Language of document : ECLI:EU:C:2013:844

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

NILS WAHL

apresentadas em 12 de dezembro de 2013 (1)

Processo C‑470/12

Pohotovosť s. r. o.

contra

Miroslav Vašuta

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Okresný súd Svidník (Eslováquia)]

«Cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores —Execução coerciva de uma decisão arbitral — Direito de intervenção de uma associação de defesa dos consumidores — Reenvio prejudicial — ‘Desistência’ da ação executiva coerciva pelo demandante no processo principal — Manutenção do pedido pelo órgão jurisdicional de reenvio — Competência do Tribunal de Justiça»





1.        Com o presente pedido de decisão prejudicial, o Okresný súd Svidník (Tribunal regional de Svidník) (Eslováquia) solicita a interpretação de um certo número de disposições da Diretiva 93/13/CEE (2), em conjugação com os artigos 38.° e 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (3), com vista a determinar se as associações de defesa dos consumidores devem, com fundamento na prossecução de um elevado nível de proteção dos consumidores, consagrado no direito da União, beneficiar de um direito de intervenção no âmbito de um processo de execução coerciva de uma decisão arbitral.

2.        Para além da problemática de fundo que foi formalmente submetida ao Tribunal de Justiça, coloca‑se, igualmente, a questão de saber se este ainda é competente para se pronunciar. Com efeito, tendo em conta a evolução do processo nacional respeitante ao litígio principal relativa à desistência da parte demandante — e, correlativamente, à provável resolução do litígio que deu origem ao pedido de decisão prejudicial —, importa determinar, antes de mais, se ainda há lugar a que o Tribunal de Justiça se pronuncie, uma vez que, até à data, o órgão jurisdicional de reenvio não retirou formalmente este pedido.

3.        Apesar das dúvidas que podem ser legitimamente sentidas quanto à questão de saber se ainda há lugar a decidir e das poucas informações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, entendo que o espírito de cooperação que deve animar o processo de reenvio prejudicial deveria conduzir, inevitavelmente, a que o Tribunal de Justiça não se declare incompetente. Quanto ao mérito, considero que, no estado atual do direito da União, a efetividade da proteção conferida aos consumidores não é comprometida, nem por uma disposição de direito nacional que não permita que uma associação de defesa dos direitos dos consumidores intervenha no âmbito de um processo de execução coerciva de uma decisão arbitral, nem por uma disposição de direito nacional que a autorize.

I —    Quadro jurídico

A —    Diretiva 93/13

4.        Nos termos do artigo 6.°, n.° 1, da Diretiva 93/13:

«Os Estados‑Membros estipularão que, nas condições fixadas pelos respetivos direitos nacionais, as cláusulas abusivas constantes de um contrato celebrado com um consumidor por um profissional não vinculem o consumidor e que o contrato continue a vincular as partes nos mesmos termos, se puder subsistir sem as cláusulas abusivas.»

5.        O artigo 7.° da referida diretiva dispõe:

«1.      Os Estados‑Membros providenciarão para que, no interesse dos consumidores e dos profissionais concorrentes, existam meios adequados e eficazes para pôr termo à utilização das cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores por um profissional.

2.       Os meios a que se refere o n.° 1 incluirão disposições que habilitem as pessoas ou organizações que, segundo a legislação nacional, têm um interesse legítimo na defesa do consumidor, a recorrer, segundo o direito nacional, aos tribunais ou aos órgãos administrativos competentes para decidir se determinadas cláusulas contratuais, redigidas com vista a uma utilização generalizada, têm ou não um caráter abusivo, e para aplicar os meios adequados e eficazes para pôr termo à utilização dessas cláusulas.

3.      Respeitando a legislação nacional, os recursos previstos no n.° 2 podem ser interpostos, individualmente ou em conjunto, contra vários profissionais do mesmo setor económico ou respetivas associações que utilizem ou recomendem a utilização das mesmas cláusulas contratuais gerais ou de cláusulas semelhantes.»

6.        O artigo 8.° da Diretiva 93/13 enuncia:

«Os Estados‑Membros podem adotar ou manter, no domínio regido pela presente diretiva, disposições mais rigorosas, compatíveis com o Tratado, para garantir um nível de proteção mais elevado para o consumidor.»

B —    Direito eslovaco

7.        O artigo 93.° do Código de Processo Civil, na versão aplicável aos factos no processo principal, dispõe:

«1)      Pode intervir, em apoio dos pedidos do demandante ou do demandado, qualquer pessoa que tenha um interesse jurídico no resultado do processo, desde que não se trate de um processo de divórcio, de um processo que tenha por objeto a validade de um casamento, ou que vise determinar se existe, ou não, casamento.

2)      Pode igualmente intervir, em apoio dos pedidos do demandante ou do demandado, qualquer pessoa coletiva cuja atividade tenha por objeto a defesa de direitos, em aplicação de uma disposição específica.

[…]»

8.        O artigo 251.°, n.° 4, do mesmo código dispõe:

«A aplicação das decisões e o processo de execução nos termos da regulamentação específica [...] regem‑se pelas disposições das partes precedentes, exceto quando a referida regulamentação específica dispuser diferentemente. Todavia, a decisão é sempre proferida mediante despacho.»

9.        O artigo 37.°, n.° 1, do Código de Processo Executivo, na versão aplicável aos factos no processo principal (a seguir «Código de Processo Executivo»), dispõe:

«As partes no processo são o credor e o devedor; as outras pessoas só podem ser partes no processo na parte em relação à qual essa qualidade lhes seja reconhecida pela presente lei. Quando o tribunal decide sobre as despesas de execução, o funcionário judicial mandatado também é parte no processo.»

10.      Nos termos do artigo 25.°, n.os 1 e 2, da Lei n.° 250/2007, relativa à defesa dos consumidores, uma associação pode intentar uma ação em matéria de defesa dos direitos dos consumidores, perante um órgão administrativo ou perante um órgão jurisdicional, ou pode ser parte num processo, desde que objetivos desse tipo sejam o objeto principal da sua atividade ou se a mesma constar da lista das pessoas autorizadas pela comissão nacional, sem prejuízo do direito de o tribunal examinar, em cada caso, se essa pessoa está autorizada a intentar uma ação. Além disso, uma associação pode, com base num mandato, representar um consumidor nos processos perante os órgãos do Estado que tenham por objeto o exercício dos seus direitos, incluindo o ressarcimento pelo prejuízo causado pela violação dos direitos do consumidor.

II — Factos na origem do litígio e questões prejudiciais

11.      Os factos que deram origem ao litígio, conforme foram resumidamente expostos pelo órgão jurisdicional de reenvio, podem ser descritos como se segue.

12.      A Pohotovosť s. r. o. (a seguir «Pohotovosť»), demandante no processo principal, concedeu um crédito ao consumo a M. Vašuta, demandado no mesmo processo (4).

13.      Por razões não mencionadas, o Stály rozhodcovský súd (Tribunal permanente arbitral), por decisão arbitral de 9 de dezembro de 2010, instou M. Vašuta a reembolsar a essa sociedade um montante não especificado. Segundo as informações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, esta decisão arbitral transitou em julgado e adquiriu força executiva.

14.      Em seguida, a Pohotovosť apresentou, ao funcionário judicial competente, um pedido de execução em conformidade com as disposições eslovacas em vigor. Em 25 de março de 2011, o funcionário judicial requereu ao Okresný súd Svidník autorização para proceder à execução da referida decisão arbitral. Em 29 de junho seguinte, este órgão jurisdicional decidiu que não havia que executar a parte do processo relativa ao pagamento de juros de mora e não autorizou ao funcionário judicial a cobrança das despesas da execução relativas a essa parte.

15.      Em 9 de setembro de 2011, a Združenie na ochranu občana spotrebiteľa HOOS (Associação de Defesa dos Consumidores HOOS, a seguir «associação HOOS») requereu a intervenção no processo de execução. Quanto ao mérito, a mesma alegou, em especial, que o funcionário judicial, que teria tido uma relação laboral com a Pohotovost’, não tinha cumprido o seu dever de imparcialidade e, por outro lado, que o referido processo devia ser suspenso.

16.      Em 27 de março de 2012, a Pohotovosť, por sua vez, requereu que a associação HOOS não fosse admitida a intervir no processo, uma vez que essa possibilidade não estava prevista no Código de Processo Executivo.

17.      O órgão jurisdicional de reenvio, por auto emitido pelo funcionário do tribunal de grau mais elevado (5), em 24 de maio de 2012, decidiu não admitir a intervenção da referida associação no processo de execução e, ao mesmo tempo, indeferiu os pedidos apresentados pela mesma.

18.      Em 18 de junho de 2012, a associação HOOS recorreu dessa decisão para esse mesmo órgão jurisdicional de reenvio. Alegou que M. Vašuta não tinha sido convenientemente informado de que o tribunal não lhe tinha concedido oficiosamente proteção suficiente face a uma cláusula compromissória abusiva e que este não tinha retirado conclusões jurídicas da falta de indicação da taxa anual efetiva global (TAEG) no contrato de crédito ao consumo. Segundo a mesma associação, o órgão jurisdicional de reenvio não tinha aplicado corretamente a jurisprudência (6).

19.      Foi nestas condições que o Okresný súd Svidník decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Devem os artigos 6.°, n.° 1, 7.°, n.° 1, e 8.° da Diretiva 93/13 [...], em conjugação com o disposto nos artigos 47.° e 38.° da Carta [...], ser interpretados no sentido de que obstam a uma disposição do direito nacional, como o artigo 37.°, n.os 1 e 3, do Código de Processo Executivo, que não permite a uma associação de defesa dos consumidores intervir na ação executiva?

2)      No caso de a resposta à primeira questão ser no sentido de que a referida disposição não é contrária ao direito [da União], devem as disposições do artigo 37.°, n.os 1 e 3, do Código de Processo Executivo ser interpretadas no sentido de que não obstam a que um tribunal nacional, com base nos artigos 6.°, n.° 1, 7.°, n.° 1 e 8.° [da referida diretiva], reconheça a uma associação de defesa dos consumidores a qualidade de interveniente na ação executiva?»

III — Análise

A —    Quanto à questão de saber se há lugar a que o Tribunal de Justiça se pronuncie

20.      Tendo em conta as evoluções trazidas ao conhecimento do Tribunal de Justiça e que dizem respeito, no essencial, à alegada desistência do pedido de execução coerciva iniciado contra M. Vašuta —, evoluções estas de que, em seguida, me ocuparei mais especificamente, há que examinar a questão de saber se o Tribunal de Justiça continua a ser competente para se pronunciar sobre as questões prejudiciais que lhe foram submetidas.

21.      Antes de mais, e na sequência do que já tive oportunidade de afirmar (7), parece‑me necessário que o Tribunal de Justiça mantenha uma atitude relativamente estrita quanto ao seu âmbito de competência.

22.      É certo que está assente que o órgão jurisdicional nacional é o que está melhor posicionado para apreciar, face à particularidade do caso, tanto a necessidade do referido reenvio para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça (8).

23.      Neste sentido, parece bastante comum integrar o exame da existência de um litígio efetivamente pendente perante o órgão jurisdicional de reenvio, que condiciona a competência do Tribunal de Justiça, com apreciação da pertinência intrínseca das questões colocadas, a qual, por sua vez, está relacionada com o efeito útil das respostas para a decisão do litígio no processo principal.

24.      Ora, se é possível admitir facilmente que o efeito útil das questões submetidas pode ser presumido, afigura‑se bastante mais delicado concluir que, exceto em casos excecionais, a partir do momento em que é chamado a pronunciar‑se, o Tribunal de Justiça se deve declarar competente. Por definição, uma competência e, em especial, a do Tribunal de Justiça, não pode ser presumida, mas deve ser verificada.

25.      Daí decorre que, contrariamente à relativa flexibilidade que, em meu entender, deve caracterizar o exame da pertinência intrínseca das questões submetidas — problemática sobre a qual voltarei a debruçar‑me na segunda parte das presentes conclusões —, o Tribunal de Justiça deve mostrar‑se mais vigilante quando se trata de apreciar a própria existência de um litígio.

26.      Esta existência é uma condição essencial da competência do Tribunal de Justiça, que pode, ou deve, sendo esse o caso, ser suscitada oficiosamente (9).

27.      Além disso, está bem assente na jurisprudência que os órgãos jurisdicionais nacionais apenas estão habilitados a solicitar a intervenção do Tribunal de Justiça a título prejudicial se estiver pendente perante eles um litígio no âmbito do qual são chamados a proferir uma decisão suscetível de tomar em consideração o acórdão prejudicial (10). Por conseguinte, o Tribunal de Justiça não tem competência para conhecer do reenvio a título prejudicial quando, no momento em que este teve lugar, o processo perante o juiz de reenvio já estava encerrado (11). A justificação do reenvio prejudicial e, por conseguinte, da competência do Tribunal de Justiça, consiste, não na formulação de opiniões consultivas sobre questões gerais ou hipotéticas (12), mas na necessidade inerente à efetiva solução de um contencioso existente. Se este terminar, a necessidade de responder às questões prejudiciais desaparece correlativamente.

28.      Estas orientações, que ainda recentemente foram recordadas (13), apenas têm valor de ordem prática, no sentido de que podem, in fine, contribuir para racionalizar o fluxo de processos de que o Tribunal de Justiça deve conhecer. Participam da definição do papel atribuído ao Tribunal de Justiça na matéria, a competência judiciária de interpretação, que não pode ser exercida de forma abstrata, mas que deve estar necessariamente relacionada com uma questão efetivamente suscitada no processo principal. De outro modo, existiria um grande risco de o Tribunal de Justiça se imiscuir num debate jurídico que, definitivamente, não está relacionado com a interpretação do direito da União (14). Decorre necessariamente destes princípios que, quando é manifesto que as questões submetidas no âmbito de um reenvio prejudicial não estão relacionadas com um litígio real, não há lugar a que o Tribunal de Justiça se pronuncie sobre as mesmas.

29.      É, indiscutivelmente, ao órgão jurisdicional de reenvio que incumbe estabelecer que o reenvio está relacionado com um litígio realmente pendente perante si. Segundo a fórmula consagrada no acórdão Foglia (15), é indispensável que os órgãos jurisdicionais nacionais expliquem, quando tal não resultar inequivocamente dos autos, as razões pelas quais consideram necessária uma resposta às suas questões para a resolução do litígio. O dever de o Tribunal de Justiça respeitar as responsabilidades próprias do juiz nacional implica, ao mesmo tempo, que o juiz nacional tenha em consideração a função própria que o Tribunal de Justiça desempenha em matéria de reenvio prejudicial. Assim, ainda recentemente, o Tribunal de Justiça concluiu que não havia que decidir, num caso em que o órgão jurisdicional de reenvio, apesar do convite que lhe fora feito, tinha mantido o seu pedido de decisão prejudicial, abstendo‑se de tomar posição sobre as consequências de um desenvolvimento ou de um acontecimento de que o Tribunal de Justiça tinha tido conhecimento, tanto para a decisão a tomar no processo principal, como sobre a pertinência das questões prejudiciais para a resolução do litígio no processo principal (16).

30.      Neste caso, que conclusão deve ser retirada destes princípios?

31.      Para resumir, o Tribunal de Justiça está perante uma situação especial, que se caracteriza pelos dois elementos seguintes.

32.      Por um lado, nas suas observações escritas, apresentadas nos termos do artigo 23.°, n.° 2, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, a Pohotovosť informou o Tribunal de Justiça, nomeadamente, de que, em 14 de novembro de 2012, tinha apresentado ao órgão jurisdicional de reenvio um articulado, mediante o qual retirava o seu pedido de execução na sua totalidade, e que lhe tinha, desse modo, pedido que «suspendesse» a execução. Nas suas observações, a Pohotovosť sublinhava que o órgão jurisdicional de reenvio estava obrigado, por força do artigo 57.°, n.° 1, alínea c), do Código de Processo Executivo, a pronunciar‑se sobre a desistência da sua ação, encerrando o processo de execução, e que, em todo o caso, uma vez que o litígio estava extinto no processo principal, o Tribunal de Justiça não tinha que se pronunciar sobre o presente pedido de decisão prejudicial.

33.      Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio, tendo sido convidado pelo Tribunal de Justiça a confirmar se, tendo em conta a desistência assim anunciada, ainda tinha que decidir o litígio, no âmbito do qual tinha inicialmente apresentado o seu pedido de decisão prejudicial e se, nessa perspetiva, mantinha esse pedido, limitou‑se a indicar, por carta de 2 de julho de 2013, que o processo ainda estava pendente e que, por essa razão, mantinha efetivamente o seu pedido. Por carta que deu entrada no Tribunal de Justiça em 10 de setembro de 2013, aquele órgão jurisdicional completou esta informação, precisando que tinha efetivamente tomado conhecimento de um pedido apresentado pela Pohotovost’, que visava a «suspensão» (17) do processo de execução e que, além disso, os autos se encontravam no Krajský súd v Prešove (Tribunal regional de Presove), que tinha sido chamado a decidir sobre um recurso interposto da decisão que ordenara o presente reenvio prejudicial.

34.      Na realidade, é, de facto, surpreendente e lamentável que o órgão jurisdicional de reenvio, antes de mais, não tenha considerado necessário informar o Tribunal de Justiça do incidente processual que sobreveio pouco mais de um mês depois da apresentação do presente reenvio prejudicial, e, em seguida, embora o Tribunal de Justiça lho tenha solicitado, não tenha indicado por que razões precisas considerava que o processo principal ainda estava pendente, não obstante o facto de parecer existir uma relação de dependência absoluta entre o processo de execução iniciado a nível nacional e o presente reenvio prejudicial.

35.      Com efeito, podia esperar‑se, tendo em conta o espírito de colaboração que deve presidir às relações entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais (18), que, numa situação deste tipo e depois de ter sido questionado sobre este aspeto pelo Tribunal de Justiça, o órgão jurisdicional de reenvio fornecesse indicações quanto às consequências jurídicas dessa desistência sobre as suas funções, para justificar a necessidade de uma resposta a título prejudicial para decidir o seu litígio e, indiretamente, sobre a competência do Tribunal de Justiça.

36.      Todavia, quando, como no caso em apreço, para apreciar as consequências de um incidente processual, existe uma dúvida quanto à própria existência do litígio, essa dúvida deve, de algum modo, aproveitar ao órgão jurisdicional de reenvio. Desta forma, o Tribunal de Justiça esforçou‑se, em várias ocasiões, por confiar no entendimento do órgão jurisdicional nacional, para evitar qualquer entrave à boa cooperação entre ele próprio e os órgãos jurisdicionais nacionais (19).

37.      Além disso, importa não esquecer que, no âmbito do processo de reenvio prejudicial, que instaura um diálogo de juiz a juiz, é o juiz nacional que é o interlocutor privilegiado do Tribunal de Justiça. Nas circunstâncias do caso em apreço, afigura‑se delicado ater‑se à informação comunicada por uma das partes no litígio no processo principal, para concluir que o processo principal está, doravante, totalmente desprovido de objeto (20) e, portanto, que existe incompetência do Tribunal de Justiça.

38.      Tendo em conta o espírito de cooperação e de confiança recíproca que deve presidir às relações entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça, sou de opinião, portanto, que compete, apesar de tudo, ao Tribunal de Justiça confiar na conclusão a que chegou o órgão jurisdicional de reenvio e, por isso, não se declarar incompetente.

B —    Quanto às questões prejudiciais

39.      A título preliminar, importa analisar a pertinência intrínseca, e, por conseguinte, a admissibilidade das questões prejudiciais, devendo indicar‑se que os Governos alemão e eslovaco manifestaram sérias dúvidas a este respeito.

40.      No essencial, estes governos alegaram que o órgão jurisdicional de reenvio não tinha indicado as razões pelas quais as disposições da Diretiva 93/13 em causa estavam relacionadas com o litígio no processo principal e, por conseguinte, em que medida a resposta do Tribunal de Justiça seria necessária para a resolução do referido litígio. O órgão jurisdicional de reenvio não solicitava nenhuma indicação que estivesse relacionada com a apreciação de eventuais cláusulas contratuais abusivas, mas visava obter uma fiscalização das normas processuais nacionais que não estão abrangidas pela harmonização decorrente dessa diretiva. Além disso, o Governo eslovaco sublinha que a segunda questão, pela qual o órgão jurisdicional de reenvio pede ao Tribunal de Justiça que tome posição quanto a disposições de direito nacional, deve, de qualquer modo, ser declarada inadmissível.

41.      Pela minha parte, considero que, embora as dúvidas suscitadas quanto à inadmissibilidade das questões colocadas sejam, de facto, compreensíveis, o Tribunal de Justiça deve esforçar‑se, na medida do possível e em conformidade com o espírito de cooperação que deve guiar o processo de reenvio prejudicial, por fornecer uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio.

42.      Ora, não está excluído que, recolocadas no contexto do processo principal, as questões submetidas, tomadas globalmente e sujeitas a uma certa reformulação, se possam mostrar pertinentes.

43.      Com efeito, parece que, com as suas duas questões prejudiciais, mais do que solicitar a interpretação das disposições da Diretiva 93/13 interpretadas à luz da Carta, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se a efetividade do sistema de proteção conferido aos consumidores face às cláusulas abusivas está, de uma forma ou de outra, comprometida por normas de direito nacional que não conferem a associações de defesa dos consumidores o direito a intervir no âmbito de um processo de execução de uma decisão arbitral.

44.      A este respeito, resulta da decisão de reenvio que, no processo principal, a associação HOOS pretendia ser admitida a intervir no processo de execução iniciado pela Pohotovost’ contra M. Vašuta, em especial, porque considerava que, com a sua decisão de suspender apenas parcialmente o processo de execução e autorizar essa execução quanto ao restante, o órgão jurisdicional de reenvio não tinha concedido oficiosamente ao consumidor proteção suficiente face a uma cláusula compromissória abusiva e não tinha retirado todas as consequências jurídicas da falta de indicação da TAEG no contrato de crédito ao consumo.

45.      Além disso, tendo em conta os contornos processuais que adquiriram os processos relativos à interpretação da Diretiva 93/13, posso facilmente compreender as hesitações do órgão jurisdicional de reenvio. Disso são testemunho, muito especialmente, as decisões referidas pelo órgão jurisdicional de reenvio (21) a este respeito, e, mais globalmente as da jurisprudência do Tribunal de Justiça na matéria em causa, que, recordando o princípio da autonomia processual, o enquadrou à luz dos princípios da efetividade e da equivalência (22).

46.      Por isso, na minha opinião, as questões submetidas deveriam ser ligeiramente reformuladas, no sentido de visarem determinar se o direito da União e, em especial, o sistema de proteção estabelecido pela Diretiva 93/13, exige ou, pelo contrário, exclui, que seja permitido que uma associação de defesa dos consumidores intervenha no âmbito de um processo de execução de uma decisão arbitral.

47.      Feitas estas precisões, nos desenvolvimentos que se seguem, passarei a expor por que motivos, à semelhança da posição defendida pelos Governos eslovaco e alemão, bem como pela Comissão Europeia, considero que a questão do direito à intervenção das associações de defesa dos consumidores nos litígios individuais não é regulada, nem direta, nem indiretamente, pelo direito da União. Depois de ter exposto as razões pelas quais as disposições da Diretiva 93/13 e, mais globalmente, o direito da União não se opõem a uma disposição de direito nacional que exclua a intervenção das associações de consumidores (título 1, supra), indicarei por que motivo, em contrapartida, nada se opõe a que uma disposição nacional ou a que um juiz nacional admita tal intervenção (título 2, supra).

1.      A Diretiva 93/13 não se opõe a uma disposição de direito nacional que exclua a intervenção das associações de consumidores

48.      Antes de mais, há que salientar que as disposições da Diretiva 93/13 e, em especial, as referidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, não contêm qualquer indicação quanto ao eventual direito de as associações de defesa dos consumidores serem admitidas a intervir no âmbito de litígios individuais, em geral (23), e de processos de execução de decisões arbitrais, em particular.

49.      De modo mais geral, a Diretiva 93/13, que institui uma harmonização mínima, não procede à harmonização dos meios processuais postos à disposição dessas associações (24).

50.      Falta, contudo, determinar se a prossecução dos objetivos visados pela Diretiva 93/13, nomeadamente, os referidos nos seus artigos 6.° e 7.°, deve conduzir indiretamente à consagração de tal direito à luz do princípio da efetividade, o único em causa no caso em apreço.

51.      Recordo que, segundo jurisprudência assente, o sistema de proteção implementado pela Diretiva 93/13 assenta na ideia de que o consumidor se encontra numa situação de inferioridade relativamente ao profissional, no que respeita quer ao poder de negociação quer ao nível de informação, situação esta que o leva a aderir às condições redigidas previamente pelo profissional, sem poder influenciar o conteúdo destas (25).

52.      Tendo em atenção a situação de desvantagem em que se encontra o consumidor, o artigo 6.°, n.° 1, da Diretiva 93/13 prevê que as cláusulas abusivas não vinculam o consumidor. Tal como resulta da jurisprudência, trata‑se de uma disposição imperativa que pretende substituir o equilíbrio formal que o contrato estabelece entre os direitos e obrigações das partes por um equilíbrio real suscetível de restabelecer a igualdade entre estas (26).

53.      A fim de assegurar a proteção pretendida pela Diretiva 93/13, o Tribunal de Justiça tem reiteradamente sublinhado que a situação de desequilíbrio entre o consumidor e o profissional só pode ser compensada com uma intervenção positiva, exterior às partes do contrato (27).

54.      Na minha opinião, do exame da jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à Diretiva 93/13 resulta claramente que a «intervenção exterior» de que se trata, consiste, principalmente, na do juiz chamado a dirimir o litígio, e isto, independentemente da natureza do litígio ou da fase processual em que o mesmo intervém. Com efeito, a obrigação de o juiz examinar oficiosamente o caráter abusivo de uma cláusula que figura num contrato submetido à sua apreciação (28) constitui um meio adequado para, simultaneamente, atingir o resultado fixado no artigo 6.° da Diretiva 93/13, isto é, impedir que um consumidor individual fique vinculado por uma cláusula abusiva, e contribuir para a realização do objetivo visado no seu artigo 7.°, uma vez que essa apreciação pode ter um efeito dissuasor que contribua para pôr termo à utilização de cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores por um profissional (29).

55.      Numa configuração como a que está em causa no processo principal, parece‑me decorrer claramente da jurisprudência que essa intervenção deveria incumbir ao juiz chamado a conhecer de um processo de execução de uma decisão arbitral definitiva. Como o Tribunal de Justiça sublinhou, quando o juiz nacional chamado a conhecer de uma ação executiva tendente à execução coerciva de uma decisão arbitral definitiva deva, segundo as regras processuais internas, apreciar oficiosamente se uma cláusula arbitral é contrária às regras nacionais de ordem pública, incumbe‑lhe igualmente apreciar oficiosamente o caráter abusivo dessa cláusula à luz do artigo 6.° da referida diretiva, desde que disponha dos elementos jurídicos e de facto necessários para esse efeito (30).

56.      É através desta intervenção do juiz que se encontra plenamente garantida a efetividade da proteção dos consumidores contra cláusulas contratuais abusivas, dado que, na falta de acordo entre as partes, só aquele está, em princípio, habilitado para declarar a nulidade ou para reformar o conteúdo de uma cláusula abusiva.

57.      Segundo as informações fornecidas pelo Governo eslovaco, a leitura conjugada dos artigos 2.° e 45.°, n.° 1, alínea c), da Lei n.° 244/2002, relativa ao processo de arbitragem, conforme alterada, obrigaria o juiz de execução a declarar oficiosamente a improcedência da execução em determinadas hipóteses, nomeadamente, quando a decisão arbitral impõe a uma parte uma prestação que seja materialmente impossível executar. O órgão jurisdicional de reenvio, encontrar‑se‑ia, pois, obrigado a examinar não só o caráter abusivo das cláusulas do contrato de crédito controvertido, como, além disso, estaria habilitado a declarar a improcedência da execução (31).

58.      Além disso, resulta claramente da decisão de reenvio que o órgão jurisdicional de reenvio, chamado a intervir antes do início da execução da decisão arbitral, não deixou de conhecer da cláusula abusiva relativa aos juros de mora e de a censurar (32), mas que, aparentemente, não considerou necessário conhecer oficiosamente do caráter abusivo da cláusula de arbitragem que figurava no contrato celebrado entre as partes no processo principal (33).

59.      Tendo em conta esta observação, tenho dificuldade em entender em que é que a intervenção da associação de consumidores teria podido garantir a efetividade da proteção dos consumidores decorrente da Diretiva 93/13. Essa intervenção não é suscetível de facilitar ou de obrigar o juiz a proceder à apreciação do caráter abusivo das cláusulas do contrato controvertido.

60.      Embora o papel que pode ser desempenhado pelas associações de defesa dos consumidores na prossecução dos objetivos visados pela Diretiva 93/13 não deva, de modo algum, ser negligenciado, o mesmo situa‑se, como resulta do vigésimo terceiro considerando desta diretiva, a um nível e numa perspetiva muito diferentes daquele que o juiz é chamado a exercer. As ações inibitórias diretas intentadas pelas pessoas ou organizações que tenham um interesse legítimo em proteger os consumidores têm, em princípio, uma natureza preventiva e um objetivo dissuasor, independentes de qualquer conflito individual concreto (34).

61.      O Tribunal de Justiça recordou, assim, que o artigo 7.°, n.° 1, da diretiva obriga os Estados‑Membros a assegurar que existam meios adequados e eficazes para pôr termo à utilização de cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores e que, para este efeito, resulta do n.° 2 dessa disposição que os meios acima referidos incluem a possibilidade de as pessoas ou as organizações que tenham um interesse legítimo em proteger os consumidores recorrerem aos tribunais para que estes determinem se as cláusulas contratuais, redigidas com vista a uma utilização generalizada, têm ou não um caráter abusivo e, se for necessário, obterem a sua proibição (35).

62.      Estas disposições impõem aos Estados‑Membros a obrigação de permitir que as associações de defesa dos consumidores, em virtude do seu interesse legítimo, possam intentar as suas próprias ações contra cláusulas abusivas. Em contrapartida, a Diretiva 93/13, aliás, tal como os atos que regulam as ações inibitórias em matéria de proteção dos interesses dos consumidores (36), não contém quaisquer disposições que regulem o papel que pode ou deve ser atribuído às associações de defesa dos consumidores no âmbito de litígios individuais que envolvam um consumidor.

63.      Consequentemente, não prevendo a possibilidade de uma associação de defesa dos consumidores intervir num processo de execução de uma decisão judicial ou de uma decisão arbitral definitiva, uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal não viola a efetividade dos objetivos prosseguidos pela Diretiva 93/13.

64.      Além disso, deve acrescentar‑se que, em aplicação da regulamentação em causa no processo principal, uma associação pode representar diretamente esse consumidor em qualquer processo, incluindo o de execução, mediante mandato conferido por este último. Quanto à eventualidade de tal consumidor não ser informado do processo que lhe diz respeito, essa situação não poderia ter como consequência que o princípio da efetividade fosse interpretado no sentido de que, nessa configuração, exigiria o reconhecimento a uma associação de defesa dos consumidores do direito a intervir no processo para suprir a ausência de defesa desse consumidor, tendo sido entendido que o princípio da efetividade não implica suprir integralmente a passividade total do consumidor em causa (37).

65.      Falta‑me ainda examinar se as disposições da Carta foram referidas pelo órgão jurisdicional de reenvio são suscetíveis de alterar esta conclusão.

66.      Antes de mais, quanto ao artigo 38.° da Carta, que dispõe que «[a]s políticas da União devem assegurar um elevado nível de defesa dos consumidores», embora não figure entre os exemplos referidos nas anotações relativas à Carta (38), parece‑me que este, que não se refere, de modo algum, a uma situação jurídica individual imediatamente definida, consagra um princípio e não um direito (39), e, portanto, em conformidade com o artigo 52.°, n.° 5, da Carta, só pode ser invocado tendo em vista a interpretação de atos legislativos da União, neste caso, a Diretiva 93/13, e a fiscalização da sua legalidade.

67.      Ora, mesmo que a Diretiva 93/13 reconhecesse às associações de defesa dos consumidores um interesse legítimo em proteger os consumidores ao recorrerem aos tribunais para que estes determinem se as cláusulas contratuais, redigidas com vista a uma utilização generalizada, têm ou não um caráter abusivo e, se necessário, obterem a sua proibição, esta diretiva não impõe que seja conferido a estas associações o direito a intervir em litígios individuais em que tais consumidores estejam envolvidos, e, a este respeito, o artigo 38.° da Carta não pode determinar uma interpretação da referida diretiva a favor do reconhecimento de tal direito.

68.      Quanto ao artigo 47.° da Carta, recordo que o mesmo prevê o direito à ação e o acesso a um tribunal imparcial, que implica, em função dos casos, que é concedida assistência judiciária a quem não disponha de recursos suficientes, na medida em que essa assistência seja necessária para garantir a efetividade do acesso à justiça.

69.      Ora, na medida em que, como acima recordei, nos litígios que envolvem um profissional e um consumidor, a Diretiva 93/13 exige uma intervenção positiva, exterior às partes do contrato, por parte do juiz chamado a conhecer de tais litígios, afigura‑se‑me difícil afirmar que a recusa de admitir a intervenção de uma associação em apoio de um consumidor, num litígio que o opõe a um profissional, constitui uma violação do direito, desse consumidor, a uma ação perante um tribunal, como garantido por este artigo 47.° Acresce que a intervenção de uma associação de defesa dos consumidores também não poderia ser equiparada à assistência judiciária que deve ser concedida, em certos casos, a quem não disponha de recursos suficientes, por força do n.° 4 do referido artigo 47.°

70.      Em seguida, no que diz respeito à possibilidade de uma associação de defesa dos consumidores invocar nesse contexto o mesmo artigo 47.°, há que observar que a recusa de admitir a sua intervenção num processo que envolve um consumidor não afeta o seu direito a uma ação perante um tribunal para defesa dos seus direitos, na qualidade de associação desse tipo, nomeadamente, os seus direitos de ação coletiva, reconhecidos no artigo 7.°, n.° 2, da Diretiva 93/13.

2.      A Diretiva 93/13 não exclui que seja reconhecido às associações de defesa dos consumidores um direito de intervenção

71.      Em contrapartida, considero que, na medida em que a Diretiva 93/13 estabelece uma harmonização mínima e que, em conformidade com o artigo 8.° da mesma, os Estados‑Membros podem adotar ou manter, no domínio regido por esta diretiva, disposições mais rigorosas, compatíveis com o Tratado, para garantir um nível de proteção mais elevado para o consumidor e uma legislação nacional, como o artigo 93.°, n.° 2, do Código de Processo Civil eslovaco, pode conferir às associações de defesa dos consumidores o direito a intervir, quanto ao mérito, em apoio de consumidores, no âmbito de processos civis. Do mesmo modo, estas disposições não se deveriam opor a que o juiz admita, desde que o consumidor em causa o consinta, a intervenção de uma associação de defesa dos consumidores no âmbito de um processo de execução de uma decisão arbitral.

72.      Com efeito, pode considerar‑se que essa intervenção vai no sentido da proteção dos consumidores, como prevista, nomeadamente, na Diretiva 93/13, ao fornecer, desse modo, uma intervenção complementar, não prevista nessa diretiva, da intervenção positiva exterior do juiz, conforme estabelecida pela referida diretiva. Como referiu a associação HOOS, a intervenção das associações de consumidores pode levar a chamar a atenção do juiz para determinadas práticas nacionais ou para cláusulas que tenham sido consideradas abusivas por outros órgãos jurisdicionais nacionais.

73.      Além disso, a intervenção das associações de consumidores num processo de execução, na medida em que as modalidades e as condições de admissão da mesma não sejam menos favoráveis do que as aplicáveis a situações comparáveis abrangidas pelo direito interno, deveria ser considerada plenamente conforme com o princípio da equivalência. Para nos atermos ao processo principal, é manifesto que a questão da intervenção das associações de defesa dos consumidores diz respeito, por força do artigo 37.°, n.° 1, do Código de Processo Executivo, a todas as pessoas que pretendam intervir em qualquer processo de execução, independentemente da sua qualidade ou do domínio visado.

74.      Tendo em conta todas as considerações precedentes, proponho que seja respondido ao órgão jurisdicional de reenvio que a proteção conferida aos consumidores pela Diretiva 93/13, em conjugação com os artigos 38.° e 47.° da Carta, deve ser interpretada no sentido de que, em circunstâncias como as do processo principal, não se opõe a uma disposição de direito nacional que não permite que uma associação de defesa dos consumidores intervenha no âmbito de um processo de execução coerciva de uma decisão arbitral. Estas disposições também não se opõem a que o juiz admita a intervenção dessas associações no âmbito de um processo de execução de uma decisão arbitral.

IV — Conclusão

75.      Face a todas as considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões prejudiciais submetidas pelo Okresný súd Svidník, nos seguintes termos:

«A proteção conferida aos consumidores pela Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, em especial, pelos seus artigos 6.°, n.° 1, 7.°, n.° 1, e 8.°, em conjugação com os artigos 38.° e 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, deve ser interpretada no sentido de que, em circunstâncias como as do processo principal, não se opõe a uma disposição de direito nacional que não permite que uma associação de defesa dos consumidores intervenha no âmbito de um processo de execução coerciva de uma decisão arbitral. Estas disposições também não se opõem a que o juiz admita a intervenção dessas associações no âmbito de um processo de execução de uma decisão arbitral.»


1 —      Língua original: francês.


2 —      Diretiva do Conselho de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores (JO L 95, p. 29).


3 —      A seguir «Carta».


4 —      Segundo as informações de que disponho após a consulta do processo nacional, este contrato teria sido celebrado no decurso do ano de 2010.


5 —       Esta é a designação que consta da decisão de reenvio. Não é possível determinar se este funcionário possui ou não a categoria de magistrado.


6 —      A mesma faz referência ao acórdão de 6 de outubro de 2009, Asturcom Telecomunicaciones (C‑40/08, Colet., p. I‑9579), e ao despacho de 16 de novembro de 2010, Pohotovosť (C‑76/10, Colet., p. I‑11557).


7 —      V. as minhas conclusões apresentadas no processo Macinský e Macinská (C‑482/12), pendente no Tribunal de Justiça.


8 —      Acórdãos de 21 de outubro de 2010, Padawan (C‑467/08, Colet., p. I‑10055, n.os 21 e segs. e jurisprudência aí referida), e de 9 de dezembro de 2010, Fluxys (C‑241/09, Colet., p. I‑12773, n.° 28).


9 —      V., nomeadamente, acórdão de 11 de setembro de 2008, UGT‑Rioja e o. (C‑428/06 a C‑434/06, Colet., p. I‑6747, n.° 40), e despacho de 22 de outubro de 2012, Šujetová (C‑252/11).


10 —      V., neste sentido, acórdão de 20 de janeiro de 2005, García Blanco (C‑225/02, Colet., p. I‑523, n.° 27), e despacho de 24 de março de 2009, Nationale Loterij (C‑525/06, Colet., p. I‑2197, n.os 10 e 11).


11 —      Acórdãos de 21 de abril de 1988, Pardini (338/85, Colet., p. 2041, n.° 11), e de 4 de outubro de 1991, Society for the Protection of Unborn Children Ireland (C‑159/90, Colet., p. I‑4685, n.° 12).


12 —      Acórdão de 7 de novembro de 2013, Romeo (C‑313/12, n.° 40 e jurisprudência aí referida).


13 —      V. despacho Šujetová, já referido (n.os 27 a 32), e acórdão de 24 de outubro de 2013, Stoilov i Ko EOOD (C‑180/12, n.os 39, 44 e 46).


14 —      Com efeito, para nos atermos ao processo principal, por exemplo, pela leitura das observações escritas, torna‑se claro que os órgãos jurisdicionais eslovacos adotam interpretações divergentes das disposições do Código de Processo Civil e do Código de Processo Executivo eslovacos, relativas ao direito de as associações de defesa dos consumidores intervirem nos processos de execução. A isto acrescem suspeitas de parcialidade das pessoas implicadas no processo de execução, neste caso, do funcionário judicial responsável pela execução (v. n.° 15 das presentes conclusões).


15 —      Acórdão de 16 de dezembro de 1981 (244/80, Recueil, p. 3045, n.os 17 e 20).


16 —      Era esta a configuração que se apresentou no processo que deu origem ao acórdão de 27 de junho de 2013, Di Donna (C‑492/11, n.° 28). V., igualmente, neste sentido, acórdão Stoilov i Ko, já referido (n.os 39, 44 e 46).


17 —      No entanto, o órgão jurisdicional de reenvio indicou que este pedido lhe tinha sido notificado em 27 de dezembro de 2012.


18 —      Neste sentido, deve recordar‑se que o n.° 30 das Recomendações à atenção dos órgãos jurisdicionais nacionais, relativas à apresentação de processos prejudiciais (JO 2012, C 338, p. 1), refere expressamente que, para assegurar a boa marcha do processo prejudicial no Tribunal de Justiça e tendo em vista preservar o seu efeito útil, incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio prevenir o Tribunal de Justiça de qualquer incidente processual suscetível de ter incidência na tramitação.


19 —      V., neste sentido, nomeadamente, acórdãos de 16 de janeiro de 1974, Rheinmühlen‑Düsseldorf (166/73, Colet., p. 17, n.° 4), e de 16 de dezembro de 2008, Cartesio (C‑210/06, Colet., p. I‑9641, n.° 96).


20 —       Neste sentido, o processo principal distingue‑se do que deu origem ao despacho Šujetová, já referido, que constitui consequência direta da desistência de E. Šujetová, que beneficiava da proteção decorrente da Diretiva 93/13, e não de uma informação proveniente, unicamente, da sociedade credora.


21 —      No acórdão Asturcom Telecomunicaciones, já referido, estava em causa uma ação executiva de uma decisão arbitral que tinha adquirido força de caso julgado, proferida sem a comparência do consumidor e a obrigação de o juiz de execução apreciar oficiosamente o caráter abusivo da cláusula de arbitragem. Quanto ao despacho Pohotovosť, já referido, especifica, na sequência daquele acórdão, a obrigação de o juiz de execução apreciar oficiosamente o caráter abusivo da penalidade prevista num contrato de crédito.


22 —      V., nomeadamente, acórdãos de 14 de junho de 2012, Banco Español de Crédito (C‑618/10), e de 14 de março de 2013, Aziz (C‑415/11).


23 —      Esta questão é diferente das ações de defesa que podem ser iniciadas pelas associações (v. n.° 59 e segs. das presentes conclusões).


24 —      V. n.° 19 das conclusões do advogado‑geral P. Mengozzi, de 5 de setembro de 2013, apresentadas no processo que deu origem ao acórdão de 5 de dezembro de 2013, Asociación de Consumidores Independientes de Castilla y León (C‑413/12).


25 —      Acórdãos de 27 de junho de 2000, Océano Grupo Editorial e Salvat Editores (C‑240/98 a C‑244/98, Colet., p. I‑4941, n.° 25), e de 26 de outubro de 2006, Mostaza Claro (C‑168/05, Colet., p. I‑10421, n.° 25); despacho Pohotovost’, já referido (n.° 37).


26 —      Acórdãos Mostaza Claro, já referido (n.° 36); de 4 de junho de 2009, Pannon GSM (C‑243/08, Colet., p. I‑4713, n.° 25); e despacho Pohotovost’, já referido (n.° 38).


27 —      Acórdãos, já referidos, Océano Grupo Editorial e Salvat Editores (n.° 27), Mostaza Claro (n.° 26), e Asturcom Telecomunicaciones (n.° 31); despacho Pohotovost’, já referido (n.° 39).


28 —      V., nomeadamente, acórdãos, já referidos, Banco Español de Crédito (n.os 42 a 44), e Aziz (n.os 46 e 47).


29 —      Acórdão de 21 de novembro de 2002, Cofidis (C‑473/00, Colet., p. I‑10875, n.° 32); acórdão Mostaza Claro, já referido (n.° 27); e despacho Pohotovost’, já referido (n.° 41).


30 —      V., neste sentido, acórdãos, já referidos, Pannon GSM (n.° 32), e Asturcom Telecomunicaciones (n.° 53); e despacho Pohotovost’, já referido (n.° 51).


31 —       Recordo que, no despacho Pohotovost’, já referido (n.os 40 e 41), o Tribunal de Justiça já tinha fornecido alguns esclarecimentos importantes quanto às possibilidades de que o juiz dispõe na presença de contratos que não fazem referência à TAEG.


32 —      Assim, em 29 de junho de 2011, foi decidido que não havia que executar a parte do processo relativa ao pagamento de juros de mora à taxa diária de 0,25% sobre um montante de 309 euros, a contar de 8 de julho de 2010 e até à data do pagamento, e ao pagamento das despesas de execução relativas a essa parte.


33 —      O anexo da Diretiva 93/13, que contém uma lista indicativa de cláusulas que podem ser consideradas abusivas, menciona, no seu n.° 1, alínea q), as cláusulas que têm como objetivo ou como efeito «[s]uprimir ou entravar a possibilidade de intentar ações judiciais ou seguir outras vias de recurso, por parte do consumidor, nomeadamente obrigando‑o a submeter‑se exclusivamente a uma jurisdição de arbitragem não abrangida por disposições legais, limitando indevidamente os meios de prova à sua disposição ou impondo‑lhe um ónus da prova que, nos termos do direito aplicável, caberia normalmente a outra parte contratante».


34 —      Acórdão de 26 de abril de 2012, Invitel (C‑472/10, n.° 37 e jurisprudência aí referida). V., também, n.° 12 das conclusões do advogado‑geral L. A. Geelhoed, apresentadas no processo que deu origem ao acórdão de 9 de setembro de 2004, Comissão/Espanha (C‑70/03, Colet., p. I‑7999).


35 —      Acórdão Invitel, já referido (n.os 35 e 36 e jurisprudência aí citada).


36 —      Com efeito, é interessante notar que a Diretiva 2009/22/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2009, relativa às ações inibitórias em matéria de proteção dos interesses dos consumidores (JO L 110, p. 30) e a Diretiva 2011/83/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2011, relativa aos direitos dos consumidores, que altera a Diretiva 93/13/CEE do Conselho e a Diretiva 1999/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e que revoga a Diretiva 85/577/CEE do Conselho e a Diretiva 97/7/CE do Parlamento Europeu e do Conselho (JO L 304, p. 64), tão‑pouco prevê a possibilidade de as associações de consumidores intervirem em litígios individuais.


37 —      V., neste sentido, acórdão Asturcom Telecomunicaciones, já referido (n.° 47).


38 —      As Anotações relativas à Carta dos Direitos Fundamentais (JO 2007, C 303, p. 17) referem, a título de exemplo, os princípios reconhecidos na Carta, nomeadamente nos artigos 25.°, 26.° e 37.°


39 —      Sobre a distinção entre «direitos» e «princípios» e as condições em que estes últimos podem ser invocados, remete‑se para os n.os 43 e segs. nomeadamente das conclusões do advogado‑geral P. Cruz Villalón, apresentadas no processo Association de médiation sociale (C‑176/12), pendente no Tribunal de Justiça.