Language of document : ECLI:EU:C:2008:377

TOMADA DE POSIÇÃO DA ADVOGADA‑GERAL

ELEANOR SHARPSTON

apresentada em 1 de Julho de 2008 1(1)

Processo C-195/08 PPU

Rinau

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Lietuvos Aukščiausiasis Teismas (Lituânia)]

«Processo prejudicial urgente – Regulamento ‘Bruxelas II‑A’ – Pedido de não reconhecimento de uma decisão que determina o regresso de um menor – Condições para a apreciação do pedido»





1.        Uma menor nascida na Alemanha em 2005, filha de pai alemão e mãe lituana, então casados, mas agora divorciados, encontra‑se actualmente na Lituânia com a mãe, contra a vontade do pai. No âmbito do processo de divórcio, os tribunais alemães atribuíram a guarda da menor ao pai e ordenaram o seu regresso para junto deste. O Lietuvos Aukščiausiasis Teismas (Tribunal Supremo da Lituânia) submeteu seis questões sobre as condições para a apreciação do pedido da mãe de declaração do não reconhecimento desses aspectos do acórdão em que foi decretado o divórcio.

2.        Uma situação desta natureza é regida, a nível comunitário, pelo regulamento «Bruxelas II‑A» (2), em conjugação com a Convenção de Haia de 1980 (3). Não vou transcrever aqui as respectivas disposições relevantes, mas referir‑me‑ei às mesmas na minha análise.

3.        Os principais elementos do contexto factual e processual do litígio podem ser resumidos numa tabela sinóptica. Na tabela que apresento infra:

–        as indicações a negro dizem respeito, por um lado, ao processo de divórcio na Alemanha, que termina com um acórdão em que é decretado o divórcio, atribuída ao pai a guarda definitiva da menor e ordenado o regresso desta para junto daquele, e, por outro, ao processo iniciado pela mãe na Lituânia, para obter o não reconhecimento destes dois últimos aspectos desse acórdão e que levou, deste modo, ao pedido de decisão prejudicial apresentado ao Tribunal de Justiça;

–        as indicações em itálico dizem respeito a um processo distinto, iniciado pelo pai na Lituânia, destinado a obter, nos tribunais desse Estado, uma decisão em que seja ordenado o regresso da menor à Alemanha; o despacho proferido foi alvo de diversos recursos e suspensões, pelo que o processo continua na Lituânia, paralelamente ao que deu origem ao pedido de decisão prejudicial.

Data

Alemanha

Lituânia

11/1/2005

Nascimento da menor

 

3/2005

Os pais separam‑se; mantém‑se a guarda conjunta da menor; a menor reside com a mãe, mas mantém contactos frequentes com o pai.

Tem início o processo de divórcio.

 

21/7/2006

Com o consentimento do pai, a mãe parte, com a menor, de férias para a Lituânia, durante duas semanas.

 

6/8/2006

 

A mãe fica na Lituânia com a menor.

14/8/2006

O Amtsgericht Oranienburg (Tribunal de Primeira Instância de Oranienburg) (Alemanha) anula a guarda conjunta e confia a guarda provisória ao pai.

 

?/2006

A mãe recorre da decisão do Amtsgericht Oranienburg.

 

11/10/2006

O Brandenburgisches Oberlandesgericht (Tribunal de Segunda Instância do Land de      Brandeburgo) (Alemanha) nega provimento ao recurso interposto pela mãe e confirma a guarda provisória do pai.


30/10/2006

 

O pai pede ao Klaipėdos apygardos teismas (Tribunal Regional de Klaipėda)      (Lituânia) (4)      que ordene o regresso da menor à Alemanha.

22/12/2006

 

O Klaipėdos apygardos teismas indefere o pedido do pai.

15/3/2007

 

O Lietuvos apeliacinis teismas (Tribunal de Recurso da Lituânia) anula o despacho do Klaipėdos apygardos teismas e ordena o regresso da menor antes de 15/4/2007.

4/6/2007

 

A mãe pede a reabertura do processo que deu origem ao despacho de 15/3/2007, invocando novas circunstâncias e o interesse da menor, com fundamento no artigo 13.º da Convenção.

13/6/2007

 

O procurador‑geral da República da Lituânia pede a reabertura do mesmo processo, invocando a má aplicação da Convenção por parte do Lietuvos apeliacinis teismas.

19/6/2007

 

O      Klaipėdos apygardos teismas indefere os dois pedidos de reabertura do processo e reconhece a competência do Amtsgericht Oranienburg.

20/6/2007

O Amtsgericht Oranienburg decreta o divórcio, atribui a guarda ao pai, ordena o regresso da menor e emite uma certidão nos termos do artigo 42.° do regulamento.

 

6/8/2007

A mãe recorre da atribuição da guarda e da ordem de regresso da menor.

 

27/8/2007

 

Pronunciando‑se sobre os recursos interpostos pela mãe e pelo procurador‑geral, o Lietuvos apeliacinis teismas confirma o indeferimento dos pedidos de reabertura do processo.

?/2007

 

A mãe pede uma decisão de não reconhecimento da decisão      do Amtsgericht Oranienburg de 20/6/2007, na parte em que atribui a guarda ao pai e ordena o regresso da menor.

14/9/2007

 

O Lietuvos apeliacinis teismas indefere o pedido de decisão de não reconhecimento.

11/10/2007

 

A mãe interpõe recurso de cassação da decisão do Lietuvos apeliacinis teismas de 14/9/2007.

7/1/2008

 

Pronunciando‑se sobre os recursos interpostos pela mãe e pelo procurador‑geral da Lituânia, o Lietuvos Aukščiausiasis Teismas anula as decisões de 19/6 e de 27/8/2007 por inobservância do Código de Processo Civil e remete os pedidos de reabertura ao Klaipėdos apygardos teismas.

20/2/2008

O Brandenburgisches Oberlandesgericht nega provimento ao recurso da mãe contra a decisão de 20/6/2007.

 

15/3/2008

 

O Lietuvos Aukščiausiasis Teismas      suspende      a execução do despacho do Lietuvos apeliacinis teismas de 15/3/2007.

21/3/2008

 

O Klaipėdos apygardos teismas indefere novamente os pedidos de reabertura do processo apresentados pela mãe e pelo procurador‑geral.

30/4/2008

 

O Lietuvos apeliacinis teismas confirma o indeferimento dos pedidos de reabertura do processo.

O Lietuvos Aukščiausiasis Teismas decide submeter seis questões prejudiciais no âmbito do recurso de cassação da decisão de 14/9/2007.

14/5/2008

 

As questões prejudiciais são recebidas no Tribunal de Justiça.

21/5/2008

 

O      Lietuvos Aukščiausiasis Teismas pede que o pedido de decisão prejudicial seja sujeito a tramitação urgente.

26/5/2008

 

O Lietuvos Aukščiausiasis Teismas julga admissível o recurso de cassação da mãe contra as decisões de 21/3 e 30/4/2008,      e suspende a execução do despacho do Lietuvos apeliacinis teismas de 15/3/2007.


4.        No processo que deu origem ao pedido de decisão prejudicial, o Lietuvos Aukščiausiasis Teismas da Lituânia tem de decidir se deve revogar a decisão do Lietuvos apeliacinis teismas de 14 de Setembro de 2007 que indeferiu o pedido da mãe de que não fosse reconhecido o acórdão que decretou o divórcio, na parte em que este confia a guarda da menor ao pai e ordena o regresso desta à Alemanha.

5.        Quanto ao regresso da menor, o Lietuvos apeliacinis teismas notara que, por força do artigo 11.º, n.º 8, do regulamento, não obstante uma decisão (5) de retenção proferida ao abrigo do artigo 13.º da Convenção da Haia, uma decisão posterior que exija o regresso do menor, proferida por um tribunal competente, tem força executória nos termos da secção 4 do capítulo III. Por força do artigo 42.º, n.º 1, que faz parte dessa secção, essa decisão posterior é reconhecida e goza de força executória noutro Estado‑Membro sem necessidade de qualquer declaração que lhe reconheça essa força e sem que seja possível contestar o seu reconhecimento, desde que essa decisão seja executória e tenha sido homologada no Estado‑Membro de origem. O Amtsgericht Oranienburg emitiu a certidão em questão, indicando que tinham sido cumpridas todas as condições necessárias à sua emissão. Uma vez que essa decisão devia ter sido executada directamente, sem nenhum processo especial de exequatur, o pedido de não reconhecimento da mesma era inadmissível.

6.        O Lietuvos apeliacinis teismas recordou também que, em 15 de Março de 2007, ordenara o regresso da menor, com base no regulamento e na Convenção. A decisão de 20 de Junho de 2007 do Amtsgericht Oranienburg devia, pois, ser directamente executada nos termos do disposto no capítulo III, secção 4, do regulamento, sem processo especial de exequatur. O Lietuvos apeliacinis teismas rejeitou o argumento de que resulta do artigo 11.°, n.° 8, do regulamento que o regresso da menor, na falta de um processo de reconhecimento da decisão judicial, só deve ser aplicado quando tenha sido proferida uma decisão judicial de retenção ao abrigo do artigo 13.° da Convenção. Segundo o Lietuvos apeliacinis teismas, a formulação «não obstante uma decisão de retenção» demonstra que, mesmo que haja essa decisão, é possível o regresso, ao abrigo das disposições do regulamento, sem aplicação do processo de reconhecimento da decisão judicial. Quando já tenha sido tomada uma decisão de regresso do menor com base na Convenção, tal decisão deve ser executada ao mesmo tempo que a decisão análoga, proferida com base no regulamento, sem processo de reconhecimento prévio (artigo 42.°, n.° 1, do regulamento).

7.        Quanto à guarda da menor, o Lietuvos apeliacinis teismas considerou que, na falta de um pedido de reconhecimento dessa parte do acórdão, o pedido de não reconhecimento não podia ser examinado.

8.        Na apreciação do recurso, colocaram‑se ao Lietuvos Aukščiausiasis Teismas algumas questões de interpretação.

9.        Primeiro, o artigo 21.º, n.º 3, do regulamento prevê que qualquer parte interessada pode requerer o reconhecimento ou o não reconhecimento da decisão. Segundo o artigo 31.º, n.º 1, a pessoa contra a qual a execução é requerida não pode apresentar quaisquer observações nesta fase. No caso vertente, foi a pessoa contra quem a decisão seria executada que apresentou o pedido de não reconhecimento, ao passo que a outra parte não apresentou nenhum pedido de reconhecimento. Nestas condições, a pessoa contra quem a decisão deverá ser executada pode pedir o seu não reconhecimento e, em caso de resposta afirmativa, como deve ser interpretado o artigo 31.º, n.º 1?

10.      Depois, segundo o artigo 40.º, n.º 2, do regulamento, o disposto na secção 4 não impede o titular da responsabilidade parental de requerer o reconhecimento e a execução de uma decisão. No caso vertente, a mãe apresentou ao Lietuvos apeliacinis teismas um pedido de não reconhecimento. É permitido um pedido desta natureza e, em caso afirmativo, o órgão jurisdicional ao qual o mesmo é apresentado deve examinar os fundamentos de não reconhecimento, com base no artigo 23.º do regulamento? Qual é o sentido da condição do artigo 21.º, n.º 3, de que é possível requerer o reconhecimento ou o não reconhecimento da decisão sem prejuízo do disposto na secção 4, que regulamenta a execução de determinadas decisões que exigem o regresso de um menor?

11.      Embora o regulamento não determine directamente o tribunal competente para apreciar a questão do regresso do menor, o seu artigo 11.°, n.° 6, dispõe que se um tribunal tiver proferido uma decisão de retenção, ao abrigo do artigo 13.° da Convenção, deve imediatamente enviar uma cópia dessa decisão ao tribunal competente do Estado‑Membro da residência habitual do menor antes da sua retenção ilícita. Daqui resulta que, no caso vertente, o tribunal alemão só podia decidir a questão do regresso da menor se o tribunal lituano decidisse a retenção desta. Se o tribunal alemão proferisse então uma decisão de regresso da menor e emitisse uma certidão, essa decisão seria directamente reconhecida e executória no outro Estado‑Membro, sem processo especial de exequatur (artigos 11.°, n.° 8, e 42.° do regulamento). Ora, uma vez que o Lietuvos apeliacinis teismas já tinha ordenado o regresso da menor, o tribunal alemão tinha competência para apreciar essa questão com base no artigo 11.° e para emitir uma certidão nos termos do artigo 42.°? A prolação da decisão de regresso da menor e a emissão da certidão estão, nesse caso, em conformidade com os objectivos e com os procedimentos do regulamento?

12.      Por último, nos termos do artigo 24.° do regulamento, os tribunais lituanos não podem controlar a competência de um tribunal alemão nem verificar se essa competência está em conformidade com a ordem pública. No entanto, o tribunal lituano ao qual foi apresentado o pedido de não reconhecimento, depois de analisar os fundamentos de não reconhecimento previstos no artigo 23.° desse regulamento, deve tomar uma decisão. Se não encontrar fundamentos de não reconhecimento, deverá então reconhecer essa decisão. Nesse caso, serão executórias na Lituânia duas decisões que ordenam o regresso da menor: a do tribunal alemão e a do Lietuvos apeliacinis teismas. Nestas condições, o tribunal nacional ao qual tiver sido apresentado o pedido de reconhecimento ou de não reconhecimento deve reconhecer a decisão de regresso, mesmo que o tribunal do Estado‑Membro de origem não tenha respeitado uma regra processual definida no regulamento?

13.      O Lietuvos Aukščiausiasis Teismas submete, pois, as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Uma parte interessada, na acepção do artigo 21.° do [regulamento], pode pedir o não reconhecimento de uma decisão judicial sem que tenha sido apresentado um pedido de reconhecimento dessa mesma decisão?

2)      Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, como deve o tribunal nacional, ao apreciar o pedido de não reconhecimento apresentado pela pessoa contra a qual a decisão é executória, aplicar o artigo 31.°, n.° 1, do [regulamento], que dispõe que ‘[...] nem a pessoa contra a qual a execução é requerida nem a criança podem apresentar quaisquer observações nesta fase do processo’?

3)      O tribunal nacional em que o titular da responsabilidade parental tenha apresentado o pedido de não reconhecimento da decisão do Estado‑Membro de origem que ordena o regresso [do menor] que com ele reside ao Estado de origem, relativamente à qual foi emitida certidão nos termos do artigo 42.° do [regulamento], deve apreciar essa decisão com base nas disposições do capítulo III, secções 1 e 2, do [regulamento], como prevê o artigo 40.°, n.° 2, do referido regulamento?

4)      Que significa a condição prevista no artigo 21.°, n.° 3, do [regulamento] ‘sem prejuízo do disposto na secção 4’?

5)      [Estão] em conformidade com os objectivos e os procedimentos do [regulamento] uma decisão de regresso do menor e a emissão da certidão prevista no artigo 42.° do [regulamento] pelo tribunal do Estado‑Membro de origem depois de o tribunal do Estado‑Membro onde o menor está ilicitamente retido ter proferido uma decisão de regresso do menor ao Estado‑Membro de origem?

6)      A proibição de controlo da competência do tribunal de origem, prevista no artigo 24.° do [regulamento], significa que o tribunal nacional ao qual tiver sido apresentado o pedido de reconhecimento ou de não reconhecimento da decisão de um tribunal estrangeiro, que não pode controlar a competência do tribunal do Estado‑Membro de origem e que não tenha encontrado outros fundamentos de não reconhecimento das decisões definidos no artigo 23.° do [regulamento], deve reconhecer a decisão de regresso do menor proferida pelo tribunal do Estado‑Membro de origem se esse tribunal não tiver respeitado o processo definido no [regulamento] para decidir a questão do regresso do menor?»

14.      Uma vez que o Tribunal de Justiça decidiu submeter o processo à tramitação urgente regida pelo artigo 104.º‑B do seu Regulamento de Processo, foram apresentadas observações escritas pela mãe, pelo pai, pelo Governo lituano e pela Comissão das Comunidades Europeias, únicas partes com legitimidade para participar no processo, nesta fase. As mesmas partes e os Governos alemão, francês, letão, neerlandês e do Reino Unido participaram na audiência realizada em 26 e 27 de Junho de 2008.

 Análise

 Objectivos e princípios da Convenção e do regulamento

15.      O relatório Pérez‑Vera sobre a Convenção resume os objectivos desta, expressos no seu artigo 1.º, da seguinte forma: «dado que um factor característico das situações consideradas consiste em que aquele que desloca ou retém ilicitamente o menor pretende que a sua acção seja legalizada pelas autoridades competentes do Estado de refúgio, um meio eficaz de o dissuadir é privar as suas acções de qualquer consequência prática e jurídica. Para o concretizar, a Convenção consagra, em primeiro lugar, entre os seus objectivos o restabelecimento do status quo, mediante ‘o regresso imediato das crianças ilicitamente transferidas para qualquer Estado Contratante ou nele retidas indevidamente’» (6).

16.      Resulta claramente do preâmbulo do regulamento, nomeadamente do décimo sétimo, vigésimo primeiro, vigésimo terceiro e vigésimo quarto considerandos, bem como do disposto no artigo 11.º, que aquele partilha do mesmo objectivo de assegurar, em princípio e salvo circunstâncias excepcionais, o regresso rápido e automático do menor para o Estado‑Membro de que foi deslocado e onde tinha a sua residência habitual antes de ser deslocado (7).

17.      Além disso, resulta nomeadamente do décimo segundo e décimo sétimo considerandos e do disposto nos artigos 8.º, 10.º e 11.º que o regulamento pretende também atribuir aos tribunais desse mesmo Estado‑Membro a competência para decidir do mérito de questões sobre a guarda e a visita e manter essa competência, ao mesmo tempo que confirma o papel dos tribunais do Estado‑Membro para o qual o menor foi deslocado, no que respeita ao seu regresso.

18.      Um princípio que subjaz a todo o regulamento é o da cooperação e da confiança mútua entre os tribunais e as autoridades dos Estados‑Membros, o que implica, em princípio, o reconhecimento e execução automáticos das decisões dos tribunais do Estado‑Membro da residência habitual do menor (8) (v., em especial, décimo oitavo, vigésimo primeiro, vigésimo terceiro e vigésimo quinto considerandos e artigos 21.º, 24.º, 26.º e 42.º).

19.      A importância fundamental deste princípio foi posta em destaque na audiência, quando o advogado da mãe sugeriu que os tribunais lituanos podiam considerar que não era garantida a objectividade dos tribunais alemães num litígio entre um pai alemão e uma mãe lituana. É manifesto que admitir a recusa do reconhecimento com base nessas dúvidas (quer sejam ou não efectivamente sentidas pelos tribunais lituanos) aniquilaria todo o sistema pretendido pelo regulamento. Isso seria também totalmente incompatível com o objectivo de criar um espaço de liberdade, de segurança e de justiça, subscrito por todos os Estados‑Membros nos Tratados.

20.      Por último, o princípio mais importante que rege quer a Convenção quer o regulamento é, sem dúvida nenhuma, o da protecção do superior interesse do menor (v., em especial, preâmbulo da Convenção e décimo segundo e décimo terceiro considerandos, bem como artigos 12.º, 15.º e 23.º do regulamento; v., também, artigo 3.º da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança (9) e artigo 24.º, n.º 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (10)).

21.      Este princípio foi também vigorosamente invocado na audiência e só posso concordar com a afirmação de que o superior interesse do menor tem efectivamente de prevalecer em todos os casos.

22.      Porém, gostaria de mitigar esta afirmação, no que toca ao regresso do menor ao Estado‑Membro da sua residência habitual. É manifesto que a Convenção e o regulamento se baseiam no princípio de que, em caso de deslocação ou retenção ilícita de um menor, o superior interesse deste efectivamente exige sempre esse regresso, excepto apenas nalgumas circunstâncias bem determinadas, expostas nos artigos 13.º e 20.º da Convenção [em conjugação, quanto ao artigo 13.º, alínea b), com o artigo 11.º, n.º 4, do regulamento]. Isto parece‑me perfeitamente coerente e até necessário. O menor não pode ter qualquer interesse em ser arrastado de Estado‑Membro em Estado‑Membro por um progenitor em busca do tribunal que supõe ser mais propenso a dar‑lhe razão. Permito‑me acrescentar que o regresso do menor ao Estado‑Membro da sua residência habitual não implica necessariamente o seu regresso para junto do progenitor abandonado e a sua separação do progenitor que o reteve ou o deslocou ilicitamente. Estas são questões distintas, a ser decididas pelo tribunal competente, que deve levar em conta todos os aspectos afectivos, psicológicos e materiais da situação e dar prevalência, na sua decisão, ao superior interesse do menor.

23.      É, pois, sobretudo à luz destes objectivos e princípios que, em meu entender, a Convenção tem de ser interpretada.

24.      Porém, não se pode deixar de observar que, no caso vertente, o objectivo fundamental de privar a acção do progenitor que desloca ou retém ilicitamente o menor de toda e qualquer consequência prática e jurídica, mediante a garantia do imediato e efectivo regresso do menor, está muito longe de ser alcançado.

25.      Embora não seja possível, a partir das informações de que o Tribunal de Justiça dispõe, identificar com precisão e certeza todos os factores que contribuíram para essa situação, parece‑me, em todo o caso, que a cooperação entre tribunais e autoridades centrais pretendida pela Convenção e pelo regulamento não funcionou da forma ideal. Por outro lado, retrospectivamente, parece claro que o resultado pretendido pela Convenção e pelo regulamento não teria sido contrariado da mesma forma se o pai tivesse recorrido directamente ao Amtsgericht Oranienburg a partir do momento em que o Klaipėdos apygardos teismas proferiu a sua decisão de retenção (11).

26.      Seja como for, parece‑me útil, antes de tentar responder às questões submetidas pelo Lietuvos Aukščiausiasis Teismas, examinar o decurso do processo à luz das disposições relevantes da Convenção e do regulamento.

 Decurso do processo, examinado à luz das disposições relevantes

27.      Antes de mais, é incontestado e incontestável que os tribunais alemães tinham competência para conhecer da acção de divórcio, por força do artigo 3.º, n.º 1, alínea a), do regulamento, uma vez que todos os requisitos de residência enumerados nessa disposição estavam cumpridos à data da propositura da acção.

28.      Depois, parece ser ponto assente que, de facto, se verificou uma «retenção ilícita» da menor, na acepção da Convenção (artigo 3.º) e do regulamento (artigo 2.º, n.° 11). No momento em que a mãe declarou a sua intenção de não regressar à Alemanha com a menor, a guarda era, de facto, exercida conjuntamente pelos dois progenitores, nos termos do direito alemão, e o pai apenas tinha dado o seu consentimento para uma viagem de duas semanas à Lituânia.

29.      Deste modo, uma vez que não se verificavam as condições para a transferência da competência previstas no artigo 10.º do regulamento, a competência, atribuída pelo artigo 8.º, para conhecer de todas as questões relativas à responsabilidade parental continuava a ser dos tribunais do Estado‑Membro da residência habitual da menor imediatamente antes da retenção ilícita, isto é, a Alemanha. Por uma lógica incontornável – confirmada, se necessário for, pelo artigo 12.º, n.º 1, do regulamento –, o tribunal competente é, mais precisamente, aquele em que estava pendente a acção de divórcio, isto é, o Amtsgericht Oranienburg.

30.      A menor devia ter regressado à Alemanha em 6 de Agosto de 2006. Quando a mãe anunciou a sua intenção de permanecer na Lituânia com a menor, o pai recorreu inicialmente ao tribunal competente em matéria de responsabilidade parental (o Amtsgericht Oranienburg), que, em 14 de Agosto de 2006, lhe atribuiu provisoriamente a guarda exclusiva. A mãe interpôs recurso, mas essa atribuição foi confirmada pelo Brandenburgisches Oberlandesgericht em 11 de Outubro do mesmo ano.

31.      Pode‑se notar agora que, por força do artigo 21.º, n.º 1, do regulamento, essa atribuição provisória da guarda devia ser reconhecida na Lituânia «sem quaisquer formalidades», mas que, ao abrigo do n.º 3 do mesmo artigo, o pai tinha a faculdade de requerer o reconhecimento e a mãe a de requerer o não reconhecimento da decisão, «nos termos dos procedimentos previstos na secção 2». No entanto, nenhuma dessas diligências foi efectuada.

32.      Seguidamente, em 30 de Outubro de 2006, com fundamento, essencialmente, no artigo 12.º da Convenção, o pai requereu ao tribunal lituano competente (no caso vertente, o Klaipėdos apygardos teismas) que ordenasse o regresso do menor. Permito‑me assinalar aqui que, ainda que o pai só tenha efectuado essa diligência depois de a guarda exclusiva lhe ter sido atribuída e confirmada em sede de recurso, nada o impedia de fazer esse requerimento logo que a retenção da menor se concretizou.

33.      Uma vez apresentado o requerimento ao tribunal lituano, este era obrigado, em princípio, a ordenar o regresso da menor, uma vez que ainda não tinha decorrido o período de um ano previsto no artigo 12.º da Convenção. Também devia ter proferido a sua decisão nas seis semanas seguintes à apresentação do requerimento (artigo 11.º, n.º 3, do regulamento). Os fundamentos pelos quais podia recusar o regresso limitavam‑se aos enumerados no artigo 13.º da Convenção, completado pelo artigo 11.º, n.os 4 e 5, do regulamento, e no artigo 20.º da Convenção.

34.      No caso vertente, o tribunal lituano proferiu a sua decisão – de recusa do regresso – em 22 de Dezembro de 2006, pouco mais de sete semanas após lhe ter sido apresentado o requerimento (12).

35.      Nessa fase, esse tribunal devia, por força do artigo 11.º, n.º 6, do regulamento, ter transmitido imediatamente uma cópia da sua decisão e documentos relevantes ao tribunal competente ou à autoridade central da Alemanha, de modo a que o tribunal alemão os recebesse no prazo de um mês. Segundo as explicações dadas na audiência, na realidade foi o advogado do pai que notificou primeiro a decisão à autoridade central alemã, tendo sido posteriormente enviada uma tradução, pela autoridade central lituana.

36.      Seguidamente, o Amtsgericht Oranienburg podia, a pedido do pai, ter ordenado o regresso da menor, ao abrigo do artigo 11.º, n.º 8, do regulamento. Esse tribunal teria tido então a última palavra. Se, após ter apreciado a questão da guarda de acordo com o artigo 11.º, n.º 7, tivesse ordenado o regresso e emitido uma certidão da sua decisão nos termos do artigo 42.º do regulamento, essa decisão seria executória na Lituânia, nas condições previstas nos artigos 42.º a 45.º

37.      Porém, em vez de usar dessa possibilidade, o pai recorreu da decisão de retenção para o Lietuvos apeliacinis teismas, o qual, em 15 de Março de 2007, anulou a decisão e ordenou o regresso da menor no prazo de um mês (13).

38.      Parece que esta última decisão devia ter sido executada no prazo fixado, pois resulta do acórdão do Lietuvos Aukščiausiasis Teismas de 7 de Janeiro de 2008 que o artigo 2.º, n.º 6, da lei lituana que dá execução ao regulamento proíbe expressamente o recurso de cassação. Ademais, a sua execução imediata estaria em consonância com os objectivos fundamentais da Convenção e do regulamento.

39.      No entanto, na sequência do requerimento de reabertura do processo apresentado pela mãe e das vicissitudes processuais que se lhe seguiram, isso não sucedeu, situação que actualmente se mantém. Pelo contrário, a execução da decisão do Lietuvos apeliacinis teismas foi suspensa várias vezes, inclusivamente pelo Lietuvos Aukščiausiasis Teismas – não obstante esse mesmo tribunal (14) ter decidido, no acórdão que autorizou a reabertura, que essa suspensão não era possível.

40.      Ainda que a execução de uma decisão de um tribunal de um Estado‑Membro no seu próprio território seja da esfera do direito interno, só se pode concluir, nesta fase, que a situação resultante dessas suspensões sucessivas – o facto de, quase dois anos após a retenção e mais de quinze meses após a prolação da decisão que ordenou o seu regresso, a menor ainda não ter regressado à Alemanha – é totalmente incompatível com os objectivos fundamentais da Convenção e do regulamento.

41.      Passo agora ao acórdão do Amtsgericht Oranienburg de 20 de Junho de 2007 que decretou o divórcio, atribuiu definitivamente a guarda exclusiva ao pai e ordenou (ainda) o regresso da menor (acórdão confirmado em 17 de Fevereiro de 2008 pelo Brandenburgisches Oberlandesgericht). Esse acórdão foi certificado nos termos do artigo 42.º do regulamento, o que implica, normalmente, que o regresso «é reconhecido e goza de força executória» na Lituânia, «sem necessidade de qualquer declaração que lhe reconheça essa força e sem que seja possível contestar o seu reconhecimento».

42.      Verifico que a certidão que acompanha essa decisão utiliza o formulário previsto e contém todas as informações e declarações exigidas, e que a própria decisão indica, em consonância com o artigo 42.º, n.º 2, do regulamento, a) que não foi considerado adequado ouvir a menor, atendendo à sua idade; b) que as partes tiveram oportunidade de ser ouvidas (a mãe não compareceu, mas fez‑se representar (15)); e c) que os fundamentos para a retenção indicados pelo Klaipėdos apygardos teismas no seu despacho de retenção (despacho de 22 de Dezembro de 2006, hoje anulado, sob reserva da reabertura do processo) foram apreciados e rejeitados. Deste modo, ainda que o procedimento de transmissão previsto no artigo 11.º, n.º 6, do regulamento não tenha sido formalmente respeitado em todos os seus detalhes, o objectivo com o mesmo pretendido foi plenamente alcançado, e resulta claramente da decisão do Amtsgericht Oranienburg de 20 de Junho de 2007, e do acórdão do Brandenburgisches Oberlandesgericht de 20 de Fevereiro de 2008 que negou provimento ao recurso interposto pela mãe, que esses dois tribunais decidiram com pleno conhecimento de causa.

43.      Face ao disposto no regulamento, o estatuto dessa decisão e da certidão que a acompanha suscita dúvidas ao órgão jurisdicional de reenvio, expressas na sua quinta questão. Parece‑me útil abordar primeiro essa questão, pois parece-me ser a mais central e a sua solução poderá indicar a resposta a várias outras questões.

 Quinta questão

44.      Com esta questão, o Lietuvos Aukščiausiasis Teismas pretende essencialmente saber se, nas circunstâncias processuais do caso vertente, o disposto no regulamento permitia ao tribunal alemão ordenar o regresso da menor e emitir a certidão a que se refere o seu artigo 42.º

45.      A meu ver, há que começar por distinguir os dois aspectos: despacho que ordena o regresso e certificação do despacho que ordena o regresso.

 Despacho que ordena o regresso

46.      Quanto à competência do tribunal do Estado‑Membro da residência habitual para ordenar o regresso do menor, é necessário distinguir a seguir dois fundamentos possíveis para a competência: o artigo 8.º do regulamento (em conjugação com o artigo 10.º e, se for caso disso, o artigo 12.º, n.º 1) e o artigo 11.º do regulamento, nomeadamente o seu n.º 8 (em conjugação com o disposto na Convenção).

47.      Verificou‑se, na audiência, que os Estados‑Membros e a Comissão têm entendimentos muito divergentes, senão mesmo diametralmente opostos, quanto ao sentido dessas disposições. Por um lado, há a interpretação segundo a qual, inicialmente, só os tribunais do Estado‑Membro onde o menor se encontra têm competência, no âmbito da Convenção e do artigo 11.º do regulamento, para ordenar o regresso daquele, e que essa competência só pode ser exercida pelos tribunais do Estado‑Membro da residência habitual se e a partir do momento em que houver uma decisão de retenção definitiva e executória de um tribunal do Estado‑Membro onde o menor se encontra. Por outro, há o ponto de vista de que os tribunais do Estado‑Membro da residência habitual gozam igualmente, a todo o tempo, da competência para ordenar o regresso do menor, ou ao abrigo do artigo 8.º do regulamento (em conjugação com o artigo 10.º), ou no âmbito da Convenção e do artigo 11.º do regulamento (16).

48.      Face a estas divergências de interpretação, parece‑me essencial que o Tribunal de Justiça tome uma decisão muito clara sobre este aspecto do regulamento.

49.      Por meu lado, afasto desde já a hipótese de que os tribunais do Estado‑Membro onde o menor se encontra gozam de competência exclusiva até proferirem uma decisão de retenção.

50.      É certo que o artigo 12.º da Convenção pressupõe que é a esses tribunais que é pedida uma decisão de retenção; com efeito, parece lógico que se recorra primeiro àqueles, pois a sua decisão não carece, em momento algum, de um processo de exequatur para ser executada. Também é verdade que a redacção do artigo 11.º permite pensar que se pressupõe que seja proferida primeiro uma decisão no Estado‑Membro onde o menor se encontra.

51.      Porém, recordo que a Convenção não contém nenhuma regra de competência e noto que nenhuma disposição do regulamento restringe expressamente a competência para ordenar o regresso do menor aos tribunais do Estado‑Membro onde este se encontra. Esta competência é, pois, inegável, mas nada exige que seja exclusiva.

52.      Por outro lado, a competência geral em matéria de responsabilidade parental inclui necessariamente a competência para ordenar o regresso do menor deslocado ou retido ilicitamente.

53.      Com efeito, de acordo com o artigo 2.º, n.° 7, do regulamento, a responsabilidade parental compreende, nomeadamente, o direito de guarda e, de acordo com o n.° 9 do mesmo artigo, o direito de guarda compreende, em particular, o direito de decidir sobre o lugar de residência do menor. A secção 2 do capítulo II tem por epígrafe «Responsabilidade parental» e compreende, nomeadamente, o artigo 11.º, intitulado «Regresso da criança». Ademais, do facto de o artigo 10.º, alínea b), iv), referir que «os tribunais do Estado‑Membro da residência habitual da criança imediatamente antes da deslocação ou retenção ilícitas […] profer[em] uma decisão sobre a guarda que não determine o regresso da criança» (17), há que deduzir que os mesmos tribunais podem também proferir uma decisão sobre a guarda que determine o regresso do menor. Por último, se um tribunal é competente, por força do artigo 8.º ou do artigo 12.º do regulamento, para decidir de todas as questões relativas à responsabilidade parental, e portanto à guarda (em conexão, se for caso disso, com um pedido de divórcio), é inconcebível que essa competência não inclua o poder de assegurar a efectiva presença do menor junto da pessoa a quem foi atribuída a guarda. E esse poder deve incluir, por sua vez, o de tomar todas as medidas provisórias que se revelem necessárias no decurso do processo. Impedir o tribunal competente em matéria de responsabilidade parental de ordenar o regresso do menor equivaleria a privá‑lo de qualquer competência efectiva para decidir da guarda provisória ou definitiva.

54.      Chego assim à conclusão de que, à partida, em caso de deslocação ou retenção ilícita de um menor, a prolação de uma decisão em que seja ordenado o seu regresso pode ser requerida ao tribunal competente do Estado‑Membro em que aquele se encontra, ou ao tribunal competente do Estado‑Membro da sua residência habitual ou mesmo ao tribunal competente chamado a decidir de um pedido de divórcio, de separação ou de anulação do casamento, se este último se encontrar num terceiro Estado‑Membro (18).

55.      Em contrapartida, os efeitos da decisão proferida podem divergir consoante o tribunal escolhido.

56.      Se a decisão determinar o regresso do menor, a mesma será, por hipótese, exequível no Estado‑Membro onde o menor se encontra, se for proferida por um tribunal desse Estado. Se for proferida por um tribunal de outro Estado‑Membro, será reconhecida no Estado‑Membro onde o menor se encontra, por força do artigo 21.º, n.º 1, do regulamento, sem quaisquer formalidades (sob reserva da possibilidade de, ao abrigo do artigo 21.º, n.º 3, ser requerido o não reconhecimento com um dos fundamentos exaustivamente enumerados no artigo 23.º), mas a sua execução carece de uma declaração de executoriedade, requerida segundo os procedimentos previstos no capítulo III, secção 2, do regulamento (a saber, os artigos 28.º a 36.º). Isto porque as únicas decisões que gozam de executoriedade noutro Estado‑Membro sem essa declaração são as proferidas ao abrigo do artigo 11.º, n.º 8, do regulamento (isto é, após uma primeira decisão de retenção proferida ao abrigo do artigo 13.º da Convenção) e certificadas nos termos do artigo 42.º, n.º 2, do regulamento.

57.      Se a decisão não determinar o regresso do menor e for proferida por um tribunal de um Estado‑Membro diverso daquele onde o menor se encontra, não se procurará, como é obvio, obter o seu reconhecimento ou executá‑la em qualquer Estado que seja, mas evidentemente que se manterão as vias de recurso, no direito nacional, contra a decisão.

58.      Se, em contrapartida, for proferida uma decisão de retenção por um tribunal competente do Estado‑Membro onde o menor se encontra, então entra em funcionamento o mecanismo do artigo 11.º, n.os 6 a 8, do regulamento: notificação da decisão ao tribunal competente do Estado‑Membro da residência habitual, convocação das partes por este e apreciação da questão da guarda e, finalmente, possibilidade de esse tribunal tomar a decisão de ordenar o regresso do menor, decisão essa que, em qualquer outro Estado‑Membro, é imediatamente exequível e insusceptível de oposição, se tiver sido certificada nos termos do artigo 42.º, n.º 2.

59.      Deste modo, o tribunal competente do Estado‑Membro da residência habitual do menor pode, ao abrigo da competência que desde logo lhe é atribuída pelos artigos 8.º, 10.º e, eventualmente, 12.º do regulamento, ordenar o regresso do menor, nos termos do artigo 11.º, n.º 8, se tiver sido proferida uma decisão de retenção nos termos do artigo 13.º da Convenção. Neste caso, a sua decisão não carece de declaração de executoriedade segundo o procedimento estabelecido na secção 2 do capítulo III.

60.      Porém, a questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio não pressupõe a existência prévia de uma decisão de retenção nos termos do artigo 13.º da Convenção, mas de uma ordem de regresso proferida ao abrigo do seu artigo 12.º, por um tribunal competente do Estado‑Membro onde o menor se encontra. Num caso desses, o tribunal competente do Estado‑Membro da residência habitual pode também ordenar o regresso do menor?

61.      É claro que uma questão destas só se pode colocar em circunstâncias extraordinárias, como as do caso vertente. É evidente que, em qualquer situação normalmente concebível, o menor é levado de volta ao Estado‑Membro da sua residência habitual após a prolação da primeira decisão de regresso, tanto mais que o prazo muito estrito para proferir a decisão não é propício à interposição de recurso (19). Assim, é inteiramente compreensível, como o Governo neerlandês observou na audiência, que o legislador não tenha previsto expressamente no regulamento a situação pouco provável com que agora nos defrontamos.

62.      Não obstante, procurarei nas disposições do regulamento, interpretadas em conformidade com os seus objectivos fundamentais, uma resposta a essa situação.

63.      Primeiro, pode‑se consultar o artigo 19.º do regulamento, que diz respeito à litispendência. Segundo os seus n.os 2 e 3, quando são instauradas em tribunais de Estados-Membros diferentes acções relativas à responsabilidade parental, que tenham o mesmo pedido e a mesma causa de pedir, o tribunal em que o processo foi instaurado em segundo lugar suspende oficiosamente a instância até que seja estabelecida a competência do tribunal em que o processo foi instaurado em primeiro lugar. Quando estiver estabelecida essa competência, o tribunal em que o processo foi instaurado em segundo lugar declara‑se incompetente a favor do tribunal em que o processo foi instaurado em primeiro lugar. Daqui concluo que, num caso normal, enquanto corre termos, no Estado‑Membro onde o menor se encontra, um processo para obter uma decisão de regresso, o tribunal do Estado‑Membro da residência habitual não deve apreciar essa mesma questão. Porque se aplica o prazo de seis semanas imposto pelo artigo 11.º, n.º 3, esse resultado não retarda, de modo algum, o procedimento de regresso, ao passo que a tramitação simultânea de dois procedimentos com o mesmo objecto poderia dar origem a complicações.

64.      Porém, a partir do momento em que o tribunal do Estado‑Membro onde o menor se encontra profere a sua decisão, deixa de se verificar a litispendência e, portanto, deixa de haver obstáculos ao exercício da competência do tribunal do Estado‑Membro da residência habitual. Esta competência é expressamente confirmada no artigo 11.º, n.º 8, do regulamento, no caso de uma primeira decisão de retenção, e não há nenhum motivo para excluir essa competência (atribuída pelos artigos 8.º e 10.º), no caso de uma primeira decisão que ordena o regresso do menor. A única diferença, neste caso, é que não se aplicam as disposições especiais do artigo 11.º, n.º 8, e, na prática, uma segunda ordem de regresso será, em regra, supérflua.

65.      Permito‑me acrescentar, sem necessariamente seguir a sugestão da Comissão de que se o tribunal do Estado‑Membro onde o menor se encontra não tiver tomado uma decisão num determinado prazo se está, de facto, perante uma decisão de retenção susceptível de desencadear a aplicação do artigo 11.º, n.º 8, que penso que a regra sobre litispendência constante do artigo 19.º deve ser lida sob reserva do prazo de seis semanas imposto pelo artigo 11.º, n.º 3, e que qualquer ultrapassagem desse prazo pode também afastar o obstáculo ao exercício, ao abrigo dos artigos 8.º e 10.º, da competência do tribunal do Estado‑Membro da residência habitual.

66.      Consequentemente, para resumir a minha análise desta parte da quinta questão, a prolação de uma decisão de regresso do menor pelo tribunal do Estado‑Membro da residência habitual depois de o tribunal do Estado‑Membro onde o menor se encontra ter proferido uma decisão de regresso não é de modo algum incompatível com os objectivos e procedimentos do regulamento.

 Certificação da decisão

67.      O órgão jurisdicional de reenvio pergunta‑nos igualmente se, uma vez proferida essa decisão, a emissão da certidão a que se refere o artigo 42.º do regulamento está em conformidade com os mesmos objectivos e procedimentos.

68.      A resposta a esta parte da questão é mais fácil, pelo menos em abstracto. A certidão em questão é emitida apenas e só se a decisão tiver sido proferida nas circunstâncias referidas no artigo 11.º, n.º 8, do regulamento [o artigo 42.º remete para o artigo 40.º, n.º 1, alínea b), que, por sua vez, remete para o artigo 11.º, n.º 8]. A prolação de uma decisão de regresso nessas circunstâncias pressupõe que tenha sido proferida, anteriormente, uma decisão de retenção ao abrigo do artigo 13.º das Convenção. É certo que, vista isoladamente, a formulação «[n]ão obstante uma decisão de retenção, proferida ao abrigo do artigo 13.° da Convenção» (o sublinhado é meu) poderia ser interpretada no sentido «quer essa decisão tenha sido proferida quer não» (20). Porém, uma leitura sistemática dos n.os 6 a 8 do artigo 11.º exclui essa interpretação. Por outro lado, a certidão a que se refere o artigo 42.º só pode ser emitida, nomeadamente, se o tribunal, ao pronunciar-se, tiver tido em conta a justificação e as provas em que assentava a decisão pronunciada ao abrigo do artigo 13.º da Convenção [artigo 42.º, n.º 2, alínea c)].

69.      Daqui concluo que, em princípio, a emissão da certidão a que se refere o artigo 42.º do regulamento pelo tribunal do Estado‑Membro da residência habitual do menor, relativamente a uma decisão de regresso proferida por esse tribunal depois de o próprio tribunal do Estado‑Membro onde o menor se encontra ter proferido uma decisão de regresso, não está em conformidade com os procedimentos do regulamento.

 Competência para emitir a certidão a que se refere o artigo 42.º, no caso vertente

70.      A formulação da quinta questão prejudicial omite, porém, um elemento do caso vertente que não pode ser ignorado se se pretender dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio.

71.      Com efeito, a decisão do Amtsgericht Oranienburg de 20 de Junho de 2007, que é a decisão impugnada no processo relevante, foi de facto precedida pela do Lietuvos apeliacinis teismas de 15 de Março de 2007 que também ordena o regresso da menor, mas também foi precedida pela do Klaipėdos apygardos teismas de 22 de Dezembro de 2006, que era verdadeiramente uma «decisão de retenção, proferida ao abrigo do artigo 13.° da Convenção», na acepção do artigo 11.º, n.º 8, do regulamento.

72.      Esta circunstância pode afectar a compatibilidade, com o regulamento, da certidão emitida pelo Amtsgericht Oranienburg relativamente à sua decisão? Por outras palavras, o Amtsgericht Oranienburg podia considerar que estavam cumpridas as condições para a aplicação do artigo 11.º, n.os 6 a 8?

73.      Na audiência, verificou‑se que a maioria dos Estados‑Membros que apresentaram observações entendiam que a resposta devia ser negativa – só uma decisão de retenção definitiva, executória e transitada em julgado poderia desencadear a aplicação dessas disposições. Ora, no caso vertente, a decisão do Klaipėdos apygardos teismas de 22 de Dezembro de 2006 não só foi alvo de um recurso mas também anulada antes da prolação da decisão do Amtsgericht Oranienburg de 20 de Junho de 2007. Acresce que nos foi afirmado que a decisão de 22 de Dezembro de 2006 não foi executória em momento nenhum.

74.      Não partilho esta análise.

75.      O artigo 11.º utiliza as palavras «o tribunal deve pronunciar‑se» (n.º 3, segundo período), «[s]e um tribunal tiver proferido uma decisão de retenção» (n.º 6) e «[n]ão obstante uma decisão de retenção, proferida ao abrigo do artigo 13.º da Convenção» (n.º 8) (21). Noutras disposições, quando o regulamento pretende especificar a executoriedade de uma decisão, fá‑lo expressamente (v., nomeadamente, artigos 28.º, 36.º e 44.º). Porém, nenhum elemento do texto do artigo 11.º indica que a decisão de retenção tenha de ser executória, ou mesmo de estar em vigor, no momento em que o tribunal do Estado‑Membro da residência habitual profere uma decisão no contexto do artigo 11.º, n.º 8 (22).

76.      Pelo contrário, esse texto parece até desinteressar‑se do ulterior destino dessa decisão. Não considera, expressa ou implicitamente, nenhum processo de recurso no Estado‑Membro onde o menor se encontra. O n.º 6 impõe ao tribunal que a proferiu que envie imediatamente a decisão e qualquer outro documento relevante às autoridades do Estado‑Membro da residência habitual, de modo a que sejam recebidos pelo tribunal competente desse Estado no prazo imperativo de um mês a contar da data da decisão de retenção. Essa notificação desencadeia, segundo o n.º 7, um novo prazo de três meses para as partes apresentarem as suas observações, para que o tribunal do Estado‑Membro da residência habitual aprecie a questão da guarda, o que lhe permitirá ordenar o regresso do menor nos termos previstos no n.º 8, com a plena executoriedade determinada pelo artigo 42.º, se for emitida uma certidão.

77.      Esta cadeia de deveres e diligências forma um todo e entra em funcionamento automaticamente a partir do momento em que é proferida a decisão de retenção. O único factor previsto que pode interrompê‑la é a não recepção de observações das partes pelo tribunal do Estado‑Membro da residência habitual (n.º 7, segundo parágrafo), o que equivale à desistência por parte do progenitor abandonado.

78.      Se uma decisão de retenção proferida pelo tribunal do Estado‑Membro onde o menor se encontra for subsequentemente infirmada por um tribunal superior, isso em nada altera os elementos essenciais, a saber: a) essa decisão foi proferida; b) o menor ainda não foi restituído; c) o tempo passa; e d) o tribunal do Estado‑Membro da residência habitual continua a ser o único competente para decidir da guarda do menor, o que implica necessariamente o poder de assegurar, inclusivamente mediante medida provisória, a efectiva presença do menor junto da pessoa a quem foi atribuída a guarda.

79.      É inteiramente coerente com os objectivos e sistemática do regulamento, no que respeita aos casos de deslocação ou retenção ilícitas de menores, interpretar os n.os 6 a 8 do artigo 11.º no sentido de que se aplicam independente de poder ser interposto recurso da decisão inicial de retenção, no Estado‑Membro em que esta foi proferida. O objectivo dessas disposições é transferir a responsabilidade definitiva para decidir do regresso do menor para o tribunal competente para decidir, quer provisória quer definitivamente, da guarda (o que implica necessariamente o poder de assegurar a presença efectiva do menor junto da pessoa a quem a guarda é atribuída), e isso no mais curto prazo possível, para que a decisão definitiva sobre o regresso seja tomada o mais rapidamente possível.

80.      Esta interpretação tão‑pouco lesa os direitos ou interesses processuais das partes. O progenitor que desloca ou retém ilicitamente o menor não tem nenhum interesse em impugnar uma decisão de retenção no Estado‑Membro onde o menor se encontra e, em regra, o progenitor abandonado está melhor posicionado para apresentar os seus argumentos no tribunal da residência habitual do menor.

81.      Em contrapartida, a interpretação inversa introduziria necessariamente demoras adicionais no procedimento do regresso do menor, cuja rapidez é uma das exigências primordiais quer da Convenção quer do regulamento. Em casos extremos, como vemos no caso vertente, aquela poderia permitir protelamentos aparentemente intermináveis que comprometeriam irremediavelmente a correcta aplicação desse dois instrumentos.

82.      Em meu entender, a letra do regulamento não nos obriga a interpretá‑lo nesse sentido e essa interpretação seria contrária a um dos seus principais objectivos.

83.      Consequentemente, no caso vertente, a ulterior anulação da decisão do Klaipėdos apygardos teismas de 22 de Dezembro de 2006 pelo Lietuvos apeliacinis teismas, em 15 de Março de 2007, não impediu, de modo nenhum, o Amtsgericht Oranienburg de decidir, em 20 de Junho de 2007, o regresso do menor, conforme previsto no artigo 11.º, n.º 8, do regulamento.

84.      Daqui se conclui que esse tribunal era competente para emitir a certidão prevista no artigo 42.º, o que implica que a sua decisão, devidamente certificada, era executória na Lituânia «sem necessidade de qualquer declaração que lhe reconhe[cesse] […] força [executória] e sem que [fosse] possível contestar o seu reconhecimento».

85.      Para responder a uma preocupação manifestada pela mãe e veiculada pelo órgão jurisdicional de reenvio, sobre a relação entre a decisão do Lietuvos apeliacinis teismas de 15 de Março de 2007 e a do Amtsgericht Oranienburg de 20 de Junho de 2007, as quais determinam o regresso do menor, começo por referir que duas decisões com o mesmo alcance normalmente não interferem uma com a outra. Se, todavia, essa situação levantar um problema no direito processual do Estado‑Membro onde o menor se encontra, haverá que adaptar as disposições relevantes ou interpretá‑las e aplicá‑las em conformidade com a finalidade do regulamento. E se as duas decisões previrem regras diferentes para o regresso, prevalecerá a do tribunal da residência habitual do menor, pois é a esse tribunal que compete decidir todas as questões relativas à responsabilidade parental. Por outro lado, nem a Convenção nem o regulamento prevêem que o tribunal do Estado‑Membro onde o menor se encontra imponha condições na sua decisão. O seu papel limita‑se a assegurar (na medida em que sejam rejeitados os fundamentos de recusa constantes dos artigos 13.º e 20.º da Convenção) o regresso do menor para o Estado‑Membro da sua residência habitual, cujas autoridades e tribunais competentes tomarão as medidas necessárias para assegurar o bem‑estar do menor e o respeito dos seus interesses.

 Possibilidade de o tribunal do Estado‑Membro onde o menor se encontra apreciar a validade de um certificado emitido nos termos do artigo 42.º

86.      Resta um último aspecto desta questão, debatido nas observações escritas e na audiência, mas que, se o Tribunal de Justiça seguir a minha análise, não tem repercussões no caso vertente: se o tribunal do Estado‑Membro da residência habitual ordenar o regresso do menor e certificar a sua decisão nos termos do artigo 42.º, n.º 2, do regulamento, quando não tinha competência para o fazer, uma vez que não era cumprida a condição da existência de uma decisão de retenção anterior, proferida pelo tribunal do Estado‑Membro onde o menor se encontra, este último tribunal pode verificar essa competência e, se for caso disso, não reconhecer a validade da certidão?

87.      Em meu entender, a resposta deve ser negativa.

88.      Antes de mais, é manifesto que o regulamento não prevê nenhuma verificação dessa natureza. Pelo contrário, o facto de, quando tenha sido emitida uma certidão nos termos do artigo 42.º, n.º 2, a decisão «[ser] reconhecid[a] e goza[r] de força executória noutro Estado‑Membro sem necessidade de qualquer declaração que lhe reconheça essa força e sem que seja possível contestar o seu reconhecimento» exclui expressamente semelhante fiscalização.

89.      Semelhante exclusão está em consonância com o objectivo de assegurar que a decisão proferida nas circunstâncias do artigo 11.º, n.º 8, seja definitiva (recordo que, à data em que essa decisão é proferida, o prazo‑regra de seis semanas previsto no artigo 11.º, n.º 3, já foi necessariamente ultrapassado há muito tempo) e com o princípio da confiança e do reconhecimento mútuos entre os tribunais dos Estados‑Membros.

90.      Este resultado também não interfere com os direitos do progenitor que desloca ou retém ilicitamente o menor.

91.      Em primeiro lugar, o artigo 42.º estabelece várias garantias processuais antes de o tribunal do Estado‑Membro de origem poder emitir semelhante certidão.

92.      Em segundo lugar, ainda que o artigo 43.º exclua qualquer recurso da emissão da certidão propriamente dita, o progenitor que deslocou ou reteve ilicitamente o menor pode sempre interpor (segundo as regras processuais do Estado‑Membro de origem) recurso da própria decisão certificada. Se o tribunal de recurso lhe der razão – por exemplo, com o fundamento de que não foram levados em conta os elementos a que se referem os n.os 6 e 7 do artigo 11.º – , revoga a decisão e, consequentemente, priva a certidão de efeitos.

93.      Por outro lado, o próprio regulamento prevê que «[a] certidão só produz efeitos nos limites do carácter executório da decisão» (artigo 44.°). Ademais, o artigo 47.º esclarece que «uma decisão homologada nos termos do […] n.º 1 do artigo 42.º não pode ser executada em caso de conflito com uma decisão com força executória proferida posteriormente». Uma decisão proferida em sede de recurso que revogue a primeira decisão cumpre essa condição, pelo que impede a execução da decisão certificada.

94.      Assim, a parte que pretender impugnar a certidão não está privada de vias de recurso; a diligência adequada é requerer a anulação da decisão objecto daquela.

95.      Em meu entender, essa possibilidade é amplamente suficiente para proteger o progenitor que desloca ou retém ilicitamente o menor de qualquer decisão aberrante de um tribunal do Estado‑Membro da residência habitual do menor.

96.      Acrescento que, embora, na situação de que estamos tratando, o regulamento peça ao tribunal do Estado‑Membro da execução que dê provas da confiança mútua de que o espaço de liberdade, segurança e justiça depende, não é pedida uma confiança cega. Pelo contrário, o sistema estabelecido pede‑lhe simplesmente que reconheça a integridade, objectividade e independência de um tribunal de outro Estado‑Membro, cuja decisão é susceptível de impugnação pela parte contra a qual é pedida a execução, tal como o faria para os tribunais do seu próprio Estado. No fim de contas, não é pedir muito.

 Sexta questão

97.      Uma vez que a minha análise da quinta questão culminou na conclusão de que a decisão de 20 de Junho de 2007 foi proferida com observância do procedimento previsto no regulamento, a sexta questão prejudicial, que se baseia na hipótese da inobservância desse procedimento, fica desprovida de objecto no caso vertente.

98.      Porém, pode notar‑se que resulta claramente dos artigos 21.º e 31.º, n.º 2, do regulamento, lidos em conjunto, que, regra geral, uma decisão em matéria de responsabilidade parental deve ser reconhecida e executada noutro Estado‑Membro, excepto se houver um fundamento de não reconhecimento referido no artigo 23.º e se o controlo da competência do tribunal de origem for expressamente excluído pelo artigo 24.º

99.      Resulta igualmente da minha análise nos n.os 86 a 96 supra que a verificação da observância do procedimento previsto no artigo 11.º do regulamento também está excluída.

 Quarta questão

100. As quatro primeiras questões dizem respeito ao pedido da mãe de que não seja reconhecida a decisão controvertida do Amtsgericht Oranienburg de 20 de Junho de 2007, na parte em que decide da guarda e do regresso da menor. Parece‑me oportuno começar pela quarta dessas questões.

101. O órgão jurisdicional de reenvio pergunta o que significa a condição «sem prejuízo do disposto na secção 4», constante do artigo 21.°, n.° 3, do regulamento.

102. O artigo 21.º, n.º 3, primeiro parágrafo, dispõe:

«Sem prejuízo do disposto na secção 4 do presente capítulo, qualquer parte interessada pode requerer, nos termos dos procedimentos previstos na secção 2 do presente capítulo, o reconhecimento ou o não‑reconhecimento da decisão.»

103. Este preceito prevê, assim, uma regra geral (uma vez que o artigo 21.º abrange todas as decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental), que permite a qualquer parte interessada requerer o reconhecimento ou o não reconhecimento de uma decisão abrangida pelo regulamento, sob reserva, eventualmente, do disposto no capítulo III, secção 4.

104. A referida secção diz respeito a determinadas decisões relativas ao direito de visita ou que ordenam o regresso do menor. Relativamente a este último aspecto, aquela aplica‑se ao regresso do menor, na sequência de uma decisão que exija o regresso do menor, nos termos do artigo 11.º, n.º 8 [artigo 40.º, n.º 1, alínea b)]. In casu, trata‑se de uma decisão deste último tipo.

105. Consequentemente, qualquer parte interessada pode requerer o não reconhecimento de uma decisão que ordene o regresso do menor, proferida nas circunstâncias do artigo 11.º, n.º 8, excepto se isso se revelar incompatível com uma disposição do capítulo III, secção 4, que, enquanto lex specialis, prevalece, nesse caso, sobre a regra geral.

106. Nessa secção, o artigo 42.º, n.º 1, prevê, nomeadamente:

«O regresso da criança referido na alínea b) do n.º 1 do artigo 40.º, resultante de uma decisão executória proferida num Estado‑Membro é reconhecido e goza de força executória noutro Estado‑Membro […] sem que seja possível contestar o seu reconhecimento, se essa decisão tiver sido homologada no Estado‑Membro de origem, nos termos do n.º 2.»

107. Assim, num caso como o vertente, em que foi emitida essa certidão, o significado concreto da condição «sem prejuízo do disposto na secção 4» referida no artigo 21.º, n.º 3, do regulamento é o de que não é possível contestar o reconhecimento da decisão certificada nem, por maioria de razão, apresentar um pedido autónomo de declaração do não reconhecimento.

 Terceira questão

108. A minha conclusão sobre a quarta questão, que implica que não pode ser requerido o não reconhecimento de uma decisão de regresso de um menor proferida nas circunstâncias do artigo 11.º, n.º 8, do regulamento e certificada em conformidade com o artigo 42.º, n.º 2, torna irrelevante a terceira questão, que assenta na hipótese de esse requerimento ser possível.

109. Com efeito, num caso desses, não é permitido nenhum controlo da decisão ou da certidão pelo tribunal do Estado‑Membro onde o menor se encontra, seja oficiosamente seja a requerimento da pessoa contra quem a execução é pedida.

 Primeira e segunda questões

110. O mesmo é válido para a primeira e segunda questões, na parte em que estas dizem respeito ao requerimento do não reconhecimento da parte do acórdão em que é ordenado o regresso da menor.

111. Porém, ao contrário das outras questões, o alcance dessas duas primeiras questões não é expressamente limitado à decisão que ordena o regresso da menor. Essas questões podem manter relevância, na medida em que a mãe pretende também o não reconhecimento do acórdão na parte em que a guarda da menor é atribuída ao pai. Com efeito, ao contrário da decisão que ordena o regresso, esse aspecto não é regido pelo capítulo III, secção 4, do regulamento, que exclui qualquer oposição ao reconhecimento de uma decisão de regresso certificada em conformidade com o artigo 42.º, n.º 2.

112. O órgão jurisdicional de reenvio pergunta se uma parte interessada, na acepção do artigo 21.° do regulamento, pode pedir o não reconhecimento de uma decisão judicial sem que tenha sido apresentado um pedido de reconhecimento dessa mesma decisão e, em caso de resposta afirmativa, como deve o tribunal nacional que aprecia o pedido de não reconhecimento apresentado pela pessoa contra a qual a decisão é executória aplicar o artigo 31.°, n.° 1, segundo o qual essa pessoa não pode apresentar quaisquer observações nesta fase do processo.

113. O artigo 21.º do regulamento faz parte do capítulo III, secção 1, sob a epígrafe «Reconhecimento». O seu n.º 1 prevê que «[a]s decisões proferidas num Estado‑Membro são reconhecidas nos outros Estados‑Membros, sem quaisquer formalidades». Porém, segundo o n.º 3 (sem prejuízo da secção 4 – a qual, como já referi, é irrelevante para as decisões em que é atribuída a guarda do menor), «qualquer parte interessada pode requerer, nos termos dos procedimentos previstos na secção 2 do presente capítulo, o reconhecimento ou o não‑reconhecimento da decisão» No artigo 23.º, são indicados sete fundamentos de não reconhecimento das decisões em matéria de responsabilidade parental.

114. A secção 2 do capítulo III tem por epígrafe «Pedido de uma declaração de executoriedade». O seu artigo 28.º, n.º 1, prevê que «[a]s decisões proferidas num Estado‑Membro sobre o exercício da responsabilidade parental relativa a uma criança, que aí tenham força executória e que tenham sido citadas ou notificadas, são executadas noutro Estado‑Membro depois de nele terem sido declaradas executórias a pedido de qualquer parte interessada». O artigo 31.º prevê, no seu n.º 1, que o tribunal a que for apresentado o pedido deve proferir a sua decisão no mais curto prazo e que «a pessoa contra a qual a execução é requerida [não] pod[e] apresentar quaisquer observações nesta fase do processo». O n.º 2 precisa que «[o] pedido só pode ser indeferido por um dos motivos previstos nos artigos 22.º, 23.º e 24.º» – todos os quais são fundamentos para o não reconhecimento. O artigo 33.º prevê que qualquer das partes pode, no prazo de um mês (n.º 5), recorrer da decisão relativa ao pedido de declaração de executoriedade (n.º 1) e que esse recurso é tratado segundo as regras do processo contraditório (n.º 3).

115. Compreendo onde tem origem a perplexidade do Lietuvos Aukščiausiasis Teismas. Segundo o artigo 21.º, n.º 3, parece que a pessoa contra quem uma decisão poderá ser executada (que é, manifestamente, um «interessado») pode requerer o não reconhecimento dessa decisão, mas o artigo 31.º, n.º 1, parece excluir a possibilidade de essa pessoa (23) apresentar observações nessa fase.

116. Em meu entender, para resolver o dilema, há que ter em conta a distinção entre o «reconhecimento» e a «declaração de executoriedade» de uma decisão. Em determinados contextos, estes dois conceitos andam necessariamente a par. É, nomeadamente, o caso de uma decisão que determine o regresso de um menor, em que não faria sentido reconhecer essa decisão sem lhe atribuir executoriedade. Em contrapartida, não há necessidade nenhuma de atribuir «executoriedade» a uma decisão de divórcio para permitir que qualquer dos ex‑cônjuges volte a casar. No que diz respeito a uma decisão sobre o exercício da responsabilidade parental, isso depende das circunstâncias. Em caso de desacordo por parte do progenitor a que não foi atribuído o exercício dessa responsabilidade, será necessária uma declaração de executoriedade. Em caso de acordo entre os progenitores, basta o simples reconhecimento.

117. O capítulo III, secção 1, do regulamento diz respeito ao reconhecimento. O seu artigo 21.º, n.º 1, prevê a automaticidade desse reconhecimento para qualquer decisão que entre no âmbito de aplicação do regulamento. É manifesto que o legislador comunitário quis que todas essas decisões beneficiassem sistematicamente de um reconhecimento automático assente no princípio da confiança mútua (v. vigésimo primeiro e vigésimo terceiro considerandos do regulamento). Porém, o n.º 3 do mesmo artigo permite o reconhecimento ou não reconhecimento «nos termos dos procedimentos previstos na secção 2». Uma vez que a secção 2 diz respeito aos pedidos de declaração de executoriedade, daí deduzo que estão em causa situações em que são necessários o reconhecimento e a execução. É o que sucede, no caso vertente, com a atribuição da guarda da menor ao pai, uma vez que a mãe se lhe opõe.

118. Por outro lado, resulta claramente do artigo 31.º do regulamento que o procedimento de declaração de executoriedade (que abrange, pois, os pedidos de reconhecimento e de não reconhecimento) deve ser rápido e simplificado. Isto parece totalmente coerente com o princípio da automaticidade do reconhecimento com base na confiança mútua.

119. Assim, qualquer pedido de reconhecimento ou não reconhecimento de uma decisão de atribuição da guarda de um menor tem de dar cumprimento aos procedimentos da secção 2. O problema que parece levantar‑se num contexto como o do caso vertente é a aparente desigualdade das armas entre as duas partes, face à letra do artigo 31.º, n.º 1. Se o progenitor a quem foi atribuída a guarda pretender que a decisão seja reconhecida e executada, tem a possibilidade de apresentar as observações que lhe parecerem oportunas, ao passo que essa possibilidade está excluída para o outro progenitor. Em contrapartida, se for o outro progenitor quem pede uma decisão de não reconhecimento, a situação não é invertida, pelo menos segundo uma interpretação literal da disposição.

120. Nas observações apresentadas ao Tribunal de Justiça, foi sugerida a interpretação do artigo 31.º, n.º 1, que parece visar sobretudo os pedidos de declaração de reconhecimento ou de executoriedade, ou no sentido de que é aplicável mutatis mutandis aos pedidos de não reconhecimento (isto é, interpretando a expressão «a pessoa contra a qual a execução é requerida» como «a pessoa que se opõe ao pedido»), ou no sentido de que não se pode aplicar a esses pedidos.

121. Por meu lado, entendo que não há nenhum motivo imperioso para afastar uma interpretação e uma aplicação literais. É inegável a existência de uma desigualdade das armas, mas a mesma está em consonância com a prevalência dada à confiança e ao reconhecimento mútuos, é menor do que se poderá supor e não é susceptível de privar a parte desfavorecida da possibilidade de invocar os seus argumentos.

122. Por um lado, no caso de um pedido de reconhecimento e de executoriedade apresentado pelo progenitor a quem a guarda foi atribuída, é evidente que o tribunal a que o pedido foi apresentado tem, em todo o caso, de verificar a eventual existência dos fundamentos de não reconhecimento a que se refere o artigo 31.º, n.º 2. Ora, esses são os únicos fundamentos que o outro progenitor poderia invocar. Assim, este apenas é privado da possibilidade de desenvolver os seus argumentos relativamente aos fundamentos de recusa.

123. Por outro lado, quando é este último progenitor que pede o não reconhecimento da decisão, o pedido só pode ser apresentado num articulado que exponha os fundamentos de não reconhecimento invocados. Mesmo que esse progenitor não possa desenvolver mais os seus argumentos nessa fase, ao passo que o progenitor a quem a guarda foi atribuída pode apresentar as observações que considerar úteis, o seu ponto de vista será, em todo o caso, levado em conta pelo tribunal a que o pedido foi apresentado. De facto, encontramo‑nos perante um procedimento limitado a uma única troca de argumentos entre as partes, o que não é extraordinário para um procedimento rápido e simplificado.

124. Nos dois casos, as partes podem interpor recurso segundo as regras do processo contraditório, por força do artigo 33.º do regulamento.

125. O sistema estabelecido assegura, deste modo, um equilíbrio razoável entre o objectivo de assegurar o reconhecimento e execução das decisões, segundo o princípio da confiança mútua, mediante um procedimento rápido e simplificado, e o direito a um processo equitativo, de que, na realidade, nenhuma das partes é privada.

 Conclusão

126. Por todos os motivos acima expostos, proponho ao Tribunal de Justiça que responda da seguinte forma às questões submetidas pelo Lietuvos Aukščiausiasis Teismas:

«As disposições do Regulamento (CE) n.° 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.° 1347/2000, devem ser interpretadas no sentido de que:

–        a prolação de uma decisão de regresso do menor pelo tribunal do Estado‑Membro da residência habitual depois de o tribunal do Estado‑Membro onde o menor se encontra ter proferido uma decisão de regresso não é de modo algum incompatível com os objectivos e os procedimentos do regulamento;

–        em princípio, a emissão da certidão a que se refere o artigo 42.º do Regulamento n.º 2201/2003 pelo tribunal do Estado‑Membro da residência habitual do menor, relativamente a uma decisão de regresso proferida por esse tribunal depois de o próprio tribunal do Estado‑Membro onde o menor se encontra ter proferido uma decisão de regresso, não está em conformidade com os procedimentos do regulamento;

–        basta a prolação de uma decisão de retenção pelo tribunal do Estado‑Membro onde o menor se encontra para desencadear os procedimentos previstos no artigo 11.º, n.os 6 a 8, do Regulamento n.º 2201/2003, independentemente do destino ulterior dessa decisão, nomeadamente, mesmo que esta venha a ser revogada ou anulada em sede de recurso;

–        se um tribunal de um Estado‑Membro tiver ordenado o regresso do menor e certificado a sua decisão nos termos do artigo 42.º, n.º 2, do Regulamento n.º 2201/2003, a sua competência para tanto só pode ser impugnada mediante interposição de recurso da decisão no tribunal superior competente do mesmo Estado‑Membro, o que exclui qualquer fiscalização pelos tribunais do Estado‑Membro requerido;

–        se tiver sido emitida essa certidão, não é possível contestar o reconhecimento da decisão certificada nem, por maioria de razão, apresentar um pedido autónomo de declaração do não reconhecimento;

–        no caso de outras decisões judiciais, em relação às quais o artigo 42.º do Regulamento n.° 2201/2003 não exclui que possa ser contestado o respectivo reconhecimento, uma parte interessada na acepção do artigo 21.° do referido regulamento pode pedir o seu não reconhecimento sem que tenha sido previamente apresentado um pedido de reconhecimento da mesma;

–        neste caso, o disposto no artigo 31.º, n.º 1, do Regulamento n.º 2201/2003 permite que essa parte exponha na petição inicial os fundamentos de não reconhecimento invocados, mas não que responda aos argumentos da outra parte nessa fase do processo.»


1 – Línguas originais: francês e inglês.


2 – Regulamento (CE) n.° 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.° 1347/2000 (JO  L 338, p. 1, a seguir «regulamento»).


3 – Convenção sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, celebrada em 25 de Outubro de 1980, a seguir «Convenção» ou «Convenção de Haia». Note‑se que, ao contrário do regulamento, a Convenção não contém regras de competência. Nesse aspecto, o regulamento inspira‑se nas regras constantes da Convenção relativa à Competência, à Lei Aplicável, ao Reconhecimento, à Execução e à Cooperação em Matéria de Responsabilidade Parental e Medidas de Protecção das Crianças, celebrada em Haia, em 19 de Outubro de 1996, que ainda não entrou em vigor em todos os Estados‑Membros, nomeadamente entre a República Federal da Alemanha e a Lituânia. Note‑se que, por força do seu artigo 60.º, o regulamento prevalece sobre a Convenção, na medida em que esta se refere a matérias por ele reguladas.


4 –      Por questões de síntese, utilizarei esta expressão imprecisa para designar simultaneamente o Klaipėdos apylinkės teismas (Tribunal Distrital de Klaipėda), tribunal de primeira instância, e o Klaipėdos apygardos teismas (Tribunal Regional de Klaipėda), tribunal de segunda instância.


5 – De acordo com o artigo 2.º, n.° 4, do regulamento, «Decisão» significa qualquer decisão de divórcio, separação ou anulação do casamento, bem como qualquer decisão relativa à responsabilidade parental proferida por um tribunal de um Estado-Membro, independentemente da sua designação, tal como «acórdão», «sentença» ou «despacho judicial».


6 – Relatório disponível no sítio web da Conferência de Haia de Direito Internacional Privado, n.º 16. Pode‑se acrescentar como justificação que «[o] progenitor que desloca o menor tem um aliado incondicional: o tempo. Com efeito, quanto mais tempo passa, mais ténues se tornam os laços com o ambiente de vida anterior e mais difícil se torna aspirar ao restabelecimento do statu quo ante» (Fulchiron, H. – «La lutte contre les enlèvements d’enfants», Le nouveau droit communautaire du divorce et de la responsabilité parentale, Dalloz, 2005). Assim, o regresso imediato e efectivo do menor é uma exigência imperiosa.


7 – V., também, «Guia prático para a aplicação do novo regulamento Bruxelas II» (documento elaborado pelos serviços da Comissão em consulta com a Rede Judiciária Europeia, a seguir «guia prático»), secção VII, p. 37: «O regulamento pretende desencorajar o rapto da criança pelos progenitores entre Estados-Membros e, não obstante, se tal suceder, garantir um regresso rápido da criança ao seu Estado‑Membro de origem».


8 – Utilizarei a seguir a expressão abreviada «Estado‑Membro da residência habitual» para designar o Estado‑Membro do qual o menor foi deslocado e em que tinha a sua residência habitual antes do deslocamento.


9 – De 20 de Novembro de 1989, ratificada por todos os Estados‑Membros.


10 – JO 2000, C 364, p. 1 (mais recentemente, JO 2007, C 303, p. 1).


11 – V. n.os 34 e segs. infra.


12 – Não dispomos dessa decisão, mas parece pacífico que a recusa tinha por fundamento o artigo 13.º, alínea b), da Convenção, que prevê essa possibilidade se «exist[ir] um risco grave de a criança, no seu regresso, ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica, ou, de qualquer outro modo, a ficar numa situação intolerável».


13 – Note‑se que, segundo as informações prestadas pelo agente do Governo alemão na audiência, essa decisão foi transmitida pela autoridade central lituana à autoridade central alemã, que a transmitiu ao advogado do pai, mas, por erro, não ao Amtsgericht Oranienburg. Porém, resulta do acórdão desse tribunal de 20 de Junho de 2007, bem como do acórdão confirmativo do Brandenburgisches Oberlandesgericht de 20 de Fevereiro de 2008, que esses tribunais tinham tomado conhecimento da decisão.


14 – Mas com uma formação diferente, segundo informação prestada na audiência pelo representante do pai.


15 – Resulta dos acórdãos alemães constantes dos autos que a mãe se fez representar e pôde apresentar observações, embora não tivesse comparecido pessoalmente, nos processos que deram origem aos acórdãos do Amtsgericht Oranienburg de 14 de Agosto de 2006 e de 20 de Junho de 2007, e que compareceu pessoalmente e foi ouvida no processo que deu origem ao acórdão confirmativo do Brandenburgisches Oberlandesgericht de 20 Fevereiro de 2008. Estes elementos foram confirmados na audiência no Tribunal de Justiça, em que a mãe também esteve presente.


16 – Na medida em que os artigos 12.º e 13.º da Convenção não contêm regras de competência, mas instruções destinadas a todos os tribunais competentes, e que o artigo 11.º, n.os 1 a 5, do regulamento se lhes refere.


17 – O sublinhado é meu.


18 – Resulta manifestamente da utilização da expressão «relacionada com esse pedido» que o pedido tem de ser efectivamente apresentado; não basta que o tribunal possa, hipoteticamente, ter competência para decidir desse pedido.


19 – O guia prático da Comissão considera, no ponto VII.2.4, que, para garantir a observância do prazo de seis semanas imposto pelo artigo 11.º, n.º 3, o direito interno dos Estados‑Membros deve: a) obstar à possibilidade de um recurso contra uma decisão que implica o regresso da criança, ou b) permitir a possibilidade de recurso, mas estabelecer que uma decisão que implique o regresso da criança seja executória mesmo na pendência de recurso, ou c) garantir uma rápida apreciação do recurso. Note‑se também que, no mesmo espírito, o direito lituano parece excluir qualquer recurso da decisão proferida no caso vertente pelo Lietuvos apeliacinis teismas em 15 de Março de 2007, em que foi ordenado o regresso da menor (ainda que, na prática, não se possam excluir outras diligências para reabrir o processo).


20 – A versão espanhola, «aun cuando se haya dictado una resolución de no restitución», parece prestar‑se ainda mais facilmente a essa interpretação.


21 – Os sublinhados são meus. No n.º 8, algumas versões linguísticas omitem o equivalente da palavra «proferida», pois gramaticalmente a mesma não é necessária.


22 – No entanto, é manifesto que houve efectivamente uma decisão de retenção – v. considerações expostas no n.º 64 supra.


23 – Ainda que possa parecer algo estranho, quando uma decisão atribui a guarda a um progenitor, falar em executar essa decisão contra o outro progenitor, parece‑me que resulta claramente da sistemática do capítulo III, secção 2, do regulamento que o conceito de «a pessoa contra a qual a execução é requerida» abrange o progenitor a quem a guarda não foi atribuída.