Language of document : ECLI:EU:T:2004:336

Processo T‑176/01

Ferriere Nord SpA

contra

Comissão das Comunidades Europeias

«Auxílios de Estado – Enquadramentos comunitários dos auxílios de Estado para a protecção do ambiente – Empresa siderúrgica – Produtos abrangidos pelo Tratado CE – Regime de auxílio aprovado – Auxílio novo – Abertura do procedimento formal – Prazos – Direitos de defesa – Confiança legítima – Fundamentação – Aplicação dos enquadramentos comunitários no tempo – Finalidade ambiental do investimento»

Sumário do acórdão

1.      Auxílios concedidos pelos Estados – Regime geral de auxílios aprovado pela Comissão – Auxílio individual apresentado como abrangido pelo quadro da aprovação – Exame pela Comissão – Apreciação prioritariamente à luz da decisão de aprovação e subsidiariamente à luz do Tratado – Auxílio que constitui uma aplicação rigorosa e previsível das condições fixadas na decisão de aprovação – Auxílio abrangido pelo regime dos auxílios existentes

(Artigos 87.° CE e 88.° CE)

2.      CECA – Auxílios à siderurgia – Projectos de auxílios – Exame pela Comissão – Fixação pelo artigo 6.°, n.° 6, da Decisão geral n.° 2496/96 de um prazo para dar início ao procedimento formal – Alcance

(Decisão geral n.° 2496/96, artigo 6.°, n.° 6)

3.      Auxílios concedidos pelos Estados – Procedimento administrativo – Direito dos interessados de apresentarem as suas observações – Modificação, na pendência do processo, do enquadramento comunitário aplicável – Obrigação da Comissão em caso de aplicação de novos princípios

(Artigo 88.°, n.° 2, CE)

4.      Auxílios concedidos pelos Estados – Projectos de auxílios – Exame pela Comissão – Respeito do princípio da protecção da confiança legítima – Obrigação de a Comunidade respeitar, na sua decisão final, o quadro traçado pelas indicações contidas na sua decisão de dar início ao procedimento de exame

5.      Auxílios concedidos pelos Estados – Procedimento administrativo – Compatibilidade do auxílio com o mercado comum – Ónus da prova que incumbe a quem dispensa o auxílio e ao beneficiário potencial do auxílio

(Artigo 88.°, n.° 2, CE)

6.      Auxílios concedidos pelos Estados – Procedimento administrativo – Projecto de auxílio a um investimento de uma empresa siderúrgica que fabrica produtos abrangidos pelo Tratado CECA e, outros não abrangidos pelo mesmo – Projecto que foi objecto de duas notificações sucessivas, uma ao abrigo do Tratado CECA, e a outra ao abrigo do Tratado CE – Procura, pela Comissão, da base jurídica em que deve assentar a sua decisão – Admissibilidade à luz do princípio da boa administração

7.      Auxílios concedidos pelos Estados – Proibição – Derrogações – Protecção do ambiente – Poder de apreciação da Comissão – Possibilidade de adoptar enquadramentos – Efeito vinculativo – Controlo jurisdicional

(Artigos 6.° CE e 87.° CE)

8.      Auxílios concedidos pelos Estados – Projectos de auxílios – Exame pela Comissão – Novo enquadramento comunitário – Aplicação imediata – Aplicação aos projectos de auxílios notificados antes da sua publicação e ainda em exame

9.      Auxílios concedidos pelos Estados – Proibição – Derrogações – Protecção do ambiente – Enquadramentos comunitários – Elegibilidade de um investimento para uma medida de auxílio para a protecção do ambiente – Critério – Finalidade – Resultado ambiental

1.      Quando confrontada com um auxílio individual que se alega ter sido concedido em aplicação de um regime previamente autorizado, a Comissão não pode começar por examiná‑lo directamente à luz do Tratado. Deve, antes de dar início a qualquer procedimento, verificar se o auxílio se enquadra no regime geral e se satisfaz as condições fixadas na decisão de aprovação deste. Se assim não procedesse, a Comissão poderia, ao apreciar cada um dos auxílios individuais, alterar a sua decisão de aprovação do regime de auxílios, a qual pressupõe já uma análise à luz do artigo 87.° CE, pondo assim em causa os princípios da segurança jurídica e do respeito da confiança legítima. Um auxílio que constitua uma aplicação rigorosa e previsível das condições fixadas na decisão de aprovação do regime geral aprovado é portanto considerado um auxílio existente, que não tem de ser notificado à Comissão nem examinado à luz do artigo 87.° CE.

(cf. n.° 51)

2.      O artigo 6.°, n.° 6, da Decisão geral n.° 2496/96, que cria normas comunitárias para os auxílios à siderurgia, faz menção de um prazo de dois meses para além do qual, não tendo sido instaurado um procedimento formal, as medidas de auxílio projectadas podem ser aplicadas, desde que o Estado‑Membro tenha informado previamente a Comissão da sua intenção. Esta disposição não fixa à Comissão um prazo cominatório de nulidade mas, de acordo com o princípio da boa administração, convida‑a a agir com diligência e permite ao Estado‑Membro em causa aplicar as medidas de auxílio decorrido o prazo de dois meses, sob reserva de disso ter previamente informado a Comissão.

(cf. n.° 62)

3.      Embora, para apreciar a compatibilidade de um auxílio de Estado com o mercado comum, a Comissão aplique um enquadramento comunitário que substituiu o que estava em vigor no momento em que os interessados, na acepção do artigo 88.°, n.° 2, CE, apresentaram observações, incumbe‑lhe, se quiser basear a sua decisão em princípios novos, solicitar a estes últimos, as suas observações a esse respeito, sob pena de infringir os direitos processuais destes.

(cf. n.° 75)

4.      O princípio da protecção da confiança legítima implica que a Comissão tome em consideração, na condução do procedimento de exame de um auxílio de Estado, a confiança legítima que as indicações contidas na decisão de dar início ao procedimento de exame puderam gerar e, por conseguinte, que não baseie a decisão final na falta de elementos relativamente aos quais tenham podido considerar, face a essas indicações, não ter o dever de lhe fornecer.

(cf. n.° 88)

5.      Embora, quando a Comissão decide dar início ao procedimento formal, esteja obrigada a formular claramente as suas dúvidas sobre a compatibilidade do auxílio quando dá início a um procedimento formal, a fim de permitir que o Estado‑Membro e os interessados lhe respondam o melhor possível, compete ao Estado‑Membro e ao beneficiário potencial apresentarem os seus argumentos destinados a demonstrar que o projecto de auxílio corresponde às excepções previstas por aplicação do Tratado, uma vez que o objecto do procedimento formal é precisamente o de esclarecer a Comissão sobre todos os dados do processo.

(cf. n.os 93, 94)

6.      No caso de um auxílio projectado para uma empresa siderúrgica que fabrica simultaneamente produtos abrangidos pelo Tratado CECA e produtos por ele não abrangidos, e que não dispõe de contabilidade distinta para estas duas actividades, a Comissão não pode ser acusada de erros processuais, constitutivos de violação do princípio da boa administração, pelo facto de ter procurado a base jurídica em que devia assentar a sua decisão, quando o elo de ligação ao Tratado CECA ou ao Tratado CE do investimento que devia beneficiar do auxílio não era, à primeira vista, evidente, recebeu duas notificações do mesmo projecto, cada uma a título de um dos Tratados, e, de qualquer modo, a esta incumbia verificar que não havia o risco de que o auxílio beneficiaria actividades diferentes daquelas para as quais seria concedido.

(cf. n.os 99‑101)

7.      A compatibilidade, com o mercado comum, de um projecto de auxílio destinado à protecção do ambiente aprecia‑se de acordo com as disposições conjugadas dos artigos 6.° CE e 87.° CE e no âmbito dos enquadramentos comunitários que a Comissão previamente adoptou para efeitos desse exame. Com efeito, a Comissão tem de respeitar os enquadramentos ou comunicações que adopta em matéria de controlo dos auxílios de Estado, na medida em que não se afastam das normas do Tratado e em que são aceites pelos Estados‑Membros. Os interessados têm pois o direito de os invocar, devendo o juiz verificar se a Comissão respeitou as regras que a si própria impôs ao tomar a decisão impugnada.

(cf. n.° 134)

8.      Uma vez que resulta de um novo enquadramento comunitário dos auxílios de Estado que este entra em vigor na data da sua publicação e que a Comissão deve aplicar as suas disposições a todos os projectos de auxílio notificados, mesmo anteriormente a essa publicação, esta última está obrigada a aplicá‑lo para se pronunciar sobre um projecto de auxílio que é objecto de um procedimento formal de exame ainda não encerrado. Esta aplicação inspira‑se nas disposições do artigo 254.°, n.° 2, CE, relativas à entrada em vigor dos regulamentos e das directivas do Conselho e da Comissão, e respeita o princípio da protecção da confiança legítima que, como o princípio da segurança jurídica, diz respeito a situações adquiridas e não a uma situação provisória, como a de um Estado‑Membro que tenha notificado um projecto de auxílio novo à Comissão e aguarda o resultado do seu exame.

(cf. n.os 137‑139)

9.      O benefício das disposições comunitárias relativas aos auxílios de Estado para a protecção do ambiente depende da finalidade do investimento para o qual é solicitada uma medida de auxílio. Assim, o enquadramento de 2001, idêntico a este respeito ao enquadramento de 1994, menciona os investimentos destinados a reduzir ou a eliminar poluições ou danos ambientais ou a adaptar os métodos de produção, precisando‑se que só os custos dos investimentos suplementares ligados à protecção do ambiente são elegíveis para a medida de auxílio. A elegibilidade para uma medida de auxílio para a protecção do ambiente de um investimento que responda, nomeadamente, a considerações económicas pressupõe que estas considerações não sejam suficientes só por si para justificar o investimento sob a forma escolhida.

Resulta da economia do enquadramento de 2001, a este respeito, idêntica à do enquadramento de 1994, que não é elegível para um auxílio o investimento que adapte uma instalação a normas, obrigatórias ou não, nacionais ou comunitárias, que vá além dessas normas ou que seja realizado na falta de quaisquer normas, mas apenas o investimento cujo objectivo seja precisamente esse resultado ambiental. Em consequência, é irrelevante que o investimento ocasione melhorias do ponto de vista da protecção do ambiente, ou mesmo do ponto de vista da protecção da saúde e da segurança dos trabalhadores. É certo que é possível que um projecto tenha simultaneamente um objectivo de melhoria da produtividade económica e um objectivo de protecção do ambiente, mas a existência deste segundo objectivo não se pode inferir da simples constatação de que o novo equipamento tem um impacto menos negativo sobre o ambiente do que o anterior, o que pode constituir um simples efeito colateral de uma mudança de tecnologia com objectivos económicos ou da renovação de material usado. Para que, nesse caso, se possa considerar que o investimento que beneficiou do auxílio tem um objectivo parcialmente ambiental, é necessário comprovar que a mesma produtividade económica poderia ser obtida por meio de um equipamento menos dispendioso, mas mais prejudicial para o ambiente.

A questão não é, pois, saber se o investimento traz melhorias de ordem ambiental ou se vai além das normas ambientais existentes, mas, prioritariamente, saber se foi realizado com o fim de trazer essas melhorias.

(cf. n.os 147‑152)