Language of document : ECLI:EU:C:2021:486

Processo C684/20 P

Eleanor Sharpston

contra

Conselho da União Europeia

e

Conferência dos Representantes dos Governos dos EstadosMembros

 Despacho do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 16 de junho de 2021

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Artigo 181.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça — Consequências da saída do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte da União Europeia para os membros do Tribunal de Justiça da União Europeia — Declaração da Conferência dos Representantes dos Governos dos Estados‑Membros — Cessação do mandato de um advogado‑geral — Recurso de anulação»

Recurso de anulação — Competência do juiz da União — Recurso interposto da declaração da Conferência dos Representantes dos Governos dos EstadosMembros — Incompetência e inadmissibilidade manifestas

(Artigos 252.°, 253.°, n.° 1, 256.° e 263.° TFUE)

(cf. n.os 39‑50)

Resumo

O Tribunal de Justiça confirma o não provimento a dois recursos de anulação interpostos por E. Sharpston, destinados a obter a declaração de ilegalidade da cessação antecipada do seu mandato de advogadageral devido à saída do Reino Unido da GrãBretanha e da Irlanda do Norte da União Europeia.

O Tribunal Geral não cometeu nenhum erro ao declarar que os atos adotados pelos representantes dos governos dos EstadosMembros não estão sujeitos à fiscalização da legalidade exercida pelo juiz da União.

No decurso de 2005, sob proposta do Governo do Reino Unido, os representantes dos governos dos Estados‑Membros nomearam E. Sharpston, a recorrente, para exercer as funções de advogada‑geral no Tribunal de Justiça pelo período restante do mandato do seu antecessor, ou seja, até 6 de outubro de 2009. O seu mandato foi renovado, pelo período compreendido entre 7 de outubro de 2009 e 6 de outubro de 2015, e posteriormente pelo período compreendido entre 7 de outubro de 2015 e 6 de outubro de 2021.

Em 29 de janeiro de 2020, a Conferência dos Representantes dos Governos dos Estados‑Membros adotou a declaração sobre as consequências da saída do Reino Unido [da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte] da União Europeia para os advogados‑gerais do Tribunal de Justiça da União Europeia (a seguir «declaração controvertida»). Nessa declaração, a Conferência recordou que, uma vez que o Reino Unido desencadeou o processo previsto no artigo 50.° TUE para se retirar da União, os Tratados deixariam de lhe ser aplicáveis a partir da data de entrada em vigor do acordo de saída (1). A Conferência recordou igualmente que, por conseguinte, os mandatos dos membros das instituições, órgãos e organismos da União, que foram nomeados, designados ou eleitos em resultado da adesão do Reino Unido à União cessam na data da saída.

A Conferência dos Representantes dos Governos dos Estados‑Membros indicou que daí resultava que o lugar permanente de advogado‑geral que cabia ao Reino Unido (2) seria integrado no sistema de rotação dos Estados‑Membros aplicável à nomeação dos advogados‑gerais. Esta Conferência observou que, segundo a ordem protocolar, o próximo Estado‑Membro elegível é a República Helénica.

Em 2 de setembro de 2020, por decisão dos Representantes dos Governos dos Estados‑Membros que nomeia três juízes e um advogado‑geral do Tribunal de Justiça (3) (a seguir «decisão controvertida»), o sucessor da recorrente, A. Rantos, foi nomeado para o lugar de advogado‑geral no Tribunal de Justiça pelo período compreendido entre 7 de setembro de 2020 e 6 de outubro de 2021.

Com os seus dois recursos interpostos no Tribunal Geral, respetivamente, em 7 de abril de 2020 e 4 de setembro de 2020, E. Sharpston pediu a anulação parcial da declaração controvertida e a anulação da decisão controvertida, na parte em que respeita à nomeação de A. Rantos para o lugar de advogado‑geral no Tribunal de Justiça pelo período compreendido entre 7 de setembro de 2020 e 6 de outubro de 2021.

Por dois Despachos de 6 de outubro de 2020, o Tribunal Geral julgou estes dois recursos de anulação respetivamente inadmissível e manifestamente inadmissível (4).

Com as suas duas petições de recurso, E. Sharpston pediu ao Tribunal de Justiça que se dignasse anular os dois despachos recorridos. Sustentava, em substância, que o Tribunal Geral tinha cometido um erro de direito ao julgar inadmissível, por um lado, o seu pedido de anulação parcial da declaração controvertida e, por outro, manifestamente inadmissível o seu pedido de anulação da decisão controvertida, por terem sido adotadas pelos representantes dos governos dos Estados‑Membros agindo nessa qualidade, e não pelo Conselho.

Confirmando os despachos recorridos, o Tribunal de Justiça julga os dois recursos em parte manifestamente inadmissíveis e em parte manifestamente improcedentes.

Apreciação do Tribunal de Justiça

Antes de mais, o Tribunal de Justiça recorda que resulta da redação do artigo 263.° TFUE que os atos adotados pelos representantes dos governos dos Estados‑Membros, agindo não na qualidade de membros do Conselho, mas na qualidade de representantes do seu governo e exercendo assim coletivamente as competências dos Estados‑Membros, não estão sujeitos à fiscalização da legalidade exercida pelo juiz da União. O critério pertinente assim acolhido pelo Tribunal de Justiça para excluir a competência dos órgãos jurisdicionais da União para conhecer de um recurso judicial contra tais atos é, portanto, o relativo ao seu autor, independentemente dos seus efeitos jurídicos obrigatórios.

Segundo o Tribunal de Justiça, afigura‑se manifesto que uma interpretação ampla dos autores dos atos a que o artigo 263.° TFUE se refere, tal como sustentada pela recorrente, colidiria com a vontade dos autores dos Tratados, refletida neste artigo, cujo âmbito de aplicação se limita apenas aos atos do direito da União adotados pelas instituições, órgãos e organismos da União, de excluir da fiscalização jurisdicional do Tribunal de Justiça os atos que cabe aos Estados‑Membros adotar, como as decisões de nomeação dos membros dos órgãos jurisdicionais da União.

O Tribunal de Justiça salienta que é igualmente irrelevante que os representantes dos governos dos Estados‑Membros tenham agido no quadro dos Tratados ou de outras fontes jurídicas, como o direito internacional.

Por conseguinte, o Tribunal de Justiça considera que o Tribunal Geral não cometeu nenhum erro ao recordar que resulta do artigo 263.° TFUE que os atos adotados pelos representantes dos governos dos Estados‑Membros agindo não na qualidade de membros do Conselho ou de membros do Conselho Europeu, mas na sua qualidade de representantes do seu governo, e exercendo assim coletivamente as competências dos Estados‑Membros, não estão sujeitos à fiscalização da legalidade exercida pelo juiz da União.

Em seguida, ao examinar o argumento da recorrente relativo ao facto de os juízes da União deverem, não obstante, considerar‑se competentes para apreciar a legalidade da declaração controvertida e da decisão sobre a nomeação de um novo advogado‑geral, com o fundamento de que a primeira contém uma decisão dos representantes dos governos dos Estados‑Membros que declara, de forma ultra vires, a cessação antecipada do seu mandato de advogada‑geral e que, no que respeita à segunda, a saída do Reino Unido da União não teve por efeito pôr termo ao mandato de advogada‑geral da recorrente, o Tribunal de Justiça considera, todavia, que esta análise não pode ser acolhida, uma vez que a declaração e a decisão controvertidas não podem, em caso algum, ser consideradas como tendo sido adotadas por uma instituição, um órgão ou organismo da União referido no artigo 263.° TFUE.

Além disso, o Tribunal de Justiça constata que não se pode considerar que a declaração e a decisão controvertidas contenham uma decisão dotada de efeitos jurídicos que lesem a recorrente, na medida em que decidiram a cessação antecipada do seu mandato de advogada‑geral, nem sequer, aliás, no que respeita à segunda, na medida em que se baseia nessa decisão. O Tribunal de Justiça constata, a este respeito, que a declaração controvertida se limitou a registar as consequências necessariamente decorrentes da saída do Reino Unido da União.

Com efeito, uma vez que os Tratados deixaram de ser aplicáveis ao Reino Unido à data da sua saída, em 1 de fevereiro de 2020, por força do artigo 50.°, n.° 3, TUE, este Estado já não é, a partir dessa data, um Estado‑Membro. Daqui resulta, como enuncia o oitavo parágrafo do preâmbulo do acordo de saída, que os mandatos em curso dos membros das instituições, órgãos e organismos da União que foram nomeados, designados ou eleitos, em resultado da adesão do Reino Unido à União, cessaram automaticamente nessa data.

Por conseguinte, o Tribunal Geral não pode ser censurado por não se ter considerado competente para apreciar, por um lado, a legalidade de uma alegada decisão dos representantes dos governos dos Estados‑Membros que declara o fim antecipado do mandato da recorrente e, por outro, a legalidade da decisão controvertida.


1      Acordo sobre a saída do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte da União Europeia e da Comunidade Europeia da Energia Atómica (JO 2020, L 29, p. 7, a seguir «acordo de saída»), aprovado pela Decisão (UE) 2020/135 do Conselho, de 30 de janeiro de 2020 (JO 2020, L 29, p. 1), que entrou em vigor em 1 de fevereiro de 2020.


2      Com a declaração ad artigo 252.° TFUE sobre o número de advogados‑gerais do Tribunal de Justiça anexada à Ata Final da Conferência Intergovernamental que adotou o Tratado de Lisboa.


3      Decisão (UE) 2020/1251 dos Representantes dos Governos dos Estados‑Membros, de 2 de setembro de 2020, que nomeia três juízes e advogado‑geral do Tribunal de Justiça (JO 2020, L 292, p. 1).


4      Despacho do Tribunal Geral de 6 de outubro de 2020, Sharpston/Conselho e Conferência dos Representantes dos Governos dos Estados‑Membros (T‑180/20, não publicado, EU:T:2020:473) e Despacho do Tribunal Geral de 6 de outubro de 2020, Sharpston/Conselho e Representantes dos Governos dos Estados‑Membros (T‑550/20, não publicado, EU:T:2020:475).