Language of document : ECLI:EU:C:2011:62

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

10 de Fevereiro de 2011 (*)

«Recurso de decisão do Tribunal Geral – Artigos 81.° CE e 53.° do Acordo EEE – Mercado das consolas de jogos de vídeo e cartuchos de jogos da marca Nintendo – Limitação das exportações paralelas neste mercado – Acordo entre fabricante e distribuidor exclusivo – Acordo de distribuição que permite as vendas passivas – Demonstração de um concurso de vontades na falta de prova documental directa de uma limitação dessas vendas – Nível de prova exigido para a demonstração de um acordo vertical»

No processo C‑260/09 P,

que tem por objecto um recurso de uma decisão do Tribunal de Primeira Instância, interposto ao abrigo do artigo 56.° do Estatuto do Tribunal de Justiça, entrado em 10 de Julho de 2009,

Activision Blizzard Germany GmbH, anteriormente CD‑Contact Data GmbH, com sede em Burglengenfeld (Alemanha), representada por J. K. de Pree e E. N. M. Raedts, advocaten,

recorrente,

sendo a outra parte no processo:

Comissão Europeia, representada por S. Noë e F. Ronkes Agerbeek, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: A. Tizzano, presidente de secção, J.‑J. Kasel, M. Ilešič (relator), E. Levits e M. Safjan, juízes,

advogado‑geral: J. Mazák,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        Através do presente recurso, a Activision Blizzard Germany GmbH (a seguir «Activision Blizzard»), na qualidade de sucessora legal da CD‑Contact Data GmbH (a seguir «CD‑Contact Data»), pede a anulação do acórdão do Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias de 30 de Abril de 2009, CD‑Contact Data/Comissão (T‑18/03, Colect., p. II‑1021, a seguir «acórdão recorrido»), pelo qual este reduziu a coima aplicada à CD‑Contact Data e, no restante, negou provimento ao recurso de anulação da Decisão 2003/675/CE da Comissão, de 30 de Outubro de 2002, relativa a um processo de aplicação do artigo 81.° do Tratado CE e do artigo 53.° do Acordo EEE (COMP/35.587 PO Video Games, COMP/35.706 PO Nintendo Distribution e COMP/36.321 Omega – Nintendo) (JO 2003, L 255, p. 33, a seguir «decisão controvertida»). Esta decisão dizia respeito a um conjunto de acordos e práticas concertadas destinados a limitar as exportações paralelas no mercado das consolas de jogos de vídeo da marca Nintendo e dos cartuchos de jogos para estas consolas.

 Antecedentes do litígio

2        A Nintendo Co. Ltd (a seguir «Nintendo»), sociedade cotada em bolsa com sede em Quioto (Japão), é a sociedade‑líder do grupo de sociedades Nintendo, especializadas na produção e na distribuição de consolas de jogos de vídeo e cartuchos de jogos para utilização nessas consolas. As actividades da Nintendo no Espaço Económico Europeu são exercidas, em determinados territórios, por filiais que aquela detém a 100%, a principal das quais é a Nintendo of Europe GmbH (a seguir «NOE»). À data dos factos, a NOE coordenava determinadas actividades comerciais da Nintendo na Europa e era o seu distribuidor exclusivo na Alemanha. Noutros territórios de venda, a Nintendo designou distribuidores exclusivos independentes.

3        A CD‑Contact Data foi o distribuidor exclusivo da Nintendo para a Bélgica e o Luxemburgo, de Abril de 1997 a 31 de Dezembro de 1997, pelo menos.

4        No decurso do mês de Março de 1995, a Comissão das Comunidades Europeias deu início a uma investigação relativa ao sector dos jogos de vídeo. Na sequência das conclusões preliminares a que chegou, a Comissão abriu, em Setembro de 1995, uma investigação complementar especificamente sobre o sistema de distribuição da Nintendo. Na sequência da queixa apresentada por uma sociedade que opera no sector da importação e da venda de jogos electrónicos, de acordo com a qual a Nintendo criava obstáculos ao comércio paralelo e praticava um sistema de preços de revenda impostos nos Países Baixos, a Comissão alargou a sua investigação. Na resposta de 16 de Maio de 1997 a um pedido de informações da Comissão, a Nintendo reconheceu que alguns dos seus acordos de distribuição e algumas das suas condições gerais continham restrições ao comércio paralelo no interior do Espaço Económico Europeu. Por carta de 23 de Dezembro de 1997, a Nintendo informou a Comissão de que tinha tido conhecimento de «um problema grave no que se refere ao comércio paralelo na Comunidade» e exprimiu o seu desejo de cooperar com a Comissão. Na sequência da sua confissão, a Nintendo tomou medidas para garantir, futuramente, a observância do direito da União e ofereceu compensações financeiras aos terceiros que sofreram prejuízos financeiros devido ao seu comportamento.

5        Por ofício de 9 de Junho de 1999, a Comissão solicitou à CD‑Contact Data que lhe indicasse se os documentos, juntos aos processos da Comissão, que lhe diziam respeito continham dados confidenciais. Nesse ofício, era‑lhe também comunicado que a Comissão projectava dar início a um procedimento formal contra determinadas sociedades, incluindo a CD‑Contact Data. Em 26 de Abril de 2000, a Comissão remeteu uma comunicação de acusações à Nintendo e às outras empresas interessadas, entre as quais a CD‑Contact Data, por violação do artigo 81.°, n.° 1, CE e do artigo 53.°, n.° 1, do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, de 2 de Maio de 1992 (JO 1994, L 1, p. 3). A Nintendo não contestou a materialidade dos factos expostos na comunicação de acusações.

6        Em 30 de Outubro de 2002, a Comissão adoptou a decisão controvertida, cujo artigo 1.° enuncia:

«As seguintes empresas infringiram o n.° 1 do artigo 81.° [CE] e o n.° 1 do artigo 53.° do Acordo [sobre o Espaço Económico Europeu] participando, nos períodos indicados, num conjunto de acordos e práticas concertadas complexas nos mercados das consolas de jogos e cartuchos de jogos compatíveis com as consolas fabricadas pela Nintendo e que tinham por objecto e efeito restringir as exportações paralelas de consolas e jogos Nintendo:

[...]

–      [CD‑Contact Data], de 28 de Outubro de 1997 até finais de Dezembro de 1997.»

7        Nos termos do artigo 3.° desta decisão, foi aplicada à CD‑Contact Data uma coima de 1 milhão de euros.

8        Nos considerandos 195 e 196 da decisão controvertida, a Comissão sublinha, no que se refere às exportações paralelas a partir da Bélgica e do Luxemburgo, que «[a CD‑Contact Data] estava consciente de que era obrigada a assegurar‑se de que os seus clientes não efectuariam exportações paralelas». Isto resulta de uma telecópia enviada pela CD‑Contact Data à NOE, em 28 de Outubro de 1997, em que assegurou que não queria exportações. No considerando 317 desta decisão, a Comissão constata que esta correspondência revela que a CD‑Contact Data e a Nintendo «tinham uma ‘concordância de vontades’ no sentido de não existirem exportações a partir do território da [CD‑Contact Data] e que esta controlaria os fornecimentos a clientes [...], relativamente aos quais seria de esperar que efectuassem exportações». No considerando 319 da dita decisão, a Comissão salienta que «[a CD‑Contact Data] apresentou elementos de prova suplementares de que não aderiu ao acordo restritivo do comércio paralelo» e que, de acordo com esta sociedade, «exportou ela própria os produtos e/ou vendeu produtos a empresas que os destinavam a exportação». A Comissão concluiu, entretanto, no considerando 326 da mesma decisão, que o facto de a CD‑Contact Data ter, na prática, permitido determinadas exportações paralelas mostra simplesmente que ela própria «fez batota».

9        Quanto às importações paralelas na Bélgica, a Comissão refere‑se, no considerando 197 da decisão controvertida, à circunstância de, entre Setembro e Dezembro de 1997, a CD‑Contact Data ter trocado correspondência com a NOE sobre as importações paralelas no seu território, na expectativa de que o «problema» fosse solucionado. Cita, a este propósito, três cartas datadas, respectivamente, de 4 de Setembro, 3 de Novembro e 4 de Dezembro de 1997.

 Acórdão recorrido

10      Pelo acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância reformou a decisão controvertida na parte em que não tinha sido reconhecido à CD‑Contact Data o benefício da circunstância atenuante do seu papel exclusivamente passivo na infracção e, por conseguinte, reduziu a coima aplicada a esta sociedade para 500 000 euros. Quanto ao restante, negou provimento ao recurso de anulação desta decisão.

11      No que se refere, designadamente, à primeira parte do primeiro fundamento de recurso, relativa à violação do artigo 81.° CE e cujo exame pelo Tribunal de Primeira Instância foi criticado pela Activision Blizzard no âmbito do presente recurso, foi julgada improcedente nos n.os 46 a 70 do acórdão recorrido.

12      No n.° 52 deste acórdão, o Tribunal de Primeira Instância declarou que a Comissão, para concluir pela existência de um acordo contrário ao artigo 81.°, n.° 1, CE, não se reportou aos termos do acordo de distribuição celebrado entre a Nintendo e a CD‑Contact Data, visto per se. Segundo o Tribunal de Primeira Instância, a Comissão observou, a este respeito, no considerando 196 da decisão controvertida, que «[o] texto do acordo de distribuição entre a [CD‑Contact Data] e a Nintendo permitia à primeira efectuar exportações passivas». O Tribunal de Primeira Instância salientou, neste contexto, que, com efeito, diversamente do que se verificou com alguns dos distribuidores a que a decisão se refere, o acordo de distribuição, celebrado quase dois anos após a abertura da investigação pela Comissão e relativo ao sistema de distribuição em causa, não continha, enquanto tal, nenhuma cláusula proibida pelo artigo 81.°, n.° 1, CE.

13      Após ter especificado, no n.° 53 do acórdão recorrido, que, relativamente à CD‑Contact Data, a Comissão se tinha referido unicamente à celebração de um acordo, o Tribunal de Primeira Instância realçou, no n.° 54 deste acórdão, que, na falta de prova documental directa da celebração de um acordo escrito entre a Nintendo e a CD‑Contact Data sobre a limitação de exportações passivas, a Comissão entendeu que a participação desta sociedade num acordo contrário ao artigo 81.°, n.° 1, CE era comprovada pelos comportamentos desta última, conforme estão expressos na sua correspondência.

14      O Tribunal de Primeira Instância considerou, no n.° 55 do acórdão recorrido, que, nestas circunstâncias, importava examinar se, face ao teor dessa troca de missivas, a Comissão fez prova bastante da existência de uma concordância de vontades entre a CD‑Contact Data e a Nintendo no sentido de limitar o comércio paralelo. A este respeito, salientou, no n.° 56 do dito acórdão, que a Comissão se referiu, na decisão controvertida, a um conjunto de provas escritas, especialmente a uma telecópia remetida pela CD‑Contact Data à NOE, em 28 de Outubro de 1997.

15      No n.° 58 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância realçou que, nessa telecópia, a CD‑Contact Data explicava que não tinha podido fornecer determinadas quantidades de produtos à BEM, um grossista estabelecido na Bélgica que, potencialmente, se dedicava ao comércio paralelo. Constatou, no n.° 59 deste acórdão, que, ao contrário do que a Comissão afirmava, não resultava claramente do teor dessa telecópia que a CD‑Contact Data tivesse conhecimento de que se esperava que ela impedisse as exportações paralelas e que a mesma pretendia defender‑se das alegações da Nintendo France sobre essas exportações paralelas com origem na Bélgica. Em especial – segundo o Tribunal de Primeira Instância – não se pode deduzir com a certeza exigida que a «prudência», referida pela CD‑Contact Data, face a clientes que se dedicavam às exportações em geral comprova que esta tinha aprovado a política controvertida de limitação do comércio paralelo. Além disso, o Tribunal de Primeira Instância considerou que não se podia afastar, a priori, a interpretação defendida pela CD‑Contact Data, de que a referência às quantidades limitadas de produtos de que dispunha devia ser vista como uma informação sobre a sua impossibilidade material de proceder a vendas activas por intermédio de um grossista estabelecido na Bélgica.

16      O Tribunal de Primeira Instância observou, no n.° 60 do acórdão recorrido, que a telecópia endereçada pela CD‑Contact Data à NOE, em 28 de Outubro de 1997, se segue directamente à missiva remetida em 24 de Outubro de 1997, em que a Nintendo France se queixava das exportações paralelas a partir da Bélgica, que era então o território no qual a CD‑Contact Data era o distribuidor exclusivo dos produtos em causa, e pedia à NOE que tomasse as medidas necessárias para remediar os «problemas» que essas exportações lhe causavam. Assim, segundo o Tribunal de Primeira Instância, a CD‑Contact Data tinha considerado necessário justificar‑se sobre as quantidades de que dispunha e as condições em que exportava os produtos em causa na sequência da queixa sobre as referidas exportações paralelas.

17      No n.° 61 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância observou que, quanto aos documentos relativos às importações paralelas na Bélgica e no Luxemburgo, a Comissão referiu que tinha sido implementado um sistema de colaboração prática e de troca de informações sobre o comércio paralelo, entre a Nintendo e alguns dos seus distribuidores autorizados, entre os quais se contava a CD‑Contact Data. Quanto a esta última, a sua participação no sistema de troca de informações resultava, segundo o Tribunal de Primeira Instância, de diversas missivas citadas no considerando 197 da decisão controvertida.

18      O Tribunal de Primeira Instância considerou, no n.° 62 deste acórdão, que o teor dessas várias missivas permite, na sequência das considerações expostas nos números anteriores do mesmo acórdão, concluir que tinham por objecto denunciar as importações paralelas de produtos Nintendo na Bélgica e que se inseriam no sistema de troca de informações implementado pela Nintendo. Neste contexto, nos n.os 63 a 66 do dito acórdão, cita duas missivas da CD‑Contact Data dirigidas à NOE, respectivamente, em 4 de Setembro e 3 de Novembro de 1997, uma telecópia enviada pela CD‑Contact Data à Nintendo France, em 12 de Novembro de 1997, e um documento de 4 de Dezembro de 1997, remetido pela NOE à CD‑Contact Data.

19      No n.° 67 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância entendeu que a circunstância de a CD‑Contact Data ter, na prática, participado no comércio paralelo mediante a exportação de produtos para clientes estabelecidos fora da Bélgica e do Luxemburgo não é susceptível de pôr em causa esta conclusão. Considerou, a este respeito, que o facto de uma empresa, cuja participação numa concertação ilegal nos termos do artigo 81.°, n.° 1, CE estava provada, não se ter comportado no mercado, da maneira acordada com os seus concorrentes, não constitui necessariamente um elemento que deva ser levado em conta. Com efeito, segundo o Tribunal de Primeira Instância, uma empresa que prosseguia, apesar da concertação com os seus concorrentes, uma política que se afastava da acordada, podia simplesmente estar a tentar utilizar o acordo em seu proveito.

20      Relativamente às provas da proibição de importações paralelas para a Bélgica e o Luxemburgo, o Tribunal de Primeira Instância entendeu, no n.° 68 do acórdão recorrido, que a CD‑Contact Data não podia alegar que as cartas citadas pela Comissão foram mal interpretadas, na medida em que, através delas, a primeira pretendia simplesmente assegurar‑se de que o preço que pagava à Nintendo pelos produtos em causa não era demasiado elevado. Assim, segundo o Tribunal de Primeira Instância, resulta de uma leitura global dessas missivas, em especial da telecópia de 12 de Novembro de 1997 enviada pela CD‑Contact Data à Nintendo France, que estas abordavam a questão do preço dos produtos em causa, em conexão, mais ou menos directa, com a existência de importações paralelas.

21      Nos n.os 69 e 70 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância deduziu destas considerações que a Comissão não cometeu nenhum erro quando concluiu que a CD‑Contact Data participara num acordo que tinha por objecto a limitação do comércio paralelo, e, por conseguinte, não acolheu a primeira parte do primeiro fundamento invocado por esta sociedade no seu recurso.

 Pedidos das partes no Tribunal de Justiça

22      A Activision Blizzard conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        Anular o acórdão recorrido na medida em que negou provimento ao recurso da decisão controvertida;

–        Anular a decisão controvertida ou, pelo menos, a parte que lhe diz respeito;

–        A título subsidiário, anular o acórdão recorrido na parte em que nega provimento ao recurso de anulação da decisão controvertida e remeter o processo ao Tribunal Geral;

–        Condenar a Comissão nas despesas dos dois processos.

23      A Comissão pede ao Tribunal de Justiça que negue provimento ao presente recurso e condene a recorrente nas despesas.

 Quanto ao recurso

24      Em apoio do seu recurso, a Activision Blizzard invoca três fundamentos, criticando a apreciação feita pelo Tribunal de Primeira Instância, nos n.os 46 a 70 do acórdão recorrido, da primeira parte do primeiro fundamento do recurso, que se baseava na violação do artigo 81.°, n.° 1, CE.

 Quanto ao primeiro fundamento

 Argumentos das partes

25      No primeiro fundamento de recurso, a Activision Blizzard alega que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito ao proceder a uma qualificação jurídica errada dos factos, concluindo pela existência de um acordo ilegal na acepção do artigo 81.°, n.° 1, CE, entre a NOE e a CD‑Contact Data. Esse erro resulta da circunstância de o Tribunal de Primeira Instância, na apreciação dos elementos de prova invocados pela Comissão, não ter tido em conta a diferença existente, do ponto de vista do efeito jurídico, entre uma limitação do comércio paralelo activo e uma limitação do comércio paralelo passivo.

26      A este respeito, a Activision Blizzard salienta que o acordo de distribuição celebrado entre a Nintendo e a CD‑Contact Data proibia o comércio paralelo activo, autorizando o comércio paralelo passivo. Como o Tribunal de Primeira Instância confirmou no n.° 52 do acórdão recorrido, esse acordo era perfeitamente legal à luz do artigo 81.°, n.° 1, CE.

27      Tendo em conta a proibição do comércio paralelo activo estipulada no acordo de distribuição, não seria surpreendente que a CD‑Contact Data tivesse trocado informações com a NOE sobre importações paralelas realizadas na Bélgica, como demonstra a telecópia enviada pela CD‑Contact Data à Nintendo, em 28 de Outubro de 1997, conjugada com as missivas citadas no considerando 197 da decisão controvertida.

28      Para proceder a uma análise jurídica correcta dos factos, o Tribunal de Primeira Instância deveria, após ter apurado que a CD‑Contact Data participava numa troca de informações sobre importações paralelas, determinar se o dito comportamento respeitava a uma limitação das vendas paralelas activas, em conformidade com o acordo de distribuição, ou se incidia também sobre uma limitação ilegal das vendas paralelas passivas. Sem apurar a existência de um acordo que ultrapassasse uma restrição das vendas activas, o Tribunal de Primeira Instância não podia, no entender da recorrente, chegar à conclusão de que a CD‑Contact Data era parte num acordo contrário ao artigo 81.°, n.° 1, CE.

29      A Activision Blizzard conclui que, na medida em que o Tribunal de Primeira Instância não procedeu à referida análise, não podia, sem cometer um erro de direito, considerar que a Comissão tinha demonstrado de modo suficiente que o comportamento da CD‑Contact Data visava limitar as vendas passivas.

30      A título subsidiário, a recorrente sustenta que o Tribunal de Primeira Instância violou, no mínimo, o dever de fundamentação que lhe incumbe, na medida em que o acórdão recorrido não enuncia de modo algum as razões pelas quais a distinção entre comércio paralelo activo e comércio paralelo passivo não devia ser tomada em conta nas circunstâncias do caso concreto.

31      A Comissão reconhece que o Regulamento (CEE) n.° 1983/83 da Comissão, de 22 de Junho de 1983, relativo à aplicação do n.° 3 do artigo 85.° do Tratado a certas categorias de acordos de distribuição exclusiva (JO L 173, p. 1; EE 08 F2 p. 110), que era aplicável ratione temporis aos factos do caso presente, permite proibir ao distribuidor exclusivo procurar activamente clientes fora do seu território e que o acordo de distribuição celebrado entre a CD‑Contact Data e a Nintendo incluía tal proibição de vendas activas que, como tal, não era contrária ao artigo 81.°, n.° 1, CE. Salienta, entretanto, que o dito regulamento não se aplica quando as partes convencionam criar uma situação de protecção territorial absoluta, no âmbito da qual seja totalmente proibido aos distribuidores exclusivos vender fora do seu território ou a clientes que tenham a intenção de exportar. Ora, era esse o caso no presente processo.

32      A Comissão entende que o Tribunal de Primeira Instância não cometeu nenhum erro de direito ao confirmar a decisão controvertida neste ponto. Considera, designadamente, que, uma vez que o Tribunal de Primeira Instância tinha apurado a existência do acordo celebrado entre a CD‑Contact Data e a Nintendo para limitar o comércio paralelo enquanto tal, era inútil que desenvolvesse mais a fundamentação do acórdão quanto à distinção entre as vendas activas e as vendas passivas dos distribuidores.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

33      No seu primeiro fundamento, a recorrente afirma, no essencial, que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito ao não examinar se o comportamento da CD‑Contact Data, conforme expresso na correspondência em que se baseia a decisão controvertida, tinha unicamente como objectivo limitar as vendas paralelas activas, em conformidade com o acordo de distribuição celebrado entre a CD‑Contact Data e a Nintendo, ou se esse comportamento incidia também sobre a limitação das vendas paralelas passivas.

34      Ora, há que observar que, no acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância, contrariamente ao alegado pela recorrente, procedeu a esse exame e que, por conseguinte, o dito fundamento não tem suporte factual.

35      Assim, o Tribunal de Primeira Instância observou, no n.° 52 do acórdão recorrido, que esse acordo de distribuição não continha, enquanto tal, e diversamente do que se verificou com acordos de distribuição celebrados anteriormente com alguns dos distribuidores da Nintendo, nenhuma cláusula proibida pelo artigo 81.°, n.° 1, CE, uma vez que permitia à CD‑Contact Data exportar passivamente.

36      Nos n.os 54 e 55 do referido acórdão, o Tribunal de Primeira Instância salientou em seguida que, na falta de prova documental directa da celebração de um acordo escrito sobre a limitação das exportações passivas, importava examinar se a Comissão, ao basear‑se na correspondência trocada entre a CD‑Contact Data, a NOE e a Nintendo France, citada na decisão controvertida, fez prova juridicamente bastante da participação da CD‑Contact Data num acordo contrário ao artigo 81.°, n.° 1, CE.

37      Por fim, o Tribunal de Primeira Instância reconheceu expressamente no n.° 59 do acórdão recorrido que não se podia afastar a priori a interpretação defendida pela recorrente, no que respeita à telecópia remetida pela CD‑Contact Data à NOE, em 28 de Outubro de 1997, de acordo com a qual a referência às quantidades limitadas de produtos de que dispunha a CD‑Contact Data devia ser vista como uma informação sobre a sua impossibilidade material de proceder a vendas activas por intermédio de um grossista estabelecido no Bélgica.

38      Daí resulta que o Tribunal de Primeira Instância apreciou os elementos de prova carreados pela Comissão à luz do facto de o acordo de distribuição celebrado entre a CD‑Contact Data e a Nintendo prever a proibição, à primeira vista, legal, das vendas paralelas activas e tendo em conta o argumento da CD‑Contact Data segundo o qual o conteúdo da dita telecópia se explica por este facto.

39      Se o Tribunal de Primeira Instância, no n.° 69 do acórdão recorrido, constatou, não obstante, a participação da CD‑Contact Data num acordo ilegal, tal se deve ao facto de, com base numa análise da correspondência invocada pela Comissão no seu conjunto, efectuada nos n.os 60 a 68 do dito acórdão, ter chegado à conclusão de que esta provava a existência de um concurso de vontades entre a CD‑Contact Data e a Nintendo, com o objectivo de limitar não só as vendas activas mas, de modo geral, o comércio paralelo.

40      Nestas condições, o primeiro fundamento invocado pela Activision Blizzard deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao segundo fundamento

 Argumentos das partes

41      No seu segundo fundamento, a Activision Blizzard sustenta que o Tribunal de Primeira Instância desvirtuou os elementos de prova ao considerar que os documentos citados nos n.os 56 a 68 do acórdão recorrido revelavam a prossecução de um objectivo ilegal. Refere‑se, designadamente, às telecópias de 4 de Setembro de 1997 e de 3 e 12 de Novembro do mesmo ano, nas quais a CD‑Contact Data se queixava das exportações realizadas para a Bélgica, em violação dos direitos exclusivos que lhe tinham sido concedidos neste território pelo acordo de distribuição, utilizando as informações relativas aos preços dos produtos importados como meio de negociação a fim de obter o melhor preço de compra por parte da NOE. Concluir daí que estes documentos diziam respeito a algo mais do que a uma restrição legal das vendas activas no território concedido em exclusividade à CD‑Contact Data, ou ao modo como esta exercia pressão sobre o seu fornecedor para diminuir o seu próprio preço de compra, estaria em contradição com o teor dos referidos documentos.

42      A recorrente sustenta, neste contexto, que resulta da telecópia de 3 de Novembro de 1997 que a CD‑Contact Data pretendia assinalar um caso eventual de vendas activas no mercado belga a partir da Alemanha.

43      No que se refere à telecópia de 12 de Novembro de 1997 dirigida à Nintendo France, o seu conteúdo em nada indica que a CD‑Contact Data exercia pressão a fim de limitar as importações paralelas passivas. A referência a «importações paralelas» implica, designadamente, que estas importações fossem legais. Por outro lado, por força do Regulamento (CE) n.° 2790/1999 da Comissão, de 22 de Dezembro de 1999, relativo à aplicação do n.° 3 do artigo 81.° do Tratado CE a determinadas categorias de acordos verticais e práticas concertadas (JO L 336, p. 21), o próprio facto de entravar as vendas passivas da Nintendo France teria sido autorizado, uma vez que esta era uma filial do fornecedor.

44      A telecópia de 4 de Setembro de 1997, na medida em que possa constituir uma prova, apesar de ter sido enviada antes do período em que teve lugar a presumida infracção, não contém nenhuma prova da intenção de entravar o comércio paralelo passivo. Ao invés, resulta dessa telecópia que a CD‑Contact Data tinha tentado utilizar as informações relativas aos preços dos produtos importados como meio de negociação para obter um melhor preço por parte da NOE.

45      A recorrente considera que a Comissão tenta inverter o ónus da prova ao sustentar que estes documentos não demonstram que os seus autores faziam a distinção entre vendas activas e vendas passivas, como se coubesse à CD‑Contact Data fazer prova de que tinha actuado em conformidade com o artigo 81.° CE. No entanto, o Tribunal de Justiça indicou claramente no acórdão de 13 de Julho de 1966, Consten e Grundig/Comissão (56/64 e 58/64, Colect. 1965‑1968, p. 423), que não era permitida a inversão do ónus da prova a este respeito.

46      Além disso, a recorrente lembra que, contrariamente aos anteriores contratos celebrados entre a Nintendo e as outras partes que efectivamente reconheceram ter participado no sistema ilegal, o acordo de distribuição assinado pela CD‑Contact Data era conforme aos resultados das discussões havidas entre a Nintendo e a Comissão e apenas proibia as vendas activas. Nestas condições e na falta de prova em contrário, não se pode presumir que a CD‑Contact Data tivesse interpretado este acordo em sentido diferente do de proibir a oferta activa de produtos nos territórios concedidos a outros distribuidores e vice‑versa. Além disso, as acções desenvolvidas pela CD‑Contact Data estavam em conformidade com esta interpretação. Assim, a CD‑Contact Data facilitou as vendas passivas em França, informando, porém, a NOE da existência de violações da proibição de vendas activas que figurava no acordo de distribuição.

47      A Comissão considera que o segundo fundamento é inadmissível ou, a título subsidiário, improcedente, uma vez que a recorrente não invocou nenhum elemento que demonstrasse que o Tribunal de Primeira Instância tinha desvirtuado o sentido manifesto das provas apresentadas.

48      A Comissão sustenta, designadamente, que nenhum dos três documentos citados pela recorrente, a saber, as telecópias de 4 de Setembro de 1997 e de 3 e 12 de Novembro do mesmo ano, continham elementos que demonstrassem que os seus autores faziam a distinção entre vendas activas e vendas passivas. Além disso, o Tribunal de Primeira Instância não interpretou estes documentos fora do seu contexto, mas considerou as provas no seu conjunto. Apreciada globalmente, a correspondência em questão mostrava que a CD‑Contact Data tinha participado num sistema de informações destinado a denunciar quaisquer importações paralelas, e confirmava assim que esta sociedade tinha aderido a um acordo visando limitar o comércio paralelo enquanto tal.

49      No entender da Comissão, há que considerar o contexto em que se inscreve a troca de informações entre a CD‑Contact Data e a Nintendo. Já antes da adesão da CD‑Contact Data à rede de distribuição da Nintendo, esta última e alguns dos seus distribuidores tinham implementado um sistema destinado a melhorar a protecção concedida aos distribuidores exclusivos para atingir um estado de protecção territorial absoluta, do qual o sistema de troca de informações sobre o comércio paralelo constituía um elemento essencial. Além disso, a Nintendo manteve o mesmo comportamento ilegal, mesmo quando teve conhecimento da investigação iniciada pela Comissão.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

50      No seu segundo fundamento, a recorrente invoca uma desvirtuação dos elementos de prova pelo Tribunal de Primeira Instância, especialmente das telecópias de 4 de Setembro de 1997 e de 3 e 12 de Novembro do mesmo ano, remetidas pela CD‑Contact Data, respectivamente, à NOE ou à Nintendo France.

51      A título preliminar, há que recordar que decorre dos artigos 225.° CE e 58.°, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça que o Tribunal de Justiça não é competente para proceder ao apuramento dos factos nem, em princípio, para analisar as provas que o Tribunal de Primeira Instância considerou sustentarem esses factos. Com efeito, quando essas provas tiverem sido obtidas regularmente e os princípios gerais de direito e as normas processuais aplicáveis em matéria de ónus e de produção da prova tiverem sido respeitados, compete exclusivamente ao Tribunal de Primeira Instância a apreciação do valor a atribuir aos elementos que lhe foram submetidos. Essa apreciação não constitui, por isso, excepto em caso de desvirtuação desses elementos, uma questão de direito sujeita, enquanto tal, à fiscalização do Tribunal de Justiça (v., designadamente, acórdão de 18 de Março de 2010, Trubowest Handel e Makarov/Conselho e Comissão, C‑419/08 P, ainda não publicado na Colectânea, n.os 30 e 31 e jurisprudência aí referida).

52      No caso presente, a recorrente sustenta de modo suficientemente circunstanciado que a apreciação das ditas telecópias feita pelo Tribunal de Primeira Instância está em contradição com o teor desses documentos. Nestas condições, contrariamente ao que alega a Comissão, o segundo fundamento é admissível.

53      Quanto à procedência deste fundamento, importa recordar que, segundo jurisprudência assente, a desvirtuação deve resultar de forma manifesta dos elementos dos autos, sem que seja necessário proceder a uma nova apreciação dos factos e das provas (v. acórdão de 6 de Abril de 2006, General Motors/Comissão, C‑551/03 P, Colect., p. I‑3173, n.° 54; acórdão Trubowest Handel e Makarov/Conselho e Comissão, já referido, n.° 32; e acórdão de 2 de Setembro de 2010, Comissão/Deutsche Post, C‑399/08 P, ainda não publicado na Colectânea, n.° 64).

54      Ora, ainda que seja possível interpretar as telecópias em questão no sentido proposto pela recorrente, importa contudo observar que a interpretação por ela sugerida não é a única que pode ser dada do texto destas telecópias e que a apreciação divergente que o Tribunal de Primeira Instância fez das mesmas não evidencia nenhuma desvirtuação do seu conteúdo. Em especial, a argumentação desenvolvida pela recorrente em apoio do seu segundo fundamento não evidencia nenhuma inexactidão material na interpretação que o Tribunal de Primeira Instância fez das ditas telecópias.

55      A este respeito, há nomeadamente que realçar, ao invés do que parece sugerir a recorrente, que, manifestamente, não resulta da telecópia de 3 de Novembro de 1997 que, com ela, a CD‑Contact Data pretendesse unicamente assinalar um caso de vendas activas efectuadas por outro distribuidor da Nintendo em violação do acordo de distribuição.

56      No tocante às telecópias de 4 de Setembro e 12 de Novembro de 1997, a recorrente contesta, no essencial, a sua força probatória, ao sustentar que não resulta de modo suficientemente claro das mesmas que tivessem um objectivo ilegal, sem contudo conseguir demonstrar que o significado atribuído pelo Tribunal de Primeira Instância a estas telecópias está em contradição evidente com o seu conteúdo.

57      Importa lembrar, neste contexto, que a fiscalização efectuada pelo Tribunal de Justiça para apreciar o presente fundamento, baseado numa desvirtuação das ditas telecópias, se limita à verificação de que o Tribunal de Primeira Instância, ao constatar com base nestas a participação da CD‑Contact Data num acordo ilegal destinado a restringir o comércio paralelo em geral, não ultrapassou manifestamente os limites de uma apreciação razoável dessas telecópias. No caso presente, não compete, por isso, ao Tribunal de Justiça apreciar autonomamente se a Comissão demonstrou de modo juridicamente bastante tal participação e se satisfez assim o ónus de prova que lhe incumbia para demonstrar a existência de uma violação das regras de direito da concorrência, mas antes determinar se o Tribunal de Primeira Instância, ao concluir que efectivamente assim era, procedeu a uma interpretação das ditas telecópias manifestamente contrária ao seu teor, o que não é o caso.

58      Do que precede decorre que o segundo fundamento deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao terceiro fundamento

 Argumentos das partes

59      No seu terceiro fundamento, a Activision Blizzard sustenta que, ainda que o Tribunal de Justiça viesse a considerar que os documentos citados nos n.os 56 a 68 do acórdão recorrido ultrapassam uma restrição legal do comércio activo, o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro manifesto de apreciação ao concluir que estes documentos constituíam prova bastante da existência de um acordo na acepção do artigo 81.°, n.° 1, CE, celebrado entre a CD‑Contact Data e a NOE. Com efeito, decorre da jurisprudência do Tribunal de Primeira Instância e da do Tribunal de Justiça que um acordo desse tipo exige, em primeiro lugar, uma política unilateral adoptada pela NOE, tendo em vista um objectivo anticoncorrencial, sob a forma de um convite implícito ou expresso à prossecução comum desse objectivo, dirigido à CD‑Contact Data, e, em segundo lugar, pelo menos, a aceitação tácita desta. Ora, no acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância aplicou estes critérios erradamente ou, no mínimo, violou o dever de fundamentação que a esse respeito lhe incumbia.

60      Quanto ao primeiro critério invocado, a recorrente sustenta que o Tribunal de Primeira Instância baseou a sua conclusão, de acordo com a qual a Nintendo tinha, unilateralmente, adoptado uma política que visava impor à CD‑Contact Data a obrigação de entravar as vendas paralelas, no simples facto de a Nintendo ter desenvolvido no ano de 1991 um sistema de troca de informações com vista a controlar as importações paralelas passivas. A recorrente alega, nomeadamente, que o Tribunal de Primeira Instância não explicou como é que a Nintendo impôs esta política ilegal à CD‑Contact Data, ao convidá‑la a nela participar.

61      Além disso, o Tribunal de Primeira Instância não examinou questões pertinentes como a falta de provas claras da imposição desta política pela Nintendo à CD‑Contact Data, a falta de um sistema de vigilância e de coimas aplicadas à CD‑Contact Data, a diferença entre a redacção do acordo de distribuição celebrado entre a Nintendo e a CD‑Contact Data e os acordos anteriores celebrados com outros distribuidores e, por último, o facto de as relações entre a Nintendo e os seus distribuidores exclusivos serem estreitamente fiscalizadas pela Comissão, desde há dois anos, quando a CD‑Contact Data se tornou distribuidor da Nintendo. Estes factores tornam altamente improvável que a Nintendo tenha convidado a CD‑Contact Data a participar no sistema ilegal de troca de informações e que tivesse aplicado este sistema do mesmo modo que nas suas relações com os outros distribuidores.

62      No que concerne ao segundo critério invocado, a Activision Blizzard entende que o Tribunal de Primeira Instância não demonstrou correctamente que a CD‑Contact Data tinha dado o seu consentimento à política adoptada unilateralmente pela Nintendo.

63      A recorrente entende, em particular, que o Tribunal de Primeira Instância considerou erradamente, no n.° 67 do acórdão recorrido, que a circunstância de a CD‑Contact Data ter, na prática, participado no comércio paralelo passivo, procedendo a exportações de produtos destinados a clientes estabelecidos fora da Bélgica e do Luxemburgo, não era de molde a pôr em causa a existência de um concurso de vontades. Baseando‑se, a este propósito, na sua jurisprudência relativa aos acordos horizontais, a saber, o acórdão de 29 de Novembro de 2005, Union Pigments/Comissão (T‑62/02, Colect., p. II‑5057), o Tribunal de Primeira Instância ignorou que resulta de jurisprudência assente que, no caso de acordos verticais, essas exportações podem pôr em causa o consentimento do distribuidor numa política ilegal do fornecedor visando entravar o comércio paralelo.

64      Além disso, a recorrente sustenta que factores que constituam provas suficientes da existência de um acordo horizontal não podem, em todas as circunstâncias, ser considerados como constituindo também provas suficientes da participação de uma empresa num acordo vertical, em especial quando o concurso de vontades deve ser baseado no consentimento tácito numa política adoptada unilateralmente.

65      Em primeiro lugar, ao contrário dos contactos entre concorrentes, os contactos entre fornecedores e distribuidores relativamente às práticas comerciais são, em especial no âmbito do sistema de distribuição exclusiva, normais e mesmo necessários. Em segundo lugar, no âmbito de relações verticais, os acordos no sentido de restringir a concorrência não são necessariamente celebrados no interesse do distribuidor. Em terceiro lugar, diferentemente de uma relação entre concorrentes, numa relação vertical, os distribuidores dependem das entregas do seu fornecedor e estão, por consequência, numa posição de fragilidade relativamente a este, o que torna mais difícil dissociarem‑se abertamente da política adoptada pelo seu fornecedor.

66      Nestas condições, o facto de um distribuidor não se dissociar abertamente da política do seu fornecedor não deve ser desde logo entendido como o consentimento deste num acordo, em especial se se puder provar que esse distribuidor, na prática, não agiu em conformidade com as pretensões do dito fornecedor.

67      A Comissão considera que nada no Tratado CE nem na jurisprudência sustenta o argumento de que os negócios que implicam acordos verticais exigem, para demonstrar a existência de um concurso de vontades, um nível de prova diferente do exigido nos processos que implicam acordos horizontais. A distinção entre acordos horizontais e acordos verticais é pertinente para apreciar os efeitos restritivos na concorrência, mas é irrelevante para determinar o que constitui um concurso de vontades.

68      No entender da Comissão, nenhuma das três razões invocadas pela recorrente para justificar que o Tribunal de Primeira Instância deveria ter estabelecido a distinção que propõe é convincente. Em primeiro lugar, o Tribunal de Primeira Instância concluiu pela existência de um acordo, não pelo facto de a CD‑Contact Data e a Nintendo terem mantido contactos, mas porque o conteúdo dos documentos visados nos n.os 56 a 66 do acórdão recorrido evidenciava um concurso de vontades no sentido de restringir o comércio paralelo. Em segundo lugar, os acordos anticoncorrenciais verticais que restringem o comércio paralelo podem, tal como os acordos anticoncorrenciais horizontais, trazer benefícios aos participantes nestes acordos, mesmo que nem todos esses participantes os respeitem. Em terceiro lugar, é difícil conceber como é que, no âmbito de uma relação vertical, é mais difícil dissociar‑se de um comportamento anticoncorrencial do que no âmbito de uma relação horizontal.

69      Daí a Comissão conclui que o Tribunal de Primeira Instância não cometeu nenhum erro de direito e fundamentou suficientemente o seu acórdão quando decidiu que a Comissão tinha demonstrado de modo juridicamente bastante a existência de um acordo entre a CD‑Contact Data e a Nintendo, com o objectivo de restringir o comércio paralelo. Considera que, quanto ao mais, a recorrente apresenta uma argumentação que convida o Tribunal de Justiça a proceder a uma nova apreciação sobre os factos dados como provados, o que é inadmissível.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

70      No seu terceiro fundamento, a Activision Blizzard sustenta, a título principal, que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro manifesto de apreciação ao considerar que os documentos invocados pela Comissão constituíam prova suficiente da existência de um acordo contrário ao artigo 81.°, n.° 1, CE, entre a CD‑Contact Data e a Nintendo. A Activision Blizzard afirma que o Tribunal de Primeira Instância não aplicou correctamente, ao presente contexto de uma relação vertical, a jurisprudência de acordo com a qual a celebração de um acordo desse tipo pressupõe, por um lado, o convite implícito ou expresso feito por uma das partes, para prosseguir conjuntamente um objectivo anticoncorrencial, e, por outro, o consentimento, no mínimo tácito, da outra parte. A título subsidiário, alega que o Tribunal de Primeira Instância não fundamentou suficientemente o acórdão recorrido.

71      Antes de mais, importa observar que, contrariamente ao que parece sugerir a recorrente, o nível de prova exigido para demonstrar a existência de um acordo anticoncorrencial no âmbito de uma relação vertical não é, por princípio, mais elevado do que o exigido no âmbito de uma relação horizontal.

72      Com efeito, é verdade que elementos que poderiam eventualmente permitir, no âmbito de uma relação horizontal, concluir pela existência de um acordo anticoncorrencial entre concorrentes, se podem revelar inadequados para demonstrar a existência de tal acordo no âmbito de uma relação vertical entre fabricante e distribuidor, uma vez que, numa relação deste tipo, determinadas trocas são legítimas. Contudo, não é menos certo que a existência de um acordo ilegal deve ser apreciada face ao conjunto dos factores pertinentes e ao contexto económico e jurídico próprio de cada caso concreto. A questão de saber se um elemento de prova permite ou não demonstrar a conclusão de um acordo contrário ao artigo 81.°, n.° 1, CE não pode, assim, ser decidida em abstracto, consoante se trate de uma relação vertical ou de uma relação horizontal, isolando este elemento do contexto e dos outros factores que caracterizam o caso concreto.

73      No presente caso, resulta designadamente do n.° 55 do acórdão recorrido que o Tribunal de Primeira Instância analisou a correspondência em que se baseia a decisão controvertida, a fim de determinar se esta demonstra a existência de um concurso de vontades entre a CD‑Contact Data e a Nintendo com vista a limitar o comércio paralelo. Foi com base numa apreciação de conjunto desta correspondência e do contexto em que esta se inseria que o Tribunal de Primeira Instância chegou à conclusão de que existia efectivamente esse concurso de vontades.

74      Ora, a análise dos argumentos invocados pela recorrente em apoio do seu terceiro fundamento não revela nenhum erro de direito naquela apreciação.

75      Em primeiro lugar, no que se refere à apreciação da questão de saber se a Nintendo tinha expressa ou implicitamente convidado a CD‑Contact Data a colaborar com vista a entravar o comércio paralelo, há que notar que o Tribunal de Primeira Instância se baseou, a esse propósito, contrariamente ao sustentado pela recorrente, não só na circunstância de a Nintendo ter desenvolvido nos anos 90 um sistema de troca de informações para limitar o comércio paralelo mas principalmente no facto de a correspondência trocada entre a NOE, a Nintendo France e a CD‑Contact Data demonstrar que esta última tinha integrado o dito sistema, o que pressupõe necessariamente um convite nesse sentido por parte da Nintendo.

76      A recorrente também não pode utilmente afirmar que o Tribunal de Primeira Instância não examinou factores pertinentes na sua apreciação da existência de um convite desse tipo.

77      Antes de mais, o Tribunal de Justiça já concluiu que o controlo da existência de um sistema de fiscalização e de sanções não é necessário em todos os casos, para que se considere que foi celebrado um acordo contrário ao artigo 81.°, n.° 1, CE (v., neste sentido, designadamente, acórdão de 6 de Janeiro de 2004, BAI e Comissão/Bayer, C‑2/01 P e C‑3/01 P, Colect., p. I‑23, n.° 84).

78      Seguidamente, resulta do n.° 52 do acórdão recorrido que o Tribunal de Primeira Instância teve em conta o facto de, contrariamente aos acordos de distribuição anteriores celebrados pela Nintendo com outros distribuidores, o acordo de distribuição celebrado com a CD‑Contact Data não conter nenhuma cláusula proibida.

79      Por último, na medida em que a recorrente sustenta que a correspondência analisada pelo Tribunal de Primeira Instância não constitui uma prova suficientemente clara e que a falta de um sistema de controlo, a diferença entre os acordos de distribuição da CD‑Contact Data e os celebrados anteriormente, bem como o controlo, pela Comissão, das relações entre a Nintendo e os seus distribuidores desde 1995 tornam altamente improvável que a Nintendo tivesse convidado a CD‑Contact Data para participar num sistema ilegal de troca de informações, basta verificar que, com esta argumentação, a recorrente se limita a convidar o Tribunal de Justiça a substituir pela sua própria apreciação a efectuada pelo Tribunal de Primeira Instância e que a referida argumentação é, assim, inadmissível, em conformidade com a jurisprudência citada no n.° 51 do presente acórdão.

80      No que toca, em segundo lugar, à apreciação da questão de saber se a CD‑Contact Data aceitou, pelo menos tacitamente, o convite que lhe tinha sido feito pela Nintendo para participar num acordo com o objectivo de restringir o comércio paralelo, importa, antes de mais, salientar que resulta, em especial, dos n.os 59 a 66 do acórdão recorrido que, ao invés do que parece sugerir a recorrente, o Tribunal de Primeira Instância deduziu a existência desse consentimento, não da ausência de protesto da CD‑Contact Data contra a política anticoncorrencial da Nintendo mas da correspondência invocada pela Comissão e, designadamente, do facto de as telecópias de 4 de Setembro de 1997 e de 3 e 12 de Novembro do mesmo ano, enviadas pela CD‑Contact Data, respectivamente, à NOE ou à Nintendo France, terem por objecto denunciar importações paralelas realizadas na Bélgica, território concedido à CD‑Contact Data.

81      Importa, em seguida, observar que o Tribunal de Primeira Instância não cometeu nenhum erro de direito ao concluir, no n.° 67 do acórdão recorrido, que a circunstância de a CD‑Contact Data ter, na prática, participado no comércio paralelo passivo, exportando produtos para clientes estabelecidos fora da Bélgica e do Luxemburgo, não era susceptível de pôr em causa a existência de um concurso de vontades.

82      Com efeito, embora essa circunstância constitua, é certo, um dos factores pertinentes a tomar em consideração para apreciar a eventual aceitação do convite da Nintendo pela CD‑Contact Data, não é menos certo que, por si só, não é decisiva e não pode, à partida, excluir a existência dessa aceitação. Assim, contrariamente ao que alega a recorrente, um distribuidor exclusivo pode ter interesse não só em chegar a acordo com o fabricante, para limitar o comércio paralelo com o objectivo de proteger melhor o seu próprio território de distribuição, mas também em realizar em segredo vendas contrárias a este acordo, para tentar utilizá‑lo em seu proveito exclusivo. Por conseguinte, o Tribunal de Primeira Instância pôde concluir, sem cometer um erro de direito, que resultava de uma apreciação global de todos os factores pertinentes, designadamente da correspondência invocada pela Comissão, interpretada no contexto específico do caso concreto, que a CD‑Contact Data tinha efectivamente aceitado o convite da Nintendo para colaborar com o objectivo de limitar o comércio paralelo.

83      Por último, no que se refere ao argumento da recorrente de acordo com o qual o Tribunal de Primeira Instância, face ao carácter ambíguo da dita correspondência e ao facto de a CD‑Contact Data ter efectuado exportações significativas, deveria ter chegado à conclusão de que o consentimento da CD‑Contact Data na política anticoncorrencial da Nintendo não tinha ficado provado, basta observar que, de acordo com a jurisprudência citada no n.° 51 do presente acórdão, o mesmo é inadmissível uma vez que convida o Tribunal de Justiça a substituir pela sua própria apreciação a efectuada pelo Tribunal de Primeira Instância.

84      Na medida em que a recorrente invoca, a título subsidiário, a fundamentação insuficiente do acórdão recorrido, há que lembrar que, segundo jurisprudência assente, o dever de fundamentação que incumbe ao Tribunal de Primeira Instância não impõe que este forneça uma exposição que siga, de forma exaustiva e um a um, todos os raciocínios articulados pelas partes no litígio. A fundamentação do Tribunal de Primeira Instância pode, portanto, ser implícita, desde que permita aos interessados conhecer as razões da decisão do Tribunal de Primeira Instância e ao Tribunal de Justiça dispor dos elementos suficientes para exercer a sua fiscalização (v., designadamente, acórdãos de 22 de Maio de 2008, Evonik Degussa/Comissão e Conselho, C‑266/06 P, n.° 103, e de 20 de Maio de 2010, Gogos/Comissão, C‑583/08 P, ainda não publicado na Colectânea, n.° 30 e jurisprudência aí referida).

85      Ora, decorre dos desenvolvimentos que antecedem que o acórdão recorrido está suficientemente fundamentado para permitir, por um lado, ao Tribunal de Justiça, proceder a uma fiscalização da legalidade deste e, por outro, à recorrente, conhecer as razões que levaram o Tribunal de Primeira Instância à conclusão de que ela tinha participado num acordo com o objectivo de limitar o comércio paralelo.

86      Consequentemente, o terceiro fundamento de recurso deve ser julgado parcialmente inadmissível e parcialmente improcedente.

87      Nenhum dos três fundamentos apresentados pela recorrente em apoio do seu recurso tendo sido julgado procedente, deve ser negado provimento ao mesmo no seu conjunto.

 Quanto às despesas

88      Por força do artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, aplicável aos processos de recursos de decisões do Tribunal Geral por força do artigo 118.° do mesmo regulamento, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação da Activision Blizzard e tendo esta sido vencida, há que condená‑la nas despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Activision Blizzard Germany GmbH é condenada nas despesas.

Assinaturas


* Língua do processo: inglês.