Language of document : ECLI:EU:C:2017:495

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MACIEJ SZPUNAR

apresentadas em 22 de junho de 2017 (1)

Processo C‑163/16

Christian Louboutin,

Christian Louboutin SAS

contra

Van Haren Schoenen BV

[pedido de decisão prejudicial submetido pelo rechtbank Den Haag (tribunal de Haia, Países Baixos)]

«Reenvio prejudicial — Marcas — Diretiva 2008/95/CE — Motivos absolutos de recusa ou de nulidade — Motivos aplicáveis aos sinais constituídos pela forma do produto — Artigo 3.o, n.o 1, alínea e), ponto iii) — Sinal constituído exclusivamente pela forma que confere um valor substancial ao produto — Âmbito de aplicação — Conceito de “forma” do produto — Marca que consiste na cor vermelha aplicada na sola de um sapato de salto alto»






 Introdução

1.        O presente processo prejudicial oferece ao Tribunal de Justiça a oportunidade de precisar o âmbito de aplicação dos motivos absolutos de recusa ou de nulidade relativamente aos chamados sinais «funcionais», referidos no artigo 3.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 2008/95/CE (2).

2.        A aplicação destes motivos está limitada aos sinais constituídos exclusivamente pela «forma do produto». Assim, será necessário precisar este conceito em relação à marca Benelux pertencente ao criador de moda francês Christian Louboutin, que consiste na cor vermelha aplicada na sola de um sapato de salto alto.

3.        O pedido foi apresentado no âmbito de uma ação por contrafação que C. Louboutin e a sociedade Christian Louboutin SAS (a seguir, conjuntamente, «Louboutin») intentaram contra a Van Haren Schoenen BV (a seguir «Van Haren»), por considerarem que a comercialização, por parte desta, de sapatos com solas vermelhas violava a marca Louboutin.

 Quadro jurídico

 Direito da União

4.        O artigo 3.o da Diretiva 2008/95, sob a epígrafe «Motivos de recusa ou de nulidade», dispõe:

«1.      Será recusado o registo ou ficarão sujeitos a declaração de nulidade, uma vez efetuados, os registos relativos:

[…]

e)      A sinais constituídos exclusivamente:

i)      pela forma imposta pela própria natureza do produto, ou

ii)      pela forma do produto necessária à obtenção de um resultado técnico, ou

iii)      pela forma que confira um valor substancial ao produto;

[…]»

5.        A Diretiva 2008/95 será substituída pela Diretiva (UE) 2015/2436 (3), cuja data limite de transposição está prevista para 14 de janeiro de 2019. O artigo 4.o, n.o 1, alínea e), ponto iii), desta Diretiva refere‑se aos sinais constituídos exclusivamente «por uma forma ou por outra característica [do produto] que confira um valor substancial aos produtos» (4).

 Convenção Benelux

6.        O direito das marcas nos Países Baixos é regulado pela Convenção Benelux em matéria de propriedade intelectual (marcas e desenhos ou modelos), assinada em Haia, em 25 de fevereiro de 2005 pelo Reino da Bélgica, o Grão‑Ducado do Luxemburgo e o Reino dos Países Baixos (a seguir «Convenção Benelux»).

7.        O artigo 2.1 da Convenção Benelux, sob a epígrafe «Sinais suscetíveis de constituir uma marca Benelux», dispõe que, «[t]odavia, não podem ser protegidos como marcas os sinais exclusivamente constituídos por uma forma imposta pela própria natureza do produto, que confere um valor substancial ao produto ou que é necessária para obtenção de um resultado técnico.»

8.        Resulta da decisão de reenvio que a referida convenção ainda não foi alterada para efeitos da transposição da Diretiva 2015/2436.

 Litígio no processo principal

9.        C. Louboutin é um estilista que cria, nomeadamente, sapatos de saltos altos para senhora. A particularidade destes sapatos é terem a sola exterior sistematicamente de cor vermelha.

10.      Em 28 de dezembro de 2009, Louboutin depositou uma marca que deu origem, em 6 de janeiro de 2010, ao registo, para produtos da classe 25, ou seja, «sapatos (com exceção dos sapatos ortopédicos)», da marca Benelux n.o 0874489 (a seguir «marca controvertida»). Em 10 de abril de 2013, o registo foi objeto de uma adaptação que consistiu em limitar os produtos em causa aos «sapatos de saltos altos (com exceção dos sapatos ortopédicos)».

11.      Esta marca consiste «na cor vermelha (Pantone 18 1663TP) aplicada na sola de um sapato como a representada (os contornos do sapato não fazem parte da marca, mas servem para evidenciar a posição da marca)». É reproduzida em seguida:

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12.      A Van Haren explora estabelecimentos de comércio a retalho de sapatos nos Países Baixos. Em 2012, a Van Haren vendeu sapatos de saltos altos para senhora, com sola de cor vermelha.

13.      Louboutin intentou uma ação no rechtbank Den Haag (tribunal de Haia, Países Baixos), na qual pediu a declaração de que a Van Haren cometeu uma contrafação, e esta ação foi julgada procedente.

14.      A Van Haren deduziu oposição contra esta sentença proferida à revelia, com fundamento no artigo 2.1, n.o 2, da Convenção Benelux, invocando a nulidade da marca controvertida.

15.      Na decisão de reenvio, o rechtbank Den Haag (tribunal de Haia) esclarece que a linha de defesa da Van Haren consiste em afirmar que a marca controvertida é, na realidade, uma marca bidimensional, no caso em apreço a cor vermelha, que, aplicada nas solas dos sapatos, corresponde à forma dos referidos sapatos e lhes confere um valor substancial.

16.      O órgão jurisdicional de reenvio considera que a marca em causa não é uma simples marca bidimensional, na medida em que está indissociavelmente ligada a uma sola de sapato. Observa que, embora esteja demonstrado que a marca controvertida corresponde a um elemento do produto, falta esclarecer se o conceito de «forma», na aceção do artigo 3.o, n.o 1, alínea e), ponto iii), da Diretiva 2008/95, se limita exclusivamente às características tridimensionais de um produto, tais como os contornos, a dimensão e o volume de um produto, com exceção das cores.

17.      A este respeito, segundo o referido órgão jurisdicional, caso se considerasse que o conceito de «forma» não abrange as cores de um produto, os motivos de recusa referidos nesse artigo 3.o, n.o 1, alínea e), seriam inaplicáveis, de modo que uma pessoa poderia obter proteção perpétua para as marcas que incorporam uma cor que resulta de uma funcionalidade do produto, por exemplo, o vestuário de segurança refletor ou ainda as garrafas com uma embalagem isolante.

 Questões prejudiciais e tramitação processual no Tribunal de Justiça

18.      Neste contexto, o rechtbank Den Haag (tribunal de Haia) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«O conceito de forma, na aceção do artigo 3.o, n.o 1, alínea e), ponto iii), da Diretiva [2008/95], limita‑se às características tridimensionais dos produtos, como os seus contornos, medidas e volume (expressas em três dimensões), ou inclui também outras características (não tridimensionais) do produto, como a cor?»

19.      A decisão de reenvio deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 21 de março de 2016. As partes no processo principal, os Governos alemão, húngaro, português e finlandês, assim como a Comissão Europeia apresentaram observações escritas. As partes no processo principal, o Governo alemão e a Comissão participaram na audiência, que se realizou em 6 de abril de 2017.

 Análise

 Observações preliminares

20.      O regime de proteção das marcas constitui, por um lado, um elemento indispensável do sistema de concorrência que o direito da União pretende estabelecer e manter. Por outro, a marca registada confere ao seu titular, em relação a determinados produtos ou serviços, um direito exclusivo que lhe permite monopolizar o sinal registado como marca sem limitações no tempo (5).

21.      Embora, em geral, estas duas considerações não sejam contraditórias, a situação é distinta no caso dos sinais que se confundem com o aspeto do produto. Com efeito, o registo de tal sinal enquanto marca pode restringir a possibilidade de introduzir produtos concorrentes no mercado (6).

22.      Esta é a premissa subjacente à regulamentação específica, que consta do artigo 3.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 2008/95, aplicável aos sinais constituídos pela forma do produto.

23.      Observo que estas considerações são igualmente aplicáveis, mutatis mutandis, a outros sinais que representam um aspeto do produto para o qual o registo é pedido.

24.      Assim, o Tribunal de Justiça declarou que os sinais constituídos pelas cores em si mesmas suscitam, em princípio, as mesmas objeções quanto ao risco de monopolização das características utilitárias do produto. A este respeito, a necessidade de uma abordagem específica foi reconhecida no acórdão Libertel (7).

25.      Estas duas categorias de sinais, ou seja, por um lado, as que são constituídas pela forma do produto e, por outro, as que são constituídas por uma cor em si mesma, estão sujeitas a regimes específicos no sistema da Diretiva 2008/95, conforme interpretada pelo Tribunal de Justiça. A resposta à questão colocada pelo órgão jurisdicional de reenvio pressupõe, assim, que se qualifique previamente a marca controvertida à luz destas duas categorias.

26.      De maneira mais geral, o presente processo demonstra que as considerações relativas ao risco de monopolização das características essenciais do produto em causa podem ser aplicáveis a outros tipos de marcas — tais como, por exemplo, as marcas de posição (8) ou de movimento (9) assim como, potencialmente, as marcas sonoras, olfativas ou gustativas — que também podem confundir‑se com um aspeto do produto em causa. Independentemente da qualificação de tais marcas, é importante que o interesse em manter determinados sinais no domínio público possa ser tido em conta no momento do exame realizado com vista ao seu registo.

27.      A este respeito, o Tribunal de Justiça pode seguir diferentes vias de interpretação. Por um lado, o artigo 3.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 2008/95 pode ser interpretado de uma forma mais ampla, como proporei nas presentes conclusões. Por outro, o Tribunal de Justiça pode admitir a possibilidade de ser tido em conta o interesse em manter determinados sinais no domínio público, no âmbito do exame do caráter distintivo de um sinal na aceção do artigo 3.o, n.o 1, alínea b), desta diretiva, em relação a todos os sinais que se confundem com um aspeto do produto em causa, inclusivamente no que respeita a outras categorias de sinais cuja disponibilidade é limitada (10).

 Quanto à qualificação da marca controvertida

28.      Considero que o ponto de partida para a análise do pedido de decisão prejudicial é a qualificação da marca controvertida no que respeita, por um lado, à categoria de sinais referida no artigo 3.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 2008/95 e, por outro, à categoria referida pelo acórdão Libertel (11).

29.      O órgão jurisdicional de reenvio conclui que a marca controvertida, constituída pela cor vermelha da sola de um sapato, se confunde com um aspeto do produto em causa, mas hesita em qualificar este aspeto como «forma» do produto.

30.      As partes no processo principal e os quatro Estados‑Membros intervenientes no caso em apreço têm posições distintas sobre este ponto. Louboutin alega, nomeadamente, que o conceito de sinal constituído «exclusivamente» pela forma do produto não abrange as marcas de posição, como a sua marca com sola vermelha, que não são constituídas por um modelo determinado de produto, mas podem ser apostas em diferentes modelos do produto. Em contrapartida, a Van Haren alega que pode considerar‑se que a cor é parte integrante da forma do produto, como no caso da marca controvertida. A Comissão observa que não se deve excluir que um sinal constituído pela forma do produto também possa ter uma cor, mas que, no contexto em causa, a própria cor é entendida como um fator autónomo em relação ao produto e, assim, independente da forma do produto. Por conseguinte, refere que as suas observações incidem sobre uma cor em si mesma.

31.      A este respeito, saliento que a qualificação da marca controvertida constitui uma apreciação factual que, no caso em apreço, deve ser efetuada pelo órgão jurisdicional de reenvio. Esta consideração não impede o Tribunal de Justiça de dar indicações que possam orientar a apreciação do órgão jurisdicional de reenvio.

32.      Embora várias partes tenham descrito a marca em causa como uma «marca de posição», observo que a Diretiva 2008/95 e a jurisprudência do Tribunal de Justiça não atribuem consequências jurídicas a tal qualificação. Além disso, a qualificação de «marca de posição» não impede, por si só, que se considere que a mesma marca é constituída pela forma do produto, uma vez que esta última categoria abrange igualmente os sinais que representam uma parte ou um elemento do produto em causa.

33.      Assim, entendo que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio determinar se, no caso em apreço, se trata de uma marca de cor em si mesma ou de uma marca constituída pela forma do produto, mas que reivindica igualmente a proteção para uma cor.

34.      Para efeitos desta apreciação, o órgão jurisdicional de reenvio deve efetuar uma apreciação global, tendo em conta a representação gráfica e as eventuais descrições efetuadas no momento da apresentação do pedido de registo, assim como, eventualmente, outros elementos úteis à identificação de características essenciais da marca controvertida (12).

35.      Antes de mais, o facto de a marca controvertida ter sido registada enquanto marca figurativa não impede que seja qualificada como «marca constituída pela forma do produto» (13).

36.      Em contrapartida, há que apreciar se a marca em causa reivindica a proteção para uma cor determinada enquanto tal, sem qualquer delimitação espacial (14), ou se, pelo contrário, esta proteção é reivindicada em combinação com outras características ligadas à forma do produto.

37.      A este respeito, se a aplicação da cor abrange uma parte bem definida do produto, considero que não é de excluir que a marca se encontra delimitada no espaço, de tal modo que a cor se confunde com um elemento preciso do produto.

38.      O facto de o titular da marca não reivindicar a proteção para os contornos do produto, mas manter a liberdade de variar estes contornos segundo o modelo, não é necessariamente decisivo. Nomeadamente, é possível que os contornos não constituam, em todo caso, uma característica essencial do sinal. É mais importante determinar se o sinal obtém o seu caráter distintivo da própria cor reivindicada ou do posicionamento preciso desta cor em relação a outros elementos da forma do produto.

39.      Embora a aplicação destas considerações seja, em definitivo, da competência do órgão jurisdicional de reenvio, observo que vários elementos factuais que resultam da decisão de reenvio militam a favor da conclusão de que, para efeitos da análise dos seus eventuais aspetos funcionais, a marca em causa também está abrangida pelo conceito de «marca constituída pela forma do produto» e que reivindica proteção para uma cor determinada relacionada com esta forma.

40.      Com efeito, ainda que a marca controvertida vise a proteção para uma cor determinada, esta proteção não é reivindicada em abstrato mas para a aplicação desta cor numa sola de sapato de salto alto, como a representada. A forma de um sapato enquanto tal não é visada pela marca, no entanto, alguns aspetos desta forma, designadamente os que nos permitem saber que se trata de um sapato de salto alto para senhora, parecem fazer parte da marca. Resulta da representação da marca que a cor é aplicada em toda a sola, independentemente dos contornos precisos. Em qualquer caso, os contornos da sola afiguram‑se um elemento insignificante da marca, que obtém o seu caráter distintivo do posicionamento invulgar do elemento colorido, bem como, eventualmente, do contraste cromático entre as diferentes partes de um sapato.

41.      Para concluir, considero que a apreciação das características essenciais da marca controvertida exige que se tenha em conta tanto a cor como outros aspetos do produto em causa. Assim, esta marca deve ser equiparada a uma marca constituída pela forma do produto e que reivindica a proteção para uma cor relacionada com esta forma — em vez de uma marca constituída por uma cor em si mesma.

42.      Não obstante, para responder de modo completo à questão prejudicial, apreciarei as duas situações.

 Aplicabilidade do artigo 3.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 2008/95 às marcas constituídas por uma cor em si mesma

43.      O Tribunal de Justiça teve em conta a particularidade das marcas de cor na sua jurisprudência resultante do acórdão Libertel (15).

44.      Segundo essa jurisprudência, salvo em circunstâncias excecionais, nomeadamente, em mercados muito específicos, as cores em si mesmo não têm caráter distintivo ab initio, mas podem eventualmente adquiri‑lo na sequência de uma utilização relacionada com os produtos ou os serviços correspondentes (16).

45.      Além disso, no âmbito da análise do caráter distintivo de um sinal constituído por uma cor em si mesma, há que apreciar se o seu registo não é contrário ao interesse geral de não limitar indevidamente a disponibilidade das cores para os restantes operadores que oferecem produtos ou serviços do mesmo tipo (17).

46.      Resulta desta jurisprudência que, por um lado, os sinais constituídos por uma cor em si mesma não estão abrangidos pelo artigo 3.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 2008/95, e, por conseguinte, podem adquirir um caráter distintivo pelo uso que deles foi feito, mas que, por outro, uma vez que se trata de sinais que se confundem com o aspeto do produto, na apreciação do seu registo devem ser tidas em conta as mesmas considerações que subjazem o referido artigo 3.o, n.o 1, alínea e) (18).

47.      Assim, ao estabelecer esta condição para as marcas de cor em si mesma, o acórdão Libertel (19) teve em conta, no essencial, o mesmo objetivo que subjaz o artigo 3.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 2008/95.

48.      Não é menos verdade que, caso a marca controvertida fosse qualificada como «marca constituída por uma cor em si mesma», deveria concluir‑se que não está abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 3.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 2008/95.

 Aplicabilidade do artigo 3.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 2008/95 aos sinais constituídos pela forma do produto e por uma cor determinada

49.      Em seguida, importa questionar se o artigo 3.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 2008/95 é aplicável aos sinais constituídos pela forma do produto e que reivindicam a proteção para uma cor relacionada com esta forma.

50.      As partes no processo principal divergem sobre esta questão (20), tal como os quatro Estados‑Membros intervenientes (21). A Comissão parece partir da premissa de que, no caso em apreço, a cor deve ser considerada um aspeto autónomo em relação à forma do produto.

51.      O órgão jurisdicional de reenvio refere que a resposta não pode ser deduzida desta disposição, mas que a exclusão dos sinais tridimensionais de cor do seu âmbito de aplicação seria contrária ao objetivo que lhe subjaz, uma vez que alguns sinais podem incorporar características funcionais ligadas tanto à forma como à cor, tais como um sinal que representa um colete de segurança, um extintor ou um produto termo‑refletor. Por conseguinte, questiona se, ao analisar este tipo de sinais sob a perspetiva da interdição dos sinais funcionais, deve igualmente ser tida em conta a cor.

52.      Observo que a resposta dada a esta questão deve ter em conta o sistema e a sistemática do artigo 3.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 2008/95.

53.      Segundo jurisprudência constante, o objetivo prosseguido por esta disposição consiste em evitar que a proteção do direito das marcas leve a conferir ao seu titular um monopólio das soluções técnicas ou características utilitárias de um produto, suscetíveis de ser procuradas pelo utilizador nos produtos dos concorrentes (22). Esta disposição permite manter no domínio público as características essenciais do produto em causa que se refletem na sua forma.

54.      Em meu entender, a presença de uma cor aplicada num elemento da superfície do produto pode ser considerada uma característica refletida na forma do produto. Além disso, como demonstram os exemplos referidos pelo órgão jurisdicional de reenvio, a cor pode constituir uma característica utilitária essencial de determinado produto, pelo que a sua monopolização, relacionada com um elemento da forma do produto, impediria que os concorrentes oferecessem livremente produtos que incorporam a mesma funcionalidade.

55.      Por conseguinte, se os sinais constituídos tanto pela forma como cor do produto não pudessem ser examinados sob a perspetiva da sua funcionalidade, o interesse geral subjacente ao artigo 3.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 2008/95 não poderia ser plenamente assegurado.

56.      Com efeito, o acórdão Libertel (23) permite a tomada em consideração deste interesse geral unicamente em relação aos sinais constituídos por uma cor em si mesma (24), e não em relação aos sinais que conjugam a cor com os aspetos da forma.

57.      No âmbito das marcas de cor puras, consideradas pelo Tribunal de Justiça no referido acórdão, a cor constitui um aspeto independente da forma do produto. O mesmo não sucede no caso dos sinais em que a cor é aplicada numa parte precisa do produto. No âmbito da análise de tais sinais, a funcionalidade da cor pode resultar do seu posicionamento no produto, pelo que os dois aspetos — a forma e a cor — devem poder ser apreciados em conjunto.

58.      Por conseguinte, entendo que os sinais em que as cores estão integradas na forma do produto devem estar sujeitos à análise de funcionalidade nos termos do artigo 3.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 2008/95.

59.      Por outro lado, esta interpretação insere‑se na linha do princípio segundo o qual a apreciação de um sinal deve basear‑se na sua impressão de conjunto, uma vez que uma marca deve ser apreendida como um todo. Com efeito, segundo jurisprudência constante, a aplicação correta do artigo 3.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 2008/95 implica que todas as características essenciais do sinal em causa sejam devidamente identificadas, com base na impressão global transmitida por este sinal (25).

60.      A este respeito, há que ter em conta que, segundo jurisprudência constante, os motivos de recusa referidos no artigo 3.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 2008/95 não se opõem ao registo de um sinal que, embora constituído por uma forma de produto, incorpore um outro elemento não funcional importante (26). Assim, em meu entender, a questão de saber se, numa marca de forma e de cor, a cor constitui, ou não, um elemento funcional deve ser examinada no âmbito da apreciação global do sinal, sob a perspetiva do artigo 3.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 2008/95. Além disso, resulta a contrario desta jurisprudência que a disposição em causa é aplicável a uma forma de produto que incorpora outro elemento quando este elemento é funcional.

61.      Por último, atendendo ao contexto, esta abordagem afigura‑se corroborada pelas condições da adoção da Diretiva 2015/2436, cujo artigo 4.o, n.o 1, alínea e), refere «[a] forma, ou […] outra característica dos produtos».

62.      Esta referência a «outra característica do produto» tem em conta o facto de que a Diretiva 2015/2436, ao aceitar a representação de uma marca sob qualquer forma adequada, utilizando uma tecnologia geralmente disponível (27), possibilita o registo de novos tipos de marcas, que podem igualmente suscitar interrogações quanto ao seu caráter funcional, tais como marcas sonoras e, potencialmente, olfativas ou gustativas.

63.      Todavia, no que respeita aos sinais constituídos pela forma e pela cor do produto, que podem ser registados tanto sob o antigo como sob o novo regime, o aditamento da referência «outra característica do produto» pode ser interpretado de duas formas, por um lado, no sentido de que altera o regime jurídico aplicável a estes sinais ou, por outro, no sentido de que dá um simples esclarecimento.

64.      Caso se considerasse que tais sinais não estavam abrangidos pelo artigo 3.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 2008/95, mas sim pelas disposições análogas da nova Diretiva 2015/2436, tal interpretação exigiria a adoção de disposições transitórias, a fim de proteger a confiança legítima dos titulares das marcas registadas sob a égide da legislação atual (28). Ora, o facto de o legislador não ter considerado necessário prever tais disposições transitórias pode indicar que entendia que o regime jurídico para estes sinais é o mesmo no âmbito das duas diretivas sucessivas.

65.      Tendo em conta estas observações, considero que o artigo 3.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 2008/95 é potencialmente aplicável aos sinais constituídos pela forma do produto que reivindicam a proteção para uma cor determinada.

66.      Se o órgão jurisdicional de reenvio considerar — como sugiro nas presentes conclusões (29) — que a marca em causa deve ser equiparada a tais sinais, que conjugam a cor e a forma, esta marca pode ser abrangida pela proibição prevista no artigo 3.o, n.o 1, alínea e), ponto iii), da Diretiva 2008/95.

 Quanto à interpretação do conceito de «forma que confira um valor substancial ao produto»

67.      A título subsidiário — uma vez que este aspeto não é explicitamente mencionado no pedido de decisão prejudicial —, recordarei as condições de aplicação do motivo absoluto referido no artigo 3.o, n.o 1, alínea e), ponto iii), da Diretiva 2008/95, a respeito de uma «forma que confira um valor substancial ao produto».

68.      O Tribunal de Justiça já precisou que esta disposição não está limitada à forma do produto que tenha exclusivamente um valor artístico ou ornamental, mas é igualmente aplicável aos sinais relativos a produtos que, para além da sua função estética, também asseguram outras funções essenciais (30).

69.      A aplicação deste motivo assenta numa análise objetiva, destinada a demonstrar que as características estéticas da forma em causa exercem uma influência na atratividade do produto tão importante como o facto de reservar o benefício das mesmas a uma única empresa falsearia as condições de concorrência no mercado relevante. O modo como o consumidor entende a forma em causa não constitui um critério decisivo desta análise, que inclui potencialmente um conjunto de elementos factuais (31).

70.      Além disso, esta análise refere‑se exclusivamente ao valor intrínseco da forma e não deve ter em conta a atratividade exercida pelo produto que decorre da reputação desta marca ou do seu titular (32).

71.      Importa recordar que a disposição em causa visa excluir a concessão de um monopólio sobre as características exteriores do produto que são essenciais para o seu sucesso no mercado e, assim, evitar que a proteção da marca seja utilizada para obtenção de uma vantagem desleal, ou seja, uma vantagem que não resulta de uma concorrência baseada no preço e na qualidade (33).

72.      Em contrapartida, a aplicação desta disposição não se justifica quando a referida vantagem não resulta das características intrínsecas da forma, mas da reputação da marca ou do seu titular. Com efeito, a possibilidade de adquirir tal reputação constitui um aspeto importante da concorrência que o sistema das marcas ajuda a manter.

 Conclusão

73.      Tendo em consideração o exposto, proponho que o Tribunal de Justiça responda o seguinte à questão prejudicial submetida pelo rechtbank Den Haag (tribunal de Haia, Países Baixos):

O artigo 3.o, n.o 1, alínea e), ponto iii), da Diretiva 2008/95/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2008, que aproxima as legislações dos Estados‑Membros em matéria de marcas, deve ser interpretado no sentido de que pode ser aplicado a um sinal constituído pela forma do produto e que reivindica a proteção para uma cor determinada. O conceito de forma que «confira um valor substancial» ao produto, na aceção desta disposição, refere‑se exclusivamente ao valor intrínseco da forma e não permite ter em conta a reputação da marca ou do seu titular.


1      Língua original: francês.


2      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho de 22 de outubro de 2008, que aproxima as legislações dos Estados‑Membros em matéria de marcas (JO 2008, L 299, p. 25).


3      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho de 16 de dezembro de 2015, que aproxima as legislações dos Estados‑Membros em matéria de marcas (JO 2015, L 336, p. 1).


4      Uma disposição idêntica figura no artigo 7.o, n.o 1, alínea e), do Regulamento (CE) n.o 207/2009 do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009, sobre a marca comunitária (JO 2009, L 78, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (UE) n.o 2015/2424 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2015 (JO 2015, L 341, p. 21).


5      V. acórdão de 6 de maio de 2003, Libertel (C‑104/01, EU:C:2003:244, n.os 48 e 49).


6      V. conclusões que apresentei no processo Hauck (C‑205/13, EU:C:2014:322, n.os 31 a 33).


7      V. acórdão de 6 de maio de 2003, Libertel (C‑104/01, EU:C:2003:244, n.os 60 a 65).


8      O exemplo clássico é uma costura decorativa no bolso traseiro de um par de calças de ganga. V. documento SCT 16/2 da 16.a sessão do Comité Permanente do Direito das Marcas e das Indicações Geográficas da Organização Mundial da Propriedade Intelectual, relativo aos novos tipos de marcas (acessível no endereço Internet http://www.wipo.int/policy/fr/sct/).


9      V., nomeadamente, decisão da Primeira Câmara de Recurso do Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO) de 23 de setembro de 2003 (R 772/2001‑1), relativa ao registo de uma marca da União Europeia constituída pelo movimento das portas de uma viatura.


10      V. proposta desta abordagem na doutrina, Kur, A., Senftleben, M., European Trade Mark Law, Oxford 2017, p. 115, e Tischner, A., Kumulatywna ochrona wzornictwa przemysłowego w prawie własności intelektualnej (O cúmulo da proteção dos desenhos e modelos no direito da propriedade intelectual), Varsóvia, 2015, p. 346.


11      V. acórdão de 6 de maio de 2003, Libertel (C‑104/01, EU:C:2003:244).


12      V., neste sentido, acórdãos de 6 de março de 2014, Pi‑Design e o./Yoshida Metal Industry (C‑337/12 P a C‑340/12 P, não publicado, EU:C:2014:129, n.o 54), e de 10 de novembro de 2016, Simba Toys/IHMI (C‑30/15 P, EU:C:2016:849, n.o 49).


13      Este conceito inclui os sinais constituídos pelas formas tridimensionais ou bidimensionais, assim como pelos sinais figurativos que representam a forma do produto; v. acórdão de 18 de junho de 2002, Philips (C‑299/99, EU:C:2002:377, n.o 76).


14      V. acórdão de 6 de maio de 2003, Libertel (C‑104/01, EU:C:2003:244, n.o 68).


15      V. acórdão de 6 de maio de 2003, Libertel (C‑104/01, EU:C:2003:244).


16      V., neste sentido, acórdãos de 6 de maio de 2003, Libertel (C‑104/01, EU:C:2003:244, n.os 66 e 67); de 24 de junho de 2004, Heidelberger Bauchemie (C‑49/02, EU:C:2004:384, n.o 39), e de 21 de outubro de 2004, KWS Saat/IHMI (C‑447/02 P, EU:C:2004:649, n.o 79).


17      V. acórdão de 6 de maio de 2003, Libertel (C‑104/01, EU:C:2003:244, n.o 55).


18      V., neste sentido, acórdão de 6 de maio de 2003, Libertel (C‑104/01, EU:C:2003:244, n.os 53 e 54).


19      V. acórdão de 6 de maio de 2003 (C‑104/01, EU:C:2003:244).


20      Louboutin alega que a disposição em causa não se aplica às marcas de posição. A Van Haren afirma que é aplicável, uma vez que se trata de uma marca constituída tanto pela cor como pela forma.


21      Os Governos alemão e finlandês entendem que não se pode considerar que um sinal que reivindica a proteção para uma cor ou para a posição espacial de uma cor é constituído «exclusivamente» pela forma como exige o artigo 3.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 2008/95, uma vez que este sinal não é constituído pelas características tridimensionais da forma. Em contrapartida, os Governos húngaro e português consideram que a marca em causa aproxima‑se de uma marca tridimensional que inclui uma cor, e que este tipo de marcas deve estar sujeito ao artigo 3.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 2008/95.


22      Acórdão de 18 de setembro de 2014, Hauck (C‑205/13, EU:C:2014:2233, n.os 18 e 20).


23      V. acórdão de 6 de maio de 2003, Libertel (C‑104/01, EU:C:2003:244).


24      V. n.o 24 das presentes conclusões.


25      V. acórdãos de 14 de setembro de 2010, Lego Juris/IHMI (C‑48/09 P, EU:C:2010:516, n.os 68 a 70), e de 18 de setembro de 2014, Hauck (C‑205/13, EU:C:2014:2233, n.o 21).


26      V. acórdão de 14 de setembro de 2010, Lego Juris/IHMI (C‑48/09 P, EU:C:2010:516, n.os 52 e 72, assim como jurisprudência referida).


27      V. artigo 3.o e considerando 13 da Diretiva 2015/2436.


28      O problema ligado a esta inexistência de disposições transitórias foi assinalado pela doutrina, que observou que a anulação de uma marca devido a uma alteração legislativa pode equivaler a uma expropriação. V. Kur, A., Senftleben, M., European Trade Mark Law, Oxford 2017, p. 161.


29      V. n.o 41 das presentes conclusões.


30      Acórdão de 18 de setembro de 2014, Hauck (C‑205/13, EU:C:2014:2233, n.os 31 e 32).


31      Nomeadamente, a natureza da categoria em causa de produtos, o valor artístico da forma em causa, a especificidade dessa forma em relação a outras formas geralmente apresentadas no mercado em causa, a diferença notória de preço em relação aos produtos manufaturados concorrentes com características semelhantes, ou a implementação, por parte do produtor, de uma estratégia promocional que destaca principalmente as características estéticas do produto em causa. V. acórdão de 18 de setembro de 2014, Hauck (C‑205/13, EU:C:2014:2233, n.os 34 e 35).


32      V. Botis, D., Maniatis, S., von Mühlendahl, A., Wiseman, I., Trade Mark Law in Europe (3.a ed.), Oxford, Oxford University Press, 2016, p. 239. V. igualmente, neste contexto, acórdão de 20 de setembro de 2007, Benetton Group (C‑371/06, EU:C:2007:542, n.os 25 a 27).


33      V. conclusões que apresentei no processo Hauck (C‑205/13, EU:C:2014:322, n.os 79 e 80).