Language of document : ECLI:EU:C:2009:350

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

4 de Junho de 2009 (*)

«Directiva 93/13/CEE − Cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores – Efeitos jurídicos de uma cláusula abusiva − Poder e dever do órgão jurisdicional nacional de examinar oficiosamente o carácter abusivo de uma cláusula atributiva de jurisdição – Critérios de apreciação»

No processo C‑243/08,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pelo Budaörsi Városi Bíróság (Hungria), por despacho de 22 de Maio de 2008, entrado no Tribunal de Justiça em 2 de Junho de 2008, no processo

Pannon GSM Zrt.

contra

Erzsébet Sustikné Győrfi,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente de secção, T. von Danwitz, R. Silva de Lapuerta (relator), E. Juhász e J. Malenovský, juízes,

advogada‑geral: V. Trstenjak,

secretário: B. Fülöp, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 2 de Abril de 2009,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Pannon GSM Zrt., por J. Vitári, C. Petia e M. B. Bíró, ügyvédek,

–        em representação do Governo húngaro, por J. Fazekas, R. Somssich, K. Borvölgyi e M. Fehér, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo checo, por M. Smolek, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo espanhol, por J. López‑Medel Bascones, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo francês, por B. Cabouat e R. Loosli‑Surrans, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo austríaco, por C. Pesendorfer e A. Hable, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo do Reino Unido, por S. Ossowski, na qualidade de agente, assistido por T. de la Mare, barrister,

–        em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por W. Wils e B. Simon, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvida a advogada‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação da Directiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de Abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores (JO L 95, p. 29, a seguir «directiva»).

2        Este pedido foi apresentado no quadro de um litígio que opõe a empresa Pannon GSM Zrt. (a seguir «Pannon») a E. Sustikné Győrfi, relativamente ao cumprimento de um contrato de assinatura de telefone celebrado entre as partes.

 Quadro jurídico

 Regulamentação comunitária

3        Nos termos do seu artigo 1.°, n.° 1, a directiva tem por objectivo a aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros relativas às cláusulas abusivas em contratos celebrados entre profissionais e consumidores.

4        O artigo 3.° da directiva determina:

«1.      Uma cláusula contratual que não tenha sido objecto de negociação individual é considerada abusiva quando, a despeito da exigência de boa fé, der origem a um desequilíbrio significativo em detrimento do consumidor, entre os direitos e obrigações das partes decorrentes do contrato.

2.      Considera‑se que uma cláusula não foi objecto de negociação individual sempre que a mesma tenha sido redigida previamente e, consequentemente, o consumidor não tenha podido influir no seu conteúdo, em especial no âmbito de um contrato de adesão.

[…]

3.      O anexo contém uma lista indicativa e não exaustiva de cláusulas que podem ser consideradas abusivas.»

5        O ponto 1, alínea q), desse anexo visa as cláusulas que têm como objectivo ou como efeito:

«Suprimir ou entravar a possibilidade de intentar acções judiciais ou seguir outras vias de recurso, por parte do consumidor [...]»

6        O artigo 4.°, n.° 1, da directiva dispõe:

«Sem prejuízo do artigo 7.°, o carácter abusivo de uma cláusula poderá ser avaliado em função da natureza dos bens ou serviços que sejam objecto do contrato e mediante consideração de todas as circunstâncias que, no momento em que aquele foi celebrado, rodearam a sua celebração, bem como de todas as outras cláusulas do contrato, ou de outro contrato de que este dependa.»

7        Nos termos do artigo 6.°, n.° 1, da directiva:

«Os Estados‑Membros estipularão que, nas condições fixadas pelos respectivos direitos nacionais, as cláusulas abusivas constantes de um contrato celebrado com um consumidor por um profissional não vinculem o consumidor e que o contrato continue a vincular as partes nos mesmos termos, se puder subsistir sem as cláusulas abusivas.»

8        O artigo 7.°, n.os 1 e 2, da directiva enuncia:

«1.      Os Estados‑Membros providenciarão para que, no interesse dos consumidores e dos profissionais concorrentes, existam meios adequados e eficazes para pôr termo à utilização das cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores por um profissional.

2.      Os meios a que se refere o n.° 1 incluirão disposições que habilitem as pessoas ou organizações que, segundo a legislação nacional, têm um interesse legítimo na defesa do consumidor, a recorrer, segundo o direito nacional, aos tribunais ou aos órgãos administrativos competentes para decidir se determinadas cláusulas contratuais, redigidas com vista a uma utilização generalizada, têm ou não um carácter abusivo, e para aplicar os meios adequados e eficazes para pôr termo à utilização dessas cláusulas.»

 Legislação nacional

9        Quando da ocorrência dos factos em causa no processo principal, eram aplicáveis o Código Civil, na versão resultante da Lei n.° CXLIX de 1997 (Magyar Közlöny 1997/115, a seguir «Código Civil»), e o Decreto do Governo n.° 18/1999 sobre as cláusulas que, nos contratos celebrados com o consumidor, devem ser consideradas abusivas (Magyar Közlöny 1998/8), na versão em vigor à época do litígio no processo principal.

10      Nos termos do artigo 209.°, n.° 1, do Código Civil, as partes podem impugnar as cláusulas contratuais gerais que sejam consideradas abusivas. Segundo o n.° 4 do artigo 209/B do referido Código, disposições especiais determinam as cláusulas consideradas abusivas nos contratos de consumo. Por força do artigo 235.°, n.° 1, do Código Civil, se o contrato for validamente impugnado, perderá a sua força jurídica a contar da data da sua celebração. Segundo o artigo 236.°, n.° 1, do Código Civil, a impugnação deve ser notificada por escrito à outra parte no prazo de um ano.

11      O Decreto do Governo n.° 18/1999, na versão vigente à época dos factos do processo principal, classifica as cláusulas contratuais em duas categorias. Fazem parte da primeira categoria as cláusulas contratuais cuja utilização nos contratos de consumo seja proibida e que, por conseguinte, são nulas. A segunda categoria abrange as cláusulas consideradas abusivas até prova em contrário, podendo o autor dessas cláusulas ilidir essa presunção.

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

12      Em 12 de Dezembro de 2004, E. Sustikné Győrfi celebrou com a Pannon um contrato de assinatura para o fornecimento de serviços de telefonia móvel. O contrato foi celebrado com base num formulário fornecido pela Pannon, que estipulava que, no momento da assinatura do contrato, E. Sustikné Győrfi tomava conhecimento do regulamento de utilização, incluindo as condições gerais do contrato que dele fazem parte integrante, e aceitava o respectivo conteúdo.

13      Nos termos desse regulamento de utilização, ambas as partes no processo principal reconheciam a competência do tribunal do foro do domicílio da Pannon para os litígios emergentes do contrato de assinatura ou com ele relacionados. Esta cláusula atributiva de jurisdição não foi objecto de negociação entre as partes.

14      A Pannon, por considerar que E. Sustikné Győrfi não cumprira as suas obrigações contratuais, apresentou, ao abrigo da referida cláusula, uma injunção de pagamento no Budaörsi Városi Bíróság, órgão jurisdicional do lugar da sua sede social.

15      O órgão jurisdicional proferiu a injunção requerida pela Pannon. E. Sustikné Győrfi deduziu então oposição, no prazo previsto, a essa injunção, passando assim o processo a ser contraditório.

16      O referido órgão jurisdicional verificou que a residência de E. Sustikné Győrfi não se situava na área da sua comarca. Apurou que a residência permanente de E. Sustikné Győrfi, que aufere de uma pensão de invalidez, se situa em Dombegyház, no distrito de Békés, ou seja, a 275 quilómetros de Budaörs, e especificou que as possibilidades de transporte entre Budaörs e Dombegyház são muito limitadas devido à inexistência de uma linha directa de comboio ou de autocarro.

17      O Budaörsi Városi Bíróság observou que as normas processuais aplicáveis determinam que o órgão jurisdicional territorialmente competente é o do local da residência de E. Sustikné Győrfi, ou seja, o Battonyai Városi Bíróság (Tribunal Municipal de Battonya).

18      O órgão jurisdicional de reenvio explicou que o Código de Processo Civil determina que o juiz, no domínio em causa, deve suscitar oficiosamente a questão da sua competência territorial. Todavia, como não se trata de uma competência exclusiva, deixa de ser possível suscitar essa questão depois da primeira apresentação, pela demandada, de contestação sobre o mérito da causa. O órgão jurisdicional a quem foi submetido o litígio só pode examinar a exactidão dos factos invocados para efeitos da determinação da sua competência territorial, quando sejam contrários a factos notórios ou a factos de que o órgão jurisdicional tem conhecimento oficial, ou ainda quando sejam improváveis ou quando a outra parte no litígio os conteste.

19      Nestas condições, o Budaörsi Városi Bíróság, tendo dúvidas sobre o carácter eventualmente abusivo da cláusula atributiva de jurisdição prevista nas condições gerais do contrato controvertido, decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      O artigo 6.°, n.° 1, da Directiva [93/13], segundo o qual os Estados‑Membros estipularão que, nas condições fixadas pelos respectivos direitos nacionais, as cláusulas abusivas constantes de um contrato celebrado com um consumidor por um profissional não vinculem o consumidor, pode ser interpretado no sentido de que a não vinculação do consumidor a uma cláusula abusiva estipulada pelo profissional não opera ipso jure, mas unicamente no caso de o consumidor impugnar com êxito essa cláusula, deduzindo pedido para esse efeito?

2)      A protecção conferida ao consumidor pela Directiva [93/13] exige que, independentemente do tipo de processo e de este ser ou não contraditório, e mesmo quando não tenha sido deduzido pedido para efeitos de impugnação da cláusula abusiva, o tribunal nacional conheça oficiosamente do facto de o contrato em causa conter cláusulas abusivas e, em consequência, aprecie oficiosamente, no âmbito da apreciação da sua própria competência, as cláusulas estipuladas pelo profissional?

3)      Em caso de resposta afirmativa à segunda questão, que critérios deve o julgador nacional ter em conta e ponderar no âmbito dessa apreciação?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão

20      Através desta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se o artigo 6.°, n.° 1, da directiva, segundo o qual as cláusulas abusivas constantes de um contrato celebrado entre um profissional e um consumidor não vinculam este último, deve ser interpretado no sentido de que só quando o consumidor tiver contestado essa cláusula com êxito é que não fica vinculado por ela.

21      Para responder à questão submetida, cabe recordar, a título liminar, que a obrigação imposta aos Estados‑Membros nos termos do artigo 6.°, n.° 1, da directiva visa conceder direitos aos cidadãos, enquanto consumidores, e define o resultado prosseguido pela directiva (v. acórdãos de 10 de Maio de 2001, Comissão/Países Baixos, C‑144/99, Colect., p. I‑3541, n.° 18, e de 7 de Maio de 2002, Comissão/Suécia, C‑478/99, Colect., p. I‑4147, n.os 16 e 18).

22      Assim, o sistema de protecção implementado pela directiva assenta na ideia de que o consumidor se encontra numa situação de inferioridade relativamente ao profissional, no que respeita quer ao poder de negociação quer ao nível de informação, situação esta que o leva a aderir às condições redigidas previamente pelo profissional, sem poder influenciar o seu conteúdo (acórdão de 27 de Junho de 2000, Océano Grupo Editorial e Salvat Editores, C‑240/98 a C‑244/98, Colect., p. I‑4941, n.° 25).

23      O Tribunal de Justiça também observou, no n.° 26 do referido acórdão, que o objectivo prosseguido pelo artigo 6.° da directiva não poderia ser atingido se os consumidores se vissem na obrigação de suscitar eles mesmos a questão do carácter abusivo de uma cláusula contratual e que só se pode garantir uma protecção efectiva do consumidor se ao órgão jurisdicional nacional for reconhecida a faculdade de apreciar oficiosamente uma cláusula como essa.

24      Importa sublinhar, a este propósito, que, embora seja necessário garantir essa faculdade ao órgão jurisdicional nacional, o artigo 6.°, n.° 1, da directiva não pode ser interpretado no sentido de que é apenas quando o consumidor apresenta um pedido a esse respeito que a cláusula contratual abusiva não vincula esse consumidor. Com efeito, essa interpretação impediria o órgão jurisdicional nacional de apreciar oficiosamente, no quadro da apreciação da admissibilidade do pedido que lhe é submetido e sem que o consumidor o tivesse expressamente requerido, o carácter abusivo de uma cláusula contratual.

25      Quanto aos efeitos jurídicos associados a uma cláusula abusiva, o Tribunal de Justiça precisou, no acórdão de 26 de Outubro de 2006, Mostaza Claro (C‑168/05, Colect., p. I‑10421, n.° 36), que a importância da protecção dos consumidores levou o legislador comunitário a prever, no artigo 6.°, n.° 1, da directiva, que as cláusulas abusivas constantes de um contrato celebrado com um consumidor por um profissional «não vincul[a]m o consumidor». Sublinhou que se trata de uma disposição imperativa que, tendo em conta a inferioridade de uma das partes no contrato, pretende substituir o equilíbrio formal que este estabelece entre os direitos e obrigações das partes por um equilíbrio real susceptível de restabelecer a igualdade entre estas.

26      O Tribunal de Justiça acrescentou, no n.° 37 do referido acórdão, que a directiva, que visa reforçar a protecção dos consumidores, constitui, em conformidade com o disposto no artigo 3.°, n.° 1, alínea t), CE, uma medida indispensável para o cumprimento das missões confiadas à Comunidade Europeia e, em particular, para o aumento do nível e da qualidade de vida em todo o seu território.

27      Por conseguinte, a expressão «nas condições fixadas pelos respectivos direitos nacionais», constante do artigo 6.°, n.° 1, da directiva, não pode ser entendida no sentido de permitir que os Estados‑Membros subordinem o carácter não vinculativo de uma cláusula abusiva a uma condição como a evocada na primeira questão prejudicial.

28      Assim, há que responder à primeira questão prejudicial que o artigo 6.°, n.° 1, da directiva deve ser interpretado no sentido de que uma cláusula contratual abusiva não vincula o consumidor e que, para o efeito, não é necessário que este impugne previamente e com sucesso essa cláusula.

 Quanto à segunda questão

29      Através desta questão, o órgão jurisdicional de reenvio interroga o Tribunal de Justiça sobre as obrigações que incumbem ao órgão jurisdicional nacional, por força das disposições da directiva, a fim de apurar se este, no quadro da apreciação da sua competência e independentemente da natureza do processo, se deve pronunciar, eventualmente ex officio, sobre o carácter abusivo de uma cláusula contratual.

30      Para responder a esta questão, cabe recordar que o Tribunal de Justiça, no acórdão de 21 de Novembro de 2002, Cofidis (C‑473/00, Colect., p. I‑10875, n.° 34), sublinhou que a protecção que a directiva confere aos consumidores se estende aos casos em que o consumidor que celebrou com um profissional um contrato que inclua uma cláusula abusiva se abstém de invocar o carácter abusivo dessa cláusula, ou porque desconhece os seus direitos ou porque é dissuadido de o fazer devido aos custos de uma acção judicial.

31      Importa também sublinhar que o Tribunal de Justiça, no n.° 38 do acórdão Mostaza Claro, já referido, declarou que a natureza e a importância do interesse público em que assenta a protecção que a directiva garante aos consumidores justificam que o juiz nacional deva apreciar oficiosamente o carácter abusivo de uma cláusula contratual e, deste modo, atenuar o desequilíbrio que existe entre o consumidor e o profissional.

32      O órgão jurisdicional chamado a apreciar a questão deve assegurar o efeito útil da protecção pretendida pelas disposições da directiva. Por conseguinte, o papel que o direito comunitário atribui assim ao órgão jurisdicional nacional no domínio em causa não se limita à simples faculdade de se pronunciar sobre a natureza eventualmente abusiva de uma cláusula contratual, abrangendo também a obrigação de examinar oficiosamente essa questão, desde que disponha dos elementos de direito e de facto necessários para o efeito, inclusive quando se interroga sobre a sua própria competência territorial.

33      Todavia, no cumprimento dessa obrigação, o órgão jurisdicional nacional não é obrigado, por força da directiva, a não aplicar a cláusula em causa se o consumidor decidir, após ter sido avisado pelo órgão jurisdicional, não invocar o seu carácter abusivo e não vinculativo.

34      Nestas condições, as características específicas do processo jurisdicional, cuja tramitação se dá no quadro do direito nacional entre o profissional e o consumidor, não pode constituir um elemento susceptível de afectar a protecção jurídica de que o consumidor deve beneficiar ao abrigo das disposições da directiva.

35      Assim, deve responder‑se à segunda questão que o órgão jurisdicional nacional é obrigado a examinar oficiosamente o carácter abusivo de uma cláusula contratual, desde que disponha dos elementos de direito e de facto necessários para o efeito. Quando considerar que a cláusula é abusiva, não a deve aplicar, salvo se o consumidor a isso se opuser. Esta obrigação também incumbe ao órgão jurisdicional nacional quando da apreciação da sua própria competência territorial.

 Quanto à terceira questão

36      Através desta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende obter indicações sobre os elementos a que o órgão jurisdicional nacional deve atender para apreciar o carácter eventualmente abusivo de uma cláusula contratual.

37      Para responder a esta questão, cabe observar que, ao referir‑se aos conceitos de boa fé e de desequilíbrio significativo entre os direitos e as obrigações das partes, o artigo 3.° da directiva enuncia de forma meramente abstracta os elementos que conferem um carácter abusivo a uma cláusula contratual que não foi objecto de uma negociação individual (acórdão de 1 de Abril de 2004, Freiburger Kommunalbauten, C‑237/02, Colect., p. I‑3403, n.° 19).

38      Neste contexto, o anexo para o qual remete o artigo 3.°, n.° 3, da directiva apenas contém uma lista indicativa e não exaustiva de cláusulas que podem ser declaradas abusivas (acórdão Freiburger Kommunalbauten, já referido, n.° 20).

39      Além disso, o artigo 4.° da directiva estabelece que o carácter abusivo de uma cláusula contratual deve ser apreciado em função da natureza dos bens ou serviços que sejam objecto do contrato e mediante consideração de todas as circunstâncias que, no momento em que foi celebrado, rodearam a sua conclusão.

40      Todavia, quanto à cláusula objecto do litígio no processo principal, importa recordar que, nos n.os 21 a 24 do acórdão Océano Grupo Editorial e Salvat Editores, já referido, o Tribunal de Justiça declarou que, num contrato celebrado entre um consumidor e um profissional na acepção da directiva, uma cláusula previamente redigida por um profissional e que não foi objecto de negociação individual, que tem por objectivo atribuir competência, para todos os litígios decorrentes do contrato, ao órgão jurisdicional do foro onde está situada a sede do profissional, preenche todos os critérios para poder ser qualificada de abusiva à luz da directiva.

41      Com efeito, como o Tribunal de Justiça sublinhou no n.° 22 do acórdão Océano Grupo Editorial e Salvat Editores, já referido, tal cláusula obriga o consumidor a submeter‑se à competência exclusiva de um tribunal que pode estar afastado do seu domicílio, o que pode dificultar a sua comparência em juízo. Nos casos de litígios relativos a somas reduzidas, as despesas em que o consumidor incorre para comparecer poderiam revelar‑se dissuasivas e levá‑lo a renunciar a qualquer acção judicial ou a qualquer defesa. O Tribunal de Justiça concluiu assim, no referido n.° 22, que essa cláusula se insere na categoria das que têm por objectivo ou por efeito suprimir ou entravar a possibilidade de instaurar acções judiciais por parte do consumidor, categoria visada no ponto 1, alínea q), do anexo da directiva.

42      Embora seja verdade que o Tribunal de Justiça, no exercício da competência que lhe é atribuída pelo artigo 234.° CE, interpretou, no n.° 22 do acórdão Océano Grupo Editorial e Salvat Editores, já referido, os critérios gerais utilizados pelo legislador comunitário para definir o conceito de cláusula abusiva, não pode, contudo, pronunciar‑se sobre a aplicação desses critérios gerais a uma cláusula particular que deve ser apreciada em função das circunstâncias próprias do caso (v. acórdão Freiburger Kommunalbauten, já referido, n.° 22).

43      Compete ao órgão jurisdicional de reenvio, à luz do que precede, apreciar se uma cláusula contratual pode ser qualificada de abusiva na acepção do artigo 3.°, n.° 1, da directiva.

44      Nestas condições, deve responder‑se à terceira questão no sentido de que cabe ao órgão jurisdicional nacional determinar se uma cláusula contratual como a que é objecto do litígio no processo principal preenche os critérios exigidos para ser qualificada de abusiva na acepção do artigo 3.°, n.° 1, da directiva. Ao fazê‑lo, o órgão jurisdicional nacional deve ter em conta o facto de que uma cláusula inserida num contrato celebrado entre um consumidor e um profissional, que não foi objecto de negociação individual e que atribui competência exclusiva ao órgão jurisdicional do foro onde está situada a sede do profissional, pode ser considerada abusiva.

 Quanto às despesas

45      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

1)      O artigo 6.°, n.° 1, da Directiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de Abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, deve ser interpretado no sentido de que uma cláusula contratual abusiva não vincula o consumidor e que, para o efeito, não é necessário que este impugne previamente e com sucesso essa cláusula.

2)      O órgão jurisdicional nacional é obrigado a examinar oficiosamente o carácter abusivo de uma cláusula contratual, desde que disponha dos elementos de direito e de facto necessários para o efeito. Quando considerar que a cláusula é abusiva, não a deve aplicar, salvo se o consumidor a isso se opuser. Esta obrigação também incumbe ao órgão jurisdicional nacional quando da apreciação da sua própria competência territorial.

3)      Cabe ao órgão jurisdicional nacional determinar se uma cláusula contratual como a que é objecto do litígio no processo principal preenche os critérios exigidos para ser qualificada de abusiva na acepção do artigo 3.°, n.° 1, da Directiva 93/13. Ao fazê‑lo, o órgão jurisdicional nacional deve ter em conta o facto de que uma cláusula inserida num contrato celebrado entre um consumidor e um profissional, que não foi objecto de negociação individual e que atribui competência exclusiva ao órgão jurisdicional do foro onde está situada a sede do profissional, pode ser considerada abusiva.

Assinaturas


* Língua do processo: húngaro.