Language of document : ECLI:EU:C:2005:183

CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

CHRISTINE STIX‑HACKL

apresentadas em 14 de Março de 2006 1(1)

Processo C‑475/03

Banca Popolare di Cremona

contra

Agenzia Entrate Ufficio Cremona

(pedido de decisão prejudicial apresentado por Commissione Tributaria di Cremona)

«IVA – Impostos internos – Imposto regional sobre as actividades produtivas»





 Introdução

 Tramitação processual

1.        No presente processo, a Commissione Tributaria Provinciale (Tribunal Tributário Regional) de Cremona pergunta se o artigo 33.°, n.° 1, da Sexta Directiva IVA (2) se opõe à cobrança, em Itália, de um imposto como o imposta regionale sulle attività produttive (imposto regional sobre as actividades produtivas), mais conhecido pelo acrónimo «IRAP». No processo principal, a Banca Popolare di Cremona (a seguir «Banca Popolare») pede o reembolso de vários montantes que pagou a esse título em 1998 e 1999.

2.        Depois de a Banca Popolare, o Governo italiano e a Comissão terem apresentado as suas observações escritas e as suas alegações, o advogado‑geral F. G. Jacobs apresentou as suas conclusões, em 17 de Março de 2005 (3), tendo concluído que um imposto nacional que:

–      é liquidado relativamente a todas pessoas singulares e colectivas que exercem uma actividade regular de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços;

–      é a aplicação à diferença entre os proveitos e os custos da actividade tributável;

–      é cobrado em cada uma das fases do processo de produção e distribuição que corresponde a um fornecimento ou conjunto de fornecimentos de bens ou serviços por um sujeito passivo, e

–      impõe um encargo relativamente a cada uma dessas fases que é globalmente proporcional ao preço de fornecimento dos bens ou serviços

deve ser caracterizado como um imposto sobre o volume de negócios, proibido pelo artigo 33.°, n.° 1, da Sexta Directiva.

3.        No entanto, uma vez que a devolução de elevados montantes de impostos cobrados em violação da legislação comunitária pode causar uma grave ruptura no financiamento regional em Itália, e porque a Comissão contribuiu, aparentemente, através da sua actuação, para a convicção do Governo italiano de que o IRAP era compatível com a legislação comunitária, também recomendou que o Tribunal de Justiça sujeitasse os efeitos da sua decisão a uma limitação no tempo.

4.        Além disso, tendo em conta as diversas tácticas que podem ser adoptadas antes dessa decisão, previu a possibilidade de uma nova abordagem dessa limitação. Observou que alguns tribunais nacionais podem considerar uma medida ilegal e, simultaneamente, para deixar tempo suficiente à adopção de nova legislação, fixarem uma data futura antes da qual os particulares não podem invocar essa ilegalidade em quaisquer acções contra o Estado. No entanto, se for esse o desenrolar previsível da presente acção, considerou ser desejável que o Tribunal de Justiça ouça novos argumentos quanto a esse ponto. Posteriormente, sete Estados‑Membros requereram a reabertura da fase oral para este efeito.

5.        Em 21 de Outubro de 2005, a Grande Secção decidiu reabrir a fase oral, marcou nova audiência para 14 de Dezembro de 2005 e convidou as partes no processo principal, os Estados‑Membros, o Conselho e a Comissão a apresentarem as suas posições sobre as seguintes questões (4):

a)      Quais os critérios de classificação de um imposto como o imposto sobre o volume de negócios na acepção do artigo 33.°, n.° 1, da Sexta Directiva, tendo em conta o objectivo dessa disposição e o funcionamento do mercado?

b)      Em que medida podem ser as transacções bancárias submetidas a esse imposto?

c)      Tendo em conta as conclusões do advogado‑geral F. G. Jacobs, em que circunstâncias e de que modo podem os efeitos de uma decisão do Tribunal de Justiça a título prejudicial ser sujeitas a uma limitação no tempo?

6.        A Banca Popolare, treze Estados‑Membros e a Comissão apresentaram respostas escritas, apesar de apenas alguns Estados‑Membros se terem referido às primeira e segunda questões; a Banca Popolare, doze Estados‑Membros e a Comissão apresentaram alegações na segunda audiência, tendo os Estados‑Membros, mais uma vez, feito incidir a maior parte delas exclusivamente no aspecto da limitação no tempo.

 Características do IRAP

7.        Como observou o advogado‑geral F. G. Jacobs nas suas conclusões, só os tribunais italianos são competentes para determinar as características exactas do IRAP. O papel deste Tribunal é interpretar a legislação comunitária de modo a que o órgão jurisdicional de reenvio possa aplicá‑la de modo útil ao imposto cuja apreciação lhe foi submetida (5). Consequentemente, ao fazê‑lo, este Tribunal tem que aceitar a natureza desse imposto tal como vem descrito no pedido de decisão prejudicial.

8.        Tal descrição é do seguinte teor:

«1)      Como se extrai da definição do artigo 2.° [(6)], o IRAP aplica‑se, de modo generalizado, a todas as operações comerciais de produção ou de troca que tenham por objecto bens e serviços utilizados no exercício habitual de uma actividade dedicada a esse fim, isto é, no exercício de actividades empresariais, artísticas ou profissionais.

Existe aqui, portanto, uma correspondência precisa entre o ‘pressuposto do imposto’ IRAP, designado no referido artigo 2.°, e a área das ‘operações tributáveis’ definida pelo artigo 1.° do decreto que instituiu o IVA e que constitui o pressuposto deste último imposto.

2)      Na acepção do artigo 4.°, primeiro parágrafo, o IRAP incide sobre o valor líquido que resulta da actividade produtiva, ou seja, o valor líquido ‘acrescentado’ ao produto pelo produtor.

O IRAP é portanto um imposto sobre o ‘valor acrescentado’ produzido, sendo pois justamente que se fala de ‘vap’ [(7)] para designar a matéria colectável do novo imposto.

Também a matéria tributável do IRAP coincide portanto, inteiramente, com a do IVA. No IVA, a quantificação e a tributação da fracção ou segmento de valor acrescentado (vap) que se produz ao nível do produtor individual realizam‑se através do mecanismo do método de dedução do imposto ao imposto (o imposto a jusante, pago no momento das aquisições, deduz‑se do imposto a montante, cobrado sobre as vendas). No IRAP a fracção é calculada e tributada, grosso modo, deduzindo do recebido pelas ‘vendas’ o custo de aquisição do ‘vendido’.

Na tributação ‘fraccionada’, o IVA e o IRAP assemelham‑se como duas gotas de água. Não nos deixemos enganar pela diversidade dos expedientes técnicos usados para a medida da matéria tributável e do imposto. No IVA, para determinar o que deve ser pago pelo operador individual, recorre‑se ao expediente de deduzir do IVA que incidiu sobre o que foi vendido o IVA que incidiu sobre o custo do que foi vendido; a diferença, se for positiva para o fisco, é o IVA devido, a partir do qual se pode remontar à determinação quantitativa do valor acrescentado tributado ao nível do operador.

No IRAP o procedimento é invertido.

Não se parte do imposto devido para remontar ao valor acrescentado tributado, partindo‑se pelo contrário do valor acrescentado para dele se remontar ao imposto. Esta diversidade não incide sobre a substância das coisas, que é a seguinte: ambos os impostos tributam, em cada fase do processo de produção e de distribuição, a fracção de valor acrescentado que se formou pela acção de cada um dos produtores que tomou parte no processo produtivo e/ou distributivo. Num caso (IVA), deduzindo o imposto do imposto, no outro (IRAP) subtraindo matéria colectável de matéria colectável, custos de preços.

3)      O IRAP é cobrado em cada uma das fases do processo de produção ou de distribuição, uma vez que cada operador que se insere numa fase do ciclo, produzindo valor acrescentado tributável, é elevado, pela lei, a sujeito passivo do imposto. Se, por hipótese, as fases do ciclo forem três, tendo por titulares Tizio, Caio e Sempronio, todos os três são distinta e autonomamente sujeitos passivos do IRAP, cada um deles sendo tributado na base de 100. O mesmo sucede no IVA.

4)      Há finalmente que observar que o montante do IRAP cobrado nas várias fase do ciclo, da produção à introdução no consumo, é igual à taxa IRAP aplicada ao preço de venda dos bens e serviços praticado ao nível da introdução no consumo. Não obstante o fraccionamento, o IRAP acaba, portanto, por actuar como um imposto geral e proporcional sobre o preço de cessão para consumo dos bens e serviços.»

9.        O advogado‑geral F. G. Jacobs baseou a sua análise nesta descrição e na decisão da Corte Costituzionale italiana (Tribunal Constitucional) no acórdão 256/2001, de 10 de Maio de 2001, que julgou improcedentes várias irregularidades apontadas ao IRAP com base em alegadas incompatibilidades com a Constituição italiana.

10.      Em particular, observou que a Corte Costituzionale referiu que o IRAP «não é aplicação ao rendimento pessoal do sujeito passivo, mas antes ao valor acrescentado produzido por actividades exercidas de forma independente», e que «o encargo económico de imposto pode, na verdade, ser incorporado no preço dos bens ou serviços produzidos, de acordo com as regras do mercado, ou ser total ou parcialmente recuperado através de escolhas empresariais adequadas» (8).

11.      Na medida em que qualquer aspecto da descrição do IRAP pelos tribunais nacionais pode diferir da que consta das questões submetidas ao Tribunal de Justiça – e que a Banca Popolare, o Governo italiano e a Comissão procederam todos à sua própria descrição – o Tribunal de Justiça deve, em princípio, aceitar a descrição constante do pedido de decisão prejudicial. No entanto, a existência e a natureza de tais diferenças pode indicar áreas em que seja útil que o Tribunal de Justiça considere que também o modo como a decisão que vier a proferir se pode vir a aplicar a características ligeiramente diferentes. De qualquer modo, se a apreciação das características do IRAP levada a cabo pelo órgão jurisdicional de reenvio é posta em causa no processo principal, a decisão deste último será provavelmente objecto de recuso com esse fundamento no ordenamento judicial nacional.

 Apreciação

12.      Consequentemente, vou dividir a minha apreciação em duas partes: a primeira relativa à compatibilidade de um imposto como o IRAP, e a segunda relativa à possibilidade da limitação no tempo dos efeitos da decisão.

13.      Em cada uma dessas partes, procederei primeiro a determinadas considerações de ordem geral, incluindo uma retrospectiva da jurisprudência do Tribunal de Justiça, e procurarei em seguida aplicar essas considerações às circunstâncias do presente pedido de decisão prejudicial.

I –    Compatibilidade de um imposto como o IRAP com a Sexta Directiva

A –    Considerações gerais

1.      Impostos proibidos pelo artigo 33.°, n.° 1, da Sexta Directiva

14.      Existe uma quantidade significativa de jurisprudência assente relativa às circunstâncias em que um imposto nacional não é abrangido pela proibição de tributações diferentes das «que não tenham a natureza de impostos sobre o volume de negócios» do artigo 33.°, n.° 1, da Sexta Directiva (9). Em particular, existem determinados critérios específicos consagrados nessa jurisprudência que o tribunal nacional teve obviamente presentes na elaboração da decisão de reenvio, e à luz dos quais o advogado‑geral F. G. Jacobs analisou o IRAP tal como este está descrito nessa decisão (10).

15.      O facto de, ao proceder à reabertura da fase oral, o Tribunal de Justiça ter solicitado a opinião das partes, dos Estados‑Membros e das instituições sobre os critérios de classificação de um imposto como um imposto sobre o volume de negócios na acepção do artigo 33.°, n.° 1, tendo em conta o objectivo dessa disposição e o funcionamento do mercado, pode indiciar que o mesmo Tribunal pondera a possibilidade de rever, esclarecer ou desenvolver esses critérios. Consequentemente, descrevê‑los‑ei com algum pormenor.

2.      Síntese da jurisprudência existente

16.      A jurisprudência do Tribunal de Justiça nesta área inclui, em particular (11), os acórdãos proferidos nos processos Rousseau Wilmot (12), Bergandi (13), Wisselink (14), Giant (15), Dansk Denkavit (16), Bozzi (17), Beaulande (18), Careda (19), UCAL (20), Solisnor (21), SPAR (22), Pelzl (23), EKW (24), Tulliasiamies (25) e GIL Insurance (26). Observe‑se que só os acórdãos nos processos Bergandi, Wisselink e Dansk Denkavit foram proferidos pelo Tribunal Pleno, tendo os outros sido proferidos pelas secções.

17.      Nesta jurisprudência, que abarca um período de quase 20 anos, podem distinguir‑se determinados estádios e um certo desenvolvimento.

18.      Primeiro, o Tribunal de Justiça levou em conta os objectivos da legislação relativa ao IVA e o objectivo da proibição de outros tipos de impostos sobre o volume de negócios. Em seguida, definiu determinadas características do IVA que, a existirem noutro imposto nacional, o fazem cair no âmbito da proibição. Por último, na análise dos vários impostos nacionais em causa, identificou várias características específicas que são ou não são admissíveis nesta matéria, bem como algumas outras que não considerou relevantes.

19.      Para a adopção do sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, são identificados três objectivos principais:

–      eliminar e substituir os sistemas de impostos cumulativos em cascata em vigor na maior parte dos Estados‑Membros (27);

–      instituir um mercado comum que permita uma concorrência sã e apresente características análogas às de um mercado interno, eliminando diferenças de tributação susceptíveis de falsear as condições de concorrência e entravar as trocas comerciais (28); e

–      atingir o objectivo da igualdade nas condições de tributação de uma mesma operação, qualquer que seja o Estado‑Membro em que ocorra (29).

20.      O objectivo da proibição de outros impostos sobre o volume de negócios está definido em vários acórdãos (30) como consistindo em evitar que o funcionamento do sistema comum do IVA seja comprometido, sendo especificado que esse resultado decorreria da cobrança de impostos, direitos ou taxas sobre a circulação de bens e serviços de modo comparável ao IVA. No processo Wisselink (31), é feita uma referência de carácter mais genérico à possibilidade de se comprometer os objectivos do sistema comum de IVA no estádio actual do processo de harmonização.

21.      As características do IVA são inicialmente descritas por referência ao artigo 2.° da Primeira Directiva e ao artigo 17.°, n.° 2, da Sexta Directiva: o princípio consiste em aplicar aos bens e serviços, até ao estádio do comércio a retalho, um imposto geral sobre o consumo exactamente proporcional ao preço dos bens e serviços, seja qual for o número de transacções ocorrido no processo de produção e de distribuição anterior ao estádio de tributação; todavia, em cada transacção, o IVA apenas é exigível após se ter procedido à dedução do montante do IVA que onerou directamente o custo dos diversos elementos constitutivos do preço, estando os sujeitos passivos autorizados a deduzir do IVA devido a parte referente ao IVA que já tenha onerado a montante os bens (32).

22.      Seguidamente, do acórdão Dansk Denkavit em diante, foi estabelecida uma lista mais formal de «características essenciais» do IVA, designadamente:

–      a aplicação geral do imposto às transacções que tenham por objecto bens ou serviços;

–      a fixação do seu montante proporcionalmente ao preço recebido pelo sujeito passivo em contrapartida dos bens e dos serviços que forneça;

–      a cobrança do imposto em cada fase do processo de produção e de distribuição, incluindo o da venda a retalho, seja qual for o número de transacções efectuadas anteriormente;

–      a dedução do imposto devido por um sujeito passivo dos montantes pagos nas fases anteriores do processo, pelo que o imposto só se aplica, em determinada fase, ao valor acrescentado nessa fase e a carga final do imposto é, em definitivo, suportada pelo consumidor (33).

23.      As características de um imposto nacional abrangido pela proibição do artigo 33.°, n.° 1, da Sexta Directiva são descritas, primeiro, em termos gerais, como as que têm por efeito comprometer o funcionamento do sistema comum do IVA, agravando a circulação dos bens e dos serviços e onerando as transacções comerciais de modo comparável ao que caracteriza o IVA (34). Nos acórdãos em que são enunciadas as quatro características essenciais do IVA (35), esclarece‑se que se deve considerar que os impostos, direitos e taxas, em todos os casos, oneram a circulação dos bens e dos serviços de modo comparável ao IVA desde que apresentem essas características essenciais. Não é necessário, porém, que sejam em tudo idênticos a ele (36).

24.      Depois, a um nível mais específico, o Tribunal de Justiça só considerou uma vez uma contribuição efectivamente incompatível, no processo Dansk Denkavit, e descreveu as suas características do seguinte modo (37):

–      onerava quer actividades sujeitas ao IVA quer outras actividades de carácter industrial ou comercial que consistem na realização de prestações a título oneroso;

–      era cobrada, no caso de empresas sujeitas ao IVA, com base na mesma matéria colectável que é utilizada para o IVA, isto é, sob a forma de uma percentagem do montante das vendas realizadas, após dedução do montante das aquisições;

–      diversamente do IVA, não era paga na importação, mas com base no preço total de venda das mercadorias importadas no momento da primeira venda efectuada no Estado‑Membro considerado;

–      contrariamente ao IVA, não tinha de ser objecto de menção distinta na factura; e

–      era cobrada paralelamente ao IVA.

25.      No processo Careda (38), o Tribunal de Justiça especificou ainda que, para ser abrangido pela proibição, um imposto tem que ser susceptível de repercussão sobre o consumidor.

26.      Nos restantes acórdãos, porém, o Tribunal de Justiça considerou vários impostos nacionais compatíveis com a Sexta Directiva pelo facto de as suas características diferirem suficientemente das do IVA. Na maioria dos casos, o Tribunal de Justiça baseou a sua decisão num conjunto de características que distinguiam os impostos em causa do IVA, mas nos processos Solisnor (39) e EKW (40), considerou que bastava o facto, em si mesmo, de o imposto em causa não ter aplicação geral para o excluir da proibição; a aplicação do imposto em causa a uma categoria limitada de bens ou serviços também foi levada em conta na maior parte dos outros acórdãos e é, aparentemente, uma característica de todas as tributações controvertidas, exceptuando talvez as dos processos Rousseau Wilmot e SPAR.

27.      Outras características que o Tribunal de Justiça considerou serem diferentes das do IVA e relevantes para apreciar a compatibilidade de um imposto nacional são as seguintes:

–      cálculo do imposto com base no volume de negócios anual, pelo que não é possível determinar com precisão a parte do imposto repercutida nos consumidores (41);

–      tributação baseada na colocação do artigo à disposição do público, independentemente do montante ou até da existência de um encargo pelo uso, ou cálculo com base num preço presumido e não num preço real (42); mais genericamente, cálculo numa base diferente do valor acrescentado (43);

–      não previsão de qualquer dedução dos montantes cobrados a montante (44);

–      inexistência de uma proporcionalidade directa ou estrita ao preço da transacção onerada (45);

–      tributação apenas num estádio da cadeia de transacções (46); no entanto, no processo Wisselink (47), o Tribunal de Justiça deixou claro que um imposto cobrado uma única vez podia, não obstante, ser contrário à legislação comunitária se impedisse o pleno efeito do sistema comum de IVA;

–      tributação do sujeito passivo em função dos bens e serviços adquiridos, e não dos fornecidos ou prestados (48).

28.      Por último, o Tribunal de Justiça considerou igualmente que determinadas características não são relevantes para a apreciação da compatibilidade de um imposto nacional:

–      a designação do imposto na legislação nacional, o teor expresso da lei ou as razões da sua adopção (49);

–      o facto de o imposto ser cobrado paralelamente ao IVA (50);

–      a inexistência do requisito específico de o imposto se repercutir sobre os consumidores (51);

–      a inexistência do requisito de o imposto ser discriminado numa factura ou da emissão ou posse da mesma (52);

–      o facto de o imposto não ser pago na importação mas na primeira transacção subsequente (53);

–      o facto de o imposto assentar numa matéria colectável diferente se o contribuinte não for sujeito passivo de IVA (54).

3.      Comentários gerais à jurisprudência

29.      Assim, existem dois aspectos fundamentais na abordagem adoptada pelo Tribunal de Justiça: uma preocupação essencial de proteger os princípios que sustentam o sistema do IVA e de impedir perturbações ao seu funcionamento; e uma pretensão de definir, mais formalmente e em prol da certeza jurídica, critérios através dos quais os impostos nacionais possam ser claramente identificados como compatíveis com o sistema do IVA.

30.      Uma análise cuidadosa da jurisprudência revela que, embora o primeiro aspecto nunca tenha sido descurado, a referência a critérios específicos tem vindo a adquirir uma importância crescente na jurisprudência mais recente. Todos os Estados‑Membros que responderam à primeira questão colocada pelo Tribunal de Justiça (55) contribuíram para confirmar essa importância; em particular, a Finlândia apela à firme adesão às quatro «características essenciais», em prol da clareza, da consistência e da certeza jurídica.

31.      Esta posição é compreensível. Os Estados‑Membros devem saber quais as limitações aplicáveis à sua liberdade para adoptar novas modalidades de tributação ou manter ou alterar as modalidades existentes. Neste contexto, é importante que exista um conjunto de critérios claros e objectivos.

32.      Contudo, há sempre o perigo de uma aplicação puramente formal de quaisquer regras ou critérios poder conduzir a resultados contrários ao objectivo fundamental que se pretendeu atingir ao formular essas regras e critérios – no caso em pareço, assegurar que o correcto funcionamento do sistema comum do IVA não seja posto em causa.

33.      Consequentemente, parece‑me indispensável que a apreciação das características de qualquer imposto nacional controvertido em relação às características essenciais do IVA continue a ser feita à luz desse objectivo, a fim de prevenir quaisquer interferências com os objectivos fundamentais de substituir os impostos cumulativos em cascata, promover a sã concorrência no mercado interno, eliminar as diferenças de tributação susceptíveis de falsear a concorrência ou de entravar o mercado interno e assegurar iguais condições de tributação para uma determinada transacção, independentemente do Estado‑Membro em que ocorrer.

34.      Neste contexto, o grau de semelhança das características de um imposto nacional com as características essenciais do IVA pode variar. Não é provável que, se puser em causa o funcionamento do sistema comum por possuir essas características de modo idêntico, um imposto deixe de pôr em causa o sistema simplesmente devido a diferenças menores.

35.      O Tribunal de Justiça considerou correctamente que um imposto não precisa de ser semelhante ao IVA em todos os aspectos para estar abrangido pela proibição, mas, em todo o caso, deve ser abrangido por essa proibição se apresentar as características essenciais do IVA. Pela mesma ordem de ideias, a meu ver, o que é necessário em relação a cada uma dessas características individuais não é uma semelhança estrita e absoluta mas uma semelhança essencial, substancial.

36.      Em contrapartida, é possível que, na prática, e talvez paradoxalmente à primeira vista, quanto mais um imposto for semelhante ao IVA menos interfira com o respectivo sistema. Um hipotético imposto adicional ao IVA mas em todos os aspectos idêntico a esse imposto pouco diferiria, nos seus efeitos, de um aumento da taxa do IVA, que não tem actualmente qualquer limite máximo (56). É provável que um imposto que apresente ao mesmo tempo características essenciais do IVA e características que entram em conflito com esse imposto (57) interfira mais com o sistema comum.

37.      A este respeito, o advogado‑geral F. G. Jacobs aceitou (58) que o facto de possuir as quatro características essenciais do IVA é uma condição necessária para que um imposto seja incompatível com a Sexta Directiva, o que implica que, na inexistência de qualquer uma dessas características, o imposto seja compatível.

38.      Uma interpretação ligeiramente diferente da jurisprudência também é possível.

39.      Em todos os processos, excepto nos processos Solisnor e EKW, o Tribunal de Justiça salientou que o imposto nacional em causa não possuía mais do que uma das quatro características essenciais; e naqueles dois processos, o que foi decisivo foi a não aplicação geral. Isto poderia levar a crer que, das quatro características, se deve considerar que a da aplicação geral tem um peso maior do que as outras três. No entanto, não me parece que essa conclusão possa ser retirada com qualquer certeza, e não proponho a adopção dessa interpretação.

40.      O que pode então afirmar‑se, em termos gerais e de modo seguro, sobre as quatro características essenciais do IVA, à luz do objectivo do sistema comum e da proibição de impostos nacionais susceptíveis de pôr em causa o seu funcionamento?

41.      Pelo menos pode ser feita uma delimitação negativa. Um imposto não é susceptível de pôr em causa esse funcionamento se não for de aplicação geral; os impostos que apenas se aplicam a categorias específicas de bens ou serviços não são susceptíveis de interferir com o sistema como um todo. É menos provável que um imposto que não é cobrado em todos os estádios da cadeia de produção ou distribuição ponha o sistema em causa; esses impostos podem afectar um estádio da cadeia em particular, mas não todo o sistema (59). É menos provável que um imposto que não seja proporcional ao valor acrescentado em cada estádio e, portanto, ao preço global em cada estádio interfira com o sistema do IVA; em geral, impostos de taxa fixa podem coexistir paralelamente com impostos proporcionais (60). E é evidente que um imposto que não possa ser repercutido no consumidor não é susceptível de pôr em causa o funcionamento do IVA, enquanto imposto sobre o consumo.

42.      Antes de passar à análise da aplicação da jurisprudência e dos critérios por ela enunciados, é no entanto necessário, para um imposto como o IRAP e ainda a nível geral, apreciar a relevância, se é que existe, de dois aspectos específicos: o estatuto das transacções bancárias em relação aos impostos sobre o volume de negócios e a distinção entre a tributação directa e indirecta à luz do artigo 93.° CE.

4.      Sujeição das transacções bancárias a imposto sobre o volume de negócios

43.      O Tribunal de Justiça solicitou às partes, aos Estados‑Membros e à Comissão que transmitissem a sua posição sobre a medida em que as transacções bancárias podem ser sujeitas a um imposto sobre o volume de negócios na acepção do artigo 33.°, n.° 1, da Sexta Directiva.

44.      A Banca Popolare, os Governo francês e húngaro e a Comissão deram uma resposta breve, concordando todos que as transacções bancárias podem, em princípio, ser sujeitas a esse imposto (apesar de poderem surgir maiores dificuldades práticas do que no caso de outras transacções comerciais), mas salientando igualmente o grande número de isenções de IVA para os serviços financeiros (61).

45.      Daí o Governo húngaro considerar que o artigo 33.°, n.° 1 não impede os Estados‑Membros de aplicarem um imposto diferente do IVA às transacções bancárias. A Banca Popolare discorda, salientando que as perguntas do órgão jurisdicional de reenvio respeitam à compatibilidade do IRAP tout court, e não à sua aplicação às transacções bancárias.

46.      Não julgo que uma análise profunda desta questão se revele proveitosa (62). Os serviços bancários são sujeitos ao IVA por força do artigo 6.°, n.° 1, da Sexta Directiva; beneficiam de um grande número de isenções ao abrigo do artigo 13.°‑B, alínea d); mas os Estados‑Membros podem conceder aos contribuintes o direito de optarem pela tributação, nos termos do artigo 13.°‑C, alínea b). Se um imposto de aplicação geral reunir todos os critérios para ser abrangido pela proibição do artigo 33.°, n.° 1, não deve deixar de sê‑lo apenas porque também é aplicável a uma categoria de transacções que está isenta e em relação à qual, como pode ser o caso, o Estado‑Membro em causa não previu uma opção de tributação (63).

47.      Consequentemente, não me parece relevante para a apreciação do Tribunal de Justiça que a maior parte das transacções efectuadas pela Banca Popolare, ou pelos bancos em geral, estejam provavelmente isentas de IVA.

5.      Artigo 93.° CE e distinção entre impostos directos e indirectos

48.      Por último, abordo um aspecto geral suscitado por alguns Estados‑Membros nas suas observações, designadamente a questão de saber se a classificação de um imposto como imposto directo pode ser relevante para a apreciação da sua compatibilidade com a Sexta Directiva.

49.      Todas as Directivas IVA têm por base o artigo 93.° CE (anterior artigo 99.° do Tratado CE), nos termos do qual o Conselho adopta as disposições relacionadas com a harmonização das legislações relativas aos «impostos sobre o volume de negócios, aos impostos especiais de consumo e a outros impostos indirectos», na medida «necessária para assegurar o estabelecimento e o funcionamento do mercado interno» (originariamente «no interesse do mercado comum»).

50.      Consequentemente, tem sido argumentado que, uma vez que o artigo 93.° CE apenas respeita à tributação indirecta, a Sexta Directiva não pode proibir um imposto que não seja ele próprio um imposto indirecto.

51.      A meu ver, no entanto, essa conclusão não é certa.

52.      Em primeiro lugar, pode observar‑se que, como referiu a Comissão na segunda audiência, o Tribunal de Justiça nunca classificou um imposto nacional como «directo» ou «indirecto» na apreciação da sua compatibilidade com a Sexta Directiva (64). É certo que, nenhuma conclusão segura pode ser extraída desse facto, mas a verdade é que o mesmo indicia que a distinção entre tributação directa e indirecta não tem sido considerada, enquanto tal e até agora, um critério essencial e pode sugerir que essa distinção apenas deveria ser adoptada como critério se houver bases sólidas para o fazer, restando saber se é esse o caso.

53.      A este respeito, deve recordar‑se que o Tratado não contém qualquer definição de uma diferença entre a tributação directa e indirecta, e é geralmente aceite que não se pode formular nenhuma definição completa, sem ambiguidades e universal.

54.      É certo que a essência da distinção é clara: um imposto directo é cobrado directamente à pessoa que suporta o encargo económico; um imposto indirecto é incluído num montante pago por essa pessoa a outra, que não suporta o encargo económico mas que é responsável pelo pagamento do imposto.

55.      Os impostos directos típicos incluem os impostos sobre a riqueza, a propriedade ou o rendimento; e pode acontecer que só os impostos cobrados aos indivíduos enquanto tais sejam inteiramente directos por natureza. Inversamente, o IVA, tal como está regulado pela Sexta Directiva, é um imposto indirecto par excellence, uma vez que é completamente neutro em relação aos operadores económicos a quem é cobrado e, em principio, repercute‑se sempre no consumidor final sob a forma de uma percentagem identificável do preço (e como um montante especificado quando é emitida uma factura).

56.      Todavia, a situação nem sempre é clara. Alguns impostos que são primariamente directos podem partilhar da natureza da tributação indirecta, e vice‑versa. E mesmo que pudesse encontrar‑se um critério satisfatório para distinguir juridicamente a tributação directa da indirecta, alguns dos efeitos de um imposto como o IRAP parecem susceptíveis de se sobrepor aos do IVA, de modo que a interferência entre ambos não pode ser determinada.

57.      Em seguida, foi correctamente observado que o artigo 93.° CE não pode, obviamente, constituir uma base jurídica válida para a harmonização comunitária da tributação directa. Porém, também é claro, a meu ver, que pode constituir a base jurídica de legislação comunitária que proíba tributações nacionais susceptíveis de pôr em causa o funcionamento de uma modalidade de tributação indirecta harmonizada – como o IVA. Não me parece necessário exigir uma base jurídica diferente pelo simples facto de o imposto nacional em causa poder ter pelo menos algumas características da tributação directa. O que importa é determinar se tem características susceptíveis de pôr em causa o funcionamento do sistema do IVA, independentemente da questão de saber se também possui outras que o não são – e deve recordar‑se que só as características susceptíveis de pôr em causa esse sistema são abrangidas pela proibição baseada no artigo 93.° CE.

58.      De modo mais sucinto, o artigo 93.° CE não permite que a legislação comunitária interfira com a soberania dos Estados‑Membros em matéria fiscal no domínio da tributação directa; em contrapartida, não permite que os Estados‑Membros adoptem, no exercício dessa soberania, medidas susceptíveis de pôr em causa a harmonização acordada da tributação indirecta. Consequentemente, pode constituir uma base jurídica válida para a legislação que proíbe essas medidas.

59.      Por último, pode observar‑se que, embora desde 1989 (65) todas as Directivas IVA tenham sido adoptadas apenas com base no artigo 93.° CE (ou no seu antecessor artigo 99.° do Tratado CE), tal não aconteceu com as directivas mais recentes. Até 1986 (66) basearam‑se nos artigos 99.° e 100.° do Tratado CE, ou seja, nos actuais artigos 93.° CE e 94.° CE. Nos termos deste último, o Conselho adopta directivas para a aproximação das disposições nacionais «que tenham incidência directa no estabelecimento ou no funcionamento do mercado comum».

60.      Assim, a Sexta Directiva, que se encontra no primeiro grupo, foi adoptada com base não só nas disposições do Tratado que autorizam a harmonização dos impostos indirectos mas também em outras disposições que autorizam, de modo mais genérico, qualquer harmonização em relação directa com o estabelecimento e o funcionamento do mercado comum.

61.      Consequentemente, a meu ver, não há nenhuma razão para que a proibição de impostos nacionais sobre o volume de negócios diferentes do IVA não possa ser alargada a todos os impostos susceptíveis de pôr em causa o funcionamento do sistema do IVA. Tal depende das características e dos efeitos de cada um dos impostos, e não da sua classificação teórica como tributação directa ou indirecta. Não me parece que existam razões fortes para introduzir tal critério na apreciação da compatibilidade com o artigo 33.°, n.° 1, da Sexta Directiva, pelo que o artigo 93.° CE, enquanto base jurídica da Sexta Directiva não é relevante nesta matéria.

6.      Conclusão das considerações gerais relativas à compatibilidade com a Sexta Directiva

62.      Assim, sou de opinião que nem a especificidade das transacções bancárias nem a questão da classificação como tributação directa ou indirecta devem intervir na apreciação do caso vertente, que deve basear‑se na análise das quatro características essenciais que um imposto nacional tem que apresentar para ser abrangido pela proibição da Sexta Directiva.

63.      Todavia, afigura‑se‑me que, relativamente a certos aspectos desses critérios, o Tribunal de Justiça tem que optar entre uma interpretação estrita e lata, estando esta última, pelo menos implicitamente, subjacente à apreciação feita pelo advogado‑geral F. G. Jacobs.

64.      Decorre do quadro jurisprudencial que tracei que ambas as abordagens, mais lata e mais estrita, têm sido adoptadas, em vários graus, na jurisprudência do Tribunal de Justiça, o que pode ter mantido um certo grau de incerteza. No caso em apreço, o Tribunal de Justiça tem que dissipar essa incerteza, indicando claramente se as quatro características essenciais usadas como critério para se determinar se um imposto nacional é proibido pela Sexta Directiva devem ser interpretados de modo puramente formal ou à luz dos objectivos da proibição e do sistema harmonizado do IVA como um todo.

65.      Além disso, tendo em conta o estatuto do presente processo – a atenção que atraiu o facto de, ao contrário da maior parte dos processos anteriores, ser decidido pela Grande Secção do Tribunal de Justiça e o facto de a fase oral ter sido reaberta especialmente para se considerar, nomeadamente, os critérios de classificação de um imposto como imposto sobre o volume de negócios na acepção do artigo 33.°, n.° 1, da Sexta Directiva – também há que ter presente que a escolha a fazer determinará decisivamente o rumo a tomar nas decisões futuras.

B –    Aplicação a um imposto como o IRAP

66.      Examinarei agora de que modo os critérios desenvolvidos na jurisprudência do Tribunal de Justiça devem ser aplicados ao IRAP, tendo em mente que não compete a este Tribunal definir as características desse imposto. Essa tarefa compete aos tribunais italianos e a descrição feita no despacho de reenvio deve, em princípio, ser considerada vinculativa. Todavia, podem ser levados em conta aspectos dessa descrição que foram contestados.

67.      O advogado‑geral F. G. Jacobs analisou obviamente os mesmos critérios nas suas conclusões e teria pouca utilidade repetir a sua análise.

1.      Aplicação geral

68.      A primeira característica essencial do IVA, de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, é a sua aplicação geral às transacções de bens e serviços.

69.      De acordo com o despacho de reenvio, «o IRAP aplica‑se, em geral, a todas as transacções comerciais que envolvam a produção ou a troca de bens e serviços decorrentes do exercício regular de uma actividade destinada à realização desse objectivo» e «na tributação ‘fraccionada’, o IVA e o IRAP assemelham‑se como duas gotas de água. Não sejamos enganados pela diversidade dos expedientes técnicos usados para a medida da matéria tributável e do imposto […]»

70.      O advogado‑geral F. G. Jacobs tratou deste aspecto nos n.os 28 a 40 das suas conclusões e considerou que o IRAP possuía as características em causa.

71.      A essa luz e à luz do n.° 15 do acórdão no processo Dansk Denkavit, a aplicação geral do IRAP a bens e serviços não parece constituir um problema: é ponto assente que, ao contrário de quase todos os impostos nacionais examinados pelo Tribunal de Justiça e considerados compatíveis com a Sexta Directiva, a aplicação do IRAP não está limitada a categorias particulares de bens ou serviços.

72.      Além disso, a divergência de opinião entre a Banca Popolare e o Governo italiano, a que o advogado‑geral F. G. Jacobs fez referência no n.° 32 das suas conclusões, parece‑me ter sido clarificada na segunda audiência. A Banca Popolare negou que o IRAP fosse cobrado sobre bens produzidos mas ainda não vendidos, onerando assim os stocks e não só os fornecimentos. Se bem entendi na audiência, a afirmação do Governo italiano é rigorosamente exacta mas, uma vez que os stocks são avaliados ao preço de custo e o preço de produção é deduzido da base tributável do imposto, a consequência é que na maior parte dos casos o montante do imposto cobrado é, de facto, nulo. Consequentemente, o Tribunal de Justiça não tem de se debruçar mais sobre este assunto.

73.      No entanto, resta ainda considerar um aspecto em relação ao qual há que determinar se se deve adoptar uma interpretação mais estrita ou mais lata: apesar do teor do despacho de reenvio, o IRAP não é calculado com base em transacções individuais enquanto tais, uma vez que a jurisprudência do Tribunal de Justiça, inspirada no artigo 2.° da Primeira Directiva, define o IVA como geralmente aplicável às «transacções». (e, como adiante ficará claro, essa distinção é relevante para mais do que uma das características essenciais do IVA.)

74.      O advogado‑geral F. G. Jacobs concluiu que, na prática, existem poucas diferenças entre um imposto, como o IRAP, calculado apenas com base num cúmulo periódico e outro, como o IVA, calculado numa base de transacção‑a‑transacção no que respeita à facturação individual e num cúmulo periódico para os comerciantes.

75.      Efectivamente, parece‑me evidente que a diferença entre o montante total das aquisições e o montante total das vendas efectuadas durante determinado exercício fiscal deve ser igual à soma das diferenças entre o montante unitário das aquisições e o montante unitário das vendas durante o mesmo período.

76.      O Tribunal de Justiça poderia, não obstante, aplicar a sua jurisprudência anterior de modo estrito, tendo em conta que só os impostos calculados com base nas transacções unitárias enquanto tais estão abrangidos pelo artigo 33.°, n.° 1, da Sexta Directiva, independentemente do cúmulo periódico. Em algumas decisões (67), o facto de um imposto ser calculado com base no volume de negócios anual tem sido considerado uma característica relevante para distinguir esse imposto do IVA, embora pareça nunca ter acontecido numa situação em que não estivessem presentes outras características distintivas.

77.      Tal abordagem faria depender a incompatibilidade de uma correspondência mais exacta do que a sugerida pelo advogado‑geral F. G. Jacobs entre o modo de cálculo do imposto nacional e o do IVA.

78.      Implicaria também uma alteração na jurisprudência relativamente à do acórdão Dansk Denkavit, proferido por uma formação plena do Tribunal de Justiça: o imposto que foi julgado incompatível nessa decisão era calculado de acordo com um mecanismo aparentemente muito semelhante ao do IRAP, sendo cobrado «sob a forma de uma percentagem do montante das vendas realizadas, após dedução das aquisições».

79.      Em minha opinião, a interpretação lata adoptada no acórdão Dansk Denkavit é a mais adequada, incluindo na proibição impostos que, embora não calculados precisamente da mesma forma, conduzem aos mesmos resultados económicos para os comerciantes e consumidores que os impostos aplicados a transacções unitárias. Tal interpretação serve melhor o objectivo de assegurar que o funcionamento do sistema do IVA não é afectado.

80.      Se acolhermos este ponto de vista, e partindo do princípio de que o método de cálculo do imposto em causa dá origem, na prática, ao mesmo montante de imposto devido que um método baseado nos valores das transacções unitárias (independentemente do cúmulo periódico), parece‑me claro que a característica da aplicação geral às transacções de bens e serviços está presente num imposto como o IRAP.

81.      É verdade que o Governo italiano nega que o IRAP, calculado com base nos resultados globais de uma empresa, possa ser comparado ao IVA, calculado com base em cada uma das transacções unitárias efectuadas por essa empresa.

82.      No entanto, os seus argumentos não se baseiam directamente na diferença entre os métodos de cálculo. Alega, antes, em primeiro lugar, que o IRAP é aplicado à empresa enquanto tal e não às suas transacções, pelo que se trata de um imposto directo e não indirecto (68); este é um aspecto que já abordei acima nos n.os 48 e seguintes, onde concluí que não se tratava de uma consideração relevante. Em segundo lugar, segundo a alegação do Governo italiano, o valor acumulado em que o IRAP se baseia não é equivalente à soma de valores individuais em que o IVA se baseia; porém, essa alegação respeita à natureza do valor acrescentado usado como base tributável, e não ao método de cálculo do montante devido, pelo que a considerarei no contexto das quatro característica essenciais (69), onde tem mais relevância do que nesta sede.

83.      Por conseguinte, estas considerações não afectam a minha opinião sobre a apreciação de um imposto como o descrito pelo órgão jurisdicional de reenvio relativamente à primeira característica essencial do IVA.

84.      Antes de analisar a segunda dessas características, farei uma breve menção a uma alegação do Governo húngaro segundo a qual um imposto não é de aplicação geral se for cobrado a nível local ou regional, em particular se for facultativo e/ou as autoridades locais ou regionais puderem determinar a respectiva taxa. Este não me parece um critério relevante; o Tribunal de Justiça não o considerou certamente relevante nos acórdãos Pelzl e EKW, ambos relacionados com impostos regionais (70). Trata‑se antes de saber se o imposto é geral na sua área de aplicação, seja essa área nacional ou meramente local.

85.      Consequentemente, sou de opinião que um imposto nacional com as características descritas pelo órgão jurisdicional de reenvio partilha com o IVA da característica essencial da aplicação geral a transacções de bens e serviços. Todavia, se o Tribunal de Justiça decidir – contrariamente à sua decisão proferida no processo Dansk Denkavit – que a característica essencial em causa envolve necessariamente a aplicação a transacções unitárias, esse imposto não possui essa característica.

2.      Proporcionalidade ao preço

86.      A segunda característica essencial do IVA é o facto de ser proporcional ao preço cobrado pelo sujeito passivo pelos bens ou serviços que fornece.

87.      O despacho de reenvio refere que «o montante do IRAP liquidado nas várias fases do ciclo, da produção até ao consumidor final, é igual à taxa de IRAP aplicada ao preço de venda dos bens e serviços cobrado ao consumidor final. […] o IRAP actua, assim, de facto, como um imposto geral e proporcional aplicável sobre o preço da transmissão dos bens ou serviços para o consumidor».

88.      O advogado‑geral F. G. Jacobs analisou este aspecto nos n.os 59 e seguintes das suas conclusões. Reconheceu que o mecanismo do IRAP pode nem sempre manter‑se estritamente proporcional ao preço de cada transacção, mas considerou que esse aspecto não é conclusivo uma vez que, na sua essência, o encargo efectivo que constitui o IVA, ao contrário do montante que consta da factura, pode ser redistribuído por um comerciante pelos vários tipos de fornecimentos que efectua, através do ajustamento das margens de lucro, do mesmo modo que com o IRAP. Ora, por outras palavras, ambos os impostos são proporcionais por natureza e, de acordo com o curso normal dos acontecimentos, os comerciantes, distribuem o respectivo encargo de cada um deles proporcionalmente pelos seus produtos e serviços; em qualquer um dos casos podem não proceder a essa distribuição, mas apenas o farão no intuito de concretizar um objectivo comercial determinado.

89.      É verdade que em algumas decisões (71) o Tribunal de Justiça considerou que a falta de proporcionalidade estrita, ou um método de cálculo que não permite determinar o montante exacto do imposto repercutido no consumidor, é uma característica distintiva relevante, pelo menos quando considerada em conjunto com outras, de um imposto não proibido pelo artigo 33.°, n.° 1, da Sexta Directiva. Se essa jurisprudência for seguida, parece‑me que o IRAP também pode ser distinguido do IVA com este fundamento.

90.      Todavia, o imposto considerado incompatível no acórdão Dansk Denkavit foi descrito pelo órgão jurisdicional de reenvio nesse processo como sendo «cobrad[o] […] em cada fase da cadeia comercial […] sob a forma de percentagem das vendas realizadas pela empresa, deduzidas as aquisições em relação às quais o imposto é devido numa fase comercial anterior», e não como sendo indicado separadamente nas facturas – situação que parece ser idêntica à do IRAP. No acórdão Careda (72), o Tribunal de Justiça declarou inequivocamente que é suficiente que um imposto possa ser repercutido sobre os consumidores mas não é necessário que haja qualquer exigência nesse sentido; nestas circunstâncias, obviamente, não se pode exigir igualmente que o montante do imposto corresponda sempre a uma proporção constante do preço de cada transacção.

91.      Por conseguinte, o Tribunal de Justiça tem oscilado entre uma interpretação mais estrita e mais lata do critério da proporcionalidade do preço e, no caso vertente, tem que decidir qual das interpretações é mais adequada.

92.      A meu ver, é necessária uma interpretação mais lata se não quisermos perder de vista o objectivo de não se pôr em causa o funcionamento do sistema do IVA. Não é possível considerar que um imposto interfere com esse sistema se for estritamente proporcional aos preços da transacção, mas já assim não acontecerá se apenas for proporcional num sentido lato. Como o advogado‑geral F. G. Jacobs observou, no essencial, no n.° 69 das suas conclusões, isso permitiria aos Estados‑Membros escapar à proibição através de uma rectificação insignificante sem, no entanto, deixar de cobrar um imposto que substancialmente concorre com a função do IVA.

93.      Outro aspecto que pode, todavia, ser considerado neste contexto e que foi salientado pelo Governo italiano é a forma como o IRAP se aplica às importações. Embora não esteja especificado no despacho de reenvio, é ponto assente que o IRAP só incide sobre o valor acrescentado no interior da (região relevante da) Itália. Consequentemente, se um bem for importado para (transformação e) revenda, o montante total de IRAP cobrado será apenas proporcional à diferença entre o preço de importação e o preço de venda, e não ao preço global da venda, como seria no caso do IVA.

94.      Esta característica distingue efectivamente o IRAP do IVA e do imposto objecto do processo Dansk Denkavit, sendo o primeiro aplicado ao valor das importações enquanto tais e o último a esse valor enquanto incorporado num fornecimento subsequente. Por conseguinte, de um ponto de vista estrito, trata‑se de uma característica susceptível de excluir o IRAP do âmbito da proibição.

95.      Todavia, mais uma vez, não estou convencida de que o mesmo aconteça no âmbito de uma interpretação mais lata que leve em conta o objectivo de impedir que o funcionamento do sistema do IVA seja posto em causa.

96.      Faz parte da natureza dos impostos nacionais – pelo menos os impostos indirectos – que, embora incidam sobre o valor acrescentado, não incidem sobre o valor acrescentado fora da sua área de competência fiscal; e um imposto sobre as importações violaria, enquanto tal, os artigos 25.° CE e 26.° CE. Consequentemente, pode considerar‑se que o critério da proporcionalidade do preço no contexto da proibição de impostos nacionais que interfiram com as operações do sistema comum do IVA significa proporcionalidade em relação ao valor acrescentado ao preço dentro da área de competência fiscal do Estado‑Membro em causa.

97.      Por conseguinte, de acordo com este critério, sou de opinião que o IRAP, conforme descrito, é suficientemente proporcional ao preço cobrado nas transacções que onera para não ser excluído do âmbito da proibição do artigo 33.°, n.° 1, da Sexta Directiva se essa proibição for vista como impeditiva de impostos nacionais que se sobreponham ao IVA e, portanto, com ele interfiram. Tal não seria o caso se os critérios fossem aplicados de modo mais formal.

3.      Cobrança em cada fase

98.      A terceira característica essencial do IVA é o facto de ser cobrado em cada fase do processo de produção e distribuição, até à da venda a retalho, inclusive, independentemente do número de transacções que já ocorreram.

99.      O despacho de reenvio refere que o «IRAP é cobrado em cada uma das fases do processo de produção ou de distribuição, uma vez que cada operador que se insere numa fase do ciclo, produzindo valor acrescentado tributável, é elevado, pela lei, a sujeito passivo do imposto».

100. O advogado‑geral F. G. Jacobs analisou este aspecto nos n.os 55 a 58 das suas conclusões, tendo concluído que essa descrição preenchia o referido critério.

101. As principais objecções a esse ponto de vista são semelhantes às que referi acima, designadamente o facto de o IRAP não ser cobrado na fase das transacções efectivas mas com base em cifras anuais e o de não onerar as importações.

102. No que diz respeito à primeira objecção, penso que uma interpretação estrita não se justifica em caso algum. O IRAP é cobrado, segundo o advogado‑geral F. G. Jacobs, «em cada uma das fases do processo de produção e distribuição que corresponde a um fornecimento ou conjunto de fornecimentos de bens ou serviços por um sujeito passivo». Esta terceira «característica essencial» do IVA só pode ser compreendida no sentido de que não há fases na cadeia de fornecimentos que lhe escapem (73), e talvez seja significativo que a maior parte, senão todos, os impostos considerados incompatíveis com o artigo 33.°, n.° 1, da Sexta Directiva pelo Tribunal de Justiça eram impostos cobrados numa única fase (74). O objectivo é essencialmente o de proteger o funcionamento do sistema do IVA da interferência de impostos cumulativos em cascata, e o critério da cobrança em cada fase da cadeia deve ser visto nesta perspectiva.

103. Quanto à segunda objecção, direi novamente (75) que é inerente a qualquer imposto nacional cobrado sobre o valor acrescentado a ser cobrado sobre o valor acrescentado produzido dentro do território fiscal relevante. Uma vez que a aplicação de um imposto dentro das fronteiras de um Estado‑Membro é perfeitamente susceptível de pôr em perigo um sistema comum de âmbito comunitário, não é decisivo que o imposto também se aplique a factos ocorridos nessas fronteiras.

104. Consequentemente, concordo com o advogado‑geral F. G. Jacobs neste ponto e não vejo qualquer razão para a aplicação de uma interpretação mais estrita que exclui o IRAP da proibição baseada neste critério.

4.      Tributação sobre o valor acrescentado, com dedução do imposto pago a montante

105. A última das quatro características essenciais do IVA consiste no facto de ser cobrado sobre o valor acrescentado a um fornecimento em cada fase, com um mecanismo de dedução do imposto pago sobre o valor acrescentado nas fases anteriores.

106. O advogado‑geral F. G. Jacobs analisou esta característica nos n.os 41 a 54 das suas conclusões, tendo considerado que era essencialmente idêntica no IVA e no IRAP. Mais uma vez, optou por uma interpretação lata, que o Tribunal de Justiça tem que decidir se segue ou não.

107. Tratarei, em primeiro lugar, do segundo aspecto, a meu ver mais objectivo, desta característica, designadamente a existência de um mecanismo de dedução do imposto pago a montante.

108. É evidente que o IRAP não tem um mecanismo precisamente igual, uma vez que não é calculado, como o IVA, por dedução do imposto pago a montante ao imposto devido, mas por dedução do valor pago a montante ao valor da transacção efectuada. O que importa é que há uma semelhança substancial entre esses dois tipos de mecanismo ou, como refere o advogado‑geral F. G. Jacobs, que a diferença entre eles é, na prática, limitada.

109. Em qualquer caso, em minha opinião, a existência de um mecanismo de dedução não é, de modo algum, um critério autónomo, mas antes um corolário necessário do facto de o imposto ser cobrado sobre o valor acrescentado em cada fase e não sobre o valor acumulado.

110. Com efeito, a existência de um mecanismo de dedução do imposto pago a montante não é, claramente, por si só, uma característica necessária para que um imposto seja proibido, uma vez que um dos principais objectivos expressos do IVA é substituir os sistemas de impostos cumulativos em cascata (que, por definição, não dispõem de qualquer mecanismo de dedução) por um sistema comum não cumulativo de aplicação em todas as fases.

111. Potencialmente mais problemática é a questão da natureza do próprio valor acrescentado.

112. O órgão jurisdicional de reenvio afirma que: «o IRAP incide sobre o valor líquido que resulta da actividade produtiva, ou seja, o valor líquido ‘acrescentado’ ao produto pelo produtor [… É] portanto um imposto sobre o ‘valor acrescentado’ produzido [… a] fracção ou segmento de valor acrescentado […] é calculada e tributada, grosso modo, deduzindo do recebido pelas ‘vendas’ o custo de aquisição do ‘vendido’.»

113. Nesta base, o IRAP possui as quatro características essenciais do IVA.

114. No entanto, o Governo italiano referiu que, embora o IRAP seja efectivamente cobrado sobre o «valor acrescentado» num sentido económico, não se trata do mesmo valor acrescentado que serve de base ao IVA. Afirma que o valor acrescentado sobre o qual o IRAP incide é calculado com base não só nos custos dos fornecimentos adquiridos e das receitas dos fornecimentos efectuados, mas também em critérios como as variações dos stocks (resultantes ou não de fornecimentos), as variações do valor da mão‑de‑obra utilizada, das contribuições para a segurança social, das amortizações, etc.; e que o IRAP permite a dedução das importações mas onera as exportações, enquanto o IVA é cobrado sobre as importações mas reembolsado nas exportações. Em resultado disso, duas empresas que pagam os mesmos montantes de IVA podem pagar montantes muito diferentes de IRAP.

115. Se assim é, pode deduzir‑se que o IRAP não está abrangido pela proibição, numa aplicação estrita deste critério.

116. Por outro lado, pode questionar‑se a importância do grau de diferença. Em minha opinião, um imposto não deve escapar à proibição do artigo 33.°, n.° 1, da Sexta Directiva apenas porque o valor acrescentado, com base no qual é cobrado, está definido em termos diferentes dos da directiva. Para estar abrangido pela proibição, tem que haver, não obstante, uma semelhança substancial entre os dois tipos de valor acrescentado, susceptível de causar interferência no funcionamento do sistema comum e, consequentemente, de o pôr em causa. A referida semelhança pode ser analisada a dois níveis.

117. O primeiro é o princípio fulcral caracterizador da base tributável, que tem que ser claramente definível como o valor acrescentado em cada fase para que haja uma semelhança substancial. No caso do IRAP, não parece que isso seja posto em causa e pode ser reconhecido pelo Tribunal de Justiça à luz da legislação cuja apreciação lhe foi submetida.

118. O segundo nível é o conteúdo detalhado da matéria colectável, ou seja, os elementos incluídos ou excluídos do valor acrescentado tributado. Nesta matéria, é ponto assente que nem todos os elementos relevantes para efeitos de IVA o são para efeitos de IRAP, e vice‑versa. No entanto, não me parece que uma mera enumeração desses elementos tenha alguma utilidade; o que está em causa é a semelhança substancial, que só pode ser determinada através de uma análise dos efeitos substanciais.

119. Este Tribunal não tem informações suficientes acerca desses efeitos, nem é esta a sede adequada para os estabelecer; a sua determinação final apenas pode ser feita pelos tribunais italianos. O Tribunal de Justiça pode, no entanto, fornecer uma orientação sobre os critérios que permitem estabelecer objectivamente a existência de uma semelhança substancial. Proponho um critério baseado no paralelismo entre os montantes de IVA e de IRAP cobrados sobre o valor acrescentado em cada empresa.

120. Se dois impostos forem calculados com taxas diferentes sobre a mesma matéria colectável, a ratio entre eles manter‑se‑á constante para todas as empresas em causa. Poder‑se‑ia elaborar um gráfico representativo do montante de cada imposto que algumas empresas de diversos sectores, dispostas progressivamente das de menor dimensão para as maiores, teriam que pagar às autoridades fiscais, e as duas linhas seriam paralelas.

121. Se um dos elementos da base tributável fosse alterado num desses impostos, isso poderia perfeitamente afectar o paralelismo, a constância da ratio. Quanto maior fosse o número de elementos retirados de uma base tributável e/ou acrescentados à outra, mais provável seria a distorção do paralelismo.

122. Todavia, não tem que ser sempre assim. Se a matéria colectável de ambos os impostos for o valor acrescentado, mas alguns dos elementos desse valor estiverem presentes no caso de um dos impostos e ausentes no caso do outro, o valor acrescentado neste último caso pode ainda manter‑se constante, embora numa proporção menor do que no primeiro, de modo que o paralelismo entre os dois gráficos continuará inalterado.

123. Numa situação destas, a meu ver, dever‑se‑ia concluir que havia semelhanças substanciais entre os dois conceitos de valor acrescentado, uma vez que o mesmo efeito poderia ser obtido ajustando a taxa de tributação em vez da definição da matéria colectável. Além disso, seria claro que a natureza da actividade era irrelevante e que as escolhas estratégicas feitas por cada empresa – de investir mais em recursos humanos ou em maquinaria, de pedir empréstimos ou de reinvestir lucros, etc. – não afectavam esse resultado.

124. No entanto, se as diferenças entre os elementos constitutivos das duas bases tributáveis levassem a uma ausência flagrante de paralelismo entre os dois gráficos, com variações aleatórias, em minha opinião, teria que concluir‑se pela inexistência de uma semelhança substancial entre os impostos.

O mesmo aconteceria se as variações não fossem aleatórias mas pudessem ser sistematicamente atribuídas a escolhas estratégicas do género das que exemplifiquei acima, com efeitos diferentes no IVA e no imposto controvertido.

Mas no caso de diferenças entre sectores de actividade, apenas chegaria a essa conclusão se também houvesse variações dentro dos sectores; um gráfico paralelo em cada sector indiciaria fortemente uma semelhança substancial da base tributável.

125. Este critério parece‑me adequadamente objectivo mesmo se, por necessidade, alguns detalhes tenham que ser deixados à apreciação dos tribunais nacionais, com o auxílio, sendo caso disso, do parecer de peritos em estatística. Em particular, será necessário determinar o que constitui uma amostra representativa das empresas e o alcance com que as variações menores na ratio entre os montantes dos dois impostos podem ser ignoradas. No entanto, a meu ver, nenhum destes pontos poderá vir a revelar‑se problemático se o princípio da comparação for claro.

126. Por conseguinte, sem prejuízo de uma apreciação final, pelos tribunais italianos, da semelhança substancial entre o valor acrescentado em que o IRAP se baseia e em que o IVA se baseia, o meu ponto de vista é o de que um imposto nacional com as características descritas pelo órgão jurisdicional de reenvio partilha com o IVA as característica essenciais de ser cobrado sobre o valor acrescentado dos fornecimentos em cada fase, com um mecanismo de dedução relativamente às fases anteriores.

5.      Conclusão da apreciação de um imposto como o IRAP à luz do artigo 33.°, n.° 1, da Sexta Directiva

127. Tendo em conta as considerações precedentes, concordo amplamente com a conclusão do advogado‑geral F. G. Jacobs no sentido da incompatibilidade de um imposto com as características do IRAP, tal como está descrito no despacho de reenvio, com o artigo 33.°, n.° 1, da Sexta Directiva. Das duas abordagens que procurei expor, a sua optou por uma interpretação mais lata, e a minha também. Em minha opinião, é particularmente significativo nesta matéria o facto de a interpretação mais lata estar de acordo com a decisão proferida no processo Dansk Denkavit, proferido por uma formação plena do Tribunal de Justiça, enquanto outros acórdãos que podem de alguma forma parecer favorecer uma interpretação mais estrita foram proferidas pelas secções.

128. Consequentemente, sou de opinião que um imposto com as características do IRAP, tais como estão descritas no despacho de reenvio, possui as quatro características essenciais do IVA e, consequentemente, está abrangido pelo âmbito da proibição de outros impostos nacionais que podem ser caracterizados como impostos sobre o volume de negócios, prevista pelo artigo 33.°, n.° 1, da Sexta Directiva, desde que, numa amostra representativa das empresas sujeitas a ambos os impostos, a ratio entre os montantes pagos a título de IVA e os montantes pagos a título do imposto controvertido seja substancialmente constante.

129. Este requisito tem que ser apreciado pelo tribunal nacional, tendo em conta as características pormenorizadas do imposto em causa.

II – Limitação no tempo dos efeitos de uma decisão proferida num processo de reenvio prejudicial

A –    Considerações gerais

130. A última das três questões colocadas pelo Tribunal de Justiça antes da segunda audiência foi proposta pelo advogado‑geral F. G. Jacobs nas suas conclusões e foi ela que obteve mais resposta por parte dos Estados‑Membros. Respeita às circunstâncias e ao modo como os efeitos de uma decisão proferida pelo Tribunal de Justiça num processo de reenvio prejudicial podem ser sujeitos a uma limitação no tempo.

131. A limitação no tempo dos efeitos de uma decisão judicial deve sempre colocar na balança, por um lado, o princípio da interpretação correcta e coerente da lei e, por outro, o princípio da certeza nas relações jurídicas assentes na boa fé, ainda que com base numa interpretação errada.

1.      Validade dos actos comunitários e efeitos no tempo

132. A prática do Tribunal de Justiça tem origem no segundo parágrafo do artigo 231.° CE, que prevê, a respeito dos recursos de anulação de actos comunitários:

«Se o recurso tiver fundamento, o Tribunal de Justiça anulará o acto impugnado.

Todavia, no que respeita aos regulamentos, o Tribunal de Justiça indicará, quando o considerar necessário, quais os efeitos do regulamento anulado que se devem considerar subsistentes.»

133. Directamente com base nessa disposição, o Tribunal de Justiça tem adoptado essencialmente dois tipos de abordagem, quer declarando os efeitos do acto em causa definitivos (76), quer mantendo esses efeitos até que um novo acto válido seja adoptado – especificando por vezes que isso tem que ocorrer num prazo razoável (77).

134. Mas o Tribunal de Justiça também pode apreciar a validade de um acto comunitário em resposta a um pedido de decisão prejudicial. Essencialmente com a finalidade de manter a coerência entre as duas situações, tem vindo a aplicar o segundo parágrafo do artigo 231.° CE, por analogia, em processos desse género que assim o exigem. Nesta matéria, tem adoptado diversas posições. Em alguns processos, precisou que a decisão de invalidade não tem, em caso algum, efeitos retroactivos (78). Noutros, declarou que o efeito não é, em regra, retroactivo mas tem efeito retroactivos em relação e quem tenha procedido judicialmente com fundamento na invalidade antes da data da decisão (79). Num caso, manteve os efeitos do acto inválido até à adopção de novos actos (80) e, em circunstâncias muito específicas, em que uma disposição foi julgada inválida não pelo seu conteúdo mas por aquilo que omitia, o Tribunal de Justiça limitou‑se a declarar que cabia às instituições em causa adoptar as medidas necessárias para corrigir a incompatibilidade (81). Com efeito, a opção por uma das posições tem sido sempre determinada pelas circunstâncias específicas de cada caso.

2.      Interpretação do direito comunitário e efeitos no tempo

135. Em certos casos (82), o Tribunal de Justiça também impôs uma limitação no tempo aos efeitos de uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação de uma disposição de direito comunitário.

136. A maior parte desses processos pode ser classificada em duas grandes categorias: recusa discriminatória de conceder um benefício pecuniário e aplicação de um imposto nacional contrário ao direito comunitário. Ambas as categorias podem envolver grandes quantidades de dinheiro erradamente recusadas ou cobradas, cujos pagamentos ou devoluções podem causar graves problemas às finanças do Estado‑Membro em causa (83).

a)      Efeitos ex tunc

137. Nesses casos, depois de chegar a uma interpretação segundo a qual a actuação nacional em causa deve ser considerada ilegal, o Tribunal de Justiça tem sistematicamente recordado que as suas decisões a título prejudicial sobre interpretação definem o significado e o âmbito de uma regra comunitária tal como deveria ter sido interpretada e aplicada desde a sua entrada em vigor.

b)      Efeitos ex nunc

138. Excepcionalmente, quando o Estado‑Membro tinha fundamentos legítimos para crer que a sua actuação era compatível com o direito comunitário e existia um risco de graves repercussões económicas, o Tribunal de Justiça decidiu que a sua interpretação não pode ser invocada para pôr em causa situações passadas assentes na boa fé: a interpretação produz efeitos a partir da data do próprio acórdão (84).

c)      Excepções às limitações no tempo

139. Até à data, o Tribunal de Justiça tem excluído de qualquer limitação no tempo os pedidos assentes na interpretação adoptada mas apresentados antes da data da sua decisão (85).

d)      Proposta no acórdão Meilicke

140. No processo Meilicke (86), actualmente pendente no Tribunal de Justiça, o advogado‑geral A. Tizzano propôs, nas suas conclusões apresentadas em 10 de Novembro de 2005, uma interpretação diferente da que tem vindo a ser adoptada pelo Tribunal de Justiça.

141. Em primeiro lugar, concluiu que uma regra alemã sobre a tributação de dividendos era contrária ao direito comunitário – como resultava claramente da decisão anterior do Tribunal de Justiça no processo Verkooijen (87), relativo a uma regra semelhante da legislação neerlandesa –, mas que os pressupostos para limitar no tempo os efeitos da futura decisão se encontravam preenchidos.

142. Em seguida, analisou (88) a forma que a limitação deveria tomar, examinando um amplo leque de possibilidades que o Tribunal de Justiça tinha utilizado até então. A sua conclusão foi no sentido de que a decisão nesse processo deveria ter efeitos desde a data da decisão proferida no processo Verkooijen, quando se tornou clara a correcta interpretação do direito comunitário (89). Não obstante, deveria ser feita uma excepção a essa limitação para os pedidos anteriores a essa data. Além disso, seria injusto rejeitar todos os pedidos posteriores à decisão no processo Verkooijen, embora a publicidade em redor do processo Meilicke tenha originado tantos pedidos que uma excepção para todos eles poderia perfeitamente ser ineficaz na tentativa de evitar repercussões económicas graves.

143. Consequentemente, propôs que a excepção fosse aplicada a todos os pedidos anteriores à data de publicação, no Jornal Oficial da União Europeia, do despacho de reenvio no processo Meilicke, quando era presumível que a possibilidade de uma devolução chamaria a atenção até dos requerentes menos diligentes.

e)      Efeitos a partir de uma data futura

144. Para completar o rol de hipóteses possíveis, é útil analisar outra opção disponível na lei constitucional de alguns Estados‑Membros (90) em situações semelhante às do presente processo (91), designadamente a de fixar uma data futura a partir da qual a decisão pode ser invocada.

145. Nesses sistemas, o objectivo é, acima de tudo, evitar situações em que a inexistência de uma norma seria pior do que a existência de uma norma inválida (incluindo, por exemplo, aquelas situações em que o Estado não poderia mais auferir certas receitas ou fazer certos pagamentos), e de dar ao poder legislativo tempo suficiente para adoptar uma medida que preencha os requisitos da norma hierarquicamente superior. Em vários casos, a competência do Tribunal de Justiça para fixar uma data futura é limitada por lei a um período máximo determinado. Durante esse período, a escolha pode ser determinada pela apreciação do Tribunal de Justiça relativa ao prazo razoável para adoptar nova legislação, ou pela periodicidade da legislação em causa (no caso, por exemplo, da legislação fiscal) (92).

3.      Natureza específica das decisões prejudiciais relativas à interpretação do direito comunitário que têm como possível consequência a invalidade de medidas nacionais

146. Antes de prosseguir, pode ser útil conceder alguma atenção às características específicas das decisões a título prejudicial deste Tribunal que interpretam o direito comunitário de modo a tornarem inválida uma medida nacional, o que pode condicionar as opções que se oferecem ao Tribunal de Justiça quando decide limitar no tempo os efeitos da sua decisão.

147. O Tribunal de Justiça não tem competência para decidir sobre a compatibilidade de uma medida nacional com o direito comunitário, mas apenas para interpretar este último de modo a permitir ao tribunal nacional decidir sobre essa compatibilidade (93).

148. No caso em apreço, o Tribunal de Justiça pode, obviamente, interpretar a Sexta Directiva de modo a que o órgão jurisdicional de reenvio considere o IRAP incompatível com a legislação comunitária. No entanto, isso é muito diferente de uma declaração de que o próprio imposto nacional em causa é inválido, declaração que apenas pode ser feita pelo tribunal nacional competente, se for caso disso, com efeitos a partir de uma data fixada por esse tribunal ou por força da lei nacional, e contrasta com a situação de uma decisão a título prejudicial sobre a validade de uma medida comunitária, que o Tribunal de Justiça pode, efectivamente, anular directamente.

149. A data a partir da qual a decisão do Tribunal de Justiça produz efeitos é relevante para determinar se um litigante pode ou não invocar, num tribunal nacional, a incompatibilidade de uma medida nacional com o direito comunitário, a qual se manifesta em resultado da decisão, em relação a uma data em que essa medida nacional foi aplicada. No entanto, não é o único factor relevante, uma vez que as regras processuais nacionais podem limitar o alcance de um pedido por outras formas.

B –    Limitação no tempo dos efeitos da decisão no presente processo

150. Mesmo que as considerações gerais que fiz acima possam ser de alguma utilidade ao Tribunal de Justiça, qualquer decisão de limitar no tempo os efeitos de uma das suas decisões tem que ser tomada caso a caso, à luz de cada conjunto de circunstâncias.

151. Assim sendo, devem ser colocadas três questões no caso vertente: há fundamento para limitar no tempo os efeitos da decisão? No caso afirmativo, a partir de que data deve ser possível invocar a decisão? E deve ser feita alguma excepção para os pedidos apresentados antes de uma determinada data?

152. Nas considerações que se seguem, vou partir do princípio, de modo a evitar a repetição constante dos pressupostos necessários, de que o Tribunal de Justiça fornecerá uma interpretação em resultado da qual o IRAP se vai revelar incompatível com a legislação comunitária.

1.      Fundamentos de uma limitação no tempo dos efeitos da decisão

153. Devem estar reunidas duas condições essenciais, designadamente, que as pessoas interessadas tenham agido de boa fé e que haja um risco de graves dificuldades se não for fixada uma limitação (94). O advogado‑geral F. G. Jacobs considerou que ambas as condições estavam reunidas no presente processo.

154. Todos os Estados‑Membros que expressaram a sua oposição sobre este aspecto consideram que os critérios estão reunidos. Muitos deles também alegaram que o Tribunal de Justiça deve apreciar esses critérios de modo mais flexível do que tem feito por vezes no passado, referindo, nomeadamente, o n.° 42 das conclusões do advogado‑geral A. Tizzano no processo Meilicke. A Comissão também concorda com o facto de os critérios se encontrarem reunidos, e a Banca Popolare não se opõe, em princípio, à fixação de uma limitação no tempo.

155. Concordo plenamente com a análise do advogado‑geral F. G. Jacobs quanto a este aspecto. Perante os factos assentes apresentados ao Tribunal de Justiça, só uma interpretação mais estrita dos pressupostos da limitação no tempo do que a que tem sido adoptada no passado justificaria uma decisão de não fixar limites temporais no presente processo. Não foi apresentado nenhum fundamento para uma mudança desse tipo, nem parece haver nenhuma razão, nas circunstâncias do caso em apreço, para que a prática anterior seja alterada. Assim sendo, não é necessário determinar se deve ou não ser adoptada uma interpretação mais flexível da questão da limitação no tempo em casos futuros.

156. Salientarei todavia que as circunstâncias deste caso são muito específicas. Em 1997, o Governo italiano recebeu da Comissão aquilo que só podia ser interpretado como uma garantia expressa de que o IRAP seria compatível com o direito comunitário (95). O montante do imposto cuja devolução pode ser reclamada foi estimado pelo Governo italiano em 120 mil milhões de euros, o que não foi contestado (96). Os processos prolongaram‑se, tanto a nível nacional como no Tribunal de Justiça (97). Neste último, a Grande Secção tomou a rara opção de reabrir a fase oral e de fazer uma segunda audiência, atitude que ainda chamou mais as atenções.

2.      Escolha da data da limitação no tempo

157. No passado, quando especificava uma limitação no tempo sujeita a uma excepção para os pedidos apresentados antes de determinada data, o Tribunal de Justiça usava sempre a mesma data como base tanto da limitação como da excepção: a limitação não se aplica aos pedidos já apresentados antes da data em que a decisão pode ser invocada (na prática, até ao presente, sempre foi a data da sua prolação). Todavia, como propôs o advogado‑geral A. Tizzano nas suas conclusões no processo Meilicke, há duas outras datas que podem ser mais adequadas em determinadas circunstâncias. Nesta secção, tratarei apenas da data principal, a da própria limitação no tempo.

158. É evidente que se os efeitos no tempo da decisão devem ser limitados, têm que o ser ou a partir da data da prolação da própria decisão ou a partir de qualquer outra data específica anterior ou posterior a essa prolação.

159. Não me parece possível, no presente processo, identificar qualquer data específica no passado a partir da qual a decisão devesse produzir efeitos. Nas circunstâncias do processo Meilicke, o advogado‑geral A. Tizzano observou que o âmbito das disposições relevantes do direito comunitário se tinha tornado claro a partir da prolação da decisão no processo Verkooijen. Não parece que haja qualquer data equivalente no caso vertente. É obviamente possível traçar um paralelismo com o processo Dansk Denkavit, mas alguns pontos da jurisprudência posterior a essa decisão, juntamente com os pontos de vista conflituantes expressos no presente processo, que deram origem a uma segunda audiência, tornam mais difícil olhar para o processo Dansk Denkavit como uma declaração de direito equivalente à do processo Verkooijen. A questão de saber se um imposto nacional como o IRAP, conforme está descrito pelo órgão jurisdicional de reenvio, é incompatível com a Sexta Directiva não obterá uma resposta vinculativa enquanto o Tribunal de Justiça não tiver proferido uma decisão neste processo – que pode talvez vir a ser o «Verkooijen» de futuros processos.

160. A data da prolação dessa decisão pode, consequentemente, ser uma data adequada e, se for escolhida, seguirá o exemplo dos precedentes coerentes do Tribunal de Justiça.

161. Não obstante, tendo em conta as circunstâncias específicas do presente processo, também seria possível adoptar uma posição diferente, e fixar uma data futura, inspirada na prática dos tribunais nacionais que, em circunstâncias semelhantes, concedem ao poder legislativo um período razoável para adoptar novas medidas compatíveis e na prática do próprio Tribunal de Justiça, a respeito da validade de medidas comunitárias, na jurisprudência referida nas notas 77 e 80.

162. Tal posição seria, a meu ver, mais adequada neste caso. Na verdade, não se pode esperar que as autoridades italianas mudem subitamente todo o seu sistema de financiamento das despesas públicas regionais, nem que o tenham alterado em antecipação da decisão do Tribunal de Justiça. Se todos os contribuintes pudessem invocar imediatamente essa decisão para reclamar a devolução dos montantes cobrados a título de IRAP a partir da data da respectiva prolação, isso seria equivalente à revogação do imposto e dos meios de financiamento regional italiano, com efeitos imediatos.

163. Por outro lado, não pode ser fixada uma data futura muito longínqua. Se é certo que não seria razoável pretender a substituição imediata de um imposto por outro, também não deixa de ser razoável pressupor que as autoridades italianas tenham já feito um plano de emergência para essa substituição. Em Março de 2004, tomaram conhecimento da posição da Comissão segundo a qual o IRAP era incompatível quando essa instituição apresentou as suas observações ao Tribunal de Justiça, apesar de essas observações não serem públicas, e tomaram conhecimento da posição do advogado‑geral F. G. Jacobs no mesmo sentido, em Março de 2005, quando o mesmo apresentou as suas conclusões em audiência pública. De facto, a eliminação gradual do IRAP tem sido planeada na legislação desde Abril de 2003 e pode presumir‑se que progrediu desde então (98).

164. Para garantir que o IRAP é substituído por um mecanismo de financiamento compatível com o direito comunitário do modo mais fácil e mais rápido possível, a data apropriada parece‑me ser a do fim do exercício fiscal em curso, quando for proferida a decisão do Tribunal de Justiça (99). Uma vez que a decisão será provavelmente proferida este ano e que o exercício fiscal do IRAP coincide com o ano de calendário, tal significa que a decisão prejudicial não poderia ser invocada para instaurar um procedimento judicial a respeito do IRAP cobrado antes de 31 de Dezembro de 2006 mas que, na eventualidade de um atraso na reforma do sistema, poderia ser reclamada a devolução de qualquer montante cobrado depois dessa data.

3.      Excepções à data da limitação no tempo

165. A limitação que proponho procura levar em conta os interesses legítimos dos Estados‑Membros num conjunto específico de circunstâncias. No entanto, é contrária ao princípio de que as pessoas têm o direito de obter o reembolso de impostos nacionais cobrados em violação de disposições comunitárias (100). Devem, portanto, ser tomadas cautelas para garantir que a lesão desse princípio não seja excessiva, tendo em conta, mais uma vez, as circunstâncias específicas do caso.

166. Em regra, na prática tanto do Tribunal de Justiça como dos tribunais de alguns Estados‑Membros, são feitas excepções à limitação no tempo dos efeitos de uma decisão para os pedidos apresentados antes de uma determinada data. Pode abranger todos os pedidos apresentados antes da data da decisão que declarou a incompatibilidade (tem sido a prática comum deste Tribunal), ou apenas alguns deles; também é possível escolher uma data‑limite diferente (como proposto pelo advogado‑geral A. Tizzano no processo Meilicke).

167. O que, no presente processo, constitui uma dificuldade notável é o grande número de pedidos de devolução do IRAP que foram apresentados com fundamento na alegada incompatibilidade deste com o direito comunitário. Uma vez que este processo atraiu muita atenção durante um período de tempo relativamente longo, é plausível que muitos desses pedidos, particularmente os mais recentes, sejam de natureza especulativa, apresentados sem grande esforço ou despesas com o objectivo de aproveitar da decisão a proferir. Uma excepção em benefício desses pedidos não só se afigura menos justificada, devido à sua natureza, como também pode ser susceptível, devido ao seu número, de pôr gravemente em causa os efeitos que se pretendem com a limitação.

168. Se há que fazer uma excepção para os pedidos apresentados antes de uma data determinada e se essa data dever ser escolhida à luz das considerações tecidas no parágrafo anterior, têm que estar verificadas as seguintes condições: deve ser tão objectiva quanto possível; deve ser susceptível de estabelecer, o melhor possível, uma distinção entre os pedidos anteriores, apresentados na convicção de que eram procedentes, embora com o risco decorrente da incerteza do seu desfecho e os pedidos apresentados numa data posterior, tendo em vista uma esperada probabilidade de procedência; e deve ser susceptível de eliminar substancialmente o problema colocado pelo número extremamente elevado de pedidos.

169. Seguindo a sugestão do advogado‑geral A. Tizzano no processo Meilicke, a Banca Popolare, o Governo italiano e a Comissão, juntamente com vários Estados‑Membros, propuseram a data de 21 de Janeiro de 2004, quando foi publicada no Jornal Oficial a entrada no Tribunal de Justiça do pedido de decisão prejudicial no presente processo (101).

170. Parece‑me, porém, que a aplicação ao presente processo de um raciocínio semelhante ao proposto pelo advogado‑geral A. Tizzano conduzirá a uma data diferente. O seu fundamento para propor a data da publicação no Jornal Oficial no processo Meilicke consistia no facto de se poder razoavelmente supor que se tratava da data em que a atenção até dos requerentes menos diligentes teria sido chamada para a possibilidade de reembolso (102). A interpretação do direito comunitário era clara desde a decisão proferida no processo Verkooijen, mas a probabilidade da sua aplicação à regra do imposto alemão só se tornou real quando foi apresentado um pedido de decisão prejudicial neste Tribunal. Quando os potenciais requerentes foram informados da introdução desse pedido, passou a ser plausível que um processo podia ser instaurado com uma probabilidade razoável de procedência.

171. Não penso que a publicação no Jornal Oficial tenha fornecido uma informação equivalente no presente processo, uma vez que lhe falta o «elemento Verkooijen» (103). O pedido de decisão prejudicial suscitou a questão da incompatibilidade do IRAP com o direito comunitário, mas o resultado da sua apresentação não foi, de modo algum, tão óbvia como no processo Meilicke, em que a disposição relevante do direito comunitário já tinha sido interpretada pelo Tribunal de Justiça em circunstâncias paralelas. Neste caso, como demonstrei, a jurisprudência não tem sido totalmente inequívoca na sua interpretação da compatibilidade com a Sexta Directiva.

172. No entanto, é ponto assente que há agora uma percepção generalizada – ou pelo menos uma expectativa – em Itália de que o Tribunal de Justiça vai provavelmente proferir uma decisão em consequência da qual o IRAP vai ser considerado incompatível com o direito comunitário. A determinação da data a partir da qual essa percepção se tornou concreta pode ser de certo modo arbitrária mas, a meu ver, a apresentação das conclusões do advogado‑geral F. G. Jacobs em 17 de Março de 2005 é a data menos arbitrária e mais objectiva nesta matéria (104). Foi a partir dessa data que se criou uma verdadeira probabilidade de que o Tribunal de Justiça proferiria tal decisão; pelo contrário, se o advogado‑geral tivesse chegado a uma conclusão diferente, a probabilidade teria sido consideravelmente menor.

173. Por conseguinte, sou de opinião que uma excepção à limitação no tempo da decisão para quem instaurou processos judiciais antes de 17 de Março de 2005 é susceptível de estabelecer a distinção entre os pedidos anteriores e os pedidos apresentados apenas quando a probabilidade de procedência se afigurou maior. E apesar de o Governo italiano propor uma data anterior, pode continuar a presumir‑se que o risco de pôr em causa os efeitos da limitação não será indevidamente exacerbado.

174. Resta, porém, tratar de uma questão suscitada, em particular, pelo Governo neerlandês.

175. Como o advogado‑geral F. G. Jacobs observou no n.° 85 das suas conclusões, uma quebra nas receitas do Estado causada pela devolução do IRAP terá que ser compensada por outra tributação. O Governo neerlandês está preocupado com a possibilidade de ser criada uma injustiça decorrente do facto de todos os contribuintes (incluindo pessoas recém‑chegadas ao mercado que não foram sujeitas ao IRAP) deverem suportar aquela quebra, enquanto só alguns deles beneficiarão da devolução. Além disso, refere que, se o encargo do imposto foi repercutido sobre os consumidores (como é, em geral, o caso se o IRAP for abrangido pela proibição da Sexta Directiva), o benefício da devolução será multiplicado.

176. Este raciocínio pode parecer sugerir que, de facto, não deveria ser feita nenhuma excepção à limitação no tempo dos efeitos da decisão. Reconheço que pode haver circunstâncias em que seja o caso (e que, em tais circunstâncias, possa ser inapropriado fazer uma excepção até para os requerentes nos processos que deram origem pedido de reenvio, uma vez que as características do processo no âmbito do qual foi feito esse pedido de reenvio não tem qualquer relação com as diligências efectuadas pelo requerente a fim de instaurar o mesmo processo), mas não penso que se verifiquem no caso vertente.

177. O problema da desigualdade de tratamento entre contribuintes não será significativo se o número de requerentes a beneficiar da isenção for suficientemente circunscrito – o que parece provável mesmo se for adoptada uma data posterior à sugerida pelo Governo italiano. E o problema do enriquecimento injusto através da devolução de um imposto cujo encargo foi repercutido tem sido adequadamente resolvido pela jurisprudência do Tribunal de Justiça, mais recentemente no processo Weber’s Wine World (105), na sequência do processo EKW.

C –    Consequências para os outros Estados‑Membros

178. Por último, considerarei brevemente as consequências mais latas da decisão prejudicial (que, para este efeito, continuo a presumir será no sentido de declarar a incompatibilidade de um imposto correspondente à descrição feita do IRAP pelo órgão jurisdicional de reenvio) e de qualquer limitação dos seus efeitos no tempo.

179. Se for imposta uma limitação no tempo aos efeitos de tal decisão, será no interesse do Estado‑Membro em causa, de modo a evitar uma perturbação excepcional. Pelo contrário, se for prevista uma excepção a essa limitação, será no interesse daqueles que, nesse Estado‑Membro, apresentaram pedidos invocando o direito comunitário.

180. Todavia, uma decisão a título prejudicial sobre interpretação tem efeitos gerais. Se o Tribunal de Justiça declarar que um imposto com as características do IRAP, conforme foi descrito pelo órgão jurisdicional de reenvio, é compatível com a Sexta Directiva, esta declaração valerá para o IRAP e igualmente para qualquer outro imposto com as mesmas características, em qualquer outro Estado‑Membro.

181. No entanto, qualquer limitação no tempo e qualquer excepção a essa limitação que venham a ser decididas pelo Tribunal de Justiça basear‑se‑ão numa apreciação da situação – boa fé por parte do Estado, risco de graves perturbações para o Estado e necessidade de protecção jurisdicional efectiva dos requerentes diligentes – em Itália, e essa apreciação pode ser substancialmente diferente em relação a outro Estado‑Membro que também tenha aplicado um imposto com as mesmas características.

182. Esta consideração implica que qualquer limitação tenha de ser não só de ordem temporal mas também, de facto, de ordem territorial – aspecto com alguma relevância no presente processo, uma vez que resulta de vários dos numerosos artigos que já foram publicados em revistas jurídicas e fiscais relativamente a este caso que um ou mais Estados‑Membros diferentes da Itália podem aplicar impostos que, pelo menos na opinião de alguns autores, partilham certas características com o IRAP.

183. Claro que não é possível ao Tribunal de Justiça decidir no presente processo se uma limitação no tempo dos efeitos da decisão seria adequada em relação a esses outros impostos ou, sendo caso disso, que data e que excepções deveriam ser aplicadas, se é que deveriam. O Tribunal de Justiça tem coerentemente sustentado que uma limitação no tempo dos efeitos de uma decisão só pode ser permitida no próprio acórdão que decide quanto à interpretação solicitada (106), e que a decisão é específica para o contexto factual da decisão prejudicial.

184. Consequentemente, de acordo com o princípio fundamental aplicável aos efeitos de todas as decisões a título prejudicial do Tribunal de Justiça sobre interpretação, a decisão aplicar‑se‑á ex tunc a qualquer outro imposto que possua as características relevantes noutro Estado‑Membro.

185. As dificuldades que daí podem resultar são semelhantes às referidas pelo advogado‑geral A. Tizzano nas suas conclusões no processo Meilicke, em particular nos n.os 47 e seguintes. Pode idealizar‑se um cenário como o que se segue.

186. Se os contribuintes puserem em causa a validade de um imposto nacional invocando a decisão no presente processo, o tribunal nacional poderá apresentar um pedido de decisão prejudicial; com efeito, não há qualquer certeza de que outro imposto nacional possua características tão idênticas às definidas neste processo que fique excluída qualquer dúvida sobre a sua compatibilidade. No âmbito desse processo, o Estado‑Membro em causa poderá pedir uma limitação no tempo da decisão que vier a ser proferida. Se as circunstâncias assim o aconselharem, o Tribunal de Justiça pode decidir limitar os efeitos da decisão com base na data da decisão do presente processo – de modo semelhante ao proposto pelo advogado‑geral A. Tizzano no processo Meilicke, no sentido de os efeitos serem limitados à data da decisão proferida no processo Verkooijen – e estabelecer as excepções que se revelarem necessárias para efeitos da limitação.

 Conclusão

187. À luz de todas as considerações precedentes, sou de opinião que o Tribunal de Justiça deve dar as seguintes respostas às questões submetidas pela Commissione Tributaria Provinciale de Cremona:

1)      um imposto com as características do IRAP como vêm descritas no despacho de reenvio, ou seja, que

–      é liquidado relativamente a todas as pessoas singulares e colectivas que exercem uma actividade regular de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços;

–      é aplicado à diferença entre os proveitos e os custos da actividade tributável;

–      é cobrado em cada uma das fases do processo de produção e distribuição que corresponde a um fornecimento ou conjunto de fornecimentos de bens ou serviços por um sujeito passivo, e

–      impõe um encargo relativamente a cada uma dessas fases que é globalmente proporcional ao preço de fornecimento dos bens ou serviços,

está abrangido pela proibição de outros impostos nacionais que possam ser caracterizados como impostos sobre o volume de negócios, prevista no artigo 33.°, n.° 1, da Sexta Directiva 77/388/EEC, desde que, numa amostra representativa das empresas sujeitas a ambos os impostos, a ratio entre os montantes pagos a título de IVA e os montantes pagos a título do imposto controvertido seja substancialmente constante.

A verificação desta condição deve ser apreciada pelo tribunal nacional, tendo em conta as características detalhadas do imposto em causa.

2)      A proibição prevista nesse artigo não pode ser invocada para pedir a devolução do IRAP cobrado num exercício fiscal anterior à decisão do Tribunal de Justiça, ou no exercício fiscal durante o qual essa decisão é proferida, excepto por pessoas que instauraram processos judiciais ou quaisquer processos administrativos equivalentes antes de 17 de Março de 2005, data em que o advogado‑geral F. G. Jacobs apresentou as suas conclusões no presente processo. Esses requerentes podem invocar essa decisão na medida em que as normas processuais nacionais que observam os princípios da equivalência e da eficácia não inviabilizem os seus pedidos.


1 – Língua original: inglês.


2 – Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios ‑ sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO 1977, L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54, a seguir «Sexta Directiva»).


3 – Remeto para essas conclusões quanto ao quadro legislativo, factual e processual, que apenas reiterarei ou completarei quando necessário.


4 – Simplifiquei os termos das questões tal como estão formuladas no despacho de reabertura da fase oral.


5 – N.° 27 das conclusões. V., também, por exemplo, acórdão do Tribunal de Justiça de 3 de Março de 1988, Bergandi (252/86, Colect., p. 1343, n.° 13) e acórdão do Tribunal de Justiça de 26 de Junho de 1997, Careda e o. (C‑370/95 a C‑372/95, Colect., p. I‑3721, n.os 25 e 26.


6 –      Do Decreto legislativo n.° 446, de 15 de Dezembro de 1997, que instituiu o IRAP, publicado no GURI n.° 298, de 23 de Dezembro de 1997.


7 –      O que significa «valore aggiunto prodotto», ou seja, «valor acrescentado do produto» em italiano.


8 – Conclusões do advogado‑geral F. G. Jacobs, n.os 36 e 67.


9 – Uma vez que essa disposição é formulada em termos permissivos (« […] [a] presente directiva não [impede] um Estado‑Membro de manter ou introduzir […] todos os impostos , direitos e taxas que não tenham a natureza de impostos sobre o volume de negócios»), pode considerar‑se preferível entender que a proibição decorre da directiva como um todo, como os seus requisitos de harmonização bastante detalhados, e do artigo 10.°, segundo parágrafo, CE, que proíbe quaisquer medidas susceptíveis de pôr em perigo a realização dos objectivos do presente Tratado, sendo que o artigo 33.°, n.° 1, da directiva clarifica a proibição ao especificar que a mesma apenas diz respeito a impostos que possam ser caracterizados como impostos sobre o volume de negócios. No entanto, a diferença de pontos de vista não tem consequências práticas e assumirei, de acordo com a jurisprudência assente, que a proibição decorre do artigo 33.°, n.°1.


10 – V. n.os 2 e 8 supra, e 22 infra.


11 – Outros processos são de menor importância: o acórdão do Tribunal de Justiça de 8 de Julho de 1986, Kerrutt (73/85, Colect., p. 2219), respeita a uma forma de imposto de selo expressamente permitida pelo artigo 33.° da Sexta Directiva; no acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Março de 1989 (317/86, 48/87, 49/87, 285/87 e 363/87 a 367/87 Lambert e o., Colect., p. 787), o Tribunal de Justiça decidiu do mesmo modo que no acórdão Bergandi (já referido na nota 5), relativamente ao mesmo imposto; o imposto em causa no acórdão Dansk Denkavit (referido na nota 16) também foi posteriormente objecto de uma acção por incumprimento no processo Comissão/Dinamarca (C‑234/91, Colect., p. I‑6273), tendo o Tribunal de Justiça seguido o mesmo raciocínio; e no acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Setembro de 1997, Fricarnes (C‑28/96, Colect., p. I‑4939, n.os 34 e segs.), o Tribunal de Justiça seguiu o mesmo raciocínio que no acórdão UCAL (referido na nota 20), proferido no mesmo dia, em relação a um imposto semelhante.


12 – Acórdão do Tribunal de Justiça de 27 de Novembro de 1985 (295/84, Recueil, p. 3759, especialmente n.os 14 a 17).


13 – Referido na nota 5 supra, n.os 6 a 20.


14 – Acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Julho de 1989 (93/88 e 94/88, Colect., p. 2671, n.os 6 a 21).


15 – Acórdão do Tribunal de Justiça de 19 de Março de 1991 (C‑109/90, Colect., p. I‑1385, especialmente n.° 14).


16 – Acórdão do Tribunal de Justiça de 31 de Março de 1992 (C‑200/90, Colect., p. I‑2217).


17 – Acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Maio de 1992 (C‑347/90, Colect., p. I‑2947).


18 – Acórdão do Tribunal de Justiça de 16 de Dezembro de 1992 (C‑208/91, Colect., p. I‑6709).


19 – Referido na nota 5 supra.


20 – Acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Setembro de 1997 (C‑347/95, Colect., p. I‑4911, n.os 30 e segs.


21 – Acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Setembro de 1997 (C‑130/96, Colect., p. I‑5053).


22 – Acórdão do Tribunal de Justiça de 19 de Fevereiro de 1998 (C‑318/96, Colect., p. I‑785).


23 – Acórdão do Tribunal de Justiça de 8 de Junho de 1999 (C‑338/97, C‑344/97 e C‑390/97, Colect., p. I‑3319).


24 – Acórdão do Tribunal de Justiça de 9 de Março de 2000 (C‑437/97, Colect., p. I‑1157, especialmente n.os 19 a 25).


25 – Acórdão do Tribunal de Justiça de 19 de Setembro de 2002 (C‑101/00, Colect., p. I‑7487, especialmente n.os 91 a 107).


26 – Acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de Abril de 2004 (C‑308/01, Colect., p. I‑4777, especialmente n.os 23 a 37).


27 –      Rousseau Wilmot, n.° 13; Wisselink, n.° 8; v. também o preâmbulo da Primeira Directiva do Conselho, de 11 de Abril de 1967, relativa à harmonização das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios (JO 71, de 14/04/1967, pp. 1301‑1303; EE 09 F01 p. 3, a seguir, «Primeira Directiva»), oitavo considerando.


28 –      Bergandi, n.° 7; SPAR, n.° 17; Pelzl, n.° 14; v. também primeiro e segundo considerandos do preâmbulo da Primeira Directiva.


29 –      Bergandi, n.° 9; SPAR, n.° 19; e Pelzl, n.° 18.


30 – Rousseau Wilmot, n.° 16; Bergandi, n.° 14; Wisselink, n.° 17; Dansk Denkavit, n.° 11; Bozzi, n.° 9; Beaulande, n.° 12; Careda, n.os 13 e 24; UCAL, n.° 33; Solisnor, n.° 13; e EKW, n.° 20.


31 – N.° 19.


32 – Rousseau Wilmot, n.° 15; Bergandi, n.os 8 e 15; Wisselink, n.° 18; Giant, n.° 12; SPAR, n.° 23; e Pelzl, n.° 16.


33 –      Este resumo é baseado no acórdão Pelzl, n.os 20 e 21. As características do imposto têm permanecido constantes na sua essência, apesar de existirem pequenas diferenças na sua formulação precisa: v. Dansk Denkavit, n.° 11; Bozzi, n.° 12; Beaulande, n.° 14; Careda, n.° 14; UCAL, n.° 34; Solisnor, n.° 14; EKW, n.° 22; Tulliasiamies, n.° 99; e GIL Insurance, n.° 33.


34 – V. Bergandi, n.° 14; Giant, n.° 11; SPAR, n.° 22; e Pelzl, n.° 20.


35 – V. n.° 22 supra e jurisprudência aí referida.


36 – Dansk Denkavit, n.° 14; Careda, n.° 14; Solisnor, n.° 14; SPAR, n.° 22; EKW, n.° 21; e GIL Insurance, n.° 32.


37 – N.° 15 e dispositivo. No entanto, deve observar‑se que nem todas essas características foram consideradas relevantes pelo Tribunal de Justiça; v. n.° 28 e notas de rodapé n.° 50 e 52 a 54 infra.


38 – N.° 15.


39 – N.os 18 e 19.


40 – N.os 24 e 25.


41 –      Rousseau Wilmot, n.° 16; Giant, n.° 14; e Pelzl, n.os 24 e 25.


42 –      Bergandi, n.os 16 e segs. e Wisselink, n.° 20.


43 –      Beaulande, n.° 18; UCAL, n.° 36; e GIL Insurance, n.° 36.


44 –      Wisselink, n.° 20; Bozzi, n.° 16; Beaulande, n.° 17; UCAL, n.° 36, e Pelzl, n.° 23.


45 –      Bozzi, n.° 15; UCAL, n.° 36; e Tulliasiamies, n.° 102.


46 –      Bozzi, n.° 16; Beaulande, n.° 17; UCAL, n.° 36; SPAR, par 27; Tulliasiamies, n.° 103; e GIL Insurance, n.° 36.


47 –      N.os 11 e 12.


48 –      SPAR, n.os 25 e 26.


49 –      Wisselink, n.° 10; Careda, n.° 17 e Tulliasiamies, n.° 98.


50 –      Giant, n.° 9; Dansk Denkavit, n.° 15 e SPAR, n.° 21.


51 –      Careda, n.° 18.


52 –      Dansk Denkavit, n.° 15; e Careda, n.os 23 e 25.


53 –      Dansk Denkavit, n.° 15.


54 –      Ibidem.


55 – Finlândia, França, Hungria, Itália e Espanha.


56 – V. artigo 12.°, n.° 3, alínea a), da Sexta Directiva. A Comissão propôs, em várias ocasiões, a instituição de um limite máximo da taxa, mas a proposta não foi aceite, apesar de ser aplicada, de facto, uma taxa máxima de 25%, talvez por razões práticas relacionadas com o provável aumento das fraudes à medida que a taxa aumenta.


57 – V. também conclusões do advogado‑geral G. Tesauro no processo Dansk Denkavit (n.° 8, sexto parágrafo, p. I‑2235).


58 – Ibidem, n.os 24 e 25.


59 – Não obstante resultar dos n.os 11 e 12 do acórdão no processo Wisselink que esta conclusão não é absoluta e que até um imposto cobrado num único estádio pode, em certos casos, comprometer o correcto funcionamento do sistema comum do IVA.


60 – No entanto, no acórdão no processo Bergandi, n.° 17, é sugerido que um imposto de taxa fixa baseado numa avaliação objectiva das receitas previsíveis pode ser abrangido pela proibição se for repercutido no consumidor.


61 – Em particular, as previstas no artigo 13.°‑B, alínea d).


62 – Foram encomendados pela Comissão relatórios sobre a aplicação do IVA aos serviços financeiros, incluindo transacções bancárias. Em particular, um estudo de 1996 da Ernst & Young está disponível no site da Comissão.


63 – Comparar n.os 39, 40 e 53 das conclusões do advogado‑geral F. G. Jacobs no presente processo.


64 – V. jurisprudência referida no n.° 16 supra. O Tribunal de Justiça levou obviamente em conta a possibilidade de se repercutir o encargo do imposto, que é uma característica da tributação indirecta, mas apenas para efeitos de comparação com o IVA, e não para classificar a tributação em causa como directa ou indirecta.


65 – Décima Oitava Directiva 89/465/CEE do Conselho, de 18 de Julho de 1989, relativa à harmonização das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios ‑ supressão de determinadas derrogações previstas no n.° 3 do artigo 28.° da Directiva 77/388/CEE (JO 1989, L 226, p. 21).


66 – Décima terceira Directiva 86/560/CEE do Conselho de 17 de Novembro de 1986 relativa à harmonização das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios ‑ Modalidades de reembolso do imposto sobre o valor acrescentado aos sujeitos passivos não estabelecidos no território da Comunidade (JO 1986, L 326, p. 40); apesar de as Directivas IVA estarem numeradas sequencialmente, nem todas foram efectivamente adoptadas nessa sequência (ou nem todas o foram por ordem sequencial).


67 – V. n.° 27 e nota 41 supra. Pode observar‑se que, a contrário do acórdão no processo Dansk Denkavit, todas essas decisões foram proferidas por uma secção do Tribunal de Justiça.


68 – Os Governos francês e húngaro apresentaram alegações semelhantes.


69 – V. n.° 105 e segs., infra.


70 – V., em particular, acórdão Pelzl, n.° 27; ver também, em relação à compatibilidade de um imposto cobrado a nível local com a proibição de tributações de efeito equivalente aos direitos aduaneiros de exportação, acórdão do Tribunal de Justiça de 9 de Setembro de 2004, Carbonati (C‑72/03, Colect., p. I‑8027, n.os 27 e segs.).


71 – V. n.° 27, supra, e notas 41 e 45.


72 – N.° 18 do acórdão.


73 – Com a talvez infeliz e pequena excepção das transacções isentas, quando correspondam a aquisições feitas com o objectivo de fornecimentos posteriores.


74 – Com a possível excepção dos acórdãos Rousseau Wilmot e SPAR, em que o Tribunal de Justiça não se referiu expressamente às quatro «características essenciais».


75 – V. n.° 96 supra.


76 – Em algumas decisões, desde o acórdão do Tribunal de Justiça de 3 de Julho de 1986, Conselho/Parlamento (34/86, Colect., p. 2155, n.° 48), até ao acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Setembro de 2003 Áustria/Conselho (C‑445/00, Colect., p. 8549, n.os 103 a 106).


77 – Em algumas decisões desde o acórdão do Tribunal de Justiça de 5 de Junho de 1973, Comissão/Conselho (81/72, Recueil, p. 575; Colect., p. 239) até, mais recentemente, ao acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de Janeiro de 2006, Comissão/Parlamento e Conselho (C‑178/03, Colect., p. I‑0000).


78 – V., em particular, os primeiros três processos em que o Tribunal de Justiça adoptou essa posição: acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Outubro de 1980, Providence Agricole de la Champagne (4/79, Recueil, p. 2823, n.os 42 a 46); acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Outubro de 1980, Maïseries de Beauce (109/79, Recueil, p. 2883, n.os 42 a 46); e acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Outubro de 1980, Roquette Frères (145/79, Recueil, p. 2917, n.os 50 a 52).


79 – V., por exemplo, acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Janeiro de 1986, Pinna (41/84, Colect., p. 1, n.os 26 a 30; e acórdão do Tribunal de Justiça de 26 de Abril de 1994, Roquette Frères (C‑228/92, Colect., p. I‑1445, n.os 17 a 30).


80 – Acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de Junho de 1988, Van Landschoot (300/86, Colect., p. 3443, n.os 22 a 24).


81 – Acórdão do Tribunal de Justiça de 19 de Outubro de 1977, Ruckdeschel (117/76 e 16/77, Recueil, p. 1753; Colect., p. 619); e acórdão do Tribunal de Justiça de 19 de Outubro de 1977, Moulins Pont‑à‑Mousson (124/76 e 20/77, Recueil, p. 1795; Colect., p. 625).


82 – Desde o primeiro e mais conhecido acórdão do Tribunal de Justiça de 8 de Abril de 1976, Defrenne II (43/75, Colect., p. 193, n.os 69 a 75), até ao mais recente acórdão EKW, n.os 57 a 60.


83 – Por exemplo, acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Maio de 1990, Barbe (C‑262/88, Colect., p. I‑1889), que também ilustra o facto de a existência de graves dificuldades não ser suficiente para justificar uma limitação no tempo: depois de ter referido, nos n.os 40 e 41, o grande número de trabalhadores com legitimidade para reclamar igualdade de tratamento com base na interpretação feita do Tratado, o Tribunal de Justiça acrescentou, nos n.os 42 e 43, que os Estados‑Membros tinham razoavelmente sido levados a crer que era possível outra interpretação.


84 – A nível nacional, os efeitos no tempo normalmente atribuídos a uma decisão de incompatibilidade também são ex tunc (é a regra geral, nomeadamente, na Bélgica, na França, na Alemanha, na Irlanda, na Espanha, na Itália, na Polónia e em Portugal) ou ex nunc (é a regra geral, nomeadamente, em alguns, senão em todos, os tribunais da Áustria, da República Checa, da Grécia, da Hungria e da Eslovénia; pelo menos no caso da Grécia e da Eslovénia, as decisões de alguns outros tribunais têm normalmente efeitos ex tunc), com uma aparente preponderância dos efeitos ex tunc.


85 – A nível nacional, pode ser seguida uma prática semelhante consoante os efeitos essenciais sejam ex tunc ou ex nunc. Em geral, no interesse da certeza jurídica, os efeitos ex tunc apenas podem ser fixados em processos que foram ou podem ainda vir a ser instaurados dentro dos prazos processuais relevantes, embora em algumas jurisdições os efeitos possam ser formalmente limitados ao caso concreto porque o tribunal não tem competência para anular uma medida legislativa, mas apenas para a desaplicar (trata‑se da regra geral, nomeadamente, nos tribunais da Dinamarca, da Finlândia, do Luxemburgo, da Suécia e do Reino Unido). No que diz respeito aos efeitos ex nunc, é comum abrir uma excepção para os processos que, à data da decisão, foram ou ainda podem vir a ser instaurados dentro dos prazos processuais relevantes, para aqueles que já foram instaurados nessa data, ou para aqueles que estiveram na base da decisão.


86 – Processo C‑292/04.


87 – Acórdão do Tribunal de Justiça de 6 de Junho de 2000 (C‑35/98, Colect., p. I‑4071).


88 – N.os 43 e segs.


89 – São raros os casos em que os tribunais nacionais anulam uma medida legislativa com efeitos a partir de uma determinada data no passado.


90 – Incluindo a Áustria, a Bélgica, a República Checa, a Alemanha, a Hungria, a Polónia, a Eslovénia e a Espanha. Noutros sistemas, há objecções fundamentais a esta posição, também designada de «prospectiva». Como explicou recentemente Lord Nicholls de Birkenhead no processo National Westminster Bank v. Spectrum Plus [2005] UKHL 41: «Na sua essência, o principal argumento contra as decisões de efeitos prospectivos é que, neste país, as decisões de efeitos prospectivos ultrapassam os limites constitucionais do poder judicial. Isso equivaleria à usurpação do poder legislativo pelo poder judicial.»


91 – Nomeadamente, quando uma regra legislativa de aplicação geral existente é declarada incompatível com uma norma hierarquicamente superior; será raro ou mesmo impossível encontrar uma situação exactamente idêntica em que a decisão de incompatibilidade do tribunal reporta o processo à decisão anterior de outro tribunal acerca da validade.


92 – O período entre a data da decisão e a data a partir da qual esta pode ser invocada é por vezes designado de «transitório». Todavia, deve observar‑se que se trata de uma designação incorrecta; a medida nacional contestada é inválida e deve ser substituída com efeitos a partir de uma data determinada.


93 – V., por exemplo, acórdão do Tribunal de Justiça de 16 de Janeiro de 2003, Pansard (C‑265/01, Colect., p. I‑683, n.° 18); ver também nota informativa do Tribunal de Justiça relativa à apresentação de pedidos de decisão prejudicial pelos órgãos jurisdicionais nacionais (JO 2005, C 143, p. 1), n.° 6.


94 – V. também, mais recentemente, acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de Janeiro de 2006, Skov (C‑402/03, Colect., p. I‑0000, n.° 51).


95 – O facto de os fundamentos da convicção do Governo italiano se basearem na garantia da Comissão não é, obviamente, decisivo; a boa fé também podia basear‑se em regulamentação de redacção ambígua ou na obscuridade da jurisprudência.


96 – Comparável a uma cifra situada entre 5 e 13 biliões de euros, na Alemanha, no processo Meilicke; ver n.° 35 das conclusões.


97 – A Banca Popolare intentou inicialmente uma acção em 2001 e o pedido de decisão prejudicial foi feito no final de 2003.


98 – V. Lei de habilitação para a reforma do sistema fiscal estatal (Legge delega per la riforma del sistema fiscale statale de 7/4/03, n.° 80, GURI n.° 91, de 18 de Abril de 2003), em particular, artigos 8.° e 10.°, n.os 4, 5 e 7.


99 – No tribunal alemão Bundesverfassungsgericht e na Cour d’Arbitrage belga (pelo menos), há precedentes da escolha de uma data futura correspondente ao final de um período relevante em curso, como o ano de calendário, o ano fiscal ou o ano escolar.


100 – V., por exemplo, acórdão do Tribunal de Justiça de 2 de Outubro de 2003, Weber’s Wine World (C‑147/01, Colect., p. I‑11365, n.° 93, e jurisprudência aí referida).


101 – JO 2004, C 21, p. 16.


102 – V. n.° 62 das conclusões.


103 – V. minhas observações no n.° 159, supra.


104 – A anterior exposição da posição da Comissão, tanto nas suas observações escritas, que não são tornadas públicas, como na audiência também poderia ter sido levada em conta mas, a meu ver, não pode ser comparada à primeira declaração pública, por escrito, de modo estruturado e publicamente disponível da posição de um membro do Tribunal de Justiça.


105 – Referido na nota 100, n.os 93 a 102.


106 – V. acórdão EKW, n.° 57, e jurisprudência aí referida.