Language of document : ECLI:EU:T:2006:170

DESPACHO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Primeira Secção)

22 de Junho de 2006 (*)

«Directiva 92/43/CEE do Conselho − Conservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens − Decisão 2004/69/CE da Comissão − Lista dos sítios de importância comunitária para a região biogeográfica alpina − Recurso de anulação − Inadmissibilidade»

No processo T‑136/04,

Rasso Freiherr von Cramer‑Klett, residente em Aschau im Chiemgau (Alemanha),

Rechtlerverband Pfronten, com sede em Pfronten (Alemanha),

representados por T. Schönfeld e L. Thum, advogados,

recorrentes,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por M. van Beek e B. Schima, na qualidade de agentes,

recorrida,

apoiada por

República da Finlândia, representada por T. Pynnä e A. Guimaraes‑Purokoski, na qualidade de agentes,

interveniente,

que tem por objecto um pedido de anulação da Decisão 2004/69/CE da Comissão, de 22 de Dezembro de 2003, que adopta, em aplicação da Directiva 92/43/CEE do Conselho, a lista dos sítios de importância comunitária para a região biogeográfica alpina (JO 2004, L 14, p. 21),

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Primeira Secção),

composto por: R. García‑Valdecasas, presidente, I. Labucka e V. Trstenjak, juízes,

secretário: E. Coulon,

profere o presente

Despacho

 Quadro jurídico e factual

1        No dia 21 de Maio de 1992, o Conselho adoptou a Directiva 92/43/CEE, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens (JO L 206, p. 7, a seguir «directiva habitats»).

2        A directiva habitats tem por objectivo, nos termos do seu artigo 2.°, n.° 1, contribuir para assegurar a biodiversidade através da conservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens no território europeu dos Estados‑Membros em que o Tratado é aplicável.

3        A directiva precisa, no seu artigo 2.°, n.° 2, que as medidas tomadas ao abrigo da mesma se destinam a garantir a conservação ou o restabelecimento dos habitats naturais e das espécies selvagens de interesse comunitário num estado de conservação favorável.

4        Nos termos do sexto considerando da directiva habitats, para assegurar o restabelecimento ou a manutenção dos habitats naturais e das espécies de interesse comunitário num estado de conservação favorável, há que designar zonas especiais de conservação, a fim de estabelecer uma rede ecológica europeia coerente de acordo com um calendário definido.

5        Por força do artigo 3.°, n.° 1, da directiva habitats, essa rede, denominada «Natura 2000», é formada por zonas especiais de preservação, bem como por zonas de protecção especial designadas pelos Estados‑Membros nos termos da Directiva 79/409/CEE do Conselho, de 2 de Abril de 1979, relativa à conservação das aves selvagens (JO L 103, p. 1; EE 15 F2 p. 125).

6        Nos termos do artigo 1.°, alínea l), da directiva habitats, a zona especial de conservação é definida como «um sítio de importância comunitária designado pelos Estados‑Membros por um acto regulamentar, administrativo e/ou contratual em que são aplicadas as medidas necessárias para a manutenção ou o restabelecimento do estado de conservação favorável dos habitats naturais e/ou das populações das espécies para as quais o sítio é designado».

7        O artigo 4.° da directiva habitats prevê um procedimento em três fases para a designação das zonas especiais de conservação. Nos termos do n.° 1 desta disposição, cada Estado‑Membro propõe uma lista dos sítios, indicando os tipos de habitats naturais do anexo I e as espécies nativas do seu território do anexo II que tais sítios alojam. Nos três anos subsequentes à notificação da directiva, a lista é enviada à Comissão ao mesmo tempo que as informações relativas a cada sítio.

8        Nos termos do artigo 4.°, n.° 2, da directiva habitats, a partir dessas listas, com base nos critérios constantes do seu anexo III e em concertação com cada Estado‑Membro, a Comissão elabora um projecto de lista dos sítios de importância comunitária. A lista dos sítios de importância comunitária é aprovada pela Comissão segundo o procedimento a que se refere o artigo 21.° da directiva habitats. De acordo com o artigo 4.°, n.° 3, essa lista é elaborada num prazo máximo de seis anos a contar da notificação da directiva habitats.

9        O artigo 4.°, n.° 4, da mesma directiva dispõe que a partir do momento em que um sítio de importância comunitária tenha sido reconhecido nos termos do procedimento previsto no n.° 2 desta disposição, o Estado‑Membro em causa designará esse sítio como zona especial de conservação, o mais rapidamente possível e num prazo de seis anos, estabelecendo prioridades em função da importância dos sítios para a manutenção ou o restabelecimento do estado de conservação favorável de um tipo ou mais de habitat natural a que se refere o anexo I ou de uma ou mais das espécies a que se refere o anexo II, para a coerência da rede Natura 2000, e em função das ameaças de degradação e de destruição que pesam sobre esses sítios.

10      A directiva habitats esclarece, no seu artigo 4.°, n.° 5, que, logo que um sítio seja inscrito na lista dos sítios de importância comunitária elaborada pela Comissão, ficará sujeito ao disposto nos n.os 2 a 4 do artigo 6.° da directiva habitats.

11      Nos termos do artigo 6.° da directiva habitats:

«1.      Em relação às zonas especiais de conservação, os Estados‑Membros fixarão as medidas de conservação necessárias, que poderão eventualmente implicar planos de gestão adequados, específicos ou integrados noutros planos de ordenação, e as medidas regulamentares, administrativas ou contratuais adequadas que satisfaçam as exigências ecológicas dos tipos de habitats naturais do anexo I e das espécies do anexo II presentes nos sítios.

2.      Os Estados‑Membros tomarão as medidas adequadas para evitar, nas zonas especiais de conservação, a deterioração dos habitats naturais e dos habitats de espécies, bem como as perturbações que atinjam as espécies para as quais as zonas foram designadas, na medida em que essas perturbações possam vir a ter um efeito significativo, atendendo aos objectivos da presente directiva.

3.      Os planos ou projectos não directamente relacionados com a gestão do sítio e não necessários para essa gestão, mas susceptíveis de afectar esse sítio de forma significativa, individualmente ou em conjugação com outros planos e projectos, serão objecto de uma avaliação adequada das suas incidências sobre o sítio no que se refere aos objectivos de conservação do mesmo. Tendo em conta as conclusões da avaliação das incidências sobre o sítio e sem prejuízo do disposto no n.° 4, as autoridades nacionais competentes só autorizarão esses planos ou projectos depois de se terem assegurado de que não afectarão a integridade do sítio em causa e de terem auscultado, se necessário, a opinião pública.

4.      Se, apesar de a avaliação das incidências sobre o sítio ter levado a conclusões negativas e na falta de soluções alternativas, for necessário realizar um plano ou projecto por outras razões imperativas de reconhecido interesse público, incluindo as de natureza social ou económica, o Estado‑Membro tomará todas as medidas compensatórias necessárias para assegurar a protecção da coerência global da rede Natura 2000. O Estado‑Membro informará a Comissão das medidas compensatórias adoptadas.

No caso de o sítio em causa abrigar um tipo de habitat natural e/ou uma espécie prioritária, apenas podem ser evocadas razões relacionadas com a saúde do homem ou a segurança pública ou com consequências benéficas primordiais para o ambiente ou, após parecer da Comissão, outras razões imperativas de reconhecido interesse público.»

12      A Decisão 2004/69/CE da Comissão, de 22 de Dezembro de 2003, que adopta, em aplicação da directiva habitats, a lista dos sítios de importância comunitária para a região biogeográfica alpina (JO 2004, L 14, p. 21, a seguir «decisão recorrida»), foi aprovada com base no artigo 4.°, n.° 2, terceiro parágrafo, da referida directiva. De entre os sítios de importância comunitária mencionados na lista, encontram‑se os seguintes:

–        DE 8239304 Hochries‑Laubensteingebiet und Spitzstein;

–        DE 8429303 Kienberg mit Magerrasen im Tal der Steinacher Ach.

13      O primeiro recorrente é proprietário de um bem imóvel no sítio de importância comunitária com a referência DE 8239304. A segunda recorrente é uma sociedade que reúne os proprietários de bens imóveis no sítio de importância comunitária com a referência DE 8429303. Os recorrentes exploram os seus terrenos florestais por intermédio de empresas constituídas para o efeito.

 Tramitação processual

14      Os recorrentes interpuseram o presente recurso por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 8 de Abril de 2004.

15      Por requerimento que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 2 de Setembro de 2004, a República da Finlândia (a seguir «interveniente») solicitou a sua intervenção no presente processo em apoio da Comissão. Por despacho de 14 de Outubro de 2004, o presidente da Primeira Secção do Tribunal de Primeira Instância admitiu essa intervenção. A interveniente apresentou o seu articulado, tendo limitado as suas alegações à questão da admissibilidade do recurso. Os recorrentes e a Comissão não apresentaram observações sobre esse articulado.

16      Por requerimento que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 28 de Setembro de 2004, a Comissão arguiu uma questão prévia de inadmissibilidade, nos termos do disposto no artigo 114.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância. Os recorrentes apresentaram as suas observações sobre essa questão prévia em 17 de Novembro 2004.

 Pedidos das partes

17      Na questão prévia de inadmissibilidade, a Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        julgar o recurso inadmissível;

–        condenar os recorrentes nas despesas.

18      No respectivo articulado, a interveniente conclui pedindo que o Tribunal se digne julgar o recurso inadmissível.

19      Nas suas observações sobre a questão prévia de inadmissibilidade, os recorrentes concluem pedindo que o Tribunal se digne:

–        julgar a questão prévia de inadmissibilidade improcedente;

–        anular a decisão recorrida;

–        condenar a Comissão nas despesas.

 Questão de direito

20      Nos termos do artigo 114.° do Regulamento de Processo, se uma das partes o pedir, o Tribunal pode pronunciar‑se sobre a inadmissibilidade antes de conhecer do mérito da causa, sendo a tramitação ulterior do processo oral, salvo decisão em contrário. No caso em apreço, o Tribunal considera‑se suficientemente esclarecido pela análise dos documentos que constam dos autos e decide que não é necessária a fase oral.

 Argumentos das partes

21      A Comissão alega, a título principal, que os recorrentes não têm interesse em agir.

22      A Comissão considera que a decisão recorrida constitui apenas uma medida preparatória, na acepção do acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Novembro de 1981, IBM/Comissão (60/81, Recueil, p. 2639, n.° 10). A decisão recorrida não é um acto impugnável, na medida em que a elaboração da lista dos sítios de importância comunitária não põe fim ao procedimento destinado à constituição da rede Natura 2000.

23      A Comissão sublinha que a decisão recorrida não tem influência directa na situação jurídica dos recorrentes. Segundo afirma, apenas se produzirão eventuais efeitos jurídicos relativamente aos recorrentes quando as autoridades nacionais tomarem medidas de aplicação da directiva habitats e da decisão recorrida.

24      A Comissão considera, por conseguinte, que a decisão recorrida não teve qualquer repercussão na esfera jurídica dos recorrentes. Assim, devido à falta de interesse em agir, os recorrentes não podem interpor um recurso de anulação dessa decisão, por força do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE.

25      A título subsidiário, a Comissão afirma que a decisão não diz directa e individualmente respeito aos recorrentes.

26      No que se refere à afectação directa dos recorrentes, a Comissão considera que as consequências do estabelecimento de uma lista dos sítios de importância comunitária, ou seja, a obrigação de os Estados‑Membros designarem esses sítios como zonas especiais de conservação e preverem para os mesmos medidas de conservação, não ocorrem automaticamente. Ainda que a lista dos sítios defina de forma vinculativa a extensão das zonas e bem assim os tipos de habitats naturais e as espécies a proteger, os Estados‑Membros mantêm um certo poder de apreciação relativamente às medidas de conservação especificadas no artigo 6.°, n.° 1, da directiva habitats. Apenas estas medidas produzem efeitos na situação jurídica dos recorrentes. Não se vislumbra, assim, de que modo a decisão recorrida pode dizer‑lhes directamente respeito.

27      A Comissão acrescenta que também não decorre do artigo 4.°, n.° 4 da directiva habitats, que prevê que um sítio se encontra sujeito às disposições do artigo 6.°, n.os 2 a 4 da directiva habitats a partir do momento em que passa a constar da lista referida no n.° 2, terceiro parágrafo, que a mesma lhes diga directamente respeito. A este propósito a Comissão sustenta que o artigo 6.°, n.° 2 da directiva habitats institui a obrigação de evitar a deterioração e perturbação do sítio. O artigo 6.°, n.os 3 e 4 da mesma directiva prevê um procedimento de autorização dos planos e projectos susceptíveis de afectar o sítio. Em ambos os casos, tratar‑se de obrigações que incumbem aos Estados‑Membros e não aos particulares.

28      A Comissão conclui assim que, uma vez que a decisão recorrida não tem qualquer efeito directo na situação jurídica dos recorrentes, estes últimos não são os destinatários directos da referida decisão, não podendo, por conseguinte, interpor um recurso de anulação.

29      No que respeita à afectação individual, a Comissão considera que a decisão recorrida não define os direitos nem as obrigações dos proprietários fundiários, antes estabelecendo simplesmente uma lista dos sítios aos quais outras disposições serão depois aplicáveis, que também não dizem respeito à propriedade fundiária. O objectivo dessas disposições é a protecção dos sítios contra a deterioração do seu estado de conservação, independentemente do comportamento que tenha dado origem a essa deterioração.

30      A Comissão considera que os recorrentes, uma vez que a decisão recorrida não impõe qualquer obrigação aos proprietários fundiários, não podem afirmar que esta afectou os seus direitos específicos ou lhes causou um prejuízo excepcional que os individualiza relativamente a qualquer outro operador económico. Mesmo admitindo que a decisão possa impor obrigações aos recorrentes, isso resulta de uma situação objectivamente determinada, isto é, a situação geográfica dos sítios referidos no anexo.

31      Segundo a Comissão, os recorrentes também não são individualizados pelo facto de a Comissão estar obrigada, nos termos de disposições específicas, a ter em conta as consequências que o acto que pretende adoptar irá ter na situação dos recorrentes. No entender da Comissão, apenas os critérios exclusivamente científicos relativos à protecção da natureza são aplicáveis ao procedimento que levou à adopção da decisão recorrida. Além disso, nenhuma disposição de direito comunitário impõe que a Comissão, para a adopção da decisão recorrida, leve a cabo um procedimento no âmbito do qual os recorrentes podem invocar direitos como o direito de audiência.

32      A Comissão considera assim que a decisão recorrida não diz individualmente respeito aos recorrentes. Face ao que precede, a Comissão conclui no sentido de que o recurso deve ser julgado inadmissível.

33      A interveniente apoia a argumentação da Comissão e conclui, igualmente, pela inadmissibilidade do presente recurso.

34      Relativamente à afectação directa dos recorrentes, a interveniente acrescenta que a decisão recorrida deixa manifestamente aos Estados‑Membros a possibilidade de adoptarem ou de não adoptarem determinadas medidas. Assim, os efeitos da decisão recorrida dependem da forma como as autoridades nacionais exercerão o seu poder discricionário.

35      Relativamente à afectação individual dos recorrentes, a interveniente considera que a decisão recorrida não os impede de fazer uso dos seus direitos exclusivos e não os priva dos seus direitos. Efectivamente, essa decisão não regulamenta os direitos e obrigações dos recorrentes, fixando unicamente a lista das zonas geograficamente definidas. Os eventuais efeitos negativos invocados no recurso não passam de consequências indirectas da decisão recorrida.

36      Além disso, segundo a interveniente, deve ter‑se em conta que a decisão recorrida não diz directamente respeito aos recorrentes enquanto titulares de direitos exclusivos. Mesmo admitindo que essa decisão os afectasse, fá‑lo‑ia apenas na sua qualidade de proprietários fundiários, da mesma forma que afectaria a situação jurídica de todos os proprietários dos terrenos enumerados no seu anexo.

37      A interveniente salienta ainda que, mesmo que a decisão recorrida permita determinar, sendo caso disso, quais os proprietários fundiários visados pelo seu anexo I, isso não implica de modo algum que se deva considerar que a mesma decisão lhes diz individualmente respeito, já que não é verdade que essa decisão é aplicada por força de uma situação de facto objectiva por si definida, que é o valor natural dos bens imobiliários em causa (v. despacho do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Setembro de 2004, SNF/Comissão, T‑213/02, Colect., p. II‑3047, n.° 49, e jurisprudência aí referida).

38      Os recorrentes sustentam que a decisão recorrida lhes diz directa e individualmente respeito.

39      No que diz respeito à afectação directa, os recorrentes remetem para o artigo 4.°, n.° 5 da directiva habitats, que dispõe que, na sequência da adopção da decisão recorrida, os sítios abrangidos por essa decisão ficarão sujeitos à proibição de deterioração prevista no artigo 6.°, n.° 2, da directiva habitats e ao procedimento de autorização aplicável aos planos ou aos projectos, na acepção dos n.os 3 e 4 do mesmo artigo. Ainda que essas obrigações incumbam aos Estados‑Membros, os recorrentes consideram que, apesar de tudo, as referidas obrigações lhes dizem directamente respeito, atendendo a que o artigo 6.° lhes impõe obrigações directas de agir. Segundo os recorrentes, o artigo 6.°, n.os 2 a 4 da directiva habitats não deixa aos Estados‑Membros qualquer margem de apreciação.

40      Quanto à afectação individual, os recorrentes consideram que é incontestável o facto de os inconvenientes jurídicos por eles suportados não serem fundamentalmente diferentes dos suportados pelos outros proprietários de terrenos situados nas zonas abrangidas pela decisão recorrida. Entendem, contudo, que se deve tomar como grupo de referência o conjunto dos proprietários fundiários da Comunidade.

41      Mais alegam que as disposições do artigo 6.°, n.os 2 a 4, da directiva habitats, trazem limitações à utilização da sua propriedade. A situação geográfica dos terrenos é um elemento de conexão da decisão recorrida porque o sistema da directiva apenas faz referência a esse critério único. É incontestável que os recorrentes não têm qualquer possibilidade de impugnar essa directiva, por a mesma lhes não dizer directa e individualmente respeito.

42      Os recorrentes consideram, por conseguinte, que as exigências de uma protecção jurisdicional efectiva ficam desprovidas de sentido caso se considere que a decisão recorrida não lhes diz individualmente respeito, já que são visados unicamente devido à situação geográfica dos terrenos que possuem.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

43      Nos termos do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, «[q]ualquer pessoa singular ou colectiva pode interpor, nas mesmas condições, recurso das decisões de que seja destinatária e das decisões que, embora tomadas sob a forma de regulamento ou de decisão dirigida a outra pessoa, lhes digam directa e individualmente respeito».

44      Uma vez que não é contestado que os recorrentes não são os destinatários da decisão recorrida, importa analisar se essa decisão lhes diz directa e individualmente respeito.

45      Relativamente à afectação directa dos recorrentes, importa lembrar que esse requisito requer, no caso em apreço, que a decisão recorrida produza efeitos directos na sua situação jurídica, e que não deixe qualquer poder de apreciação aos destinatários encarregados da sua execução, sendo esta de carácter puramente automático e decorrendo somente da regulamentação comunitária, sem aplicação de outras normas intermédias (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 5 de Maio de 1998, Dreyfus/Comissão, C‑386/96 P, Colect., p. I‑2309, n.° 43 e jurisprudência aí referida, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 27 de Junho de 2000, Salamander e o./Parlamento e Conselho, T‑172/98, T‑175/98 a T‑177/98, Colect., p. II‑2487, n.° 52).

46      Isto significa que, no caso em que um acto comunitário é dirigido a um Estado‑Membro por uma instituição, se a actuação a empreender pelo Estado‑Membro na sequência desse acto tiver carácter automático, ou se, de qualquer forma, as consequências do acto em causa se impuserem inequivocamente, então o acto diz directamente respeito a qualquer pessoa afectada por essa acção. Se, pelo contrário, o acto deixar ao Estado‑Membro a possibilidade de agir ou de não agir, ou não o obriga a agir em determinado sentido, é a acção ou a inacção do Estado‑Membro que diz directamente respeito à pessoa afectada, e não o próprio acto (v., neste sentido, despacho do Tribunal de Primeira Instância de 10 de Setembro de 2002, Japan Tobacco e JT International/Parlamento e Conselho, T‑223/01, Colect., p. II‑3259, n.° 46).

47      O Tribunal observa que não se pode considerar que a decisão recorrida, que designa como sítios de importância comunitária zonas do território alemão onde os recorrentes possuem terrenos, produz efeitos, por si só, na sua situação jurídica. A decisão recorrida não contém qualquer disposição relativa ao regime de protecção dos sítios de importância comunitária, tais como medidas de conservação ou procedimentos de autorização. Assim, a mesma não afecta os direitos nem as obrigações dos proprietários de bens fundiários, nem o exercício desses direitos. Ao contrário do que alegam os recorrentes, a inclusão desses sítios na lista dos sítios de importância comunitária em nada obriga os operadores económicos ou as pessoas privadas.

48      O artigo 4.°, n.° 4, da directiva habitats esclarece que, a partir do momento em que um sítio tenha sido reconhecido como sítio de importância comunitária pela Comissão, o Estado‑Membro em causa designará esse sítio «como zona especial de conservação», no prazo máximo de seis anos. A este propósito, o artigo 6.°, n.° 1 da directiva habitats refere que os Estados‑Membros fixarão as medidas de conservação necessárias para as zonas especiais de conservação, por forma a satisfazer as exigências ecológicas do tipo de habitat natural e das espécies presentes nos sítios.

49      O artigo 4.°, n.° 5 da directiva habitats prevê igualmente que, logo que um sítio seja inscrito na lista dos sítios de importância comunitária, fica sujeito ao disposto nos n.os 2 a 4 do artigo 6.°

50      Assim, o artigo 6.°, n.° 2, da directiva habitats dispõe que os Estados‑Membros tomarão as medidas adequadas para evitar, nas zonas especiais de conservação, a deterioração dos habitats naturais e dos habitats de espécies, bem como as perturbações que atinjam as espécies para as quais as zonas foram designadas, na medida em que essas perturbações possam vir a ter um efeito significativo, atendendo aos objectivos da presente directiva.

51      De igual modo, o artigo 6.°, n.° 3, da directiva habitats dispõe que os projectos não directamente relacionados com a gestão do sítio e não necessários para essa gestão, mas susceptíveis de afectar esse sítio de forma significativa serão objecto de uma avaliação adequada das suas incidências sobre o sítio, atendendo aos objectivos de conservação do mesmo. Tendo em conta as conclusões da avaliação das incidências sobre o sítio, as autoridades nacionais competentes só autorizam esse projecto depois de se terem assegurado de que não afectará a integridade do sítio em causa. A este respeito, o artigo 6.°, n.° 4, da directiva habitats esclarece que, se for necessário realizar um tal projecto por razões imperativas de reconhecido interesse público, o Estado‑Membro tomará todas as medidas compensatórias necessárias para assegurar a protecção da coerência global da rede Natura 2000.

52      Relativamente à leitura das referidas obrigações que incumbem aos Estados‑Membros envolvidos, uma vez que os sítios de importância comunitária foram designados pela decisão impugnada, importa notar que nenhuma dessas obrigações é directamente aplicável aos recorrentes. Com efeito, todas estas obrigações necessitam de um acto do Estado‑Membro em causa, a fim de que este especifique de que maneira tem intenção de cumprir a obrigação em causa, quer se trate de medidas de conservação necessárias (artigo 6.°, n.° 1, da directiva habitats), das medidas adequadas para evitar a deterioração do sítio (artigo 6.°, n.° 2 da directiva habitats) ou da autorização por parte das autoridades nacionais competentes de um projecto susceptível de afectar esse sítio de forma significativa (artigo 6.°, n.os 3 e 4, da directiva habitats).

53      Decorre, assim, da directiva habitats, com base na qual foi aprovada a decisão recorrida, que a mesma é vinculativa para o Estado‑Membro quanto ao resultado a atingir, deixando todavia às autoridades nacionais a competência relativa às medidas de conservação a levar a cabo e aos procedimentos de autorização a seguir. Esta conclusão não é posta em causa pelo facto de a margem de apreciação desta forma reconhecida aos Estados‑Membros dever ser exercida em conformidade com os objectivos da directiva habitats.

54      Do exposto resulta que a decisão recorrida não diz directamente respeito aos recorrentes, na acepção do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, e, logo, que o recurso deve ser julgado inadmissível, sem que seja necessário abordar a questão de saber se a decisão em causa lhes diz individualmente respeito.

55      Todavia, embora não possam pedir a anulação da decisão recorrida, os recorrentes podem contestar as medidas que os afectem adoptadas por aplicação do artigo 6.° da directiva habitats e, nesse contexto, conservam a possibilidade de arguir a sua ilegalidade nos tribunais nacionais, nos termos do artigo 234.° CE (acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Novembro de 1998, Kruidvat/Comissão, C‑70/97 P, Colect., p. I‑7183, n.os 48 e 49, e despacho do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Julho de 2000, Conseil national des professions de l’automobile e o./Comissão, T‑45/00, Colect., p. II‑2927, n.° 26).

 Quanto às despesas

56      Por força do disposto no artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo os recorrentes sido vencidos, há que condená‑los nas despesas da Comissão, em conformidade com o pedido desta.

57      Nos termos do artigo 87.°, n.° 4, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo, os Estados‑Membros que intervenham no litígio deverão suportar as suas próprias despesas. No caso em apreço, haverá então que condenar a República da Finlândia a suportar as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Primeira Secção)

decide:

1)      O recurso é julgado inadmissível.

2)      Os recorrentes suportarão as suas próprias despesas e as despesas da Comissão.

3)      A República da Finlândia suportará as suas próprias despesas.

Proferido no Luxemburgo, em 22 de Junho de 2006.

O secretário

 

      O presidente

E. Coulon

 

      R. García‑Valdecasas


* Língua do processo: alemão.