Language of document : ECLI:EU:C:2011:848

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

PAOLO MENGOZZI

apresentadas em 15 de dezembro de 2011 (1)

Processo C‑604/10

Football Dataco Ltd

Football Association Premier League Ltd

Football League Limited

Scottish Premier League Ltd

Scottish Football League

PA Sport UK Ltd

contra

Yahoo! UK Limited

Stan James (Abingdon) Limited

Stan James PLC

Enetpulse APS

[pedido de decisão prejudicial apresentado pela Court of Appeal (England & Wales) (Civil Division), Reino Unido]

«Diretiva 96/9/CE — Proteção jurídica das bases de dados — Calendário dos campeonatos de futebol — Direito de autor»





1.        No presente processo, o Tribunal de Justiça é chamado a completar a sua própria jurisprudência relativamente à possibilidade de proteger os calendários de um campeonato de futebol com base na Diretiva 96/9/CE, relativa à proteção jurídica das bases de dados (a seguir «Diretiva») (2). Em 2004, o Tribunal de Justiça esclareceu que esses calendários não podem, em princípio, gozar da proteção com base no chamado direito «sui generis» previsto pela diretiva. O que se deverá agora verificar, para completar o quadro, é se é aplicável, e em que condições, a proteção fornecida pelo direito de autor.

I –    Quadro jurídico

2.        A Diretiva 96/9/CE prevê que uma base de dados pode beneficiar de dois tipos distintos de proteção. Em primeiro lugar, a proteção assegurada pelo direito de autor definida nos termos seguintes no artigo 3.°:

«1.      Nos termos da presente diretiva, as bases de dados que, devido à seleção ou disposição das matérias, constituam uma criação intelectual específica do respetivo autor, serão protegidas nessa qualidade pelo direito de autor. Não serão aplicáveis quaisquer outros critérios para determinar se estas podem beneficiar dessa proteção.

2.      A proteção das bases de dados pelo direito de autor prevista na presente diretiva não abrange o seu conteúdo e em nada prejudica eventuais direitos que subsistam sobre o referido conteúdo».

3.        O artigo 7.° da diretiva prevê, assim, um outro tipo de proteção, chamado «sui generis», para as bases de dados cuja elaboração tenha requerido «um investimento substancial»:

«1.      Os Estados‑Membros instituirão o direito de o fabricante de uma base de dados proibir a extração e/ou a reutilização da totalidade ou de uma parte substancial, avaliada qualitativa ou quantitativamente, do conteúdo desta, quando a obtenção, verificação ou apresentação desse conteúdo representem um investimento substancial do ponto de vista qualitativo ou quantitativo.

[…]

4.      O direito previsto no n.° 1 é aplicável independentemente de a base de dados poder ser protegida pelo direito de autor ou por outros direitos. Além disso, esse direito será igualmente aplicável independentemente de o conteúdo da base de dados poder ser protegido pelo direito de autor ou por outros direitos. A proteção das bases de dados pelo direito previsto no n.° 1 não prejudica os direitos existentes sobre o seu conteúdo».

4.        O artigo 14.° da diretiva ocupa‑se da sua aplicação no tempo. O mesmo indica, em particular, no n.° 2, a regra a aplicar no caso de uma base de dados que estivesse protegida pelo direito de autor antes da entrada em vigor da diretiva, mas não possuísse os requisitos para essa proteção com base na própria diretiva:

«[…] sempre que uma base de dados protegida por um regime de direitos de autor num Estado‑Membro à data de publicação da presente diretiva não corresponda aos critérios de elegibilidade para a proteção a título de direito de autor previsto no n.° 1 do artigo 3.°, a presente diretiva não terá por efeito a redução, nesse Estado‑Membro, do prazo de proteção concedido a título do regime acima referido ainda por decorrer».

II – Matéria de facto, processo principal e questões prejudiciais

5.        A sociedade Football Dataco Ltd e o. (a seguir «Football Dataco e o.») organizam os campeonatos de futebol ingleses e escoceses. Neste contexto elaboram e tornam público o elenco de todos os encontros que serão jogados, todos os anos, em tais campeonatos. As contrapartes, Yahoo! UK Limited e o. (a seguir «Yahoo e o.») utilizam os calendários de futebol em questão para fornecer notícias e informações e/ou para organizar atividades de apostas.

6.        A Football Dataco e o. pedem, em síntese, à Yahoo e o. o pagamento de direitos pela utilização dos calendários de futebol que elaboraram. As mesmas reivindicam para tais calendários a proteção decorrente da diretiva, seja com base no direito de autor seja com base no direito «sui generis».

7.        Os juízes nacionais excluíram a proteção com base no direito «sui generis», uma vez que o Tribunal de Justiça já se pronunciou sobre este ponto recentemente e de modo muito claro, em quatro acórdãos proferidos pela Grande Secção em novembro de 2004 (3). Considerando, no entanto, ainda em aberto a problemática relativa à possível proteção com base no direito de autor, que não tinha sido suscitada no âmbito das causas decididas em 2004, o órgão jurisdicional de reenvio suspendeu o processo e colocou as seguintes questões prejudiciais:

«1)      No artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 96/9/CE relativa à proteção jurídica das bases de dados, o que se deve entende[r] por ‘bases de dados que, devido à seleção ou disposição das matérias, constituam uma criação intelectual específica do respetivo autor’ e, em especial,

a)      devem o esforço intelectual e a perícia na criação de dados ser excluídos?

b)      a expressão ‘seleção ou [a] disposição’ inclui o aditamento de um significado importante a um dado pr[e]existente (como a fixação da data de um jogo de futebol);

c)      a expressão ‘criação intelectual específica do respetivo autor’ exige mais do que uma quantidade considerável de trabalho e perícia do autor? Em caso de resposta afirmativa, o quê?

2)      A diretiva opõe‑se à existência de direitos nacionais sob a forma de direitos de autor sobre bases de dados diferentes dos previstos na diretiva?»

III – Quanto à primeira questão prejudicial:

8.        Na sua primeira questão prejudicial o órgão jurisdicional de reenvio pede, em síntese, ao Tribunal de Justiça para precisar em que condições uma base de dados na aceção da Diretiva 96/9/CE pode ser protegida pelo direito de autor. A fim de poder responder de modo adequado é necessário, antes de mais, recapitular a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa aos calendários de futebol, e verificar depois quais são as relações entre os dois tipos de proteção possíveis com base na diretiva: o direito de autor, por um lado, e o direito «sui generis», por outro.

A –    Jurisprudência do Tribunal de Justiça nesta matéria

9.        A jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à proteção das bases de dados, e refiro‑me em particular aos já citados acórdãos de novembro de 2004, esclareceu dois pontos fundamentais que devem estar presentes no exame das presentes questões prejudiciais.

10.      Em primeiro lugar um calendário de futebol, ainda que constituído por uma simples lista de encontros, deve ser considerado uma base de dados na aceção da diretiva (4). Tal ponto é dado como assente quer pelo órgão jurisdicional de reenvio quer por todos os interessados que apresentaram observações, e não deve, portanto, ser objeto de análise adicional.

11.      Em segundo lugar, um calendário de futebol não satisfaz os requisitos que são necessários, na aceção do artigo 7.° da diretiva, para proteger uma base de dados através do direito «sui generis». Isto na medida em que a redação do calendário, isto é, a inserção de uma lista ordenada de uma série de elementos preexistentes (os dados relativos a cada encontro), não exige qualquer investimento substancial para a obtenção, a verificação ou a apresentação dos dados (5). Também este aspeto, como indiquei, é dado como assente pelo órgão jurisdicional de reenvio (embora algumas das partes na causa principal tivessem tentado obter que fossem também colocadas ao Tribunal de Justiça algumas questões relativamente ao direito «sui generis»), o qual limitou, portanto, as suas questões à proteção com base no direito de autor.

B –    Relação entre a proteção baseada no direito de autor e a proteção «sui generis»

12.      Um outro ponto, que deve ser necessariamente esclarecido antes de se proceder ao exame da primeira questão, diz respeito à relação entre os dois tipos de proteção previstos pela diretiva. Poder‑se‑ia de facto perguntar, lendo o texto das disposições aplicáveis, se não existe uma disposição hierárquica entre a proteção com base no direito de autor e a proteção «sui generis». Semelhante interpretação, que pode contar com o apoio de opiniões abalizadas (6) e também foi invocada indiretamente em algumas observações desenvolvidas na audiência, considera a proteção «sui generis» como uma proteção de segundo nível, que pode ser reconhecida quando uma base de dados não possua a originalidade que é necessária para ser protegida pelo direito de autor. Neste caso, o facto de que o Tribunal de Justiça tenha excluído, nos seus acórdãos de novembro de 2004, a proteção «sui generis» (por assim dizer «menor») para os campeonatos de futebol, implicaria automaticamente excluir também a proteção (por assim dizer «maior») fundada sobre o direito de autor.

13.      O exame atento da diretiva mostra, todavia, que semelhante leitura não é correta, e que os dois tipos de proteção devem ser considerados completamente autónomos um do outro, como, de facto, parecem ter aceite, também, todos os interessados que apresentaram observações no presente processo, incluindo‑se aí a Comissão.

14.      Deve, com efeito, observar‑se que, na diretiva, o próprio objeto das duas proteções é distinto. Por um lado, a proteção baseada no direito de autor concentra‑se essencialmente na estrutura da base de dados, isto é, no modo como esta foi concretamente criada pelo seu autor, através da escolha dos materiais a incluir ou as modalidades da sua apresentação. O n.° 2 do artigo 3.° precisa, de resto, claramente que o direito de autor previsto em tal artigo «não abrange o [...] conteúdo» da base de dados, que pode ser protegido pelo direito de autor de forma autónoma, mas não o é devido ao facto de estar inserido numa base de dados protegida. O décimo quinto considerando observa que a proteção do direito de autor «incide sobre a estrutura da base». Pelo contrário, a proteção «sui generis» é simplesmente um direito de proibir operações de extração e/ou de reutilização nos dados contidos nas bases de dados. Este direito é reconhecido para proteger não a originalidade da base de dados em si, mas para compensar o esforço desenvolvido para reunir, verificar e/ou apresentar os dados contidos na mesma(7).

15.      Por outros termos, uma base de dados pode, portanto, conforme os casos, ser protegida apenas pelo direito de autor, apenas pelo direito «sui generis», por ambos ou, também, por nenhum dos dois.

C –    Noção de base de dados na aceção da diretiva

16.      O facto de, como acabámos de ver, os dois tipos de proteção possíveis da base de dados serem de todo independentes um do outro, não significa todavia que a noção de base de dados, tal como foi desenvolvida pelo Tribunal de Justiça nos seus acórdãos de novembro de 2004, deva ser diferente em relação aos dois tipos de direito. Pelo contrário, é minha convicção que tal noção deve ser necessariamente idêntica. Não faz qualquer sentido que um conceito chave da diretiva, definido no seu artigo 1.° possa ter um alcance diferente, sem algum argumento textual nesse sentido, para interpretar dois artigos distintos do texto normativo, que conservam de resto todo o seu valor interpretados à luz de uma noção unitária do conceito de base de dados. O direito de autor pode proteger a estrutura da base de dados, enquanto o direito «sui generis» protege o conteúdo: mas isto não exige de modo algum que existam duas noções diferentes de «base de dados».

17.      Neste contexto, o Tribunal de Justiça clarificou que o âmbito de proteção oferecido pela diretiva não compreende a fase da criação dos dados, mas apenas a fase da recolha, verificação e apresentação dos mesmos (8). Por outras palavras, o intérprete deve individualizar a «base de dados», tendo a atenção de traçar com clareza uma linha que distinga o momento da criação dos dados, que não interessa à diretiva, do momento em que tais dados são recolhidos ou elaborados, o qual por sua vez releva para determinar se tal base de dados merece pelo menos uma proteção.

18.      O Tribunal de Justiça efetuou esta distinção, entre criação dos dados e a sua inserção, no âmbito de um discurso sobre a proteção «sui generis». Em meu entender, todavia, trata‑se de considerações que dizem respeito, de modo mais geral, à própria noção de base de dados na aceção da diretiva. Essa precisão esclarece além disso de modo definitivo que a diretiva protege a criação de bases de dados — sobre os dois perfis da estrutura desses e da recolha dos dados — mas não se ocupa da proteção dos dados enquanto tais. De resto, o objetivo da diretiva é o de favorecer a criação dos sistemas de recolha e consulta de informações (9), não a criação dos dados. Na sua discussão relativa à noção de base de dados o Tribunal de Justiça insistiu, por outro lado, repetidamente sobre o valor informativo independente dos dados inseridos na base (10).

19.      O facto de se deixar de tomar em consideração, para efeitos da diretiva, a atividade de criação dos dados, é, de resto, perfeitamente lógico, também, com referência ao direito de autor, a partir do momento em que, como sublinha a diretiva, os dados podem de qualquer modo ser protegidos, enquanto tais, pelo direito de autor, se se verificarem os requisitos para tanto, independentemente da existência de um direito de autor sobre a base de dados.

20.      Devo por outro lado observar que, no caso presente, a própria ideia de utilizar a proteção do direito de autor para proteger os calendários de futebol parece pelo menos singular. Como já salientei antes, de facto o direito de autor protege essencialmente, no caso de uma base de dados, a parte «exterior», da sua estrutura. Tanto quanto se pode compreender, a Yahoo utiliza os dados elaborados pelas sociedades organizadoras dos campeonatos, e não as eventuais modalidades em que essas sociedades tornam os dados públicos. Muito razoavelmente, antes que os acórdãos do Tribunal de Justiça de 2004 excluíssem a sua aplicabilidade, o único tipo de proteção considerado pelas sociedades organizadoras era a proteção «sui generis», que tutela, como se viu, mais o conteúdo de uma base de dados (ou, melhor dizendo, o esforço necessário para os recolher e apresentar) do que a sua estrutura. A utilização do direito de autor aparece aqui como uma solução de recurso, resultante da exclusão da proteção «sui generis» por parte do Tribunal de Justiça. Por outro lado, não é de modo nenhum certo que a eventual existência de uma proteção baseada sobre o direito de autor para os calendários de futebol impedisse a atividade atualmente desenvolvida pela Yahoo, que, tanto quanto nos é dado compreender das peças do processo, parece limitar‑se ao uso dos dados em bruto (datas, horários e equipas dos vários encontros), e não da estrutura da base de dados.

21.      Tudo isto ponderado, é agora possível passar ao exame das três subquestões colocadas pelo órgão jurisdicional de reenvio. A apreciação destas permitirá, como veremos, apresentar uma resposta de conjunto à primeira questão prejudicial.

D –    Quanto à primeira questão prejudicial, alínea a)

22.      Na primeira das três subquestões o órgão jurisdicional de reenvio pergunta ao Tribunal de Justiça se a atividade desenvolvida para a criação dos dados que são inseridos na base de dados deve ser tomada em consideração para determinar se essa base de dados merece, pelo menos, a proteção com base no direito de autor.

23.      A resposta a esta interrogação deriva diretamente de quanto observei antes, no que respeita à noção necessariamente unitária de «base de dados» da diretiva. Os esforços desenvolvidos para a criação dos dados não podem entrar em linha de conta para avaliar o direito à proteção com base no direito de autor, exatamente como esses não podem entrar em linha de conta, segundo o ensinamento do Tribunal de Justiça, para avaliar o direito à proteção «sui generis». A criação dos dados é uma atividade que se coloca fora do campo de aplicação da diretiva.

24.      De resto, já se observou que a atividade desenvolvida para a criação dos dados não pode ser, como o Tribunal de Justiça afirmou, tomada em consideração para a proteção «sui generis», que é aquela mais estreitamente ligada aos dados e à sua obtenção, por maioria de razão tais atividades deverão ser ignoradas no que respeita à proteção mediante o direito de autor, a qual apresenta uma ligação mais ténue com a recolha dos dados e é, antes, focalizada na sua apresentação.

E –    Quanto à primeira questão prejudicial, alínea b)

25.      Na segunda subquestão, o órgão jurisdicional de reenvio pede ao Tribunal de Justiça que esclareça se a «seleção ou a disposição» dos conteúdos da base de dados, cujo exame permite verificar se existem os pressupostos para a proteção segundo o direito de autor, podem consistir, também, num aumento de importância relevante de dados preexistentes.

26.      Em síntese, aquilo que se pergunta é se constitui uma operação de «seleção ou [...] disposição» suficiente para garantir a proteção com base no artigo 3.° o facto de, por exemplo, se atribuir características específicas posteriores a um elemento inserido na base de dados. O órgão jurisdicional de reenvio menciona, a título de exemplo, o facto de se fixar a data de um determinado encontro entre duas equipas de futebol.

27.      Considero que a subquestão agora indicada parte de um pressuposto errado. De facto, todas as indicações referentes a cada jogo de um determinado campeonato devem considerar‑se definidas antes da introdução dos dados na base de dados. Conforme o Tribunal de Justiça já esclareceu, no caso de um calendário de futebol, os dados de partida que são inseridos na base de dados não são todas as equipas e todas as datas possíveis, mas as circunstâncias específicas de todos e cada um dos encontros que deverá ser disputado (data, equipa, lugar, etc.) (11). Por outras palavras, a determinação de todas as características de todos os encontros coloca‑se na fase da criação dos dados — excluída, como se viu, da proteção com base na diretiva — e não pode ser considerada como um resultado ou uma consequência da organização dos dados na base de dados.

28.      O órgão jurisdicional de reenvio, no entanto, parece partir do pressuposto de que, na base de dados, estão inseridas, na prática, algumas listas simples: todas as equipas do campeonato, todas as datas e todos os horários possíveis para os encontros. Deste ponto de vista, a determinação das características específicas de cada encontro (equipas envolvidas, dia e hora) ocorreria depois da introdução dos dados de partida na base de dados. Tal determinação seria um produto da base de dados.

29.      Em meu entender, semelhante interpretação dos factos é errada. O que se insere na base de dados não são as composições genéricas das equipas, das datas e dos horários possíveis. O que se insere na base de dados são já, pelo contrário, todos os encontros individualizados que deverão ser disputados, cada um com as suas características completas: hora, data, equipas. A passagem da lista genérica (por exemplo a equipa A, B, C, D, etc., as datas x, y, z, etc.) à definição dos encontros específicos (por exemplo, equipa A contra a equipa B na data x) coloca‑se na fase da criação dos dados, anterior à inserção destes na base de dados.

30.      Por consequência, são irrelevantes as observações, bastante detalhadas, desenvolvidas pelas partes recorrentes no processo principal para demonstrar que o trabalho de determinação das características de cada partida individual não é puramente automático e exige, pelo contrário, considerável perícia e competência. Esta atividade é, de facto, em todos os aspetos preliminar e distinta em relação à da criação da base de dados.

31.      A interpretação que acabo de referir é confirmada pela própria jurisprudência do Tribunal de Justiça, em particular nas passagens em que é sublinhada a necessidade de que os componentes específicos de uma base de dados possuam um valor informativo autónomo (12). Não podem, de facto, ser consideradas como autenticamente «informativas», em meu entender, listas genéricas de equipas, datas e horários. Apenas o conjunto das características de cada um dos encontros individuais pode ter semelhante valor.

32.      Dito isto, considero que a subquestão, quando posta em termos abstratos e fora das circunstâncias do presente processo, deveria receber uma resposta positiva. Por outros termos, a atribuição de uma relevância significativa a elementos dos dados preexistentes — realizada mediante a inserção de tais dados numa base de dados — pode representar uma «disposição das matérias» merecedora de ser considerada para efeitos da proteção com base no direito de autor. Não existem de facto, em meu entender, dúvidas que no espírito da diretiva, o facto de que a inserção dos dados numa base de dados acrescenta aos mesmos um valor adicional ou significado que pode ser relevante, no âmbito de uma avaliação de conjunto, para reconhecer a proteção do direito de autor à própria base de dados. Isto é, de resto, precisamente o objetivo da disposição, que visa proteger aquilo que uma base de dados «acrescenta», de qualquer modo, em relação aos dados de partida que são inseridos na mesma. No entanto, no caso dos elementos que caracterizam os encontros de um campeonato de futebol, todos eles são parte dos dados de partida, e não um produto da inserção destes últimos na base de dados.

F –    Quanto à primeira questão prejudicial, alínea c)

33.      Na terceira subquestão, o órgão jurisdicional de reenvio interroga o Tribunal de Justiça sobre a noção de «criação intelectual» do autor de uma base de dados. Isto está, evidentemente, em relação com o facto de o artigo 3.° da diretiva subordinar a proteção com base no direito de autor precisamente ao facto de a base de dados, devido à seleção ou disposição das matérias, constituir uma criação intelectual específica do respetivo autor. Em particular, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se, para haver uma criação intelectual, é suficiente, pelo menos, uma contribuição significativa de trabalho e perícia («significant labour and skill»).

34.      Também esta terceira subquestão, com toda a probabilidade, parte como a precedente da premissa, em meu entender errada, de que os esforços desenvolvidos pelas sociedades organizadoras para determinar as equipas, as datas e os horários dos vários encontros do campeonato, esforços que, indubitavelmente, exigem uma determinada quantidade de trabalho e de experiência organizativa, estariam ligados à realização da base de dados. Na realidade, como salientei acima, esses esforços devem, pelo contrário, ser colocados na fase precedente, a da criação dos dados, a qual não pode ser tomada em consideração para avaliar o direito da proteção da base de dados.

35.      Em qualquer caso, ainda que abandonando essas considerações e examinando o pedido do órgão jurisdicional nacional em termos abstratos, a resposta é, em meu entender, obrigatória: a proteção do direito de autor está subordinada ao facto de a base de dados ser caracterizada por um elemento «criador», e não é suficiente que a criação da base de dados tenha exigido trabalho e perícia.

36.      É sabido que, no interior da União, existem parâmetros diferentes no que respeita ao nível de originalidade exigido, em geral, para reconhecer a proteção do direito de autor (13). Em particular, em alguns países da União, os que se caracterizam por uma tradição de common law, o critério de referência é tradicionalmente o contributo de «trabalho, perícia ou esforço» (labour skills or effort). Por exemplo, no Reino Unido, por esta razão, as bases de dados gozavam, em geral, antes da entrada em vigor da diretiva, da proteção do direito de autor. Uma base de dados era protegida pelo direito de autor se o seu criador tinha necessitado, para a realizar, de efetuar um esforço ou utilizar uma certa perícia. Pelo contrário, nos países de tradição continental é, em geral, exigido, para reconhecer uma proteção com base no direito de autor, que a obra possua um elemento de criatividade, ou exprima, de qualquer modo, a personalidade do seu autor, embora esteja sempre excluída qualquer apreciação relativa à qualidade ou à natureza «artística» da obra.

37.      Ora, a este propósito não existem dúvidas quanto ao facto de que a diretiva acolheu, no que respeita à proteção com base no direito de autor, uma noção de originalidade que vai para além do simples esforço «mecânico» necessário para recolher os dados e inseri‑los na base. Para estar protegida pelo direito de autor, a base de dados deve, como indica explicitamente o artigo 3.° da diretiva, ser uma «criação intelectual» do seu autor. Tal expressão não deixa lugar a dúvidas e retoma uma fórmula típica da tradição continental do direito de autor.

38.      É claro que não é possível definir de uma vez por todas, em termos gerais, quando se está em presença de uma «criação intelectual». Trata‑se de uma avaliação que, como referi, não é necessária no caso presente. De qualquer modo, quando essa avaliação se impuser, a mesma compete ao juiz nacional, com base nas circunstâncias de cada caso concreto.

39.      O Tribunal de Justiça teve ocasião de fornecer a este propósito algumas indicações e, em particular, sublinhou que a proteção do direito de autor, reconhecida pelo artigo 3.° da diretiva, às bases de dados, bem como pelo artigo 1.°, n.° 3, da Diretiva 91/250 (14) aos programas para computador e pelo artigo 6.° da Diretiva 2006/116 (15) às fotografias, pressupõe que se trate de obras «originais, na aceção de que são criação intelectual do próprio autor» (16).

40.      A este propósito, o Tribunal de Justiça também teve oportunidade de indicar que se está em presença de uma criação intelectual do autor quando a obra reflete a sua personalidade, isto é, se verifica que o autor pôde efetuar, a esse propósito, escolhas livres e criativas (17). Além disso, especificou que, em geral, não se está em presença da necessária originalidade quando as características de uma obra são impostas pela função técnica desta última (18).

41.      O que o legislador da diretiva procurou realizar, em síntese, é uma espécie de compromisso/conciliação das orientações existentes nos vários Estados da União na data da aprovação da diretiva. Para a proteção segundo o direito de autor foi escolhido o paradigma mais «rigoroso» dos países de tradição continental, enquanto para a proteção «sui generis» foi utilizado um critério de referência que é mais próximo, na prática, daquele da tradição de common law (19).

42.      Trata‑se, como se vê, de indicações sobretudo gerais, que no entanto não é necessário aqui aprofundar ulteriormente uma vez que, como indiquei antes, no caso de um calendário de futebol confluem na base de dados informações autónomas e já completas que não adquirem qualquer significado adicional através da sua inserção na própria base de dados.

43.      O facto de a proteção do direito de autor para as bases de dados estar sujeita a um requisito de originalidade mais exigente não significa, naturalmente, que os esforços «mecânicos» para a recolha dos dados sejam irrelevantes para efeitos da diretiva. Pelo contrário, o escopo essencial do seu artigo 7.°, relativo à proteção «sui generis», é precisamente o de proteger tais atividades. O facto de o Tribunal de Justiça de Justiça ter excluído a aplicação, no caso dos calendários de futebol, não lhes reduz a importância em termos mais gerais.

44.      Resta, no entanto, o facto de, em princípio, também um calendário de futebol poder, em algumas condições, ser protegido pelo direito de autor, se na sua realização prática o autor introduz elementos com suficiente originalidade. Por exemplo, um calendário caracterizado por uma particular modalidade de representação dos encontros, com a utilização de cores e outros elementos gráficos, poderia, sem dúvida, merecer a proteção do direito de autor com base na diretiva. Esta proteção, todavia, limitar‑se‑ia a cobrir a modalidade da representação, e não os dados nesta contidos. Não se verifica que, no caso em exame, o calendário de futebol produzido pelas sociedades organizadoras dos campeonatos se caracterize por uma, seja qual for, modalidade original de apresentação dos dados: compete todavia ao juiz nacional verificar essa circunstância, tendo para esse fim também em conta as suprarreferidas indicações fornecidas pelo Tribunal de Justiça.

G –    Conclusão sobre a primeira questão prejudicial

45.      O exame das três subquestões permitiu esclarecer alguns aspetos essenciais da proteção das bases de dados pelo direito de autor, com base na diretiva. Esclareceu‑se, em particular, que o esforço desenvolvido para a criação dos dados não pode ser tomado em consideração para avaliar o direito à proteção da base de dados enquanto tal (primeira subquestão). Em segundo lugar, viu‑se que embora o acrescento de novos elementos aos dados pré‑existentes, como consequência da sua inserção na base de dados, possa ser significativo para avaliar se existe direito à proteção, no caso de uma série de encontros de futebol inseridos numa base de dados não se verifica «enriquecimento» algum dos dados pré‑existentes (segunda subquestão). Verificou‑se, finalmente, que o simples desenvolvimento de esforços ou perícia não basta para fazer que uma base de dados constitua uma criação intelectual protegida pelo direito de autor (terceira subquestão). Com base nestas observações, é agora possível formular uma resposta à primeira questão prejudicial.

46.      Proponho, pois, ao Tribunal de Justiça que decida a primeira questão prejudicial declarando que uma base de dados pode ser protegida pelo direito de autor, na aceção do artigo 3.° da Diretiva 96/9/CE, apenas quando a mesma constitua uma criação intelectual original do respetivo autor. Para esse efeito, não podem ser tomadas em consideração as atividades desenvolvidas para a criação dos dados. No caso de um calendário de futebol, constitui atividade de criação dos dados a determinação de todos os elementos relativos a cada encontro individual.

IV – Quanto à segunda questão prejudicial

47.      Na segunda questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pede ao Tribunal de Justiça que indique se a proteção com base no direito de autor, referida na diretiva, é a única deste tipo possível para uma base de dados ou se, no entanto, o direito nacional, pelo contrário, pode reconhecer a mesma proteção também às bases de dados que, na aceção da diretiva, não possuem os necessários requisitos.

48.      O mesmo órgão jurisdicional nacional indica claramente, no seu despacho, ter apenas dúvidas bastante ténues sobre a resposta à questão, e, com efeito, a mesma presta‑se a ser decidida rapidamente. É evidente, de facto, que a diretiva realizou, em matéria de proteção das bases de dados pelo direito de autor, uma harmonização exaustiva que não admite direitos adicionais reconhecidos a nível nacional.

49.      Desde logo, a leitura dos considerandos da diretiva mostra, sem ambiguidade, que tal é a vontade do legislador. Por exemplo, no terceiro considerando observa‑se o seguinte:

«Considerando que é necessário eliminar as diferenças existentes que têm um efeito de distorção no funcionamento de mercado interno e evitar que surjam novas diferenças, ao passo que as diferenças que presentemente não afetam negativamente o funcionamento do mercado interno ou o desenvolvimento de um mercado da informação na Comunidade podem não ser suprimidas ou impedidas».

50.      O décimo segundo considerando alinha na mesma ordem de ideias:

«Considerando que um investimento desta natureza em sistemas modernos de armazenamento e tratamento da informação não poderá ser realizado na Comunidade sem um regime jurídico estável e homogéneo de proteção dos direitos de fabricantes das bases de dados».

51.      O argumento que encerra definitivamente a questão é, no entanto, em meu entender, o artigo 14.° da diretiva. Essa norma prevê um regime transitório especial para as bases de dados que, anteriormente protegidas pelo direito de autor com base nas normas nacionais, não satisfazem os requisitos para a proteção com base no direito de autor na aceção da diretiva. Essas bases de dados conservam, para o restante período de proteção concedido com base no regime nacional anterior à diretiva, a proteção do direito de autor. É evidente que a norma não teria qualquer sentido se, depois da entrada em vigor da diretiva, um direito nacional pudesse continuar a reconhecer, sem limite de tempo, a proteção a uma base de dados que não possuísse os requisitos na aceção da diretiva. Se assim fosse, de facto, o direito de autor «nacional» continuaria a ser aplicável de forma autónoma e não haveria necessidade alguma de prever uma norma transitória para as bases de dados que, na aceção da diretiva, não são suficientemente originais para merecer essa proteção.

52.      A segunda questão prejudicial deve, portanto, ser decidida declarando que a diretiva se opõe a que um direito nacional reconheça a proteção do direito de autor a uma base de dados que não possui os requisitos indicados no artigo 3.° dessa diretiva.

V –    Conclusões

53.      Com base nas considerações antes desenvolvidas, proponho ao Tribunal de Justiça que responda nos termos seguintes às questões prejudiciais colocadas pela Court of Appeal:

«1.      Uma base de dados pode ser protegida pelo direito de autor, na aceção do artigo 3.° da Diretiva 96/9/CE, apenas quando a mesma constitua uma criação intelectual original do respetivo autor. Para esse efeito, não podem ser tomadas em consideração as atividades desenvolvidas para a criação dos dados. No caso de um calendário de futebol, constitui atividade de criação dos dados a determinação de todos os elementos relativos a cada encontro individual.

2.      A referida diretiva opõe‑se a que um direito nacional reconheça a proteção do direito de autor a uma base de dados que não possui os requisitos indicados no artigo 3.° dessa diretiva».


1 – Língua original: italiano.


2 – Diretiva 96/9/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de março de 1996, relativa à proteção jurídica das bases de dados (JO L 77, p. 20).


3 – Acórdãos de 9 de novembro de 2004, Fixtures Marketing (C‑46/02, Colet., p. I‑10365); The British Horseracing Board e o. (C‑203/02, Colet., p. I‑10415); Fixtures Marketing (C‑338/02, Colet., p. I‑10497), e Fixtures Marketing (C‑444/02, Colet., p. I‑10549).


4 – Acórdão no processo Fixtures Marketing (C‑444/02, n.os 23 a 36), já referido na nota 3.


5 – Acórdão no processo Fixtures Marketing (C‑46/02, n.os 44 a 47), já referido na nota 3.


6 – Neste sentido v., em particular, o working paper da DG Mercado Interno 12 de dezembro de 2005, First evaluation of Directive 96/9/EC on the legal protection of databases, disponível no sítio Web da Comissão.


7 – Acórdão no processo Fixtures Marketing (C‑46/02, n.° 39), já referido na nota 3. Deve notar‑se incidentalmente que a versão italiana do artigo 7.° da diretiva parece exigir que se tenha verificado um investimento substancial na obtenção, na verificação e na apresentação dos dados. Em contrapartida, as outras versões linguísticas utilizam a conjunção ou, e com isto é coerente a interpretação fornecida pelo Tribunal de Justiça: o investimento substancial pode merecer proteção também se diz respeito apenas à obtenção, apenas à verificação ou apenas à apresentação dos dados.


8 – Acórdãos no processo Fixtures Marketing (C‑444/02, n.os 39 a 40), já referido na nota 3, e no processo Fixtures Marketing (C‑338/02, n.°25), já referido na nota 3.


9 – Acórdão no processo Fixtures Marketing (C‑444/02, n.°28), já referido na nota 3.


10 – Ibidem, n.os 29 e 33 a 35.


11 – Acórdãos no processo Fixtures Marketing (C‑46/02, n.os 41 e 42), já referido na nota 3; no processo Fixtures Marketing (C‑338/02, n.° 31), já referido na nota 3, e no processo Fixtures Marketing (C‑444/02, n.° 47), já referido na nota 3.


12 – V., supra, nota 10.


13 – Já na proposta inicial da diretiva da Comissão, datada de 13 de maio de 1992 [COM (92).24 final], as divergências nacionais relativamente à originalidade eram indicadas em três razões que militavam para uma harmonização da proteção das bases de dados (v. ponto 2.2.5).


14 – Diretiva 91/250/CEE do Conselho, de 14 de maio de 1991, relativa à proteção jurídica dos programas para computador (JO L 122, p. 42).


15 – Diretiva 2006/116/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, relativa à duração da proteção do direito de autor e de alguns direitos conexos (versão codificada) (JO L 372, p. 12).


16 – Acórdão de 16 de julho de 2009, Infopaq International (C‑5/08, Colet., p. I‑6569, n.° 35). Deve‑se, no entanto, observar que as três diretivas agora citadas utilizam uma terminologia que, em algumas línguas, é idêntica, enquanto noutras (como, por exemplo, no italiano), embora apresentando ligeiras diferenças, mostra claramente a intenção do legislador de se referir à mesma noção.


17 – Acórdão de 1 de dezembro de 2011, Painer (C‑145/10, Colet., p. I-12533, n.os 88‑89).


18 – Acórdão de 22 de dezembro de 2010, Bezpečnostní softwarová asociace (C‑393/09, Colet., p. I-13971, n.° 49).


19 – V., sobre este ponto, também o Working Paper da Comissão, já referido na nota 6 (ponto 1.1).