Language of document : ECLI:EU:T:2006:348

Processo T‑333/03

Masdar (UK) Ltd

contra

Comissão das Comunidades Europeias

«Responsabilidade extracontratual da Comunidade – Programa TACIS – Serviços fornecidos em subcontratação – Recusa de pagamento – Enriquecimento sem causa – Gestão de negócios – Repetição do indevido – Confiança legítima – Dever de diligência»

Sumário do acórdão

1.      Responsabilidade extracontratual – Requisitos – Inexistência de comportamento ilícito das instituições comunitárias – Pedido de repetição do indevido baseado no enriquecimento sem causa ou na gestão de negócios

(Artigo 288.º, n.º 2, CE)

2.      Direito comunitário – Princípios – Protecção da confiança legítima

3.      Responsabilidade extracontratual – Requisitos – Violação suficientemente caracterizada do direito comunitário

(Artigo 288.º, n.º 2, CE)

1.      O artigo 288.°, segundo parágrafo, CE, que estabelece a obrigação de a Comunidade indemnizar os danos causados pelas suas instituições, não restringe o regime da responsabilidade extracontratual da Comunidade à responsabilidade por culpa. Assim, quando um acto ou um comportamento, mesmo lícitos, de uma instituição da Comunidade causa um dano anormal e especial, a Comunidade deve repará‑lo.

No entanto, em conformidade com os princípios gerais comuns aos direitos dos Estados‑Membros, nos quais assenta a obrigação de reparação da Comunidade, os pedidos de repetição do indevido baseados no enriquecimento sem causa ou na gestão de negócios podem ser exercidos quando o benefício do enriquecido ou do gestido assenta num contrato ou numa obrigação legal. Além disso, segundo esses mesmos princípios, geralmente essas acções só podem ser utilizadas a título subsidiário, isto é, no caso em que a pessoa lesada não dispõe, para obter o que lhe é devido, de nenhuma outra acção.

Assim, quando existem relações contratuais entre a Comissão e a demandante, um eventual enriquecimento da Comissão ou empobrecimento da demandante, pois tem origem no quadro contratual existente, não pode ser qualificado de enriquecimento sem causa. Um raciocínio análogo pode também ser utilizado para afastar a aplicação dos princípios da acção cível da gestão de negócios que, segundo os princípios gerais comuns aos direitos dos Estados‑Membros, só muito excepcionalmente se pode prestar à imputação da responsabilidade ao poder público.

(cf. n.os 93, 97, 99‑100)

2.      O direito de exigir a protecção da confiança legítima, que constitui um dos princípios fundamentais da Comunidade, estende‑se a qualquer particular que se encontre numa situação da qual resulte que a administração comunitária, ao fornecer‑lhe garantias precisas, lhe tenha criado expectativas fundadas. Constituem tal tipo de garantias, independentemente da forma pela qual sejam comunicadas, informações precisas, incondicionais e concordantes, que emanem de fontes autorizadas e fiáveis. A violação deste princípio pode, pois, gerar responsabilidade da Comunidade. Não é menos exacto que os operadores económicos devem suportar os riscos económicos inerentes às suas actividades, tendo em conta as circunstâncias de cada caso concreto.

É esse o caso, designadamente, de um operador cujas alegadas esperanças diziam respeito ao pagamento, pela Comissão, de serviços prestados contratualmente a um terceiro e que não logrou provar que a Comissão lhe deu garantias precisas de que se comprometia a remunerar esses serviços de modo a criar nesse operador esperanças fundadas.

(cf. n.os 119‑120)

3.      A responsabilidade extracontratual da Comunidade por actuação ilícita dos seus órgãos na acepção do artigo 288.°, segundo parágrafo, CE pressupõe a verificação de um conjunto de requisitos, ou seja, a ilegalidade da actuação imputada às instituições, a realidade do prejuízo e a existência de um nexo de causalidade entre o comportamento e o prejuízo invocado. Para que o requisito da ilegalidade do comportamento censurado à instituição se verifique, a jurisprudência exige a prova de uma violação suficientemente caracterizada de uma norma jurídica que tenha por objecto conferir direitos aos particulares.

Quando comportamento que se critica à Comissão consiste numa falta de diligência razoável para assegurar que, ao proceder à suspensão de pagamentos de serviços fornecidos pela demandante, no âmbito de contratos celebrados com a mesma instituição, esta última não prejudicava terceiros e, se fosse esse o caso, para indemnizar esses terceiros do dano assim sofrido, uma referência no pedido de indemnização em termos muito vagos aos princípios gerais da responsabilidade extracontratual por culpa em vigor nos sistemas de direito civil e da responsabilidade delitual por negligência em vigor nos sistemas anglo‑saxónicos não permite demonstrar a existência dessa obrigação de ter em conta os interesses de terceiros e portanto, de uma violação suficientemente caracterizada de uma norma jurídica.

(cf. n.os 59, 61, 140‑141)