Language of document : ECLI:EU:T:2023:15

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Décima Secção alargada)

25 de janeiro de 2023 (*)

«Acesso aos documentos — Regulamento (CE) n.o 1049/2001 — Documentos relativos a um processo legislativo em curso — Grupos de trabalho do Conselho — Documentos relativos a uma proposta legislativa que tem por objeto a alteração da Diretiva 2013/34/UE, relativa às demonstrações financeiras anuais, às demonstrações financeiras consolidadas e aos relatórios conexos de certas formas de empresas — Recusa parcial de acesso — Recurso de anulação — Interesse em agir — Admissibilidade — Artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 1049/2001 — Exceção relativa à proteção do processo decisório»

No processo T‑163/21,

Emilio De Capitani, residente em Bruxelas (Bélgica), representado por O. Brouwer, advogado, e S. Gallagher, solicitor,

recorrente,

apoiado por

Reino da Bélgica, representado por C. Pochet, L. Van den Broeck e M. Jacobs, na qualidade de agentes,

por

Reino dos Países Baixos, representado por M. Bulterman, M.H.S. Gijzen e M. J. Langer, na qualidade de agentes,

por

República da Finlândia, representada por M. Pere, na qualidade de agente,

e por

Reino da Suécia, representado por C. Meyer‑Seitz e R. Shahsavan Eriksson, na qualidade de agentes,

intervenientes,

contra

Conselho da União Europeia, representado por J. Bauerschmidt e K. Pavlaki, na qualidade de agentes,

recorrido,

O TRIBUNAL GERAL (Décima Secção alargada),

composto, no momento das deliberações, por: A. Kornezov (relator), presidente, E. Buttigieg, K. Kowalik‑Bańczyk, G. Hesse e D. Petrlík, juízes,

secretário: P. Cullen, administrador,

vistos os autos,

após a audiência de 22 de setembro de 2022,

profere o presente

Acórdão

1        No recurso que interpôs ao abrigo do disposto no artigo 263.o TFUE, o recorrente, Emilio De Capitani, pede a anulação da Decisão SGS 21/000067 do Conselho da União Europeia, de 14 de janeiro de 2021, pela qual este lhe recusou o acesso a determinados documentos, com o código «WK», trocados nos grupos de trabalho do Conselho no âmbito do processo legislativo 2016/0107 (COD), que tem por objeto a alteração da Diretiva 2013/34/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa às demonstrações financeiras anuais, às demonstrações financeiras consolidadas e aos relatórios conexos de certas formas de empresas, que altera a Diretiva 2006/43/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e revoga as Diretivas 78/660/CEE e 83/349/CEE do Conselho (JO 2013, L 182, p. 19) (a seguir «decisão recorrida»).

 Antecedentes do litígio

2        Em 15 de outubro de 2020, o recorrente apresentou, ao abrigo do Regulamento (CE) n.o 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de maio de 2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão (JO 2001, L 145, p. 43), um pedido de acesso a determinados documentos trocados no grupo de trabalho «Direito das sociedades» do Conselho, relativos ao processo legislativo 2016/0107 (COD), em curso no momento do pedido.

3        Em 10 de novembro de 2020, o Conselho deferiu parcialmente este pedido, tendo facultado ao recorrente sete documentos e recusado totalmente o acesso a outros sete, a saber, os que tinham as referências WK 6662/18, WK 14969/17 VER 1, WK 14969/17 INIT, WK 5230/17, WK 12197/17, WK 12197/17 REV1 e WK 10931/17 (a seguir «documentos controvertidos»), com o fundamento de que, em substância, a sua divulgação poderia prejudicar gravemente o processo decisório do Conselho, na aceção do artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 1049/2001.

4        Em 25 de novembro de 2020, o recorrente apresentou ao Conselho um pedido confirmativo, no qual reiterou o seu pedido de acesso aos documentos controvertidos.

5        Em 14 de janeiro de 2021, o Conselho adotou a decisão recorrida, pela qual confirmou a sua recusa de conceder acesso aos documentos controvertidos com fundamento no artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 1049/2001.

 Pedidos das partes

6        O recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão recorrida;

–        condenar o Conselho nas despesas.

7        O Conselho conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        julgar o recurso inadmissível ou, a título subsidiário, improcedente;

–        condenar o recorrente nas despesas.

8        Os intervenientes, o Reino da Bélgica, o Reino dos Países Baixos, a República da Finlândia e o Reino da Suécia, declaram apoiar os pedidos do recorrente.

 Questão de direito

 Quanto à subsistência do interesse em agir do recorrente

9        Embora sem suscitar formalmente, em requerimento separado, uma exceção de não conhecimento do mérito, o Conselho alega que o interesse em agir do recorrente deixou de existir no decurso da instância, pelo facto de, por ofício de 14 de junho de 2021, o Conselho lhe ter enviado a totalidade dos documentos controvertidos. Assim, o recurso deixa de poder, com o seu resultado, conferir um benefício ao recorrente, tendo, portanto, ficado sem objeto.

10      O recorrente, apoiado a este respeito pelo Reino dos Países Baixos, pela República da Finlândia e pelo Reino da Suécia, contesta o facto de o seu interesse em agir ter deixado de existir no decurso da instância. Por um lado, alega que não teve acesso aos documentos controvertidos em tempo útil, ou seja, numa fase que lhe teria permitido exercer plena e efetivamente os seus direitos de cidadão europeu numa sociedade democrática relativamente ao processo legislativo em causa. Por outro lado, considera que mantém um interesse em agir, o qual consiste em a ilegalidade cometida pelo Conselho não se reproduzir no futuro.

11      A este respeito, deve recordar‑se que o interesse em agir de um recorrente deve existir, tendo em conta o objeto do recurso, no momento da sua interposição, sob pena de este ser julgado inadmissível. Este objeto do litígio deve perdurar, tal como o interesse em agir, até à prolação da decisão jurisdicional, sob pena de o Tribunal Geral não conhecer do mérito da causa, o que pressupõe que o recurso possa, pelo seu resultado, proporcionar um benefício à parte que o interpôs (v. Acórdão de 21 de janeiro de 2021, Leino‑Sandberg/Parlamento, C‑761/18 P, EU:C:2021:52, n.o 32 e jurisprudência referida).

12      No caso em apreço, é pacífico que os documentos controvertidos foram enviados pelo Conselho ao recorrente em 14 de junho de 2021, ou seja, na sequência da interposição do presente recurso. No entanto, a decisão recorrida não foi formalmente revogada pelo Conselho, pelo que o litígio mantém o seu objeto (v., neste sentido, Acórdãos de 4 de setembro de 2018, ClientEarth/Comissão, C‑57/16 P, EU:C:2018:660, n.o 45, e de 21 de janeiro de 2021, Leino‑Sandberg/Parlamento, C‑761/18 P, EU:C:2021:52, n.o 33 e jurisprudência referida).

13      Por conseguinte, importa examinar, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, referida no n.o 11, supra, se o recorrente ainda podia invocar, apesar dessa divulgação, um interesse em agir, o que implica determinar se o recorrente obteve, através da referida divulgação, plena satisfação à luz dos objetivos que prosseguia com o seu pedido de acesso aos documentos em causa, o que implica determinar se essa divulgação teve lugar em tempo útil (v., neste sentido, Acórdãos de 4 de setembro de 2018, ClientEarth/Comissão, C‑57/16 P, EU:C:2018:660, n.o 47 e jurisprudência referida, e de 21 de janeiro de 2021, Leino‑Sandberg/Parlamento, C‑761/18 P, EU:C:2021:52, n.o 34).

14      A este respeito, como alegam, em substância, o recorrente e a República da Finlândia, com o seu pedido inicial de 15 de outubro de 2020 e o seu pedido confirmativo de 25 de novembro de 2020, o recorrente procurou obter acesso aos documentos controvertidos a fim de conhecer as posições dos Estados‑Membros no Conselho, agindo este último na sua qualidade de colegislador, e de poder, sendo caso disso, informar a sociedade e suscitar um debate a esse respeito antes de essa instituição estabelecer a sua posição no processo legislativo em causa.

15      Ora, no caso em apreço, a divulgação dos documentos controvertidos só ocorreu depois de o Conselho ter adotado, em 3 de março de 2021, a sua posição negocial no referido procedimento e após o acordo celebrado em 1 de junho de 2021, no âmbito dos trílogos interinstitucionais.

16      A divulgação dos documentos controvertidos não foi, portanto, feita em tempo útil à luz dos objetivos de informar a sociedade e de suscitar um debate, que o recorrente prosseguia com o seu pedido de acesso aos referidos documentos, na aceção da jurisprudência referida no n.o 13, supra (v., neste sentido e por analogia, Acórdãos de 1 de julho de 2008, Suécia e Turco/Conselho, C‑39/05 P e C‑52/05 P, EU:C:2008:374, n.o 59, e de 22 de março de 2018, De Capitani/Parlamento, T‑540/15, EU:T:2018:167, n.o 33). Com efeito, no momento dessa divulgação, a posição do Conselho já tinha sido adotada e tinha sido alcançado um acordo interinstitucional no âmbito dos trílogos. Embora seja certo que, nesse momento, o processo legislativo ainda não estava formalmente concluído, não é menos verdade que, a maior parte das vezes, os acordos alcançados no âmbito dos trílogos são, em seguida, adotados pelos colegisladores sem alterações substanciais (v., neste sentido, Acórdão de 22 de março de 2018, De Capitani/Parlamento, T‑540/15, EU:T:2018:167, n.o 72).

17      Assim, através da divulgação dos documentos controvertidos, o recorrente não obteve plena satisfação à luz dos objetivos que prosseguia com o seu pedido de acesso aos referidos documentos.

18      Por conseguinte, há que afastar a argumentação do Conselho relativa à não subsistência do interesse em agir do recorrente no decurso da instância.

 Quanto ao mérito

19      O recorrente apresenta dois fundamentos de recurso a título principal, relativos, o primeiro, à violação do artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 1049/2001 e à falta de fundamentação no que respeita à questão de saber se a divulgação dos documentos controvertidos poderia prejudicar gravemente o processo decisório e, o segundo, à violação da mesma disposição e à falta de fundamentação no que respeita à inexistência de um interesse público superior que imponha a divulgação dos referidos documentos. Invoca igualmente, a título subsidiário, um terceiro fundamento, relativo à violação do artigo 4.o, n.o 6, do Regulamento n.o 1049/2001 e a falta de fundamentação.

20      O primeiro fundamento divide‑se, em substância, em duas partes, relativas, a primeira, à aplicabilidade da exceção prevista no artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 1049/2001 aos documentos legislativos e, a segunda, à aplicação desta exceção ao caso em apreço.

 Quanto à aplicabilidade do artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 1049/2001 aos documentos legislativos

21      O recorrente alega que, ao recusar o acesso aos documentos controvertidos, que são, em substância, documentos legislativos, com base no artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 1049/2001, o Conselho violou a nova dimensão constitucional em matéria de acesso aos documentos elaborados no âmbito dos processos legislativos, instituída pelo Tratado FUE e pela Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»). Assim, contrariamente ao antigo artigo 207.o, n.o 3, CE, que então autorizava o Conselho a determinar os casos em que se devia considerar que atuava no exercício dos seus poderes legislativos, a fim de possibilitar um melhor acesso aos documentos nesses casos, preservando simultaneamente a eficácia do seu processo decisório, o Tratado FUE e a Carta já não mencionam qualquer exceção relativa à proteção do processo decisório no âmbito dos processos legislativos. Existem, portanto, tensões jurídicas entre, por um lado, o artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 1049/2001, que foi adotado com base em antigas interpretações do princípio da transparência que decorre do Tratado CE, e, por outro, o artigo 15.o, n.o 2, TFUE e o artigo 42.o da Carta. Por conseguinte, o Conselho está obrigado a cumprir diretamente as obrigações que lhe são impostas pelo Tratado FUE e pela Carta, os quais não lhe conferem nenhum poder discricionário que o autorize a recusar o acesso a documentos elaborados no âmbito de um processo legislativo.

22      Na réplica, o recorrente especifica que o artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 1049/2001 já não é aplicável aos debates legislativos e respetivos documentos. Acrescenta que outras exceções, como as previstas no artigo 4.o, n.os 1 e 2, do Regulamento n.o 1049/2001, continuam, em contrapartida, a ser pertinentes no que respeita ao acesso aos documentos legislativos, e que o artigo 15.o, n.o 3, TFUE deve ser entendido no sentido de que faz referência a este tipo de exceções.

23      O Conselho responde que o recorrente confunde duas dimensões diferentes da transparência legislativa, a saber, por um lado, a relativa às reuniões do Parlamento Europeu e do Conselho em que os respetivos membros deliberam sobre projetos de atos legislativos e, por outro, a relativa ao acesso aos documentos respeitantes aos processos legislativos. O artigo 15.o, n.o 2, TFUE visa esta primeira dimensão, não sendo, portanto, pertinente no caso em apreço. Com efeito, esta disposição deve ser entendida no sentido de que faz referência ao Conselho na sua composição, que inclui os representantes ao nível ministerial, com poderes para vincular o governo do respetivo Estado‑Membro e exercer o direito de voto, em conformidade com o artigo 16.o, n.o 2, TUE. Em contrapartida, a segunda dimensão da transparência legislativa, a saber, a referida no artigo 15.o, n.o 3, TFUE, não prevê um direito incondicional de acesso aos documentos, incluindo os legislativos.

24      Na tréplica, o Conselho alega que o argumento do recorrente, segundo o qual o artigo 4.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1049/2001 já não pode ser aplicado aos documentos elaborados no âmbito de um processo legislativo após a entrada em vigor do Tratado FUE e da Carta, constitui uma «nova exceção de ilegalidade» suscitada pela primeira vez na fase da réplica e, por conseguinte, um fundamento novo, que deve ser declarado inadmissível. Além disso, solicita, no caso de este «novo fundamento» ser considerado admissível, que seja adotada uma medida de organização do processo, nos termos do artigo 88.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a fim de convidar o Parlamento e a Comissão Europeia a tomar posição sobre a alegada ilegalidade da referida disposição.

25      Interrogado sobre este ponto no âmbito de uma medida de organização do processo, o recorrente contesta a exceção de inadmissibilidade arguida pelo Conselho, alegando, em substância, que a petição já expunha claramente o argumento segundo o qual, desde a entrada em vigor do Tratado FUE e da Carta, existe uma tensão jurídica entre o artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 1049/2001 e o direito primário, nomeadamente o artigo 15.o, n.o 2, TFUE, e que, portanto, o Conselho devia cumprir as obrigações que lhe incumbiam por força do direito primário, tornando os documentos legislativos acessíveis ao público.

–       Quanto à inadmissibilidade invocada pelo Conselho

26      Segundo jurisprudência constante relativa ao artigo 84.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, é proibido deduzir novos fundamentos no decurso da instância, a menos que tenham origem em elementos de direito e de facto que se tenham revelado durante o processo. Todavia, deve ser julgado admissível um fundamento que constitua a ampliação de um fundamento anteriormente deduzido, direta ou indiretamente, na petição inicial e que apresente um nexo estreito com este. Para poder ser encarado como uma ampliação de um fundamento ou de uma alegação anteriormente enunciados, um novo argumento deve apresentar uma ligação suficientemente estreita com os fundamentos ou as alegações inicialmente expostos na petição, para se poder considerar que resulta da evolução normal do debate num processo [v. Acórdão de 5 de outubro de 2020, HeidelbergCement e Schwenk Zement/Comissão, T‑380/17, EU:T:2020:471, n.o 87 (não publicado) e jurisprudência referida].

27      No caso em apreço, constata‑se que, na petição, o recorrente alegou claramente que o artigo 15.o, n.o 2, TFUE e o artigo 42.o da Carta deviam ser interpretados no sentido de que não conferem ao Conselho «poder discricionário» para recusar o acesso aos documentos elaborados no âmbito de um processo legislativo, que esta instituição estava obrigada a cumprir «diretamente» as obrigações que lhe são impostas pelos Tratados e que, por conseguinte, a referida instituição tinha procedido, no caso em apreço, a uma interpretação excessivamente ampla da exceção relativa à proteção do processo decisório, prevista no artigo 4.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1049/2001. Além disso, alegou a existência de uma «tensão jurídica» entre, por um lado, esta última disposição e, por outro, o Tratado FUE e a Carta.

28      Na réplica, o recorrente apenas desenvolve esta parte da sua argumentação, em resposta aos argumentos apresentados pelo Conselho na contestação. Alega, nomeadamente, que o artigo 4.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1049/2001 «já não pode ser aplicado» aos documentos legislativos, uma vez que o artigo 15.o, n.o 2, TFUE impõe «diretamente» ao legislador da União Europeia uma obrigação de transparência no que respeita ao processo legislativo.

29      Daqui resulta que, quando muito, na réplica, o recorrente só procedeu a uma ampliação de um fundamento enunciado na petição, que deve ser admitido pelo juiz da União.

30      Por outro lado, contrariamente ao que alega o Conselho, o recorrente não suscita uma exceção de ilegalidade contra o artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 1049/2001, como aliás confirmou na audiência. Com efeito, com a sua argumentação, o recorrente não considera que o artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 1049/2001 seja ilegal enquanto tal, por ser contrário ao Tratado FUE e à Carta, mas que esta disposição deve ser interpretada à luz do Tratado FUE e da Carta no sentido de que não é aplicável aos documentos legislativos, mantendo‑se de resto plenamente aplicável a outro tipo de documentos.

31      Quanto ao mais, constata‑se que, em conformidade com o artigo 82.o do Regulamento de Processo, foi enviada ao Parlamento e à Comissão uma cópia da petição e da contestação a fim de lhes permitir verificar se a inaplicabilidade de um dos seus atos era invocada na aceção do artigo 277.o TFUE. Dado que a argumentação do recorrente já constava claramente da petição, deve considerar‑se que o Parlamento e a Comissão decidiram não intervir no presente processo com pleno conhecimento de causa. Assim, não há que deferir o pedido do Conselho para que seja adotada uma medida de organização do processo a este respeito.

32      Por conseguinte, a exceção de inadmissibilidade e o pedido do Conselho para que seja adotada uma medida de organização do processo devem ser julgados improcedentes.

–       Quanto ao mérito

33      Nos termos do artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 1049/2001, o acesso a documentos, elaborados por uma instituição para uso interno ou por ela recebidos, relacionados com uma matéria sobre a qual a instituição não tenha decidido, será recusado, caso a sua divulgação pudesse prejudicar gravemente o processo decisório da instituição, exceto quando um interesse público superior imponha a divulgação.

34      Como foi recordado nos n.os 21 e 22, supra, o recorrente alega, em substância, que o artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 1049/2001 não é aplicável à recusa de acesso aos documentos trocados nos grupos de trabalho do Conselho no âmbito de um processo legislativo, na sequência da entrada em vigor do Tratado FUE e da Carta.

35      A este respeito, importa observar que o Conselho não contesta a natureza legislativa dos documentos controvertidos.

36      Neste contexto, importa salientar que o direito primário da União estabelece uma estreita relação de princípio entre os processos legislativos e os princípios da publicidade e da transparência (Acórdão de 22 de março de 2018, De Capitani/Parlamento, T‑540/15, EU:T:2018:167, n.o 77).

37      É precisamente a transparência no processo legislativo que, ao permitir que as divergências entre vários pontos de vista sejam abertamente debatidas, contribui para conferir às instituições maior legitimidade aos olhos dos cidadãos europeus e para aumentar a confiança dos mesmos. De facto, é sobretudo a falta de informação e de debate que é suscetível de fazer nascer dúvidas no espírito dos cidadãos, não só quanto à legalidade de um ato isolado mas também quanto à legitimidade de todo o processo decisório. (v., neste sentido, Acórdão de 1 de julho de 2008, Suécia e Turco/Conselho (C‑39/05 P e C‑52/05 P, EU:C:2008:374, n.o 59).

38      Os princípios da publicidade e da transparência são, pois, inerentes aos processos legislativos da União (Acórdão de 22 de março de 2018, De Capitani/Parlamento, T‑540/15, EU:T:2018:167, n.o 81).

39      No entanto, isso não significa que o direito primário da União preveja um direito incondicional de acesso aos documentos legislativos.

40      A este respeito, há que recordar que o artigo 42.o da Carta enuncia que qualquer cidadão da União, bem como qualquer pessoa singular ou coletiva com residência ou sede social num Estado‑Membro, tem direito de acesso aos documentos das instituições, órgãos e organismos da União, seja qual for o suporte desses documentos.

41      As Anotações relativas à Carta, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia de 14 de dezembro de 2007 (JO 2007, C 303, p. 17), que devem ser tidas na devida conta na interpretação da Carta pelos órgãos jurisdicionais da União (v. quinto considerando do preâmbulo da Carta), referem o seguinte:

«O direito garantido [pelo artigo 42.o] foi retomado do artigo 255.o do Tratado CE, com base no qual foi subsequentemente adotado o Regulamento […] n.o 1049/2001. A Convenção Europeia alargou este direito aos documentos das instituições, órgãos e agências em geral, independentemente da respetiva forma (ver n.o 3 do artigo 15.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia). Nos termos do n.o 2 do artigo 52.o da Carta, o direito de acesso aos documentos é exercido de acordo com as condições e limites previstos no n.o 3 do artigo 15.o do Tratado [FUE].»

42      Daqui resulta que o direito de acesso aos documentos, consagrado no artigo 42.o da Carta, é exercido «de acordo com as condições e limites previstos no n.o 3 do artigo 15.o» TFUE.

43      Esta interpretação é, além disso, conforme com o artigo 52.o, n.o 2, da Carta, nos termos do qual os direitos reconhecidos pela Carta que se regem por disposições constantes dos Tratados são exercidos de acordo com as condições e limites por eles definidos.

44      Nos termos do artigo 15.o, n.o 3, primeiro parágrafo, TFUE, todos os cidadãos da União e todas as pessoas singulares ou coletivas que residam ou tenham a sua sede estatutária num Estado‑Membro têm direito de acesso aos documentos das instituições, órgãos e organismos da União, seja qual for o respetivo suporte, sob reserva dos princípios e condições a definir nos termos do presente número. O segundo parágrafo do referido número especifica que «[o]s princípios gerais e os limites que, por razões de interesse público ou privado, hão de reger o exercício do direito de acesso aos documentos serão definidos por meio de regulamentos adotados pelo Parlamento Europeu e o Conselho, deliberando de acordo com o processo legislativo ordinário».

45      O artigo 15.o, n.o 3, quinto parágrafo, TFUE enuncia que o Parlamento e o Conselho asseguram a publicação dos documentos relativos aos processos legislativos «nas condições previstas nos regulamentos a que se refere o segundo parágrafo» do referido número. Embora ponha, assim, em evidência o princípio da publicidade dos documentos legislativos, esta disposição não prevê, no entanto, que estes devam ser tornados públicos em todos os casos e sem qualquer exceção, o que é comprovado pela remissão para as «condições» que os regulamentos possam prever para esse efeito.

46      Daqui resulta que o direito de acesso aos documentos das instituições, incluindo aos documentos legislativos, dos cidadãos da União e de qualquer pessoa que resida ou tenha a sua sede no território da União é exercido segundo os princípios gerais, os limites e as condições fixadas por via de regulamentos. Com efeito, o artigo 15.o, n.o 3, TFUE não exclui os documentos legislativos do seu âmbito de aplicação.

47      Por conseguinte, as disposições do Tratado FUE e da Carta que regem o direito de acesso aos documentos das instituições, órgãos e organismos da União preveem que o exercício deste direito pode ser sujeito a limites e condições, previstos por via de regulamentos, incluindo no que respeita ao acesso a documentos legislativos.

48      Esta conclusão não é posta em causa pelos argumentos aduzidos pelo recorrente.

49      Em primeiro lugar, o argumento do recorrente segundo o qual o Regulamento n.o 1049/2001 se tornou, de algum modo, obsoleto pelo facto de ter sido adotado com base no Tratado CE e, por conseguinte, não teve em conta as alterações introduzidas pelo Tratado FUE e pela Carta não pode ser acolhido. Com efeito, como foi recordado no n.o 41, supra, as anotações relativas à Carta especificam que o direito garantido no artigo 42.o «foi retomado do artigo 255.o do Tratado CE, com base no qual [o referido regulamento] foi subsequentemente adotado». Esta precisão refere, assim, a continuidade que existe na matéria entre o Tratado CE e o Tratado FUE, bem como o caráter, que se mantém pertinente, deste regulamento na sequência da entrada em vigor do Tratado FUE e da Carta. Se os autores da Carta tivessem a intenção de regular o direito de acesso aos documentos de modo substancialmente diferente do que estava em vigor sob a égide do Tratado CE, tê‑lo‑iam indicado nas anotações relativas à mesma.

50      Em segundo lugar, o recorrente alega que o artigo 15.o, n.o 3, segundo parágrafo, TFUE deve ser interpretado no sentido de que os «limites» ao direito de acesso aos documentos referidos nesta disposição são aplicáveis a outros tipos de exceções, como os previstos no artigo 4.o, n.os 1 e 2, do Regulamento n.o 1049/2001, mas não para efeitos da proteção do processo decisório, na aceção do artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, do mesmo regulamento.

51      Todavia, o artigo 15.o, n.o 3, segundo parágrafo, TFUE faz referência aos «limites que, por razões de interesse público ou privado, hão de reger o exercício do direito de acesso aos documentos», sem fazer nenhuma outra precisão ou distinção no que respeita à natureza desses limites. Por conseguinte, nada permite concluir que as disposições do Tratado FUE e da Carta excluem, por princípio, que o acesso a documentos legislativos possa ser recusado com o fundamento de que a sua divulgação poderia prejudicar gravemente o processo decisório da instituição em causa, na aceção do artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 1049/2001.

52      Em terceiro lugar, o recorrente invoca o artigo 15.o, n.o 2, TFUE em apoio da sua tese. Nos termos desta disposição, «[as] sessões do Parlamento Europeu são públicas, assim como as reuniões do Conselho em que este delibere e vote sobre um projeto de ato legislativo».

53      Resulta da expressão «sessão pública» que o artigo 15.o, n.o 2, TFUE consagra o princípio da publicidade dos debates legislativos nas sessões do Parlamento e do Conselho. Em contrapartida, esta disposição não diz respeito ao direito de acesso aos documentos nem aos limites e às condições para o exercício desse direito, que são regulados pelo artigo 15.o, n.o 3, TFUE e pelo artigo 42.o da Carta.

54      O contexto normativo em que se insere o direito de acesso aos documentos corrobora a conclusão que figura no n.o 47, supra.

55      Com efeito, importa recordar que, nos termos do artigo 1.o TUE, este Tratado «assinala uma nova etapa no processo de criação de uma união cada vez mais estreita entre os povos da Europa, em que as decisões serão tomadas de uma forma tão aberta quanto possível e ao nível mais próximo possível dos cidadãos». O artigo 10.o, n.o 3, TUE prevê, por sua vez, que todos os cidadãos têm o direito de participar na vida democrática da União e que as decisões são tomadas de forma tão aberta e tão próxima dos cidadãos quanto possível. Do mesmo modo, o artigo 15.o, n.o 1, TFUE enuncia que, «a fim de promover a boa governação e assegurar a participação da sociedade civil, a atuação das instituições, órgãos e organismos da União pauta‑se pelo maior respeito possível do princípio da abertura».

56      Todas estas disposições confirmam que o princípio da abertura, embora seja de importância fundamental para a ordem jurídica da União, não é, no entanto, absoluto.

57      Por último, o juiz da União já teve oportunidade de precisar que continua a ser possível às instituições da União recusar, com base no artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 1049/2001, o acesso a certos documentos de natureza legislativa, em casos devidamente justificados (Acórdão de 22 de março de 2018, De Capitani/Parlamento, T‑540/15, EU:T:2018:167, n.o 112).

58      Do mesmo modo, no seu Acórdão de 17 de outubro de 2013, Conselho/Access Info Europe (C‑280/11 P, EU:C:2013:671, n.os 36 a 40 e 62), o Tribunal de Justiça declarou, em substância, que o artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 1049/2001 é aplicável aos documentos legislativos e que, quando da aplicação desta disposição, o Tribunal Geral devia ter em conta o equilíbrio entre o princípio da transparência e a preservação da eficácia do processo decisório do Conselho.

59      Quanto ao argumento do recorrente segundo o qual a jurisprudência relativa ao artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 1049/2001 se baseou no Tratado CE e foi, portanto, ultrapassada pelo Tratado FUE, basta observar que o acórdão mencionado no n.o 57, supra, foi, por sua vez, proferido a propósito de uma decisão adotada muito depois da entrada em vigor do Tratado FUE.

60      Por último, embora o recorrente também refira o artigo 41.o da Carta, esta disposição não tem pertinência para a resolução do presente litígio, uma vez que diz respeito ao direito de qualquer pessoa a ter acesso «aos processos que se lhes refiram». Ora, é pacífico que os documentos controvertidos não dizem especificamente respeito ao recorrente.

61      Para concluir, embora seja certo que o acesso aos documentos legislativos deve ser tão amplo quanto possível, não é menos verdade que as disposições dos Tratados e da Carta invocadas pelo recorrente não podem ser interpretadas no sentido de que excluem, por princípio, que o acesso a esses documentos possa ser recusado com o fundamento de que a sua divulgação pode prejudicar gravemente o processo decisório da instituição em causa, na aceção do artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 1049/2001.

62      Atendendo ao exposto, há que julgar improcedente a primeira parte do primeiro fundamento.

 Quanto à aplicação ao caso em apreço do artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 1049/2001

63      O recorrente, apoiado por todos os intervenientes, alega, em substância, que o Conselho não demonstrou que a divulgação dos documentos controvertidos poderia prejudicar concreta e efetivamente o seu processo decisório e que o risco desse prejuízo era razoavelmente previsível, e não puramente hipotético.

64      O Conselho contesta os argumentos do recorrente retomando, em substância, os fundamentos acolhidos na decisão recorrida.

65      A este respeito, importa recordar que, em conformidade com o seu considerando 1, o Regulamento n.o 1049/2001 se insere na vontade de criar uma união em que as decisões serão tomadas de uma forma tão aberta quanto possível e ao nível mais próximo possível dos cidadãos. Como recorda o considerando 2 do referido regulamento, o direito de acesso do público aos documentos das instituições está associado ao caráter democrático destas últimas.

66      Para este efeito, o Regulamento n.o 1049/2001 tem por objetivo, como indicado no seu considerando 4 e no seu artigo 1.o, permitir um direito de acesso o mais amplo possível do público aos documentos das instituições (v. Acórdão de 22 de março de 2018, De Capitani/Parlamento, T‑540/15, EU:T:2018:167, n.o 58 e jurisprudência referida).

67      Este direito não deixa de estar sujeito a certos limites baseados em razões de interesse público ou privado. Mais especificamente, e em conformidade com o seu considerando 11, o Regulamento n.o 1049/2001 prevê, no seu artigo 4.o, um regime de exceções que autoriza as instituições a recusar o acesso a um documento, no caso de a divulgação do mesmo poder prejudicar um dos interesses protegidos por este artigo (v. Acórdão de 22 de março de 2018, De Capitani/Parlamento, T‑540/15, EU:T:2018:167, n.o 59 e jurisprudência referida).

68      Uma vez que estas exceções derrogam o princípio do acesso o mais amplo possível do público aos documentos, devem ser interpretadas e aplicadas de forma estrita (v. Acórdão de 22 de março de 2018, De Capitani/Parlamento, T‑540/15, EU:T:2018:167, n.o 61 e jurisprudência referida).

69      Quando uma instituição, um órgão ou um organismo da União ao qual é apresentado um pedido de acesso a um documento decide indeferir esse pedido com fundamento numa das exceções previstas no artigo 4.o do Regulamento n.o 1049/2001, incumbe‑lhe, em princípio, explicar as razões pelas quais o acesso a esse documento poderia prejudicar concreta e efetivamente o interesse protegido por essa exceção, devendo o risco desse prejuízo ser razoavelmente previsível e não meramente hipotético (Acórdão de 4 de setembro de 2018, ClientEarth/Comissão, C‑57/16 P, EU:C:2018:660, n.o 51, e de 22 de março de 2018, De Capitani/Parlamento, T‑540/15, EU:T:2018:167, n.os 63 a 65).

70      Segundo a jurisprudência, o prejuízo causado ao processo decisório, na aceção do artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 1049/2001, é «grave», nomeadamente quando a divulgação dos documentos visados tem um impacto substancial no referido processo. A apreciação da gravidade depende de todas as circunstâncias da causa, nomeadamente dos efeitos negativos sobre o processo decisório invocados pela instituição quanto à divulgação dos documentos visados (Acórdãos de 18 de dezembro de 2008, Muñiz/Comissão, T‑144/05, não publicado, EU:T:2008:596, n.o 75; de 7 de junho de 2011, Toland/Parlamento,T‑471/08, EU:T:2011:252, n.o 71; e de 9 de setembro de 2014, MasterCard e o./Comissão, T‑516/11, EU:T:2014:759, n.o 62).

71      No caso em apreço, os documentos controvertidos são documentos trocados no grupo de trabalho «Direito das sociedades» do Conselho. Em especial, os documentos WK 5230/17, de 8 de maio de 2017, WK 10931/17, de 6 de outubro de 2017, WK 12197/17, de 27 de outubro de 2017, e WK 12197/17 REV1, de 18 de julho de 2018, contêm comentários e alterações textuais concretas propostas pelas delegações dos Estados‑Membros relativamente à globalidade da proposta legislativa em causa, sob a forma de quadros recapitulativos. Os documentos WK 14969/17, de 19 de dezembro de 2017, e WK 14969/17 REV1, de 8 de janeiro de 2018, contêm notas da presidência do Conselho dirigidas ao grupo de trabalho em causa, nas quais esta salientou, nomeadamente, erros de referências cruzadas na proposta legislativa, propôs alterações destinadas a clarificar a redação de uma disposição e invoca um ponto que ainda deve ser objeto de debates, a saber, o de encontrar uma redação mais adequada para certas disposições, a fim de evitar o risco de certas empresas contornarem a aplicação da diretiva. O documento WK 6662/18, de 1 de junho de 2018, contém, por seu lado, um convite da presidência para uma reunião do grupo de trabalho para continuar a trabalhar sobre a proposta legislativa em causa, que precisa que as delegações são convidadas a tomar posição, nomeadamente, sobre as propostas que figuram nos documentos anteriores.

72      Na decisão recorrida, o Conselho justificou a sua recusa de acesso aos documentos controvertidos através de várias considerações.

73      Em primeiro lugar, no n.o 9 da decisão recorrida, o Conselho sublinhou que o assunto da transparência fiscal das empresas multinacionais era «altamente sensível» do ponto de vista político.

74      A este respeito, resulta da versão integral dos documentos controvertidos, agora divulgados, que estes contêm propostas e alterações de textos normativos que se inserem no normal funcionamento do processo legislativo. Ora, o Conselho não identifica, nem na decisão recorrida nem no Tribunal Geral, nenhum aspeto concreto e específico desses documentos que revista um caráter particularmente sensível.

75      Além disso, como aliás recorda o próprio Conselho na decisão recorrida, importa salientar que, nas suas conclusões de 18 de dezembro de 2014, o Conselho Europeu considerou que era «urgente redobrar esforços na luta contra a evasão fiscal e a planificação fiscal agressiva, tanto a nível mundial como a nível da União Europeia» e que o Parlamento adotou uma resolução, em 16 de dezembro de 2015, que contém recomendações à Comissão para favorecer a transparência, a coordenação e a convergência das políticas em matéria de imposto sobre os rendimentos das pessoas coletivas na União [2015/2010(INL)]. Estes documentos demonstram a grande importância que a matéria da transparência fiscal das empresas multinacionais tem para os cidadãos europeus, o que milita ainda mais a favor de um acesso tão amplo quanto possível aos documentos legislativos com eles relacionados, e não a favor de um acesso restrito. Com efeito, o acesso a todas as informações que constituem o fundamento da ação legislativa da União é condição do exercício efetivo, pelos cidadãos da União, dos seus direitos democráticos, reconhecidos, nomeadamente, no artigo 10.o, n.o 3, TUE (v., neste sentido, Acórdão de 4 de setembro de 2018, ClientEarth/Comissão (C‑57/16 P, EU:C:2018:660, n.o 92).

76      Por conseguinte, embora diga respeito a temas de uma certa importância, caracterizados, possivelmente, pela sua dificuldade tanto política como jurídica, nada na decisão recorrida permite considerar que o conteúdo dos documentos controvertidos revestia um caráter particularmente sensível, no sentido de que um interesse fundamental da União ou dos Estados‑Membros teria sido posto em causa em caso de divulgação (v., neste sentido, Acórdão de 22 de março de 2018, De Capitani/Parlamento, T‑540/15, EU:T:2018:167, n.o 97 e jurisprudência referida). Por outro lado, perante o Tribunal Geral, o Conselho também não precisa os aspetos concretos do conteúdo desses documentos que revestem um caráter particularmente sensível.

77      Em segundo lugar, no n.o 21 da decisão recorrida, o Conselho alegou que a proposta legislativa em causa era objeto de discussões em curso e que os documentos controvertidos não eram exaustivos e não refletiam necessariamente as posições definitivas dos Estados‑Membros.

78      A este respeito, importa recordar que o caráter preliminar das conversações relativas à proposta legislativa em causa não permite justificar, enquanto tal, a aplicação da exceção prevista no artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 1049/2001. Com efeito, esta disposição não estabelece nenhuma distinção consoante o estado das conversações. A mesma refere‑se, de um modo geral, aos documentos relativos a uma questão sobre a qual a instituição em causa «não tenha decidido», por oposição ao artigo 4.o, n.o 3, segundo parágrafo, que visa o caso em que a instituição em causa tomou uma decisão. No caso vertente, o caráter preliminar das conversações em curso e o facto de essas propostas ainda não terem sido objeto de um consenso ou de um compromisso no Conselho não permitem, portanto, caracterizar um prejuízo grave para o processo decisório (v., neste sentido, Acórdãos de 22 de março de 2011, Access Info Europe/Conselho, T‑233/09, EU:T:2011:105, n.os 75 e 76, e de 22 de março de 2018, De Capitani/Parlamento, T‑540/15, EU:T:2018:167, n.o 100).

79      Do mesmo modo, segundo a jurisprudência, por natureza, uma proposta é feita para ser discutida e não se destina a permanecer inalterada depois dessa discussão. A opinião pública é perfeitamente capaz de compreender que o autor de uma proposta pode alterar o seu conteúdo posteriormente. Precisamente pelas mesmas razões, o autor de um pedido de acesso a documentos legislativos no âmbito de um processo em curso terá plena consciência do caráter provisório das informações que neles figuram e do facto de estas se destinarem a ser alteradas ao longo das conversações no âmbito dos trabalhos preparatórios do grupo de trabalho do Conselho, até que seja alcançado um acordo sobre o texto na sua globalidade (v., neste sentido, Acórdão de 22 de março de 2018, De Capitani/Parlamento, T‑540/15, EU:T:2018:167, n.o 102 e jurisprudência referida). Isto é evidenciado muito particularmente pelo objetivo prosseguido no caso em apreço pelo pedido de acesso, na medida em que o recorrente procurava conhecer as posições expressas pelos Estados‑Membros no Conselho precisamente para suscitar um debate a este respeito antes de esta instituição definir a sua posição no processo legislativo em causa (v. n.o 14, supra).

80      Em terceiro lugar, o Conselho salientou, no n.o 22 da decisão recorrida, que os elementos que figuram nos documentos controvertidos eram o resultado de «negociações difíceis» entre os Estados‑Membros e revelavam as dificuldades ainda a resolver antes de poder chegar a um acordo.

81      No entanto, na decisão recorrida, o Conselho não precisa quais os «elementos» concretos e específicos dos documentos controvertidos que foram fonte de dificuldades tais que a sua divulgação poderia prejudicar gravemente o seu processo decisório. De resto, o fundamento segundo o qual algumas das propostas de alteração refletidas nos documentos controvertidos deviam ainda ser discutidas antes de ser obtido um acordo é demasiado geral e passível de aplicação a qualquer documento legislativo elaborado ou trocado no âmbito de um grupo de trabalho do Conselho.

82      Em quarto lugar, no n.o 23 da decisão recorrida, o Conselho alegou que os documentos controvertidos continham conversações livres e francas entre os Estados‑Membros, cuja divulgação nesta fase das «negociações» prejudicaria a confiança mútua que preside aos trabalhos dos grupos de trabalho do Conselho.

83      No entanto, o Conselho não apresentou nenhum elemento tangível que pudesse demonstrar que, quanto ao processo legislativo em causa, o acesso aos documentos controvertidos prejudicaria a cooperação leal que os Estados‑Membros devem respeitar. O risco invocado parece assim hipotético. Além disso, quando, no âmbito dos grupos de trabalho do Conselho, os Estados‑Membros expressam as respetivas posições sobre uma dada proposta legislativa e a evolução que aceitam que esta tome, o facto de esses elementos serem, em seguida, comunicados a pedido não é, em si mesmo, suscetível de obstar à cooperação leal que as instituições estão obrigadas a praticar entre si por força do artigo 4.o, n.o 3, TUE (v., por analogia, Acórdão de 22 de março de 2018, De Capitani/Parlamento, T‑540/15, EU:T:2018:167, n.os 103 e 104).

84      Embora, pelo motivo invocado no n.o 23 da decisão recorrida, o Conselho tenha feito alusão a um risco de pressões públicas, como sustenta na contestação, importa recordar que, num sistema baseado no princípio da legitimidade democrática, os colegisladores devem responder pelos seus atos perante o público. O exercício pelos cidadãos dos seus direitos democráticos pressupõe a possibilidade de seguirem pormenorizadamente o processo decisório das instituições que participam nos processos legislativos e de ter acesso a todas as informações pertinentes (Acórdão de 22 de março de 2011, Access Info Europe/Conselho, T‑233/09, EU:T:2011:105, n.o 69). Além disso, o artigo 10.o, n.o 3, TUE enuncia que todos os cidadãos têm o direito de participar na vida democrática da União e que as decisões devem ser tomadas de forma tão aberta e tão próxima dos cidadãos quanto possível. Assim, a manifestação da opinião pública relativamente a uma qualquer proposta legislativa faz parte integrante do exercício dos direitos democráticos dos cidadãos da União (Acórdão de 22 de março de 2018, De Capitani/Parlamento, T‑540/15, EU:T:2018:167, n.o 98).

85      Embora a jurisprudência reconheça que o risco de pressões externas possa constituir um fundamento legítimo para restringir o acesso aos documentos relacionados com o processo decisório, é, no entanto, necessário que a realidade dessas pressões externas seja estabelecida com certeza e que seja produzida prova de que o risco de afetar substancialmente a decisão a tomar é razoavelmente previsível devido às referidas pressões externas. Ora, nenhum elemento tangível do processo permite comprovar, em caso de divulgação dos documentos controvertidos, a realidade dessas pressões externas. Por conseguinte, nada no processo de que dispõe o Tribunal Geral sugere que, no que respeita ao processo legislativo em causa, o Conselho podia razoavelmente esperar uma reação que excedesse o que pode ser esperado do público por parte de qualquer membro de um órgão legislativo que apresente uma alteração a um projeto de lei (v., neste sentido, Acórdãos de 22 de março de 2011, Access Info Europe/Conselho, T‑233/09, EU:T:2011:105, n.o 74, e de 22 de março de 2018, De Capitani/Parlamento, T‑540/15, EU:T:2018:167, n.o 99).

86      Em quinto lugar, nos n.os 23 e 24 da decisão recorrida, o Conselho explicou que a divulgação dos documentos controvertidos prejudicaria gravemente a eficácia do seu processo decisório e diminuiria as possibilidades de se chegar a um acordo.

87      Todavia, o fundamento invocado nos n.os 23 e 24 da decisão recorrida continua a ser demasiado genérico, na medida em que o Conselho não explica em que medida o acesso aos documentos controvertidos poderia prejudicar gravemente, de forma concreta, efetiva e não hipotética, as possibilidades de chegar a acordo sobre a proposta legislativa em causa.

88      Em sexto lugar, nos n.os 25 e 27 da decisão recorrida, o Conselho sublinhou que o interesse público legítimo que justifica a divulgação dos documentos controvertidos não prevalecia sobre a necessidade igualmente legítima de proteger o processo decisório.

89      Com o fundamento invocado nos n.os 25 e 27 da decisão recorrida, o Conselho parece confundir, como alega o recorrente, duas etapas distintas na aplicação do artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 1049/2001. Com efeito, só se a instituição em causa considerar que a divulgação de um documento pode prejudicar concreta e efetivamente o processo decisório em causa é que lhe incumbe verificar, num segundo momento, se, apesar de tudo, há um interesse público superior que justifica a divulgação do documento em causa. Dito de outro modo, neste contexto, incumbe ao Conselho ponderar o interesse específico que deve ser protegido pela não divulgação do documento em causa, designadamente o interesse geral em que esse documento se torne acessível, tendo em conta as vantagens que decorrem, como assinala o considerando 2 do Regulamento n.o 1049/2001, de uma transparência mais ampla, a saber, uma melhor participação dos cidadãos no processo decisório e uma maior legitimidade, eficácia e responsabilidade da Administração perante os cidadãos num sistema democrático. (v., por analogia, Acórdão de 1 de julho de 2008, Suécia e Turco/Conselho (C‑39/05 P e C‑52/05 P, EU:C:2008:374, n.o 45).

90      Em sétimo lugar, no n.o 26 da decisão recorrida, o Conselho referiu que a recusa em divulgar um número limitado dos documentos visados pelo pedido do recorrente não equivale a negar aos cidadãos a possibilidade de serem informados sobre o processo decisório em causa.

91      A este respeito, à semelhança do recorrente e como aliás admitiu o Conselho, o fundamento invocado no n.o 26 da decisão recorrida não é um critério pertinente para apreciar se os requisitos da recusa nos termos do artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 1049/2001 estão preenchidos. Com efeito, a mera circunstância de ter sido concedido o acesso a determinados documentos relativos ao mesmo processo legislativo não pode justificar a recusa de acesso a outros documentos.

92      Em oitavo lugar, o Conselho alega, no n.o 28 da decisão recorrida, que, «na sequência de uma avaliação específica do conteúdo e do contexto» dos documentos controvertidos, concluiu que existiam razões objetivas que demonstram a existência de um risco razoavelmente previsível de que a divulgação dos referidos documentos pudesse prejudicar gravemente o processo decisório em causa.

93      Todavia, esta alegada «avaliação específica do conteúdo e do contexto» dos documentos controvertidos não resulta da decisão recorrida, pelo que o risco de prejuízo grave para o processo decisório não é sustentado por nenhum elemento tangível, concreto e específico.

94      Por último, nos articulados que apresentou no Tribunal Geral, o Conselho acrescenta que há que distinguir os documentos elaborados no âmbito dos trílogos objeto do Acórdão de 22 de março de 2018, De Capitani/Parlamento (T‑540/15, EU:T:2018:167), dos documentos controvertidos. Em seu entender, os primeiros intervêm numa fase do processo legislativo em que já adotou a sua posição sobre uma proposta legislativa, enquanto os segundos se referem a conversações nos grupos de trabalho entre funcionários das delegações dos Estados‑Membros que intervêm a um «nível técnico». No caso em apreço, estes últimos dizem respeito a trabalhos preparatórios e são desprovidos de compromisso político enquanto não estiverem sujeitos, enquanto tais, ao Comité de Representantes Permanentes (Coreper), nem posteriormente a uma das formações ministeriais do Conselho.

95      Embora, com este argumento, o Conselho procure justificar um acesso menos amplo aos documentos elaborados pelos seus grupos de trabalho, devido ao seu caráter alegadamente «técnico», antes de mais há que salientar que o caráter «técnico» ou não de um documento não é um critério pertinente para efeitos da aplicação do artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 1049/2001. Em seguida, e em todo o caso, o próprio conteúdo dos documentos controvertidos demonstra que contêm propostas normativas de diversos textos legislativos e que se inserem, portanto, no funcionamento normal do processo legislativo. Os documentos controvertidos não têm, portanto, caráter «técnico». Por último, os membros dos grupos de trabalho do Conselho estão investidos de um mandato dos Estados‑Membros que representam e exprimem, aquando das deliberações sobre uma dada proposta legislativa, a posição do seu Estado‑Membro no Conselho, quando este último age na qualidade de colegislador. No entanto, o facto de os referidos grupos de trabalho não estarem autorizados a adotar a posição definitiva desta instituição não significa que os seus trabalhos não estejam inseridos no funcionamento normal do processo legislativo, o que, aliás, o Conselho não contesta, nem que os documentos que elaboram sejam de ordem «técnica».

96      Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que concluir que nenhum dos fundamentos considerados pelo Conselho na decisão recorrida permite considerar que a divulgação dos documentos controvertidos poderia prejudicar gravemente, de forma concreta, efetiva e não hipotética, o processo legislativo, na aceção do artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 1049/2001.

97      Por conseguinte, há que julgar procedente a segunda parte do primeiro fundamento e, consequentemente, anular a decisão recorrida, sem necessidade de examinar os outros fundamentos e alegações de recurso.

 Quanto às despesas

98      Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo o Conselho ficado vencido, há que condená‑lo a suportar, além das suas próprias despesas, as efetuadas pelo recorrente, em conformidade com o pedido deste.

99      Em conformidade com o artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, o Reino da Bélgica, o Reino dos Países Baixos, a República da Finlândia e o Reino da Suécia suportarão as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Décima Secção alargada)

decide:

1)      A Decisão SGS 21/000067 do Conselho da União Europeia, de 14 de janeiro de 2021, é anulada.

2)      O Conselho suportará as suas próprias despesas e as efetuadas por Emilio De Capitani.

3)      O Reino da Bélgica, o Reino dos Países Baixos, a República da Finlândia e o Reino da Suécia suportarão as suas próprias despesas.

Kornezov

Buttigieg

Kowalik‑Bańczyk

Hesse

 

      Petrlík

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 25 de janeiro de 2023.

Assinaturas


*      Língua do processo: inglês.