Language of document : ECLI:EU:C:2001:686

CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

JEAN MISCHO

apresentadas em 13 de Dezembro de 2001 (1)

Processo C-513/99

Concordia Bus Finland Oy Ab (anteriormente Stagecoach Finland)

contra

Helsingin Kaupunki e HKL-Bussiliikenne

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Korkein hallinto-oikeus (Finlândia)]

«Contratos públicos de serviços no sector dos transportes - Directivas 92/50/CEE e 93/38/CEE - Âmbito de aplicação - Município adjudicante que organiza os serviços de transporte em autocarro, participando como proponente uma entidade economicamente independente - Tomada em consideração de critérios relativos à protecção do ambiente para determinar a proposta economicamente mais vantajosa - Admissibilidade quando a entidade municipal proponente preenche mais facilmente esses critérios»

1.
    O Korkein hallinto-oikeus (Finlândia) (a seguir «órgão jurisdicional de reenvio») submeteu três questões ao Tribunal de Justiça respeitantes à interpretação dos artigos 2.°, n.os 1, 2 e 4, e 34.°, n.° 1, da Directiva 93/38/CEE do Conselho, de 14 de Junho de 1993, relativa à coordenação dos processos de celebração de contratos nos sectores da água, da energia, dos transportes e das telecomunicações (2), bem como do artigo 36.°, n.° 1, da Directiva 92/50/CEE do Conselho, de 18 de Junho de 1992, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços (3).

I - Enquadramento jurídico

A regulamentação comunitária

A Directiva 92/50

2.
    O artigo 1.° da Directiva 92/50 dispõe:

«Para efeitos do disposto na presente directiva:

a)    Os ‘contratos públicos de serviços’ são contratos a título oneroso celebrados por escrito entre um prestador de serviços e uma entidade adjudicante, com excepção de:

[...]

    ii)    contratos adjudicados nos domínios referidos nos artigos 2.°, 7.°, 8.° e 9.° da Directiva 90/531/CEE e contratos que preenchem os requisitos previstos no n.° 2 do artigo 6.° da referida directiva;

[...]»

3.
    O artigo 36.° da Directiva 92/50, intitulado «Critérios de adjudicação dos contratos», tem a seguinte redacção:

«1.    Sem prejuízo das disposições legislativas, regulamentares ou administrativas nacionais relativas à remuneração de determinados serviços, os critérios que a entidade adjudicante tomará como base para a adjudicação de contratos podem ser:

a)    Ou, quando a adjudicação contempla a proposta economicamente mais vantajosa, vários critérios que variam consoante o contrato: por exemplo, qualidade, mérito técnico, características estéticas e funcionais, assistência técnica e serviço pós-venda, data de entrega, prazos de entrega ou de execução, preço;

b)    Ou unicamente o preço mais baixo.

2.    Sempre que o contrato deva ser adjudicado ao prestador de serviços que apresente a proposta economicamente mais vantajosa, as entidades adjudicantes devem indicar nos cadernos de encargos ou no anúncio de concurso quais os critérios de adjudicação que tencionam aplicar, se possível por ordem decrescente da importância que lhes é atribuída.»

A Directiva 93/38

4.
    A Directiva 93/38 prevê no seu artigo 2.°:

«1.    A presente directiva é aplicável às entidades adjudicantes:

a)    Que sejam poderes públicos ou empresas públicas e exerçam uma das actividades definidas no n.° 2;

b)    Que, no caso de não serem poderes públicos ou empresas públicas, incluam entre as suas actividades uma das actividades mencionadas no n.° 2, ou várias dessas actividades, e beneficiem de direitos especiais ou exclusivos concedidos por uma autoridade competente de um Estado-Membro.

2.    As actividades abrangidas pelo âmbito de aplicação da presente directiva são as seguintes:

[...]

c)    A exploração de redes de prestação de serviços ao público no domínio dos transportes por caminho-de-ferro, sistemas automáticos, eléctricos, tróleis ou autocarros, ou cabo.

    No que diz respeito aos serviços de transporte, considera-se que existe uma rede quando o serviço é prestado em condições de funcionamento estabelecidas por uma autoridade competente de um Estado-Membro em relação, por exemplo, aos itinerários a seguir, à capacidade de transporte disponível ou à frequência do serviço;

[...]

4.    A prestação ao público de serviços de transporte de autocarro não é considerada uma actividade na acepção da alínea c) do n.° 2, desde que outras entidades possam livremente fornecer esse serviço, quer num plano geral, quer numa zona geográfica específica, nas mesmas condições que as entidades adjudicantes.

[...]»

5.
    Nos termos do artigo 34.° da Directiva 93/38:

«1.    Sem prejuízo das disposições legislativas, regulamentares ou administrativas nacionais relativas à remuneração de determinados serviços, os critérios em que as entidades adjudicantes se basearão para a adjudicação de contratos são:

a)    Quer, quando a adjudicação for feita à proposta economicamente mais vantajosa, diversos critérios variáveis consoante o contrato em causa: por exemplo, o prazo de entrega ou de execução, os custos de funcionamento, a rentabilidade, a qualidade, o carácter estético e funcional, o valor técnico, o serviço pós-venda e a assistência técnica, os compromissos em matéria de peças sobressalentes, a segurança de abastecimento e o preço;

b)    Quer unicamente o preço mais baixo.

2.    No caso referido na alínea a) do n.° 1, as entidades adjudicantes indicarão no caderno de encargos ou no anúncio do concurso todos os critérios de adjudicação que tencionam aplicar, se possível por ordem decrescente de importância.

[...]»

6.
    O artigo 45.°, n.os 3 e 4, da Directiva 93/38 prevê:

«3.    A Directiva 90/531/CEE deixará de produzir efeitos a partir da data de aplicação da presente directiva pelos Estados-Membros, sem prejuízo das obrigações dos Estados-Membros no que se refere aos prazos estabelecidos no artigo 37.° da referida directiva.

4.    As referências feitas à Directiva 90/531/CEE devem entender-se como sendo feitas à presente directiva.»

A regulamentação nacional

7.
    As Directivas 92/50 e 93/38 foram transpostas na Finlândia, por um lado, pela julkisista hankinnoista annettu laki 1505/1992 (lei relativa aos contratos públicos), na redacção que lhe foi dada pelas Leis 1523/1994 e 725/1995 (a seguir «Lei 1505/1992») e, por outro, pelos Decretos 243/1995 sobre os contratos relativos a bens e serviços e aos contratos de empreitadas superiores a um certo limite e 567/1994 relativo aos contratos das colectividades nos sectores da água, da energia, dos transportes e das telecomunicações superiores a um certo limite, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto 244/1995 (a seguir «Decreto 567/1994»).

8.
    O artigo 4.°, n.° 1, do Decreto 243/1995 exclui do seu âmbito de aplicação as compras a que é aplicável o Decreto 567/1994. O artigo 1.°, n.° 10, do Decreto 567/1994 exclui do seu âmbito de aplicação as compras a que é aplicável o Decreto 243/1995.

9.
    O artigo 43.° do Decreto 243/95 dispõe:

«1.    A entidade adjudicante deve aceitar a proposta que, segundo os critérios de apreciação do contrato proposto, é igualmente mais vantajosa do ponto de vista económico, ou a proposta mais barata. Os critérios da apreciação económica global podem ser, por exemplo, o preço, o prazo de entrega ou de produção, os custos de funcionamento, a qualidade, os custos previsíveis durante o ciclo de vida do bem, as características estéticas ou funcionais, as vantagens técnicas, os serviços de manutenção, a garantia de abastecimento, o apoio técnico e as considerações ambientais.

[...]»

10.
    Do mesmo modo, o artigo 21.°, n.° 1, do Decreto 567/1994 prevê que a entidade adjudicante deve escolher, entre todas as propostas, a mais vantajosa no plano económico global, em função dos critérios de apreciação do bem, do serviço ou da empreitada proposta, ou a proposta mais barata. Os critérios de apreciação utilizados para efeitos da avaliação económica global podem ser, por exemplo, o preço, o prazo de entrega, os custos de funcionamento, os custos previsíveis durante o ciclo de vida do bem, a qualidade, as características ecológicas, estéticas ou funcionais, as vantagens técnicas, os serviços de manutenção e o apoio técnico.

II - O litígio no processo principal

A organização dos serviços de transporte em autocarro na cidade de Helsínquia

11.
    Resulta do despacho de reenvio que o conselho municipal de Helsínquia decidiu, em 27 de Agosto de 1997, proceder progressivamente à adjudicação de toda a rede de autocarros urbanos da cidade de Helsínquia, de modo a que a primeira linha atribuída começasse a funcionar no início do Outono de 1998.

12.
    Nos termos da regulamentação relativa aos transportes colectivos da cidade de Helsínquia, a responsabilidade da planificação, do desenvolvimento, da realização, da organização em geral bem como da tutela destes transportes colectivos é confiada, salvo disposição em contrário, à joukkoliikennelautakunta (comissão dos transportes colectivos) e à Helsingin kaupungin liikennelaitos (empresa de transportes da cidade de Helsínquia, a seguir «empresa de transportes»), que lhe está subordinada.

13.
    Segundo a regulamentação aplicável, é à comissão dos serviços comerciais da cidade de Helsínquia que compete decidir quanto à adjudicação dos serviços urbanos de transportes colectivos em função dos objectivos aprovados pelo conselho municipal de Helsínquia e pela comissão dos transportes colectivos. Além disso, os serviços de aprovisionamento da cidade de Helsínquia estão encarregados da execução das operações relativas aos contratos de transportes colectivos urbanos.

14.
    Quanto à empresa de transportes, é uma empresa comercial municipal que, do ponto de vista funcional e económico, está dividida em unidades de produção segundo os diversos meios de transporte (autocarro, eléctrico, metro, vias de circulação e imóveis). A unidade de produção relativa aos autocarros é a HKL-Bussiliikenne (a seguir «HKL»). A empresa de transportes compreende também uma unidade principal de grupo, constituída por uma unidade de planificação e por uma unidade administrativa e económica. A unidade de planificação desempenha o papel de mandante que prepara as propostas, a apresentar à comissão dos transportes colectivos, sobre as linhas a adjudicar e sobre o nível dos serviços exigidos. As unidades de produção são distintas do resto da empresa de transportes no plano económico e têm contabilidades e balanços separados.

O procedimento do concurso em litígio

15.
    Por ofício de 1 de Setembro de 1997 e por um anúncio publicado na secção «contratos públicos» do jornal oficial de 4 de Setembro de 1997, o serviço de aprovisionamento solicitou propostas para a gestão da rede de autocarros urbanos da cidade de Helsínquia, de acordo com os itinerários e os horários descritos num documento relativo a sete lotes. O litígio no processo principal diz respeito ao lote n.° 6 desse anúncio de concurso relativo à linha n.° 62.

16.
    Resulta dos autos que, segundo o referido anúncio de concurso, a adjudicatária seria a empresa que apresentasse a proposta mais vantajosa para o município no plano económico global. Essa apreciação devia ter em conta três categorias de critérios, ou seja, o preço global pedido para a exploração, a qualidade do material (autocarro) e a gestão pelo empresário da qualidade e do ambiente.

17.
    Em primeiro lugar, no que diz respeito ao preço global pretendido, a proposta mais interessante devia obter 86 pontos, sendo o número de pontos das outras propostas calculado segundo a fórmula seguinte: Número de pontos = custo da contrapartida da exploração anual da proposta mais interessante dividida pela proposta considerada e multiplicado por 86.

18.
    Em seguida, quanto à qualidade do material, seriam atribuídos pontos suplementares, nomeadamente, à utilização de autocarros que, por um lado, emitissem óxido de azoto em quantidades inferiores a 4g/KWh (+ 2,5 pontos/autocarro) ou inferiores a 2g/KWh (+ 3,5 pontos/autocarro) e, por outro, um nível sonoro inferior a 77 dB (+1 ponto/autocarro).

19.
    Por último, no que diz respeito à organização do empresário em matéria de qualidade e de ambiente, deveriam ser atribuídos pontos suplementares relativamente a um conjunto de critérios qualitativos comprovados por um certificado e a um programa de ambiente também comprovado por um certificado.

20.
    O serviço de aprovisionamento recebeu oito propostas relativas ao lote n.° 6, entre as quais as da HKL e da Swebus Finland Oy Ab, que passou posteriormente a Stagecoach Finland Oy Ab e em seguida a Concordia Bus Finland Oy Ab (a seguir «Concordia»). A proposta desta última continha duas propostas alternativas, designadas por A e B.

21.
    A comissão dos serviços comerciais decidiu em 12 de Fevereiro de 1998 escolher a HKL como exploradora da linha respeitante ao lote n.° 6, tendo a sua proposta sido considerada globalmente como a mais vantajosa no plano económico. Resulta do despacho de reenvio que a Concordia tinha feito a proposta mais baixa, obtendo 81,44 pontos pela sua proposta A e 86 pontos pela proposta B. A HKL obtivera 85,75 pontos. No que diz respeito ao material, foi a HKL que obteve mais pontos, ou seja, 2,94, tendo a Concordia obtido 0,77 pontos pela sua proposta A e -1,44 pontos pela sua proposta B. Os 2,94 pontos assim obtidos pela HKL incluíam os acréscimos máximos por uma emissão de óxido de azoto inferior a 2g/KWh, bem como por um nível sonoro externo inferior a 77 dB. A Concordia não obteve pontos suplementares a título dos critérios relativos às emissões de óxido de azoto e ao nível sonoro. A HKL e a Concordia obtiveram o máximo de pontos pelos seus certificados em matéria de qualidade e ambiente. Nessas condições, foi a HKL que obteve globalmente mais pontos, ou seja, 92,69. A Concordia foi colocada em segundo lugar, tendo obtido 86,21 pontos pela sua proposta A e 88,56 pontos pela sua proposta B.

A tramitação processual nos órgãos jurisdicionais nacionais

22.
    A Concordia interpôs um recurso de anulação dessa decisão da comissão dos serviços comerciais no Kilpailuneuvosto (conselho da concorrência) (Finlândia) alegando, nomeadamente, que a atribuição de pontos suplementares a um material cujas emissões de óxido de azoto e nível sonoro são inferiores a certos limites é injusta e discriminatória. Segundo a Concordia, os pontos suplementares foram atribuídos à utilização de um tipo de autocarro que apenas um proponente, a HKL, tinha, na realidade, a possibilidade de propor.

23.
    O Kilpailuneuvosto negou provimento a esse recurso. Considerou que a entidade adjudicante tinha o direito de definir o tipo de material que pretendia. Todavia, a fixação dos critérios de escolha e a sua ponderação deveria ser feita de modo objectivo, tendo em conta as necessidades da entidade adjudicante e a qualidade do serviço. Se fosse caso disso, a entidade adjudicante devia estar em condições de justificar a procedência da escolha e da aplicação dos seus critérios de apreciação.

24.
    O referido órgão jurisdicional salientou que a decisão da cidade de Helsínquia de dar preferência aos autocarros pouco poluentes faz parte da política ecológica, que tem por objectivo reduzir os prejuízos ambientais que a circulação dos autocarros comporta. Isso não constitui um vício de procedimento. Se esse critério fosse aplicado de modo não equitativo em relação a um concorrente, seria possível intervir. Todavia, o Kilpailuneuvosto declarou que todos os concorrentes tinham a possibilidade, se o desejassem, de adquirir autocarros que funcionassem a gás natural. Assim, concluiu que não foi produzida a prova de que o critério em causa teria sido discriminatório em relação à recorrente.

25.
    A Concordia interpôs recurso no órgão jurisdicional de reenvio para obter a anulação da decisão do Kilpailuneuvosto. Segundo a Concordia, a atribuição de pontos suplementares aos autocarros menos poluentes e menos barulhentos favorecia a HKL, única empresa proponente que tinha, na prática, a possibilidade de utilizar um material susceptível de obter esses pontos. Além disso, alegou que, no âmbito da apreciação global das propostas, não se poderiam ter em conta esses factores ecológicos que não têm qualquer relação directa com o objecto do concurso.

26.
    No despacho de reenvio, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que, em primeiro lugar, a fim de determinar se, no caso em apreço, é aplicável o Decreto 243/1995 ou o Decreto 567/1994, há que indagar se o concurso em causa no processo principal é abrangido pelo âmbito de aplicação da Directiva 92/50 ou pelo do da Directiva 93/38. A este respeito, declara que o anexo VII da Directiva 93/38 menciona, em relação à República da Finlândia, tanto as entidades públicas ou privadas que gerem os serviços de autocarros sob o regime da laki luvanvaraisesta henkilöliikentestä tiellä como a empresa de transportes da cidade de Helsínquia que gere o metro e a rede de eléctricos.

27.
    O órgão jurisdicional de reenvio salienta em seguida que a análise do processo exige igualmente a interpretação de disposições do direito comunitário, para saber se um município, quando adjudica um contrato tal como o que está em causa no processo principal, tem o direito de ter em conta considerações ecológicas respeitantes ao material proposto. Com efeito, se os argumentos da Concordia quanto aos pontos atribuídos por força dos critérios ambientais bem como a outros títulos fossem admitidos, isso significaria que o número de pontos obtidos pela sua proposta B ultrapassaria o obtido pela HKL.

28.
    O órgão jurisdicional de reenvio observa, a este respeito, que os artigos 36.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 92/50 e 34.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 93/38 não mencionam as questões ambientais na lista dos critérios de determinação da proposta economicamente mais vantajosa. Ora, nos acórdãos Beentjes, Evans Medical e Macfarlan Smith (4), o Tribunal de Justiça declarou que a entidade adjudicante é livre, para determinar a proposta economicamente mais vantajosa, de escolher os critérios de adjudicação do contrato. Apesar disso, essa escolha apenas pode dizer respeito aos critérios destinados a identificar a proposta economicamente mais vantajosa.

29.
    Por último, o órgão jurisdicional de reenvio refere-se à comunicação da Comissão, de 11 de Março de 1998, intitulada «Os contratos públicos na União Europeia» [COM(1998) 143 final], na qual a Comissão sustentou que é lícito ter em conta considerações ambientais para efeitos de escolha da proposta mais vantajosa no plano económico global, na medida em que o próprio organizador do concurso obtém uma vantagem directa das propriedades ecológicas do produto.

III - As questões prejudiciais

30.
    Deste modo, o órgão jurisdicional de reenvio decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)    Devem as disposições relativas ao âmbito de aplicação da Directiva 93/38/CEE do Conselho, de 14 de Junho de 1993, relativa à coordenação dos processos de celebração de contratos nos sectores da água, da energia, dos transportes e das telecomunicações (JO L 199 de 9 de Agosto de 1993, p. 84), em particular, o artigo 2.°, n.os 1, alínea a), 2, alínea c) e 4, ser interpretadas no sentido de que essa directiva se aplica a um processo dirigido por um município, na qualidade de entidade adjudicante, no âmbito de um contrato relativo à exploração de um serviço de autocarros urbanos, quando:

    -    o município tem a seu cargo, no seu território, a planificação, o desenvolvimento, a execução e a organização em geral, bem como a tutela dos transportes colectivos,

    -    o município dispõe, para levar a cabo essas suas atribuições, de uma comissão de transportes colectivos e de uma empresa municipal de transportes subordinada a essa comissão,

    -    a empresa municipal de transportes tem uma unidade de planificação, actuando como mandante, que elabora propostas para a comissão de transportes colectivos sobre as linhas a submeter a concurso e o nível de qualidade do serviço a exigir, e

    -    a empresa municipal de transportes dispõe de unidades de produção, distintas no plano económico do resto da empresa e, entre outras, de uma unidade especializada em transportes por autocarro e que participa em concursos relativos aos mesmos?

2)    Deve a regulamentação comunitária relativa aos contratos de direito público, em especial o artigo 36.°, n.° 1, da Directiva 92/50/CEE do Conselho, de 18 de Junho de 1992, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços (JO L 209 de 24 de Julho de 1992, p. 1), ou a disposição similar (artigo 34.°, n.° 1) da Directiva 93/38/CEE, ser interpretada no sentido de que um município que organiza, na qualidade de entidade adjudicante, um concurso para a exploração de um serviço de autocarros urbanos, pode, para além do preço proposto, da gestão ecológica e qualificativa do explorador ou de várias outras características do material, incluir nos critérios para a adjudicação com base na proposta economicamente mais vantajosa a redução das emissões de óxido de azoto ou do nível sonoro, nos termos descritos no concurso, de uma forma pela qual poderão ser atribuídos pontos suplementares no confronto das propostas, se as emissões de óxido de azoto ou o nível sonoro de determinados veículos forem inferiores a um determinado limite?

3)    No caso de ser afirmativa a resposta à questão anterior, devem as normas do direito comunitário relativas aos contratos públicos ser interpretadas no sentido de que, não obstante, é proibida a atribuição de pontos suplementares com base nas características acima descritas relativas a emissões de óxido de azoto ou ao nível sonoro, se se verificar desde logo que a própria empresa de transportes da cidade que lança o concurso, que gere a rede de autocarros, tem a possibilidade de propor um material que reúne as condições impostas, possibilidade essa que, dadas as circunstâncias, poucas empresas do sector têm?»

IV - Análise

A primeira questão prejudicial

31.
    Através da sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, essencialmente, ao Tribunal de Justiça se a Directiva 93/38 deve ser interpretada de modo a ser aplicável a um contexto factual tal como o descrito no despacho de reenvio. A resposta que formularei a esta questão deve permitir-lhe saber qual das Directivas 93/38 ou 92/50 é aplicável no âmbito do litígio no processo principal.

Observação preliminar

32.
    Sem suscitar um fundamento de inadmissibilidade propriamente dito, certas partes intervenientes, entre as quais a Concordia e o Governo neerlandês, consideram que a primeira questão não influencia a resposta a dar às segunda e terceira questões. Em sua opinião, as disposições sobre as quais incidem as segunda e terceira questões que o órgão jurisdicional de reenvio submete ao Tribunal de Justiça são quase idênticas nas duas directivas. Portanto, não seria necessário determinar antecipadamente qual das duas directivas é aplicável.

33.
    Ora, parece-me útil recordar que, em princípio, compete apenas ao juiz nacional apreciar tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que coloca ao Tribunal de Justiça. A recusa de decidir sobre uma questão prejudicial submetida pelo órgão jurisdicional nacional só é possível quando é manifesto que a interpretação do direito comunitário solicitado não tem qualquer relação com a realidade ou com o objecto do litígio no processo principal, quando o problema é hipotético ou ainda quando o Tribunal não dispõe dos elementos de facto e de direito necessários para responder ultimente às questões que lhe foram colocadas (5).

34.
    Estas circunstâncias excepcionais não existem no caso em apreço. Pelo contrário, o órgão jurisdicional de reenvio estabelece claramente a ligação entre a primeira questão e o litígio no processo principal referindo que, «para se determinar se os Decretos 243 ou 567 são aplicáveis ao caso em apreço, há que perguntar também ao Tribunal de Justiça se o contrato que se discute se integra no âmbito de aplicação das Directivas 92/50 ou 93/38 [...].» Sou portanto, de opinião que compete ao Tribunal de Justiça responder à primeira questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio.

Posição dos intervenientes

35.
    A cidade de Helsínquia, os Governos finlandês, helénico e austríaco consideram que a Directiva 93/38 é aplicável. A sua argumentação equivale essencialmente a dizer que a empresa de transportes faz parte do «sistema» da cidade de Helsínquia. Sendo esta cidade, incluindo a sua empresa de transportes, o «poder público» referido no artigo 2.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 93/38, que exerce uma actividade referida no n.° 2, alínea c), do mesmo artigo, a referida directiva seria aplicável.

36.
    Acrescentam que o artigo 2.°, n.° 4, da Directiva 93/38 não contradiz esta conclusão. Com efeito, em sua opinião, esta disposição não é aplicável porque não resulta do despacho de reenvio que outras entidades possam prestar livremente o serviço de transporte em autocarro nas mesmas condições que a entidade adjudicante.

37.
    Ao invés, a Concordia e a Comissão consideram que a Directiva 92/50 é aplicável. A Comissão considera que resulta do despacho de reenvio que a cidade de Helsínquia, as suas comissões ou o seu serviço de aprovisionamento não asseguram a exploração de redes destinadas a prestar serviços de transportes ao público, sendo as unidades de produção da empresa de transportes a explorar redes destinadas a prestar serviços de transporte ao público. Ora, essas unidades, distintas do resto da empresa de transportes, não seriam entidades adjudicantes no âmbito do contrato em causa no processo principal.

38.
    Os Governos neerlandês e sueco não se pronunciam quanto à primeira questão.

39.
    O Governo do Reino Unido considera que compete ao órgão jurisdicional de reenvio determinar, tendo em conta o artigo 2.° da Directiva 93/38, qual das duas directivas é aplicável.

Apreciação

40.
    A primeira questão leva-me a examinar o âmbito de aplicação da Directiva 93/38.

41.
    O artigo 2.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 93/38 prevê que esta é aplicável às entidades adjudicantes «que sejam poderes públicos ou empresas públicas e exerçam uma das actividades definidas no n.° 2».

42.
    No caso em apreço, resulta do despacho de reenvio que a comissão dos serviços comerciais da cidade de Helsínquia é que estava encarregada de decidir a adjudicação dos serviços urbanos de transportes colectivos. A entidade adjudicante no processo principal é, portanto, incontestavelmente, um «poder público» na acepção do artigo 2.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 93/38.

43.
    Para que a Directiva 93/38 seja aplicável, é, além disso, necessário que esse poder público exerça «uma das actividades referidas no n.° 2». A actividade que nos interessa no presente processo é a que está definida no artigo 2.°, n.° 2, alínea c), isto é, «a exploração de redes de prestação de serviços ao público no domínio dos transportes por [...] autocarros [...]». Em seguida a disposição define, no segundo parágrafo, o conceito de rede do seguinte modo: «No que diz respeito aos serviços de transporte, considera-se que existe uma rede quando o serviço é prestado em condições de funcionamento estabelecidas por uma autoridade competente de um Estado-Membro em relação, por exemplo, aos itinerários a seguir, à capacidade de transporte disponível ou à frequência do serviço».

44.
    Daqui resulta, em minha opinião, que a Directiva 93/38 é aplicável ao poder público que explora uma rede e que, nesse âmbito, pretende celebrar um contrato. Ao invés, sou de opinião que a Directiva 93/38 não é aplicável se uma entidade adjudicante organiza um concurso que tem por objecto confiar a outros a própria exploração dessa rede.

45.
    Parece-me que o Governo austríaco, que considera que a Directiva 93/38 é aplicável porque «a exploração de uma rede pública de autocarros constitui sem qualquer dúvida a prestação de um serviço no domínio dos transportes na acepção do artigo 2.°, n.° 2, alínea c), da Directiva [93/38]» e que refere que, «segundo o despacho de reenvio [...], a exploração de uma rede deste tipo é objecto de um concurso», sustenta a tese segundo a qual a Directiva 93/38 se aplica porque a exploração da rede foi objecto do concurso em causa.

46.
    No entanto, em minha opinião, tal interpretação do âmbito de aplicação da Directiva 93/38 não é apoiada pela sua redacção.

47.
    Com efeito, resulta do artigo 2.°, n.° 1, que a Directiva 93/38 só é aplicável se a entidade adjudicante exerce uma actividade, no presente caso de «exploração de redes de prestação de serviços ao público no domínio dos transportes por [...] autocarros [...]». Assim como resulta do artigo 2.°, n.° 4, essa actividade equivale, sempre no presente caso, à «prestação ao público de serviços de transporte de autocarro».

48.
    Ora, os termos «exploração» e «prestação» indicam que a própria entidade adjudicatária deve prestar o serviço em autocarro. Não é, portanto, suficiente que a entidade adjudicatária defina, por exemplo, o itinerário a seguir ou a frequência do serviço para que possa considerar-se que explora uma rede. Com efeito, resulta do artigo 2.°, n.° 2, alínea c), segundo parágrafo, que fixar as condições relativas aos itinerários a seguir, etc. não equivale a explorar uma rede, mas apenas a constituí-la ou a defini-la. Por outras palavras, explorar a rede significa fazê-la funcionar com a ajuda, em princípio, do seu próprio pessoal e dos seus próprios autocarros.

49.
    Conclui-se, portanto, que a directiva é aplicável se a própria entidade adjudicante explora uma rede de autocarros e lança, no exercício dessa actividade, um concurso, por exemplo, para a compra de autocarros (6). Pelo contrário, se uma entidade adjudicante lançar um concurso tendo por objecto atribuir a um terceiro a exploração de uma rede, não actua no âmbito do exercício de uma actividade que consiste em explorar uma rede.

50.
    Esta interpretação é confirmada não apenas no artigo 2.° da Directiva 93/38, mas também na lista dos serviços que podem ser objecto de um concurso regulado por esta mesma directiva. A este respeito, os artigos 15.° e 16.° da directiva fazem referência aos anexos XVI A e XVI B. Os serviços que aí são enumerados de maneira detalhada são serviços que se destinam claramente a apoiar a actividade exercida pela entidade adjudicante, tal como é definida no artigo 2.°, n.° 2, da directiva. Em contrapartida, não se vislumbra aí um serviço que seja parecido com o que é objecto do concurso em causa, ou seja, a própria exploração de uma rede de autocarros.

51.
    Além disso, sou de opinião que não é permitido fazer uma interpretação extensiva da Directiva 93/38 a fim de incluir, no seu âmbito de aplicação, um concurso que tenha por objecto a actividade descrita no artigo 2.°, n.° 2, alínea c), da directiva.

52.
    Com efeito, a Directiva 93/38 constitui uma excepção às regras gerais que, em relação aos contratos públicos de serviços, são fixadas pela Directiva 92/50. Isto é confirmado pelo acórdão Telaustria e Telefonadress (7), no qual o Tribunal de Justiça decidiu, no n.° 33, que, «quando um contrato cabe na previsão da Directiva 93/38, que rege um sector específico de serviços, as disposições da Directiva 92/50, que têm vocação para se aplicar aos serviços em geral, não são aplicáveis».

53.
    Ora, é jurisprudência assente que uma excepção impõe uma interpretação estrita (8), o que significa, no caso em apreço, que não se pode fazer uma interpretação extensiva do âmbito de aplicação da Directiva 93/38.

54.
    Um concurso que tem por objecto confiar a um terceiro a exploração de uma rede de autocarros não é, assim, abrangido pela Directiva 93/38. Pelo contrário, é abrangido pela Directiva 92/50, se todas as condições que esta define estiverem preenchidas.

55.
    No entanto, esta precisão não dá ainda resposta à primeira questão colocada pelo órgão jurisdicional de reenvio. Com efeito, como já indiquei acima, vários intervenientes fazem referência não ao objecto do concurso, mas ao facto de a empresa de transportes (de que a HKL constitui uma unidade) fazer parte do «sistema» da cidade de Helsínquia. Daí deduzem que, na medida em que uma linha é adjudicada à HKL, a cidade de Helsínquia exerce uma actividade de exploração de uma rede de autocarros na acepção do artigo 2.°, n.° 2, alínea c), da Directiva 93/38 e que, assim, essa directiva é aplicável.

56.
    Ora, este argumento também não pode ser acolhido.

57.
    Há que referir, em primeiro lugar, que o órgão jurisdicional de reenvio pergunta ao Tribunal de Justiça qual a directiva aplicável a um determinado contrato público de serviços. Parte manifestamente, portanto, do pressuposto de que se está em presença de um contrato público e que não compete ao Tribunal de Justiça colocar em dúvida essa apreciação.

58.
    Ora, a própria essência de um contrato público de serviços, quer seja um contrato regido pela Directiva 92/50 ou pela Directiva 93/38, consiste no facto de que se trata de um contrato a título oneroso celebrado por escrito entre uma entidade adjudicante (ou um órgão adjudicante), por um lado, e um prestador de serviços, por outro (9).

59.
    Assim, sob pena de não tomar em consideração esta característica essencial de um contrato público, devo considerar que a HKL constitui uma entidade distinta da cidade de Helsínquia. Com efeito, considerar que a cidade de Helsínquia era simultaneamente a entidade adjudicante e a prestadora de serviços constituiria a própria negação de um contrato público.

60.
    Por conseguinte, a cidade de Helsínquia é, através da sua comissão dos serviços comerciais, a entidade adjudicante, a HKL não pode, por definição, sê-lo. Do mesmo modo, se a HKL for a prestadora de serviços que explora a rede de autocarros, a cidade de Helsínquia não pode, por definição, fazê-lo ela própria. Não exercendo a cidade de Helsínquia a actividade que consiste em explorar uma rede de autocarros, como exige o artigo 2.°, n.° 2, alínea c), da Directiva 93/38, há que concluir que esta directiva não se aplica.

61.
    Portanto, proponho ao Tribunal de Justiça que responda à primeira questão que as disposições relativas ao âmbito de aplicação da Directiva 93/38, e, em especial, o seu artigo 2.°, n.os 1, alínea a), 2, alínea c), e 4, não devem ser interpretadas no sentido de que a referida directiva se aplica ao procedimento seguido por um município, enquanto entidade adjudicante, no âmbito de um contrato relativo à exploração de um serviço de autocarros urbanos, quando

-    o município tem a seu cargo, no seu território, a planificação, o desenvolvimento, a execução e a organização em geral, bem como a tutela dos transportes colectivos,

-    o município dispõe, para efectuar as referidas funções, de uma comissão dos transportes colectivos e de uma empresa municipal de transportes subordinada a essa comissão,

-    a empresa municipal de transportes possui uma unidade de planificação, actuando como mandante, que elabora, para a comissão de transportes colectivos propostas sobre as linhas a submeter a concurso e sobre o nível de qualidade do serviço a exigir, e

-    a empresa municipal de transportes dispõe de unidades de produção, distintas no plano económico do resto da empresa e, entre outras, de uma unidade especializada no transporte em autocarro e que participa em concursos relativos aos mesmos.

A segunda questão prejudicial

62.
    Através da segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, essencialmente, se o artigo 36.°, n.° 1, da Directiva 92/50 ou o artigo 34.°, n.° 1, da Directiva 93/38 permitem integrar, entre os critérios do concurso a celebrar com base na proposta economicamente mais vantajosa, a redução das emissões de óxido de azoto ou do nível sonoro de modo que, se as emissões de óxido de azoto ou o nível sonoro de certos veículos forem inferiores a um determinado limite, se possam atribuir pontos suplementares para efeitos da comparação das propostas.

Posição dos intervenientes

63.
    A Concordia considera que, na adjudicação de um contrato público, os critérios de decisão devem ser sempre, segundo a redacção da Directiva 92/50, económicos por natureza. Se o objectivo da entidade adjudicante for satisfazer considerações de ordem ecológica ou outra, haverá que recorrer a um procedimento diferente do concurso público.

64.
    Ao invés, todos os outros intervenientes sustentam que é permitido integrar critérios de ordem ecológica entre os critérios de atribuição de um contrato. Referem-se, nomeadamente, ao facto de o artigo 36.°, n.° 1, da Directiva 92/50 e o artigo 34.°, n.° 1, da Directiva 93/38 só enumerarem, a título de exemplo, elementos que a entidade adjudicante pode tomar em consideração quando adjudica um contrato, ao artigo 6.° CE que exige a integração da política ecológica nas outras políticas da Comunidade e aos acórdãos Beentjes e Evans Medical e Macfarlan Smith, já referidos, que permitem escolher os critérios que a entidade adjudicante considere pertinentes quando procede à apreciação das propostas apresentadas.

65.
    No entanto, as diferentes tomadas de posição não colocam a tónica nas mesmas considerações.

66.
    Assim, a cidade de Helsínquia, apoiada pelo Governo finlandês, sublinha que é do seu interesse e do interesse dos seus habitantes que as emanações nocivas sejam limitadas o mais possível. Com efeito, para a própria cidade de Helsínquia, que é responsável pela protecção do ambiente no seu território, daqui resultam, directamente, poupanças em especial no sector médico-social, que representam cerca de 50% do seu orçamento global. Os factores que contribuam, mesmo que modestamente, para melhorar o estado da saúde global da população permitem reduzir rapidamente esses custos e em proporções consideráveis.

67.
    O Governo helénico acrescenta que o poder de apreciação atribuído às autoridades nacionais, quanto às escolhas dos critérios de adjudicação dos contratos públicos, pressupõe que essa escolha não seja arbitrária e que os critérios tomados em consideração não violem as disposições do Tratado e, nomeadamente, princípios fundamentais, como o direito de estabelecimento, a livre prestação de serviços e a proibição de discriminações em razão da nacionalidade.

68.
    O Governo neerlandês precisa que os critérios de adjudicação aplicados pela entidade adjudicante devem ter sempre uma dimensão económica. No entanto, considera que esta disposição está preenchida no caso em apreço, sendo a cidade de Helsínquia simultaneamente a entidade adjudicante e o organismo responsável financeiramente pela política do ambiente.

69.
    O Governo austríaco considera que as directivas relativas à celebração de contratos públicos colocam duas restrições essenciais às escolhas de critérios de apreciação. Por um lado, os critérios escolhidos pela entidade adjudicante devem estar relacionados com o contrato a adjudicar e permitir determinar a proposta economicamente mais vantajosa para a entidade adjudicante. Por outro, os critérios escolhidos devem ser capazes de orientar o poder de apreciação reconhecido à entidade adjudicante numa base objectiva e não devem conter elementos de escolha arbitrária.

70.
    Além disso, segundo o Governo austríaco, os critérios de atribuição devem estar directamente relacionados com o objecto do contrato, ter efeitos objectivamente calculáveis e serem quantificáveis no plano económico.

71.
    No mesmo sentido, o Governo sueco sustenta que a escolha de que dispõe a entidade adjudicante é limitada, na medida em que os critérios de adjudicação devem estar relacionados com o contrato a adjudicar e adequados para determinar a proposta mais vantajosa do ponto de vista económico. Acrescenta que esses critérios devem estar também em conformidade com as regras do Tratado sobre a livre circulação de mercadorias e de serviços.

72.
    Segundo o Governo do Reino Unido, as disposições dos artigos 36.°, n.° 1, da Directiva 92/50 e 34.°, n.° 1, da Directiva 93/38 devem ser interpretadas no sentido de que, na organização de um procedimento de adjudicação para a exploração de serviços de transporte em autocarro, uma autoridade ou uma entidade adjudicante pode, entre outros critérios de adjudicação do contrato, tomar em consideração critérios ambientais para apreciar a proposta economicamente mais vantajosa, desde que esses critérios permitam uma comparação de todas as propostas, estejam ligados aos serviços solicitados e tenham sido antecipadamente publicados.

73.
    Por último, a Comissão considera que os critérios de adjudicação que podem ser tomados em consideração para apreciar a proposta economicamente mais vantajosa devem preencher quatro condições. Esses critérios devem ser:

-    objectivos,

-    aplicáveis a todas as propostas,

-    estritamente ligados ao objecto do contrato, e

-    conter uma vantagem económica para benefício directo da entidade adjudicante.

Apreciação

74.
    A fim de responder à segunda questão, há que examinar, em primeiro lugar, o texto da Directiva 92/50, que considero aplicável ao caso em apreço.

75.
    Por força do artigo 36.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 92/50 «[...] os critérios que a entidade adjudicante tomará como base para a adjudicação de contratos podem ser [...], quando a adjudicação contempla a proposta economicamente mais vantajosa, vários critérios que variam consoante o contrato: por exemplo (10), qualidade, mérito técnico, características estéticas e funcionais, assistência técnica e serviço pós-venda, data de entrega ou de execução, preço».

76.
    A cidade de Helsínquia alega que os critérios relativos às emissões de óxido de azoto e às emissões sonoras fazem parte das categorias «qualidade» e «valor técnico» expressamente mencionadas pelas disposições já referidas. A Comissão faz referência, no próprio texto da resposta que propõe para a segunda questão, a «determinadas características do material».

77.
    Em minha opinião, é efectivamente correcto ver o problema sob este prisma. Os critérios relativos à emissão estão absolutamente ligados à configuração do material com o qual a cidade de Helsínquia deseja ver assegurado o serviço de autocarros. Não se pode proibir a uma entidade adjudicante que determine a utilização de material que corresponda às melhores técnicas disponíveis («state of the art»), mesmo que atribua sobretudo importância a uma das qualidades desse material, ou seja, as suas características em matéria de emissões de gás e de barulho dos motores.

78.
    De um modo mais geral, há que sublinhar que, embora a cidade de Helsínquia tenha precisado directamente no concurso que a exploração da rede devia efectuar-se exclusivamente com a ajuda de autocarros funcionando a gás, tratar-se-ia de «prescrições técnicas» relativa às «características [...] dos serviços que são objecto dos contratos», no sentido do «Livro Verde» da Comissão de 1996, citado por esta última (11).

79.
    A Comissão cita igualmente a sua comunicação sobre «Os contratos públicos na União Europeia» (12), em que tinha precisado que:

«De uma maneira geral, qualquer entidade pode, aquando da definição dos produtos ou dos serviços que pretenda adquirir, escolher os produtos e serviços adequados às suas preocupações de carácter ambiental. As medidas tomadas devem, porém, estar em conformidade com as regras de direito comunitário, em especial, com o princípio da não discriminação.»

80.
    Ora, quem pode o mais pode o menos. Se a entidade adjudicante pode estabelecer oficiosamente que os autocarros devem funcionar a gás, pode também, no âmbito dos critérios de adjudicação, atribuir um certo número de pontos às empresas que possam assegurar o serviço com autocarros que respeitem normas de poluição especialmente rigorosas, e que só os autocarros desse tipo estão em condições de respeitar.

81.
    Assim, em minha opinião, o debate podia ser já decidido com base unicamente nas considerações precedentes.

82.
    Todavia, se o Tribunal de Justiça considerar que os critérios em causa devem ser examinados, por assim dizer, de modo abstracto, isto é, independentemente da sua mais-valia técnica, então pode-se, em minha opinião, deduzir do artigo 36.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 92/50 e, sobretudo, da enumeração exemplificativa dos critérios, que as directivas não excluem a priori a possibilidade de recurso a um critério de ordem ecológica, tal como o do caso em apreço, para adjudicar um contrato público. Para determinar em que medida é permitido ter em conta tal critério, é, entretanto, útil examinar, em segundo lugar, a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa a estas disposições ou a disposições similares.

83.
    Os dois acórdãos a que as partes se reportam mais frequentemente são os acórdãos Beentjes e Evans Medical e Macfarlan Smith, já referidos.

84.
    No acórdão Beentjes, já referido, ao analisar a Directiva 71/305/CEE do Conselho, de 26 de Julho de 1971, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de empreitadas de obras públicas (13), o Tribunal de Justiça teve de se pronunciar sobre a exclusão de um proponente devido ao facto de não estar em condições de empregar desempregados de longa duração. Para esse efeito, o Tribunal de Justiça declarou «que essa condição não tem que ver nem com a verificação da aptidão dos empreiteiros com base na sua capacidade económica, financeira e técnica, nem com os critérios de adjudicação das obras enumerados no artigo 29.° da directiva» (14).

85.
    No entanto, o Tribunal de Justiça não considerou a condição incompatível com a Directiva 71/305. Com efeito, prosseguiu indicando que «[r]esulta do [...] acórdão de 9 de Julho de 1987, [CEI e Bellini (15)], que, para ser compatível com a directiva, tal condição deve respeitar todas as disposições pertinentes de direito comunitário, e nomeadamente as disposições que decorrem dos princípios consagrados pelo Tratado em matéria de direito de estabelecimento e de livre prestação de serviços» (16).

86.
    Além disso, segundo o Tribunal de Justiça, «[m]esmo que os critérios em causa não sejam enquanto tais incompatíveis com a directiva, a sua aplicação deve ter lugar no respeito de todas as normas processuais da directiva, e nomeadamente das regras de publicidade dela constantes» (17).

87.
    Em seguida, no acórdão Evans Medical e Macfarlan Smith, já referido, o Tribunal de Justiça, referindo-se ao acórdão Beentjes, já referido, decidiu que «a escolha da proposta economicamente mais vantajosa deixa às entidades adjudicantes a escolha dos critérios de adjudicação do contrato que entendam fixar, apenas podendo essa escolha, no entanto, fazer-se entre critérios para a identificação da proposta economicamente mais vantajosa» (18). Daí deduziu que «a segurança dos abastecimentos pode fazer parte dos critérios a ter em consideração, nos termos do artigo 25.° da Directiva [77/62/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1976, relativa à coordenação dos processos de celebração dos contratos de fornecimento de direito público (19), na redacção dada pela Directiva 88/295/CEE do Conselho, de 22 de Março de 1988 (20)], para determinar a proposta economicamente mais vantajosa [...]» (21).

88.
    Além destes dois acórdãos, há que ter em conta no âmbito da minha análise o recente acórdão de 26 de Setembro de 2000, Comissão/França (22). Nesse acórdão, o Tribunal de Justiça decidiu o seguinte:

«Recorde-se que, nos termos do n.° 1 do artigo 30.° da Directiva 93/37, os critérios que a entidade adjudicante pode tomar por base para a adjudicação de contratos são unicamente o preço mais baixo ou, quando a adjudicação se fizer à proposta economicamente mais vantajosa, vários critérios que variam consoante o contrato em questão: por exemplo, o preço, o prazo de execução, o custo de utilização, a rentabilidade e o valor técnico.

Esta disposição não exclui contudo a possibilidade de as entidades adjudicantes utilizarem como critério uma condição relacionada com a luta contra o desemprego se tal condição respeitar todos os princípios fundamentais do direito comunitário e designadamente o princípio da não discriminação, tal como resulta das disposições do Tratado em matéria de direito de estabelecimento e de livre prestação de serviços (v., neste sentido, acórdão Beentjes, já referido, n.° 29).

Além disso, mesmo que tal critério não seja enquanto tal incompatível com a Directiva 93/37, a sua aplicação deve ter lugar no respeito de todas as normas processuais da directiva, e nomeadamente das regras de publicidade dela constantes (v. neste sentido, relativamente à Directiva 71/305, acórdão Beentjes, já referido, n.° 31). Daqui decorre que um critério de adjudicação relacionado com a luta contra o desemprego deve ser expressamente mencionado no anúncio de concurso por forma que os empreiteiros estejam em condições de ter conhecimento da existência de tal condição (v., neste sentido, o acórdão Beentjes, já referido, n.° 36)» (23).

89.
    Embora estes acórdãos digam respeito a directivas em matéria de contratos públicos de empreitadas (acórdão Beentjes e Comissão/França, já referidos) e de fornecimentos (acórdão Evans Medical e Macfarlan Smith, já referido), o raciocínio neles desenvolvido pelo Tribunal de Justiça aplica-se incontestavelmente às directivas em matéria de contratos públicos de serviços.

90.
    Com efeito, como o Tribunal de Justiça tinha já declarado no acórdão Evans Medical e Macfarlan Smith, já referido, «[a jurisprudência Beentjes], que é relativa às empreitadas de obras públicas, aplica-se também aos contratos de fornecimento de direito público, na medida em que não existem, quanto a este aspecto, diferenças entre estes dois tipos de contratos» (24). Não se pode deixar de declarar esta mesma ausência de diferença em relação aos contratos públicos de serviços.

91.
    Quanto à aplicação desta jurisprudência ao presente caso, parece-me que se pode incontestavelmente deduzir dos acórdãos já referidos que um critério de ordem ecológica pode figurar entre os critérios para adjudicar um contrato de prestação de serviços. Com efeito, o ponto comum nos acórdãos Beentjes e Comissão/França, já referidos, reside, em minha opinião, no facto de o Tribunal de Justiça neles ter reconhecido que era lícito integrar um critério que serve o interesse geral entre os critérios de adjudicação de um contrato público. No acórdão Beentjes, já referido, tratava-se de uma obrigação de o proponente empregar desempregados de longa duração, enquanto no acórdão Comissão/França, já referido, estava em causa uma condição ligada a uma acção local de luta contra o desemprego.

92.
    Ora, é incontestável que a protecção do ambiente é também um critério que serve o interesse geral. Basta, a este respeito, fazer referência ao artigo 6.° CE segundo o qual «[a]s exigências em matéria de protecção do ambiente devem ser integradas na definição e execução das políticas e acções da Comunidade previstas no artigo 3.°, em especial com o objectivo de promover um desenvolvimento sustentável».

93.
    A ideia segundo a qual os critérios que servem o interesse geral podem figurar entre os critérios de adjudicação de um contrato público parece-me, aliás, que obedece a uma certa lógica, mesmo uma lógica segura. Com efeito, tendo as autoridades públicas essencialmente por vocação servir o interesse geral, este deve também poder inspirá-las quando celebram um contrato público.

94.
    Dito isto, existem certamente limites à possibilidade de incluir um critério de interesse geral, tal como um critério de ordem ecológica, entre os critérios de adjudicação de um contrato.

95.
    Deduzo dois limites dos acórdãos Beentjes e Comissão/França, já referidos.

96.
    Em primeiro lugar, o critério deve respeitar todos os princípios fundamentais do direito comunitário, e nomeadamente o princípio da não discriminação, tal como decorre das disposições do Tratado em matéria de direito de estabelecimento e de livre prestação de serviços (25).

97.
    Em segundo lugar, a aplicação do critério deve ocorrer no respeito de todas as normas processuais da directiva pertinente, e nomeadamente das regras de publicidade que ela contém (26). Deduz-se, assim, que o Tribunal de Justiça concluiu nos acórdãos Beentjes (27) e Comissão/França (28), já referidos, que o critério de adjudicação deve ser expressamente mencionado no anúncio do contrato, a fim de os proponentes estarem em condições de ter conhecimento da existência de tal condição.

98.
    Parece-me que estas duas restrições são também válidas para a inclusão de um critério de ordem ecológica entre os critérios de atribuição de um contrato. Com efeito, a necessidade dessas restrições é incontestável no sentido de que a primeira evita que, em nome do interesse geral, os princípios fundamentais do direito comunitário não sejam respeitados, enquanto a segunda assegura a igualdade de tratamento entre todos os proponentes, que está na própria base da regulamentação em matéria de contratos públicos (29). No entanto, sob essas duas reservas, não há nada que se oponha, em minha opinião, à tomada em consideração de um critério de interesse geral, como um critério de ordem ecológica.

99.
    Todavia, vários intervenientes fizeram ainda referência a outras condições que, segundo eles, deveriam estar preenchidas para que um critério de ordem ecológica possa ser incluído entre os critérios de adjudicação de um contrato público.

100.
    Alguns intervenientes sublinharam que o critério ecológico deveria ter um carácter económico. Assim, segundo o Governo neerlandês, o critério deve ter uma dimensão económica para ser válido. O Governo austríaco considera que o critério deve ter vantagens económicas objectivamente quantificáveis. Quanto à Comissão, sustenta que o critério deve ter uma vantagem económica para benefício directo da entidade adjudicante.

101.
    Ora, embora possa concordar com a tese defendida por vários intervenientes, segundo a qual, no caso em apreço, o critério ecológico apresentava uma vantagem económica para a cidade de Helsínquia, sou de opinião que um critério ecológico pode fazer parte dos critérios de atribuição sem que esteja necessariamente demonstrado que tem uma dimensão económica ou uma vantagem económica, directa ou não, para a entidade adjudicante.

102.
    Na verdade, é necessário admitir que, no acórdão Evans Medical e Macfarlan Smith, já referido, o Tribunal de Justiça decidiu que «a escolha da proposta economicamente mais vantajosa deixa às entidades adjudicantes a escolha dos critérios de adjudicação do contrato que entendam fixar, apenas podendo essa escolha, no entanto, fazer-se entre critérios para a identificação da proposta economicamente (30) mais vantajosa» (31).

103.
    Em minha opinião, não se pode, no entanto, deduzir do facto de que compete à entidade adjudicante identificar a proposta economicamente mais vantajosa que cada critério deva obrigatoriamente ser de natureza económica ou ter essa dimensão.

104.
    Com efeito, se se fizer referência ao artigo 36.°, n.° 1, da Directiva 92/50, verifica-se, por exemplo, que a entidade adjudicante pode incluir entre os critérios o «carácter estético» de um produto. A não ser que se interprete o conceito de «económico» de modo extremamente amplo, sou de opinião que um critério estético dificilmente pode ter um carácter económico. A fortiori, não vejo em que sentido poderia implicar uma vantagem económica directa para a entidade adjudicante.

105.
    Por outro lado, pelo menos a partir dos debates sobre o protocolo de Quioto, estamos todos conscientes que a protecção do ambiente é um desafio considerável que diz respeito a todo o planeta. Não me parece, portanto, justificado apenas admitir um critério de ordem ecológica se este apresentar uma vantagem económica para a entidade adjudicante em causa. Esse critério justifica-se também se apresentar uma vantagem para outros que não a entidade adjudicante, ou para o ambiente em geral.

106.
    Por último, o carácter inadequado desta condição, tal como é alegado em especial pela Comissão, é, em minha opinião, também confirmado por uma resposta que esta deu a uma questão colocada na audiência. À questão de saber em que medida a atribuição, como foi o caso, de pontos suplementares aos proponentes em condições de propor o serviço com o auxílio de autocarros de pavimento baixo, implica uma vantagem económica directa à cidade de Helsínquia, a Comissão respondeu que isso aumentaria as receitas da entidade adjudicante, na medida em que os deficientes e os idosos teriam melhores condições de acesso aos autocarros.

107.
    Ora, pondo de lado o facto de que essa vantagem seria no máximo indirecta, parece-me mais apropriado ver na promoção da utilização de autocarros de pavimento baixo um serviço prestado a certas categorias da população, e não um meio de aumentar as receitas da entidade adjudicante.

108.
    Os Governos austríaco e sueco bem como a Comissão alegam também que o critério deve estar relacionado com o objecto do contrato. Para o Governo austríaco, isto significa que o critério deve dizer respeito à prestação a fornecer ou às modalidades da sua execução. Segundo a Comissão, o critério deve estar mesmo estritamente ligado ao objecto do contrato.

109.
    No caso em apreço, este critério está evidentemente preenchido.

110.
    No entanto, pode-se colocar a questão de saber se se justifica impor tal condição. Com efeito, no acórdão Comissão/França, já referido, o Tribunal de Justiça decidiu que um critério de adjudicação relativo ao emprego, ligado a uma acção local de luta contra o desemprego, constituía um critério válido, sem prejuízo das duas restrições a que acima referi. O mesmo se passava no acórdão Beentjes, já referido, no qual o Tribunal considerou aceitável uma condição ligada ao emprego de desempregados de longa duração.

111.
    Ora, tratava-se em ambos os casos de um contrato de empreitada. Essas empreitadas poderiam também ser executadas por trabalhadores não desempregados. A condição colocada não se relacionava, portanto, com o objecto do contrato, quer dizer, com as características das obras a executar.

112.
    Daí deduzo que não se pode exigir que um critério de ordem ecológica esteja, contrariamente a um critério relativo ao emprego, relacionado, mesmo estritamente relacionado, com o objecto do contrato.

113.
    Finalmente, a Comissão sublinha ainda que o critério deve ser objectivo e aplicável a todas as propostas.

114.
    Mesmo que se possa colocar a questão de saber de que modo um critério relativo ao carácter estético de uma proposta, permitido pelo artigo 36.° da Directiva 92/50, pode ser definido objectivamente, basta verificar que, no caso em apreço, os critérios relativos às emissões de óxido de azoto e ao nível sonoro preenchem efectivamente esta condição.

115.
    São quantificáveis ou mesuráveis e não deixam qualquer margem de apreciação subjectiva à entidade adjudicante.

116.
    Quanto à condição segundo a qual o critério deve ser aplicável a todas as propostas, confunde-se com a primeira restrição considerada pelo Tribunal de Justiça e segundo a qual o critério de adjudicação deve respeitar todos os princípios fundamentais do direito comunitário, e nomeadamente o princípio da não discriminação, tal como resulta das disposições do Tratado em matéria de direito de estabelecimento e de livre prestação de serviços (32).

117.
    Resulta das considerações precedentes que um critério ligado à protecção do ambiente pode figurar entre os critérios de adjudicação de um contrato, desde que esse critério respeite os princípios fundamentais do direito comunitário, nomeadamente o princípio da não discriminação e as quatro liberdades, e que seja aplicado respeitando todas as normas processuais da directiva, e nomeadamente as regras de publicidade que ela contém.

118.
    Antes de concluir quanto a esta questão, devo examinar sucintamente uma análise comum aos Governos neerlandês e austríaco e à Comissão e que diz respeito à questão de saber se os critérios relativos aos «programas de qualidade e de ambiente» dos proponentes podem ser tomados em consideração no âmbito da apreciação da proposta economicamente mais vantajosa.

119.
    Sou de opinião que esta questão se situa fora do âmbito do presente reenvio prejudicial.

120.
    A este respeito, há que fazer referência à questão tal como foi formulada pelo órgão jurisdicional de reenvio. Este pergunta se a cidade de Helsínquia «[...] pode, para além do preço proposto (33), da gestão ecológica e qualitativa do explorador ou de várias outras características do material, incluir nos critérios para a adjudicação com base na proposta economicamente mais vantajosa [também] a redução (34) das emissões de óxido de azoto ou do nível sonoro [...]».

121.
    É portanto manifesto que o órgão jurisdicional de reenvio não interroga o Tribunal de Justiça sobre a admissibilidade, como critério de adjudicação, «[do] preço proposto, [da] gestão ecológica e qualitativa do explorador ou [de] outras características do material», mas unicamente sobre a admissibilidade do critério da «redução das emissões de óxido de azoto ou do nível sonoro».

122.
    Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio informa que a HKL e a Concordia receberam um número idêntico de pontos em relação ao critério da «gestão ecológica e qualitativa do explorador». A questão de saber se este critério é admissível não é, portanto, pertinente para resolver o litígio no processo principal e, assim, proponho não a abordar.

123.
    Com base nestas considerações, proponho que se responda ao órgão jurisdicional de reenvio que a regulamentação comunitária relativa aos contratos públicos, e em especial ao artigo 36.°, n.° 1, da Directiva 92/50, deve ser interpretada no sentido de que um município que organiza, como entidade adjudicante, um concurso relativo à exploração de um serviço de autocarros urbanos, pode incluir, entre os critérios do contrato a celebrar com base na proposta economicamente mais vantajosa, um critério, tal como o do caso em apreço, relativo à limitação das emissões de óxido de azoto ou do nível sonoro. Este critério deve ser aplicado no respeito dos princípios fundamentais do direito comunitário, nomeadamente do princípio da não discriminação e das quatro liberdades, bem como no respeito de todas as normas processuais da directiva aplicável, e nomeadamente das regras de publicidade que ela contém.

A terceira questão prejudicial

124.
    Através da terceira questão, o órgão jurisdicional pergunta se o critério ligado à protecção do ambiente é, no entanto, proibido se resultar de imediato que a própria empresa de transportes da cidade organizadora do concurso tem a possibilidade de propor material que satisfaça as condições impostas, possibilidade que, devido às circunstâncias, poucas empresas do sector têm.

Posição dos intervenientes

125.
    A Concordia alega que a possibilidade de utilizar autocarros que funcionassem a gás natural era muito reduzida, sendo, na prática, os únicos a preencher o critério suplementar de redução das emissões de óxido de azoto e do nível sonoro. Com efeito, na altura do concurso, apenas existia no território da Finlândia uma estação de serviço para abastecimento de gás natural. A capacidade dessa estação, que era provisória, permitiria abastecer cerca de quinze autocarros a gás. Ora, precisamente antes do concurso em causa, a HKL encomendara onze autocarros novos funcionando a gás, o que significava que a capacidade da estação era totalmente utilizada e que não era possível ali abastecer outros veículos. Além disso, a única estação existente teria apenas carácter provisório. Segundo a Concordia, era absurdo pensar que os empresários investiriam milhões na compra de veículos novos que seria impossível utilizar ou cuja utilização, pelo menos, seria muito incerta.

126.
    A Concordia conclui que a HKL era a única proponente que tinha realmente a possibilidade de propor autocarros funcionando a gás. Daí resultar que o concurso em causa não tinha outro objectivo, ao fixar limites mais rigorosos que a norma Euro 2, do que favorecer a unidade de produção pertencente à entidade adjudicante. Propõe, portanto, que se responda à terceira questão que a atribuição de pontos em função das emissões de óxido de azoto e da redução do nível sonoro não pode ser admitida, pelo menos no caso em que todos os operadores do sector em causa não têm a possibilidade, mesmo teórica, de propor serviços que viabilizem essa atribuição.

127.
    Em primeiro lugar, a cidade de Helsínquia alega que não tinha qualquer obrigação de sujeitar à adjudicação os seus próprios transportes em autocarros, quer nos termos da regulamentação comunitária ou da legislação finlandesa. Com efeito, dado que um processo de adjudicação dá sempre origem a trabalhos e custos suplementares, não teria qualquer fundamento razoável para organizar esse processo de adjudicação se soubesse que só a empresa de que é proprietária teria a possibilidade de propor material que preenchesse as condições fixadas ou se quisesse verdadeiramente ficar ela própria com a exploração desses transportes.

128.
    Em seguida, a cidade de Helsínquia sublinha que a HKL é neste momento, em termos proporcionais, a grande perdedora das adjudicações, sendo a Concordia quem mais aumentou as suas quotas de mercado em Helsínquia. Alega também que, na Primavera de 1999, a Concordia ganhou o concurso relativo à linha n.° 15 da rede, que exigia a utilização de autocarros funcionando a gás. Isto foi confirmado pela Concordia na audiência. Este facto demonstraria por si mesmo que todos os participantes tiveram, sempre que o desejaram, a possibilidade de adquirir autocarros funcionando a gás natural.

129.
    O Governo finlandês considera que a apreciação da objectividade dos critérios fixados no concurso em causa compete, em definitivo, ao órgão jurisdicional nacional.

130.
    O Governo helénico considera que há que responder afirmativamente à terceira questão prejudicial.

131.
    O Governo neerlandês alega que resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça (35) que os critérios de adjudicação devem ser objectivos e que não pode ser feita qualquer discriminação entre os proponentes.

132.
    No entanto, nos n.os 32 e 33 do seu acórdão Fracasso e Leitschutz, já referido, o Tribunal de Justiça decidiu efectivamente que, quando, no termo de um processo de adjudicação, resta uma única proposta, a entidade adjudicante não é obrigada a adjudicar o contrato ao único proponente considerado apto a nele participar. Daí não resulta, portanto, que, se apenas existir um proponente devido aos critérios de atribuição aplicados, estes sejam ilegais.

133.
    Segundo o Governo neerlandês, compete ao órgão jurisdicional de reenvio determinar se, no processo principal, a concorrência efectiva foi colocada em perigo.

134.
    O Governo austríaco considera que a utilização dos critérios de adjudicação em causa no processo principal não coloca, em princípio, problemas, e isso mesmo numa situação em que, como no caso em apreço, só um número relativamente restrito de proponentes está em condições de os preencher.

135.
    No entanto, o Governo austríaco chama a atenção para o décimo considerando da Directiva 97/52/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Outubro de 1997, que altera as Directivas 92/50/CEE, 93/36/CEE e 93/37/CEE relativas à coordenação dos processos de adjudicação respectivamente de serviços públicos, de fornecimentos públicos e de empreitadas de obras públicas (36), por força da qual as entidades contratantes podem solicitar ou aceitar pareceres para a preparação de especificações relativas a um determinado contrato na condição de esse parecer não impedir a concorrência.

136.
    Segundo o Governo austríaco, pode deduzir-se desse considerando, bem como dos princípios que estão subjacentes às directivas em matéria de contratos públicos, que as empresas que estão envolvidas directa ou indirectamente na preparação de um concurso, do mesmo modo que as empresas que lhes estão ligadas, quando existir entre elas uma relação de domínio, devem ser excluídas do concurso na medida em que a sua participação impediria a concorrência.

137.
    Com efeito, a protecção do princípio da livre e leal concorrência e da igualdade de tratamento de todos os requerentes e proponentes na acepção das directivas em matéria de contratos públicos pode ser comprometida no caso de implicação, directa ou indirecta, de um dos concorrentes do concurso na sua preparação.

138.
    De onde o Governo austríaco conclui que, no processo principal, se os vínculos organizacionais que unem a cidade de Helsínquia à HKL deram lugar a que esta última tivesse influenciado, independentemente da forma, a definição do projecto em que se baseou o concurso e na medida em que a implicação da HKL na elaboração do concurso tivesse impedido a concorrência, deveria ser proibida de concorrer.

139.
    O Governo sueco alega que o facto de ter em conta o critério das emissões de maneira pertinente no processo principal implicou que o proponente que dispunha de autocarros funcionando a gás ou a álcool fosse recompensado. Na sua opinião, nada impediu entretanto os outros proponentes de adquirir tais autocarros. Estes veículos estão disponíveis no mercado há vários anos.

140.
    O Governo sueco considera que o facto de atribuir pontos suplementares devido a emissões de óxido de azoto reduzidas e de um nível sonoro pouco elevado não constitui uma discriminação directa, mas aplica-se indistintamente. Além disso, esta bonificação não parece ser indirectamente discriminatória no sentido de que teria favorecido necessariamente a HKL. Portanto, o Governo sueco afirma que a referida bonificação não impede a livre circulação de mercadorias e de serviços nem a liberdade de estabelecimento.

141.
    Segundo o Governo do Reino Unido, a directiva não proíbe a atribuição de pontos suplementares na avaliação das propostas quando se sabe antecipadamente que há poucas empresas que potencialmente podem obter esses pontos suplementares, na medida em que a autoridade adjudicante tenha feito constar tal possibilidade de obtenção de esses pontos suplementares na fase do anúncio de concurso.

142.
    A Comissão recorda que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça (37), o respeito do princípio da igualdade de tratamento corresponde à própria essência das directivas em matéria de concursos públicos, o que implica que não devem ser falseadas as condições de concorrência entre os proponentes.

143.
    Tendo em conta, todavia, as divergências de opinião das partes no âmbito do litígio no processo principal, a Comissão considera que não está em condições de determinar se os critérios escolhidos no caso em apreço violam o princípio da igualdade de tratamento. Compete, portanto, ao órgão jurisdicional de reenvio pronunciar-se quanto a essa questão e determinar, com fundamento em indícios objectivos, pertinentes e concordantes, se os referidos critérios foram adoptados com a finalidade exclusiva de seleccionar a empresa escolhida ou se foram estabelecidos para esse fim.

Apreciação

144.
    O órgão jurisdicional de reenvio pergunta se a atribuição de pontos devido às propriedades do material quanto às emissões de óxido de azoto ou ao nível sonoro é «proibida se se verificar desde logo que a própria empresa de transportes da cidade que lança o concurso [...] tem a possibilidade de propor um material que reúne as condições impostas, possibilidade que, dadas as circunstâncias, poucas empresas do sector têm».

145.
    Esta questão equivale a perguntar se, nessa circunstância, o princípio da igualdade de tratamento é violado. Examinarei em seguida se este princípio é violado:

-    quando uma única empresa (38) está em condições de preencher o critério de atribuição em causa;

-    quando, além disso, se trata da empresa que pertence à entidade adjudicante.

146.
    Quanto ao primeiro ponto, penso, como o Governo sueco, que, em circunstâncias como as do litígio no processo principal, não há discriminação directa nem discriminação indirecta entre os diferentes potenciais proponentes.

147.
    O critério em causa era indistintamente aplicável a todas as propostas e, aparentemente, foi objecto de uma publicação em conformidade com as exigências da directiva.

148.
    Depois, para decidir que o critério em causa constituiu uma discriminação indirecta em relação à Concordia, não é suficiente declarar que esta foi tratada de maneira diferente da HKL, no sentido de que esta última recebeu pontos que a Concordia não recebeu.

149.
    Com efeito, resulta de jurisprudência assente que o princípio da igualdade de tratamento exige que situações comparáveis não sejam tratadas de maneira diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de maneira idêntica, excepto se essa diferença de tratamento for objectivamente justificada (39).

150.
    Sem prejuízo da apreciação que fará o órgão jurisdicional de reenvio, parece-me que, no caso em apreço, as duas empresas só foram tratadas de maneira diferente porque não se encontravam em situações idênticas: uma delas estava em condições de propor o material pretendido e a outra não.

151.
    Por último, o facto de ter adoptado o critério que deu origem a uma diferença na atribuição dos pontos só pode ser considerado como revelando a existência de uma manobra de carácter discriminatório no caso de se demonstrar que esse critério não era objectivamente justificado, tendo em conta a natureza do contrato e as necessidades da entidade adjudicante.

152.
    Ora, como já vimos acima, não se pode negar à entidade adjudicante o direito de exigir que o serviço em questão seja assegurado com a ajuda de um material que corresponda às melhores técnicas disponíveis.

153.
    Admitir o contrário equivaleria a obrigar a entidade adjudicante a fixar os critérios em função dos potenciais proponentes. Ora, como cada concurso envolve toda uma série de critérios (40), a entidade adjudicante deveria então determinar quais são aqueles que apenas podem ser preenchidos por um só e retirá-los do seu projecto de concurso. Com efeito, pode ocorrer que um proponente não esteja em condições de preencher um critério, e que outro não esteja em condições de preencher um outro.

154.
    Ora, tal abordagem não conduziria apenas a uma espécie de «nivelamento por baixo» dos critérios de atribuição ao afastar todos os critérios verdadeiramente selectivos. Esvaziaria também de qualquer conteúdo o direito reconhecido pelo Tribunal de Justiça à entidade adjudicante de escolher os critérios de adjudicação do contrato (41). Além disso, pensando bem, o facto de fixar critérios em função dos proponentes equivaleria, em minha opinião, à própria negação do princípio da igualdade de tratamento. Com efeito, se uma entidade adjudicante retirasse um critério do concurso porque um ou vários proponentes não estão em condições de lhe dar resposta, por esse mesmo facto discriminaria o proponente que podia preencher esse critério ao neutralizar a vantagem de que se poderia prevalecer.

155.
    Concluo, portanto, quanto a este primeiro aspecto que o simples facto de incluir no concurso um critério que apenas pode ser preenchido por um proponente não viola o princípio da igualdade.

156.
    A situação é diferente quando esse proponente é, como a HKL, uma empresa pertencente à entidade adjudicante?

157.
    Neste caso, das duas uma:

-    ou a HKL não dispõe de poder de decisão e de gestão económica e financeira autónoma em relação à entidade adjudicante; neste caso, estamos perante uma situação que não deveria ser regida pela directiva, já que a HKL não seria então um terceiro com o qual a cidade de Helsínquia teria contratado;

-    ou a HKL é efectivamente independente da cidade de Helsínquia, o que presumi no âmbito da resposta à primeira questão; nesse caso, o facto de a HKL ser «a própria empresa de transportes da cidade organizadora do concurso» não pode, enquanto tal, colocar qualquer problema em relação ao princípio da igualdade de tratamento, a não ser que demonstre que a inclusão do critério em causa no concurso não tinha outra razão de ser do que favorecer a HKL (42).

158.
    Trata-se de uma questão puramente factual a decidir pelo órgão jurisdicional de reenvio.

159.
    Neste contexto, há ainda que analisar as considerações do Governo austríaco relativas à participação de um proponente na preparação de um concurso.

160.
    Não posso deixar de subscrever inteiramente a tese desse governo segundo a qual tal participação seria ilegal na medida em que consubstanciaria a negação do princípio da igualdade de tratamento de todos os proponentes. A este respeito, pode-se fazer referência ao acórdão Ismeri Europa/Tribunal de Contas (43), no qual o Tribunal de Justiça qualificou «o facto de vir a ser adjudicado um contrato a uma pessoa que contribui para avaliar e seleccionar as propostas relativas ao respectivo concurso público» como uma «confusão de interesses», ao acrescentar que tal facto é uma «característica de um disfuncionamento grave da instituição ou do organismo em causa» (n.° 47).

161.
    Ora, do ponto de vista da igualdade de tratamento entre todos os proponentes, parece-me que uma participação real da parte do proponente a quem é adjudicado o contrato na preparação do concurso é quase tão grave como a contribuição desse proponente na avaliação e na selecção das propostas.

162.
    Todavia, não se encontra no despacho de reenvio qualquer indício segundo o qual a HKL teria participado na preparação do concurso em causa. A cidade de Helsínquia sublinhou mesmo na audiência que essa participação não ocorreu. Do mesmo modo, o órgão jurisdicional de reenvio não coloca qualquer questão a este respeito. Sou, portanto, de opinião que não é apropriado dar uma resposta quanto a este aspecto.

163.
    Por conseguinte, proponho que se responda à terceira questão que o direito de uma entidade adjudicante inserir num concurso, entre os critérios de adjudicação de um contrato relativo à exploração de um serviço de autocarros urbanos, características em matéria de emissões de óxido de azoto e de nível sonoro do material utilizado, tais como as que estão em causa no processo principal, não é posto em causa pela verificação de que a própria empresa de transportes dessa entidade teve a possibilidade, que apenas têm poucas empresas do sector, de propor um material que satisfaz as condições impostas, a não ser que demonstre que esse critério só foi introduzido com o objectivo de favorecer a referida empresa.

V - Conclusão

164.
    Com base no conjunto das considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça responda do seguinte modo às questões colocadas pelo órgão jurisdicional de reenvio:

«1)    As disposições relativas ao âmbito de aplicação da Directiva 93/38/CEE do Conselho, de 14 de Junho de 1993, relativa à coordenação dos processos de celebração de contratos nos sectores da água, da energia, dos transportes e das telecomunicações, e, em especial, o seu artigo 2.°, n.os 1, alínea a), 2, alínea c), e n.° 4, devem ser interpretadas no sentido de que a referida directiva não se aplica a um procedimento tal como o que está em causa no processo principal.

2)    A regulamentação comunitária relativa aos contratos públicos, e, em especial, o artigo 36.°, n.° 1, da Directiva 92/50/CEE do Conselho, de 18 de Junho de 1992, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços, deve ser interpretada no sentido de que um município que organiza, enquanto entidade adjudicante, um concurso respeitante à exploração de um serviço de autocarros urbanos, pode incluir, entre os critérios do contrato a celebrar com base na proposta economicamente mais vantajosa, um critério, tal como o do caso em apreço, relativo à limitação das emissões de óxido de azoto ou do nível sonoro. Este critério deve ser aplicado no respeito dos princípios fundamentais do direito comunitário, nomeadamente do princípio da não discriminação e das quatro liberdades, bem como no respeito de todas as normas processuais da directiva aplicável, e nomeadamente das regras de publicidade que ela contém.

3)    O direito de uma entidade adjudicante inserir num concurso, entre os critérios de adjudicação de um contrato relativo à exploração de um serviço de autocarros urbanos, características em matéria de emissões de óxido de azoto e de nível sonoro do material utilizado, tais como as que estão em causa no processo principal, não é posto em causa pela verificação de que a própria empresa de transportes dessa entidade tem a possibilidade, que apenas têm poucas empresas do sector, de propor um material que satisfaz as condições impostas, a não ser que demonstre que esse critério só foi introduzido com o objectivo de favorecer a referida empresa.»


1: -     Língua original: francês.


2: -     JO L 199, p. 84.


3: -     JO L 209, p. 1.


4: -     Acórdãos de 20 de Setembro de 1988 (31/87, Colect., p. 4635), e de 28 de Março de 1995 (C-324/93, Colect., p. I-563).


5: -     Acórdão de 13 de Março de 2001, PreussenElektra (C-379/98, Colect., p. I-2099, n.os 38 e 39).


6: -     V., a este respeito, acórdão de 25 de Abril de 1996, Comissão/Bélgica (C-87/94, Colect., p. I-2043). Nesse processo, a société régionale wallonne du transport, como empresa pública que explorava uma rede destinada a prestar um serviço ao público no domínio do transporte em autocarro, tinha lançado, com base na Directiva 90/531 que foi depois substituída pela Directiva 93/38, um concurso para a celebração de um contrato público de fornecimentos relativo a 307 veículos-tipo.


7: -     Acórdão de 7 de Dezembro de 2000 (C-324/98, Colect., p. I-10745).


8: -     Acórdão Evans Medical e Macfarlan Smith, já referido, n.° 48.


9: -     V. os artigos 1.°, alínea a), da Directiva 92/50 e 1.°, n.° 4, da Directiva 93/38.


10: -     Sublinhado meu.


11: -     Os contratos públicos na União Europeia: pistas de reflexão para o futuro [COM(96) 583 final] de 27 de Novembro de 1996, ponto 5.49.


12: -     [COM(98) 143 final] de 11 de Março de 1998.


13: -     JO L 185, p. 5.


14: -     Acórdão Beentjes, já referido, n.° 28.


15: -     27/86 a 29/86, Colect., p. 3347.


16: -     Acórdão Beentjes, já referido, n.° 29.


17: -     Acórdão Beentjes, já referido, n.° 31.


18: -     Acórdão Evans Medical e Macfarlan Smith, já referido, n.° 42.


19: -     JO 1977, L 13, p. 1.


20: -     JO L 127, p. 1.


21: -     Acórdão Evans Medical e Macfarlan Smith, já referido, n.° 44.


22: -     C-225/98, Colect., p. I-7445.


23: -     Acórdão Comissão/França, já referido, n.os 49 a 51.


24: -     Acórdão Evans Medical e Macfarlan Smith, já referido, n.° 43.


25: -     Acórdãos Beentjes, já referido, n.° 29, e Comissão/França, já referido, n.° 50.


26: -     Acórdão Beentjes, já referido, n.° 31, e Comissão/França, já referido, n.° 51.


27: -     N.° 36.


28: -     N.° 51.


29: -     Acórdãos de 22 de Junho de 1993, Comissão/Dinamarca, dito «Storebaelt» (C-243/89, Colect., p. I-3353, n.° 33), e Comissão/Bélgica, já referido, n.° 51.


30: -     Sublinhado meu.


31: -     N.° 42.


32: -     Acórdãos Beentjes, já referido, n.° 29, e Comissão/França, já referido, n.° 50.


33: -     Sublinhado meu.


34: -     Sublinhado meu.


35: -     Acórdãos de 16 de Setembro de 1999, Fracasso e Leitschutz (C-27/98, Colect., p. I-5697, n.os 30 e 31), e Comissão/Dinamarca, já referido.


36: -     JO L 328, p. 1.


37: -     V. acórdãos Comissão/Bélgica e Comissão/Dinamarca, já referidos.


38: -     O que é válido para uma única empresa é válido a fortiori quando «poucas empresas» estão em situação de preencher o critério.


39: -     V., a título de exemplo, acórdãos de 17 de Julho de 1963, Itália/Comissão [13/63, Recueil, p. 335, ponto III, 4 a), Colect. 1962-1964, p. 305]; de 13 de Dezembro de 1984, Sermide (106/83, Recueil, p. 4209, n.° 28), de 20 de Setembro de 1988, Espanha/Conselho (203/86, Colect., p. 4563, n.° 25), e de 13 de Dezembro de 1994, SMW Winzersekt (C-306/93, Colect., p. I-5555, n.° 30).


40: -     No caso concreto, foram também atribuídos pontos suplementares, por exemplo, aos proponentes que propunham autocarros de pavimento baixo na parte da frente ou na totalidade dos mesmos.


41: -     Acórdão Evans Medical e Macfarlan Smith, já referido, n.° 42.


42: -     Parto, claro, do pressuposto de que a entidade adjudicante atribuiu os pontos de maneira objectiva e neutra.


43: -     Acórdão de 10 de Julho de 2001 (C-315/99 P, Colect., p. I-5281).