Language of document : ECLI:EU:F:2010:2

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA FUNÇÃO PÚBLICA

(Tribunal Pleno)

13 de Janeiro de 2010

Processos apensos F‑124/05 e F‑96/06

A e G

contra

Comissão Europeia

«Função pública — Funcionários — Recurso de anulação — Não conhecimento do mérito — Acção fundada em responsabilidade — Admissibilidade — Privilégios e Imunidades — Levantamento da imunidade de jurisdição — Confidencialidade dos inquéritos do OLAF — Inquéritos do IDOC — Acesso aos documentos de natureza médica — Acesso ao processo pessoal — Processo disciplinar — Prazo razoável»

Objecto: Recursos, interpostos ao abrigo dos artigos 236.° CE e 152.° EA, através dos quais, no processo F‑124/05, o recorrente pede, por um lado, a anulação da decisão da Comissão, de 28 de Fevereiro de 2005, que indefere o seu pedido, de 22 de Outubro de 2004, para que seja posto termo ao procedimento disciplinar que lhe foi instaurado, por decisão de 16 de Janeiro de 2004 e, por outro, que a Comissão seja condenada a pagar‑lhe uma indemnização por danos; no processo F‑96/06, o mesmo recorrente pede que a Comissão seja condenada a pagar‑lhe uma indemnização por danos devido a vários erros que terá cometido.

Decisão: Não há que conhecer dos pedidos apresentados pelo recorrente no recurso registado sob a referência F‑124/05, A/Comissão. A Comissão é condenada a pagar ao recorrente a quantia de 30 000 euros, a título de indemnização do dano moral por este sofrido. A Comissão suporta, além das suas próprias despesas, metade das despesas do recorrente relativas aos recursos registados sob as referências F‑124/05, A/Comissão, e F‑96/06, G/Comissão. O recorrente suporta metade das suas despesas relativas aos recursos registados sob as referências F‑124/05, A/Comissão, e F‑96/06, G/Comissão.

Sumário

1.      Funcionários — Acção de indemnização — Pedidos que visam a indemnização do dano moral que lhe foi causado pela duração excessiva do processo disciplinar

(Estatuto dos Funcionários, artigo 73.°)

2.      Funcionários — Segurança social — Seguro de acidentes e doenças profissionais — Indemnização pecuniária nos termos do regime estatutário — Pedido de indemnização complementar baseado numa falta susceptível de desencadear a responsabilidade da instituição — Requisitos

(Estatuto dos Funcionários, artigo 73.°)

3.      Funcionários — Segurança social — Seguro de acidentes e doenças profissionais — Invalidez — Grau de invalidez — Fixação pela Junta Médica

(Estatuto dos Funcionários, artigo 73.°; Regulamentação relativa à cobertura dos riscos de acidente e de doença profissional, artigo 19.°, n.° 3)

4.      Funcionários — Regime disciplinar — Inquérito prévio à instauração do processo disciplinar

(Estatuto dos Funcionários, anexo IX)

5.      Funcionários — Recurso — Reclamação administrativa prévia — Reclamações que tem por base os mesmos fundamentos mas que tem um objecto juridicamente distinto — Admissibilidade

(Estatuto dos Funcionários, artigos 90.° e 91.°)

6.      Responsabilidade extracontratual — Requisitos — Ilegalidade — Prejuízo — Nexo de causalidade

(Artigo 340.°, segundo parágrafo, TFUE)

7.      Funcionários — Recurso — Acto lesivo — Conceito — Decisão relativa ao levantamento da imunidade de um funcionário ou agente — Inclusão

(Protocolo Relativo aos Privilégios e Imunidades das Comunidades Europeias, artigo 12.°; Estatuto dos Funcionários, artigos 90.° e 91.°)

8.      Funcionários — Segurança social — Seguro de acidentes e doenças profissionais — Determinação da origem profissional de uma doença

(Estatuto dos Funcionários, artigo 73.°)

9.      Funcionários — Segurança social — Seguro de acidentes e doenças profissionais — Constatação da existência de uma doença profissional

(Estatuto dos Funcionários, artigos 26.° e 73.°; Regulamentação relativa à cobertura dos riscos de acidente e de doença profissional, artigo 21.°)

10.    Comunidades Europeias — Instituições — Direito de acesso do público aos documentos — Regulamento n.° 1049/2001

(Estatuto dos Funcionários, artigo 26.°; Regulamento n.° 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 4.°, n.° 2)

11.    Tramitação processual — Petição inicial — Requisitos de forma — Exposição sumária dos fundamentos invocados — Remissão para a petição apresentada pelo recorrente na mesma jurisdição noutro processo — Inadmissibilidade — Excepções

(Estatuto do Tribunal de Justiça, artigo 21.°; Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, artigo 44.°, n.° 1)

12.    Funcionários — Regime disciplinar — Decisão de instauração de um processo disciplinar

(Estatuto dos Funcionários, anexo IX)

13.    Funcionários — Regime disciplinar — Instauração de processo disciplinar — Poder de apreciação da Autoridade Investida do Poder de Nomeação

(Estatuto dos Funcionários, anexo IX)

14.    Funcionários — Dever de solicitude que incumbe à administração — Limites

15.    Funcionários — Regime disciplinar — Processo disciplinar — Prazos

(Estatuto dos Funcionários, anexo IX)

1.      Um procedimento disciplinar coloca qualquer funcionário numa situação de incerteza quanto ao seu futuro profissional, causando‑lhe necessariamente um certo stress e uma certa ansiedade. Quando essa incerteza se mantém por tempo excessivo, a intensidade do stress e da ansiedade causados ao funcionário aumenta para além do que pode ser justificado. Deste modo, deve considerar‑se que a excessiva duração de um procedimento disciplinar leva a presumir a existência de um dano moral para o interessado. A este respeito, importa distinguir, por um lado, o dano moral causado a qualquer funcionário ou agente, independentemente de uma eventual doença e, por outro lado, o dano causado por uma eventual doença psíquica — ou o agravamento dessa doença — com origem no prolongamento excessivo do referido processo. Assim, um pedido de indemnização destinado a obter a indemnização do primeiro tipo de danos é admissível seja qual for o estado em que se encontre um eventual processo intentado, por outro lado, pelo funcionário ao abrigo do artigo 73.° do Estatuto. Em contrapartida, segundo a jurisprudência, o pedido de indemnização apresentado por um funcionário, destinado a obter a indemnização do dano material e moral que lhe tenha sido causado por uma doença profissional, regra geral, não é admissível enquanto o processo instaurado ao abrigo do artigo 73.° do Estatuto não estiver terminado.

(cf. n.os 147 e 149 a 151)

Ver:

Tribunal da Função Pública: 2 de Maio de 2007, Giraudy/Comissão, F‑23/05, ColectFP, pp. I‑A‑1‑121 e II‑A‑1‑657, n.os 197 a 202

2.      A petição pela qual um funcionário pede a indemnização do dano que afirma ter sofrido em razão da sua doença profissional, apresentada antes de estar concluído o processo instaurado ao abrigo do artigo 73.° do Estatuto, foi declarada prematura, na medida em que não era possível, na fase em que tinha sido interposto o recurso, apreciar o carácter adequado da indemnização estatutária que o interessado podia reclamar. Com efeito, na maior parte dos casos, a determinação do nexo de causalidade entre as condições do exercício das funções e o dano invocado, bem como a avaliação do referido dano, necessitam do recurso a uma peritagem médica, pelo que a determinação, pelo juiz, do referido nexo de causalidade e do referido dano antes de estar concluído o processo instaurado ao abrigo do artigo 73.° do Estatuto não faria sentido, ou seria mesmo impossível.

No entanto, não se pode inferir sistematicamente o carácter prematuro de um pedido de indemnização baseado num erro de serviço pretensamente cometido por uma instituição. É à luz da economia do processo, princípio que exige que sejam ponderados os diferentes factores presentes em cada caso específico, que o juiz pode, nomeadamente, tomar em consideração que, num dado processo, uma peritagem médica não era necessária para avaliar o dano moral sofrido.

(cf. n.os 153, 154, 156 e 158)

Ver:

Tribunal de Primeira Instância: 15 de Dezembro de 1999, Latino/Comissão, T‑300/97, ColectFP, pp. I‑A‑259 e II‑1263, n.os 94 e 95; 10 de Dezembro de 2008, Nardone/Comissão, T‑57/99, ColectFP, pp. I‑A‑2‑83 e II‑A‑2‑505, n.os 56 e 57

3.      Importa necessariamente interpretar de maneira restritiva o artigo 19.°, n.° 3, segundo parágrafo, da regulamentação de cobertura dos riscos de acidente e de doença profissional, que prevê que quando, após cessação do tratamento médico, o grau da invalidez ainda não puder ser fixado definitivamente, o relatório da Junta Médica deve precisar a data limite até à qual o processo do segurado deve ser reapreciado. Com efeito, se fosse possível à Junta Médica adiar por várias vezes a data até à qual o processo do segurado deve ser reapreciado, alguns segurados nunca chegariam a receber em vida o capital previsto pelo artigo 73.° do Estatuto. Por outro lado, uma interpretação extensiva desta disposição infringiria o conceito de consolidação, conforme definido no artigo 19.°, n.° 3, da regulamentação de cobertura, segundo a qual as sequelas do acidente ou da doença profissional são consolidadas quando estejam estabilizadas ou quando se atenuem apenas muito lentamente e de uma maneira muito limitada. Deste modo, o conceito de consolidação não exclui quaisquer evoluções do estado do doente, mas implica uma estabilização ou uma evolução muito lenta.

(cf. n.° 161)

4.      Uma instituição dispõe de amplo poder de apreciação no que diz respeito à instauração e à condução de inquéritos administrativos, desde que exista uma suspeita razoável de que foi cometida uma infracção disciplinar.

(cf. n.os 173 e 188)

5.      Um funcionário pode invocar um mesmo fundamento, um mesmo argumento, ou um mesmo facto em apoio de várias reclamações cujo objecto seja juridicamente distinto.

(cf. n.° 205)

Ver:

Tribunal de Primeira Instância: 19 de Setembro de 2008, Chassagne/Comissão, T‑253/06 P, ColectFP, pp. I‑B‑1‑43 e II‑B‑1‑295, n.° 149

6.      É ao demandante que cabe, no âmbito de uma acção de indemnização, demonstrar que estão preenchidos os requisitos que determinam que a União Europeia incorre em responsabilidade extracontratual. Esta regra sofre, no entanto, atenuantes quando um facto danoso possa ter sido provocado por várias causas diferentes e a instituição demandada não tiver apresentado prova nenhuma que permita determinar a qual destas causas esse facto era imputável, quando era a instituição que melhor estava colocada para apresentar provas a este respeito, pelo que a incerteza que persiste deve‑lhe ser imputada.

(cf. n.° 213)

Ver:

Tribunal de Primeira Instância: 8 de Julho de 2008, Franchet e Byk/Comissão, T‑48/05, Colect., p. II‑1585, n.os 182 e 183

7.      A imunidade de jurisdição prevista no artigo 12.° do Protocolo relativo aos privilégios e imunidades protege os funcionários e agentes contra procedimentos das autoridades dos Estados‑Membros em razão de actos praticados na sua qualidade oficial. Deste modo, uma decisão que levanta a imunidade de um funcionário ou agente modifica a situação jurídica deste, pelo mero efeito da supressão dessa protecção, restabelecendo o seu estatuto de pessoa sujeita ao direito comum dos Estados‑Membros expondo‑o deste modo, sem que nenhuma regra intermédia seja necessária, a medidas instituídas por esse direito comum, designadamente a detenção e a procedimentos judiciais.

O poder de apreciação deixado às autoridades nacionais, após o levantamento da imunidade, quanto ao reatamento ou ao abandono de procedimentos instaurados a funcionário ou agente, em nada altera a afectação directa da situação jurídica deste último, uma vez que os efeitos ligados à decisão de supressão da imunidade se limitam à supressão da protecção de que o mesmo beneficiava em razão da sua qualidade de funcionário ou agente, que não implica nenhuma medida complementar de execução.

Resulta do exposto que a decisão através da qual a Comissão levantou a imunidade de jurisdição do recorrente constitui um acto lesivo.

(cf. n.os 231 a 233)

Ver:

Tribunal de Primeira Instância: 15 de Outubro de 2008, Mote/Parlamento, T‑345/05, Colect., p. II‑2849, n.os 34 e 35

8.      O objecto de um inquérito administrativo conduzido ao abrigo do artigo 73.° do Estatuto é de recolher, de modo objectivo, todos os elementos que permitam estabelecer a origem profissional da afecção, bem como as circunstâncias nas quais esta foi desencadeada. Num caso em que as condições de trabalho do funcionário em causa estão no centro das preocupações respeitantes à origem profissional da afecção de que o recorrente padece, o inquérito deve conter uma análise objectiva pormenorizada quer das condições de trabalho do interessado quer da sua afecção enquanto tal.

(cf. n.° 263)

Ver:

Tribunal de Primeira Instância: 3 de Março de 2004, Vainker/Parlamento, T‑48/01, ColectFP, pp. I‑A‑51 e II‑197, n.° 129

9.      O artigo 26.° do Estatuto prevê a constituição, para cada funcionário, de um processo individual que contém todos os documentos com interesse para a sua situação administrativa e todos os relatórios relativos à sua competência, rendimento e comportamento, bem como as observações formuladas pelo funcionário sobre os referidos documentos. A instituição não se pode opor a um funcionário nem invocar contra este documentos que não lhe tenham sido comunicados antes de terem sido arquivados. Estas disposições têm por objectivo garantir os direitos de defesa do funcionário.

No que diz respeito ao acesso aos documentos de natureza médica no âmbito de um processo de reconhecimento de uma doença profissional, a regulamentação de cobertura instituiu um processo especial que prevê a transmissão do relatório médico completo, no qual assenta a decisão que a Autoridade Investida do Poder de Nomeação tenciona tomar, ao médico escolhido pelo funcionário, se este fizer o pedido, após a notificação do projecto de decisão previsto no artigo 21.° da regulamentação de cobertura, bem como o recurso a uma Junta Médica da qual faz parte o médico designado pelo funcionário.

Com efeito, o respeito dos direitos do funcionário exige que seja reconhecida a este último uma via de acesso aos documentos de natureza médica. Esta faculdade reconhecida ao funcionário deve, no entanto, ser conciliada com as necessidades do sigilo médico que fazem que cada médico decida da possibilidade de comunicar às pessoas que trata ou observa a natureza das afecções que as podem atingir. Ao prever um acesso indirecto aos documentos de natureza médica, através da intervenção de um médico de confiança designado pelo funcionário, a regulamentação de cobertura concilia os direitos do funcionário com as necessidades de sigilo médico.

O respeito dos direitos do funcionário exige que lhe seja reconhecida uma via de acesso não só aos documentos de natureza médica, mas também à constatação dos factos que servem de fundamento à decisão à adoptar por força do artigo 73.° do Estatuto. Deste modo, deve ser igualmente reconhecido carácter médico aos documentos relativos às constatações de facto ligadas a um incidente que se produziu durante o trabalho, que podem servir de fundamento a um processo com vista ao reconhecimento da existência de um acidente de trabalho ou de uma doença profissional na acepção da regulamentação de cobertura.

É indispensável que o relatório médico completo, que pode ser transmitido ao médico escolhido pelo funcionário, se este o solicitar, e que deve ser transmitido aos membros da Junta Médica prevista na regulamentação de cobertura, inclua o eventual relatório do inquérito administrativo. Deste modo, o funcionário pode, se tiver feito um pedido nesse sentido, tomar posição sobre as constatações contidas no relatório de inquérito, através da intervenção de um médico de confiança, e apreciar a oportunidade de pedir que a Junta Médica dê o seu parecer.

Além disso, o carácter médico de certos documentos não impede que estes possam, se for esse o caso, ter igualmente interesse para a situação administrativa do funcionário. Nesta hipótese, estes documentos devem figurar no processo pessoal do interessado.

Deste modo, por um lado, o processo no qual se baseia o médico designado pela instituição ou a Junta Médica para apreciar o carácter profissional de uma doença é de natureza médica e só pode ser consultado indirectamente, por intermédio de um médico designado pelo funcionário, e, por outro, os elementos de natureza administrativa, susceptíveis de figurar neste processo e ter influência na situação administrativa do funcionário, devem figurar igualmente no processo individual ou, em conformidade com o artigo 26.° do Estatuto, o funcionário pode consultá‑los directamente.

O regime previsto na regulamentação de cobertura é, assim, aplicável a todos os documentos submetidos ao médico designado pela instituição ou à Junta Médica. Consequentemente, a inserção no processo individual do funcionário de alguns destes documentos bem como a possibilidade de este deles tomar conhecimento só se impõem se esses documentos forem utilizados para a apreciação ou a modificação da situação administrativa do funcionário pela administração da qual depende.

(cf. n.os 275 a 282)

Ver:

Tribunal de Justiça: 28 de Junho de 1972, Brasseur/Parlamento, 88/71, Recueil, p. 499, n.° 11, Colect., p. 173; 7 de Outubro de 1987, Strack/Comissão, 140/86, Colect., p. 3939, n.os 7, 9, 10, n.° 11 e jurisprudência referida, assim como n.os 12 e 13; 1 de Outubro de 1991, Vidrányi/Comissão, C‑283/90 P, Colect., p. I‑4339, n.os 20 a 22, 24 e 25

Tribunal de Primeira Instância: 12 de Julho de 1990, Vidrányi/Comissão, T‑154/89, Colect., p. II‑445, n.os 33 a 36; Vainker/Parlamento, já referido, n.os 136 e 137

10.    Resulta do próprio título do Regulamento (CE) n.° 1049/2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão, que o artigo 4.°, n.° 2, terceiro travessão, do Regulamento n.° 1049/2001, que permite às instituições recusar o acesso a um documento no caso de a sua divulgação violar a protecção de objectivos e de actividades de inspecção, inquérito e auditoria, tem como campo de aplicação o acesso do público aos documentos do Parlamento, do Conselho e da Comissão. Ora, os direitos de um funcionário ou agente que pede a comunicação de um documento com interesse para a sua situação administrativa não são os mesmos que os argumentos de um elemento do público que pediria acesso aos documentos de uma instituição. Com efeito, nesta matéria, os direitos dos funcionários e agentes decorrem das disposições especiais do artigo 26.° do Estatuto, que impõem obrigações especiais às instituições, com o objectivo de garantir os direitos de defesa do interessado. Assim, os funcionários beneficiam de um direito próprio, baseado no artigo 26.° do Estatuto. Além disso, o pedido de um funcionário pode, se for necessário, entrar no âmbito de aplicação de disposições especiais em matéria de função pública, que dizem respeito ao acesso a tipos de documentos especiais como, por exemplo, os documentos de natureza médica. A excepção prevista no artigo 4.°, n.° 2, terceiro travessão, do Regulamento n.° 1049/2001, invocado pela Comissão, não obsta à aplicação das disposições enunciadas no artigo 26.° do Estatuto.

(cf. n.os 289 e 291 a 296)

11.    A finalidade do artigo 44.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral consiste em permitir ao juiz pronunciar‑se tendo em conta os fundamentos formulados com suficiente precisão. Esta disposição não deve, no entanto, ser interpretada de uma maneira tal que tenha por consequência impor às partes um formalismo excessivo que mais não faria do que tornar mais pesado o processo judicial.

Por conseguinte, pode ser considerado admissível, tendo em conta as circunstâncias concretas de um processo, um fundamento de uma petição apresentada no Tribunal da Função Pública que remete para o conjunto dos fundamentos formulados no âmbito de outro recurso interposto neste Tribunal pelo mesmo recorrente quando os dois processos, conexos, foram apensados, tendo esta remissão por objectivo evitar que o recorrente repita longas alegações e forneça novamente anexos com várias centenas de páginas.

(cf. n.os 314 a 318)

Ver:

Tribunal de Primeira Instância: 11 de Junho de 2009, Othman/Conselho e Comissão, T‑318/01, Colect., p. II‑1627, n.° 57

12.    A legalidade do acto impugnado deve ser apreciada em função dos elementos de facto e de direito existentes à data de adopção do acto, eventuais elementos que a instrução de um processo disciplinar tenha revelado posteriormente à adopção da decisão de instaurar o referido processo não podem afectar a legalidade da referida decisão, uma vez que o objecto da instrução é, designadamente, determinar se as suspeitas iniciais tinham fundamento. Além disso, tendo em conta o objecto e a finalidade de um processo disciplinar, não é necessário que os factos que são censurados ao interessado estejam demonstrados para que um processo disciplinar seja validamente instaurado. O processo disciplinar destina‑se precisamente a fazer luz sobre os factos censurados ao interessado.

(cf. n.os 351 e 360)

Ver:

Tribunal de Justiça: 7 de Fevereiro de 1979, França/Comissão, 15/76 e 16/76, Recueil, p. 321, n.° 7, Colect., p. 145

Tribunal da Função Pública: Giraudy/Comissão, já referido, n.° 145

13.    O facto de um processo disciplinar ter sido encerrado sem que uma sanção disciplinar tenha sido aplicada ao funcionário em causa não impede o juiz de fiscalizar a legalidade da decisão de instaurar ao interessado um processo disciplinar. Com efeito, existiria risco de arbitrariedade se se admitisse que a Autoridade Investida do Poder de Nomeação tem um poder absoluto e ilimitado para instaurar um processo disciplinar contra um funcionário, e para seguidamente lhe pôr termo sem aplicar qualquer sanção, sem que esse funcionário tenha podido, no momento adequado, contestar a decisão de instaurar o referido processo, por não haver uma sanção da qual possa eventualmente recorrer. Deve, pois, existir um limite jurídico ao poder de apreciação da Autoridade Investida do Poder de Nomeação quando esta toma uma decisão de instaurar um processo disciplinar. Essa limitação deve ser sujeita à fiscalização do juiz.

Além disso, existiria um risco de arbitrariedade se se admitisse que os casos de ilegalidade de uma decisão através da qual se instaura um processo disciplinar contra um funcionário se limitassem ao desvio de poder. Por conseguinte, deve considerar‑se que a Autoridade Investida do Poder de Nomeação exerce os seus poderes de maneira ilegal não só em caso de prova de um desvio de poder, mas também na falta de elementos suficientemente precisos e pertinentes que indiquem que o interessado cometeu uma falta disciplinar.

Tendo em conta o amplo poder de apreciação de que dispõe a Autoridade Investida do Poder de Nomeação e os limites que lhe devem ser impostos, a fiscalização jurisdicional deve limitar‑se à verificação da exactidão material dos elementos tomados em consideração pela administração para instaurar o processo disciplinar, da inexistência de erro manifesto de apreciação dos factos que merecem censura e da inexistência de desvio de poder.

(cf. n.os 352 a 354 e 365 a 367)

Ver:

Tribunal de Primeira Instância: 15 de Maio de 1997, N/Comissão, T‑273/94, ColectFP, pp. I‑A‑97 e II‑289, n.° 125; 17 de Maio de 2000, Tzikis/Comissão, T‑203/98, ColectFP, pp. I‑A‑91 e II‑393, n.° 50; Franchet e Byk/Comissão, já referido, n.° 352

14.    O dever de solicitude reflecte o equilíbrio dos direitos e obrigações recíprocas que o Estatuto criou nas relações entre a autoridade pública e os agentes do serviço público. Este dever implica, designadamente, que a Autoridade Investida do Poder de Nomeação tome em consideração, quando decide sobre a situação de um funcionário, todos os elementos que sejam susceptíveis de determinar a sua decisão e, assim, ter em conta não só o interesse do serviço, mas também o interesse do funcionário em causa.

As exigências do dever de solicitude não podem ser interpretadas no sentido de que impedem por si próprias a Autoridade Investida do Poder de Nomeação de mover ou de instruir um processo disciplinar contra um funcionário. Com efeito, essa decisão é tomada, antes de mais, no interesse que a instituição tem em que sejam verificados e, eventualmente sancionados, eventuais incumprimentos por parte de um funcionário às suas obrigações estatutárias. Consequentemente, nenhuma violação do seu dever de solicitude pode ser censurada à Comissão pelo simples facto de ter sido instaurado um processo disciplinar a um funcionário.

(cf. n.os 376 a 378)

Ver:

Tribunal de Primeira Instância: 20 de Junho de 1990, Burban/Parlamento, T‑133/89, Colect., p. II‑245, n.° 27; 6 de Julho de 1999, Séché/Comissão, T‑112/96 e T‑115/96, ColectFP, pp. I‑A‑115 e II‑623, n.° 147

15.    Decorre do princípio da boa administração que as autoridades disciplinares têm o dever de conduzir com diligência o processo disciplinar, agindo de modo a que cada acto diligenciado no processo seja praticado dentro de um prazo razoável em relação ao acto que o precede. Este dever de diligência e de respeito do prazo razoável impõe‑se igualmente quanto à instauração do processo disciplinar, designadamente no caso e a partir do momento em que a administração tomou conhecimento dos factos e condutas susceptíveis de constituir infracções às obrigações estatutárias de um funcionário.

A duração excessiva de um processo disciplinar tanto pode resultar da condução dos inquéritos administrativos prévios como do processo disciplinar enquanto tal. O período a tomar em consideração para avaliar o carácter razoável da duração de um processo disciplinar não é unicamente o que começa a partir da decisão de instaurar o referido processo. A questão de saber se o processo disciplinar, depois de instaurado, foi conduzido com a diligência requerida será influenciada pela circunstância de ter decorrido um período mais ou menos longo entre o momento em que a pretensa infracção foi cometida e a decisão de instauração do processo disciplinar.

O carácter razoável da duração do processo deve ser apreciado em função das circunstâncias próprias de cada processo, designadamente, da importância do litígio para o interessado, da complexidade do processo, bem como do comportamento do recorrente e das autoridades competentes. Nenhum facto especial é determinante. Cada um deles deve ser examinado de modo separado para então avaliar o seu efeito cumulativo. Alguns exemplos de atraso imputados à Autoridade Investida do Poder de Nomeação podem não parecer excessivos se forem considerados isoladamente, mas já o serem se considerados conjuntamente. As exigências em matéria de diligência não vão, no entanto, além das que são compatíveis com o princípio da boa administração.

Quando, em razão de decisões tomadas pela Autoridade Investida do Poder de Nomeação, um processo ultrapassou o que era considerado como uma duração normalmente razoável, é à autoridade que incumbe demonstrar a existência de circunstâncias especiais que possam justificar essa duração excessiva.

(cf. n.os 390 a 395)

Ver:

Tribunal de Justiça: 17 de Dezembro de 1998, Baustahlgewerbe/Comissão, C‑185/95 P, Colect., p. I‑8417, n.° 29 e jurisprudência referida; 5 de Maio de 1983, Ditterich/Comissão, 207/81, Colect., p. 1359, n.° 26

Tribunal de Primeira Instância: 10 de Junho de 2004, François/Comissão, T‑307/01, Colect., p. II‑1669, n.° 47

Tribunal da Função Pública: 8 de Novembro de 2007, Andreasen/Comissão, F‑40/05, ColectFP, pp. I‑A‑1‑337 e II‑A‑1‑1859, n.° 194 e jurisprudência referida, objecto de recurso pendente no Tribunal Geral da União Europeia, processo T‑17/08 P