, além do mais, apenas se aplica a pedidos de marca depositados em França.

b)     Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

85      Importa referir que o artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94 permite deduzir oposição contra um pedido de marca comunitária com base num sinal que não seja uma marca anterior, estando esta última situação prevista no artigo 8.°, n.os 1 a 3 e 5.

86      Nos termos do artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94, esse sinal deve ser utilizado na vida comercial e deve ter um alcance que não seja apenas local. Em função do direito do Estado‑Membro aplicável a esse sinal, os direitos dele decorrentes devem ter sido adquiridos antes da data de depósito do pedido de marca comunitária ou da data de prioridade invocada em apoio do pedido de marca comunitária. Ainda em função do direito do Estado‑Membro aplicável a esse sinal, este deve conferir ao seu titular o direito de proibir a utilização de uma marca posterior.

87      A Budvar coloca ao Tribunal de Primeira Instância uma questão relativa à última condição exigida pelo artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94, isto é, a questão de saber se, no caso vertente, ficou suficientemente provado que as denominações de origem invocadas conferem o direito, com base no direito francês aplicável, de proibir a utilização de uma marca posterior.

88      Uma vez que o artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94 se situa na parte consagrada aos motivos relativos de recusa, e tendo em conta o artigo 74.° do mesmo regulamento, o ónus da prova de que o sinal em causa confere o direito de proibir a utilização de uma marca posterior cabe ao opositor no IHMI.

89      Neste contexto, importa ter em conta, designadamente, a legislação nacional invocada e as decisões jurisdicionais proferidas no Estado‑Membro em causa. Nesta base, o opositor deve demonstrar que o sinal em causa é abrangido pelo âmbito de aplicação do direito do Estado‑Membro invocado e que permite proibir a utilização de uma marca posterior. Importa sublinhar que, no contexto do artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94, a demonstração do opositor se deve situar na perspectiva da marca comunitária cujo registo é pedido.

90      A Câmara de Recurso, depois de ter recordado os termos do artigo 1.°, n.os 1 e 2, do artigo 2.°, n.° 1, do artigo 3.°, do artigo 5.°, n.° 1, e do artigo 8.° do Acordo de Lisboa (n.os 41 a 45 da decisão impugnada), considerou que «as denominações de origem registadas ao abrigo do Acordo de Lisboa beneficiam em França da protecção conferida pelo artigo L. 641‑2 do Código Rural» (n.° 46 da decisão impugnada).

91      Importa recordar que o disposto no artigo L. 641‑2, quarto parágrafo, do Código Rural se encontra reproduzido no artigo L. 115‑5, quarto parágrafo, do Código do Consumo.

92      Importa igualmente sublinhar que o disposto no artigo L. 641‑2, quarto parágrafo, do Código Rural, reproduzido no artigo L. 115‑5, quarto parágrafo, do Código do Consumo, foi invocado pela Budvar nas instâncias do IHMI, em particular no âmbito do recurso interposto na Câmara de Recurso.

93      A Budvar alega, pela primeira vez no Tribunal de Primeira Instância, que o artigo L. 641‑2 do Código Rural não era aplicável ao caso vertente e que a Câmara de Recurso devia ter feito referência ao artigo L. 711‑3, alíneas b) e c), e ao artigo L. 711‑4, alínea d), do Código da Propriedade Intelectual.

94      A título liminar, há que sublinhar que, para além do dispoto no artigo L. 641‑2 do Código Rural, a Budvar invocou certos artigos do Código da Propriedade Intelectual nas instâncias do IHMI. Por outro lado, no que respeita especificamente ao artigo L. 711‑4, alínea d), do Código da Propriedade Intelectual, importa salientar que esta disposição visa as denominações de origem «protegidas». Deste modo, a requerente podia legitimamente interrogar‑se acerca do papel do artigo L. 711‑4, alínea d), do Código da Propriedade Intelectual no direito francês e da eventual relação entre esta disposição e o artigo L. 641‑2 do Código Rural. Por estes motivos, o Tribunal de Primeira Instância considera que é admissível que a Budvar impugne a aplicação que a Câmara de Recurso fez das disposições do artigo L. 641‑2 do Código Rural no caso vertente e a não tomada em consideração, designadamente, do artigo L. 711‑4, alínea d), do Código da Propriedade Intelectual.

95      Quanto ao mérito, em primeiro lugar, há que observar que a Budvar parte da premissa jurídica de que o L. 641‑2, quarto parágrafo, do Código Rural não é aplicável na medida em que esta disposição visa proibir a utilização de um nome geográfico que constitui uma denominação de origem e não proibir o registo de uma marca. Infere‑se dos argumentos da Budvar que o artigo L. 641‑2, quarto parágrafo, do Código Rural não é aplicável num processo destinado a obter o registo de uma marca comunitária. A este respeito, basta constatar que o artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94 prevê que, segundo o direito nacional aplicável, o sinal em causa deve conferir ao seu titular o direito de proibir a «utilização» de uma marca posterior. O artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94 não exige que, segundo o direito nacional aplicável, o sinal em causa confira ao seu titular o direito de proibir o «registo de uma marca». A premissa da Budvar não tem, pois, fundamento. Consequentemente, a tomada em consideração do artigo L. 641‑2, quarto parágrafo, do Código Rural não pode ser afastada por esse motivo.

96      Em segundo lugar, importa observar que o artigo L. 641‑2, quarto parágrafo, do Código Rural visa as situações em que um sinal posterior utiliza directa ou indirectamente o nome geográfico que constitui uma denominação de origem.

97      O artigo 2.° do Acordo de Lisboa, ao abrigo do qual as denominações em causa foram registadas como denominações de origem, prevê que uma denominação de origem, na acepção deste Acordo, seja constituída pela «denominação geográfica» de um país, região ou localidade que serve para designar um produto dele originário cuja qualidade ou características se devam exclusiva ou essencialmente ao meio geográfico, incluindo os factores naturais e os factores humanos.

98      No caso vertente, é pacífico que a marca figurativa cujo registo foi pedido utiliza directamente uma denominação geográfica que constitui uma denominação de origem, na acepção do artigo 2.º do Acordo de Lisboa.

99      Em terceiro lugar, há que observar que o artigo L. 641‑2, quarto parágrafo, do Código Rural se enquadra no título IV relativo à valorização dos produtos agrícolas ou alimentares e no capítulo 1 intitulado «As denominações de origem». Os artigos L. 641‑1‑1 a L. 641‑4 do Código Rural enquadram o processo de reconhecimento das denominações de origem, estabelecendo o artigo L. 641‑2, quarto parágrafo, o alcance da protecção conferida às denominações de origem quando o nome geográfico que as constitui ou qualquer outra menção que as evoque sejam utilizados. Importa assinalar que a protecção das denominações de origem, indicações geográficas e certificados de especificidade registados a nível comunitário se encontra prevista nos artigos L. 642‑1 a L. 642‑4 do Código Rural.

100    O artigo L. 115‑5, quarto parágrafo, do Código do Consumo, que reproduz as disposições do artigo L. 641‑2, quarto parágrafo, do Código Rural, figura numa secção intitulada «Denominações de origem», a qual, por sua vez, se encontra num capítulo relativo à valorização dos produtos e dos serviços e num título relativo à informação dos consumidores. O artigo L. 115‑5, quarto parágrafo, do Código do Consumo recorda o processo de atribuição de uma denominação de origem controlada, tal como definida pelo artigo L. 641‑2 do Código Rural, bem como o alcance da protecção conferida às denominações de origem, ao abrigo do quarto parágrafo dessa disposição, quando o nome geográfico que as constitui ou qualquer outra menção que as evoque sejam utilizados.

101    Do exposto resulta que o artigo L. 641‑2, quarto parágrafo, do Código Rural assim como o artigo L. 115‑5, quarto parágrafo, do Código do Consumo que o reproduz são disposições específicas que definem o alcance da protecção das denominações de origem, quando o nome geográfico que as constitui ou qualquer outra menção que as evoque sejam utilizados.

102    Por sua vez, o disposto no artigo L. 711‑4, alínea d), do Código da Propriedade Intelectual assim como as outras disposições desse código invocadas pela Budvar figuram no título 1, relativo às marcas de fabrico, de comércio ou de serviço, e no capítulo 1, intitulado «Elementos constitutivos da marca».

103    A este respeito, importa assinalar, em primeiro lugar, que as disposições do Código da Propriedade Intelectual invocadas pela Budvar, ao contrário das disposições acima referidas do Código Rural e do Código do Consumo, não se encontram numa parte do código dedicada às denominações de origem.

104    De seguida, importa referir que as disposições do Código da Propriedade Intelectual invocadas pela Budvar dizem respeito às condições de registo das marcas em direito francês e não às condições da sua utilização, na acepção do artigo 8.°, n.° 4, alínea b), do Regulamento n.° 40/94.

105    Além disso, no que respeita especificamente ao artigo L. 711‑4, alínea d), do Código da Propriedade Intelectual, este precisa que «[n]ão pode ser adoptado como marca um sinal que prejudique […] uma denominação de origem protegida». Para determinar em que medida uma denominação de origem é «protegida» e, sendo esse o caso, se um sinal a «prejudica», importa recorrer, nomeadamente, ao disposto no artigo L. 641‑2, quarto parágrafo, do Código Rural, reproduzido no artigo L. 115‑5, quarto parágrafo, do Código do Consumo, quando, como no caso vertente, a denominação geográfica que constitui a referida denominação de origem é utilizada pela marca pedida.

106    Em quarto lugar, há que sublinhar que, no momento em que a decisão impugnada foi adoptada, a única decisão jurisdicional francesa que, como no caso vertente, dizia respeito à utilização para um produto não similar de uma denominação geográfica constitutiva de uma denominação de origem registada num país terceiro e protegida ao abrigo do Acordo de Lisboa, e que foi proferida depois da introdução em 1990 do artigo L. 641‑2, quarto parágrafo, do Código Rural no direito francês, é um acórdão da cour d'appel de Paris, de 17 de Maio de 2000, que dá execução às denominações de origem cubana Habana e Habanos para designar charutos e tabaco em rama ou manufacturado, bem como produtos elaborados com esse tabaco (a seguir «acórdão Habana da cour d’appel de Paris»). Este acórdão foi invocado pela Budvar nas instâncias do IHMI.

107    Esse processo examinou a marca Havana, registada e utilizada em França, designadamente para perfume.

108    Nesse acórdão, a cour d’appel de Paris analisou, em primeiro lugar, as condições previstas no artigo L. 115‑5, quarto parágrafo, do Código do Consumo, que reproduz o disposto no artigo L. 641‑2, quarto parágrafo, do Código Rural, tendo concluído que «o risco de desvio da notoriedade da denominação de origem Habana [era] real e, por conseguinte, se encontrava suficientemente caracterizado».

109    Depois, num segundo tempo, na parte intitulada «Quanto às medidas a adoptar», a cour d’appel de Paris considerou que, em conformidade, designadamente, com o artigo L. 711‑4, alínea d), do Código da Propriedade Intelectual, a demandante tinha «direito a pedir a anulação da marca Havana registada em França».

110    Por outro lado, sem se basear em disposições do Código da Propriedade Intelectual, a cour d’appel de Paris indicou que a demandante podia «igualmente solicitar que as sociedades [em causa] fossem proibidas de utilizar a designação ‘havana’ para designar o conjunto dos produtos cosméticos da[s] sua[s] gama[s]». Tendo em conta os termos empregues pela cour d’appel de Paris, o fundamento da proibição de utilizar a designação «havana» residia no disposto no artigo L. 115‑5, quarto parágrafo, do Código do Consumo, que reproduz o disposto no artigo L. 641‑2, quarto parágrafo, do Código Rural.

111    Daqui resulta que, nesse processo, a cour d’appel de Paris analisou as condições previstas no artigo no artigo L. 115‑5, quarto parágrafo, do Código do Consumo, que reproduz o disposto no artigo L. 641‑2, quarto parágrafo, do Código Rural, para determinar a protecção de que podiam beneficiar, à luz do direito francês, as denominações de origem em causa, registadas ao abrigo do Acordo de Lisboa.

112    Do exposto resulta igualmente que, mediante a aplicação das disposições acima referidas do Código do Consumo, que reproduzem as disposições do Código Rural, a cour d’appel de Paris pôde proibir a utilização do nome geográfico que constituía as denominações de origem controvertidas para os produtos em causa e, por conseguinte, a utilização da marca impugnada. A aplicação do disposto no artigo L. 641‑2, quarto parágrafo, do Código Rural, reproduzido no artigo L. 115‑5, quarto parágrafo, do Código do Consumo, pode, pois, conferir o direito de proibir a «utilização» de uma marca posterior, na acepção do artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94.

113    Há que referir que a abordagem seguida no acórdão Habana já tinha sido adoptada pela cour d’appel de Paris, no âmbito da protecção das denominações de origem registadas ao abrigo do direito francês, no acórdão de 15 de Dezembro de 1993 relativo à protecção da denominação de origem controlada Champagne. Este acórdão, igualmente invocado pela Budvar nas instâncias do IHMI, dizia respeito a uma marca registada em França, para perfume, que compreendia o nome geográfico que constituía a referida denominação de origem. Nesse processo, a cour d’appel de Paris aplicou desde logo o artigo L. 115‑5, quarto parágrafo, do Código do Consumo, que reproduz o disposto no artigo L. 641‑2, quarto parágrafo, do Código Rural, antes de se pronunciar sobre a aplicação das disposições do Código da Propriedade Intelectual.

114    Tendo em conta todos estes elementos, cabe concluir que a Câmara de Recurso não cometeu qualquer erro ao tomar em consideração o disposto no artigo L. 641‑2, quarto parágrafo, do Código Rural, que se encontra reproduzido no artigo L. 115‑5, quarto parágrafo, do Código do Consumo.

115    Assim, há que julgar improcedente a primeira parte do fundamento único apresentado pela Budvar.

2.     Quanto à segunda parte, a título subsidiário, relativa à aplicação errada pela Câmara de Recurso do artigo L. 641‑2, quarto parágrafo, do Código Rural

a)     Argumentos das partes

 Argumentos da Budvar

116    Se o Tribunal considerar que um pedido de registo como marca de um nome geográfico que constitua uma denominação de origem representa a utilização de um nome geográfico na acepção do artigo L. 641‑2, quarto parágrafo do Código Rural, a Budvar pede, em todo o caso, ao Tribunal de Primeira Instância que declare que, na decisão impugnada, a Câmara de Recurso fez uma aplicação errada desse artigo e das disposições do Acordo de Lisboa.

117    A Budvar indica, em primeiro lugar, que a Câmara de Recurso considerou correctamente o seguinte:

«É inegável que as denominações de origem francesas só são protegidas em França se a sua notoriedade tiver sido devidamente comprovada. O artigo L. 641‑2 do Código Rural dispõe que os produtos agrícolas, florestais e alimentares podem beneficiar de uma denominação de origem se, entre outras condições, ‘possuírem uma notoriedade devidamente comprovada’.» (N.° 50 da decisão impugnada.)

118    A Budvar acrescenta que a Câmara de Recurso considerou, no entanto, que podia precisar o seguinte:

«Todavia, esta condição não se aplica às denominações de origem estrangeiras protegidas em França ao abrigo do Acordo de Lisboa. Resulta claramente do artigo 5.°, n.° 1, do Acordo […] que as denominações de origem protegidas no país de origem obtêm protecção nos outros países da União Particular a simples pedido das autoridades competentes do país de origem.» (N.° 50 da decisão impugnada.)

119    Para a Budvar, esta última afirmação é desprovida de fundamento.

120    A Budvar indica, em primeiro lugar, que todos os países signatários do Acordo de Lisboa têm uma regulamentação similar no que respeita à obtenção de denominações de origem. O artigo 2.° do Acordo de Lisboa fornece, a este respeito, uma definição de denominação de origem válida em todos os países signatários.

121    Por conseguinte, todos os países signatários do Acordo de Lisboa exigem, para conceder uma denominação de origem, a comprovação da notoriedade. Este ponto não é contestado na decisão impugnada.

122    A Budvar acrescenta que a notoriedade das denominações geográficas «Budweiser» para designar cervejas foi necessariamente demonstrada na República Checa para a obtenção das denominações de origem em causa. A este respeito, a Budvar recorda que as denominações de origem em causa foram registas em 22 de Novembro de 1967 na OMPI.

123    Além disso, nos termos do artigo 1.°, segundo parágrafo, do Acordo de Lisboa, o Estado francês reconheceu e declarou susceptíveis de protecção as denominações de origem que incluam a denominação geográfica «Budweiser» no território francês no decreto n.° 70‑65, de 9 de Janeiro de 1970, publicado no Journal officiel de la République française, de 23 de Janeiro de 1970. A Budweiser indica que não foi interposto qualquer recurso deste decreto no Conseil d’État.

124    Segundo a Budvar, as denominações de origem em causa são, por conseguinte, protegidas em França unicamente por efeito do Acordo de Lisboa e, designadamente, do seu artigo 1.°, segundo parágrafo.

125    Assim, uma denominação de origem concedida num país signatário do Acordo de Lisboa é protegida no território francês da mesma maneira que as denominações nacionais, sem que seja necessário demonstrar que é efectivamente notória. A decisão impugnada considera, por isso, erradamente que «não se pode presumir que as denominações de origem […] protegidas em França ao abrigo do Acordo de Lisboa possuem notoriedade em França (n.° 50 da decisão impugnada).

126    A Budvar acrescenta que a Câmara de Recurso aplicou também erradamente o artigo L. 641‑2, quarto parágrafo, do Código Rural ao considerar que:

«Quando uma denominação de origem […] é protegida em França ao abrigo do Acordo de Lisboa, só beneficia de protecção em relação a produtos diferentes se se provar que possui notoriedade em França e que a sua utilização para produtos diferentes desvia ou enfraquece essa notoriedade.

[…]

No caso vertente, [a Budvar] não só não provou que as denominações de origem possuem notoriedade em França, como também não demonstrou como é que a notoriedade das denominações de origem, admitindo que exista, seria susceptível de ser desviada ou enfraquecida se [a Anheuser‑Busch] fosse autorizada a utilizar uma marca figurativa com o termo ‘Budweiser’ para os produtos pedidos das classes 16, 21, 25 e 30 (n.os 51 e 53 da decisão impugnada).»

127    A Budvar chama a atenção do Tribunal de Primeira Instância para o facto de o artigo L. 641‑2, quarto parágrafo, do Código Rural, tal como reproduzido no Código do Consumo, dizer respeito à utilização do nome geográfico que constitua, no todo ou em parte, uma denominação de origem. Segundo a Budvar, este artigo não diz respeito à denominação de origem mas ao nome geográfico nela mencionado. Deve, pois, daqui deduzir‑se que a reprodução do nome geográfico que constitui a denominação de origem é proibido tanto para produtos que sejam idênticos, como similares ou diferentes. Esta solução é lógica, na medida em que o nome geográfico é o elemento essencial e determinante de qualquer denominação de origem. A utilização apenas do nome geográfico evoca necessariamente o produto a que respeita a denominação de origem.

128    No caso vertente, a Anheuser‑Busch pediu o registo de uma marca que se limita a reproduzir apenas o nome geográfico «Budweiser», sem o integrar num conjunto susceptível de lhe fazer perder a sua qualidade de denominação de origem. Não há, pois, lugar a aplicar a excepção prevista no artigo L. 641‑2, quarto parágrafo, do Código Rural, nem a verificar se a marca figurativa cujo registo é pedido, que se resume ao nome geográfico «Budweiser», é susceptível de implicar o enfraquecimento ou o desvio da notoriedade necessariamente ligada a qualquer denominação de origem.

129    Quanto ao demais, e a título ainda mais subsidiário, a Budvar considera que a notoriedade intrínseca às denominações de origem em causa é susceptível de ser desviada ou enfraquecida pelo registo da marca em causa. A este respeito, a Budvar indica que nenhum texto francês exige que essa notoriedade intrínseca apresente um grau particularmente elevado para que a sua protecção abranja produtos diferentes. Quando muito, pode ser exigida a demonstração de que essa notoriedade intrínseca é susceptível de ser enfraquecida e banalizada pelo registo de uma marca que reproduz o seu nome geográfico.

130    A Budvar indica que o pedido de registo da marca em causa provém de uma sociedade cervejeira, isto é, de um concorrente directo. Além disso, a Budvar observa que um dos pedidos de registo apresentados pela Anheuser‑Busch era para cerveja (que é objecto do processo apenso T‑71/04). Além disso, a Budvar observa que um dos elementos da marca figurativa pedida é o slogan «king of beers». Por conseguinte, a marca pedida faz referência directa às cervejas. De qualquer modo, à data do pedido de registo, a Anheuser‑Busch, na sua qualidade de profissional no domínio da produção de cerveja, tinha necessariamente conhecimento da notoriedade das denominações de origem reivindicadas, pelo menos no território checo.

131    As condições de depósito do pedido de registo de marca revelam, pois, uma vontade evidente de prejudicar a notoriedade das denominações de origem consideradas, enfraquecendo‑as e destruindo a sua unicidade através da banalização da designação «Budweiser», e igualmente a tentativa de apropriação privativa dessas denominações de origem. O facto de a Anheuser‑Busch ser um produtor de cerveja importante revela a sua intenção parasitária e desleal, bem como o objectivo de enfraquecimento e de banalização das denominações de origem. A Budvar refere que as partes nos processos que deram lugar aos acórdãos da cour d’appel de Paris de 15 de Dezembro de 1993 (Champagne) e de 17 de Maio de 2000 (Habana, n.° 106 supra) eram empresas não concorrentes entre si. Nestes processos, constatou‑se o desvio da notoriedade das denominações de origem em causa.

132    Além do mais, há que ter em consideração as relações jurídicas anteriores que opuseram a Budvar e a Anheuser‑Busch. O litígio entre estas partes nasceu há mais de um século. A Budvar indica que, em 1894, Adolphus Busch declarou, com efeito, ter‑se inspirado na excelência da cerveja produzida em Budweis, na Checoslováquia, para criar a cerveja «Budweiser», produzida segundo o método checo, em Saint Louis (Missouri), sede da sociedade Anheuser‑Busch.

133    Do exposto a Budvar conclui que o risco de a notoriedade das denominações de origem ser prejudicada é, assim, suficientemente caracterizado e deve levar o Tribunal de Primeira Instância a recusar o registo das marcas em causa.

 Argumentos do IHMI

134    O IHMI responde aos argumentos da Budvar no âmbito da sua análise do requisito previsto no artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94, isto é, o requisito de o direito anterior conferir ao seu titular, ao abrigo da legislação nacional aplicável, o direito de proibir a utilização da marca oposta.

135    Depois de chegar à conclusão, no âmbito da primeira parte do fundamento único, que o artigo L.641‑2, quarto parágrafo, do Código Rural era aplicável, o IHMI analisa o alcance da protecção das denominações de origem ao abrigo dessa disposição.

136    O IHMI faz então uma distinção entre a necessidade de provar a notoriedade da denominação de origem e o risco de ver essa notoriedade desviada ou enfraquecida.

–       Quanto à necessidade de provar a notoriedade da denominação de origem

137    O IHMI assinala que o Acordo de Lisboa requer que todas as partes contratantes confiram protecção às denominações de origem registadas. Esta protecção, segundo o IHMI, deve situar‑se, pelo menos, ao nível de protecção previsto pelo Acordo de Lisboa.

138    A este respeito, o IHMI recorda que o artigo 3.° do Acordo de Lisboa prevê que «[a] protecção será assegurada contra qualquer usurpação ou imitação, ainda que se indique a verdadeira origem do produto ou que a denominação seja usada em tradução ou acompanhada de expressões como ‘género’, ‘tipo’, ‘maneira’, ‘imitação’ ou outras semelhantes».

139    Para o IHMI, a protecção mínima exigida abrange apenas os produtos em relação aos quais foi feito o registo e os produtos compreendidos na mesma classe (neste caso, a cerveja). O Acordo de Lisboa não exige, segundo o IHMI, que seja conferida uma protecção que transcenda essa categoria de produtos.

140    Todavia, isto não significa que uma denominação de origem não possa beneficiar de uma protecção mais alargada segundo a legislação nacional do país em que o direito adquirido é aplicado.

141    Recordando os termos do artigo L. 641‑2, quarto parágrafo, do Código Rural, o IHMI considera que a protecção conferida por esta disposição é de duas ordens.

142    Em primeiro lugar, o artigo L. 641‑2, quarto parágrafo, do Código Rural prevê uma protecção mínima que abrange a utilização de uma designação idêntica ou de uma designação que possa evocar a denominação de origem relativamente a produtos similares. Esta protecção é incondicional e pode ser invocada em relação a todas as denominações de origem, nacionais ou estrangeiras, bastando que se prove a possível evocação entre os sinais e a similitude entre os produtos.

143    Em segundo lugar, o artigo L. 641‑2, quarto parágrafo, do Código Rural prevê uma protecção mais alargada das denominações de origem, nacionais ou estrangeiras, que abrange a utilização de uma designação idêntica ou de uma designação que possa evocar a denominação de origem para produtos diferentes. Esta protecção está condicionada à prova de que a denominação de origem possui notoriedade e que esta é susceptível de ser desviada ou enfraquecida.

144    Este risco deve ser avaliado em relação ao público francês. Do mesmo modo, é necessário provar que a notoriedade da denominação de origem é conhecida do público francês. Não pode haver risco de desvio ou de enfraquecimento se não existir notoriedade.

145    Por conseguinte, a Câmara de Recurso não cometeu um erro ao concluir que «não se pode presumir que as denominações de origem estrangeiras protegidas em França ao abrigo do Acordo de Lisboa possuem notoriedade em França» (n.° 50 da decisão impugnada).

146    Nestas condições, a Budvar afirma erradamente que uma denominação de origem tem, por definição, notoriedade ou é bem conhecida. A confusão da Budvar tem origem no facto de o conceito de «notoriedade do produto», que é exigida no artigo 2.°, n.° 2, do Acordo de Lisboa para o registo no país de origem, não se estender automaticamente aos outros países membros nos quais se pretende obter protecção. Por conseguinte, uma indicação como «Budweiser», que tem notoriedade na República Checa, mas que não é largamente conhecida ou utilizada no mercado francês, não pode ter notoriedade em França.

147    Sobre este ponto, o IHMI considera que o artigo L. 641‑2, quarto parágrafo, do Código Rural e qualquer outra disposição que proíba o desvio, a exploração, o enfraquecimento ou a denigração da notoriedade de uma denominação de origem [o IHMI remete, em particular, para o artigo 13.°, n.° 1, do Regulamento (CEE) n.° 2081/92 do Conselho, de 14 de Julho de 1992, relativo à protecção das indicações geográficas e denominações de origem dos produtos agrícolas e dos géneros alimentícios (JO L 208, p. 1)] têm por objectivo proteger a «imagem» da denominação de origem, isto é, o seu valor económico. Este prejuízo só pode ocorrer se a denominação de origem tiver notoriedade no país onde a protecção é reclamada.

148    O IHMI observa que o conceito de «notoriedade» das denominações de origem foi identificado pelo Tribunal de Justiça, no seu acórdão Consorzio del Prosciutto di Parma e Salumificio S. Rita, n.° 62 supra (n.° 64), que dizia respeito ao Regulamento n.° 2081/92, nos termos seguintes:

«A reputação das denominações de origem é função da imagem de que estas gozam junto dos consumidores. Essa imagem, por seu turno, depende essencialmente das características específicas e, mais geralmente, da qualidade do produto. É esta última que está na base, em definitivo, da reputação do produto.»

149    A imagem ou a notoriedade das denominações de origem depende da percepção subjectiva do público e pode variar em função do território considerado. Segundo o IHMI, é verdade que a imagem ou a notoriedade de uma denominação de origem provém da qualidade do produto. Todavia, a imagem ou a notoriedade de uma denominação de origem depende significativamente de outros factores estranhos ao produto em si. O IHMI refere, designadamente, o montante do investimento na promoção, a intensidade da utilização da denominação de origem e a parte do mercado detida pelo produto.

150    Dado que a notoriedade das denominações de origem depende principalmente desses factores e do seu impacto junto do público, essa notoriedade não pode ser deduzida do registo efectuado no âmbito do Acordo de Lisboa e necessita sempre de ser provada em cada país em que se invoca um prejuízo causado a essa notoriedade. Qualquer outra solução equivaleria a conferir o mesmo grau de protecção a denominações de origem com bastante renome e a denominações de origem pouco conhecidas e, provavelmente, a reconhecer protecção a estas últimas num país onde não dispõem de qualquer notoriedade.

151    O IHMI conclui do que precede que a Câmara de Recurso não cometeu um erro ao condicionar a aplicação do artigo L. 641‑2, quarto parágrafo, do Código Rural à prova de que as denominações de origem possuem notoriedade em França.

152    Esta conclusão é reforçada pela jurisprudência francesa. Segundo o IHMI, em certos casos abrangidos pelo artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94, importa aplicar a legislação nacional como o faria um órgão jurisdicional nacional. As decisões jurisdicionais nacionais revestem‑se, assim, de particular importância.

153    A este respeito, a Câmara de Recurso teve razão em fazer referência ao acórdão Habana, n.° 106 supra, relativo a um conflito entre a denominação de origem Habana, protegida ao abrigo do Acordo de Lisboa para charutos, e a marca posterior Havana para perfumes. Resulta desse acórdão que a falta de demonstração da notoriedade da denominação de origem internacional Havane em França esteve na origem da improcedência da acção.

154    O IHMI acrescenta que, quando a protecção é invocada contra a utilização de uma designação posterior relativa a produtos diferentes, os órgãos jurisdicionais franceses exigem a prova da notoriedade de todas as denominações de origem, independentemente de a sua origem ser nacional ou internacional. O IHMI remete para os acórdãos proferidos pela cour d’appel de Paris, em 15 de Dezembro de 1993 e em 12 de Setembro de 2001, relativos à denominação de origem Champagne, em anexo à petição inicial. Contrariamente ao que é alegado pela Budvar, não há, pois, diferença de tratamento.

–       Quanto ao desvio ou ao enfraquecimento da notoriedade da denominação de origem

155    O IHMI defende que foi também acertadamente que a Câmara de Recurso negou provimento ao recurso por considerar que a Budvar não tinha conseguido «demonstrar como é que a notoriedade das denominações de origem, admitindo que exista, seria susceptível de ser desviada ou enfraquecida se [a Anheuser‑Busch] fosse autorizada a utilizar uma marca figurativa com o termo «Budweiser» para os produtos pedidos das classes 16, 21, 25 e 30» (n.° 53 da decisão impugnada).

156    A Budvar não apresentou nenhum elemento factual ou argumento, em nenhuma fase do processo, que sustentasse o fundamento segundo o qual a utilização das marcas em causa ameaçava desviar ou enfraquecer a notoriedade das denominações de origem. Uma vez que estava sujeita aos termos do artigo 74.°, n.° 1, do Regulamento n.° 40/94, a Câmara de Recurso não cometeu, pois, qualquer erro ao descartar a possibilidade de um tal desvio ou enfraquecimento.

157    Consequentemente, as alegações constantes da petição inicial a este respeito são inadmissíveis, visto que foram apresentadas pela primeira vez no Tribunal de Primeira Instância.

158    Se, no entanto, essas alegações deverem ser consideradas admissíveis, o IHMI refere que o desvio da notoriedade das denominações de origem pode ocorrer quando os operadores escolhem deliberadamente sinais idênticos ou similares para uma utilização num domínio diferente, tendo por objectivo desviar em benefício próprio uma parte dos investimentos realizados pelo titular do direito anterior. Esta situação é semelhante à de obter benefícios indevidos do prestígio da marca anterior, no contexto do artigo 5.°, n.° 2, da Primeira Directiva 89/104/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados‑Membros em matéria de marcas (JO 1989, L 40, p. 1), ou do artigo 8.°, n.° 5, do Regulamento n.° 40/94.

159    O IHMI reconhece que a utilização de uma marca figurativa que contém a expressão «king of beers» em relação a qualquer tipo de produto podia, teoricamente, criar uma associação no espírito do público a cervejas, porque contém a expressão «king of beers» e porque essa utilização podia ser entendida pelo público como uma promoção indirecta da actividade principal de cervejeira da Anheuser‑Busch. Isto é particularmente verdade no caso da utilização da marca figurativa pedida relativamente aos «aperitivos» pertencentes à classe 30, uma vez que estes produtos podem ser vendidos nos balcões de bares e cafés. Assim, se o Tribunal de Primeira Instância considerar que se pode presumir a notoriedade das denominações de origem, o IHMI pede que este processo seja reenviado à Câmara de Recurso para uma análise complementar deste ponto.

160    No que respeita ao enfraquecimento das denominações de origem, o IHMI considera que tal enfraquecimento pode ocorrer quando os produtos para os quais o sinal em conflito é utilizado chamam a atenção do público de maneira tal que a imagem e o poder de atracção da denominação de origem são afectados. Esta situação é próxima da de causar prejuízo ao prestígio da marca anterior, no contexto do artigo 5.°, n.° 2, da Primeira Directiva 89/104 ou do artigo 8.°, n.° 5, do Regulamento n.° 40/94.

161    Todavia, no caso vertente, não há antagonismo entre a cerveja, por um lado, e a maior parte dos produtos em causa no pedido de registo, por outro, que possa afectar a imagem das denominações de origem anteriores. Além disso, é pouco provável que a utilização das marcas em causa, em relação à maior parte dos produtos visados pelo pedido de registo, possa evocar associações mentais negativas ou pouco agradáveis que entrem em conflito com o eventual prestígio das denominações de origem anteriores.

162    A título complementar, o IHMI apresenta observações quanto ao acto relativo à adesão da República Checa, que entrou em vigor em 1 de Maio de 2004, e quanto à alteração ao artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94.

163    No que respeita ao acto relativo à adesão da República Checa, o IHMI observa que, após 1 de Maio de 2004, ou seja, após a adopção da decisão impugnada, os nomes «Ceskobudejovické pivo» e «Budejovické pivo» («Budweiser Bier») são protegidos como indicações geográficas ao abrigo do Regulamento n.° 2081/92. Além disso, o acto de adesão prevê que esta protecção «não prejudica as marcas de cerveja ou outros direitos existentes na União Europeia à data da adesão».

164    No que respeita ao artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94, o IHMI observa que este último foi alterado pelo Regulamento n.° 422/2004 do Conselho, de 19 de Fevereiro de 2004 (JO L 70, p. 1), isto é, após a adopção da decisão impugnada, para incluir os direitos anteriores protegidos pela legislação comunitária.

165    Para o IHMI, essas alterações não devem ter incidência no caso vertente, uma vez que ocorreram após a adopção da decisão impugnada. De qualquer modo, o IHMI assinala que o artigo 13.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 2081/92 está redigido em termos análogos aos do artigo L. 641‑2 do Código Rural.

 Argumentos da Anheuser‑Busch

166    A Anheuser‑Busch, considerando que, por força do artigo L. 641‑2 do Código Rural, se exige a notoriedade para obter a protecção de um produto diferente daquele para o qual se protege a denominação de origem, analisa a questão de saber se tal notoriedade existe no caso vertente.

167    Segundo a Anheuser‑Busch, a Budvar nunca alegou a existência de uma notoriedade actual junto do público francês, nem sequer provou essa notoriedade. A Anheuser‑Busch acrescenta que tampouco se fez alusão à utilização das denominações de origem em França e assinala, a este respeito, que a Budvar não apresentou facturas, anúncios publicitários, brochuras, números relativos às vendas ou aos custos de publicidade, às quotas do mercado ou ao conhecimento das denominações de origem.

168    A Budvar defendeu, isso sim, que as denominações de origem têm uma «notoriedade intrínseca» que se deve presumir, que é totalmente independente de qualquer utilização do nome geográfico em França e da percepção que dele tem o consumidor. Em apoio desta tese, a Budvar argumentou que a notoriedade de uma denominação de origem deve ser provada no momento em que a sua protecção é pedida em França junto do Instituto Nacional de Denominações de Origem.

169    Todavia, para a Anheuser‑Busch, a prova dessa notoriedade só é exigida para a protecção das denominações de origem francesas. A notoriedade em França não é exigida para o reconhecimento das denominações de origem estrangeiras. Existem centenas de denominações de origem registadas, com efeitos em França ao abrigo do Acordo de Lisboa, completamente desconhecidas da grande maioria do público francês. A Anheuser‑Busch remete para a sua contestação apresentada em 18 de Fevereiro de 2002 na Câmara de Recurso, que junta em anexo às suas contestações apresentadas no Tribunal de Primeira Instância, e, em particular, para o parecer de um advogado em França, especialista em propriedade intelectual.

170    Referindo‑se aos acórdãos proferidos pela cour d’appel de Paris nos processos Habana e Champagne, a Anheuser‑Busch acrescenta que nunca se demonstrou que as denominações de origem em causa nos presentes processos tenham sido utilizadas em França nem que tenham adquirido notoriedade junto do público francês.

171    Por estas razões, as conclusões da Câmara de Recurso na decisão impugnada, em particular, as que constam dos n.os 49 a 53 desta decisão, estão correctas.

172    Por outro lado, a Anheuser‑Busch salienta que o artigo L. 641‑2 do Código Rural condiciona a protecção de uma denominação de origem contra a utilização de um termo protegido para produtos diferentes à circunstância de a notoriedade dessa denominação ser susceptível de ser desviada ou enfraquecida.

173    Segundo a Anheuser‑Busch, uma notoriedade que não existe não pode ser desviada ou enfraquecida na acepção do artigo L. 641‑2 do Código Rural. A Budvar não conseguiu demonstrar qualquer desvio ou enfraquecimento das denominações de origem.

174    No que respeita às alegações da Budvar relativas ao alegado comportamento malicioso da Anheuser‑Busch, estas não são pertinentes e são claramente intempestivas. Além disso, não são apoiadas em factos ou em provas pertinentes, sendo, na verdade, simplesmente falsas. A Anheuser‑Busch considera ainda que a atitude de uma parte não desempenha qualquer papel em saber se a utilização de um sinal conduz a um prejuízo potencial ou a um desvio da notoriedade de outro sinal.

175    De qualquer forma, com base nos argumentos apresentados a título complementar, a Anheuser‑Busch considera que a oposição da Budvar devia ser indeferida à luz do artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94.

176    Em primeiro lugar, a Anheuser‑Busch considera que uma das razões para o indeferimento da oposição consiste na explicação insuficiente dada pela Budvar quanto ao direito aplicável ao caso vertente. Em segundo lugar, a Anheuser‑Busch alega a falta de prova da utilização na vida comercial, em França, das denominações de origem, antes do depósito de pedido de marca. Em terceiro lugar, segundo a Anheuser‑Busch, a Budvar não apresentou qualquer prova de que a utilização dos sinais em causa foi mais importante do que uma simples utilização local. Em quarto lugar, a Anheuser‑Busch sustenta que as denominações de origem em causa não são válidas, dado que não respeitam as condições de reconhecimento previstas no Acordo de Lisboa.

b)     Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

177    Em primeiro lugar, considerando que o artigo L. 642‑1, quarto parágrafo, do Código Rural era aplicável ao caso vertente e que os produtos abrangidos pela marca figurativa pedida e os abrangidos pelas denominações de origem em causa eram diferentes, a Câmara de Recurso indicou:

«É inegável que as denominações de origem francesas só são protegidas em França se a sua notoriedade for devidamente comprovada [...] [e] não se pode presumir que as denominações de origem estrangeiras protegidas em França ao abrigo do Acordo de Lisboa possuem notoriedade em França.» (n.° 50 da decisão impugnada)

178    Em segundo lugar, a Câmara de Recurso esclareceu:

«Quando uma denominação de origem estrangeira é protegida em França ao abrigo do Acordo de Lisboa, só beneficia de protecção em relação a produtos diferentes se se provar que possui notoriedade em França e que a sua utilização para produtos diferentes desvia ou enfraquece essa notoriedade.» (n.° 51 da decisão impugnada)

179    Em terceiro lugar, a Câmara de Recurso declarou:

«[A Budvar] não só não provou que as denominações de origem possuem notoriedade em França, como também não demonstrou como é que a notoriedade das denominações de origem, admitindo que exista, seria susceptível de ser desviada ou enfraquecida se [a Anheuser‑Busch] fosse autorizada a utilizar uma marca figurativa com o termo ‘Budweiser’ para os produtos pedidos das classes 16, 21, 25 e 30.» (n.° 53 da decisão impugnada)

180    Os argumentos da Budvar constantes da segunda parte do fundamento único põem em relevo, na realidade, dois erros alegadamente cometidos pela Câmara de Recurso.

181    Em primeiro lugar, a Budvar considera, em substância, que as condições impostas pelo artigo L. 641‑2, quarto parágrafo do Código Rural, para conferir, no âmbito de produtos não similares, protecção em França às denominações de origem registadas por outro país ao abrigo do Acordo de Lisboa, e em particular a necessidade de demonstrar a existência de risco de desvio ou de enfraquecimento da notoriedade das referidas denominações, são mais restritivas do que as condições impostas pelo Acordo de Lisboa. Por conseguinte, o nome geográfico que constitui uma denominação de origem registada ao abrigo do Acordo de Lisboa é protegido, independentemente dos produtos visados pela marca posterior, sem que seja necessário demonstrar a existência de qualquer notoriedade ou de risco de desvio ou de enfraquecimento da referida notoriedade.

182    Neste contexto, a Budvar precisou, na audiência, que em virtude do artigo 55.° da Constituição Francesa, os tratados ou acordos regularmente ratificados ou aprovados têm, desde o momento da sua publicação, uma autoridade superior à das leis, sob reserva, em relação a cada acordo ou tratado, de a outra parte os aplicar. Em consequência, as disposições legislativas francesas anteriores ou mesmos posteriores à entrada em vigor desse texto devem ser interpretadas em conformidade com os termos do Acordo de Lisboa. A Budvar acrescentou que criticava a forma como os órgãos jurisdicionais francesas aplicavam o Acordo de Lisboa.

183    Seguidamente, e em todo o caso, a Budvar considera que se pode presumir a notoriedade das denominações de origem em causa e que o risco de desvio ou de enfraquecimento dessa notoriedade foi demonstrado.

 Quanto à conformidade das condições impostas pelo artigo L. 641‑2, quarto parágrafo, do Código Rural com as disposições do Acordo de Lisboa relativamente a produtos não similares

184    Entre os Estados actualmente membros da União Europeia, a República Francesa, a República da Hungria, a República Italiana, a República Portuguesa, a República Checa e a República Eslovaca eram partes contratantes no Acordo de Lisboa, à época da adopção da decisão impugnada.

185    Em primeiro lugar, nos termos do Acordo de Lisboa, há que salientar a ligação estreita que existe entre a denominação de origem e o respectivo produto e a protecção dela decorrente. Mais particularmente, as partes contratantes no Acordo de Lisboa obrigam‑se a proteger, nos termos artigo 1.°, n.° 2, deste acordo, as denominações de origem de «produtos» de outros países. Nos termos da regra 5, n.° 2, alínea vi), do Regulamento de Execução do Acordo de Lisboa, o pedido internacional de registo de uma denominação de origem ao abrigo do referido acordo deve especificar «o produto a que se aplica essa denominação».

186    Em segundo lugar, o artigo 2.°, n.° 1, do Acordo de Lisboa prevê que o produto que beneficie da denominação de origem deve retirar exclusiva ou essencialmente a sua qualidade ou as suas características do meio geográfico, que inclui os factores naturais e humanos. Por outro lado, a protecção prevista no artigo 3.° do Acordo de Lisboa visa os casos em que a denominação de origem registada é usurpada ou imitada. Neste âmbito, a protecção de uma denominação de origem contra qualquer usurpação ou imitação aplica‑se quando os produtos em causa são idênticos ou similares. Esta protecção destina‑se a assegurar que a qualidade ou as características do produto em causa, que decorrem do seu meio geográfico, incluindo os factores naturais e humanos, não sejam objecto de apropriação ou de reprodução ilícita.

187    Em terceiro lugar, o artigo 3.° do Acordo de Lisboa dispõe que a protecção será assegurada «ainda que se indique a verdadeira origem do produto» ou que a denominação protegida seja traduzida ou acompanhada por termos como «género», «tipo», «maneira», «imitação» ou outros semelhantes. Tendo em conta os termos empregues, estas indicações só têm sentido quando os produtos são idênticos ou, pelo menos, similares.

188    Por conseguinte, importa observar que a protecção conferida ao abrigo do Acordo de Lisboa se aplica, sem prejuízo de uma eventual extensão dessa protecção por uma parte contratante no seu território, quando os produtos abrangidos pela denominação de origem em causa e os abrangidos pelo sinal que é susceptível de o prejudicar são idênticos ou, pelo menos, similares.

189    Por outro lado, sem que seja necessário proceder a uma análise por analogia, importa referir que, a nível comunitário, o Regulamento (CEE) n.° 2081/92 do Conselho, de 14 de Julho de 1992, relativo à protecção das indicações geográficas e denominações de origem dos produtos agrícolas e dos géneros alimentícios, conforme aplicável à época dos factos, contém, no seu artigo 13.°, n.° 1, alínea b), disposições próximas das contidas no artigo 3.° do Acordo de Lisboa e também expressamente, no seu artigo 13.°, n.° 1, alínea a), disposições que prevêem, sob determinadas condições, a protecção das denominações registadas a nível comunitário quando os produtos em causa não são comparáveis aos registados sob essas denominações.

190    Não decorre da jurisprudência, designadamente do acórdão do Tribunal de Justiça de 4 de Março de 1999, Consorzio per la tutela del formaggio Gorgonzola (C‑87/97, Colect., p. I‑1301), nem tampouco das conclusões apresentadas pelo advogado‑geral F. G. Jacobs nesse processo (Colect., p. I‑1304), que o artigo 13.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 2081/92 tenha sido interpretado no sentido de que a protecção conferida ao abrigo deste artigo se aplica quando os produtos em causa são diferentes, sendo esta situação regulada pelo artigo 13.°, n.° 1, alínea a), do mesmo regulamento.

191    Neste contexto, cumpre observar que, se a leitura dos termos do Acordo de Lisboa proposta pela Budvar, no sentido de alargar a protecção das denominações de origem a todos os produtos, independentemente de serem idênticos, similares ou diferentes, correspondesse à vontade dos redactores do referido acordo, tal teria por consequência, no momento da adopção do Regulamento n.° 2081/92, colocar certos Estados‑Membros, que são igualmente partes contratantes nesse acordo, numa situação contraditória. Com efeito, apesar de o artigo 13.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 2081/92 e de o artigo 3.° do Acordo de Lisboa terem uma redacção quase idêntica, a protecção das denominações de origem registadas a nível comunitário ou ao abrigo do Acordo de Lisboa difere bastante no seio do mercado único, para produtos diferentes, em função da aplicação de uma ou de outra das disposições referidas.

192    Todavia, o facto de a protecção acordada ao abrigo do Acordo de Lisboa só ser válida quando os produtos abrangidos pela denominação de origem em causa e os abrangidos pelo sinal susceptível de a prejudicar forem idênticos ou, pelo menos, similares não impede que as partes contratantes no Acordo de Lisboa possam prever, na sua ordem jurídica nacional, uma protecção mais alargada.

193    O artigo 4.° do Acordo de Lisboa enuncia, por outro lado, que as disposições deste acordo não excluem de modo algum a protecção já existente a favor das denominações de origem em cada uma das partes contratantes, em virtude de outros instrumentos internacionais ou em virtude da legislação nacional ou da jurisprudência.

194    O disposto no artigo L. 641‑2, quarto parágrafo, do Código Rural, reproduzido no artigo L. 115‑5, quarto parágrafo, do Código do Consumo, tal como aplicado pelos órgãos jurisdicionais franceses à protecção das denominações de origem registadas ao abrigo do Acordo de Lisboa, inscreve‑se nesta lógica.

195    Ao preverem que o nome geográfico que constitui uma denominação de origem ou qualquer outra menção que a evoque não podem ser utilizados para nenhum produto similar, essas disposições permitem às denominações de origem registadas ao abrigo do Acordo de Lisboa beneficiar da protecção prevista no artigo 3.° deste acordo contra qualquer imitação ou usurpação. Neste contexto, se os produtos em causa fossem idênticos ou similares, as denominações de origem invocadas pela Budvar, e reproduzidas no n.° 16 supra, podiam ser protegidas ao abrigo do direito francês, sem que fosse necessário demonstrar que essas denominações beneficiam de notoriedade no território francês nem, por maioria de razão, que essa notoriedade é susceptível de ser desviada ou enfraquecida.

196    Por outro lado, ao prever que o nome geográfico que constitui a denominação de origem ou qualquer outra menção que a evoque não podem ser utilizados para nenhum outro produto ou serviço quando essa utilização for susceptível de desviar ou de enfraquecer a notoriedade da denominação de origem, o disposto no artigo L. 641‑2, quarto parágrafo, Código Rural, reproduzido no artigo L. 115‑5, quarto parágrafo, do Código do Consumo, permite que as denominações de origem registadas ao abrigo do Acordo de Lisboa beneficiem de uma protecção mais alargada do que a prevista por este acordo. Esta protecção mais alargada está, porém, sujeita a determinadas condições.

197    Resulta do que precede que, contrariamente ao que defende a Budvar em substância, as condições estabelecidas pelo artigo L. 641‑2, quarto parágrafo, do Código Rural, no que respeita a produtos não similares, não são mais restritivas do que as condições impostas pelo Acordo de Lisboa.

198    A título subsidiário, o Tribunal de Primeira Instância observa que a própria Secretaria Internacional da OMPI, que administra o Acordo de Lisboa, sublinhou, num documento público de 8 de Junho de 2000, intitulado «Soluções possíveis em caso de conflito entre marcas e indicações geográficas e em caso de conflito entre indicações geográficas homónimas», disponível no sítio Internet da OMPI com a referência SCT/5/3 e distribuído na quinta sessão do Comité Permanente de Direito de Marcas, Desenhos e Modelos e Indicações Geográficas, o seguinte:

«Qualquer utilizador legítimo de uma indicação geográfica tem o direito de impedir a utilização dessa indicação geográfica se os produtos para os quais é utilizada não tiverem a origem geográfica indicada. Como as marcas, as indicações geográficas estão sujeitas ao princípio da ‘especialidade’, isto é, só são protegidas em relação ao tipo de produtos para os quais são verdadeiramente utilizadas, e ao princípio da «territorialidade», isto é, só são protegidas em relação a um território determinado e estão sujeitas às leis e regulamentos aplicáveis nesse território. Abre‑se uma excepção ao princípio da especialidade para as indicações geográficas de renome. Actualmente, os tratados administrados pela OMPI ou o acordo sobre os [aspectos dos direitos de propriedade intelectual relativos ao comércio] não prevêem o alargamento da protecção a essa categoria particular de indicações geográficas» (n.° 20 do documento SCT/5/3.)

 Quanto à prova da notoriedade das denominações de origem em causa no território francês em relação a produtos não similares

199    Em primeiro lugar, importa recordar, como referido no n.° 188 supra, que a protecção conferida pelo Acordo de Lisboa se aplica quando os produtos em causa são idênticos ou similares.

200    Em segundo lugar, importa assinalar que os produtos em causa no processo T‑57/04, isto é, os produtos abrangidos pela marca figurativa pedida – que pertencem às classes 16, 21, 25, 30, sendo os produtos da classe 32 objecto do processo T‑71/04 − e os produtos abrangidos pelas denominações de origem invocadas pela Budvar ao abrigo do artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94 – que pertencem à classe 32 – são diferentes. Nenhuma das partes no litígio põe em causa este facto que foi, aliás, sublinhado pela Câmara de Recurso.

201    Em terceiro lugar, por força do disposto no artigo L. 641‑2, quarto parágrafo, do Código Rural, reproduzido no artigo L. 115‑5, quarto parágrafo, do Código do Consumo, tal como aplicado pelos órgãos jurisdicionais franceses à protecção das denominações de origem registadas ao abrigo do Acordo de Lisboa, o nome geográfico que constitui a denominação de origem ou qualquer outra menção que a evoque não podem ser utilizados para nenhum outro produto ou serviço quando essa utilização for susceptível de desviar ou de enfraquecer a notoriedade da denominação de origem. Como observado no n.° 196 supra, esta disposição permite às denominações de origem registadas ao abrigo do Acordo de Lisboa beneficiar de uma protecção mais alargada do que a prevista por este acordo.

202    Em quarto lugar, neste âmbito, em conformidade com o princípio da territorialidade, a protecção das denominações de origem é regulada pelo direito do país no qual a protecção é pedida (acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de Novembro de 1992, Exportur, C‑3/91, Colect., p. I‑5529, n.° 12). Esta protecção é, pois, determinada pelo direito desse país, tendo em conta as circunstâncias de facto aí verificadas.

203    Em quinto lugar, há que referir que a notoriedade das denominações de origem depende da imagem de que gozam junto dos consumidores. Por sua vez, esta imagem depende essencialmente das características particulares e, mais genericamente, da qualidade do produto. É nesta última que assenta, em definitivo, a notoriedade, maior ou menor, do produto.

204    Resulta destes elementos que a Câmara de Recurso não cometeu um erro ao considerar que a Budvar devia ter provado que as denominações de origem em causa beneficiavam de notoriedade no território francês. Esta prova devia, nomeadamente, permitir determinar a imagem de que gozam as denominações de origem em causa junto dos consumidores franceses.

205    A Câmara de Recurso considerou que a Budvar não tinha feito prova dessa notoriedade no território francês. A Budvar não pôs em causa, no Tribunal de Primeira Instância, em particular na sua petição inicial, a apreciação fáctica da Câmara de Recurso quanto a esse ponto. Com efeito, a Budvar defende que a notoriedade das denominações de origem em causa se pode presumir em virtude das disposições do direito francês ou do registo efectuado ao abrigo do Acordo de Lisboa.

206    Cumpre observar que as presunções de notoriedade aduzidas pela Budvar não podem ser consideradas elementos objectivos que permitam conhecer concretamente da notoriedade das denominações de origem em causa no território francês, nem, se for caso disso, determinar a sua dimensão.

207    A este respeito, importa sublinhar que a cour d’appel de Paris, no acórdão Habana, n.° 106 supra, indicou que era «incontestável e [que tinha ficado] amplamente comprovado pelos documentos constantes dos autos (nomeadamente o extracto do livro La grande histoire du cigare e diversos extractos da imprensa) que o charuto havano proveniente de Cuba goza de um prestígio incontestável e é comummente considerado como um dos melhores do mundo». Daqui resulta que, para verificar se nesse caso as condições impostas pelo artigo L. 115‑5, quarto parágrafo, do Código do Consumo, que reproduz o disposto no artigo L. 641‑2, quarto parágrafo, do Código Rural, estavam reunidas, a cour d’appel de Paris se baseou em elementos objectivos e não presumiu a notoriedade das denominações de origem em causa nesse processo. Foram os elementos objectivos que lhe permitiram chegar à conclusão que a notoriedade da denominação de origem em causa era «excepcional» e considerar, por outro lado, que o desvio da notoriedade de uma denominação de origem tão evocativa e «prestigiosa» comportava o risco de provocar um enfraquecimento da mesma, nomeadamente em França.

208    No que respeita especificamente às disposições do direito francês referidas pela Budvar, cumpre observar que o artigo L. 641‑2, segundo parágrafo, do Código Rural não permite presumir qualquer notoriedade das denominações de origem em causa no território francês. Essa disposição prevê: «Nas condições a seguir previstas, [os produtos agrícolas ou alimentares, em natureza ou transformados] poderão beneficiar de uma denominação de origem controlada se cumprirem o disposto no artigo L. 115‑1 do Código do Consumo, possuírem uma notoriedade devidamente comprovada e forem objecto de procedimentos de autorização». Como correctamente observado pela Câmara de Recurso, em substância, esta disposição não se aplica às denominações de origem registadas ao abrigo do Acordo de Lisboa, dizendo antes respeito ao processo de obtenção de uma «denominação de origem controlada» em França. Por conseguinte, desta disposição não pode decorrer qualquer presunção de notoriedade, no território francês, para as denominações de origem registadas ao abrigo do Acordo de Lisboa.

209    Esta conclusão não é afectada pela circunstância de, por outro lado, os órgãos jurisdicionais franceses aplicarem o disposto no artigo L. 115‑5, quarto parágrafo, do Código do Consumo, que reproduz o disposto no artigo L. 641‑2, quarto parágrafo, do Código Rural, para conceder uma protecção alargada às denominações de origem registadas ao abrigo do Acordo de Lisboa, quando os produtos em causa são diferentes. Com efeito, importa distinguir entre as condições de reconhecimento das denominações de origem e as condições da sua protecção ao abrigo do direito francês. Consequentemente, ainda que os órgãos jurisdicionais franceses atribuam às denominações de origem registadas ao abrigo do Acordo de Lisboa uma protecção mais alargada do que a prevista por esse acordo, em conformidade, designadamente, com o disposto no artigo L. 641‑2, quarto parágrafo, do Código Rural, reproduzido no artigo L. 115‑5, quarto parágrafo, do Código do Consumo, isto não significa que essas denominações de origem beneficiem de uma presunção da notoriedade com base num processo de reconhecimento aplicável às denominações de origem controladas registadas em França. Além do mais, há que sublinhar, que essa presunção da notoriedade com base no artigo L. 641‑2, segundo parágrafo, do Código Rural, não resulta dos documentos constantes dos autos, nem, em particular, do acórdão Habana da cour d’appel de Paris, n.° 106 supra.

210    No que respeita às disposições do Acordo de Lisboa, estas tampouco permitem presumir a notoriedade, no território francês, das denominações de origem invocadas pela Budvar. Importa desde já recordar, como indicado no n.° 188 supra, que a protecção conferida por esse acordo não visa situações em que, como no caso vertente, os produtos em causa são diferentes. Por conseguinte, tratando‑se de produtos diferentes, o Acordo de Lisboa não pode incidir sobre a prova da notoriedade das denominações de origem em causa no território francês. Por outro lado, de um ponto de vista factual, importa assinalar que, ainda que o artigo 2.° do Acordo de Lisboa preveja que «[o] país de origem é aquele cujo nome, ou no qual está situada a região ou localidade cujo nome constitui a denominação de origem que deu ao produto a sua notoriedade», não se pode inferir desta disposição que as denominações de origem registadas ao abrigo do Acordo de Lisboa beneficiam de notoriedade no território de cada uma das partes contratantes do referido acordo.

211    Resulta de todos estes elementos que a Câmara de Recurso não cometeu um erro ao considerar que a Budvar não tinha provado que as denominações de origem possuem notoriedade em França e que, deste modo, no caso vertente, faltava um dos elementos compreendidos no âmbito de aplicação da protecção conferida pelo artigo L. 641‑2, quarto parágrafo, do Código Rural, reproduzido no L. 115‑5, quarto parágrafo, do Código do Consumo.

212    A título exaustivo, importa referir que a Câmara de Recurso não só constatou que a Budvar não tinha provado que as denominações de origem em causa possuíam notoriedade no território francês, como acrescentou que a Budvar não tinha conseguido «demonstrar como é que a notoriedade das denominações de origem, admitindo que exista, seria susceptível de ser desviada ou enfraquecida se a [Anheuser‑Busch] fosse autorizada a utilizar uma marca figurativa com o termo ‘Budweiser’ para os produtos pedidos das classes 16, 21, 25 e 30» (n.° 53 da decisão impugnada).

213    Importa sublinhar que o disposto no artigo L. 641‑2, quarto parágrafo, do Código Rural, reproduzido no artigo L. 115‑5, quarto parágrafo, do Código do Consumo, precisam que o nome geográfico que constitui a denominação de origem ou qualquer outra menção que a evoque não podem ser utilizados para nenhum produto similar nem «para nenhum outro produto ou serviço» quando «essa utilização» for susceptível de desviar ou de enfraquecer a notoriedade da denominação de origem. É pois a utilização do nome geográfico que constitui a denominação de origem para um «produto» ou um «serviço» particular que deve ser susceptível de desviar ou enfraquecer a notoriedade da denominação de origem. Esse produto ou esse serviço entra, assim, necessariamente em linha de conta na apreciação do risco de desvio ou de enfraquecimento da notoriedade da denominação de origem.

214    Esta leitura é confirmada pela jurisprudência francesa, designadamente, pelo acórdão Habana da cour d’appel de Paris (n.° 106 supra).

215    As seguintes afirmações foram proferidas pela cour d’appel de Paris nesse acórdão:

«Considerando que a sociedade Aramis lançou no mercado e distribui um perfume masculino sob a designação ‘havana’ […]; que a forma do frasco […] evoca, em virtude da sua forma oblonga coroada por uma tampa cinzenta metalizado, a forma de um charuto a consumir‑se […]

Considerando que não é contestado que o lançamento de um novo perfume comporta um risco financeiro significativo e que convém, a fim de diminuir esse risco, seduzir o público, que desconhece a fragrância, fazendo nascer no espírito deste uma imagem particularmente atractiva através do poder evocador que pode veicular […]

Que a escolha […] do termo ‘havana’ para promover um perfume de luxo masculino não é fruto de mera coincidência mas sim da vontade deliberada da sociedade de veicular, através do poder evocador, particularmente forte, de que é portador, a imagem prestigiosa, sensual e de bom gosto a que se associa o charuto de Havana e que as espirais de fumo evidenciam […]»

216    Daqui decorre que a cour d’appel de Paris se baseou, em larga medida, no produto afectado pela utilização do nome geográfico que constitui a denominação de origem em causa para concluir que a notoriedade dessa denominação era susceptível de ser desviada ou enfraquecida.

217    Além disso, esta abordagem foi seguida pelos órgãos jurisdicionais franceses no âmbito da protecção das denominações de origem controlada francesas. Assim, a cour d’appel de Paris, no seu acórdão de 15 de Dezembro de 1993, relativo à protecção da denominação de origem controlada Champagne, acórdão igualmente fornecido pela Budvar perante as instâncias do IHMI, precisou que, «ao adoptar o termo Champagne para o lançamento de um novo perfume de luxo, ao optar por uma apresentação evocadora da rolha característica das garrafas desse vinho e ao utilizar nas mensagens publicitárias a imagem e as sensações gustativas, de alegria e de festa que este evoca, os recorrentes pretenderam criar um efeito atractivo emprestado pelo prestígio da denominação controvertida».

218    No caso vertente, há que assinalar que a Budvar não forneceu nas instâncias do IHMI e, em particular, na Câmara de Recurso elementos que demonstrassem que a utilização do nome geográfico em causa, especificamente para os produtos visados pela marca figurativa pedida, e pertencentes às classes 16, 21, 25 e 30, era susceptível de desviar ou de enfraquecer a notoriedade – partindo do princípio de que a sua existência no território francês foi demonstrada – das denominações de origem em causa. Importa acrescentar que, dado que se trata de uma pura conjectura, cabe à Budvar precisar suficientemente o seu pedido para permitir ao IHMI pronunciar‑se plenamente sobre as suas pretensões.

219    Atendendo a todas as razões que precedem, a segunda parte do fundamento único apresentado pela Budvar deve ser julgada improcedente.

220    Consequentemente, sem que seja necessário que o Tribunal se pronuncie sobre as alegações formuladas pela Anheuser‑Busch a título complementar, deve ser negado provimento ao recurso apresentado pela Budvar na sua totalidade. Além do mais, no que respeita aos argumentos complementares apresentados pela Anheuser-Busch, e na medida em que devem ser considerados um fundamento autónomo baseado no artigo 134.º, n.º 2, do Regulamento de Processo, importa observar que esse fundamento é incompatível com os próprios pedidos do interveniente, devendo, pois, ser considerado improcedente [v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 16 de Novembro de 2006, Jabones Pardo/IHMI‑Quimi Romar (YUKI), T‑278/04, ainda não publicado na Colectânea, n.os 44 e 45]. Com efeito, os argumentos complementares aduzidos pela Anheuser-Busch visam contestar, em substância, certos aspectos factuais e jurídicos admitidos pela Câmara de Recurso. Ora, a Anheuser-Busch não pediu a anulação nem a alteração da decisão recorrida, em conformidade com o artigo 134.º, n.º 3, do Regulamento de Processo.

II –  Processo T‑71/04

221    Por carta endereçada à Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 8 de Maio de 2007, a Anheuser-Busch informou o Tribunal de que tinha retirado o seu pedido de registo de marca comunitária para os produtos da classe 32. A Anheuser-Busch apresentou uma cópia do acto de retirada do pedido de registo, transmitido ao IHMI em 8 de Maio de 2007.

222    Na medida em que o objecto do recurso no processo T‑71/04 consiste especificamente no registo da marca pedida para os produtos da classe 32, a Anheuser-Busch considera que não há que dar seguimento ao processo no Tribunal de Primeira Instância.

223    A Anheuser‑Busch deixa ao critério do Tribunal de Primeira Instância a adopção de uma decisão adequada quanto às despesas.

224    Após a reabertura da fase oral decidida mediante despacho de 14 de Maio de 2007, o Tribunal de Primeira Instância convidou o IHMI e a Budvar a apresentarem a suas observações quanto ao pedido de não conhecimento do mérito apresentado pela Anheuser‑Busch, que o fizeram dentro dos prazos previstos.

225    Por carta endereçada à Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 16 de Maio de 2007, o IHMI confirmou que o pedido de registo da marca comunitária, para os produtos da classe 32, tinha sido retirado e indicou que já não havia necessidade de conhecer do mérito do processo T‑71/04. O IHMI pede ao Tribunal de Primeira Instância que não o condene nas despesas.

226    Por carta endereçada à Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 22 de Maio de 2007, a Budvar tomou nota da retirada do pedido de registo de marca comunitária para os produtos da classe 32 e expressou o desejo de que o Tribunal decidisse sobre as despesas.

227    A fase oral foi novamente declarada encerrada em 24 de Maio de 2007.

228    Em conformidade com o artigo 113.º do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, basta, no caso vertente, constatar que, tendo em conta a retirada do pedido de registo para os produtos da classe 32, o recurso no processo T‑71/04 ficou sem objecto. Não há, pois, que conhecer do mérito da causa.

 Quanto às despesas

I –  Processo T‑57/04

229    Por força do disposto no artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

230    Tendo a Budvar sido vencida no processo T‑57/04, há que a condenar nas despesas, em conformidade com os pedidos do IHMI e da Anheuser‑Busch.

II –  Processo T‑71/04

231    Nos termos do artigo 87.º, n.º 6, do Regulamento de Processo, se não houver lugar a decisão de mérito, o Tribunal decide livremente quanto às despesas.

232    No caso vertente, o Tribunal de Primeira Instância considera que as circunstâncias justificam a condenação da Anheuser-Busch nas despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quinta Secção alargada)

decide:

1)      No processo T‑57/04:

–        É negado provimento ao recurso;

–        A Budějovický Budvar, národní podnik é condenada nas despesas.

2)      No processo T‑71/04:

–        Não há que conhecer do mérito da causa;

–        A Anheuser‑Busch, Inc. é condenada nas despesas.

Vilaras

Martins Ribeiro

Dehousse

Šváby

 

       Jürimäe

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 12 de Junho de 2007.

O secretário

 

       O presidente


Índice

Quadro jurídico

I –  Direito internacional

II –  Direito comunitário

III –  Direito nacional

Antecedentes do litígio

I –  Pedido de marca comunitária apresentado pela Anheuser‑Busch

II –  Oposição deduzida contra o pedido de marca comunitária

III –  Decisão da Divisão de Oposição

IV –  Decisões da Segunda Câmara de Recurso do IHMI

Pedidos das partes

I –  Processo T‑57/04

II –  Processo T‑71/04

Questão de direito

I –  Processo T‑57/04

A –  Quanto à admissibilidade do segundo pedido da Budvar

B –  Quanto ao mérito

1.  Quanto à primeira parte, relativa à inaplicabilidade do artigo L. 641‑2, quarto parágrafo, do Código Rural.

a)  Argumentos das partes

Argumentos da Budvar

Argumentos do IHMI

Argumentos da Anheuser‑Busch

b)  Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

2.  Quanto à segunda parte, a título subsidiário, relativa à aplicação errada pela Câmara de Recurso do artigo L. 641‑2, quarto parágrafo, do Código Rural

a)  Argumentos das partes

Argumentos da Budvar

Argumentos do IHMI

–  Quanto à necessidade de provar a notoriedade da denominação de origem

–  Quanto ao desvio ou ao enfraquecimento da notoriedade da denominação de origem

Argumentos da Anheuser‑Busch

b)  Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

Quanto à conformidade das condições impostas pelo artigo L. 641‑2, quarto parágrafo, do Código Rural com as disposições do Acordo de Lisboa relativamente a produtos não similares

Quanto à prova da notoriedade das denominações de origem em causa no território francês em relação a produtos não similares

II –  Processo T‑71/04

Quanto às despesas

I –  Processo T‑57/04

II –  Processo T‑71/04


* Língua do processo: inglês.