Language of document : ECLI:EU:T:2007:289

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Grande Secção)

17 de Setembro de 2007 (*)

«Concorrência – Abuso de posição dominante – Sistemas operativos para PC clientes – Sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho – Leitores multimédia que permitem uma recepção contínua – Decisão que declara a existência de infracções ao artigo 82.° CE – Recusa da empresa dominante de prestar as informações relativas à interoperabilidade e de autorizar a respectiva utilização – Sujeição pela empresa dominante do fornecimento do seu sistema operativo para PC clientes à aquisição simultânea do seu leitor multimédia – Medidas correctivas – Designação de um mandatário independente – Coima – Determinação do montante – Proporcionalidade»

No processo T‑201/04,

Microsoft Corp., com sede em Redmond, Washington (Estados Unidos), representada por J.‑F. Bellis, advogado, e I. Forrester, QC,

recorrente,

apoiada por

The Computing Technology Industry Association, Inc., com sede em Oakbrook Terrace, Illinois (Estados Unidos), representada por G. van Gerven, T. Franchoo, advogados, e B. Kilpatrick, solicitor,

DMDsecure.com BV, com sede em Amesterdão (Países Baixos),

MPS Broadband AB, com sede em Estocolmo (Suécia),

Pace Micro Technology plc, com sede em Shipley, West Yorkshire (Reino Unido),

Quantel Ltd, com sede em Newbury, Berkshire (Reino Unido),

Tandberg Television Ltd, com sede em Southampton, Hampshire (Reino Unido),

representadas por J. Bourgeois, advogado,

Association for Competitive Technology, Inc., com sede em Washington, DC (Estados Unidos), representada por L. Ruessmann, P. Hecker, advogados, e K. Bacon, barrister,

TeamSystem SpA, com sede em Pesaro (Itália),

Mamut ASA, com sede em Oslo (Noruega),

representadas por G. Berrisch, advogado,

Exor AB, com sede em Uppsala (Suécia), representada por S. Martínez Lage, H. Brokelmann e R. Allendesalazar Corcho, advogados,

intervenientes,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada inicialmente por R. Wainwright, F. Castillo da Torre, P. Hellström e A. Whelan, na qualidade de agentes, e em seguida por Castillo da Torre, Hellström e Whelan,

recorrida,

apoiada por

Software & Information Industry Association, com sede em Washington, DC, representada por J. Flynn QC, C. Simpson, T. Vinje, solicitors, D. Paemen, N. Dodoo e Dolmans, advogados,

Free Software Foundation Europe eV, com sede em Hamburgo (Alemanha), representada por C. Piana, advogado,

Audiobanner.com, com sede em Los Angeles, Califórnia (Estados Unidos), representada por L. Alvizar Ceballos, advogado,

European Committee for Interoperable Systems (ECIS), com sede em Bruxelas (Bélgica), representada por D. Paemen, N. Dodoo, Dolmans, advogados, e J. Flynn, QC,

intervenientes,

que tem por objecto um pedido de anulação da Decisão da Comissão, de 24 de Maio de 2006, relativa a um processo nos termos do artigo 82.° [CE] e do artigo 54.° do Acordo EEE contra a Microsoft Corporation (Processo COMP/C‑3/37.792 – Microsoft) (JO 2007, L 32, p. 23), ou, a título subsidiário, um pedido de anulação ou de redução da coima aplicada à recorrente nessa decisão,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Grande Secção),

composto por: B. Vesterdorf, presidente, Jaeger, J. Pirrung, R. García‑Valdecasas, V. Tiili, J. Azizi, J. D. Cooke, A. W. H. Meij, N. J. Forwood, E. Martins Ribeiro, I. Wiszniewska‑Białecka, V. Vadapalas e I. Labucka, juízes,

secretário: E. Coulon,

vistos os autos e após a audiência de 24, 25, 26, 27 e 28 de Abril de 2006,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        A Microsoft Corp., com sede em Redmond, Washington (Estados Unidos), concebe, desenvolve e comercializa uma vasta gama de produtos de software destinados a diferentes tipos de equipamentos informáticos. Estes produtos de software incluem, nomeadamente, sistemas operativos para computadores pessoais clientes (a seguir «PC clientes»), sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho e leitores multimédia que permitem uma recepção contínua. A Microsoft também presta serviços de assistência técnica aos seus diversos produtos.

2        Em 15 de Setembro de 1998, R. Green, vice‑presidente da Sun Microsystems, Inc. (a seguir «Sun»), sociedade com sede em Palo Alto, Califórnia (Estados Unidos), que fornece, nomeadamente, servidores e sistemas operativos para servidores, dirigiu a P. Maritz, vice‑presidente da Microsoft, uma carta assim redigida:

«Vimos por este meio solicitar que a Microsoft preste à [Sun] todas as informações necessárias para lhe permitir fornecer suporte nativo para objectos COM em Solaris.

Solicitamos igualmente que a Microsoft preste à [Sun] todas as informações necessárias para lhe permitir fornecer suporte nativo para todas as tecnologias Active Directory em Solaris.

Pensamos que o sector tem todo o interesse em que as aplicações criadas para serem executadas em Solaris possam comunicar de modo transparente via COM e/ou Active Directory com os sistemas operativos Windows e/ou com software baseado em Windows.

Pensamos que a Microsoft deveria incluir uma implementação de referência e a informação necessária para garantir que, sem que seja necessário recorrer à engenharia de inversão, os objectos COM e todas as tecnologias Active Directory corram de modo perfeitamente compatível em Solaris. Pensamos que é necessário que esta informação seja prestada para todos os objectos COM bem como para todas as tecnologias Active Directory que se encontram actualmente no mercado. Pensamos igualmente que é necessário que essa informação seja prestada num prazo razoável e de modo regular para os objectos COM e as tecnologias Active Directory que serão futuramente colocadas no mercado.»

3        Esta carta passará a ser designada «carta de 15 de Setembro de 1998».

4        Por carta de 6 de Outubro de 1998, P. Maritz respondeu à carta de 15 de Setembro de 1998 nos seguintes termos:

«Agradecemos o interesse que V.as Ex.as manifestaram em trabalhar com o Windows. Temos clientes comuns que utilizam os nossos produtos, e penso que é formidável que V.as Ex.as se interessem em abrir o vosso sistema para que interopere com o Windows. A Microsoft tem sempre considerado que é proveitoso auxiliar os criadores de software, incluindo os [seus] concorrentes, na concepção dos melhores produtos e da melhor interoperabilidade possíveis para a [sua] plataforma.

Talvez não se tenham apercebido de que as informações que solicitaram sobre o modo de interoperar com a COM e as tecnologias Active Directory se encontram já publicadas e disponíveis para V.as Ex.as e todos os outros criadores de software do mundo através do produto‘Microsoft Developer Network (MSDN) Universal’. O MSDN contém informações completas sobre os serviços e interfaces da plataforma Windows e representa uma fonte de informação admirável para os criadores interessados em conceber software para o Windows ou em interoperar com este sistema operativo. Com efeito, a [Sun] detém actualmente 32 licenças activas para o ‘MSDN Universal’. Acresce que, como a vossa sociedade já tem feito no passado, suponho que enviarão um grande número de pessoas para participar na nossa conferência ‘Professional Developers’ que terá lugar em Denver de 11 a 15 de Outubro de 1998. Essa participação será uma ocasião acrescida de obter as informações técnicas que solicitam para poderem trabalhar com as nossas tecnologias de sistemas. Alguns dos 23 empregados da [Sun] que participaram na conferência do ano passado devem estar em condições de vos prestar informações sobre qualidade e a precisão das questões discutidas nessas conferências‘Professional Developers’.

Folgarão V.as Ex.as em saber que já existe uma implementação de referência da COM em Solaris. Esta implementação da COM em Solaris é um produto binário plenamente suportado, disponível na Microsoft. Podem ser obtidas licenças para o código fonte da COM junto de outras empresas, nomeadamente junto da Software AG […]

No que diz respeito ao Active Directory, não está nas nossas previsões ‘transport[á‑lo]’ […] para o Solaris. Todavia, no intuito de satisfazer os nossos clientes comuns, existem numerosos métodos, com níveis variáveis de funcionalidade, para interoperar com o Active Directory. Por exemplo, podem utilizar o protocolo padrão LDAP para aceder ao Active Directory da Windows NT Server a partir do Solaris.

Se, depois de terem participado [na conferência‘Professional Developers’] e de terem examinado as informações públicas contidas no MSDN, tiverem necessidade de alguma assistência suplementar, o nosso grupo ‘Developer Relations’ tem ‘Account Managers’ que se esforçam por auxiliar os criadores que precisam de assistência suplementar para as plataformas da Microsoft. Solicitei pessoalmente a Marshall Goldberg, Lead Program Manager, que estivesse disponível se precisassem […]»

5        A carta de P. Maritz de 6 de Outubro de 1998 passará a ser designada «carta de 6 de Outubro de 1998».

6        Em 10 de Dezembro de 1998, a Sun apresentou uma denúncia à Comissão, nos termos do artigo 3.° do Regulamento n.° 17 do Conselho, Primeiro Regulamento de execução dos artigos [81.° CE] e [82.° CE] (JO 1962, 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22).

7        O objecto dessa denúncia era a recusa de a Microsoft fornecer à Sun as informações e a tecnologia necessárias para permitir a interoperabilidade dos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho com o sistema operativo Windows para PC clientes.

8        Em 2 de Agosto de 2000, a Comissão enviou à Microsoft uma comunicação de acusações (a seguir «primeira comunicação de acusações»). Esta comunicação de acusações respeitava, essencialmente, a questões relativas à interoperabilidade entre, por um lado, os sistemas operativos Windows para PC clientes e, por outro, os sistemas operativos para servidores de outros fornecedores («interoperabilidade cliente‑servidor»).

9        A Microsoft respondeu a esta primeira comunicação de acusações em 17 de Novembro de 2000.

10      Entretanto, em Fevereiro de 2000, a Comissão abriu oficiosamente um inquérito sobre, mais especificamente, a geração Windows 2000 dos sistemas operativos para PC clientes e para servidores de grupos de trabalho da Microsoft e sobre a integração, por esta última, do seu leitor multimédia Windows Media Player no seu sistema operativo Windows para PC clientes. O sistema operativo para PC clientes da gama Windows 2000 destinava‑se a uma utilização profissional e chamava‑se «Windows 2000 Professional». Quanto aos sistemas operativos para servidores pertencentes a essa gama, existiam três versões diferentes: o Windows 2000 Server, o Windows 2000 Advanced Server e o Windows 2000 Datacenter Server.

11      Esse inquérito concluiu pelo envio à Microsoft de uma segunda comunicação de acusações, em 29 de Agosto de 2001 (a seguir, «segunda comunicação de acusações»). Nessa comunicação de acusações, a Comissão reiterou as acusações anteriores quanto à interoperabilidade cliente‑servidor. Além disso, abordou determinadas questões relativas à interoperabilidade entre servidores de grupos de trabalho (interoperabilidade servidor‑servidor). Por fim, a Comissão evocou certas questões relativas à integração do leitor multimédia Windows Media Player no sistema operativo Windows para PC clientes.

12      A Microsoft respondeu à segunda comunicação de acusações em 16 de Novembro de 2001.

13      Em Dezembro de 2001, transmitiu à Comissão um relatório com os resultados e a análise de uma sondagem realizada pela Mercer Management Consulting (a seguir «Mercer»).

14      De Abril a Junho de 2003, a Comissão procedeu a um amplo estudo de mercado, tendo enviado uma série de pedidos de informação a várias sociedades e associações com base no artigo 11.° do Regulamento n.° 17 (a seguir «estudo de mercado de 2003»).

15      Em 6 de Agosto de 2003, a Comissão enviou à Microsoft uma terceira comunicação de acusações, destinada, segundo a mesma, a completar as duas comunicações de acusações anteriores e a dar indicações sobre as medidas correctivas que planeava aplicar (a seguir «terceira comunicação de acusações»).

16      Por carta de 17 de Outubro de 2003, a Microsoft respondeu à terceira comunicação de acusações.

17      Em 31 de Outubro de 2003, transmitiu à Comissão um relatório com os resultados e a análise de mais duas sondagens realizadas pela Mercer.

18      Em 12, 13 e 14 de Novembro de 2003, a Comissão ouviu a Microsoft.

19      Em 1 de Dezembro de 2003, a Microsoft apresentou novas observações sobre a terceira comunicação de acusações.

20      Em 24 de Março de 2004, a Comissão adoptou a Decisão relativa a um processo nos termos do artigo 82.° [CE] e do artigo 54.° do Acordo EEE contra a Microsoft Corporation (Processo COMP/C‑3/37.792 – Microsoft) (JO 2007, L 32, p. 23, a seguir «decisão impugnada»).

 Decisão impugnada

21      Segundo a decisão impugnada, a Microsoft violou o artigo 82.° CE e o artigo 54.° do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (EEE), por ter cometido dois abusos de posição dominante.

22      Numa primeira fase, a Comissão identificou três mercados de produtos distintos, de dimensão mundial, e considerou que a Microsoft tinha uma posição dominante em dois deles. Numa segunda fase, identificou dois comportamentos abusivos por parte da Microsoft. Consequentemente, aplicou à Microsoft uma coima e determinadas medidas correctivas.

I –  Mercados de produtos e mercado geográfico em causa

23      A decisão impugnada identifica três mercados de produtos distintos, agrupando, respectivamente, os sistemas operativos para PC clientes (considerandos 324 a 342), os sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho (considerandos 343 a 401) e os leitores multimédia que permitem uma recepção contínua (considerandos 402 a 425).

24      O primeiro mercado identificado na decisão impugnada é o dos sistemas operativos para PC clientes (considerandos 324 a 342). Os sistemas operativos são definidos pela decisão impugnada como sistemas de software que controlam as funções básicas de um computador e permitem ao utilizador servir‑se desse computador e executar aplicações nesse computador (considerando 37). Os PC clientes são definidos como computadores multifuncionais concebidos para serem utilizados por uma pessoa de cada vez e podem ser ligados a uma rede (considerando 45).

25      Quanto ao segundo mercado, a decisão impugnada define os sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho como sistemas operativos concebidos e comercializados para fornecer, de modo integrado, os serviços de «infra‑estrutura de base» a um número relativamente limitado de PC clientes ligados a uma rede de pequena ou média dimensão (considerandos 53 e 345)

26      A decisão impugnada identifica, mais especificamente, três séries de serviços, concretamente, em primeiro lugar, a partilha de ficheiros armazenados em servidores, em segundo lugar, a partilha de impressoras e, em terceiro lugar, a gestão dos utilizadores e dos grupos de utilizadores, ou seja, a administração das modalidades de acesso dos interessados aos serviços de rede (considerandos 53 e 345). Esta última série de serviços consiste especialmente em garantir um acesso e uma utilização dos recursos da rede, nomeadamente, numa primeira fase, autenticando os utilizadores, e depois, numa segunda fase, verificando se estão autorizados a realizar uma acção determinada (considerando 54). A decisão impugnada esclarece que, para garantir um armazenamento e uma pesquisa eficaz das informações relativas à gestão dos utilizadores e dos grupos de utilizadores, os sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho recorrem geralmente às tecnologias de «serviços de directório» (considerando 55). O serviço de directório incluído no sistema operativo Windows 2000 Server da Microsoft chama‑se «Active Directory» (considerando 149).

27      Segundo a decisão impugnada, estas três séries de serviços estão estreitamente ligadas dentro dos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho. Podem ser consideradas, num sentido amplo, como um «serviço único», mas encarado sob dois pontos de vista diferentes, concretamente, por um lado, o do utilizador (serviços de partilha de ficheiros e de impressão) e, por outro, o do administrador de rede (serviços de gestão dos utilizadores e dos grupos de utilizadores) (considerando 56). A decisão impugnada qualifica esses diferentes serviços como «serviços de grupos de trabalho».

28      O terceiro mercado identificado na decisão impugnada é o dos leitores multimédia que permitem uma recepção contínua. Os leitores multimédia são definidos como um software capaz de ler em formato digital conteúdos de som e imagem, ou seja, de descodificar os dados correspondentes e de os traduzir em instruções para o equipamento (por exemplo, altifalantes ou um monitor) (considerando 60). Os leitores multimédia que permitem uma recepção contínua conseguem ler conteúdos de som e de imagem difundidos em contínuo através da Internet (considerando 63).

29      Quanto ao mercado geográfico em causa, a Comissão refere, na decisão impugnada, como acima mencionado no n.° 22, que cada um dos três mercados de produtos identificados tem dimensão mundial (considerando 427).

II –  Posição dominante

30      Na decisão impugnada, a Comissão considera que a Microsoft detém uma posição dominante no mercado dos sistemas operativos para PC clientes, pelo menos desde 1996, bem como no mercado dos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho, desde 2002 (considerandos 429 a 541).

31      Relativamente ao mercado dos sistemas operativos para PC clientes, a Comissão, para chegar a essa conclusão, baseia‑se essencialmente nos seguintes elementos:

–        as quotas de mercado da Microsoft são superiores a 90% (considerandos 430 a 435);

–        o poder de mercado da Microsoft «tem beneficiado de uma estabilidade e de uma continuidade ininterruptas» (considerando 436);

–        existem obstáculos significativos ao acesso a esse mercado, devidos a efeitos de rede indirectos (considerandos 448 a 464);

–        estes efeitos de rede indirectos são devidos, por um lado, ao facto de os consumidores apreciarem as plataformas em que podem utilizar um grande número de aplicações e, por outro, ao facto de os criadores de software elaborarem aplicações para os sistemas operativos para PC clientes que são os mais populares junto dos consumidores (considerandos 449 e 450).

32      A Comissão esclarece, no considerando 472, que essa posição dominante tem «características extraordinárias» na medida em que o Windows não é apenas um produto dominante no mercado dos sistemas operativos para PC clientes, mas, além disso, constitui o «padrão» desses sistemas.

33      Quanto ao mercado dos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho, a Comissão invoca essencialmente os seguintes elementos:

–        a quota de mercado da Microsoft é, numa estimativa prudente, de pelo menos 60% (considerandos 473 a 499);

–        da posição dos três principais concorrentes da Microsoft nesse mercado é a seguinte: a Novell, com o seu software NetWare, tem uma quota de mercado da ordem dos 10 a 25%, os produtos Linux representam uma quota de mercado entre os 5 e os 15% e os produtos Linux têm uma quota de mercado entre os 5 e os 15% (considerandos 503, 507 e 512);

–        o mercado dos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho caracteriza‑se pela existência de vários obstáculos ao acesso devidos, nomeadamente, a efeitos de rede e à recusa da Microsoft de divulgar as informações relativas à interoperabilidade (considerandos 515 a 525);

–        existem ligações comerciais e tecnológicas estreitas entre este último mercado e o dos sistemas operativos para PC clientes (considerandos 526 a 540).

34      O Linux é um sistema operativo «livre» difundido sob a licença «GNU GPL (General Public Licence)». Em rigor, não é mais do que um código base, designado «núcleo», que executa um número limitado dos serviços próprios de um sistema operativo. Pode, todavia, ser associado a outro software para constituir um «sistema operativo Linux» (considerando 87). O Linux é utilizado, nomeadamente, como base para sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho (considerando 101). Assim, está presente no mercado dos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho em associação com o software Samba, também difundido sob a licença «GNU GPL» (considerandos 506 e 598).

35      Quanto ao termo «UNIX», designa um certo número de sistemas operativos que partilham determinadas características comuns (considerando 42). A Sun desenvolveu um sistema operativo para servidores de grupos de trabalho baseado em UNIX, chamado «Solaris» (considerando 97).

III –  Abuso de posição dominante

A –  Recusa de fornecer as informações relativas à interoperabilidade e de autorizar a respectiva utilização

36      O primeiro comportamento abusivo imputado à Microsoft é constituído pela sua recusa de fornecer aos seus concorrentes as «informações relativas à interoperabilidade» e de autorizar a sua utilização para o desenvolvimento e a distribuição de produtos concorrentes com os seus no mercado dos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho durante o período compreendido entre Outubro de 1998 e a data da notificação da decisão impugnada [artigo 2.°, alínea a), da decisão impugnada]. Este comportamento está descrito nos considerandos 546 a 791.

37      Na acepção da decisão impugnada, as «informações relativas à interoperabilidade» são as «especificações exaustivas e exactas de todos os protocolos [implementados] nos sistemas operativos Windows para servidores de grupos de trabalho e que são utilizadas pelos servidores de grupos de trabalho Windows para fornecer às redes Windows para grupos de trabalho serviços de partilha de ficheiros e de impressão, e de gestão dos utilizadores e dos grupos [de utilizadores], incluindo os serviços de controlador de domínio Windows, o serviço de directório Active Directory e o serviço ‘Group Policy’» (artigo 1.°, n.° 1, da decisão impugnada).

38      As «redes Windows para grupos de trabalho» são definidas como «grupo[s] de PC clientes [em que está instalado um sistema operativo Windows para PC clientes] e de servidores [em que está instalado um sistema operativo Windows para servidores de grupos de trabalho] ligados entre si através de uma rede informática» (artigo 1.°, n.° 7, da decisão impugnada).

39      Os «protocolos» são definidos como «um conjunto de regras de interconexão e de interacção entre diferentes sistemas operativos Windows para servidores de grupos de trabalho e sistemas operativos Windows para PC clientes instalados em diferentes computadores numa rede Windows para grupos de trabalho» (artigo 1.°, n.° 2, da decisão impugnada).

40      Na decisão impugnada, a Comissão salienta que a recusa em questão não abrange elementos do «código fonte» da Microsoft, mas apenas especificações dos protocolos em causa, ou seja, uma descrição pormenorizada do que se espera do software em causa, por oposição às «implementações» (também denominadas, para efeitos do presente acórdão, «realizações» ou «execuções»), constituídas pela execução do código no computador (considerandos 24 e 569). Esclarece, nomeadamente, que «não pretende ordenar à Microsoft que permita a terceiros copiar o Windows» (considerando 572).

41      Por outro lado, a Comissão considera que a recusa da Microsoft se integra numa linha de conduta geral (considerandos 573 a 577). Afirma igualmente que o comportamento imputado à Microsoft implica uma ruptura em relação a níveis de fornecimento anteriores mais elevados (considerandos 578 a 584), gera um risco de eliminação da concorrência no mercado dos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho (considerandos 585 a 692) e tem efeitos negativos sobre o desenvolvimento técnico, em prejuízo dos consumidores (considerandos 693 a 708).

42      Por último, a Comissão rejeita os argumentos da Microsoft segundo os quais a sua recusa é objectivamente justificada (considerandos 709 a 778).

B –  Venda ligada do sistema operativo Windows para PC clientes e do Windows Media Player

43      O segundo comportamento abusivo imputado à Microsoft consiste no facto de a Microsoft ter sujeitado, no período compreendido entre Maio de 1999 e a data da notificação da decisão impugnada, o fornecimento do sistema operativo Windows para PC clientes à aquisição simultânea do software Windows Media Player [artigo 2.°, alínea b), da decisão impugnada]. Este comportamento está descrito nos considerandos 792 a 989.

44      Na decisão impugnada, a Comissão considera que o referido comportamento preenche os requisitos exigidos para que se verifique a existência de uma venda ligada abusiva, na acepção do artigo 82.° CE (considerandos 794 a 954). A este respeito, em primeiro lugar, repete que a Microsoft detém uma posição dominante no mercado dos sistemas operativos para PC clientes (considerando 799). Em segundo lugar, considera que os leitores multimédia que permitem a recepção em contínuo e os sistemas operativos para PC clientes são produtos distintos (considerandos 800 a 825). Em terceiro lugar, afirma que a Microsoft não dá aos consumidores a possibilidade de adquirirem o Windows sem o Windows Media Player (considerandos 826 a 834). Em quarto lugar, sustenta que a venda ligada em causa restringe a concorrência no mercado dos leitores multimédia (considerandos 835 a 954).

45      Por fim, a Comissão rejeita os argumentos da Microsoft segundo os quais, por um lado, a venda ligada em questão gera aumentos de eficiência susceptíveis de compensar os efeitos anticoncorrenciais identificados na decisão impugnada (considerandos 955 a 970) e, por outro, não tem qualquer interesse em praticar vendas ligadas «anticoncorrenciais» (considerandos 971 a 977).

IV –  Coima e medidas correctivas

46      Os dois abusos identificados pela decisão impugnada foram punidos através da aplicação de uma coima de 497 196 304 euros (artigo 3.° da decisão impugnada).

47      Além disso, segundo o artigo 4.°, primeiro parágrafo, da decisão impugnada, a Microsoft é obrigada a pôr fim aos abusos referidos no artigo 2.°, em conformidade com as modalidades previstas nos artigos 5.° e 6.° da mesma decisão. A Microsoft deve também abster‑se de qualquer comportamento que possa ter um objectivo ou efeito idêntico ou equivalente ao dos referidos abusos (artigo 4.°, segundo parágrafo, da decisão impugnada).

48      Como medida destinada a corrigir a recusa abusiva identificada no artigo 2.°, alínea a), da decisão impugnada, o artigo 5.° desta mesma decisão ordena o seguinte à Microsoft:

«a)      A Microsoft [...] divulgará, num prazo de 120 dias a contar da notificação da [decisão impugnada], a toda a empresa que tenha interesse em desenvolver e distribuir sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho, informações relativas à interoperabilidade e, sob condições razoáveis e não discriminatórias, autorizará o seu uso por essas empresas para o desenvolvimento e a distribuição de sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho;

b)      A Microsoft [...] fará de modo a que as informações divulgadas sobre a interoperabilidade sejam actualizadas permanentemente e nos prazos adequados;

c)      A Microsoft [...] estabelecerá, num prazo de 120 dias a contar da notificação da [decisão impugnada], um mecanismo de avaliação que permita às empresas interessadas informarem‑se de modo eficaz sobre o alcance e as condições de utilização das informações relativas à interoperabilidade. A Microsoft [...] pode impor condições razoáveis e não discriminatórias para assegurar que o acesso dado neste âmbito às informações relativas à interoperabilidade seja concedido só para fins de avaliação;

[…]»

49      Como medida correctiva para a venda ligada abusiva mencionada no artigo 2.°, alínea b), da decisão impugnada, o artigo 6.° desta decisão ordena, nomeadamente, à Microsoft que disponibilize, num prazo de 90 dias a contar da notificação da referida decisão, uma versão completamente operacional do seu sistema operativo Windows PC clientes que não integre o Windows Media Player. A Microsoft mantém o direito de oferecer o seu sistema operativo Windows para PC clientes juntamente com o Windows Media Player.

50      Por último, o artigo 7.° da decisão impugnada dispõe:

«No prazo de 30 dias a contar da notificação da [decisão impugnada], a Microsoft […] apresentará à Comissão uma proposta sobre a instituição de um mecanismo destinado a auxilia a Comissão na verificação de que a Microsoft […] está a dar cumprimento à [decisão impugnada]. Esse mecanismo incluirá a nomeação de um mandatário independente da Microsoft […]

No caso de a Comissão considerar que o mecanismo proposto pela Microsoft […] não é adequado, poderá impor outro mecanismo através de uma decisão.»

 Processo pela violação do direito antitrust americano

51      Paralelamente ao inquérito da Comissão, a Microsoft foi objecto de um inquérito por violação das leis antitrust americanas.

52      Em 1998, os Estados Unidos da América, 20 Estados Federados e o District de Columbia intentaram uma acção judicial contra a Microsoft, nos termos do Sherman Act. As suas acusações tinham por objecto as medidas tomadas pela Microsoft relativamente ao navegador Internet da Netscape, «Netscape Navigator», e as tecnologias «Java» da Sun. Os Estados Federados em questão propuseram também acções contra a Microsoft por violação das suas próprias leis antitrust.

53      Depois de o United States Court of Appeals for the District of Columbia Circuit (a seguir «Court of Appeals»), para o qual a Microsoft recorreu do acórdão de 3 de Abril de 2000, proferido pela United States District Court for the District of Columbia (a seguir «District Court»), ter proferido o seu acórdão em 28 de Junho de 2001, a Microsoft celebrou, em Novembro de 2001, uma transacção com o Ministro da Justiça dos Estados Unidos e com os «Attorneys General» de nove Estados Federados (a seguir «transacção americana»), no âmbito da qual a Microsoft assumiu dois tipos de compromissos.

54      Em primeiro lugar, a Microsoft aceitou elaborar as especificações dos protocolos de comunicação utilizados pelos sistemas operativos Windows para servidores no sentido de «interoperarem», ou seja, de os tornar compatíveis com os sistemas operativos Windows para computadores pessoais, e aceitou conceder licenças a terceiros sobre estas especificações sob determinadas condições.

55      Em segundo lugar, a transacção americana prevê que a Microsoft deve permitir aos fabricantes de equipamentos originais de equipamentos e aos consumidores finais a activação ou a eliminação do acesso ao seu software mediadores (middleware). O software Windows Media Player é um dos produtos que pertencem a esta categoria, tal como é definida na transacção americana. Estas disposições destinam‑se a assegurar que os fornecedores de software mediador possam desenvolver e distribuir produtos que funcionem correctamente com o Windows.

56      Estas disposições foram confirmadas por acórdão de 1 de Novembro de 2002 do District Court.

57      Num recurso interposto pelo Estado do Massachusetts, em 30 de Junho de 2004, a Court of Appeals confirmou a decisão do District Court de 1 de Novembro de 2002.

58      Em execução da transacção americana, o Microsoft Comunicações Protocol Program (programa dos protocolos de comunicação da Microsoft, a seguir «MCPP») foi implementado em Agosto de 2002.

 Tramitação do processo

59      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 7 de Junho de 2004, a Microsoft interpôs o presente recurso.

60      Por requerimento separado registado na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 25 de Junho de 2004, a Microsoft apresentou, nos termos do artigo 242.° CE, um pedido de suspensão da execução do artigo 4.°, do artigo 5.°, alíneas a) a c), e do artigo 6.°, alínea a), da decisão impugnada.

61      Por despacho de 22 de Dezembro de 2004, Microsoft/Comissão (T‑201/04 R, Colect., p. II‑4463), o presidente do Tribunal de Primeira Instância indeferiu o pedido e reservou para final a decisão quanto às despesas.

62      Por despacho de 9 de Março de 2005, o presidente da Quarta Secção do Tribunal de Primeira Instância admitiu a intervenção, em apoio da Microsoft, das seguintes associações e sociedades:

–        The Computing Technology Industry Association, Inc. (a seguir «CompTIA»);

–        DMDsecure.com BV, MPS Broadband AB, Pace Micro Technology plc, Quantel Ltd e Tandberg Television Ltd (a seguir «DMDsecure e o.»);

–        Association for Competitive Technology, Inc. (a seguir «ACT»);

–        TeamSystem SpA e Mamut ASA;

–        Exor AB.

63      No mesmo despacho, o presidente da Quarta Secção do Tribunal de Primeira Instância admitiu a intervenção, em apoio da Comissão, das seguintes associações e sociedades:

–        Software & Information Industry Association (a seguir «SIIA»);

–        Free Software Foundation Europe eV (a seguir «FSFE»);

–        Audiobanner.com, que usa o nome comercial «VideoBanner»;

–        RealNetworks, Inc.

64      A Microsoft requereu, por escritos de 13 de Dezembro de 2004, 9 de Março, 27 de Junho e 9 de Agosto de 2005, que determinados elementos confidenciais contidos na petição inicial e na resposta, na réplica, as suas observações sobre os requerimentos de intervenção e a tréplica não fossem notificados aos intervenientes. Apresentou uma versão não confidencial desses diversos actos processuais. A notificação dos referidos actos processuais aos intervenientes acima referidos nos n.os 62 e 63 foi limitada a essa versão não confidencial. Os intervenientes não apresentaram quaisquer objecções a esse respeito.

65      Todos os intervenientes acima referidos nos n.os 62 e 63 apresentaram os seus articulados nos prazos fixados. As partes principais apresentaram as suas observações sobre esses articulados em 13 de Junho de 2005.

66      Por despacho de 28 de Abril de 2005, Microsoft/Comissão (T‑201/04, Colect., p. II‑1491), o presidente da Quarta Secção do Tribunal de Primeira Instância admitiu a intervenção, em apoio da Comissão, do European Committee for Interoperable Systems (ECIS). Uma vez que esse pedido de intervenção foi apresentado depois de decorrido o prazo previsto no artigo 116.°, n.° 6, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, essa associação apenas foi autorizada a apresentar as suas observações, com base no relatório para audiência, que lhe seria comunicado na fase oral.

67      Por decisão da Secção Plenária de 11 de Maio de 2005, o processo foi remetido para a Quarta Secção Alargada do Tribunal de Primeira Instância.

68      Por decisão da Secção Plenária de 7 de Julho de 2005, o processo foi remetido para a Grande Secção do Tribunal de Primeira Instância e foi distribuído a outro juiz relator.

69      Por despacho do presidente da Grande Secção do Tribunal de Primeira Instância de 16 de Janeiro de 2006, a RealNetworks deixou de ser parte interveniente no processo em apoio da Comissão.

70      Em 1 de Fevereiro de 2006, as partes foram convidadas pelo Tribunal de Primeira Instância para uma reunião informal com o presidente da Grande Secção do Tribunal e o juiz relator para determinar, nomeadamente, as modalidades de organização da audiência. Essa reunião realizou‑se no Tribunal em 10 de Março de 2006.

71      Com base em relatório do juiz relator, o Tribunal (Grande Secção) decidiu dar início à fase oral e, no âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 64.° do seu Regulamento de Processo, convidou as partes a apresentar determinados documentos e a responder a uma série de perguntas. As partes cumpriram o solicitado nos prazos fixados.

72      Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às perguntas do Tribunal na audiência de 24, 25, 26, 27 e 28 de Abril de 2006.

73      Na audiência, o Tribunal convidou a Microsoft a apresentar uma cópia dos pedidos de informação enviados pela Comissão no âmbito do estudo de mercado de 2003 relacionados com a questão dos leitores multimédia e das respostas a esses pedidos, bem como dos relatórios com os resultados e a análise das sondagens realizadas pela Mercer (a seguir «relatórios Mercer»). A Microsoft apresentou todos esses documentos nos prazos fixados.

74      Em 3 de Maio de 2006, o Tribunal convidou a Microsoft a apresentar cópia dos outros pedidos de informação da Comissão no âmbito do estudo de mercado de 2003 e das respectivas respostas. A Microsoft deu cumprimento ao solicitado nos prazos fixados.

75      O presidente da Grande Secção do Tribunal encerrou a fase oral por decisão de 22 de Junho de 2006.

 Pedidos das partes

76      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular a decisão impugnada;

–        a título subsidiário, anular ou reduzir substancialmente a coima;

–        condenar a Comissão nas despesas;

–        condenar a SIIA, a FSFE e a Audiobanner.com nas despesas relativas à sua intervenção.

77      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a Microsoft nas despesas.

78      A CompTIA, a ACT, a TeamSystem e a Mamut concluem pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular a decisão impugnada;

–        condenar a Comissão nas despesas.

79      A DMDsecure e o. concluem pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular o artigo 2.°, alínea b), o artigo 4.°, o artigo 6.°, alínea a), e o artigo 7.° da decisão impugnada;

–        condenar a Comissão nas despesas.

80      A Exor conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular os artigos 2.° e 4.°, o artigo 6.°, alínea a), e o artigo 7.° da decisão impugnada;

–        condenar a Comissão nas despesas.

81      A SIIA, a FSFE, a Audiobanner.com e a ECIS concluem pedindo que o Tribunal se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a Microsoft nas despesas.

 Questão de direito

82      Há que apreciar, em primeiro lugar, os fundamentos que dizem respeito aos pedidos de anulação da decisão impugnada, e depois aqueles que dizem respeito ao pedido de anulação da coima ou de redução do respectivo montante.

I –  Quanto aos pedidos de anulação da decisão impugnada

83      O fundamentos de anulação da decisão impugnada invocados pela Microsoft giram em torno de três problemáticas que consistem, em primeiro lugar, na recusa de fornecer as informações relativas à interoperabilidade e de autorizar a respectiva utilização, em segundo lugar, na venda ligada do sistema operativo Windows para PC clientes e do Windows Media Player e, em terceiro lugar, na obrigação de designar um mandatário independente encarregado de verificar se a Microsoft dá cumprimento à decisão impugnada.

A –  Questões preliminares

84      Nos seus articulados, a Comissão suscita determinadas questões relativas à extensão da fiscalização do juiz comunitário e à admissibilidade do conteúdo de vários anexos da petição inicial e da réplica.

1.     Quanto à extensão da fiscalização do juiz comunitário

85      A Comissão alega que a decisão impugnada assenta num determinado número de considerações que envolvem apreciações técnicas e económicas complexas. Afirma que, de acordo com a jurisprudência, os órgãos jurisdicionais comunitários podem apenas exercer uma fiscalização limitada sobre essas apreciações [acórdãos do Tribunal de Justiça de 21 de Novembro de 1991, Technische Universität München, C‑269/90, Colect., p. I‑5469, n.° 13, e de 7 de Janeiro de 2004, Aalborg Portland e o./Comissão, C‑204/00 P, C‑205/00 P, C‑211/00 P, C‑213/00 P, C‑217/00 P e C‑219/00 P, Colect., p. I‑123, n.° 279; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 21 de Abril de 2005, Holcim (Deutschland)/Comissão, T‑28/03, Colect., p. II‑1357, n.os 95, 97 e 98].

86      A Microsoft, referindo a título de exemplo o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Julho de 2000, Volkswagen/Comissão (T‑62/98, Colect., p. II‑2707, n.° 43), responde que o juiz comunitário não deixa de «analisar minuciosamente a pertinência das decisões da Comissão, mesmo nos processos complexos».

87      O Tribunal de Primeira Instância recorda que resulta de jurisprudência constante que, embora o juiz comunitário exerça, de modo geral, uma fiscalização integral no que respeita à questão de saber se estão ou não reunidas as condições de aplicação das regras de concorrência, a fiscalização que exerce sobre as apreciações económicas complexas feitas pela Comissão deve, contudo, limitar‑se à verificação do respeito das regras processuais e de fundamentação, bem como da exactidão material dos factos, da inexistência de erro manifesto de apreciação e de desvio de poder (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 30 de Março de 2000, Kish Glass/Comissão, T‑65/96, Colect., p. II‑1885, n.° 64, confirmado em sede de recurso pelo despacho do Tribunal de Justiça de 18 de Outubro de 2001, Kish Glass/Comissão, C‑241/00 P, Colect., p. I‑7759; ver também, neste sentido, relativamente ao artigo 81.° CE, acórdãos do Tribunal de Justiça de 11 de Julho de 1985, Remia e o./Comissão, 42/84, Recueil, p. 2545, n.° 34, e de 17 de Novembro de 1987, BAT e Reynolds/Comissão, 142/84 e 156/84, Colect., p. 4487, n.° 62).

88      Do mesmo modo, na medida em que a decisão da Comissão seja o resultado de apreciações técnicas complexas, estas são, em princípio, objecto de uma fiscalização judicial limitada, que implica que o juiz comunitário não possa substituir a apreciação dos elementos de facto da da Comissão pela sua [v., relativamente a uma decisão adoptada com base em apreciações complexas do domínio médico‑farmacológico, despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 11 de Abril de 2001, Comissão/Trenker, C‑459/00 P(R), Colect., p. I‑2823, n.os 82 e 83; ver também, neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 21 de Janeiro de 1999, Upjohn, C‑120/97, Colect., p. I‑223, n.° 34 e jurisprudência aí referida, e acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 3 de Julho de 2002, A. Menarini/Comissão, T‑179/00, Colect., p. II‑2879, n.os 44 e 45, e de 11 de Setembro de 2002, Pfizer Animal Health/Conselho, T‑13/99, Colect., p. II‑3305, n.° 323].

89      No entanto, embora o Tribunal de Justiça reconheça à Comissão uma margem de apreciação em matéria económica ou técnica, tal não implica que se deva abster de fiscalizar a interpretação que a Comissão faz de dados dessa natureza. Com efeito, o juiz comunitário deve, designadamente, verificar não só a exactidão material dos elementos de prova invocados, a sua fiabilidade e a sua coerência, mas também verificar se estes elementos constituem a totalidade dos dados pertinentes que devem ser tomados em consideração para apreciar uma situação complexa e se são susceptíveis de fundamentar as conclusões que deles se retiram (v., neste sentido, relativamente à fiscalização das operações de concentração, acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Fevereiro de 2005, Comissão/Tetra Laval, C‑12/03 P, Colect., p. I‑987, n.° 39).

90      É à luz destes princípios que há que analisar os diversos fundamentos de anulação da decisão impugnada invocados pela Microsoft.

2.     Quanto à admissibilidade do conteúdo de determinados anexos

91      A Comissão, que neste ponto é apoiada pela SIIA, alega que, em diversos anexos da petição inicial e da réplica, a Microsoft invoca argumentos que não constam do corpo dos actos processuais. Alega igualmente que, em várias ocasiões, a Microsoft procede a uma remissão global para relatórios anexos aos seus articulados. Por outro lado, a Comissão critica o facto de alguns pareceres de peritos apresentados pela Microsoft se basearem em informações a que nem a Comissão nem o Tribunal tiveram acesso. Considera que o Tribunal não pode levar em conta esses argumentos, esses relatórios e esses pareceres de peritos.

92      A Microsoft afirma que as «passagens relevantes d[a] petição inicial» contêm os elementos essenciais de facto e de direito em que o seu recurso se baseia. Recorda que, de acordo com a jurisprudência, o texto da petição pode ser alicerçado e completado em determinados pontos específicos por remissão para determinadas passagens de documentos a ela anexos (despacho do Tribunal de Primeira Instância de 29 de Novembro de 1993, Koelman/Comissão, T‑56/92, Colect., p. II‑1267, n.° 21). Por outro lado, refere que tomou deliberadamente a decisão de limitar o número de anexos numa preocupação de não avolumar os autos, que não lhe incumbe apresentar cada um dos documentos a que faz referência em nota de rodapé nos seus anexos, que a Comissão tem uma cópia de todos os documentos apresentados no procedimento administrativo e que não pode ser contestado o seu direito a transmitir informações aos seus peritos.

93      Na reunião informal de 10 de Março de 2006 (v. n.° 70, supra), o juiz relator chamou a atenção da Microsoft para o facto de que, em alguns dos anexos dos seus articulados, invocava elementos que não constavam expressamente do corpo dos articulados e questionou‑a a este respeito. Em resposta, a Microsoft referiu, como ficou registado na acta da referida reunião, o seguinte: «a Microsoft não invoca quaisquer argumentos que não tenham sido expressamente desenvolvidos na petição inicial ou na réplica.»

94      O Tribunal recorda que, nos termos do artigo 21.° do Estatuto do Tribunal de Justiça e do artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, a petição deve conter o objecto do litígio e a exposição sumária dos fundamentos do pedido. De acordo com jurisprudência assente, para que uma acção seja admissível, é necessário que os elementos essenciais de facto e de direito em que esta se baseia resultem, pelo menos sumariamente, mas de um modo coerente e compreensível, do texto da própria petição. Ainda que o corpo da petição possa ser escorado e completado, em pontos específicos, por remissões para determinadas passagens de documentos que a ela foram anexados, uma remissão global para outros documentos, mesmo anexos à petição, não pode suprir a ausência dos elementos essenciais da argumentação jurídica, os quais, por força das disposições atrás recordadas, devem constar da petição (acórdão do Tribunal de Justiça de 31 de Março de 1992, Comissão/Dinamarca, C‑52/90, Colect., p. I‑2187, n.° 17; despachos do Tribunal de Primeira Instância Koelman/Comissão, referidos no n.° 92, supra, n.° 21, e de 21 de Maio de 1999, Asia Motor France e o./Comissão, T‑154/98, Colect., p. II‑1703, n.° 49). Além disso, não compete ao Tribunal procurar e identificar, nos anexos, os elementos que possa considerar constituírem o fundamento do recurso, uma vez que os anexos têm uma função puramente probatória e instrumental (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 7 de Novembro de 1997, Cipeke/Comissão, T‑84/96, Colect., p. II‑2081, n.° 34, e de 21 de Março de 2002, Joynson/Comissão, T‑231/99, Colect., p. II‑2085, n.° 154).

95      Esta interpretação do artigo 21.° do Estatuto do Tribunal de Justiça e do artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo abrange também os requisitos de admissibilidade da réplica, que se destina, nos termos do artigo 47.°, n.° 1, do mesmo regulamento, a completar a petição (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 20 de Abril de 1999, Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão, T‑305/94 a T‑307/94, T‑313/94 a T‑316/94, T‑318/94, T‑325/94, T‑328/94, T‑329/94 e T‑335/94, Colect., p. II‑931, n.° 40, não anulado, neste ponto, pelo Tribunal de Justiça, em sede de recurso, no acórdão de 15 de Outubro de 2002, Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão, C‑238/99 P, C‑244/99 P, C‑245/99 P, C‑247/99 P, C‑250/99 P a C‑252/99 P e C‑254/99 P, Colect., p. I‑8375).

96      No caso em apreço, há que referir que, em vários documentos anexos à petição inicial e à réplica, a Microsoft invoca argumentações de natureza jurídica ou económica através das quais não se limita a alicerçar ou completar elementos de facto ou de direito expressamente invocados no corpo desses actos processuais, antes introduzindo novos argumentos.

97      Além disso, por diversas vezes, a Microsoft completa o texto da petição inicial e da réplica sobre pontos específicos através de remissões para documentos a ela anexos. Todavia, algumas dessas remissões só se referem ao documento anexo de modo genérico, não permitindo, assim ao Tribunal identificar precisamente os argumentos que poderia considerar que completam os fundamentos desenvolvidos na petição inicial ou na réplica.

98      Importa observar que a Comissão, se por um lado considera que não há que levar em conta esses diversos anexos, comenta, no entanto, alguns deles, nas notas anexas aos seus articulados.

99      Em conformidade com a jurisprudência acima recordada nos n.os 94 e 95 e a com a declaração feita pela Microsoft na reunião informal de 10 de Março de 2006 (v. n.° 93, supra), os anexos acima referidos nos n.os 96 a 98 serão apenas levados em conta pelo Tribunal na medida em que alicercem ou completem fundamentos ou argumentos expressamente invocados pela Microsoft ou pela Comissão no corpo dos seus articulados e em que seja possível ao Tribunal de Primeira Instância determinar com precisão quais os elementos neles contidos que alicerçam ou complementam os referidos fundamentos ou argumentos.

100    Quanto às críticas formuladas pela Comissão a propósito do facto de a Microsoft não ter transmitido as informações sobre as quais assentam determinados pareceres de peritos juntos aos seus articulados, basta referir que compete ao Tribunal verificar, sendo caso disso, se as afirmações contidas nos referidos pareceres são destituídas de valor probatório. Se, por não ter tido acesso a determinadas informações, o Tribunal considerar que essas afirmações não têm valor probatório suficiente, não as levará em conta.

B –  Quanto à problemática da recusa de fornecer as informações relativas à interoperabilidade e de autorizar a respectiva utilização

101    No âmbito desta primeira problemática, a Microsoft invoca um único fundamento, relativo à violação do artigo 82.° CE. Esse fundamento subdivide‑se em três partes. Na primeira, a Microsoft alega que os critérios que permitem obrigar uma empresa em posição dominante a conceder uma licença, tais como especificados pelo juiz comunitário, não se encontram reunidos no caso em apreço. No âmbito da segunda parte do primeiro fundamento, alega essencialmente que a Sun não lhe pediu que lhe permitisse beneficiar da «tecnologia» que a Comissão lhe ordena que divulgue e que a carta de 6 de Outubro de 1998 não pode, de qualquer forma, ser interpretada no sentido de que contém uma verdadeira recusa da sua parte. Por último, na terceira parte do mesmo fundamento, alega que a Comissão não leva devidamente em conta as obrigações impostas às Comunidades pelo Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio (ADPIC), de 15 de Abril de 1994 [anexo 1 C do Acordo que institui a Organização Mundial do Comércio (OMC) (a seguir, «acordo ADPIC»)].

1.     Quanto à primeira parte do primeiro fundamento, relativa ao facto de os critérios que permitem obrigar uma empresa em posição dominante a conceder uma licença, tais como especificados pelo juiz comunitário, não se encontrarem reunidos no caso em apreço

a)     Introdução

102    Em primeiro lugar, há que expor, nas suas grandes linhas, as posições respectivas das partes principais no que diz respeito à problemática da recusa de fornecer as informações relativas à interoperabilidade e de autorizar a respectiva utilização.

103    Segundo a decisão impugnada, a Microsoft abusou da posição dominante que detém no mercado dos sistemas operativos para PC clientes, em primeiro lugar, ao recusar fornecer à Sun e a outras empresas concorrentes as especificações dos protocolos aplicados nos sistemas operativos Windows para servidores de grupos de trabalho e utilizados pelos servidores em que se encontram instalados esses sistemas para fornecer às redes de grupos de trabalho Windows serviços de partilha de ficheiros e de impressoras e de gestão dos utilizadores e dos grupos de utilizadores, e, em segundo lugar, ao recusar permitir a essas empresas a utilização das referidas especificações para desenvolver e comercializar sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho.

104    Segundo a Comissão, as informações às quais a Microsoft recusa o acesso são informações relativas à interoperabilidade na acepção da Directiva 91/250/CEE do Conselho, de 14 de Maio de 1991, relativa à protecção jurídica dos programas de computador (JO L 122, p. 42). Alega, nomeadamente, que essa directiva define a interoperabilidade entre dois produtos de software como a capacidade que têm de trocar informações entre si e de utilizar reciprocamente essas informações, de modo a permitir que cada um desses produtos de software funcione de todas as maneiras previstas (v., nomeadamente, n.° 256 da primeira comunicação de acusações, n.° 79 da segunda comunicação de acusações e n.° 143 da terceira comunicação de acusações). Considera que o conceito de interoperabilidade defendido pela Microsoft é incorrecto (considerandos 749 a 763 da decisão impugnada).

105    A Comissão verifica, com base numa série de elementos de natureza factual e técnica, que «o bom funcionamento de uma rede de grupos de trabalho Windows assenta numa arquitectura de interconexões e de interacções cliente‑servidor e servidor‑servidor, que garanta um acesso transparente aos principais serviços de servidores de grupos de trabalho (para o Windows 2000/Windows 2003, esta ‘arquitectura de domínio Windows’ pode ser designada por ‘arquitectura de domínio Active Directory’)» e que «a aptidão comum para fazer parte dessa arquitectura é um elemento de compatibilidade entre os PC clientes Windows e os servidores de grupos de trabalho Windows» (considerando 182 da decisão impugnada). Descreve essa compatibilidade em termos de «interoperabilidade com a arquitectura de domínio Windows» (considerando 182 da decisão impugnada) e sustenta que essa interoperabilidade é «necessária para que os vendedores de sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho possam permanecer de modo viável no mercado» (considerando 779 da decisão impugnada).

106    Por outro lado, a Comissão considera que, para que os concorrentes da Microsoft possam desenvolver sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho que possam atingir esse grau de interoperabilidade quando os servidores em que estão instalados são acrescentados a um grupo de trabalho Windows, é indispensável que tenham acesso às informações relativas à interoperabilidade com a arquitectura de domínio Windows (considerandos 183 e 184 da decisão impugnada). Considera, nomeadamente, que nenhum dos cinco métodos que permitem garantir a interoperabilidade entre os sistemas operativos fornecidos por diferentes distribuidores invocados pela Microsoft é uma alternativa suficiente à divulgação das referidas informações (considerandos 666 a 687 da decisão impugnada).

107    Por último, a Comissão alega que, de acordo com a jurisprudência, embora as empresas sejam, em princípio, livres de escolher os seus parceiros comerciais, o facto de uma empresa em posição dominante se recusar a fazer um fornecimento pode, em determinadas circunstâncias, constituir um abuso de posição dominante na acepção do artigo 82.° CE. Sustenta que o presente caso tem várias «circunstâncias excepcionais» que permitem concluir pelo carácter abusivo da recusa imputada à Microsoft, mesmo na hipótese mais estrita – e portanto mais favorável à Microsoft – de essa recusa ser considerada uma recusa de conceder a terceiros uma licença sobre direitos de propriedade intelectual (considerandos 190 e 546 a 559 da decisão impugnada). Considera que tem o direito de levar em conta outras «circunstâncias excepcionais» para além das identificadas pelo Tribunal de Justiça no seu acórdão de 6 de Abril de 1995, RTE e ITP/Comissão (C‑241/91 P e C‑242/91 P, Colect., p. I‑743, a seguir «acórdão Magill»), e reproduzidas pelo mesmo tribunal no seu acórdão de 29 de Abril de 2004, IMS Health (C‑418/01, Colect., p. I‑5039). De qualquer forma, verifica‑se a existência destas últimas circunstâncias excepcionais no caso em apreço.

108    Quanto à Microsoft, desde o início do procedimento administrativo defende a posição segundo a qual o conceito de interoperabilidade adoptado pela Comissão no presente processo não corresponde ao conceito de «plena interoperabilidade» previsto na Directiva 91/250 nem ao modo como as empresas organizam, na prática, as suas redes informáticas (v., nomeadamente, n.os 151 a 157 da resposta de 16 de Novembro de 2001 à segunda comunicação de acusações e pp. 29 e 30 da resposta de 17 de Outubro de 2003 à terceira comunicação de acusações). Alega, nomeadamente, que «um criador de sistemas operativos para servidores obtém uma plena interoperabilidade quando é possível aceder a todas as funcionalidades do seu programa a partir de um sistema operativo Windows para PC clientes» (n.° 143 da resposta de 17 de Novembro de 2000 à primeira comunicação de acusações; ver também, no mesmo sentido, pp. 29 e 63 da resposta de 17 de Outubro de 2003 à terceira comunicação de acusações). A Microsoft adopta, assim, para retomar os termos da Comissão, uma definição «unidireccional», ao passo que esta última se baseia, pelo contrário, numa «relação bidireccional» (considerando 758 da decisão impugnada).

109    Segundo a Microsoft, a plena interoperabilidade pode realizar‑se através da divulgação de informação nos interfaces a que procede já actualmente, nomeadamente por meio do seu produto denominado «MSDN» ou das conferências que organiza para os «Professional Developers», ou de outros métodos disponíveis no mercado (v., nomeadamente, n.os 12, 57 a 63, 73 a 83 e 147 da resposta de 17 de Novembro de 2000 à primeira comunicação de acusações; n.os 6, 72, 94 a 96, 148 e 149 da resposta de 16 de Novembro de 2001 à segunda comunicação de acusações; e p. 31 da resposta de 17 de Outubro de 2003 à terceira comunicação de acusações).

110    A Microsoft alega que o conceito de interoperabilidade adoptado pela Comissão implica, em contrapartida, que os sistemas operativos dos seus concorrentes funcionem sob todos os pontos de vista como um sistema operativo Windows para servidores. Isto só seria possível, segundo a Microsoft, permitindo aos concorrentes que clonassem os seus produtos, ou algumas das suas características, e prestando‑lhes informações sobre os mecanismos internos dos seus produtos (v., nomeadamente, n.os 7, 20, 27, 144 a 150 e 154 a 169 da resposta de 17 de Novembro de 2000 à primeira comunicação de acusações; n.os 158 a 161 da resposta de 16 de Novembro de 2001 à segunda comunicação de acusações e pp. 10 e 20 da resposta de 17 de Outubro de 2003 à terceira comunicação de acusações).

111    A Microsoft considera que, se fosse obrigada a divulgar essas informações, o livre exercício dos seus direitos de propriedade intelectual e o seu incentivo à inovação seriam prejudicados (v., nomeadamente, n.os 162, 163 e 176 da resposta de 16 de Novembro de 2001 à segunda comunicação de acusações e pp. 3, 10 e 11 da resposta de 17 de Outubro de 2003 à terceira comunicação de acusações).

112    Por último, a Microsoft alega que há que apreciar o presente processo à luz dos acórdãos Magill e IMS Health, referidos no n.° 107, uma vez que a recusa que lhe é imputada deve analisar‑se como uma recusa de conceder a terceiros uma licença sobre direitos de propriedade intelectual e que, portanto, a decisão impugnada implica a concessão obrigatória de licenças. Alega que nenhum dos critérios estabelecidos, segundo afirma, de modo taxativo, pelo Tribunal de Justiça nesses acórdãos se encontra, todavia, preenchido no caso em apreço. Conclui que a recusa em causa não pode ser qualificada de abusiva e que, por conseguinte, a Comissão não lhe pode ordenar que divulgue as informações relativas à interoperabilidade. A título subsidiário, a Microsoft invoca o acórdão do Tribunal de Justiça de 26 de Novembro de 1998, Bronner (C‑7/97, Colect., p. I‑7791) e sustenta que os critérios previstos nesse acórdão também não se encontram reunidos no caso em apreço.

113    Em segundo lugar, há que especificar o modo segundo o qual a Microsoft estrutura a sua argumentação no âmbito da primeira parte do primeiro fundamento e o modo segundo o qual o Tribunal analisará a referida argumentação.

114    Assim, antes de desenvolver a sua argumentação propriamente dita [v., infra, título d) da primeira parte do primeiro fundamento], a Microsoft faz determinadas considerações a propósito da interoperabilidade, que podem ser resumidas do seguinte modo. Em primeiro lugar, a Microsoft refere a existência de cinco métodos que permitem realizar a interoperabilidade entre, por um lado, os sistemas operativos Windows para PC clientes e para servidores e, por outro, os sistemas operativos para servidores concorrentes. Em segundo lugar, critica, por um lado, o grau de interoperabilidade adoptado no caso em apreço pela Comissão – afirmando, no essencial, que esta última pretende, na realidade, permitir que os seus concorrentes clonem os seus produtos ou algumas das suas características – e, por outro, o alcance da medida correctiva prevista no artigo 5.° da decisão impugnada.

115    Para além destas considerações, a Microsoft invoca uma série de argumentos para demonstrar que os protocolos de comunicação que terá de divulgar aos seus concorrentes por força da decisão impugnada são inovadores no plano tecnológico e que esses protocolos, ou as suas especificações, estão abrangidos pelos direitos de propriedade intelectual.

116    Quanto à argumentação propriamente dita que a Microsoft desenvolve no âmbito da primeira parte do presente fundamento, pode expor‑se do seguinte modo:

–        O presente processo deve ser apreciado à luz das diversas circunstâncias admitidas pelo Tribunal de Justiça no acórdão Magill, referido no n.° 107, e retomadas no acórdão IMS Health, referido no n.° 107;

–        as circunstâncias que permitem qualificar como abusivo o facto de uma empresa em posição dominante recusar conceder a terceiros uma licença sobre direitos de propriedade intelectual são, em primeiro lugar, a circunstância em que o produto ou o serviço em causa é indispensável para exercer uma actividade determinada, em segundo lugar, a circunstância de a recusa ser susceptível de excluir a concorrência num mercado derivado, em terceiro lugar, a circunstância de essa recusa obstar ao surgimento de um novo produto para o qual existe uma potencial procura por parte dos consumidores e, em quarto lugar, a circunstância de a recusa carecer de justificação objectiva;

–        nenhuma destas quatro circunstâncias se verifica no caso em apreço;

–        a título subsidiário, os critérios aplicáveis são os reconhecidos pelo Tribunal de Justiça no acórdão Bronner, referido no n.° 112, supra, que correspondem à primeira, segunda e quarta circunstâncias acima referidas, que constam dos acórdãos Magill e IMS Health, referidos no n.° 107;

–        por conseguinte, também nenhum dos três critérios do acórdão Bronner, referido no n.° 112, supra, se encontra preenchido no caso em apreço.

117    O Tribunal analisará, antes de mais, as alegações da Microsoft relativas aos diversos graus de interoperabilidade e ao alcance da medida correctiva prevista no artigo 5.° da decisão impugnada. Os argumentos que invoca a propósito da existência de cinco métodos que permitem realizar a interoperabilidade entre os seus sistemas operativos e os dos seus concorrentes serão analisados no âmbito da apreciação do alegado carácter indispensável das informações relativas à interoperabilidade. O Tribunal pronunciar‑se‑á, em seguida, sobre os argumentos da Microsoft relativos aos direitos de propriedade intelectual que alegadamente abrangem os seus protocolos de comunicação ou as respectivas especificações. Por último, analisará a argumentação propriamente dita que a Microsoft desenvolve no âmbito da primeira parte do primeiro fundamento, determinando, numa primeira fase, quais as circunstâncias à luz das quais o comportamento que lhe é imputado deve ser apreciado e, numa segunda fase, se essas circunstâncias se verificam no caso em apreço.

b)     Quanto aos diversos graus de interoperabilidade e ao alcance da medida correctiva prevista no artigo 5.° da decisão impugnada

 Argumentos das partes

118    A Microsoft considera, no essencial, que o conceito de interoperabilidade em que a Comissão se baseia para concluir que a recusa de fornecer as informações relativas à interoperabilidade constitui um abuso de posição dominante e para impor a medida correctiva prevista no artigo 5.° da decisão impugnada é incorrecto.

119    A Microsoft salienta que «a interoperabilidade é um processo contínuo» e que «não é uma norma absoluta».

120    Refere que «é possível que um nível mínimo de interoperabilidade seja necessário para garantir uma concorrência efectiva», mas considera que esse nível não é difícil de atingir, mencionando que existem vários meios para realizar a interoperabilidade, no sentido de «ter sistemas operativos fornecidos por vários distribuidores que funcionam correctamente juntos».

121    A Microsoft considera que, na decisão impugnada, a Comissão adopta um conceito de interoperabilidade totalmente diferente do que é previsto na Directiva 91/250 e que é utilizado, na prática, pelas empresas para organizarem as suas redes informáticas. A Comissão pretende, com efeito, que seja possível que um sistema operativo para servidores concorrente da Microsoft «funcione sob todos os pontos de vista» como um sistema operativo Windows para servidores (isto é, que seja possível chegar a uma «substituibilidade perfeita» ou «plug replaceability»). Ora, isto só poderia acontecer se os concorrentes da Microsoft fossem autorizados a clonar os seus produtos ou as respectivas características. A Microsoft acrescenta que dois sistemas operativos para servidores podem interoperar, no sentido de que podem trocar informações ou fornecer‑se mutuamente serviços, sem terem necessariamente que ser «exactamente iguais». Assim, importa distinguir o conceito de «interoperabilidade» dos conceitos de «clonagem» ou de «duplicação».

122    Para fundamentar as suas afirmações, a Microsoft remete para um relatório elaborado por dois peritos informáticos que tinha junto à sua resposta de 16 de Novembro de 2001 à segunda comunicação de acusações, em que os peritos dão explicações sobre os conceitos de «acoplamento rígido» e de «acoplamento flexível» e sobre as razões pelas quais os esforços empreendidos para chegar a esses «acoplamentos rígidos» com produtos de software provenientes de criadores diferentes fracassaram (anexo A.9.2 da petição inicial). Essas razões são quer de ordem técnica que de natureza comercial.

123    A Microsoft refere igualmente que, no procedimento administrativo, apresentou 50 declarações emitidas por empresas, públicas e privadas, que exercem actividades em todos os sectores industriais e originárias dos diversos Estados‑Membros da altura. Essas empresas, nessas declarações, confirmam que existe um elevado grau de interoperabilidade entre os sistemas operativos Windows para PC clientes e para servidores, por um lado, e os sistemas operativos para servidores concorrentes, por outro, graças à utilização de métodos já disponíveis no mercado. Acrescenta que resulta dos relatórios Mercer que as empresas não escolhem os sistemas operativos para servidores em função de considerações ligadas à sua interoperabilidade com os sistemas operativos Windows para PC clientes e para servidores.

124    Na réplica, em guisa de introdução à sua argumentação destinada a demonstrar que os seus protocolos de comunicação estão protegidos por direitos de propriedade intelectual, bem como na resposta a uma das perguntas escritas que lhe foram feitas pelo Tribunal, a Microsoft invoca uma série de alegações a respeito do alcance da medida correctiva prevista no artigo 5.° da decisão impugnada. Através dessas alegações, suscita igualmente a questão do grau de interoperabilidade exigido, no caso concreto, pela Comissão.

125    Assim, na réplica, a Microsoft alega que há uma incoerência entre o alcance da referida medida correctiva e o «padrão de interoperabilidade» a que a Comissão recorre, na decisão impugnada, para apreciar a relevância dos «métodos alternativos de interoperabilidade». Na sua resposta a uma das perguntas escritas do Tribunal, afirma que o alcance da obrigação de divulgação prevista no artigo 5.° da decisão impugnada foi objecto de interpretações diferentes por parte da Comissão.

126    Relativamente a este último ponto, a Microsoft refere que, no considerando 669 da decisão impugnada, a Comissão afirma que «as normas industriais abertas não permitem aos concorrentes atingir o mesmo grau de interoperabilidade com a arquitectura de domínio Windows que os sistemas operativos Windows para servidores de grupos de trabalho». Refere igualmente que, no considerando 679 da decisão impugnada, a Comissão afirma que «um sistema operativo Novell para servidores de grupos de trabalho ‘sem módulo clientes’ não pode utilizar plenamente as capacidades dos PC clientes que trabalham com o Windows e dos servidores de grupos de trabalho que trabalham com o Windows da mesma forma que um sistema operativo [Windows] para servidores de grupos de trabalho o pode fazer». A Microsoft deduz dessas afirmações que, numa primeira fase, a Comissão encarou a interoperabilidade como a capacidade de os seus concorrentes fazerem funcionar os seus produtos exactamente da mesma maneira que os sistemas operativos Windows para servidores. A Comissão pretendia, assim, que houvesse uma «quase‑identidade» entre estes últimos sistemas e os sistemas operativos para servidores concorrentes.

127    A Microsoft alega que, para que o grau de interoperabilidade assim preconizado pela Comissão pudesse concretizar‑se (grau que a Microsoft associa indistintamente às expressões «plug replacement», «plug‑replaceability», «drop‑in», «equivalente funcional» e «clone funcional»), tinha que divulgar muito mais informações do que as previstas no artigo 5.° da decisão impugnada, nomeadamente informações sobre os mecanismos internos dos seus sistemas operativos para servidores (incluindo «algoritmos e regras de decisão»).

128    A Microsoft afirma que, numa segunda fase, a Comissão defendeu uma interpretação estrita do referido artigo 5.°, tendo considerado que este apenas a obrigava a conceder licenças aos seus concorrentes para os protocolos de comunicação «on the wire». Para sustentar essa afirmação, a Microsoft invoca o facto de, na audiência do processo de medidas provisórias, as partes cuja intervenção foi admitida em apoio da Comissão terem declarado que não estavam interessadas na obtenção do acesso às informações relativas aos mecanismos internos dos sistemas operativos Windows para servidores. Faz igualmente referência ao facto de, na resposta, bem como na tréplica, a Comissão ter confirmado que não pretendia dar aos seus concorrentes a possibilidade de clonar os serviços de partilha de ficheiros e de impressoras e os serviços de gestão dos utilizadores e dos grupos de utilizadores fornecidos pelos sistemas operativos Windows para servidores. A Microsoft observa que os milhares de páginas de especificações que transmitiu à Comissão no cumprimento da decisão impugnada permitirão, todavia, aos seus concorrentes copiar certas «características» dos produtos que desenvolveu graças aos seus próprios esforços de pesquisa e de desenvolvimento. Assim, por exemplo, ao ter acesso ao protocolo DRS (Directory Replication Service), os terceiros têm a possibilidade de recorrer à engenharia de inversão sobre outras partes dos sistemas operativos Windows para servidores que utilizam o Active Directory.

129    Numa terceira fase, em Outubro de 2005, ou seja, vários meses depois do encerramento da fase escrita no âmbito do presente processo, a Comissão procedeu novamente à interpretação do artigo 5.° da decisão impugnada no sentido de que as informações a divulgar pela Microsoft deviam permitir aos seus concorrentes criar equivalentes funcionais dos sistemas operativos Windows para servidores ou, por outras palavras, sistemas «perfeitamente substituíveis». A Microsoft reafirma que essa interpretação do artigo 5.° a obriga a facultar o acesso a informações relativas aos mecanismos internos dos seus sistemas operativos Windows para servidores.

130    Na audiência, a Microsoft consagrou longos desenvolvimentos ao mecanismo da «replicação entre controladores de domínio múltiplos» e, nesse contexto, invocou argumentos que vão no mesmo sentido dos acima expostos.

131    A Microsoft explicou, nomeadamente, que, no passado, os serviços de directório eram executados por um servidor único de grande dimensão e muito caro. Actualmente, em contrapartida, esses serviços são geralmente realizados por um grande número de pequenos servidores mais económicos, situados em locais diferentes e ligados entre si dentro de um grupo que ilustrou, em vários acetatos projectados na audiência, através de uma «esfera azul». A Microsoft referiu que os programas instalados em servidores que fazem parte dessa «esfera azul» e envolvidos no fornecimento de serviços de directório devem partilhar a mesma lógica interna para que os referidos servidores possam funcionar juntos como se fossem um só. Com efeito, cada um desses servidores deve presumir que os outros reagirão exactamente da mesma maneira às instruções que recebem. A Microsoft acrescentou que as comunicações entre servidores que funcionam com um determinado sistema operativo dentro da «esfera azul» tinham uma natureza muito específica.

132    A Microsoft explicou também que o mecanismo da replicação entre controladores de domínio múltiplos permite que qualquer alteração introduzida nos dados contidos num servidor que actue como controlador de domínio e se situe dentro da «esfera azul» (por exemplo, a alteração da palavra passe de um utilizador) seja em seguida automaticamente «replicada» em todos os outros servidores que desempenhem o papel de controlador de domínio e pertençam à mesma «esfera azul».

133    A Microsoft esclareceu que a primeira sociedade que tinha conseguido desenvolver esse mecanismo tinha sido a Novell, em 1993. Todavia, o mecanismo incluído no seu sistema operativo para servidores NetWare apenas permite o funcionamento de modo perfeitamente sincronizado dentro de uma «esfera azul» de um número máximo de 150 controladores de domínio, ao passo que o que é utilizado pelo Active Directory incluído no sistema Windows 2000 Server pode suportar simultaneamente vários milhares de controladores de domínio.

134    Ainda no contexto dos seus desenvolvimentos relativos ao mecanismo da replicação entre controladores de domínio múltiplos, a Microsoft repetiu que a decisão impugnada tinha por objectivo permitir aos seus concorrentes desenvolver sistemas operativos para servidores que fossem equivalentes funcionais dos seus próprios sistemas operativos Windows para servidores. Essa decisão pretendia, nomeadamente, que os servidores que executassem serviços de directório e em que estivesse instalado um sistema operativo para servidores concorrente da Microsoft pudessem substituir, dentro de uma «esfera azul», servidores existentes em que estivesse instalado um sistema operativo Windows para servidores que utilizassem o Active Directory. Ora, para que esse resultado pudesse ser atingido, seria necessário que os sistemas operativos para servidores concorrentes da Microsoft funcionassem exactamente da mesma maneira – e partilhassem, portanto, da mesma lógica interna – que os sistemas operativos Windows para servidores que utilizam o Active Directory. Isto só seria possível se os seus concorrentes dispusessem de informações relativas aos mecanismos internos dos seus sistemas operativos para servidores, incluindo alguns algoritmos, ou seja, muito mais informações do que simplesmente as relativas à interoperabilidade na acepção da decisão impugnada.

135    A Microsoft acrescentou que uma replicação entre controladores de domínio múltiplos não podia, assim, realizar‑se entre servidores que funcionassem com sistemas operativos de fornecedores diferentes. Por exemplo, um servidor em que esteja instalado um sistema operativo da Sun não pode ser colocado no interior de uma «esfera azul» que inclua servidores que em que esteja instalado um sistema operativo da Novell ou que utilize o Active Directory. Todavia, esclareceu que o Active Directory, uma vez que tem por base protocolos padrão como o protocolo LDAP (Lightweight Directory Access Protocol), pode funcionar, dentro de uma mesma rede informática, com serviços de directório fornecidos pelos sistemas operativos para servidores dos seus concorrentes. É indiferente que a interoperabilidade se verifique entre dois servidores diferentes ou entre um servidor, por um lado, e um conjunto de servidores reunidos dentro de uma «esfera azul», por outro.

136    A Comissão refuta as alegações da Microsoft.

137    A título preliminar, recorda a definição que foi dada aos conceitos de «informações relativas à interoperabilidade» e de «protocolos» pelo artigo 1.°, n.os 1 e 2, da decisão impugnada. Explica que essa decisão obriga a Microsoft a fornecer uma documentação técnica, denominada «especificação», que descreve em pormenor esses protocolos. As especificações dizem «a forma como as mensagens devem ser formatadas, quando devem ser emitidas, como devem ser interpretadas, o que se deve fazer com as mensagens incorrectas, etc.». A Comissão insiste na necessidade de distinguir esta documentação técnica do código fonte dos produtos da Microsoft. Explica que um concorrente que queira elaborar um sistema operativo para servidores que «compreenda» os protocolos da Microsoft tem que dotar o seu produto de um código fonte que permita implementar as especificações. Ora, dois programadores que implementassem as mesmas especificações do protocolo não escreveriam o mesmo código fonte e os desempenhos dos seus programas seriam diferentes (considerandos 24, 25, 698 e 719 a 722). Nesta perspectiva, os protocolos podem ser comparados a uma linguagem cuja sintaxe e vocabulário são as especificações, na medida em que o simples facto de duas pessoas aprenderem a sintaxe e o vocabulário da mesma língua não garante que os usem do mesmo modo. A Comissão esclarece ainda que «o facto de dois produtos fornecerem os seus serviços através de protocolos compatíveis nada revela quanto ao modo como fornecem esses serviços».

138    A Comissão afirma que a Microsoft defende a adopção de uma concepção estrita, e incompatível com a Directiva 91/250, do conceito de interoperabilidade. Remete para os considerandos 749 a 763 da decisão impugnada e refere que a Microsoft não invocou nenhum argumento novo em relação ao que já tinha alegado no âmbito do procedimento administrativo. Na audiência, a Comissão referiu que se tinha baseado nessa directiva não apenas para demonstrar a importância da interoperabilidade no sector do software, mas também para analisar o conceito de interoperabilidade.

139    Por outro lado, a Comissão reconhece que existe toda uma gama de graus de interoperabilidade possíveis entre os PC que funcionam com o Windows e os sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho e que já é realizável uma «certa interoperabilidade» com a arquitectura de domínio Windows. Alega que não fixou a priori num determinado nível a interoperabilidade que é indispensável à manutenção de uma concorrência efectiva no mercado mas que verificou, na sequência do inquérito a que procedeu, que o grau de interoperabilidade que os concorrentes podiam obter através dos métodos disponíveis era demasiado baixo para lhes permitir manter‑se no mercado em condições de viabilidade. Remetendo para a secção da decisão impugnada em que refere que a «interoperabilidade é o elemento motor da adopção dos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho da Microsoft» (considerandos 637 a 665), a Comissão esclarece que se verificou que os referidos métodos «não proporcionavam o nível de interoperabilidade exigido pelos clientes de modo economicamente viável».

140    Na tréplica, a Comissão esclarece que, na decisão impugnada, não considerou indispensável que os concorrentes da Microsoft fossem autorizados a reproduzir as «soluções de interoperabilidade» aplicadas por esta última. O que importava era que pudessem atingir um grau de interoperabilidade equivalente graças aos seus próprios esforços de inovação.

141    Por último, a Comissão salienta que, contrariamente ao que alega a Microsoft, a decisão impugnada não pretende que os sistemas operativos para servidores concorrentes desta última possam funcionar sob todos os pontos de vista como um sistema operativo Windows para servidores e, por conseguinte, que os seus concorrentes possam clonar as características dos seus produtos. A decisão impugnada destina‑se, na realidade, a permitir que os referidos concorrentes desenvolvam produtos que «funcion[em] diferentemente mas […] que [sejam] capazes de compreender as mensagens transmitidas pelos produtos da Microsoft em causa». Acrescenta que as informações relativas à interoperabilidade que a Microsoft deve divulgar aos seus concorrentes nos termos da decisão impugnada não lhes permitirão criar produtos exactamente iguais aos da Microsoft.

142    A esse propósito, a Comissão esclareceu, na audiência, que havia que distinguir o conceito de «equivalente funcional» da de «clone funcional». Um equivalente funcional não é, com efeito, um sistema que funciona exactamente como o sistema operativo Windows para servidores de grupos de trabalho que substitui, mas um sistema susceptível de dar resposta adequada a um pedido determinado nas mesmas condições que esse sistema operativo Windows e de fazer com que um PC cliente ou um servidor Windows reaja às suas mensagens do mesmo modo que se estas proviessem do referido sistema operativo Windows.

143    A Comissão afirma que o «acoplamento rígido» e o «acoplamento flexível» não são termos técnicos claramente definidos, especialmente no domínio do software de sistemas operativos. Contesta, de qualquer forma, que as «informações do interface de acoplamento rígido» referidas no relatório que consta do anexo A.9.2 da petição sejam inovadoras.

144    Quanto às declarações de clientes apresentadas pela Microsoft no procedimento administrativo, a Comissão recorda que já foram comentadas nos considerandos 357, 358, 440 a 444, 511, 513, 595, 602, 628 e 707 da decisão impugnada. Observa que essas declarações, que datam dos anos 2000 e 2001, são respeitantes, no essencial, a empresas que, em ampla medida, tinham adoptado o Windows como «padrão» para as suas redes de grupos de trabalho. Quanto aos relatórios Mercer, a Comissão refere que já mencionou, no considerando 645 da decisão impugnada, que os dados analisados nesses relatórios demonstravam o contrário do alegado pela Microsoft.

145    Por outro lado, a Comissão rejeita o argumento da Microsoft relativo à alegada incoerência entre a medida prevista no artigo 5.° da decisão impugnada e o padrão de interoperabilidade utilizado, na mesma decisão, para analisar a pertinência dos «métodos alternativos de interoperabilidade».

146    A Comissão alega que tem dificuldades em compreender o sentido deste argumento. A este respeito, refere que, nas passagens dos considerandos 669 e 679 da decisão impugnada citadas pela Microsoft, não rejeita algumas soluções alternativas à divulgação das informações relativas à interoperabilidade pelo facto de essas soluções não permitirem clonar os seus produtos – ou algumas das suas características. Apenas refere, nessas passagens, que essas soluções «garantem um grau de interoperabilidade com os produtos dominantes da Microsoft (capacidade mínima de aceder às funções desses produtos) ainda menor que a própria oferta da Microsoft». Por conseguinte, o que está em jogo é a capacidade de «trabalhar com» o ambiente Windows.

147    A Comissão acrescenta que resulta claramente dos considerandos 568 a 572, 740 e 749 a 763 da decisão impugnada que esta apenas se refere à divulgação de especificações de interface. Por outro lado, considera que a Microsoft não fundamentou suficientemente a sua alegação segundo a qual, ao ter acesso a determinadas especificações dos seus protocolos de comunicação, os terceiros poderiam aplicar técnicas de engenharia inversa noutras partes do sistema operativo Windows para servidores que utilizam o Active Directory.

148    Na audiência, a Comissão contestou as alegações da Microsoft sobre o mecanismo da replicação entre controladores de domínio múltiplos. Confirmou que a decisão impugnada pretendia, nomeadamente, que os servidores que tivessem instalado um sistema operativo para servidores de grupos de trabalho concorrente da Microsoft pudessem inserir‑se numa «esfera azul» composta por servidores em que se encontrasse instalado um sistema operativo Windows para servidores de grupos de trabalho e que, portanto, a obrigação de divulgação prevista no artigo 5.° dessa decisão abrangesse igualmente as informações relativas às comunicações entre servidores no interior dessa «esfera azul». Todavia, rejeitou a alegação da Microsoft de que esse objectivo só podia ser atingido dando acesso a informações sobre os mecanismos internos dos seus produtos.

149    A SIIA insiste sobre o papel essencial da interoperabilidade no sector do software. Segundo afirma, não se pode contestar que os consumidores dão muita importância ao facto de os programas de computador serem interoperáveis com os produtos quase monopolísticos que constituem os sistemas operativos Windows para PC clientes. Refere que, numa situação normal de concorrência, os criadores de software têm todo o interesse em facilitar a interoperabilidade entre os seus produtos e os dos seus concorrentes e em divulgar informações relativas à interoperabilidade. Assim, concorrem entre si com base em factores «normais» como o preço e a segurança dos produtos, a rapidez de tratamento dos pedidos ou o carácter inovador de determinadas funcionalidades. A Microsoft, em contrapartida, utiliza, em mercados adjacentes e por «efeito de alavanca» (leveraging), a posição quase monopolística que detém noutros mercados. Mais especificamente, restringe a capacidade dos seus concorrentes de permitir a interoperabilidade com os seus produtos quase monopolísticos por não respeitar os protocolos padrão do sector, por lhes fazer «acrescentos menores (e supérfluos)» e por recusar, em seguida, comunicar aos seus concorrentes informações sobre os referidos «protocolos ampliados».

150    Por outro lado, a SIIA contesta a alegação da Microsoft segundo a qual a decisão impugnada se destina a permitir que os seus concorrentes desenvolvam sistemas operativos para servidores que funcionem sob todos os pontos de vista como um sistema operativo Windows para servidores. Segundo a SIIA, o objectivo da decisão impugnada é o de permitir aos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho concorrentes da Microsoft interoperar com os sistemas operativos Windows para PC clientes e para servidores de grupos de trabalho do mesmo modo que os sistemas operativos Windows para servidores de grupos de trabalho.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

151    A Microsoft, através dos seus diversos argumentos acima expostos nos n.os 118 a 135, suscita duas questões principais, concretamente, por um lado, a questão do grau de interoperabilidade que a Comissão considerou existir no caso em apreço e, por outro, a questão do alcance da medida correctiva prevista no artigo 5.° da decisão impugnada.

152    Deve observar‑se que essas duas questões se encontram intrinsecamente relacionadas, no sentido de que, como resulta, nomeadamente, do considerando 998 da decisão impugnada, essa medida correctiva se destina a impor à Microsoft que divulgue aquilo que a Comissão a acusa de ter abusivamente recusado divulgar, tanto à Sun como às suas outras concorrentes. O alcance da referida medida correctiva deve, por conseguinte, ser determinado à luz do comportamento abusivo imputado à Microsoft, sendo este, nomeadamente, função do grau de interoperabilidade exigido pela Comissão na decisão impugnada.

153    Para poder apreciar estas questões, há que recordar, previamente, uma série de conclusões de ordem factual e técnica que constam da decisão impugnada. Com efeito, foi depois de ter analisado, nomeadamente, a maneira como são organizadas as redes Windows para grupos de trabalho e as ligações entre os diversos sistemas operativos dentro dessas redes que a Comissão apreciou o grau de interoperabilidade exigido no caso concreto e concluiu pelo carácter indispensável das informações relativas à interoperabilidade. Também há que especificar previamente a natureza das informações visadas pela decisão impugnada.

–       Conclusões de ordem factual e técnica

154    Nos considerandos 21 a 59, 67 a 106 e 144 a 184 da decisão impugnada, a Comissão chegou a uma série de conclusões de ordem factual e técnica a respeito dos produtos e das tecnologias em causa.

155    Importa referir antes de mais que a Microsoft não contesta, no essencial, essas conclusões. Em larga medida, estas baseiam‑se, aliás, em declarações feitas pela Microsoft no procedimento administrativo, especialmente nas suas respostas às três comunicações de acusações, bem como em documentos e relatórios publicados na sua página Internet. Além disso, as apresentações técnicas feitas pelos peritos das partes na audiência, incluindo os da Microsoft, confirmam a correcção das referidas conclusões.

156    Em primeiro lugar, a Comissão, depois de ter referido que o termo «interoperabilidade» podia ser utilizado pelos técnicos em vários contextos e podia ter diferentes acepções, cita, antes de mais, o segundo, o décimo primeiro e o décimo segundo considerandos da Directiva 91/250 (considerando 32 da decisão impugnada).

157    Esses considerandos têm a seguinte redacção:

«Considerando que a função de um programa de computador é comunicar e trabalhar com outros componentes de um sistema de computador e com os utilizadores e que, para este efeito, é necessária uma interconexão e uma interacção lógica e, quando necessário, física, no sentido de permitir o funcionamento de todos os elementos do suporte lógico e do equipamento com outros suportes lógicos e equipamentos e com os utilizadores, e todas as formas de funcionamento previstas;

Considerando que as partes do programa que permitem tal interconexão e interacção entre os componentes de um sistema são geralmente conhecidas como interfaces;

Considerando que esta interconexão e interacção funcionais são geralmente conhecidas como ‘interoperabilidade’; que esta interoperabilidade é definida como a capacidade de trocar informações e de reciprocamente utilizar as informações trocadas […]».

158    A Comissão refere, em seguida, que a Microsoft a acusa de ter adoptado, no caso concreto, um conceito de interoperabilidade que vai além do que está previsto na Directiva 91/250. Esclarece que, no entanto, está de acordo com a Microsoft sobre o facto de a «interoperabilidade [ser] uma questão de grau e de diversos produtos de software de um sistema ‘interopera[re]m’ (pelo menos parcialmente) quando têm a possibilidade de trocar informações e de utilizar reciprocamente as informações trocadas» (considerando 33 da decisão impugnada).

159    Em segundo lugar, a Comissão refere que, actualmente, nas empresas e organizações, os computadores funcionam cada vez mais frequentemente em ligação com outros computadores dentro de redes. Esclarece que os utilizadores de PC clientes, em função das tarefas específicas que pretendem realizar, utilizam simultaneamente as capacidades dos seus próprios PC clientes e as dos diversos tipos de computadores «multiutilizadores» mais poderosos, ou seja, os servidores, a que têm acesso indirectamente através desse PC cliente (considerando 47 da decisão impugnada). Explica igualmente que, para garantir um acesso fácil e eficaz aos vários recursos da rede, importa, por um lado, que as aplicações estejam repartidas por vários computadores, cada um deles incluindo diferentes componentes que interoperam, e, por outro, que os computadores ligados dentro da referida rede estejam integrados num «sistema informático distribuído» coerente (considerando 48 da decisão impugnada). Por último, a Comissão refere que, «[i]dealmente, esse sistema distribuído devia tornar a complexidade do material e do software subjacentes ‘transparente’ (isto é, invisível) tanto para o utilizador como para as aplicações distribuídas, de tal forma que pudessem facilmente encontrar o seu caminho no meio dessa complexidade para acederem aos recursos informáticos» (considerando 48 da decisão impugnada).

160    Em terceiro lugar, a Comissão salienta que o presente processo se centra em serviços de grupos de trabalho, concretamente, os serviços de infra‑estrutura de base que são utilizados pelos empregados de escritório no seu trabalho quotidiano (considerando 53 da decisão impugnada). Identifica, mas especificamente, as três seguintes séries de serviços: em primeiro lugar, a partilha de ficheiros armazenados em servidores, em segundo lugar, a partilha de impressoras e, em terceiro lugar, a gestão dos utilizadores e dos grupos de utilizadores. Esclarece que a terceira série de serviços consiste, em particular, em garantir um acesso seguro aos recursos de rede bem como a sua utilização segura, nomeadamente, numa primeira fase, autenticando os utilizadores e, numa segunda fase, verificando se estão autorizados a realizar uma acção determinada (considerando 54 da decisão impugnada).

161    Por outro lado, a Comissão verifica que esses diversos serviços se relacionam estreitamente entre si e que podem, de facto, ser considerados, em sentido amplo, um «serviço único», mas encarados sob dois pontos de vista diferentes, concretamente, por um lado, o do utilizador, (serviços de partilha de ficheiros e de impressão) e, por outro, o do administrador de rede (gestão dos utilizadores e dos grupos de utilizadores) (considerandos 56 e 176 da decisão impugnada). Há que mencionar que, embora a Microsoft sustente, no âmbito da sua argumentação relativa à eliminação da concorrência, que a Comissão a adoptou uma definição «artificialmente estrita» do mercado de produtos em causa apenas incluindo nesse mercado as três séries de serviços acima referidos (v. n.os 443 a 449, infra), a mesma não contesta, em contrapartida, a existência dessas ligações entre os referidos serviços.

162    À luz destes elementos, a Comissão define os «sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho» como sistemas operativos concebidos e comercializados para oferecer, de modo integrado, os serviços de partilha de ficheiros e de impressoras, bem como de gestão dos utilizadores e dos grupos de utilizadores a um número relativamente limitado de PC clientes ligados a uma rede de pequena ou média dimensão (considerandos 53 e 345 da decisão impugnada). Esclarece, nomeadamente, que, para garantir um armazenamento e uma pesquisa eficientes das informações relativas à gestão dos utilizadores e dos grupos de utilizadores, esses sistemas operativos apoiam‑se geralmente em tecnologias de serviços de directório (considerando 55 da decisão impugnada).

163    Em quarto lugar, a Comissão examina o modo como se realiza a interoperabilidade nas redes Windows para grupos de trabalho (considerandos 144 a 184 da decisão impugnada), concretamente, os «grupo[s] de PC clientes [que têm instalado um sistema operativo Windows para PC clientes] e de servidores [que têm instalado um sistema operativo Windows para servidores de grupos de trabalho] ligados entre si através de uma rede informática» (artigo 1.°, n.° 7, da decisão impugnada).

164    Para esse efeito, a Comissão concentra‑se nos sistemas operativos da geração Windows 2000 da Microsoft, referindo que as características essenciais desses sistemas são análogas às dos sistemas que lhes sucederam (ou seja, os sistemas operativos para PC clientes Windows XP Home Edition e Windows XP Professional e o sistema operativo para servidores Windows 2003 Server) (nota de rodapé n.° 182 da decisão impugnada).

165    Em primeiro lugar, a Comissão formula uma série de considerações a propósito dos serviços de gestão dos utilizadores e dos grupos de utilizadores (considerandos 145 a 157 da decisão impugnada). Refere que, dentro das redes Windows para grupos de trabalho, os «domínios Windows» estão no coração da realização desses serviços, qualificando esses domínios de «unidades administrativas» por intermédio das quais os sistemas operativos Windows para servidores de grupos de trabalho gerem os PC clientes e os servidores de grupos de trabalho (considerandos 145 e 146 da decisão impugnada). A Comissão explica, nomeadamente, que cada «recurso» (computador, impressora, utilizador, aplicação, etc.) de um domínio Windows possui uma «conta de domínio», que define a sua identidade dentro do domínio no seu todo e que, dentro de um mesmo domínio Windows, há uma «ligação única por utilizador», no sentido de que, quando este último se liga a um recurso do domínio (geralmente o seu PC cliente), é «reconhecido» por todos os outros recursos do mesmo domínio e não precisa de introduzir novamente o seu nome e a sua palavra‑passe (considerando 146 da decisão impugnada).

166    A Comissão salienta a importância do papel desempenhado, dentro dos domínios Windows, pelos servidores designados «controladores de domínio», por oposição aos outros servidores, ou seja, os «servidores membros» (considerando 147 da decisão impugnada). Explica que os controladores de domínio têm por tarefa armazenar as contas do domínio e as informações relativas a essas contas. Por outras palavras, estes últimos servidores desempenham a função de «operadores de central» (switchboard operators) do domínio Windows (considerando 147 da decisão impugnada).

167    A Comissão insiste, mais especificamente, sobre o papel chave do Active Directory e sobre as alterações provocadas pela introdução desse «serviço de directório completo» no sistema operativo Windows 2000 Server no que diz respeito ao modo como os controladores de domínio estão ligados entre si nos domínios Windows 2000 em comparação com os precedentes sistemas operativos Windows para servidores, ou seja, os da geração Windows NT (considerando 149 da decisão impugnada).

168    A este respeito, explica, por um lado, que o sistema operativo Windows NT 4.0 tinha controladores de domínio principais e controladores de domínio secundários. Nesse sistema, as alterações introduzidas às contas do domínio só podiam ser feitas por intermédio do controlador de domínio principal e eram, em seguida, periódica e automaticamente propagadas a todos os controladores de domínio secundários. Em contrapartida, num domínio Windows 2000, todos os controladores de domínio funcionam como «homólogos» (peers), de modo que é possível fazer alterações às contas do domínio em qualquer um deles, sendo essas alterações, em seguida, automaticamente repercutidas nos outros controladores de domínio (considerando 150 da decisão impugnada). Estas operações realizam‑se segundo determinados protocolos de sincronização, diferentes do que eram utilizados pelo sistema operativo Windows NT 4.0.

169    Por outro lado, a Comissão refere que os domínios Windows 2000 têm outra característica nova, que consiste no facto de poderem ser organizados hierarquicamente, com «árvores» de domínios Windows 2000 ligados entre si por relações de confiança automáticas, podendo várias árvores, por sua vez, estar ligadas entre si dentro de uma «floresta» por relações de confiança (considerando 151 da decisão impugnada). Acrescenta que os controladores de domínio Windows 2000 podem desempenhar o papel de «servidores de catálogo global», o que significa que conservam não apenas as informações relativas aos recursos dos domínios que controlam, mas também um «resumo» de todos os recursos disponíveis na «floresta», ou seja, o «catálogo global». Esclarece que os dados conservados no catálogo global são actualizados através de diversos protocolos.

170    Por outro lado, a Comissão refere que a passagem da tecnologia Windows NT à tecnologia Windows 2000 também trouxe alterações no que diz respeito à arquitectura de segurança das redes Windows para grupos de trabalho (considerandos 152 a 154 da decisão impugnada). Afirma, nomeadamente, que, nos domínios Windows 2000, a autenticação se baseia no protocolo Kerberos, e já não no protocolo NTLM (NT LAN Manager), o que representa uma série de vantagens em termos de rapidez das ligações, de autenticação recíproca e de gestão das relações de confiança. Refere que o «centro de distribuição de chaves» (Key Distribuição Centre) previsto no protocolo Kerberos «está integrado noutros serviços de segurança Windows 2000 executados no controlador de domínio e utiliza o Active Directory do domínio como base de dados das contas de segurança» (considerando 153 da decisão impugnada). A Comissão esclarece que o protocolo Kerberos implementado nos sistemas operativos Windows 2000 Professional e Windows 2000 Server não corresponde, todavia, à versão padrão desenvolvida pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT), mas a uma versão «ampliada» pela Microsoft (considerandos 153 e 154 da decisão impugnada).

171    Por último, entre as outras alterações resultantes da passagem da tecnologia Windows NT à tecnologia Windows 2000 e ao Active Directory, a Comissão menciona o facto de um certo número de funções estarem integradas simultaneamente no sistema operativo Windows 2000 Professional e no sistema operativo Windows 2000 Server, para facilitar a gestão dos PC clientes que tenham o Windows instalado nos domínios Windows (considerandos 155 a 157 da decisão impugnada). Salienta que essas funções – referindo, mais especificamente, as denominadas «Group Policy» e «Intellimirror» – são «sensivelmente melhoradas», ou ficam simplesmente disponíveis, num domínio Windows 2000 gerado a partir de um controlador de domínio Windows 2000 que utilize o Active Directory (considerando 156 da decisão impugnada). Refere que a Microsoft explicou que «[o Group Policy era] uma função do Windows 2000 […] que [permitia] aos administradores gerir de modo centralizado grupos de utilizadores, de computadores, de aplicações e de outros recursos da rede, em vez de gerir todos esses objectos individualmente». Podem ser definidos grupos localmente, para um computador determinado, ou para todo o domínio Windows. Quanto à Intellimirror, a Comissão refere que essa função, que só está disponível num domínio Windows 2000, permite aos utilizadores disporem do seu «ambiente de trabalho» (dados, software, etc.) com os seus parâmetros pessoais, estejam ou não ligados à rede e onde quer que se encontrem na rede (considerando 157 da decisão impugnada).

172    Em segundo lugar, a Comissão tece uma série de considerações a propósito dos serviços de partilha de ficheiros e de impressoras (considerandos 158 a 164 da decisão impugnada).

173    Refere, nomeadamente, que os sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho modernos suportam «sistemas de ficheiros distribuídos» e que, no fim dos anos 90, a Microsoft colocou um desses sistema no mercado, denominado «Dfs» (Distributed File System), sob a forma de produto complementar que podia ser instalado nos PC clientes e nos servidores que tivessem instalado o Windows NT 4.0. Refere que o Windows 2000 é a primeira geração de produtos da Microsoft que fornece suporte em «modo nativo» ao sistema Dfs, tanto do lado dos PC clientes como do lado dos servidores de grupos de trabalho (considerandos 161 a 163 da decisão impugnada).

174    A Comissão refere igualmente que, com o Windows 2000, o Dfs pode ser instalado quer em modo «autónomo», quer em modo «domínio», mas que este último modo, que tem um certo número de vantagens em termos de pesquisa «inteligente» das informações Dfs nos PC clientes, só está disponível nos domínios Windows e funciona melhor com controladores de domínio que utilizem o Active Directory (considerando 164 da decisão impugnada).

175    Em terceiro lugar, a Comissão explica que a Microsoft desenvolveu o seu próprio conjunto de tecnologias para «sistemas de objectos distribuídos», incluindo as tecnologias COM (Component Object Model) e DCOM (Distributed Component Object Model) (considerando 166 da decisão impugnada). Esclarece que estas duas últimas tecnologias se encontram intimamente ligadas e que a COM, que é implementada tanto nos sistemas operativos Windows para PC clientes como nos sistemas operativos Windows para servidores de grupos de trabalho, liga esses dois sistemas operativos numa plataforma coerente para aplicações distribuídas (considerando 166 da decisão impugnada). A Comissão refere que, na sua resposta à terceira comunicação de acusações, a Microsoft declarou que a «COM [era] fundamental para a arquitectura dos sistemas operativos Windows e [que] numerosos interfaces no Windows [se baseavam], portanto, em COM» (considerando 167 da decisão impugnada). Salienta, mais especificamente, que numerosas interacções entre os PC clientes e o Active Directory instalado em servidores Windows para grupos de trabalho pressupõem o funcionamento da tecnologia COM/DCOM. Acrescenta que o protocolo DCOM é utilizado nas comunicações cliente‑servidor através das quais os servidores Windows fornecem serviços de autenticação ou de partilha de ficheiros aos PC clientes que têm o Windows instalado (considerando 167 da decisão impugnada).

176    Em quarto lugar, a Comissão explica que a Microsoft encoraja, de várias maneiras, a «migração natural» dos seus sistemas operativos Windows NT para os seus sistemas operativos Windows 2000, tanto junto dos clientes como dos criadores de software (considerandos 168 a 175 da decisão impugnada).

177    Assim, a Comissão refere que, num domínio Windows, é possível «actualizar» computadores em que estão instaladas versões antigas do Windows fazendo‑os «migrar» para o Windows 2000 sem utilizar o Active Directory. Todavia, os clientes só podem beneficiar plenamente das vantagens da actualização se instalarem em «modo nativo» um domínio Windows 2000 que utilize o Active Directory, o que implica que todos os controladores de domínio do domínio em causa «migrem» para o Windows 2000 e o Active Directory. Também é necessário que os servidores de grupos de trabalho do referido domínio que não actuem como controladores de domínio sejam compatíveis com o Windows 2000 (o que pressupõe, nomeadamente, que apliquem o protocolo Kerberos, na sua versão ampliada pela Microsoft). A Comissão explica que, quando um domínio Windows 2000 é instalado em «modo misto» (isto é, quando o controlador de domínio principal «migrou» para o Windows 2000, mas alguns controladores de domínio secundários continuam a funcionar com o Windows NT), o utilizador não pode beneficiar de todas as funções avançadas desse domínio. Deve, nomeadamente, renunciar ao essencial da flexibilidade acrescida que o Active Directory traz à gestão dos grupos de utilizadores. A Comissão esclarece que, depois de o utilizador mudar o seu controlador de domínio principal para «modo nativo», deixa de poder utilizar como controlador de domínio um servidor que não seja interoperável com a geração Windows NT 4.0 de produtos da Microsoft (incluindo os servidores de grupos de trabalho que têm instalados sistemas que não sejam da Microsoft).

178    Quanto aos criadores de software, a Comissão refere que a Microsoft os encoraja fortemente a utilizar as novas funcionalidades dos sistemas operativos Windows 2000, em particular o Active Directory, nomeadamente por intermédio dos programas de certificação que criou (considerandos 171 a 175 da decisão impugnada).

179    Em quinto lugar, a Comissão chega a uma série de conclusões (considerandos 176 a 184 da decisão impugnada).

180    Em primeiro lugar, repete que os serviços de partilha de ficheiros e de impressoras e de gestão dos utilizadores e dos grupos de utilizadores são, nas tecnologias Windows, fornecidos aos utilizadores dos PC clientes que têm o Windows instalado como um «conjunto de serviços interligados». Ilustra esta afirmação referindo que, num domínio Windows 2000, «o servidor SMB (Server Message Block) cliente e servidor que está na base do [Dfs], [DCOM], a autenticação LDAP, […] utilizam todos automaticamente o Kerberos [da Microsoft] para a autenticação» (considerando 176 da decisão impugnada). Acrescenta que, para além da autenticação, o processo de autorização depende da capacidade de criar, modificar e interpretar as «listas de controlo de acesso» (CAL), o que implica uma comunicação com os controladores de domínio do domínio (considerando 176 da decisão impugnada).

181    Em seguida, a Comissão refere que, para poderem fornecer os seus serviços «de modo transparente» ao utilizador do PC cliente, os servidores de grupos de trabalho Windows utilizam pedaços específicos de código de software integrados no sistema operativo Windows para PC clientes (considerando 177 da decisão impugnada). A este respeito, refere, nomeadamente, que a Microsoft declarou que o «Dfs [tinha] uma componente local que funciona[ria] mesmo que um PC cliente que [tivesse] o Windows 2000 Professional instalado funciona[sse] em modo autónomo» e que o «Windows 2000 Professional [contivesse] um código cliente que [pudesse] ser utilizado para ter acesso ao Active Directory» (considerando 177 da decisão impugnada). Parafraseando o autor de uma obra intitulada «Understanding Active Directory Services» (Compreender os serviços Active Directory) publicada pela Microsoft Press, refere igualmente que «o Active Directory está totalmente integrado – muitas vezes sem que isso seja visível – no PC [que tem o] Windows [instalado]» (considerando 177 da decisão impugnada).

182    A Comissão salienta que importa, todavia, não considerar a interconexão e a interacção que envolvem o código fonte do sistema operativo Windows 2000 Professional apenas na perspectiva de uma relação entre um determinado servidor de grupos de trabalho Windows e um determinado PC cliente Windows. Afirma que é efectivamente mais correcto descrever essa interconexão e essa interacção em termos de interoperabilidade dentro de um sistema informático que engloba vários PC clientes que tenham o Windows instalado e vários servidores de grupos de trabalho que tenham o Windows instalado, todos ligados entre si dentro de uma rede. Refere que a interoperabilidade dentro desse sistema informático tem, assim, duas componentes indissociáveis, concretamente, a interoperabilidade cliente‑servidor, por um lado, e a interoperabilidade servidor‑servidor, por outro (considerando 178 da decisão impugnada).

183    Sobre este último ponto, a Comissão acrescenta que, em muitos casos, há «simetria entre as interconexões e interacções servidor‑servidor, por um lado, e as interconexões e interacções cliente‑servidor, por outro» (considerando 179 da decisão impugnada). Menciona, a título de exemplo, o facto de o mesmo «interface de programação de aplicações» (API), «ADSI» (Active Directory Serviço Interface), estar implementado simultaneamente no sistema operativo para PC clientes Windows 2000 Professional e no sistema operativo para servidores Windows 2000 Server para gerir o acesso aos controladores de domínio do Active Directory. Outro exemplo referido pela Comissão é o facto de, num domínio Windows, o protocolo Kerberos, tal como é entendido pela Microsoft, ser utilizado para a autenticação tanto entre um PC cliente que tenha o Windows instalado e um servidor de grupos de trabalho que tenha o Windows instalado como entre vários servidores de grupos de trabalho que tenham o Windows instalado.

184    A Comissão observa igualmente que, em determinadas circunstâncias, «determinados servidores podem interpelar outros servidores em nome de um PC cliente» (considerando 180 da decisão impugnada). Refere, nomeadamente, o exemplo da «delegação Kerberos», que é uma funcionalidade presente no sistema operativo Windows 2000 Server e que permite a um servidor, usando a identidade de um PC cliente, pedir um serviço a outro servidor em nome desse PC cliente. Assim, é bastante frequente que servidores dirijam pedidos a outros servidores e actuem, por conseguinte, como PC clientes (v., igualmente, nota de rodapé n.° 51 da decisão impugnada).

185    A Comissão acrescenta ainda que certas comunicações cliente‑servidor se estabelecem pressupondo que ocorreram previamente comunicações servidor‑servidor. A este respeito, menciona, nomeadamente, o facto de um PC cliente que tenha o Windows 2000 Professional instalado, quando interpela o controlador de domínio num domínio Windows 2000, requerer «uma certa coordenação preparatória entre os controladores de domínio que tenham o Windows 2000 Server instalado» (considerando 181 da decisão impugnada). Segundo a Comissão, «[isto] inclui, por exemplo, simultaneamente o facto de os controladores de domínio deterem uma cópia completa dos dados armazenados no Active Directory, que são actualizados por intermédio dos protocolos de sincronização, e o facto de os servidores de catálogo global poderem armazenar informações relativas aos computadores da floresta que se situam fora do seu domínio, graças a diversos protocolos ligados ao catálogo global» (considerando 181 da decisão impugnada). A Comissão refere que, nessa situação, a comunicação servidor‑servidor está «logicamente ligada» à comunicação cliente‑servidor, uma vez que a prepara.

186    Resulta de todos os elementos expostos – elementos que a Microsoft, no essencial, não contesta e cuja exactidão foi amplamente confirmada pelas apresentações de natureza técnica feitas na audiência – que, como a Comissão correctamente refere no considerando 182 da decisão impugnada, as redes Windows para grupos de trabalho se apoiam numa arquitectura de interconexões e de interacções tanto cliente‑servidor como servidor‑servidor e que essa arquitectura – que a Comissão qualifica como «arquitectura de domínio Windows» – permite garantir um «acesso transparente» aos principais serviços fornecidos pelos servidores de grupos de trabalho.

187    Estes diversos elementos demonstram igualmente que, como é referido várias vezes na decisão impugnada (v., nomeadamente, considerandos 279 e 689), as referidas interconexões e interacções estão intimamente ligadas entre si.

188    Por outras palavras, o bom funcionamento das redes Windows para grupos de trabalho assenta tanto em protocolos de comunicação cliente‑servidor – que são, por natureza, implementados simultaneamente nos sistemas operativos Windows para PC clientes e nos sistemas operativos Windows para servidores de grupos de trabalho – como em protocolos de comunicação servidor‑servidor. Como a Comissão explicou na audiência, para numerosas tarefas, os protocolos de comunicação servidor‑servidor são, na realidade, como que «extensões» dos protocolos de comunicação cliente‑servidor. Em certos casos, um servidor age, relativamente a outro servidor, como um PC cliente (v. n.° 184, supra). De igual modo, deve observar‑se que, embora seja verdade que certos protocolos de comunicação só são implementados nos sistemas operativos Windows para servidores de grupos de trabalho, não é menos verdade, porém, que se encontram ligados do ponto de vista funcional aos PC clientes. A Comissão faz referência, a este respeito, sem que a Microsoft o conteste, aos protocolos relativos ao catálogo global, bem como aos protocolos de sincronização e de replicação entre controladores de domínio.

189    Consequentemente, deve considerar‑se que a Comissão concluiu correctamente que «a aptidão comum para fazer parte [da arquitectura de domínio Windows] é um elemento de compatibilidade entre os PC clientes Windows e os servidores de grupos de trabalho Windows» (considerando 182 da decisão impugnada).

190    Por último, importa manter presente o importante papel que desempenham os serviços de directório no mercado dos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho. A própria Microsoft refere, na réplica, que, nesse mercado, «o serviço de directório é uma característica concorrencial fundamental, em grande parte responsável pelo sucesso de alguns produtos». Salienta, nomeadamente, que «o Active Directory está […] no coração dos sistemas operativos Windows para servidores», depois de ter referido que «[t]anto para os serviços de partilha de ficheiros e de impressoras como para os serviços de gestão dos utilizadores e dos grupos de utilizadores, [era] importante saber com precisão que utilizador [tinha] direito de aceder a que recursos da rede».

191    O Active Directory regista todas as informações relativas aos objectos da rede e permite uma gestão centralizada da mesma. Integra inteiramente as funcionalidades de gestão da autenticação dos utilizadores e de controlo do acesso, garantindo assim a segurança das informações. Deve igualmente recordar‑se que o Active Directory utiliza o mecanismo da replicação entre controladores de domínio múltiplos.

–       Quanto à natureza das informações referidas na decisão impugnada

192    O primeiro comportamento abusivo imputado à Microsoft consiste no facto de esta última recusar fornecer aos seus concorrentes as informações relativas à interoperabilidade e autorizar a respectiva utilização para o desenvolvimento e a distribuição de produtos concorrentes com os seus no mercado dos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho no período compreendido entre Outubro de 1998 e a data de notificação da decisão impugnada [artigo 2.°, alínea a), da decisão impugnada].

193    Para corrigir essa alegada recusa, a Comissão ordenou à Microsoft, nomeadamente, [artigo 5.°, alínea a), da decisão impugnada] o seguinte:

«A Microsoft [...] divulgará, num prazo de 120 dias a contar da notificação da [decisão impugnada], a toda a empresa que tenha interesse em desenvolver e distribuir sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho, informações relativas a interoperabilidade e, sob condições razoáveis e não discriminatórias, autorizará o seu uso por essas empresas para o desenvolvimento e a distribuição de sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho Microsoft.»

194    Há que recordar o modo como a Comissão definiu e apreciou os principais conceitos pertinentes no caso em apreço.

195    Assim, no artigo 1.°, n.° 1, da decisão impugnada, define as «informações relativas à interoperabilidade» como as «especificações exaustivas e correctas de todos os protocolos [implementados] nos sistemas operativos Windows para servidores de grupos de trabalho e que são utilizados pelos servidores de grupos de trabalho Windows para fornecer às redes Windows para grupos de trabalho serviços de partilha de ficheiros e de impressão, e de gestão dos utilizadores e dos grupos [de utilizadores], incluindo os serviços de controlador de domínio Windows, o serviço de directório Active Directory e o serviço‘Group Policy’».

196    Quanto aos «protocolos», a Comissão define‑os como regras de interconexão e de interacção entre diferentes elementos de software dentro de uma rede (considerando 49 da decisão impugnada). No que mais especificamente diz respeito aos protocolos em causa no presente processo, define‑os como «um conjunto de regras de interconexão e de interacção entre diferentes sistemas operativos Windows para servidores de grupos de trabalho e sistemas operativos Windows para PC clientes instalados em diferentes computadores numa rede Windows para grupos de trabalho» (artigo 1.°, n.° 2, da decisão impugnada).

197    Há que referir que a Microsoft não contesta o modo como a Comissão concebe o conceito de «protocolo». Pelo contrário, na petição inicial, ela própria descreve os protocolos como o que permite a «computadores ligados por intermédio de uma rede trocar informações para executar tarefas pré‑determinadas». É certo que num relatório redigido por um dos seus peritos, S. Madnick, junto às suas observações sobre os articulados dos intervenientes, faz uma distinção entre duas categorias de protocolos de comunicação, consoante sejam «simples» ou «complexos», mencionando o protocolo DRS como parte da segunda categoria [anexo I.3 (Madnick, «Response to Mr. Ronald S. Alepin’s Annex on Interoperability and the FSFE’s Submission»)]. Todavia, através dessa distinção, não pretende pôr em causa a correcção da referida definição, mas apenas demonstrar que os protocolos complexos regulam as interacções entre diversos elementos semelhantes de uma rede que fornecem um serviço conjunto em estreita coordenação e que «revelam» informações muito mais pormenorizadas, e de muito mais valor, que os protocolos simples.

198    Relativamente ao conceito de «especificação», este não é definido no dispositivo da decisão impugnada. É, todavia, pacífico que as especificações constituem uma forma de documentação técnica pormenorizada, o que aliás corresponde à acepção comum desse conceito no sector informático.

199    No considerando 24 da decisão impugnada, a Comissão salienta que importa distinguir o conceito de «especificação» do de «implementação», no sentido de que «[u]ma especificação descreve em pormenor o que se espera do produto de software, enquanto a implementação é o código que será efectivamente executado no computador» (v., no mesmo sentido, considerando 570 da decisão impugnada). Por outras palavras, as especificações descrevem os interfaces por intermédio dos quais um dado elemento de um sistema informático pode utilizar outro elemento do mesmo sistema. Descrevem, nomeadamente, de forma muito abstracta, quais as funcionalidades disponíveis e as regras que permitem fazer apelo a essas funcionalidades e recebê‑las.

200    No considerando 571 da decisão impugnada, a Comissão explica que é possível fornecer especificações de interfaces sem divulgar pormenores da implementação. Esclarece que se trata de uma prática corrente no sector informático, particularmente quando é adoptado um padrão aberto de interoperabilidade (v. igualmente, a este respeito, considerando 34 da decisão impugnada). No seu articulado, a SIIA invoca argumentos que vão no mesmo sentido.

201    Vários elementos confirmam a correcção destas diversas afirmações. Por um lado, a prática invocada pela Comissão é demonstrada por uma série de exemplos – não impugnados pela Microsoft – mencionados na decisão impugnada, ou seja, nomeadamente, as especificações «POSIX 1» (considerandos 42 e 88), as especificações «Java» (considerando 43), as especificações do protocolo Kerberos versão 5 (considerando 153), as especificações do protocolo NFS (Network File System) desenvolvido pela Sun (considerando 159) e as especificações «CORBA» estabelecidas pela Object Management Group (considerando 165). Por outro, importa referir que, como afirma a Comissão no considerando 571 da decisão impugnada, no âmbito do MCPP implementado nos termos da transacção americana, os detentores de licenças não têm acesso a elementos do código fonte da Microsoft, mas às especificações dos protocolos em causa.

202    A Microsoft, aliás, só de modo perfeitamente acidental põe em causa a referida distinção entre os conceitos de «especificação» e de «implementação», tendo‑se limitado, na nota de rodapé n.° 74 da petição inicial, a proceder a uma remissão global para um parecer redigido pelos seus peritos S. Madnick e Nichols, transmitido à Comissão durante o procedimento administrativo, e junto à petição inicial (anexo A.12.2 da petição inicial). Pelas razões acima expostas nos n.os 94 e 97, o Tribunal de Primeira Instância considera que esse parecer não pode ser levado em conta. Além disso, e de qualquer forma, deve referir‑se que os desenvolvimentos contidos no referido parecer se baseiam em grande parte numa premissa errada, segundo a qual o grau de interoperabilidade exigido pela Comissão no caso em apreço implica que os concorrentes da Microsoft tenham a possibilidade de reproduzir ou de clonar os seus produtos ou algumas das suas funcionalidades (v. n.os 234 a 239, infra).

203    Por outro lado, há que referir que, na decisão impugnada, a Comissão insiste expressamente no facto de a recusa abusiva imputada à Microsoft dizer apenas respeito às especificações de certos protocolos e não a elementos do código fonte (v., nomeadamente, considerandos 568 a 572 da decisão impugnada).

204    No mesmo sentido, a Comissão salienta, em várias ocasiões, que de modo algum pretende ordenar à Microsoft que divulgue esses elementos aos seus concorrentes. Assim, no considerando 999 da decisão impugnada, esclarece que «o termo ‘especificação’ clarifica que a Microsoft não tem a obrigação de facultar o acesso à sua própria implementação dessas especificações, isto é, ao seu código fonte». Do mesmo modo, refere, no considerando 1004 da decisão impugnada, que «não pretende impor à Microsoft a obrigação de facultar o acesso ao código fonte do Windows, uma vez que esse código fonte não é necessário ao desenvolvimento de produtos interoperáveis». Esclarece, no mesmo considerando, que «[a] ordem de divulgação diz apenas respeito a especificações de interfaces».

205    Importa referir que, num parecer intitulado «Innovation in Communication Protocols that Microsoft is ordered to license to its server operating system competitors» (Inovação [contida] nos protocolos de comunicação que a Microsoft está obrigada a licenciar para os seus concorrentes [no mercado dos] sistemas operativos para servidores) junto à réplica como anexo C.4, o próprio Lees, um dos peritos da Microsoft, faz uma distinção entre «os protocolos utilizados para as comunicações entre servidores e os algoritmos/regras de decisão que operam internamente em cada servidor», referindo em seguida que são os protocolos que devem ser divulgados por força do artigo 5.° da decisão impugnada. Lees centra o seu parecer no protocolo DRS, utilizado para o mecanismo de replicação entre controladores de domínio múltiplos, esclarecendo que este representa um dos numerosos protocolos de comunicação cujo acesso a Microsoft deve facultar aos seus concorrentes nos termos da decisão impugnada.

206    Por conseguinte, as informações a que se refere a decisão impugnada são uma descrição técnica pormenorizada de certas regras de interconexão e de interacção aplicáveis dentro das redes Windows para grupos de trabalho para o fornecimento de serviços de grupos de trabalho. Essa descrição não se estende ao modo como a Microsoft executa as referidas regras, ou seja, nomeadamente, à estrutura interna ou ao código fonte dos seus produtos.

–       Quanto ao grau de interoperabilidade exigido pela Comissão na decisão impugnada

207    A Comissão adoptou um raciocínio a dois tempos para determinar se as informações em causa eram indispensáveis. Numa primeira fase, analisou o grau de interoperabilidade com a arquitectura de domínio Windows que os sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho fornecidos pelos concorrentes da Microsoft deviam atingir para que estes últimos pudessem manter‑se de modo viável no mercado. Numa segunda fase, verificou se as informações relativas à interoperabilidade cujo acesso a Microsoft recusou facultar eram indispensáveis para atingir esse grau de interoperabilidade.

208    O Tribunal de Primeira Instância examinará em seguida o grau de interoperabilidade exigido pela Comissão na decisão impugnada. Nesta fase, não se pronunciará, no entanto, sobre a questão de saber se a Comissão podia considerar que os concorrentes da Microsoft só se podiam manter de modo viável no mercado se os seus produtos pudessem atingir esse grau de interoperabilidade. Esta questão será apreciada, juntamente com os restantes aspectos do raciocínio desenvolvido pela Comissão, no âmbito da análise do carácter alegadamente indispensável das informações em causa (v. n.os 369 a 436, infra).

209    Antes de mais, há que recordar brevemente os argumentos das partes principais.

210    A Microsoft partilha da opinião da Comissão segundo a qual a «interoperabilidade é uma questão de grau» (considerando 33 da decisão impugnada).

211    Considera, todavia, que o grau de interoperabilidade exigido pela Comissão no caso em apreço é inadequado, na medida em que ultrapassa o conceito de «plena interoperabilidade» previsto na Directiva 91/250. Afirma que esse conceito – que qualifica também de «interoperabilidade multivendor» – pressupõe apenas que os sistemas operativos provenientes de criadores diferentes possam «funcionar correctamente» juntos.

212    Mais especificamente, a Microsoft alega que a verdadeira intenção da Comissão é a de permitir que os sistemas operativos para servidores concorrentes funcionem sob todos os pontos de vista como um sistema operativo Windows para servidores. A Microsoft faz referência, a este respeito, indistintamente às expressões «plug replacement», «plug‑replaceability», «drop‑in», «equivalente funcional» e «clone funcional». Alega que esse grau de interoperabilidade só poderia ser atingido se fosse permitido aos seus concorrentes clonar ou reproduzir os seus produtos (ou as respectivas características) e se fossem transmitidas aos referidos concorrentes informações sobre os mecanismos internos dos seus produtos.

213    Por último, a Microsoft sustenta que a interoperabilidade multivendor pode ser atingida através dos métodos já disponíveis no mercado.

214    Observa‑se que a posição da Microsoft acima recordada corresponde à que defendeu ao longo do procedimento administrativo.

215    Assim, na sua resposta de 17 de Novembro de 2000 à primeira comunicação de acusações, a Microsoft referiu que o grau de interoperabilidade alegadamente exigido pela Comissão não estava em conformidade com o direito comunitário e não existia no mercado. Invocando, mais especificamente, o décimo considerando (nas versões inglesa e francesa) da Directiva 91/250, alega que «um criador de sistemas operativos para servidores dispõe de uma plena interoperabilidade quando é possível aceder a todas as funcionalidades do seu programa a partir de um sistema operativo Windows para PC clientes» (n.° 143 da resposta; ver igualmente considerando 751 da decisão impugnada). A Microsoft alega que a Comissão define erradamente a interoperabilidade de modo muito mais amplo, considerando que, para que haja interoperabilidade entre dois produtos de software, é necessário que todas as funcionalidades dos dois produtos funcionem correctamente. Isto equivaleria, com efeito, a exigir uma «plug‑replaceability» ou à admissibilidade da clonagem (n.° 144 da resposta). A Microsoft critica o facto de a Comissão partilhar, deste modo, a posição da Sun, segundo a qual devia ser possível substituir, dentro da rede informática de uma empresa composta por PC clientes que tivessem o Windows instalado, um servidor que tivesse o Windows 2000 instalado por um servidor que tivesse instalado um sistema operativo Solaris sem que isso causasse uma diminuição das funcionalidades a que os utilizadores têm acesso (n.os 145 e 162 da resposta). Segundo a Microsoft, para realizar a plena interoperabilidade, basta que ela divulgue os interfaces expostos pelos sistemas operativos Windows para PC clientes de que os criadores de sistemas operativos para servidores concorrentes necessitam para que as funcionalidades desses sistemas fiquem disponíveis para os utilizadores de PC clientes que utilizam o Windows.

216    Do mesmo modo, na sua resposta de 16 de Novembro de 2001 à segunda comunicação de acusações, a Microsoft, reproduzindo, no essencial, a mesma argumentação que tinha desenvolvido na sua resposta à primeira comunicação de acusações, alega que as críticas da Comissão se baseiam numa «definição incorrecta de interoperabilidade» (n.os 149 a 163 da resposta). Repete, a este propósito, que a Directiva 91/250 não exige uma «plug‑replaceability», mas apenas uma plena interoperabilidade, e que a divulgação de informações a que já procede é suficiente para a atingir.

217    Na sua resposta de 17 de Outubro de 2003 à terceira comunicação de acusações, a Microsoft adopta, no essencial, a mesma linha de argumentação, repetindo que a Comissão considera que os seus concorrentes devem ter acesso a toda as informações necessárias para poderem criar «cópias dos sistemas operativos Windows para servidores» e que equipara, assim, a interoperabilidade à clonagem (pp. 29 a 32 da resposta). Alega que a «interoperabilidade se refere à disponibilização de informações suficientes nos interfaces expostos pelos sistemas operativos Windows para PC clientes e para servidores para permitir que os produtos dos concorrentes funcionem com sistemas operativos Windows para PC clientes e para servidores de todas as maneiras em que é suposto esses produtos concorrentes funcionarem» (p. 29 da resposta). No mesmo sentido, a Microsoft refere que «reconheceu, desde o início, que poderia gerar‑se um problema ao nível do direito da concorrência se os seus concorrentes não pudessem desenvolver sistemas operativos para servidores cujas funcionalidades fossem plenamente acessíveis a partir de sistemas operativos Windows para PC clientes» (p. 63 da resposta). Alega que a Comissão, todavia, não demonstrou a existência desse problema em nenhuma das suas três comunicações de acusações.

218    A Comissão, por sua vez, defende a posição segundo a qual o conceito de interoperabilidade adoptado na decisão impugnada está em conformidade com o previsto na Directiva 91/250. Refuta, nomeadamente, a interpretação unidireccional que a Microsoft dá desse conceito.

219    A Comissão admite que é já possível alguma interoperabilidade com a arquitectura de domínio Windows, mas considera que resulta do inquérito que levou a cabo que o grau de interoperabilidade que pode ser atingido através dos métodos disponíveis é demasiado baixo para permitir que os concorrentes da Microsoft se mantenham de modo viável no mercado (nota de rodapé n.° 712 da decisão impugnada).

220    Alega que, nas redes Windows para grupos de trabalho, a interoperabilidade cliente‑servidor e a interoperabilidade servidor‑servidor estão intimamente ligadas e considera que, para que possa haver plena interoperabilidade entre um PC cliente que tenha o Windows instalado e um servidor que tenha instalado um sistema operativo concorrente da Microsoft, esta última tem que facultar o acesso tanto aos protocolos de comunicação cliente‑servidor como aos protocolos de comunicação servidor‑servidor (considerandos 177 a 182 e 689 da decisão impugnada), incluindo os que são «puramente» servidor‑servidor, isto é, não implementados no PC cliente, mas «ligados [a ele] de um ponto de vista funcional» (considerandos 277, 567 e 690 da decisão impugnada).

221    A Comissão nega que a decisão impugnada se destine a permitir aos concorrentes da Microsoft desenvolver produtos que funcionem sob todos os pontos de vista como um sistema operativo Windows para servidores. Na verdade, essa decisão pretende permitir «a criação de produtos concorrentes que funcionem de modo diferente mas sejam capazes de compreender as mensagens transmitidas pelos produtos da Microsoft em causa». Assim, segundo a Comissão, as informações em questão relativas à interoperabilidade não serão utilizadas pelos concorrentes da Microsoft para desenvolver produtos exactamente iguais ao desta última, mas sim produtos melhorados, que apresentem um «valor acrescentado».

222    Em primeiro lugar, o Tribunal de Primeira Instância verifica que resulta das considerações precedentes que a Microsoft e a Comissão não estão de acordo quanto à questão de saber se o conceito de interoperabilidade adoptado na decisão impugnada é ou não conforme ou ao previsto na Directiva 91/250.

223    Importa referir, a este propósito, que, nos considerandos 749 a 763 da decisão impugnada, a Comissão expôs de modo circunstanciado as razões pelas quais, na sua opinião, a interpretação unidireccional que a Microsoft dá do conceito de interoperabilidade não é correcta.

224    Deve referir‑se, antes de mais, que, nos seus articulados, a Microsoft não invoca qualquer argumento susceptível de pôr em causa a apreciação da Comissão nesta matéria. Limita‑se a afirmar, remetendo para certas passagens das suas respostas à segunda e terceira comunicações de acusações, que a «decisão impugnada adopta um conceito de interoperabilidade totalmente diferente do previsto pela Directiva [91/250]» (n.° 95 da petição inicial).

225    Em seguida, não se pode deixar de observar que o conceito de interoperabilidade adoptado na decisão impugnada – que consiste em considerar que a interoperabilidade entre dois produtos de software é a possibilidade de estes trocarem informações e utilizarem reciprocamente essas informações para permitir que cada um dos referidos produtos de software funcionem de todas as maneiras previstas – é conforme ao previsto na Directiva 91/250.

226    Assim, como explica a Comissão nos considerandos 752 a 754, 759 e 760 da decisão impugnada, o décimo considerando da Directiva 91/250 – tanto na versão inglesa como na francesa – não se presta à interpretação unidireccional defendida pela Microsoft. Pelo contrário, como muito acertadamente salienta a Comissão no considerando 758 da decisão impugnada, o referido considerando traduz claramente que, por natureza, a interoperabilidade implica uma relação bidireccional quando refere que «a função de um programa de computador é comunicar e trabalhar com outros componentes de um sistema de computador». No mesmo sentido, importa referir que o décimo segundo considerando da Directiva 91/250 define a interoperabilidade como a «capacidade de trocar informações e de reciprocamente utilizar as informações trocadas».

227    De qualquer forma, importa recordar que o que está em causa no presente processo é uma decisão de aplicação do artigo 82.° CE, ou seja, uma disposição hierarquicamente superior à da Directiva 91/250. A questão que se coloca no caso em apreço não é tanto a de saber se o conceito de interoperabilidade adoptado na decisão impugnada é conforme ao previsto na directiva como a de saber se a Comissão determinou correctamente o grau de interoperabilidade que devia poder ser atingido tendo em conta os objectivos do artigo 82.° CE.

228    Em segundo lugar, o Tribunal de Primeira Instância recorda que a Comissão apreciou o grau de interoperabilidade em função do que, na sua opinião, era necessário para permitir que os criadores de sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho concorrentes da Microsoft se mantivessem de modo viável no mercado (v., nomeadamente, nota de rodapé n.° 712 e considerando 779 da decisão impugnada).

229    Não se pode contestar a correcção desta abordagem. O artigo 82.° CE aplica‑se, com efeito, ao comportamento de um ou vários operadores económicos, que consiste no facto de se explorar de modo abusivo uma situação de poder económico que permite ao operador em causa impedir a manutenção de uma concorrência efectiva no mercado em causa, ao proporcionar‑lhe a possibilidade de adoptar comportamentos independentes, em medida apreciável, face aos seus concorrentes, aos seus clientes e, finalmente, aos consumidores (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de Justiça de 16 de Março de 2000, Compagnie maritime belge transports e o./Comissão, C‑395/96 P e C‑396/96 P, Colect., p. I‑1365, n.° 34). Deve recordar‑se igualmente que, embora a conclusão de que uma empresa está em posição dominante não constitua, em si mesma, nenhuma censura a essa empresa, incumbe, no entanto, a esta última, independentemente das causas dessa posição, a responsabilidade especial de não impedir, através do seu comportamento, uma concorrência efectiva e não falseada no mercado comum (acórdão do Tribunal de Justiça de 9 de Novembro de 1983, Michelin/Comissão, 322/81, Recueil, p. 3461, n.° 57, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 7 de Outubro de 1999, Irish Sugar/Comissão, T‑228/97, Colect., p. II‑2969, n.° 112). Ora, uma vez que está demonstrado, no caso em apreço, que o grau de interoperabilidade existente não permite que os criadores de sistemas operativos para servidores concorrentes da Microsoft permaneçam de modo viável no mercado desses sistemas operativos, há um impedimento à manutenção de uma concorrência efectiva nesse mercado.

230    Resulta da decisão impugnada que, por ter adoptado esta abordagem e por se ter baseado numa análise factual e técnica dos produtos e das tecnologias em causa e do modo segundo o qual a interoperabilidade se concretiza nas redes Windows para grupos de trabalho, a Comissão considerou que, para poderem concorrer de modo viável com os sistemas operativos Windows para servidores de grupos de trabalho, os sistemas operativos concorrentes deviam ter a possibilidade de interoperar com a arquitectura de domínio Windows em pé de igualdade com os sistemas operativos Windows para servidores de grupos de trabalho (v., neste sentido, nomeadamente, considerandos 182 e 282 da decisão impugnada).

231    O conceito de interoperabilidade assim adoptado pela Comissão tem duas componentes indissociáveis, concretamente, por um lado, a interoperabilidade cliente‑servidor e, por outro, a interoperabilidade servidor‑servidor (considerandos 177 a 182 e 689 da decisão impugnada).

232    A Comissão considera igualmente que um sistema operativo para servidores de grupos de trabalho concorrente da Microsoft, quando está instalado num servidor dentro de uma rede Windows para grupos de trabalho, deve poder não só oferecer aos PC clientes que utilizam o Windows todas as funcionalidades que comporta, mas também explorar todas as funcionalidades oferecidas pelos referidos PC clientes.

233    Tendo em conta esses diversos elementos, a Comissão considera, nomeadamente, que um servidor em que esteja instalado um sistema operativo para servidores de grupos de trabalho concorrente da Microsoft deve poder agir como controlador de domínio, e não apenas como servidor membro, dentro de um domínio Windows que utilize o Active Directory e, por conseguinte, deve poder participar no mecanismo de replicação entre controladores de domínio múltiplos com os outros controladores de domínio.

234    O Tribunal de Primeira Instância considera que, contrariamente ao que alega a Microsoft, não se pode deduzir do grau de interoperabilidade exigido pela Comissão que esta pretende, na realidade, que os sistemas operativos para servidores concorrentes funcionem sob todos os pontos de vista como um sistema operativo Windows para servidores e, por conseguinte, que os concorrentes da Microsoft possam clonar ou reproduzir os seus produtos ou algumas das suas características.

235    As alegações da Microsoft assentam numa leitura errada da decisão impugnada.

236    Importa referir, a este respeito, que, segundo o considerando 1003 da decisão impugnada, o seu objectivo é o de «garantir que os concorrentes da Microsoft desenvolvam produtos que interoperem com a arquitectura de domínio Windows, que está nativamente integrada no produto dominante que constitui o sistema operativo Windows para PC clientes, e possam assim concorrer de modo viável com o sistema operativo para servidores de grupos de trabalho da Microsoft».

237    Como a Comissão explicou mais pormenorizadamente na audiência, a realização desse objectivo pressupõe que os sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho concorrentes sejam capazes de receber uma mensagem determinada de um sistema operativo Windows para PC clientes ou para servidores de grupos de trabalho e de dar a devida resposta a essa mensagem nas mesmas condições que um sistema operativo Windows para servidores de grupos de trabalho, bem como de obter dos sistemas operativos Windows para PC clientes ou para servidores de grupos de trabalho a mesma reacção a essa resposta que se esta proviesse de um sistema operativo Windows para servidores de grupos de trabalho.

238    Ora, para que essas operações possam ser efectuadas, não se exige que os sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho concorrentes da Microsoft funcionem exactamente da mesma maneira, no plano interno, que os sistemas operativos Windows para servidores de grupos de trabalho.

239    Estas diferentes considerações não são desmentidas pelas passagens dos considerandos 669 e 679 da decisão impugnada referidas pela Microsoft (v. n.° 126, supra). Na primeira passagem, a Comissão limita‑se a referir que o grau de interoperabilidade com a arquitectura de domínio Windows que pode ser atingido pelos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho concorrentes da Microsoft recorrendo aos protocolos padrão é inferior ao atingido pelos sistemas operativos Windows para servidores de grupos de trabalho. Na segunda passagem, a Comissão apenas refere que os sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho concorrentes da Microsoft têm menor capacidade de aceder às funcionalidades dos sistemas operativos Windows para PC clientes e para servidores de grupos de trabalho que os sistemas operativos Windows para servidores de grupos de trabalho.

240    No mesmo contexto, não há que acolher a alegação da Microsoft de que a decisão impugnada se destina a permitir que os seus concorrentes desenvolvam produtos exactamente iguais aos dos sistemas operativos Windows para servidores de grupos de trabalho. Como será mais pormenorizadamente explicado nos n.os 653 a 658, infra, quando for analisada a circunstância do aparecimento de um produto novo, o objectivo prosseguido pela Comissão é o de afastar o obstáculo que constitui, para os concorrentes da Microsoft, o carácter insuficiente do grau de interoperabilidade existente com a arquitectura de domínio Windows, para permitir que os referidos concorrentes possam oferecer sistemas operativos para servidores de trabalho que se distingam dos da Microsoft em parâmetros importantes como, nomeadamente, a segurança, a fiabilidade, a rapidez de execução das tarefas ou o carácter inovador de certas funcionalidades.

241    Há que referir igualmente que, como aliás a própria Microsoft reconhece expressamente nos seus articulados (v., por exemplo, n.os 14 e 48 da réplica), os seus concorrentes não serão capazes de desenvolver produtos que sejam «clones» ou reproduções dos sistemas operativos Windows para servidores de grupos de trabalho por terem acesso às informações relativas à interoperabilidade referidas na decisão impugnada. Como foi acima exposto nos n.os 192 a 206, essas informações não dizem respeito a elementos do código fonte da Microsoft. Em particular, o artigo 5.° da decisão impugnada não obriga esta última a divulgar aos seus concorrentes pormenores de implementação.

242    Há que acrescentar que, como adiante será igualmente explicado mais pormenorizadamente no n.° 658, quando for analisada a circunstância do aparecimento de um produto novo, os concorrentes da Microsoft não têm qualquer interesse em desenvolver sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho exactamente iguais aos da Microsoft.

243    Também não há que acolher a alegação da Microsoft de que resulta das declarações de empresas que apresentou no âmbito do procedimento administrativo que já há um elevado grau de interoperabilidade entre os sistemas operativos Windows para PC clientes e para servidores, por um lado, e os sistemas operativos para servidores concorrentes, por outro, graças à utilização de métodos já disponíveis no mercado.

244    A este respeito, basta referir que as declarações em causa já foram exaustivamente analisadas na decisão impugnada (v., nomeadamente, considerandos 357, 358, 440 a 444, 511, 513, 595, 598, 602, 628, 702 e 707) e que a Microsoft não invoca nenhum argumento concreto susceptível de demonstrar que a apreciação feita pela Comissão está errada. No essencial, como salienta a Comissão no considerando 707 da decisão impugnada, essa declarações foram feitas por organizações que, em ampla medida, adoptaram uma «solução Windows» para a sua rede de grupos de trabalho.

245    Quanto à alegação da Microsoft segundo a qual resulta dos relatórios Mercer que as empresas não escolhem os sistemas operativos para servidores em função de considerações ligadas à sua interoperabilidade com os sistemas operativos Windows para PC clientes e para servidores, não é exacta, como adiante será mais pormenorizadamente explicado, nos n.os 401 a 412.

–       Quanto ao alcance do artigo 5.°, alínea a), da decisão impugnada

246    O artigo 5.°, alínea a), da decisão impugnada diz respeito às especificações exaustivas e correctas de todos os protocolos que são executados nos sistemas operativos Windows para servidores de grupos de trabalho e utilizados pelos servidores em que esses sistemas estão instalados para fornecer serviços de grupos de trabalho a redes Windows para grupos de trabalho.

247    Como resulta das conclusões técnicas e factuais que constam dos n.os 154 a 191, supra, o bom funcionamento das redes de grupos de trabalho Windows assenta numa arquitectura de interconexões e de interacções cliente‑servidor e servidor‑servidor.

248    Assim, a Comissão esclarece, no considerando 999 da decisão impugnada, que a obrigação de divulgação prevista por esta última «inclui simultaneamente a interconexão e a interacção directas entre um servidor de grupos de trabalho que tenha o Windows instalado e um PC cliente que tenha o Windows instalado e a interconexão e a interacção indirectas entre essas máquinas que passam por um ou vários outros servidores de grupos de trabalho que têm o Windows instalado».

249    As especificações que a Microsoft deve descrever e divulgar aos seus concorrentes dizem respeito quer a protocolos de comunicação cliente‑servidor, que estão implementados tanto nos sistemas operativos Windows para PC clientes como nos sistemas operativos Windows para servidores de grupos de trabalho, quer a protocolos de comunicação servidor‑servidor.

250    Importa esclarecer que as informações que a Microsoft deve divulgar aos seus concorrentes por força do artigo 5.°, alínea a), da decisão impugnada devem, nomeadamente, permitir que os computadores em que estão instalados os sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho dos seus concorrentes tenham, dentro de um domínio Windows que utilize o Active Directory, o papel de servidor membro ou de controlador de domínio e, por conseguinte, participem do mecanismo de replicação entre controladores de domínio múltiplos. A medida correctiva prevista por essa disposição respeita, portanto, nomeadamente, às comunicações que existem entre servidores dentro da «esfera azul».

251    O alcance assim especificado do artigo 5.° da decisão impugnada resulta de uma série de considerandos dessa decisão, ou seja, nomeadamente, os considerandos 194 a 198, 206, 564 e 690.

252    Assim, nos considerandos 194 a 198 da decisão impugnada, a Comissão menciona, entre outros exemplos de informações relativas à interoperabilidade que a Microsoft recusa divulgar tanto à Sun como aos seus concorrentes, determinadas informações relativas ao mecanismo de replicação utilizado pelo Active Directory.

253    No considerando 206 da decisão impugnada, a Comissão rejeita expressamente a alegação formulada pela Microsoft na sua resposta de 16 de Novembro de 2001 à segunda comunicação de acusações, segundo a qual «as características da replicação e do catálogo global do Active Directory não são relativas à interoperabilidade». Explica, a este respeito, que «um controlador de domínio num domínio Active Directory (modo nativo) replica os dados armazenados no directório Active Directory com os dados armazenados no Active Directory de outros controladores de domínio através de determinados protocolos de sincronização». Refere igualmente que, graças a outros protocolos, cujas especificações são informações relativas à interoperabilidade, os dados do catálogo global são trocados entre controladores de domínio da «floresta».

254    Do mesmo modo, o considerando 564 da decisão impugnada, quando se refere ao facto de a Microsoft ter «persistido na sua recusa» depois de ter recebido a denúncia da Sun e as três comunicações de acusações elaboradas pela Comissão, remete para os considerandos 194 e seguintes.

255    Deve igualmente referir‑se que, no considerando 690 da decisão impugnada, a Comissão explica que o MCPP «não trata da questão mais ampla que está em causa no caso em apreço», em particular na medida em que não abrange os protocolos que são «puramente» servidor‑servidor, mas ligados do ponto de vista funcional aos PC clientes, como os «protocolos de replicação entre controladores de domínio e os ligados ao catálogo global».

256    Há que acrescentar que a Microsoft interpreta no mesmo sentido o alcance do artigo 5.°, alínea a), da decisão impugnada. Assim, na petição inicial, para demonstrar o carácter inovador dos protocolos de comunicação sobre os quais deve transmitir informações aos seus concorrentes, invoca precisamente os mecanismo da sincronização entre os controladores de domínio múltiplos utilizados pelo Active Directory (v., nomeadamente, parecer da Campbell‑Kelly, intitulado «Commentary on Innovation in Active Directory» que consta do anexo A.20 da petição inicial). Do mesmo modo, na réplica, baseia‑se principalmente, para esse mesmo efeito, no protocolo DRS, que é utilizado pelo Active Directory para realizar, nomeadamente, funções de replicação (v., nomeadamente, parecer de Lees, mencionado no n.° 205, supra). No seu parecer, Lees explica, nomeadamente, que o protocolo DRS criado pela Microsoft incorpora um série de novas características, concretamente, «pode combinar simultaneamente actualizações a partir de numerosos servidores; está integrado no protocolo padrão Domain Naming Serviço (DNS) (para a nomeação) e no protocolo Kerberos (para a autenticação recíproca); transmite informações que descrevem o modo como uma empresa determinada estrutura o seu serviço de directório; transmite informações sobre o papel que determinados servidores desempenham na administração do serviço de directório e comunica automaticamente as actualizações do directório entre os servidores». Lees esclarece que o protocolo DRS é apenas um entre os vários protocolos de comunicação que a Microsoft deve divulgar aos seus concorrentes nos termos da decisão impugnada. Faz igualmente referência aos seguintes protocolos: Microsoft Remote Procedure Call (MSRPC), Network Authentication (Kerberos extensions), Dfs e File Replication Service (FRS).

257    Deve referir‑se, por último, que o alcance acima especificado do artigo 5.° da decisão impugnada cobre também o que tinha sido pedido pela Sun na carta de 15 de Setembro de 1998. Com efeito, como adiante será explicado mais pormenorizadamente, nos n.os 737 a 749, o pedido da Sun tinha por objecto, nomeadamente, a capacidade de o seu sistema operativo para servidores de grupos de trabalho Solaris agir como controlador de domínio totalmente compatível em redes Windows para grupos de trabalho Windows 2000 ou como servidor membro (em particular como um servidor de ficheiros ou de impressão) plenamente compatível com a arquitectura de domínio Windows.

258    Por outro lado, deve ser julgada improcedente a alegação da Microsoft segundo a qual o alcance da medida correctiva prevista no artigo 5.°, alínea a), da decisão impugnada não é coerente com o «padrão de interoperabilidade» utilizado pela Comissão para apreciar a pertinência dos «métodos alternativos de interoperabilidade» (v. n.os 125 a 129, supra).

259    Esta alegação assenta, com efeito, na ideia errada de que a Comissão considera que a interoperabilidade é a capacidade de os concorrentes da Microsoft fazerem funcionar os seus sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho exactamente da mesma maneira que os sistemas operativos Windows e pretende dar a esses concorrentes a possibilidade de clonar estes últimos sistemas (v. n.os 234 a 242, supra).

260    Há que acrescentar que, contrariamente ao que alega a Microsoft, a posição que a Comissão defendeu nos seus articulados a respeito do grau de interoperabilidade exigido no caso em apreço e do alcance da medida correctiva prevista no artigo 5.°, alínea a), da decisão impugnada corresponde perfeitamente à que adoptou na decisão impugnada. Além disso, a Microsoft não pode basear‑se em declarações feitas pelos intervenientes na audiência no âmbito do processo de medidas provisórias para atribuir à Comissão uma determinada interpretação da decisão impugnada. Há ainda que recordar que, segundo a jurisprudência, a legalidade de um acto comunitário deve ser apreciada em função dos elementos de facto e de direito existentes na data em que o acto foi adoptado (acórdãos do Tribunal de Justiça de 7 de Fevereiro de 1979, França/Comissão, 15/76 e 16/76, Colect., p. 145, n.os 7 e 8, e do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Dezembro de 1996, Altmann e o./Comissão, T‑177/94 e T‑377/94, Colect., p. II‑2041, n.° 119).

261    Por último, há que julgar igualmente improcedente a argumentação relativa ao mecanismo de replicação entre controladores de domínio múltiplos e à «esfera azul» que a Microsoft invocou na audiência.

262    Através dessa argumentação, a Microsoft procura demonstrar que o objectivo da decisão impugnada não pode ser plenamente atingido se ela não divulgar aos seus concorrentes certas informações relativas aos mecanismos internos dos seus sistemas operativos para servidores e, em particular, algoritmos, ou seja, mais informações do que as previstas na decisão. A Microsoft baseia a sua argumentação na alegação de que, para que um controlador de domínio que trabalha com um sistema operativo para servidores de grupos de trabalho concorrente possa ser inserido dentro de uma «esfera azul» composta por controladores de domínio em que está instalado um sistema operativo Windows para servidores de grupos de trabalho que utiliza o Active Directory, é necessário que esses vários sistemas operativos partilhem a mesma lógica interna.

263    Ora, em primeiro lugar, não se pode deixar de referir que a Microsoft não demonstrou que, para poderem funcionar juntos dentro da «esfera azul», os seus sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho e os dos seus concorrentes devem obrigatoriamente ter a mesma lógica interna.

264    Em segundo lugar, também não foi demonstrado que, mesmo que essa identidade fosse exigida, isso implicaria necessariamente que a Microsoft fosse obrigada a transmitir informações relativas aos mecanismos internos dos seus produtos e, em particular, algoritmos aos seus concorrentes. Deve recordar‑se, a este respeito, que, num parecer junto à réplica, até um dos peritos da Microsoft, ao comentar o protocolo DRS, que é utilizado para o mecanismo da replicação entre controladores de domínio múltiplos, faz uma distinção entre os «protocolos utilizados para as comunicações entre servidores» e os «algoritmos/regras de decisão que operam internamente em cada servidor», antes de referir que são os protocolos que devem ser divulgados por força do artigo 5.° da decisão impugnada (v. n.° 205, supra).

265    Em terceiro lugar, quanto ao algoritmo «Intersite Topology» que a Microsoft mais especificamente mencionou na audiência, é perfeitamente possível que, como explicou igualmente a Comissão na audiência, os concorrentes apenas devam ter a possibilidade de executar um algoritmo que conduza ao mesmo resultado que o primeiro. Por outras palavras, a Microsoft não tem de dar nenhuma informação relativa à implementação desse algoritmo nos seus sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho, podendo antes limitar‑se a dar uma descrição geral do referido algoritmo, deixando aos seus concorrentes a tarefa de desenvolverem a sua própria implementação.

266    Deve concluir‑se das considerações precedentes que não existe nenhuma incoerência entre o alcance do artigo 5.°, alínea a), da decisão impugnada e o «padrão de interoperabilidade» adoptado pela Comissão na mesma decisão.

c)     Quanto à alegação de que os protocolos de comunicação da Microsoft estão protegidos por direitos de propriedade intelectual

 Argumentos das partes

267    A Microsoft invoca, antes de mais, uma série de argumentos para demonstrar que os seus protocolos de comunicação são inovadores no plano tecnológico. Explica, nomeadamente, que são frequentemente desenvolvidos no âmbito da execução de tarefas específicas por sistemas operativos para servidores e que estão intimamente relacionados com o modo como essas tarefas são executadas. A concessão de licenças sobre esses protocolos de comunicação implicaria, assim, necessariamente, a transmissão de informações aos concorrentes sobre as características internas dos sistemas operativos para servidores com os quais os referidos protocolos de comunicação são utilizados. A Microsoft acrescenta que são necessários muitos engenheiros e recursos financeiros significativos para desenvolver e aperfeiçoar os protocolos de comunicação.

268    A Microsoft insiste, mais especificamente, no carácter inovador do Active Directory, depois de ter salientado que os serviços de directório constituem um factor de concorrência essencial no mercado dos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho. A este respeito, remete para uma nota redigida por um dos seus peritos, Campbell‑Kelly, em que este último descreve as inovações do Active Directory, nomeadamente, «o seu método de replicação em diversos servidores dentro de uma rede informática» (anexo A.20 da petição inicial). Remete igualmente para o parecer emitido por Lees, que consta do anexo C.4 da réplica (v. n.os 205 e 256, supra), em que este «ultimo descreve os aspectos inovadores de um dos protocolos utilizados pelo Active Directory, concretamente, o protocolo DRS, e sobre o qual considera dever comunicar informações aos seus concorrentes por força da decisão impugnada. Por último, a Microsoft faz referência ao anexo C.8.1 da réplica, em que um dos seus engenheiros, Hirst, descreve uma série de especificações relativas ao mecanismo de replicação entre controladores de domínio múltiplos utilizado pelo Active Directory, especificações que alega que teve de descrever por força da decisão impugnada.

269    Em seguida, a Microsoft invoca numerosos argumentos destinados a demonstrar que os seus protocolos de comunicação estão protegidos por direitos de propriedade intelectual.

270    Em primeiro lugar, alega que os aspectos inovadores desses protocolos de comunicação são patenteáveis. Refere que obteve várias patentes para esses protocolos na Europa e nos Estados Unidos e que estão pendentes cerca de vinte pedidos de patente. Por outro lado, baseando‑se em dois pareceres emitidos por Knauer (anexo A.21 da petição inicial e anexo C.6 da réplica), advogado especializado em direito das patentes, afirma que o artigo 5.° da decisão impugnada impõe a concessão obrigatória de licenças de patente.

271    Em segundo lugar, a Microsoft sustenta que as especificações dos protocolos de comunicação servidor‑servidor que deve conceber e divulgar aos seus concorrentes nos termos da decisão impugnada estão protegidas por direitos de autor.

272    Na réplica, a Microsoft aborda a questão da protecção conferida pelos direitos de autor sob duas perspectivas diferentes. Por um lado, faz referência aos conceitos de «criação forçada» e de «publicação forçada», alegando que, se a decisão impugnada não lho tivesse ordenado, não teria desenvolvido as especificações em causa nem concedido licenças relativas às mesmas aos seus concorrentes. Por outro, invocando o artigo 4.° da Directiva 91/250, suscita a questão da «adaptação ou [da] alteração de obras protegidas». Alega, nomeadamente, que um concorrente que utilize as referidas especificações para permitir ao seu sistema operativo para servidores interoperar com as partes dos sistemas operativos Windows para servidores que fornecem os serviços de grupos de trabalho não cria, desse modo, uma «obra distinta».

273    Em terceiro lugar, a Microsoft alega que os protocolos de comunicação são segredos comerciais de grande valor. Refere nomeadamente, a este respeito, que só divulga os seus protocolos de comunicação cliente‑servidor através de acordos de licença que prevêem uma obrigação de confidencialidade e em que é reconhecida a sua qualidade de proprietária sobre essa tecnologia. Salienta que os segredos comerciais são uma forma de propriedade industrial e que a sua protecção é matéria de direito nacional. Por último, rejeita a ideia defendida pela Comissão segundo a qual uma empresa sofre um prejuízo menor quando tem de revelar um segredo comercial do que quando se vê forçada a aceitar a violação das suas patentes ou dos seus direitos de autor.

274    A Microsoft conclui das considerações precedentes que o facto de ter sido obrigada a conceder aos seus concorrentes licenças sobre as especificações dos seus protocolos de comunicação a privam do benefício resultante dos investimentos significativos e dos esforços de investigação e de desenvolvimento que consagra à concepção e ao aperfeiçoamento dos protocolos de comunicação. Além disso, essa situação reduz o incentivo, tanto para ela própria como para os seus concorrentes, a investir nos protocolos de comunicação.

275    A Comissão contesta os vários argumentos expostos nos n.os 267 a 274.

276    Antes de mais, a Comissão rejeita as afirmações da Microsoft segundo as quais, por um lado, os protocolos de comunicação em causa têm carácter inovador e, por outro, a concessão de licenças sobre esses protocolos implica a transmissão de informações sobre as características internas dos seus sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho. Considera nomeadamente que os documentos elaborados por Lees (anexo C.4 da réplica) e Hirst (anexo C.8.1 da réplica) não demonstram que as informações em causa incluam «qualquer invenção que tenha um valor intrínseco». Remete para duas notas redigidas pelo seu consultor OTR (anexos D.2 e D.3 da tréplica), em que este último comenta os documentos de Lees e Hirst e explica as razões pelas quais as ideias e os princípios que estão na base dos protocolos de comunicação em causa não são novos.

277    Em seguida, a Comissão rejeita a tese da Microsoft segundo a qual, por um lado, os seus protocolos de comunicação estão protegidos por direitos de propriedade intelectual e, por outro, a decisão impugnada impõe a concessão obrigatória de licenças.

278    Em primeiro lugar, alega que a Microsoft não demonstra que as alegadas inovações dos protocolos de comunicação em causa são objecto de uma patente. Além disso, vários elementos demonstram que a recusa da Microsoft não se justificava por considerações ligadas à protecção das suas patentes. A este respeito, refere, mais especificamente, que só no fim do procedimento administrativo, ou seja, algumas semanas antes da adopção da decisão impugnada, e por ter insistido é que a Microsoft apresentou uma patente (concretamente, a patente EP 0669020).

279    Em segundo lugar, a Comissão rejeita as alegações da Microsoft a respeito dos direitos de autor. Observa, nomeadamente, que não exclui que as especificações referidas na decisão impugnada possam, enquanto tais, ser abrangidas por direitos de autor. Esclarece, todavia, que isso não significa que a utilização das informações «assim documentadas» aquando da sua implementação num sistema operativo constitua uma violação dos direitos de autor. Com efeito, a implementação de uma especificação não é uma cópia, levando sim a uma obra manifestamente distinta. Por outro lado, a Comissão insiste no facto de a questão de saber se as especificações são abrangidas pelos direitos de autor ser, por natureza, puramente acessória, recordando que o elemento fulcral do presente processo é a obrigação imposta à Microsoft de divulgar informações e de autorizar a sua utilização, o que implica necessariamente a redacção de um documento. Por último, a Comissão observa que a Microsoft invocou dois argumentos novos a propósito da questão dos direitos de autor na réplica (v. n.° 272, supra) e considera que esses argumentos devem ser julgados inadmissíveis por força do artigo 48.°, n.° 2, do Regulamento de Processo. Considera que, de qualquer forma, não têm fundamento.

280    Em terceiro lugar, a Comissão verifica que as informações que a Microsoft deve divulgar nos termos da decisão impugnada foram, até ao presente, mantidas secretas para os seus concorrentes no mercado dos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho. Em contrapartida, considera que a equiparação operada pela Microsoft entre esses «segredos comerciais» e os direitos de propriedade intelectual «instituídos pela lei» está longe de ser evidente. A Comissão alega, a este respeito, que a jurisprudência relativa à concessão obrigatória de licenças não se aplica, enquanto tal, aos segredos comerciais e que a sua protecção no direito nacional é normalmente mais limitada do que a concedida aos direitos de autor ou às patentes. Afirma que, embora possa existir uma presunção de legitimidade da recusa de concessão de uma licença sobre um direito de propriedade intelectual «instituído pela lei», em contrapartida, a legitimidade em direito da concorrência da recusa de divulgação de um segredo, cuja existência depende apenas de uma decisão comercial unilateral, deve depender mais da matéria de facto de cada caso e, em especial, dos interesses em causa. No presente processo, o valor do «segredo» em causa não decorre do facto de constituir uma inovação, mas sim do facto de pertencer a uma empresa dominante.

281    A SIIA, invocando, no essencial, os mesmos argumentos que a Comissão, sustenta que a Microsoft não demonstrou que a decisão impugnada lese os seus direitos de propriedade intelectual e imponha a concessão obrigatória de licenças.

282    A FSFE alega que a «tecnologia» que a Microsoft recusa divulgar aos seus concorrentes não é nem nova nem inovadora. Explica que esta última, com efeito, pratica uma política que consiste em adoptar protocolos pré‑existentes e introduzir‑lhes alterações menores e inúteis com o objectivo de impedir a interoperabilidade. Refere‑se, nomeadamente, aos protocolos seguintes: CIFS/SMB (Common Internet File System/Server Message Block), DCE/RPC (Distributed Computing Environment/Remote Procedure Call), Kerberos 5 e LDAP.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

283    Apesar de as partes terem longamente debatido, tanto nos seus articulados como na audiência, a questão dos direitos de propriedade intelectual que abrangeriam os protocolos de comunicação da Microsoft ou as respectivas especificações, o Tribunal de Primeira Instância considera que não é necessário tomar posição sobre esta questão para a decisão da presente causa.

284    Com efeito, os argumentos que a Microsoft extrai dos alegados direitos de propriedade intelectual não afectam, enquanto tais, a legalidade da decisão impugnada. Sem tomar posição sobre a procedência desses argumentos, a Comissão adoptou essa decisão pressupondo que a Microsoft podia invocar esses direitos no caso em apreço. Por outras palavras, partiu da premissa de que era possível que o comportamento em causa no presente processo, no que diz respeito à primeira problemática, não fosse uma simples recusa de fornecer um produto ou um serviço indispensável ao exercício de uma actividade determinada, mas a recusa de conceder a um terceiro uma licença respeitante a direitos de propriedade intelectual, escolhendo assim a solução jurisprudencial mais estrita e, por conseguinte, a mais favorável à Microsoft (v. n.os 312 a 336, infra). Assim, a Comissão não concluiu nem excluiu que, por um lado, o comportamento imputado à Microsoft fosse uma recusa de conceder uma licença e, por outro, que a medida correctiva prevista no artigo 5.° da decisão impugnada comportasse uma concessão obrigatória de licenças.

285    Assim, no considerando 190 da decisão impugnada, a Comissão refere que, no procedimento administrativo, a Microsoft invocou a existência de direitos de propriedade intelectual, assim como o facto de as informações relativas à interoperabilidade em causa constituírem segredos comerciais. Refere que não está excluído que a Microsoft possa basear‑se nesses direitos para impedir que a Sun execute, nos seus próprios produtos, as especificações em causa. Admite igualmente a possibilidade de essas especificações conterem inovações e constituírem segredos comerciais. Mais genericamente, a Comissão refere que não se pode excluir que o facto de ordenar à Microsoft que divulgue as informações relativas à interoperabilidade a terceiros e que lhes permita utilizá‑las lese o livre exercício dos seus direitos de propriedade intelectual. Reitera esta última afirmação no considerando 546 da decisão impugnada. Na nota de rodapé n.° 249 da decisão impugnada, explica que, «[d]e qualquer forma, uma vez que as especificações relevante não estão acessíveis, não [lhe é] possível determinar em que medida as afirmações da Microsoft relativas aos seus direitos de propriedade intelectual são exactas».

286    Além disso, nos considerandos 1003 e 1004 da decisão impugnada, a Comissão, ao descrever o alcance da medida destinada a corrigir a recusa abusiva imputada à Microsoft, salienta, por um lado, que essa medida apenas diz respeito a especificações do interface, e não a elementos do código fonte, e, por outro, que pretende que os concorrentes da Microsoft sejam autorizados a implementar as especificações divulgadas nos seus sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho. Assim, refere, nomeadamente, que «as especificações também não serão reproduzidas, adaptadas, compostas ou alteradas, mas utilizadas por terceiros para escreverem os seus próprios interfaces, conformes a essas especificações» (considerando 1004 da decisão impugnada). Conclui afirmando que, «[d]e qualquer forma, se a decisão [impugnada] tivesse o efeito de exigir à Microsoft que se abstivesse de exercer plenamente alguns dos seus direitos de propriedade intelectual, isso seria justificado pela necessidade de pôr termo ao abuso verificado» (considerando 1004 da decisão impugnada).

287    Nos seus articulados, a Comissão invoca argumentos que vão no mesmo sentido. Assim, na tréplica, qualifica de «falaciosa» a alegação formulada pela Microsoft na réplica segundo a qual «a decisão [impugnada] impõe a [esta última] que conceda uma licença sobre todos os direitos de propriedade intelectual que possam ser necessários para executar as especificações nos seus próprios produtos». Refere, em primeiro lugar, a este respeito, que «a decisão impugnada obriga a Microsoft a conceder o direito de utilizar as especificações para efeitos de concepção de produtos interoperáveis» e que, «[n]a medida em que [essa obrigação] pode limitar a capacidade da Microsoft de fazer plenamente respeitar os seus [direitos de propriedade intelectual], é justificada pela necessidade de pôr cobro à infracção». A Comissão salienta que «[a] decisão [impugnada] não toma posição sobre a questão de saber se os [direitos de propriedade intelectual] da Microsoft são ou não afectados». Esclarece em seguida que não se pode deduzir daí, todavia, que a recusa imputada à Microsoft é justificada pelo exercício de direitos de propriedade intelectual nem que o presente processo põe em jogo uma concessão obrigatória de licenças. Com efeito, nem os autos nem a petição inicial contêm elementos que demonstrem que assim é, em particular que «os concorrentes precisam de uma licença que lhes dê acesso a determinados [direitos de propriedade intelectual] da Microsoft para garantir a interoperabilidade com a arquitectura de domínio Windows».

288    Importa referir igualmente que a Comissão confirmou, em resposta a uma das perguntas escritas que lhe foram colocadas pelo Tribunal de Primeira Instância, que não era referido, na decisão impugnada, que as informações relativas à interoperabilidade não estavam abrangidas por uma patente ou por direitos de autor ou que, pelo contrário, o estavam. Considerou que não era necessário pronunciar‑se sobre esse ponto uma vez que, de qualquer forma, «os requisitos para concluir pela existência de um abuso e para impor a medida correctiva [prevista no artigo 5.° da decisão impugnada] estavam preenchidos, quer as informações estivessem ou não protegidas por qualquer patente ou por direitos de autor».

289    Resulta das considerações precedentes que a procedência da primeira parte do fundamento deve ser apreciada pressupondo que os protocolos em causa, ou as respectivas especificações, estão abrangidos por direitos de propriedade intelectual ou constituem segredos comerciais e que estes últimos devem ser equiparados a direitos de propriedade intelectual.

290    Consequentemente, a questão central a resolver no âmbito desta parte do presente fundamento é a de saber se, como alega a Comissão e a Microsoft contesta, os requisitos que permitem obrigar uma empresa que detém uma posição dominante a conceder uma licença sobre direitos de propriedade intelectual se encontram preenchidos no caso em apreço.

d)     Quanto à argumentação propriamente dita invocada no âmbito da primeira parte do primeiro? fundamento

 i) Quanto às circunstâncias à luz das quais o comportamento imputado à Microsoft deve ser analisado


 Argumentos das partes

291    A título principal, a Microsoft, apoiada pela CompTIA e pela ACT, alega que a primeira problemática deve ser apreciada à luz dos critérios reconhecidos pelo Tribunal de Justiça no acórdão Magill, já referido no n.° 107, e recordados no acórdão IMS Health, já referido no n.° 107.

292    Para sustentar esta tese, em primeiro lugar, a Microsoft repete que o artigo 5.° da decisão impugnada impõe a concessão obrigatória de licenças sobre os seus protocolos de comunicação, que são inovadores no plano tecnológico e estão abrangidos por direitos de propriedade intelectual.

293    Em segundo lugar, a Microsoft interpreta o argumento da Comissão exposto no n.° 302, infra, no sentido de que significa que esta considera que não deve aplicar os referidos critérios quando estão em causa «vendas ligadas tecnológicas». Ora, este argumento não tem qualquer apoio no processo em que foi proferido o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Outubro de 1994, Tetra Pak/Comissão (T‑83/91, Colect., p. II‑755), confirmado em sede de recurso pelo acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Novembro de 1996, Tetra Pak/Comissão (C‑333/94 P, Colect., p. I‑5951) (a seguir «processo Tetra Pak II»), invocado pela Comissão.

294    Em terceiro lugar, a Microsoft rejeita os argumentos que a Comissão extrai do facto de as circunstâncias do presente processo se distinguirem, alegadamente, das do processo em que foi proferido o acórdão IMS Health, referido no n.° 107.

295    A este respeito, em primeiro lugar, a Microsoft refere que, neste último processo, estavam em causa importantes efeitos de rede e que foi precisamente devido à existência desses efeitos que a estrutura de 1 860 módulos criada pela IMS Health foi considerada um padrão industrial. Acrescenta que a Comissão não invocou, na decisão impugnada, o argumento segundo o qual, ao recusar «permitir a compatibilidade», a Microsoft estava a prejudicar os objectivos de interesse geral definidos na Directiva 91/250. De qualquer forma, vagas considerações baseadas no interesse geral não podem justificar que seja ordenado a uma empresa conceder licenças. Por último, a Microsoft alega que a Directiva 91/250 não prevê nenhuma obrigação activa de divulgar informações.

296    Em segundo lugar, a Microsoft rejeita a alegação da Comissão segundo a qual utilizou o poder que detém no mercado dos sistemas operativos para PC clientes para conquistar o mercado dos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho. Alega que nem a decisão impugnada nem a resposta referem claramente qual é o poder de mercado de que fez uso nem a maneira como esse poder teria sido exercido.

297    Em terceiro lugar, a Microsoft considera que a alegação da Comissão de que rompeu com os níveis anteriores de fornecimento é errada tanto de direito como de facto e que não leva em conta os princípios enunciados no acórdão Bronner, referido no n.° 112. Afirma que nunca concedeu à Sun ou a outro fornecedor de sistemas operativos concorrentes uma licença sobre as especificações dos seus protocolos de comunicação. Refere que concedeu uma licença à AT&T, em 1994, sobre uma tecnologia de rede para permitir o desenvolvimento de um produto denominado «Advanced Server for UNIX (AS/U)» e que alguns produtos baseados em AS/U foram concebidos por importantes fornecedores UNIX, incluindo o sistema «PC NetLink» da Sun. Esclarece que, apesar de ter acordado com a AT&T, em 2001, não estender o acordo de licença para incluir novas tecnologias, a «tecnologia AS/U» e os produtos baseados nessa tecnologia permanecem disponíveis. Considera que o facto de ter, assim, concedido uma licença à AT&T, há mais de dez anos, sobre uma tecnologia determinada não pode obrigá‑la a conceder, no futuro e indefinidamente, licenças sobre todas as tecnologias com ela relacionadas, como os protocolos de comunicação.

298    Em quarto lugar, a Microsoft refere que, no considerando 577 da decisão impugnada, a Comissão afirma que «o facto de a Microsoft ter recusado fornecimentos à Sun faz parte de uma conduta mais alargada que se destina a não divulgar aos editores de sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho certas informações relativas à interoperabilidade». Considera que a linha de conduta que lhe é imputada corresponde à «aplicação de modo não discriminatório de uma política que praticamente todas as sociedades do sector tecnológico adoptam para proteger os frutos dos seus esforços de investigação e de desenvolvimento» e que esse comportamento não constitui uma «circunstância excepcional» na acepção dos acórdãos Magill e IMS Health, referido no n.° 107.

299    A título subsidiário, a Microsoft, apoiada pela CompTIA e pela ACT, alega que, no caso de se considerar que não está em causa nenhum direito de propriedade intelectual no presente processo, os critérios a aplicar devem ser os reconhecidos pelo Tribunal de Justiça no acórdão Bronner, referido no n.° 112, que correspondem ao primeiro, ao segundo e ao quarto critérios do acórdão IMS Health, referido no n.° 107, tais como foram enunciados no n.° 116.

300    Por último, a Microsoft, a CompTIA e a ACT alegam que nenhum dos quatro critérios do acórdão IMS Health, referido no n.° 107, nem, consequentemente, nenhum dos três critérios do acórdão Bronner, referido no n.° 112, se encontra preenchido no caso em apreço.

301    A título principal, a Comissão, apoiada pela SIIA e pela FSFE, alega que, mesmo que a recusa em causa fosse considerada justificada pelo exercício de direitos de propriedade intelectual e que a decisão impugnada impusesse a concessão obrigatória de licenças, a presente problemática não teria automaticamente de ser apreciada à luz dos critérios estabelecidos pela «jurisprudência IMS Health».

302    A este propósito, em primeiro lugar, a Comissão sustenta que a «regra das circunstâncias excepcionais» prevista na jurisprudência não pode aplicar‑se «enquanto tal, sem outras especificações» a uma recusa de divulgar segredos comerciais que tem por efeito a criação de um «vínculo tecnológico» entre um produto distinto e um produto dominante.

303    Em segundo lugar, a Comissão alega que o acórdão IMS Health, referido no n.° 107, não estabelece uma listagem taxativa de circunstâncias excepcionais. Alega que, nesse acórdão, como no acórdão Magill, referido no n.° 107, o Tribunal de Justiça enunciou as condições em que é possível adoptar uma decisão que preveja a concessão obrigatória de licenças, tendo em conta as circunstâncias específicas próprias de cada processo no âmbito dos quais esses acórdãos foram proferidos. Assim, no acórdão IMS Health, referido no n.° 107, o Tribunal de Justiça limitou‑se a estabelecer uma lista de critérios que «era suficiente» preencher. Na realidade, para determinar se o comportamento de uma empresa em posição dominante que recusa fornecimentos tem carácter abusivo, a Comissão deve analisar todos os factores que contextualizam essa recusa, nomeadamente o contexto económico e regulamentar específico em que ocorre.

304    Em terceiro lugar, a Comissão enumera os elementos que distinguem as circunstâncias do presente processo das do processo em que foi proferido o acórdão IMS Health, referido no n.° 107, e que permitem considerar que a recusa imputada à Microsoft constitui um abuso de posição dominante.

305    Em primeiro lugar, a Comissão refere que a decisão impugnada tem a particularidade de ser relativa a uma recusa de fornecer informações respeitantes à interoperabilidade no sector do software. Esta decisão destina‑se a permitir o desenvolvimento de produtos compatíveis com os da Microsoft enquanto os precedentes referidos por esta última têm por objecto situações em que o «produto protegido» devia ser incorporado nos produtos dos concorrentes por razões que estavam para além da preocupação de garantir a simples compatibilidade entre dois produtos distintos. Além disso, esses precedentes não dizem respeito aos problemas específicos que se colocam em sectores em que os efeitos de rede são omnipresentes. A Comissão acrescenta que, ao contrário do sector em causa no presente processo, os sectores económicos em causa nesses precedentes não eram «sectores em que o legislador tinha claramente reconhecido a utilidade da compatibilidade para a sociedade em geral». Mais especificamente, remetendo para os considerandos 745 a 763 da decisão impugnada, recorda a importância que o legislador comunitário deu à interoperabilidade, nomeadamente no âmbito da Directiva 91/250, bem como a posição defendida por este último, segundo a qual a divulgação de informações para fins de interoperabilidade é benéfica para a concorrência e a inovação.

306    Em segundo lugar, a Comissão invoca o facto de a presente problemática envolver um fornecedor em posição dominante que utiliza o poder de mercado que detém num mercado determinado, no caso concreto o dos sistemas operativos para PC clientes, para eliminar a concorrência num mercado vizinho, concretamente o dos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho, «reforçando assim os obstáculos à entrada no seu mercado inicial ao mesmo tempo que obtém um benefício do monopólio acrescido». Esta situação agrava o prejuízo que resulta já para os consumidores da restrição ao desenvolvimento de produtos novos.

307    Em terceiro lugar, a Comissão salienta que a presente problemática é relativa a um fornecedor em posição dominante que rompe com os níveis de fornecimento anteriores (considerandos 578 a 584 da decisão impugnada). Refere que, inicialmente, a Microsoft tinha como política divulgar, e não guardar para si, as informações relativas à interoperabilidade, o que tinha, nomeadamente, facilitado a introdução, no mercado, dos seus próprios sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho e de modo algum a dissuadiu de inovar. Todavia, depois de os seus «produtos servidores» estarem implantados de modo suficientemente sólido no mercado, a Microsoft mudou de atitude e optou por excluir os seus concorrentes, recusando dar‑lhes acesso às referidas informações (considerandos 587, 588, 637 e seguintes da decisão impugnada).

308    A Comissão considera que a Microsoft não pode contestar o facto de ter rompido com os níveis de fornecimento anteriores. A este respeito, refere, antes de mais, que o acordo celebrado entre a Microsoft e a AT&T, que permitiu a esta última desenvolver o AS/U, era relativo à divulgação não só de informações relativas à interoperabilidade do tipo da que estão em causa na decisão impugnada, mas também a outras informações. Em segundo lugar, a Comissão considera que o facto de a tecnologia AS/U se manter disponível não é relevante. Remetendo para os considerandos 580 a 583 da decisão impugnada, refere, a este propósito, que a divulgação levada a cabo «no âmbito do AS/U» está agora ultrapassada, uma vez que a Microsoft alterou os protocolos relevantes nas versões posteriores do Windows. Por último, a Comissão considera que a afirmação da Microsoft segundo a qual o facto de ela ter concedido uma licença à AT&T, há mais de dez anos, sobre uma determinada tecnologia não a pode obrigar a conceder, para o futuro e indefinidamente, licenças sobre todas as tecnologias ligadas à primeira é irrelevante face à abordagem adoptada na decisão impugnada. Com efeito, a questão da ruptura com os níveis de fornecimento anteriores é tratada pela mesma decisão não como um abuso por si só, mas como um elemento de apreciação da recusa de fornecimentos imputada à Microsoft (considerandos 578 e seguintes da decisão impugnada).

309    Em quarto lugar, a Comissão refere que não considera que o simples facto de a recusa de conceder uma licença sobre direitos de propriedade intelectual fazer parte de uma linha de conduta geral constitua por si só uma «circunstância excepcional» suficiente para tornar essa recusa abusiva. Considera simplesmente que o facto de a Sun não ser a única concorrente a que a Microsoft recusou o acesso às informações relativas à interoperabilidade é uma circunstância relevante para apreciar a compatibilidade do seu comportamento com o artigo 82.° CE.

310    Quanto à argumentação que a Microsoft apresenta a título subsidiário, segundo a qual o presente processo devia ser analisado à luz dos critérios enunciados no acórdão Bronner, referido no n.° 112, a Comissão considera que não pode ser acolhida. Refere que esse acórdão é relativo ao acesso a uma infra‑estrutura que precisava de investimentos significativos e considera que, se se vier a demonstrar que as informações em causa no presente processo não são protegidas por direitos de propriedade intelectual, antes consistindo em combinações puramente arbitrárias de mensagens, o referido acórdão não é certamente um «termo de comparação adequado».

311    A título subsidiário, a Comissão, apoiada pela SIIA e pela FSFE, alega que, mesmo admitindo que a legalidade da decisão impugnada, na medida em que diz respeito à primeira problemática, deva ser apreciada à luz dos critérios adoptados pelo Tribunal de Justiça no acórdão IMS Health, referido no n.° 107, estes encontram‑se preenchidos no caso em apreço.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

312    Há que recordar que a Microsoft defende a tese de que a recusa de fornecer as informações relativas à interoperabilidade que lhe é imputada não constitui um abuso de posição dominante na acepção do artigo 82.° CE já que, por um lado, essas informações estão protegidas por direitos de propriedade intelectual – ou que constituem segredos comerciais – e, por outro, os critérios jurisprudenciais que permitem obrigar uma empresa em posição dominante a conceder uma licença a um terceiro não estão preenchidos no caso em apreço.

313    Deve igualmente ser recordado que a Comissão considera que não é necessário tomar posição sobre a questão de saber se o comportamento imputado à Microsoft constitui uma recusa de conceder uma licença sobre direitos de propriedade intelectual a um terceiro e se deve ser concedido aos segredos comerciais o mesmo grau de protecção que aos referidos direitos, uma vez que, de qualquer forma, os critérios estritos por força dos quais essa recusa pode ser considerada um abuso de posição dominante na acepção do artigo 82.° CE estão preenchidos no caso em apreço (v. n.os 284 a 288, supra).

314    Embora a Microsoft e a Comissão concordem, assim, em considerar que a recusa em causa pode ser apreciada à luz do artigo 82.° CE, pressupondo que constitui uma recusa de conceder uma licença sobre direitos de propriedade intelectual, não estão de acordo, em contrapartida, sobre os critérios jurisprudenciais aplicáveis nesse caso.

315    Assim, a Microsoft invoca, a título principal, os critérios enunciados nos acórdãos Magill e IMS Health, referidos no n.° 107, e, a título subsidiário, os estabelecidos no acórdão Bronner, referido no n.° 112.

316    A Comissão, por sua vez, considera que a aplicação «automática» dos critérios do acórdão IMS Health, referido no n.° 107, seria «problemática» no caso em apreço. Sustenta que, para determinar se a recusa tem carácter abusivo, incumbe‑lhe levar em conta todas as circunstâncias específicas no contexto da referida recusa, não tendo essas circunstâncias de ser necessariamente as mesmas que as identificadas nos acórdãos Magill e IMS Health, referidos no n.° 107. Assim, esclarece, no considerando 558 da decisão impugnada, que «[a] jurisprudência do Tribunal de Justiça leva […] a crer que a Comissão deve analisar todas as circunstâncias no contexto de um exemplo determinado de recusa de fornecimento e adoptar a sua decisão à luz dos resultados dessa análise completa».

317    Na audiência, a Comissão, questionada sobre este ponto pelo Tribunal de Primeira Instância, confirmou que tinha considerado, na decisão impugnada, que o comportamento imputado à Microsoft apresentava três características que permitiam qualificá‑lo como abusivo. A primeira característica é relativa ao facto de as informações que a Microsoft recusa divulgar aos seus concorrentes dizerem respeito à interoperabilidade no sector do software, ou seja, a uma questão a que o legislador comunitário dá especial importância. A segunda característica reside no facto de a Microsoft utilizar o extraordinário poder de mercado que detém no mercado dos sistemas operativos para PC clientes para eliminar a concorrência no mercado vizinho dos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho. A terceira característica reside no facto de o comportamento em causa implicar uma ruptura com os níveis de fornecimento anteriores.

318    A Comissão sustenta que, de qualquer forma, os critérios reconhecidos pelo Tribunal de Justiça nos acórdãos Magill e IMS Health, referidos no n.° 107, também se encontram preenchidos no caso em apreço.

319    Em resposta a estes diversos argumentos, há que referir que, como correctamente salienta a Comissão no considerando 547 da decisão impugnada, apesar de as empresas terem, em princípio, a liberdade de escolher os seus parceiros comerciais, a recusa de fornecimento proveniente de uma empresa em posição dominante pode, em determinadas circunstâncias e na medida em que não seja objectivamente justificada, constituir um abuso de posição dominante na acepção do artigo 82.° CE.

320    Assim, o Tribunal de Justiça considerou que uma sociedade em posição dominante no mercado das matérias‑primas que, com o objectivo de reservar essas matérias para a sua própria produção de derivados, recusava fornecê‑las a um cliente, que também era produtor desses produtos derivados, com o risco de eliminar qualquer concorrência por parte desse cliente, explorava a sua posição dominante de modo abusivo na acepção do artigo 82.° CE (acórdão do Tribunal de Justiça de 6 de Março de 1974, Istituto Chemioterapico Italiano e Comercial Solvents/Comissão, 6/73 e 7/73, Colect., p. 119; ver, no que diz respeito à recusa de fornecer um serviço, acórdão do Tribunal de Justiça de 3 de Outubro de 1985, CBEM, 311/84, Recueil, p. 3261).

321    No processo no âmbito do qual foi proferido o acórdão de 5 de Outubro de 1988, Volvo (238/87, Colect., p. 6211), foi submetida ao Tribunal de Justiça uma questão prejudicial, nos termos do artigo 234.° CE, para saber se o facto de um produtor de automóveis, titular de modelos industriais de painéis de carroçaria, recusar conceder uma licença a terceiros para o fornecimento de peças que incorporavam o modelo protegido devia ser considerado um abuso de posição dominante na acepção do artigo 82.° CE. No seu acórdão, o Tribunal de Justiça salientou que a faculdade de o titular de um modelo industrial protegido impedir terceiros de fabricarem, venderem ou importarem, sem o seu consentimento, produtos integrantes do modelo industrial constituía a própria essência do seu direito exclusivo. Concluiu (n.° 8) que «impor ao titular do modelo industrial protegido, a obrigação de conceder a terceiros, mesmo com royalties razoáveis a título de compensação, uma licença para o fornecimento de produtos integrantes do modelo industrial, teria por consequência privar aquele titular de parte essencial do seu direito exclusivo, e que, por isso, a recusa de concessão de semelhante licença não pode constituir, sem mais, um abuso de posição dominante». O Tribunal de Justiça acrescentou, todavia, que «o exercício do direito exclusivo pelo titular de um modelo industrial relativo a painéis de carroçaria de veículos automóveis pod[ia] ser proibido pelo artigo [82.° CE] se de[sse] origem, por parte de uma empresa em posição dominante, a certos comportamentos abusivos, tais como a recusa arbitrária de fornecer peças sobresselentes a garagens independentes, a fixação dos preços das peças sobresselentes a um nível não equitativo, ou a decisão de deixar de produzir peças sobresselentes para um determinado modelo, apesar de muitos veículos desse modelo ainda continuarem a circular, desde que esses comportamentos [pudessem] afectar o comércio entre Estados‑Membros» (n.° 9).

322    No acórdão Magill, referido no n.° 107, o Tribunal de Justiça, em sede de recurso, foi também chamado a pronunciar‑se sobre a questão da recusa de uma empresa dominante conceder uma licença a um terceiro para a utilização de um direito de propriedade intelectual. O processo no âmbito do qual esse acórdão foi proferido tinha por objecto uma decisão da Comissão em que esta tinha considerado que três sociedades de radiodifusão televisiva tinham abusado da posição dominante que detinham no mercado das suas listas de programas semanais e no dos guias televisivos em que essas listas eram publicadas, invocando os seus direitos de autor sobre as referidas listas para impedirem terceiros de publicar guias semanais completos da programação dos vários canais de televisão. A Comissão tinha ordenado, consequentemente, a essas sociedades de radiodifusão televisiva que fornecessem umas às outras e a terceiros mediante pedido e numa base não discriminatória a sua programação de emissões semanais previamente estabelecida e que permitissem a reprodução dessa programação por essas sociedades. Tinha esclarecido, nomeadamente, que os royalties exigidos pelas referidas sociedades no caso de optarem por fornecer e permitir a reprodução dessa programação através de licenças deviam ser de montante razoável.

323    No acórdão Magill, referido no n.° 107 (n.° 49), o Tribunal de Justiça, fazendo referência ao acórdão Volvo, referido no n.° 321, declarou que «o direito exclusivo de reprodução faz[ia] parte das prerrogativas do autor, de forma que uma recusa de autorização, mesmo quando proveniente de uma empresa em posição dominante, não pod[ia] constituir em si mesma um abuso desta posição». Continuando a remeter para o acórdão Volvo, referido no n.° 321, esclareceu que, todavia, «o exercício do direito exclusivo pelo titular pod[ia], em circunstâncias excepcionais, dar lugar a um comportamento abusivo» (n.° 50).

324    O Tribunal de Justiça considerou que, para demonstrar o carácter abusivo do comportamento imputado às sociedades de radiodifusão televisiva em causa, eram pertinentes as seguintes circunstâncias. Em primeiro lugar, a recusa imputada a essas sociedades dizia respeito a um produto, a lista da programação semanal dos canais de televisão, cujo fornecimento era indispensável ao exercício da actividade em causa, a edição de um guia semanal completo dos programas de televisão (n.° 53). Em segundo lugar, essa recusa constituía um entrave ao lançamento de um produto novo, um guia semanal completo dos programas de televisão, que as referidas sociedades de radiodifusão televisiva não ofereciam, e para o qual existia uma procura potencial por parte dos consumidores, o que constituía um abuso na acepção do artigo 82.°, segundo parágrafo, alínea b), CE (n.° 54). Em terceiro lugar, a referida recusa não era justificada (n.° 55). Por último, em quarto lugar, pelo seu comportamento, essas sociedades de radiodifusão televisiva reservaram para si um mercado derivado, o dos guias semanais de televisão, excluindo toda a concorrência neste mercado (n.° 56).

325    No processo no âmbito do qual foi proferido o acórdão Bronner, referido no n.° 112, foi submetida ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 234.° CE, a questão de saber se o facto de um grupo de imprensa, que detinha uma parte muito importante do mercado austríaco dos jornais diários e que explorava o único sistema de distribuição domiciliária de jornais à escala nacional existente na Áustria, recusar o acesso a esse sistema, contra o pagamento de uma remuneração adequada ao editor de um quotidiano concorrente, ou de apenas consentir em facultar‑lhe o acesso a esse sistema se o mesmo adquirisse aos grupo determinados serviços complementares, constituía um abuso de posição dominante contrário ao artigo 82.° CE.

326    Nesse acórdão (n.° 38), o Tribunal de Justiça referiu, antes de mais, que, embora nos acórdãos Istituto Chemioterapico Italiano e Comercial Solvents/Comissão e CBEM, referidos no n.° 320, tivesse julgado abusivo o facto de uma empresa que detém uma posição dominante num determinado mercado recusar fornecer a uma empresa com a qual se encontra em concorrência num mercado próximo, respectivamente, matérias‑primas e serviços indispensáveis ao exercício das suas actividades, fê‑lo na medida em que o comportamento em causa era susceptível de eliminar toda e qualquer concorrência por parte dessa empresa.

327    Em seguida, o Tribunal de Justiça referiu (n.° 39) que, nos n.os 49 e 50 do acórdão Magill, referido no n.° 107, confirmou que a recusa de autorização, por parte do titular de um direito de propriedade intelectual e mesmo quando proveniente de uma empresa em posição dominante, não pode constituir em si mesma um abuso desta posição, mas que o exercício do direito exclusivo pelo titular pode, em circunstâncias excepcionais, dar lugar a um comportamento abusivo.

328    Por último, recordou as circunstâncias excepcionais que considerou existirem no acórdão Magill, referido no n.° 107, antes de declarar (n.° 41):

«[M]esmo supondo que esta jurisprudência referente ao exercício de um direito de propriedade intelectual seja aplicável ao exercício de qualquer direito de propriedade, seria ainda necessário, para que [esse] acórdão […] pudesse ser utilmente invocado para concluir pela existência de um abuso na acepção do artigo [82.° CE] numa situação como a que é objecto da […] questão prejudicial, não só que a recusa do serviço que constitui a distribuição domiciliária [fosse] de natureza a eliminar toda e qualquer concorrência no mercado dos jornais diários por parte de quem procura o serviço e não [pudesse] ser objectivamente justificada, mas ainda que o serviço [fosse] em si mesmo indispensável para o exercício da sua actividade, no sentido de que não exista qualquer substituto real ou potencial para o sistema de distribuição domiciliária.»

329    No acórdão IMS Health, referido no n.° 107, o Tribunal de Justiça pronunciou‑se novamente sobre as condições em que a recusa por uma empresa em posição dominante de conceder a um terceiro uma licença para a utilização de um produto protegido por um direito de propriedade intelectual podia constituir um comportamento abusivo na acepção do artigo 82.° CE.

330    O Tribunal de Justiça reafirmou (n.° 34), antes de mais, fazendo referência ao acórdão Volvo, referido no n.° 321, e ao acórdão Magill, referido no n.° 107, que, segundo jurisprudência bem assente, o direito exclusivo de reprodução faz parte das prerrogativas do titular de um direito de propriedade intelectual, de modo que a recusa de concessão de uma licença, ainda que seja um acto de uma empresa em posição dominante, não pode constituir em si própria um abuso desta. Referiu igualmente (n.° 35) que resultava desta mesma jurisprudência que o exercício do direito exclusivo do titular podia, em circunstâncias excepcionais, dar lugar a um comportamento abusivo. Em seguida, depois de ter recordado as circunstâncias excepcionais que considerou existirem no acórdão Magill, referido no n.° 107, o Tribunal de Justiça declarou (n.° 38) que resultava da referida jurisprudência que, para que a recusa de uma empresa titular de um direito de autor de permitir o acesso a um produto ou a um serviço indispensável para exercer uma determinada actividade possa ser qualificada de abusiva, basta que estejam preenchidos três requisitos cumulativos, a saber, que essa recusa obste à aparição de um novo produto para o qual existe uma potencial procura por parte dos consumidores, que careça de justificação e que seja susceptível de excluir toda a concorrência no mercado derivado.

331    Resulta da jurisprudência acima recordada que o facto de uma empresa que detém uma posição dominante recusar conceder a um terceiro uma licença para a utilização de um produto abrangido por um direito de propriedade intelectual não constitui por si só um abuso de posição dominante na acepção do artigo 82.° CE. Só em circunstâncias excepcionais é que o exercício do direito exclusivo pelo titular do direito de propriedade intelectual pode dar origem a esse abuso.

332    Resulta igualmente dessa jurisprudência que devem ser consideradas excepcionais, nomeadamente, as seguintes circunstâncias:

–        em primeiro lugar, o facto de a recusa dizer respeito a um produto ou um serviço indispensável para o exercício de determinada actividade num mercado derivado;

–        em segundo lugar, o facto de a recusa ser susceptível de excluir toda e qualquer concorrência efectiva nesse mercado derivado;

–        em terceiro lugar, o facto de a recusa constituir um entrave ao lançamento de um produto novo para o qual exista uma procura potencial por parte dos consumidores.

333    Se for demonstrado que estas circunstâncias se verificam, a recusa por parte do titular em posição dominante de conceder uma licença pode constituir uma violação do artigo 82.° CE, a não ser que seja objectivamente justificada.

334    Há que observar que a circunstância de a recusa constituir um entrave ao lançamento de um produto novo para o qual exista uma procura potencial por parte dos consumidores consta apenas da jurisprudência relativa ao exercício de um direito de propriedade intelectual.

335    Por último, há que acrescentar que, para que uma recusa de concessão do acesso a um produto ou a um serviço indispensável ao exercício de uma determinada actividade possa ser considerada abusiva, devem distinguir‑se dois mercados, concretamente, por um lado, um mercado constituído pelo referido produto ou o referido serviço e em que a empresa autora da recusa detém uma posição dominante e, por outro, um mercado derivado no qual o produto ou o serviço em causa é utilizado para a produção de um outro produto ou para fornecimento de um outro serviço. Há que esclarecer que o facto de o produto ou o serviço indispensável não ser comercializado de modo separado não exclui à partida a possibilidade de identificar um mercado distinto (v., neste sentido, acórdão IMS Health, referido no n.° 107, n.° 43). Assim, o Tribunal de Justiça declarou, no n.° 44 do acórdão IMS Health, referido no n.° 107, que bastava que pudesse ser identificado um mercado potencial, ou mesmo hipotético, assim sucedendo quando os produtos ou serviços são indispensáveis para exercer uma determinada actividade e existe, para estes, uma procura efectiva pelas empresas que decidem exercer essa actividade. O Tribunal de Justiça concluiu, no número seguinte do acórdão, que era determinante que pudessem ser identificados dois estádios de produção diferentes, ligados pelo facto de o produto a montante ser um elemento indispensável para o fornecimento do produto a jusante.

336    Tendo em conta os elementos expostos, o Tribunal de Primeira Instância considera que deve, antes de mais, verificar se as circunstâncias referidas nos acórdãos Magill e IMS Health, referidos no n.° 107, recordadas nos n.os 332 e 333, estão também presentes no caso em apreço. Só no caso de não se verificarem uma ou várias dessas circunstâncias é que o Tribunal de Primeira Instância apreciará as circunstâncias específicas invocadas pela Comissão (v. n.° 317, supra).

 ii)   Quanto ao carácter indispensável das informações relativas à interoperabilidade


 Argumentos das partes

337    A Microsoft sustenta que as informações relativas à interoperabilidade referidas na decisão impugnada não são indispensáveis ao exercício da actividade de fornecedor de sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho. Afirma que uma determinada tecnologia não pode ser qualificada de indispensável se, apesar de a ela não terem acesso, for «economicamente viável» para os concorrentes da empresa em posição dominante desenvolver e comercializar os seus produtos.

338    A Microsoft considera que a decisão impugnada padece de um erro de direito e de um erro de facto neste ponto.

339    Em primeiro lugar, relativamente ao erro de direito, a Microsoft sustenta que este reside no facto de a Comissão ter utilizado um critério inadequado, extraordinário e absoluto para «avaliar se podia haver concorrência». Remetendo para os considerandos 176 a 184 da decisão impugnada, alega que esta decisão considera que os sistemas operativos para servidores concorrentes da Microsoft devem ter a possibilidade de comunicar com os sistemas operativos Windows para PC clientes e para servidores exactamente da mesma maneira que os sistemas operativos Windows para servidores. Ora, a jurisprudência não exige que seja concedido este «acesso optimizado» ao mercado.

340    Na réplica, a Microsoft critica o facto de a Comissão ter apreciado o grau de interoperabilidade exigido em função do que era necessário para permitir aos seus concorrentes permanecerem de modo viável no mercado. Alega que o conceito de interoperabilidade utilizado pela Comissão nos considerandos 666 a 687 da decisão impugnada não é razoável, na medida em que implica uma «quase‑identidade» entre os sistemas operativos Windows para servidores e os sistemas operativos concorrentes. Remetendo para as passagens dos considerandos 669 e 679 da decisão impugnada acima mencionados no n.° 126, alega que, se fosse de adoptar esse conceito, «toda a tecnologia seria indispensável». A Microsoft acrescenta que a única justificação invocada na decisão impugnada para sustentar que esse «nível» de interoperabilidade é indispensável para que os concorrentes possam permanecer no mercado em condições viáveis tem a ver com o facto de o acesso às especificações em causa poder permitir‑lhes evitar que os utilizadores tenham que «se identificar duas vezes» (considerando 183 da decisão impugnada). Considera que esta justificação é inadequada uma vez que, em primeiro lugar, vários vendedores fornecem já soluções de «identificação única», em segundo lugar, o facto de dever identificar‑se duas vezes constitui claramente uma solução alternativa (mesmo que um pouco menos prática) e, em terceiro lugar, a medida correctiva prevista no artigo 5.° da decisão impugnada vai muito para além do necessário para dar resposta a esse problema menor.

341    Também na réplica, a Microsoft, depois de ter remetido para os argumentos acima reproduzidos nos n.os 125 a 128 e de ter repetido que a medida correctiva prevista no artigo 5.° da decisão impugnada não permitirá aos seus concorrentes desenvolver produtos «quase iguais» aos sistemas operativos Windows para servidores, alega que a Comissão ainda não demonstrou a existência de um nexo de causalidade entre a «indisponibilidade» de especificações para os seus protocolos de comunicação e o facto de os seus concorrentes não terem a possibilidade, alegadamente, de permanecer de modo viável no mercado.

342    Nas suas observações sobre os articulados dos intervenientes, a Microsoft contesta que os agentes do mercado e os consumidores exijam uma «substituibilidade perfeita» e afirma que essa exigência vai muito para além do «critério do carácter indispensável» enunciado pelo Tribunal de Justiça nos acórdãos Bronner, referido no n.° 112, e IMS Health, referido no n.° 107. Observa, nomeadamente, que os seus concorrentes «não precisam do Active Directory», uma vez que os seus sistemas operativos para servidores dispõem dos seus próprios serviços de directório, que têm a capacidade de fornecer serviços de grupos de trabalho aos sistemas operativos Windows para PC clientes e para servidores.

343    Em segundo lugar, a Microsoft considera que a decisão impugnada padece de um erro de facto, na medida em que a Comissão não levou em conta o facto de se encontrarem presentes no mercado vários sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho. Alega que as empresas na Europa continuam a manter redes informáticas heterogéneas, ou seja, que trabalham com sistemas operativos fornecidos por diferentes distribuidores.

344    A este respeito, a Microsoft recorda que, no âmbito do procedimento administrativo, apresentou relatórios em que peritos informáticos descrevem «os meios para garantir a interoperabilidade dentro das redes informáticas». Acrescenta que as respostas aos pedidos de esclarecimento da Comissão confirmam que a interoperabilidade entre vários tipos de sistemas operativos é corrente nas redes informáticas na Europa. Assim, 47% das sociedades que responderam a esses pedidos de esclarecimento referiram que utilizavam sistemas operativos para servidores concorrentes da Microsoft para fornecer serviços de partilha de ficheiros e de impressoras a sistemas operativos Windows para PC clientes. Existem provas semelhantes no que diz respeito aos serviços de gestão dos utilizadores e dos grupos de utilizadores. Por outro lado, a Microsoft repete que resulta dos relatórios Mercer que as empresas não se sentem condicionadas, na sua escolha de sistemas operativos para servidores, por considerações ligadas à interoperabilidade.

345    A Microsoft alega igualmente que a interoperabilidade entre os sistemas operativos para servidores concorrentes e os sistemas operativos Windows para PC clientes e para servidores pode ser realizada através de cinco métodos diferentes. Cada um desses métodos é uma alternativa à divulgação dos protocolos de comunicação em causa e permite que esses vários sistemas operativos «funcionem correctamente juntos». A Microsoft alega que, embora seja verdade que a «substituibilidade perfeita», que a Comissão considera essencial, não pode ser obtida recorrendo a esses vários métodos, estes permitem, todavia, atingir facilmente o «nível mínimo de interoperabilidade […] necessário para garantir uma concorrência efectiva».

346    Os cinco métodos invocados pela Microsoft são os seguintes: em primeiro lugar, a utilização dos protocolos de comunicação padrão, como os protocolos TCP/IP (Transmission Control Protocol/Internet Protocol) e HTTP (HyperText Transfer Protocol); em segundo lugar, a inserção de um código informático no sistema operativo Windows para PC clientes ou para servidores para permitir a este sistema comunicar com um sistema operativo para servidores concorrente da Microsoft utilizando protocolos de comunicação específicos deste último sistema operativo; em terceiro lugar, a inserção de um código informático num sistema operativo para servidores concorrente para lhe permitir comunicar com um sistema operativo Windows para PC clientes ou para servidores utilizando os protocolos de comunicação próprios dos sistemas operativos Windows; em quarto lugar, a utilização de um sistema operativo para servidores como «porta» entre dois conjuntos diferentes de protocolos de comunicação; em quinto lugar, a inserção de um bloco de códigos de software em todos os sistemas operativos para PC clientes e para servidores de uma rede que permita assegurar a interoperabilidade através de comunicações entre os diversos blocos de códigos de software. No mesmo contexto, a Microsoft alega que Comissão não demonstrou, na decisão impugnada que a engenharia de inversão dos seus protocolos de comunicação era «técnica ou economicamente impossível.»

347    A Microsoft acrescenta que resulta das provas recolhidas pela Comissão no procedimento administrativo que os referidos métodos funcionam, na prática, para os produtos Linux e para os outros sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho. Salienta que os editores de produtos Linux não pararam de conquistar quotas de mercado no mercado dos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho, e isto sem terem tido acesso às especificações dos seus protocolos de comunicação. Remetendo para as secções D e E de um relatório elaborado por Evans, Nichols e Padilla (anexo C.11 da réplica), acrescenta que esses produtos continuarão a progredir em detrimento dos sistemas operativos Windows para servidores. Esclarece ainda que é geralmente reconhecido que a Linux é um concorrente sério da Microsoft e que os dez maiores fornecedores dos Estados Unidos de servidores que custam menos de 25 000 dólares (USD) propõem servidores de grupos de trabalho que utilizam Linux.

348    A CompTIA e a ACT invocam, no essencial, argumentos que vão no mesmo sentido dos da Microsoft.

349    A CompTIA critica, nomeadamente, o facto de a Comissão considerar que os sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho concorrentes devem atingir um grau de interoperabilidade com os sistemas operativos Windows para PC clientes «tão bom como o realizado pela própria Microsoft».

350    Remetendo para os argumentos que a Microsoft desenvolveu sobre este ponto nos seus articulados, a ACT alega que existem vários métodos que permitem assegurar uma interoperabilidade suficiente entre os sistemas operativos de diferentes fornecedores Por outro lado, receia que o modo como a Comissão interpreta o critério do carácter indispensável tenha efeitos negativos na inovação.

351    A Comissão alega que a divulgação, pela Microsoft, das informações relativas à interoperabilidade aos seus concorrentes é indispensável para lhes permitir continuar a participar na concorrência no mercado dos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho.

352    Em primeiro lugar, no que diz respeito ao alegado erro de direito, a Comissão afirma que as alegações da Microsoft assentam numa apresentação não exacta da sua posição e numa confusão entre diferentes questões analisadas na decisão impugnada. Explica que o critério do carácter indispensável impõe que se determine, por um lado, qual o grau de interoperabilidade necessário para permanecer no mercado como concorrente viável e, por outro, se as informações que a Microsoft recusou divulgar são a única fonte economicamente viável para atingir esse grau de interoperabilidade.

353    Depois de ter salientado que as informações que a Microsoft recusa divulgar estão «ligadas, de um ponto de vista funcional, aos PC clientes», a Comissão esclarece que o carácter indispensável das referidas informações decorre, por um lado, da importância da interoperabilidade com os PC clientes para os sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho (considerandos 383 a 386 da decisão impugnada) e, por outro, do quase‑monopólio que a Microsoft detém no mercado dos sistemas operativos para PC clientes.

354    A Comissão observa igualmente que procedeu à análise do critério do carácter indispensável, tal como é definido pela jurisprudência, nos considerandos 666 a 686 da decisão impugnada e que verificou, nomeadamente, se existiam outras soluções para além da divulgação das informações em causa para permitir às empresas concorrerem com a Microsoft de modo viável no mercado dos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho.

355    Segundo a Comissão, a Microsoft considera que o simples facto de existirem soluções de interoperabilidade ineficazes, que permitem apenas aos seus concorrentes conseguir um acesso de «minimis» ao mercado ou proteger posições de «minimis» no mesmo mercado, demonstra que o critério do carácter indispensável não se encontra preenchido. Esta tese não pode ser acolhida, devendo o referido critério ser apreciado em conformidade com o objectivo de preservar uma estrutura concorrencial efectiva benéfica para os consumidores. Na realidade, o que está em causa é saber se as informações cuja divulgação foi recusada são indispensáveis para exercer uma actividade no mercado em causa, «enquanto factor de limitação concorrencial viável e não enquanto agente de minimis que abandonou efectivamente o mercado para ocupar um ‘nicho’».

356    Na tréplica, a Comissão esclarece que a tese que defende é a de que uma empresa dominante não tem o direito de comprometer a concorrência efectiva num mercado derivado recusando abusivamente aos seus concorrentes o acesso a um «input» necessário à sua viabilidade. Acrescenta que, se não existe nenhuma solução alternativa ao «input» recusado susceptível de permitir aos concorrentes exercer uma pressão concorrencial efectiva sobre a empresa dominante no mercado derivado, então é evidente que o referido «input» é indispensável à manutenção de uma concorrência efectiva.

357    Também na tréplica a Comissão repete que existe toda uma gama de graus possíveis de interoperabilidade entre os PC Windows e os sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho. Alega que não fixou a priori num nível determinado o grau de interoperabilidade indispensável para a manutenção de uma concorrência efectiva no mercado, mas que baseou as suas conclusões na matéria no carácter manifestamente insatisfatório dos métodos alternativos aos quais os concorrentes da Microsoft já tinham recorrido e que «não proporcionavam o nível de interoperabilidade exigido pelos clientes de modo economicamente viável». Nega novamente ter exigido um grau de interoperabilidade que atinge a «quase‑identidade» alegada pela Microsoft e refere que considera que é indispensável que os concorrentes da Microsoft sejam não autorizados a reproduzir as soluções de interoperabilidade implementadas por esta última mas sim colocados numa situação que lhes permita atingir «um grau de interoperabilidade equivalente através dos seus próprios esforços de inovação». Por último, a Comissão refere que foi nos considerandos 590 a 692 da decisão impugnada que analisou as «consequências graves» que o grau limitado de interoperabilidade com os sistemas operativos Windows para PC clientes tem para os concorrentes e para os clientes. Esclarece, nomeadamente, que o comportamento imputado à Microsoft tem por efeito eliminar progressivamente todos os concorrentes desta última do mercado dos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho, e isto apesar do facto de alguns deles terem usufruído originariamente de uma vantagem comercial ou tecnológica significativa em comparação com a Microsoft, no referido mercado (considerandos 587 e 668 da decisão impugnada).

358    Em segundo lugar, a Comissão rejeita as alegações relativas ao suposto erro de facto.

359    Em primeiro lugar, invoca que não está demonstrado que as soluções avançadas pelos peritos informáticos nos relatórios apresentados pela Microsoft no procedimento administrativo constituam alternativas comercialmente viáveis à divulgação das informações relativas à interoperabilidade.

360    Em segundo lugar, o argumento que a Microsoft extrai das respostas aos pedidos de esclarecimento da Comissão é irrelevante na medida em que «significa que a interoperabilidade com actores pouco importantes é suficiente, ou que existe já uma certa interoperabilidade». Na realidade, a Microsoft não levou em conta que os seus concorrentes entraram no mercado dos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho antes de ela própria começar a distribuir esse tipo de produtos. O facto de as informações em causa serem indispensáveis para permitir a esses concorrentes continuar a representar um factor de limitação concorrencial viável face aos produtos da Microsoft leva à eliminação progressiva dos referidos concorrentes. O facto de esta eliminação ainda não estar concluída não demonstra que o critério do carácter indispensável não está preenchido, uma vez que o que importa é saber se as informações são indispensáveis para conservar a posição de concorrente viável no mercado.

361    Em terceiro lugar, relativamente aos cinco métodos alternativos que permitem garantir a interoperabilidade entre os sistemas operativos fornecidos por diversos distribuidores invocados pela Microsoft, a Comissão refere que esta última não contestou as conclusões a que chegou, nesta matéria, na decisão impugnada, limitando‑se a afirmar que esses métodos são «realizáveis» e que permitem aos seus produtos e aos dos seus concorrentes «funcionar correctamente juntos».

362    A Comissão recorda que, na decisão impugnada, já analisou os referidos métodos e, em particular, a questão de saber se a engenharia de inversão podia constituir uma alternativa à divulgação das informações relativas à interoperabilidade (considerandos 683 a 687 da decisão impugnada), e demonstrou que não constituíam «substitutos viáveis» à divulgação das informações relativas à interoperabilidade em causa.

363    Em quarto lugar, a Comissão rejeita a alegação da Microsoft de que a análise feita na decisão impugnada é desmentida pela entrada e pelo alegado crescimento da Linux no mercado dos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho.

364    Esclarece, antes de mais, que os números relativos à Linux «não [traduzem] a entrada no mercado de um operador único, mas antes os esforços de um certo número de editores concorrentes que usam Linux (Red Hat, Novel/SuSE, IBM, Sun, etc.)». A quota de mercado de cada um destes editores concorrentes é, por conseguinte, «minúscula».

365    Em seguida, a Comissão critica as conclusões da secção D do relatório de Evans, Nichols e Padilla que constam do anexo C.11 da réplica, alegando que:

–        como foi referido, nomeadamente nos considerandos 487 a 490 da decisão impugnada, os dados provenientes da International Data Corporation (IDC) que foram utilizados por esses peritos para redigir esse relatório são aproximativos e não são adequados, assim, por si só, para apreciar a evolução do mercado;

–        o mesmo «se diga, por maioria de razão, a alterações anuais perfeitamente marginais em comparação com a dimensão global do mercado»;

–        nada prova que a quota de mercado de 6,75% que a Linux detém em termos de unidades vendidas, calculada pela Microsoft em função de um factor de extrapolação relativo a todos os servidores, se aplique ao mercado dos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho;

–        os dois exemplos de respostas ao estudo de mercado de 2003 invocados pelos peritos para demonstrar que é possível utilizar, com a Linux, soluções de interoperabilidade baseadas na técnica da engenharia de inversão não são representativos, na medida em que as entidades em causa são duas das três únicas entidades, num total das mais de 100, que participaram nesse estudo de mercado, que «utilizavam o Linux/Samba em medida não insignificante»;

–        os peritos não fornecem nenhuma informação sobre o modo segundo o qual os restantes quatro métodos que permitem garantir a interoperabilidade entre os sistemas operativos fornecidos por diversos distribuidores invocados pela Microsoft teriam podido permitir o alegado crescimento da Linux no mercado durante o período durante o qual foi considerado que houve abuso relativo à recusa de fornecimento.

366    Do mesmo modo, a Comissão critica as conclusões que constam da secção E do mesmo relatório. Alega o seguinte:

–        já refutou, nos considerandos 605 a 610 da decisão impugnada, os argumentos que a Microsoft extrai das previsões da IDC e dos resultados da terceira sondagem realizada pela Mercer;

–        a IDC tem tendência para sobrestimar as previsões das quotas de mercado da Linux no que diz respeito às subcategorias «gestão de rede» e «partilha de ficheiros/de impressoras»;

–        a «migração» do sistema operativo Windows NT para o sistema operativo Linux mencionada no relatório de 8 de Março de 2004 da Merrill Lynch (anexo 7 ao anexo C.11 da réplica) pode ser um fenómeno pontual, uma vez que o Windows NT é um «produto ultrapassado que já não é suportado pela Microsoft»;

–        o relatório de 25 de Maio de 2004 do Yankee Group (anexo 9 ao anexo C.11 da réplica) é relativo aos sistemas operativos para servidores em geral, e não aos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho, e portanto, em grande parte, é irrelevante para efeitos do presente processo;

–        o relatório de 27 de Maio de 2004 da Forrester Research (anexo 10 ao anexo C.11 da réplica) não diz principalmente respeito aos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho e contém afirmações que contrariam a tese defendida pela Microsoft, nomeadamente a de que 92% das pessoas questionadas utilizarão o Active Directory em 2006.

367    A SIIA invoca, no essencial, os mesmos argumentos que a Comissão. Salienta que é essencial para a concorrência pelo mérito no sector do software que os fornecedores de sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho tenham a possibilidade de realizar a interoperabilidade com os produtos quase monopolísticos da Microsoft «em igualdade de armas» com ela. Alega que, para poderem exercer uma concorrência efectiva no mercado, é indispensável que esses fornecedores tenham acesso às informações relativas à interoperabilidade em causa.

368    A FSFE rejeita a argumentação da Microsoft baseada na existência de cinco métodos alternativos que permitem garantir a interoperabilidade. Afirma, nomeadamente, que, «[t]ecnicamente, todos esses métodos descrevem cenários realistas», mas que «omitem um elemento fundamental: a autenticação». Explica, a este respeito, que a Microsoft realizou um «acoplamento rígido» dos seus sistemas operativos Windows para PC clientes com os seus próprios «servidores de autenticação», de modo que é simplesmente impossível separar a tarefa de autenticação das outras tarefas executadas pelos servidores de grupos de trabalho que tenham o Windows instalado.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

369    Como já foi referido no n.° 207, a Comissão adoptou um raciocínio a dois tempos para determinar se as informações em causa eram indispensáveis, no sentido de que, antes de mais, verificou qual era o grau de interoperabilidade com a arquitectura de domínio Windows que os sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho fornecidos pelos concorrentes da Microsoft deviam atingir para poderem permanecer de modo viável no mercado e, em seguida, verificou se as informações relativas à interoperabilidade que a Microsoft recusou divulgar eram indispensáveis para atingir esse grau de interoperabilidade.

370    A Microsoft alega que este raciocínio está errado de direito e de facto.

–       Quanto ao alegado erro de direito

371    Os argumentos da Microsoft relativos ao alegado erro de direito cometido pela Comissão dizem respeito à primeira fase do seu raciocínio.

372    A Microsoft critica, antes de mais, o grau de interoperabilidade exigido pela Comissão no caso em apreço, considerando, no essencial, que a sua posição leva a exigir que os sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho dos seus concorrentes tenha a possibilidade de comunicar com os sistemas operativos Windows para PC clientes e para servidores exactamente da mesma forma que os sistemas operativos Windows para servidores. Repete que esse grau de interoperabilidade implica uma quase‑identidade entre estes últimos sistemas e os dos seus concorrentes.

373    Estas alegações não devem ser acolhidas.

374    A este respeito, o Tribunal de Primeira Instância recorda que já acima referiu, nos n.os 207 a 245, qual era o grau de interoperabilidade que a Comissão tinha adoptado na decisão impugnada. Referiu, nomeadamente, que a Comissão considerou que, para poderem concorrer de modo viável com os sistemas operativos Windows para servidores de grupos de trabalho, os sistemas operativos concorrentes têm de ter a possibilidade de interoperar com a arquitectura de domínio Windows em pé de igualdade com esses sistemas Windows (v. n.° 230, supra). Esclareceu que a interoperabilidade, tal como é concebida pela Comissão, tem duas componentes indissociáveis, ou seja, a interoperabilidade cliente‑servidor e a interoperabilidade servidor‑servidor, e que implica nomeadamente que um servidor em que esteja instalado um sistema operativo para servidores de grupos de trabalho concorrente da Microsoft possa agir como controlador de domínio dentro de um domínio Windows que utilize o Active Directory e, por conseguinte, possa participar no mecanismo da replicação entre controladores de domínio múltiplos com os outros controladores de domínio (v. n.os 231 e 233, supra).

375    O Tribunal também já declarou que, contrariamente ao que alega a Microsoft, a Comissão, ao adoptar esse grau de interoperabilidade, não pretendia que os sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho concorrentes funcionassem sob todos os pontos de vista como um sistema operativo Windows para servidores de grupos de trabalho e que, consequentemente, os seus concorrentes pudessem desenvolver sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho iguais, ou mesmo «virtualmente iguais», aos seus (v. n.os 234 a 242, supra).

376    Em seguida, a Microsoft critica o facto de a Comissão ter apreciado o grau de interoperabilidade exigido em função do que, segundo afirma, é necessário para permitir que os criadores de sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho concorrentes permaneçam de modo viável no mercado.

377    Basta referir, a este propósito, que o Tribunal já confirmou, no n.° 229, a correcção da abordagem adoptada pela Comissão.

378    Por último, a Microsoft alega que não é necessário que os sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho dos seus concorrentes atinjam o grau de interoperabilidade exigido pela Comissão para poderem permanecer de modo viável no mercado.

379    Importa salientar que a análise feita pela Comissão na decisão impugnada a respeito desta questão assenta em apreciações económicas complexas que, por conseguinte, só podem ser objecto de uma fiscalização limitada por parte do Tribunal de Primeira Instância (v. n.° 87, supra).

380    Ora, como resulta das considerações que se tecerão de seguida, a Microsoft não demonstrou que a referida análise seja manifestamente errada.

381    A este respeito, em primeiro lugar, importa referir que a Microsoft não demonstrou que a conclusão da Comissão segundo a qual «a interoperabilidade com o sistema operativo para PC clientes tem uma importância concorrencial significativa no mercado dos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho» (considerando 586 da decisão impugnada) é manifestamente errada.

382    Muito pelo contrário, vários elementos confirmam a correcção dessa conclusão.

383    Assim, como resulta, nomeadamente, das explicações técnicas sobre os produtos em causa contidas nos considerandos 21 a 59 da decisão impugnada, bem como das que foram dadas pelos peritos das partes na audiência, devemos manter presente que, por natureza, os programas de computador não funcionam de modo isolado, sendo antes concebidos para comunicar e funcionar com outros programas de computador e com hardware, especialmente no âmbito das redes (v., igualmente, no n.° 157, supra, décimo considerando da Directiva 91/250).

384    Há que referir igualmente que, dentro das redes informáticas das organizações, a necessidade do funcionamento conjunto é particularmente forte no que diz respeito aos sistemas operativos para PC clientes, por um lado, e aos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho, por outro. Com efeito, como salienta a Comissão no considerando 383 da decisão impugnada e como já foi acima referido no n.° 161, os serviços de partilha de ficheiros e de impressoras, bem como de gestão dos utilizadores e dos grupos de utilizadores, estão intimamente ligados à utilização dos PC clientes e são fornecidos aos utilizadores de PC clientes como um conjunto de tarefas ligadas entre si. Como explicaram os peritos das partes na audiência, dentro das redes informáticas, as relações entre os servidores de grupos de trabalho, por um lado, e os PC clientes, por outro, são «estimuladas» ou «provocadas» por acções ou pedidos dos utilizadores de PC clientes, como, nomeadamente, a introdução de um nome e de uma palavra passe, a criação de um ficheiro ou o pedido de impressão de um documento. No mesmo sentido, a Comissão concluiu correctamente, no considerando 532 da decisão impugnada, que «[o]s PC clientes e os servidores de grupos de trabalho são nós numa rede informática e […] estão, por conseguinte, fisicamente ligados entre si». Por último, deve recordar‑se que uma das funções essenciais dos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho é precisamente a gestão dos PC clientes.

385    Há que acrescentar que, como é referido nos considerandos 383 a 386 da decisão impugnada, alguns resultados das sondagens realizadas pela Mercer confirmam a importância da interoperabilidade dos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho com os sistemas operativos para PC clientes. Para além dos resultados da segunda e terceira sondagens da Mercer, que dizem mais especificamente respeito à interoperabilidade com os PC clientes que têm instalado um sistema operativo Windows e que serão adiante analisados nos n.os 401 a 412, há que referir que resulta da primeira sondagem realizada pela Mercer que a facilidade com que um produto se pode integrar num ambiente informático existente ou previsto para o futuro é um dos principais factores que os responsáveis em informática levam em conta quando tomam decisões em matéria de aquisição de produtos informáticos. Há que observar igualmente que resulta de uma comparação de alguns dos resultados desta última sondagem com alguns dos resultados da terceira sondagem da Mercer que a importância da interoperabilidade com os sistemas operativos para PC clientes é mais marcada no caso dos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho do que no caso dos outros tipos de produtos para servidores (considerando 386 da decisão impugnada).

386    Em segundo lugar, o Tribunal de Primeira Instância considera que a interoperabilidade dos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho com os sistemas operativos para PC clientes tem mais importância quando estes últimos são sistemas Windows.

387    Importa referir, com efeito, que a posição dominante que a Microsoft ocupa no mercado dos sistemas operativos para PC clientes apresenta, como refere a Comissão nos considerandos 429 e 472 da decisão impugnada, «características extraordinárias» no sentido de que, nomeadamente, as quotas de mercado que detém nesse mercado são superiores a 90% (considerandos 430 a 435 da decisão impugnada) e que o Windows representa o «padrão» para esses sistemas operativos.

388    Estando, assim, o sistema operativo Windows presente na quase totalidade dos PC clientes instalados nas organizações, os sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho concorrentes não podem continuar a ser comercializados de modo viável se não tiverem a possibilidade de atingir um grau elevado de interoperabilidade com o Windows.

389    Em terceiro lugar, o Tribunal de Primeira Instância refere que, segundo a decisão impugnada, importa que os sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho concorrentes da Microsoft possam interoperar não só com os sistemas operativos Windows para PC clientes, mas igualmente, de modo mais abrangente, com a arquitectura de domínio Windows.

390    Mais especificamente, a Comissão considera que, para poderem ser comercializados de modo viável, os sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho concorrentes devem ter a possibilidade de participar na arquitectura de domínio Windows – que é uma «arquitectura» de interconexões e de interacções quer cliente‑servidor quer servidor‑servidor, intimamente ligadas entre si (v. n.os 179 a 189, supra) – em pé de igualdade com os sistemas operativos Windows para servidores de grupos de trabalho. Isto implica, nomeadamente, que um servidor que tenha instalado um sistema operativo para servidores de grupos de trabalho concorrente da Microsoft possa agir como controlador de domínio dentro de um domínio Windows que utilize o Active Directory e, por conseguinte, tenha a possibilidade de tomar parte no mecanismo da replicação entre controladores de domínio múltiplos com os outros controladores de domínio.

391    Não se pode deixar de referir que a Microsoft não demonstrou que esta apreciação é manifestamente errada.

392    A este respeito, em primeiro lugar, há que considerar que, tendo em conta as ligações tecnológicas muito estreitas e privilegiadas que a Microsoft criou entre os seus sistemas operativos Windows para PC clientes, por um lado, e para servidores de grupos de trabalho, por outro, e o facto de o Windows estar presente na quase totalidade dos PC clientes instalados nas organizações, a Comissão concluiu correctamente, no considerando 697 da decisão impugnada, que a Microsoft tinha a possibilidade de impor a arquitectura de domínio Windows como «padrão no sector da informática das redes de grupos de trabalho» (v., no mesmo sentido, considerando 779 da decisão impugnada, em que a Comissão refere, nomeadamente, que a posição quase monopolística de que a Microsoft dispõe há anos no mercado dos sistemas operativos para PC clientes lhe permite «determinar, em grande medida, e independentemente dos seus concorrentes, regras de comunicação coerentes que regerão o padrão para a interoperabilidade nas redes de grupos de trabalho»).

393    Em segundo lugar, como refere a Comissão no considerando 637 da decisão impugnada, diversas fontes de dados, como a própria documentação comercial da Microsoft, relatórios de analistas e elementos recolhidos no âmbito do estudo de mercado de 2003 e sondagens realizadas pela Mercer demonstram que a interoperabilidade com o ambiente Windows é um factor que desempenha um papel chave na adopção dos sistemas operativos Windows para servidores de grupos de trabalho.

394    Assim, nos considerandos 638 a 641 da decisão impugnada, a Comissão invoca vários elementos que demonstram que, no plano comercial, a Microsoft utiliza sistematicamente a interoperabilidade com o ambiente Windows como argumento de venda essencial para os seus sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho. Estes elementos não são contestados pela Microsoft.

395    Do mesmo modo, nos considerandos 642 a 646 da decisão impugnada, a Comissão invoca determinados resultados do estudo de mercado de 2003 para demonstrar que a interoperabilidade com o ambiente Windows desempenha um papel importante nas decisões das organizações questionadas em matéria de compra de sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho.

396    Importa referir que, na petição inicial, a Microsoft se limita a alegar que as organizações não escolhem os sistemas operativos para servidores em função de considerações ligadas à sua interoperabilidade com os sistemas operativos Windows, procedendo a uma remissão global para determinados documentos anexos à referida petição inicial [anexo A.12.1 da petição inicial (Matthews, «The Commission’s Case on Microsoft’s Interoperability: An Examination of the Survey Evidence») e anexo A.22 da petição inicial (Evans, Nichols e Padilla, «The Commission Has Failed to Address Major Flaws in the Design, Conduct, and Analyses of Its Article 11 Inquiries»)]. Pelas razões expostas nos n.os 94 a 99, o Tribunal de Primeira Instância não pode levar em conta esses anexos.

397    De qualquer forma, não se pode deixar de observar que os referidos resultados do estudo de mercado de 2003 confirmam a procedência da tese da Comissão.

398    Assim, nesse estudo, a Comissão pediu, nomeadamente, às entidades questionadas que lhe dissessem se já tinham começado a utilizar (ou se já tinha decidido começar a utilizar) o Active Directory na maior parte dos domínios Windows da sua rede informática (pergunta n.° 15). Pediu igualmente às entidades que responderam afirmativamente a essa pergunta, ou seja, 61 entidades em 102, que escolhessem dentro de uma lista de diversos factores os que tinham desempenhado um papel importante para a sua decisão de adoptar o Active Directory (pergunta n.° 16). Ora, dessas 61 entidades, 52 (ou seja, cerca de 85,2%) mencionaram o factor relativo ao facto de o «Active Directory oferecer uma melhor integração com os postos de trabalho Windows, incluindo as aplicações utilizadas nos PC clientes ou integradas nos PC clientes (Outlook, Office, por exemplo), do que os serviços de directório concorrentes» ou o facto de «as aplicações utilizadas na [sua] organização exigirem o Active Directory» (pergunta n.° 16). Em contrapartida, apenas 17 entidades (ou seja, cerca de 27,9%) mencionaram um dos seguintes factores como factores importantes na sua decisão de adoptar o Active Directory: o «Active Directory oferece uma melhor integração com os serviços Web do que os serviços de directório concorrentes»; o «Active Directory é um produto mais maduro do que os serviços de directório concorrentes», e o «Active Directory oferece uma maior conformidade às normas ligadas aos serviços de directório e uma maior qualidade de execução dessas normas do que os serviços de directório concorrentes».

399    Do mesmo modo, deve referir‑se que as entidades objecto do estudo de mercado de 2003 também foram interpeladas sobre a questão de saber se utilizavam principalmente servidores Windows para o fornecimento de serviços de partilha de ficheiros e de impressoras (pergunta n.° 13). Em caso afirmativo, deviam esclarecer se alguns factores ligados à interoperabilidade, enunciados na mesma pergunta, tinham desempenhado um papel importante na sua decisão de recorrer a esses servidores. Das 77 entidades que responderam à referida pergunta, 58 (ou seja, cerca de 75,3%) fizeram referência a pelo menos um dos factores em causa.

400    Deve observar‑se que, na nota de rodapé n.° 101 da petição inicial, bem como na nota de rodapé n.° 68 da réplica, a Microsoft invoca, limitando‑se a remeter de modo genérico para os desenvolvimentos contidos em certos anexos [anexo A.22 da petição inicial e secção A do anexo C.13 da réplica (Evans, Nichols e Padilla, «Response to the Commission’s Annex B.6 Regarding Its Article 11 Inquiries»)], que várias das perguntas feitas pela Comissão no âmbito do estudo de mercado de 2003 estavam «viciadas» ou eram «tendenciosas». O Tribunal de Primeira Instância considera que este argumento não pode ser acolhido. Com efeito, para além do facto de essa remissão global para anexos não poder ser admitidas, pelas razões expostas nos n.os 94 a 99, não se pode deixar de observar que o argumento da Microsoft é intrinsecamente contraditório, no sentido de que, nas passagens dos seus articulados a que as nota de rodapé em causa dizem respeito, invoca precisamente, em apoio da sua própria tese, alguns resultados do estudo de mercado de 2003.

401    Acresce que há que referir que, contrariamente ao que alega a Microsoft, os resultados da segunda e terceira sondagens realizadas pela Mercer conduzem às mesmas conclusões que o estudo de mercado de 2003 no que diz respeito à importância da interoperabilidade com os sistemas operativos Windows para os consumidores.

402    Assim, no âmbito da sua segunda sondagem, a Mercer, referindo os mesmos factores ligados à interoperabilidade que os que constavam da pergunta n.° 13 do estudo de mercado de 2003 (v. n.° 399, supra), pediu a uma série de responsáveis em informática cuja organização utilizava principalmente sistemas operativos Windows para o fornecimento de serviços de partilha de ficheiros e de impressoras que referissem se um ou vários desses factores tinham desempenhado um papel importante na sua decisão de adoptar esses sistemas operativos, atribuindo aos referidos factores uma nota numa escala graduada de 1 (fraca importância) a 5 (grande importância). Ora, dos 134 responsáveis em informática em causa, 99 (ou seja, cerca de 73,9%) referiram que pelo menos um desses factores tinha desempenhado um papel importante. Além disso, há que observar que 91 responsáveis em informática (ou seja, cerca de 67,9%) atribuíram uma nota de 4 ou de 5 a pelo menos um dos referidos factores.

403    No âmbito da mesma sondagem, os responsáveis em informática questionados também tinham sido convidados a avaliar o papel desempenhado por 21 diferentes factores nas suas decisões em matéria de aquisição de sistemas operativos para a execução de serviços de partilha de ficheiros e de impressoras, dando a esses factores uma nota numa escala graduada de 0 (nenhuma importância) a 5 (grande importância). O factor «interoperabilidade com os postos de trabalho (Windows)» recebeu uma nota média de 3,78 e foi classificado em quarta posição, depois dos factores «fiabilidade/disponibilidade» (nota média de 4,01), «competências disponíveis e disponibilidade da assistência (interna ou externa)» (nota média de 3,93) e «segurança» (nota média de 3,80).

404    Ainda relativamente aos resultados da segunda sondagem realizada pela Mercer, deve também mencionar‑se que os responsáveis em informática em causa, convidados a avaliar o papel desempenhado por 18 factores nas suas decisões em matéria de aquisição de serviços de directório, atribuíram ao factor «interoperabilidade com os postos de trabalho (Windows)» uma nota média de 3,94 (primeira posição).

405    No que diz respeito à terceira sondagem efectuada pela Mercer, há que referir que foi pedido aos responsáveis em informática que avaliassem o papel desempenhado por treze diferentes factores nas suas decisões em matéria de aquisição de sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho, dando a esses factores uma nota numa escala graduada de 0 (sem importância) a 5 (grande importância). Em resposta a esse pedido, o factor «interoperabilidade com os postos de trabalho Windows» teve uma nota média de 4,25. Embora seja certo que o referido factor só foi classificado em segunda posição, entre os factores «fiabilidade/disponibilidade do sistema operativo para servidores» (nota média de 4,47) e «segurança integrada no sistema operativo para servidores» (nota média de 4,04), não é menos verdade que os resultados que obteve demonstram que as decisões dos compradores de sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho são muito significativamente ditadas por considerações relativas à interoperabilidade com os PC clientes Windows.

406    É verdade que, no âmbito da terceira sondagem efectuada pela Mercer, os responsáveis em informática também foram convidados a avaliar a importância relativa de cada um dos treze factores referidos no número anterior e que, nesta base, o afastamento entre o factor «fiabilidade/disponibilidade do sistema operativo para servidores» (classificado em primeira posição com 34%) e o factor «interoperabilidade com os postos de trabalho Windows» (classificado em segunda posição com 9%) é muito mais nítido. Todavia, esses resultados devem ser relativizados tendo em conta o facto de, como explica a Comissão nos considerandos 643 e 659 da decisão impugnada, a interoperabilidade ser um factor que tem influência noutros factores que os compradores levam em consideração quando escolhem um sistema operativo para servidores de grupos de trabalho. Assim, os compradores podem ter o sentimento de que um sistema operativo para servidores de grupos de trabalho concorrente da Microsoft apresenta deficiências em matéria de segurança ou de rapidez de execução das tarefas, quando, na realidade, essas deficiências são devidas à falta de interoperabilidade com os sistemas operativos Windows (v., a este respeito, os dois exemplos referidos pela Comissão na nota de rodapé n.° 786 da decisão impugnada). Os referidos compradores têm tendência, assim, a subestimar a importância dessa interoperabilidade.

407    Importa acrescentar que os resultados da terceira sondagem realizada pela Mercer são importantes também na medida em que demonstram que o avanço manifesto e crescente de que a Microsoft beneficia em relação aos seus concorrentes no mercado dos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho (v., a este respeito, a análise da circunstância relativa à eliminação da concorrência nos n.os 479 a 620, infra) se explica menos pelos méritos dos seus produtos do que pela vantagem que representa em matéria de interoperabilidade.

408    Assim, deve referir‑se que os responsáveis em informática em causa foram convidados, não só a avaliar a importância relativa de treze diferentes factores nas suas decisões em matéria de aquisição de sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho (v. n.° 406, supra), mas também a avaliar, relativamente a cada um desses factores, o desempenho respectivo dos sistemas Linux, NetWare, UNIX e Windows.

409    Ora, o Windows obteve a pior nota média (3,63) para o factor «fiabilidade/disponibilidade do sistema operativo para servidores», quando tinha sido classificado em primeira posição (com 34%) pelos responsáveis em informática questionados. Os sistemas UNIX, por sua vez, foram classificados em primeiro lugar com uma margem de avanço significativa (nota média de 4,55), seguidos pelos sistemas Linux (nota média de 4,10) e pelo NetWare (nota média de 4,01).

410    Do mesmo modo, o Windows obteve a nota média mais baixa para o seu desempenho em relação ao factor «segurança integrada no sistema operativo para servidores» (nota média de 3,14), muito atrás dos sistemas UNIX (nota média de 4,09), NetWare (nota média de 3,82) e dos sistemas Linux (nota média de 3,73), apesar de esse factor desempenhar um papel muito importante nas decisões das organizações em matéria de aquisição de sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho (v. n.° 405, supra). Estes resultados são tão mais reveladores quanto, como foi exposto no n.° 406, os compradores têm tendência a considerar ligados à segurança problemas que, na realidade, decorrem da falta de interoperabilidade com os sistemas Windows.

411    Em contrapartida, é impressionante verificar que, quanto ao desempenho relativamente ao factor «interoperabilidade com os postos de trabalho Windows», o Windows teve a nota média mais elevada (nota média de 4,87) entre todas as notas médias atribuídas aos diversos sistemas operativos para servidores em causa para cada um dos treze factores a que a Mercer recorreu. Além disso, é em relação a este factor que o afastamento entre a Microsoft e os sistemas operativos dos seus concorrentes é mais nítido, tendo o NetWare obtido uma nota média de 3,78, a Linux uma nota média de 3,43 e a UNIX uma nota média de 3,29.

412    Sempre no mesmo sentido, importa referir que, como muito acertadamente refere a Comissão no considerando 662 da decisão impugnada, se se ponderarem as notas de desempenho médias concedidas aos sistemas Linux, NetWare, UNIX e Windows para cada um dos treze factores em causa com a percentagem de «importância relativa» atribuída a cada um desses factores e se se somarem em seguida os notas assim ponderadas, são os sistemas UNIX que obtêm o resultado mais elevado, seguidos, em primeiro lugar, pelo Windows e, em seguida, com resultados bastante próximos e não sensivelmente inferiores aos do Windows, pelos sistemas Linux e NetWare.

413    Em terceiro lugar, o Tribunal refere que, no considerando 183 da decisão impugnada, a Comissão afirma que «[q]uando um servidor de grupos de trabalho [que não tenha o Windows instalado] é acrescentado a uma rede Windows para grupos de trabalho, o grau de interoperabilidade com a arquitectura de domínio Windows que esse servidor de grupos de trabalho é capaz de atingir vai influir sobre a eficiência com que poderá fornecer os seus serviços aos utilizadores da rede».

414    Não se pode deixar de referir que vários elementos da decisão impugnada confirmam a correcção desta afirmação. Esta descreve, com efeito, uma série de problemas com que os sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho concorrentes da Microsoft se deparam devido ao facto de não poderem interoperar com a arquitectura de domínio Windows com a mesma intensidade que os sistemas operativos Windows para servidores de grupos de trabalho.

415    Um primeiro exemplo referido pela Comissão é o facto de, se um servidor de grupos de trabalho não interoperar suficientemente com a «arquitectura de segurança» da rede Windows para grupos de trabalho, o utilizador poder ser obrigado a fazer login duas vezes se pretender aceder simultaneamente a «recursos baseados em Windows» e a «recursos oferecidos pelos servidores de grupos de trabalho [que utilizam sistemas operativos concorrentes]» (considerando 183 da decisão impugnada). Nos seus articulados, a Microsoft não contesta a existência deste problema, apenas procurando minimizá‑lo (v. n.° 340, supra). Ora, impõe‑se mencionar que, na audiência, foi um dos peritos da Microsoft que salientou os riscos que uma pluralidade de nomes de utilizador e de palavras passe cria para a segurança da rede e os inconvenientes, em termos de eficiência e de produtividade, que estão ligados ao facto de os utilizadores deverem introduzir vários nomes de utilizador e palavras passe.

416    Outro exemplo consta do considerando 196 da decisão impugnada. A Comissão reproduz, nesse considerando, uma declaração feita pela Microsoft na sua resposta de 16 de Novembro de 2001 à segunda comunicação de acusações, segundo a qual «há mais opções de administração [dos grupos de utilizadores] quando um PC cliente [em que está instalado o] Windows 2000 Professional está ligado a um servidor [em que está instalado o] Windows 2000 com o Active Directory do que quando funciona de modo autónomo ou faz parte de um domínio ou partição ‘não‑Windows 2000’».

417    No considerando 240 da decisão impugnada, a Comissão refere que, mais de um ano depois do lançamento do Windows 2000, a Microsoft ainda não tinha divulgado totalmente aos seus concorrentes a versão actualizada das especificações do protocolo CIFS/SMB. Na nota de rodapé n.° 319, esclarece, com razão, que mesmo que a Microsoft tivesse procedido a essa divulgação, isso não teria sido suficiente para permitir «uma boa administração do serviço de ficheiros».

418    Há que fazer igualmente referência às considerações muito acertadamente formuladas pela Comissão a propósito do interface ADSI desenvolvido pela Microsoft para permitir aos editores de software aceder ao protocolo LDAP em que se apoia o Active Directory (considerandos 243 a 250 da decisão impugnada). Mais especificamente, há que fazer referência às limitações do «fornecedor ADSI» desenvolvido pela Novell (considerando 250 da decisão impugnada).

419    Nos considerandos 251 a 266 da decisão impugnada, a Comissão explica que a Microsoft introduziu uma ampliação «proprietária» no protocolo padrão Kerberos e que os sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho que executam a versão «não ampliada» desse protocolo de segurança se deparam com dificuldades de autorização quando trabalham num ambiente Windows (v., igualmente, nota de rodapé n.° 786 da decisão impugnada). Relativamente a esse mesmo protocolo Kerberos, tal como alterado pela Microsoft, há que recordar que a sua utilização apresenta vantagens, nomeadamente, em termos de rapidez das ligações e de eficiência (v. considerando 152 da decisão impugnada e n.° 170, supra).

420    Nos considerandos 283 a 287 da decisão impugnada, a Comissão explica, correctamente, que as «ferramentas de sincronização de directórios» a que se refere a Microsoft apenas permitem aos serviços de directório fornecidos pelos sistemas dos seus concorrentes realizar uma sincronização limitada com o Active Directory. Salienta, nomeadamente, que essas ferramentas «sincronizam apenas uma parte limitada das informações contidas num directório» e que «não eliminam a necessidade de gerir os utilizadores, as permissões, a inclusão nos grupos e as políticas de segurança separadamente nos servidores de grupos de trabalho [que utilizam o] Windows e nos servidores de grupos de trabalho [que utilizam sistemas operativos concorrentes]» (considerando 285 da decisão impugnada).

421    Resulta de todas as considerações precedentes que a Microsoft não demonstrou que a Comissão tenha cometido um erro manifesto por ter considerado que era necessário que os sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho concorrentes da Microsoft tivessem a possibilidade de interoperar com a arquitectura de domínio Windows em pé de igualdade com os sistemas operativos Windows para servidores de grupos de trabalho para poderem ser comercializados de modo viável no mercado.

422    Deve igualmente concluir‑se dessas considerações que essa falta de interoperabilidade com a arquitectura de domínio Windows tem o efeito de reforçar a posição concorrencial da Microsoft no mercado dos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho, nomeadamente na medida em que leva os consumidores a preferirem o seu sistema operativo para servidores de grupos de trabalho aos dos seus concorrentes apesar de estes últimos sistemas apresentarem características a que os mesmo consumidores dão muita importância.

–       Quanto ao alegado erro de facto

423    Os argumentos da Microsoft relativos ao erro de facto alegadamente cometido pela Comissão são de duas ordens.

424    Em primeiro lugar, a Microsoft alega que a tese da Comissão é contrariada, por um lado, pela presença de vários sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho no mercado e pelo carácter heterogéneo das redes informáticas dentro das empresas na Europa e, por outro, pelo facto de, sem terem tido acesso às informações relativas à interoperabilidade em causa, os editores de produtos Linux terem entrado recentemente no mercado e não terem cessado de conquistar quotas desse mercado.

425    Quanto ao primeiro dos argumentos referidos no número anterior, o Tribunal de Primeira Instância considera que não é suficiente para pôr em causa a correcção da tese da Comissão.

426    A este respeito, antes de mais, há que recordar que, contrariamente ao que sustenta a Microsoft, as considerações ligadas à interoperabilidade desempenham um papel chave nas decisões em matéria de aquisição de sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho (v. n.os 381 a 412, supra).

427    Importa recordar igualmente que resulta da terceira sondagem realizada pela Mercer que o factor «interoperabilidade com os postos de trabalho Windows» é aquele em relação ao qual o afastamento entre o sistema operativo para servidores de grupos de trabalho da Microsoft e os dos seus concorrentes é mais nítido (v. n.° 411, supra).

428    Em seguida, deve referir‑se que, como será mais pormenorizadamente exposto nos n.os 569 a 582, infra, os concorrentes da Microsoft, com excepção dos editores de produtos Linux, estavam presentes no mercado dos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho há vários anos quando esta última começou a desenvolver e a distribuir esses sistemas. Embora seja verdade que, na data em que foi adoptada a decisão impugnada, esses concorrentes ainda estavam presentes no mercado, não é menos certo que a sua quota de mercado diminuiu de modo sensível e paralelamente ao aumento rápido da Microsoft, embora alguns dentre eles, nomeadamente a Novell, tivessem um avanço tecnológico considerável sobre a Microsoft. O facto de a eliminação da concorrência ser progressiva, e não imediata, em nada contraria a tese da Comissão segundo a qual as informações em causa são indispensáveis.

429    Na verdade, como referiu a Comissão em resposta a uma das perguntas escritas do Tribunal de Primeira Instância, o facto de os concorrentes da Microsoft terem podido continuar a vender sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho durante os anos imediatamente anteriores à adopção da decisão impugnada explica‑se em parte pela circunstância de, nessa altura, existir ainda, dentro das organizações, uma quantidade não insignificante de PC clientes que utilizavam um sistema operativo Windows pertencente a uma gama de produtos anterior à gama Windows 2000 (v. considerandos 441 a 444 da decisão impugnada). Por exemplo, resulta do quadro incluído no considerando 446 da decisão impugnada que, em 2001, os sistemas operativos para PC clientes Windows 98, Windows Millennium Edition (Windows Me) e Windows NT ainda eram objecto de um grande número de novas licenças. Ora, foi precisamente com os sistemas operativos da gama Windows 2000 que os problemas de interoperabilidade se colocaram de modo particularmente agudo para os concorrentes da Microsoft (v. n.os 571 a 573, infra). Na mesma altura, também existia ainda um número não insignificante de servidores de grupos de trabalho que utilizavam os sistemas operativos Windows NT, que suscitavam menos problemas de interoperabilidade que os sistemas que lhes sucederam. Há que manter presente, a este respeito, que as organizações só alteram a sua rede de servidores de grupos de trabalho uma única vez durante um período de vários anos, e só o fazem progressivamente (v. considerando 590 da decisão impugnada).

430    Quanto ao segundo argumento referido no n.° 424, ou seja, o argumento relativo à entrada e ao crescimento dos produtos Linux no mercado dos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho, também deve ser rejeitado.

431    A este respeito, antes de mais, há que referir que, como expôs a Comissão nos considerandos 487 e 488 da decisão impugnada e como será especificado no n.os 502 e 553, infra, os dados da IDC, sobre os quais se baseia a Microsoft para descrever a evolução da posição dos produtos Linux no mercado, apresentam algumas imperfeições. Com efeito, esses dados são provenientes de uma base de dados que foi criada por essa organização identificando oito categorias principais de tarefas (ou «workloads») executadas pelos servidores dentro das organizações e distinguindo várias «subcategorias» dentro dessas categorias principais. As duas subcategorias de tarefas que mais se aproximam das tarefas de grupos de trabalho referidas na decisão impugnada, ou seja, as da partilha de ficheiros e de impressoras, por um lado, e da gestão dos utilizadores e dos grupos de utilizadores, por outro, são as denominadas, respectivamente, «partilha de ficheiros/de impressoras» e «gestão de rede» (considerando 486 da decisão impugnada). Todavia, as tarefas abrangidas por essas duas subcategorias não correspondem perfeitamente aos serviços que constituem o mercado dos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho. Mais, algumas dessas tarefas exigem um menor grau de interoperabilidade entre os PC clientes e os servidores do que as tarefas de grupos de trabalho referidas pela Comissão e são, consequentemente, menos susceptíveis do que estas últimas tarefas de ser executadas por sistemas operativos concorrentes da Microsoft.

432    Em seguida, não se pode deixar de referir que o crescimento dos produtos Linux no mercado dos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho foi modesto no anos imediatamente anteriores à adopção da decisão impugnada. Esses produtos Linux, quando são utilizados em conjugação com o software Samba (desenvolvido através das técnicas da engenharia de inversão), podem atingir um certo grau de interoperabilidade com os sistemas operativos Windows. Este grau de interoperabilidade, todavia, diminuiu sensivelmente na sequência do lançamento da geração Windows 2000. Assim, em Outubro de 2003 – ou seja, vários meses depois de a Microsoft ter já começado a comercializar o sistema operativo para servidores Windows 2003 Server, que tinha sucedido ao sistema Windows 2000 Server – o grau de interoperabilidade que os produtos Linux tinham atingido apenas lhes permitia agir como servidores membros dentro de um domínio que utilizasse o Active Directory (v. considerandos 296 e 297 da decisão impugnada).

433    Por último, quanto ao crescimento previsto dos produtos Linux no mercado dos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho, importa referir que, como adiante será mais pormenorizadamente exposto nos n.os 595 a 605, por um lado, este é menor do que a Microsoft afirma e, por outro, ocorrerá em detrimento não dos sistemas da Microsoft, mas, nomeadamente, dos da Novell e dos editores de produtos UNIX.

434    Em segundo lugar, a Microsoft alega que a Comissão não levou em conta o facto de vários métodos diferentes da divulgação das informações em causa permitirem garantir uma interoperabilidade suficiente entre os sistemas operativos de diversos fornecedores.

435    A este respeito, basta referir que a própria Microsoft reconheceu, tanto nos seus articulados como em resposta a uma pergunta que lhe foi colocada na audiência, que nenhum dos métodos ou das soluções que preconizava permitiria atingir o alto grau de interoperabilidade exigido, com razão, pela Comissão, no caso em apreço.

436    Resulta das considerações precedentes que a Microsoft não demonstrou que a circunstância relativa ao facto de as informações respeitantes à interoperabilidade terem um carácter indispensável não se verificava no caso em apreço.

 iii) Quanto à eliminação da concorrência


 Argumentos das partes

437    A Microsoft alega que a recusa que lhe é imputada não é susceptível de excluir toda a concorrência num mercado derivado, concretamente, no caso vertente, o mercado dos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho.

438    Para sustentar esta afirmação, alega, em primeiro lugar, que a Comissão aplicou, no caso em apreço, um critério errado do ponto de vista jurídico.

439    A este respeito, a Microsoft observa que, no considerando 589 da decisão impugnada, a Comissão se refere a um simples «risco» de eliminação da concorrência no mercado. Ora, nos processos relacionados com a concessão obrigatória de licenças sobre direitos de propriedade intelectual, o Tribunal de Justiça verificou sempre se a recusa em causa era «susceptível de eliminar toda e qualquer concorrência» e exige, a este propósito, uma «situação próxima da certeza». Por conseguinte, a Comissão devia ter aplicado um critério mais estrito, concretamente, o critério da «grande probabilidade» de eliminação da concorrência efectiva. A Microsoft afirma que, contrariamente ao que sustenta a Comissão, os termos «risco», «possibilidade» e «probabilidade» não têm o mesmo significado.

440    A Microsoft acrescenta que a referência que foi feita, na decisão impugnada, aos acórdãos Istituto Chemioterapico Italiano e Commercial Solvents/Comissão e CBEM, referidos no n.° 320, não é pertinente. Com efeito, os processos no âmbito dos quais acórdãos foram proferidos não dizem respeito a uma recusa de concessão de uma licença sobre direitos de propriedade intelectual. Além disso, segundo a Microsoft, em ambos os processos, a perspectiva da eliminação da concorrência era, na falta de qualquer fonte de abastecimento alternativa, imediata e real.

441    Em segundo lugar, a Microsoft alega que a tese da Comissão segundo a qual a concorrência no mercado dos sistemas operativos para servidores podia ser eliminada devido à sua recusa de divulgar aos seus concorrentes seus protocolos de comunicação é contrariada pelos factos observados no mercado. A este respeito, repete, por um lado, que é frequente que as empresas na Europa disponham de ambientes informáticos heterogéneos compostos por sistemas operativos Windows para PC clientes e para servidores e de sistemas operativos para servidores concorrentes e, por outro, que resulta dos relatórios Mercer que os clientes profissionais tomam as suas decisões em matéria de compra de sistemas operativos para servidores em função de uma série de critérios como a fiabilidade, a modularidade e a compatibilidade das aplicações e não consideram o critério da interoperabilidade com os sistemas operativos Windows para PC clientes como um critério determinante.

442    A Microsoft observa igualmente que, seis anos depois da alegada recusa, se encontram ainda numerosos concorrentes no mercado dos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho, a saber, nomeadamente, a IBM, a Novell, a Red Hat e a Sun, bem como vários distribuidores de produtos Linux. Repete que a Linux entrou recentemente no mercado e tem tido um crescimento rápido, e que não foi contestado que os produtos Linux, sozinhos ou em conjugação com produtos Samba ou com o software para servidores Nterprise da Novell, estão em concorrência directa com os sistemas operativos Windows para servidores no que diz respeito à execução de uma ampla gama de tarefas, como o fornecimento de serviços de grupos de trabalho aos sistemas operativos Windows para PC clientes. Por outro lado, a Microsoft refere que a IDC, que é o primeiro grupo mundial de aconselhamento e de estudo dos mercados das tecnologias de informação e da telecomunicações, considerou que não havia risco de que a concorrência fosse eliminada. Resulta das previsões da IDC que, no período 2003‑2008, a quota de mercado da Microsoft no mercado dos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho utilizados em servidores que custam menos de 25 000 USD se manterá quase estável, ao passo que a da Linux duplicará.

443    Em terceiro lugar, a Microsoft critica a definição «artificialmente estrita» do segundo mercado de produtos adoptada pela Comissão.

444    Segundo a Microsoft, com efeito, «a concorrência com os sistemas operativos Windows para servidores é […] ainda mais forte» se também forem levadas em conta, na referida definição, tarefas diferentes do fornecimento de serviços de partilha de ficheiros e de impressoras, bem como serviços de gestão dos utilizadores e dos grupos de utilizadores que os sistemas operativos Windows para servidores têm a possibilidade de prestar.

445    A este respeito, a Microsoft refere que a Comissão não contesta que a versão de base do seu sistema operativo Windows Server 2003 permite a execução de uma vasta gama de tarefas, situando‑se muitas delas fora do segundo mercado de produtos tal como é definido na decisão impugnada. Explica que, segundo a abordagem da Comissão, um mesmo sistema operativo Windows para servidores faz parte do mercado em causa quando fornece serviços de ficheiros e de impressão a sistemas operativos Windows para PC clientes e é excluído do mesmo mercado quando fornece serviços de «proxy» ou de «firewall» aos mesmos sistemas operativos.

446    A Microsoft considera que a Comissão não pode invocar o facto de o seu sistema operativo Windows Server 2003 ter versões diferentes facturadas a preços diferentes para alegar que a versão de base desse sistema faz parte de um mercado distinto do das outras versões do mesmo sistema. Refere, a este respeito, que as versões «mais caras» do referido sistema fornecem os mesmos serviços de grupos de trabalho que a versão de base.

447    Na réplica, a Microsoft desenvolve um pouco o argumento relativo à definição errada do segundo mercado de produtos. Esclarece, em primeiro lugar, que, no mercado dos sistemas operativos para servidores em geral, detém uma quota de mercado de cerca de 30%. Em seguida, refere que «[n]ão há ninguém no sector que utilize o termo ‘servidor de grupos de trabalho’ no sentido utilizado pela Comissão para definir [esse mercado de produtos]» e que, quando os «observadores do sector» fazem ocasionalmente referência aos «servidores de grupos de trabalho», incluem, em geral, os servidores que efectuam uma vasta gama de tarefas, nomeadamente «servidores Web, de bases de dados e de aplicações». Por último, alega que nenhum dos principais fornecedores de servidores presentes no mercado vende servidores de grupos de trabalho que se limitem à execução das tarefas identificadas pela Comissão.

448    Por outro lado, a Microsoft rejeita as explicações dadas pela Comissão, na resposta, para justificar a sua definição do mercado. A este respeito, refere, antes de mais, que «os fornecedores não facturam preços diferentes a pessoas diferentes para a mesma edição de um sistema operativo para servidores em função do modo como os compradores o vão utilizar». Em seguida, nega que os sistemas operativos para servidores que a Comissão considera sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho estejam «optimizados» para fornecer serviços de grupos de trabalho. Assim, resulta dos dados da IDC a que a Comissão recorreu para calcular as quotas de mercado que, com a única excepção da NetWare da Novell, «esses sistemas operativos consagram muito mais tempo a tarefas não relacionadas com grupos de trabalho do que a tarefas de grupos de trabalho». Por último, afirma que «[o] custo da alteração é nulo em numerosos casos [e] insignificante noutros».

449    Além disso, a Microsoft remete, genericamente, para dois relatórios redigidos por Evans, Nichols e Padilla, que constam do anexo A.23 da petição inicial e do anexo C.12 da réplica.

450    Em quarto lugar, na réplica, a Microsoft critica a metodologia aplicada pela Comissão para calcular as quotas de mercado dos operadores no segundo mercado de produtos que consiste em levar em conta apenas o tempo consagrado pelos sistemas operativos para servidores à execução de tarefas de grupos de trabalho e as vendas de sistemas operativos para servidores que custam menos de 25 000 USD. Com efeito, isto tem a consequência absurda de fazer com que «se considere que um exemplar de um sistema operativo está simultaneamente dentro e fora do mercado em função das tarefas que executa num momento determinado» e não dá nenhuma «informação relevante a propósito da posição dominante».

451    A CompTIA alega, antes de mais, que a Comissão aplicou um critério errado do ponto de vista jurídico ao verificar se a recusa imputada à Microsoft criava um simples «risco de eliminação de toda e qualquer concorrência efectiva» quando devia ter verificado se essa recusa eliminaria provavelmente toda e qualquer concorrência no mercado secundário. Em seguida, a CompTIA alega que os elementos de prova contidos nos autos não demonstram que a referida recusa podia ter essa consequência. Insiste, em particular, no «sucesso crescente» da Linux.

452    A ACT realça a ligação muito estreita que existe entre o critério do carácter indispensável e o da eliminação da concorrência. Alega, nomeadamente, que a decisão impugnada é contraditória na medida em que, por um lado, reconhece que uma percentagem que vai até 40% do mercado dos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho é detida por concorrentes que têm a possibilidade de fornecer produtos de substituição sem terem tido acesso às informações relativas à interoperabilidade e, por outro, refere que é impossível toda e qualquer concorrência nesse mercado se não for proporcionado o acesso a essas informações dado o seu carácter indispensável.

453    Por outro lado, a ACT contesta a tese da Comissão segundo a qual a concorrência exercida pelos «actores de minimis» não deve ser levada em conta. Critica igualmente o facto de esta última se basear num simples «risco» de eliminação da concorrência e salienta que a posição da Linux no mercado não pára de crescer.

454    A Comissão afirma que a recusa em causa é susceptível de eliminar toda e qualquer concorrência efectiva no mercado derivado dos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho.

455    Para sustentar esta afirmação, a Comissão alega, em primeiro lugar, que os elementos de prova analisados nos considerandos 585 a 692 da decisão impugnada demonstram claramente que esse risco é «altamente susceptível de se concretizar num futuro próximo». Remetendo para o considerando 700 dessa decisão, refere que, se o comportamento da Microsoft não for controlado, existe um risco significativo de que os produtos dos seus concorrentes fiquem limitados a «nichos» ou não sejam nada rentáveis.

456    A Comissão considera que os processos no âmbito dos quais foram proferidos os acórdãos Istituto Chemioterapico Italiano e Commercial Solvents/Comissão e CBEM, referidos no n.° 320, são indicações válidas para apreciar o comportamento da Microsoft à luz do artigo 82.° CE apesar de não terem por objecto uma recusa de concessão de uma licença sobre direitos de propriedade intelectual. Sustenta, neste contexto, que os termos «risco», «possibilidade» e «probabilidade» utilizados pelo Tribunal de Justiça na sua jurisprudência relativa a recusas abusivas de fornecimento têm o mesmo significado.

457    A Comissão alega que a maior parte dos argumentos da Microsoft se baseiam na premissa errada de que lhe compete demonstrar que a concorrência já foi eliminada ou, pelo menos, que a sua eliminação está iminente. Recorda que demonstrou, na decisão impugnada, que «o grau de interoperabilidade que pode ser atingido graças à divulgação realizada pela Microsoft é insuficiente para permitir que os concorrentes se mantenham presente de modo rentável no mercado» (nota de rodapé n.° 712 da decisão impugnada). Ora, a Microsoft não fez prova de que esta conclusão esteja viciada por um erro manifesto de apreciação.

458    Em segundo lugar, a Comissão pronuncia‑se sobre os argumentos que a Microsoft extrai dos factos observados no mercado.

459    Refere, antes de mais, que «o risco de eliminação de toda e qualquer concorrência já existia em 1998, do mesmo modo que existe hoje», consistindo a única diferença no facto de «essa eliminação da concorrência ser actualmente mais iminente do que em1998».

460    Contesta, em seguida, as conclusões que a Microsoft extrai dos relatórios Mercer, referindo que estes demonstram que os clientes escolhem o Windows como sistema operativo para servidores de grupos de trabalho por causa da «vantagem indevida» de que beneficia a Microsoft em matéria de interoperabilidade, apesar de o Windows «ficar atrás» de outros produtos no que diz respeito a várias características a que os clientes dão importância.

461    No que diz respeito ao argumento da Microsoft relativo ao crescimento dos produtos Linux, a Comissão considera que este não tem qualquer suporte e remete para os considerandos 506 e 632 da decisão impugnada, em que é claramente demonstrado que «o crescimento passado da Linux foi de minimis». Acrescenta que resulta das duas últimas sondagens realizadas pela Mercer que a Linux detém uma quota de mercado muito reduzida, concretamente, da ordem dos 5%, no mercado dos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho.

462    Quanto às previsões da IDC, a Comissão repete que são exageradas e se baseiam em dados incorrectos (v. n.os 365 e 366, supra). Acrescenta que, na realidade, resulta dos dados da IDC que a Microsoft adquiriu rapidamente uma posição dominante no mercado em causa, que a sua quota de mercado continua a crescer e que se encontra perante um conjunto cada vez mais fragmentado de actores que ocupam nichos de mercado bem definidos.

463    Em terceiro lugar, a Comissão rejeita as críticas formuladas pela Microsoft à sua definição do segundo mercado de produtos.

464    A Comissão recorda que, para chegar a essa definição, identificou, antes de mais, uma «lista de serviços de grupos de trabalho essenciais, que correspondem directamente a uma necessidade específica dos clientes». Trata‑se de serviços chave que são essenciais para os consumidores quando compram um sistema operativo para servidores de grupos de trabalho. Explica que baseou a sua análise em diversos elementos de prova, nomeadamente as informações recolhidas no âmbito do estudo de mercado de 2003 (considerandos 349 a 352 da decisão impugnada), a «correlação estatística» entre a utilização de um dado sistema operativo para realizar uma das tarefas essenciais de grupos de trabalho e a sua utilização para realizar as outras tarefas essenciais (considerando 353 da decisão impugnada), bem como a descrição e a tarifação pela Microsoft dos seus produtos (considerandos 359 a 382 da decisão impugnada).

465    A Comissão sustenta que os sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho são «optimizados» para fornecerem os serviços de grupos de trabalho e que a forma como os fornecem desempenha um papel determinante na decisão de aquisição desses sistemas. Acrescenta que o facto de os servidores de grupos de trabalho serem por vezes utilizados para fazer funcionar uma aplicação não tem o efeito de os excluir «temporariamente» do mercado ou de incluir «temporariamente» no mercado os servidores de empresas «optimizados» para gerir aplicações de empresas.

466    Em resposta ao argumento da Microsoft relativo ao facto de os seus sistemas operativos Windows para servidores de grupos de trabalho poderem ser utilizados para fornecer serviços de proxy ou de firewall, a Comissão, tomamdo por referência o considerando 58 da decisão impugnada, afirma que essas tarefas são executadas por «servidores periféricos» especializados. Estes servidores não exercem, por conseguinte, uma limitação concorrencial sobre a Microsoft no mercado dos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho.

467    Na tréplica, a Comissão alega, antes de mais, que a terminologia que utiliza para designar o mercado de produtos é irrelevante no que diz respeito à questão de saber se o definiu correctamente. De resto, a expressão «sistema operativo para servidores de grupos de trabalho» é efectivamente utilizada no sector para designar o «tipo de produtos a que a decisão [impugnada] diz respeito».

468    Em seguida, a Comissão refuta as críticas que a Microsoft formula às explicações contidas na resposta (v. n.° 448, supra).

469    A este respeito, afirma, em primeiro lugar, que, contrariamente ao que alega a Microsoft, tanto este última como os seus concorrentes «facturam aos clientes preços diferentes para o mesmo sistema operativo em função da maneira como o vão utilizar». Os preços variam, com efeito, em função do número de PC clientes que têm acesso ao servidor em causa. Acrescenta que os vendedores de sistemas operativos para servidores propõem várias edições diferentes –a preços diferentes – de sistemas que fazem parte da mesma «família». Mais genericamente, refere que «os sistemas operativos Windows para servidores são cedidos mediante licença pela Microsoft aos clientes e [que] não há, em princípio, nenhuma razão para que a Microsoft não possa estabelecer distinções em função da respectiva utilização».

470    Em segundo lugar, a Comissão alega que a afirmação da Microsoft segundo a qual os sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho «consagram muito mais tempo a tarefas que não dizem respeito a grupos de trabalho do que a tarefas de grupos de trabalho» assenta em dados da IDC tratados segundo um método inadequado.

471    Em terceiro lugar, em resposta à alegação da Microsoft segundo a qual «[o] custo da alteração é nulo em numerosos casos», a Comissão remete para os considerandos 334 a 341 e 388 a 400 da decisão impugnada, que demonstram a inexistência de substituibilidade do lado da oferta tanto para os sistemas operativos para PC clientes como para os sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho.

472    Por outro lado, ainda na tréplica, a Comissão salienta que a Microsoft não contesta que a interoperabilidade com os PC clientes – e, mais especificamente, com os que têm o Windows instalado – é particularmente importante para a execução das tarefas de grupos de trabalho por um sistema operativo para servidores. Alega que a recusa da Microsoft de divulgar as informações relativas à interoperabilidade afecta sensivelmente a capacidade dos seus concorrentes de corresponder às expectativas dos consumidores no que diz respeito à execução dessas tarefas e altera, portanto, as condições de concorrência relativamente aos sistemas operativos para servidores vendidos para executar estas tarefas em comparação com os destinados à execução de outras tarefas. Segundo a Comissão, «isto é verdade mesmo admitindo […] que, para a Microsoft como para cada um dos seus concorrentes, as diferentes edições dos seus sistemas operativos para servidores actualmente no mercado sejam todas igualmente aptas […] à execução simultânea de tarefas de servidor de grupos de trabalho e de algumas outras tarefas ‘de baixa gama’ (aplicações que não são de ‘missão crítica’ como o correio electrónico, etc.)».

473    A Comissão acrescenta que, «[q]uanto ao lado da oferta, é evidente que, se se admitirem, para efeitos da presente análise [, por um lado,] as necessidades do lado da procura dos clientes no que diz respeito aos serviços de grupos de trabalho (não contestadas pela Microsoft) e [, por outro,] a própria hipótese da Microsoft, segundo a qual as diferentes edições dos sistemas operativos para servidores de cada editor têm capacidades idênticas no que diz respeito às tarefas de grupos de trabalho, as mesmas distorções do mercado que eliminam os concorrentes da Microsoft da venda de sistemas operativos para servidores para as tarefas de grupos de trabalho impedirão a substituição do lado da oferta pela (nova) entrada das edições ‘topo de gama’ das ‘famílias’ de sistemas operativos em causa».

474    Por último, a Comissão remete para o anexo B.11 da resposta e para o anexo D.12 da tréplica, em que comenta as observações contidas, respectivamente, no anexo A.23 da petição inicial e no anexo C.12 da réplica.

475    Em quarto lugar, a Comissão refuta as críticas que a Microsoft formula contra o método que utilizou para calcular as quotas de mercado. Observa, antes de mais, que não é necessário para a sua apreciação que a Microsoft já tenha adquirido uma posição dominante no mercado derivado em causa através do abuso que lhe é imputado, uma vez que o que importa é que exista um risco de que a concorrência seja eliminada nesse mercado. Refere, em seguida, que o dito método permite «traça[r] um quadro suficientemente fiável do desequilíbrio de forças no mercado dos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho». Por outro lado, alega que não levou em conta o tempo consagrado às diversas tarefas por um determinado servidor, antes tendo verificado, no que diz respeito às empresas que participaram no estudo de mercado de 2003 e que responderam à segunda e terceira sondagens realizadas pela Mercer, qual era a proporção das tarefas de grupos de trabalho efectuada pelos servidores dos diversos fornecedores. Não resulta nem desse estudo de mercado nem dessas sondagens que a Microsoft detenha uma quota de mercado inferior a 60% para qualquer uma das tarefas de grupos de trabalho.

476    A Comissão acrescenta que «a aplicação dos ‘filtros’ identificados pela Microsoft permite utilizar [os] dados [da IDC] como uma aproximação da venda das edições de diversos editores identificadas como sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho». Refere que «na medida em que o próprio comportamento de exclusão da Microsoft tem por efeito separar as vendas de sistemas operativos para servidores comprados principalmente para tarefas de grupos de trabalho das vendas de sistemas comprados principalmente para outras tarefas, um filtro «workload» permite ter uma ideia da força relativa da Microsoft nas vendas principalmente destinadas a essas primeiras tarefas». De qualquer forma, mesmo que só se aplicasse o «filtro dos 25 000 USD», sem fazer qualquer distinção em função do workload, a quota do Windows seria de 65% em termos de volume e de 61% em termos de volume de negócios (considerando 491 da decisão impugnada).

477    A SIIA alega que, tendo em conta o carácter indispensável das informações relativas à interoperabilidade, a recusa em causa é, por natureza, susceptível de eliminar a concorrência no mercado dos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho. Salienta, nomeadamente, que a quota de mercado da Microsoft nesse mercado aumentou rápida e sensivelmente na altura em que esta última colocou no mercado o seu sistema operativo Windows 2000 Server. Considera igualmente que os argumentos que a Microsoft extrai do alegado crescimento dos produtos Linux no mercado não têm fundamento.

478    A FSFE afirma que os produtos Linux não exercem uma ameaça concorrencial no mercado dos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

479    O Tribunal de Primeira Instância analisará as quatro categorias de argumentos que a Microsoft invoca para sustentar a sua tese de que a circunstância relativa à eliminação da concorrência não se encontra presente no caso em apreço pela ordem seguinte: em primeiro lugar, a definição do mercado de produtos em causa; em segundo lugar, a metodologia aplicada para calcular as quotas de mercado; em terceiro lugar, o critério aplicável; em quarto lugar, a apreciação dos dados do mercado e da situação concorrencial.

–       Quanto à definição do mercado de produtos em causa

480    Os argumentos que a Microsoft invoca a propósito da definição do mercado de produtos são relativos ao segundo dos três mercados identificados pela Comissão na decisão impugnada (v. n.os 23 e 25 a 27, supra), ou seja, o dos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho. A Comissão descreve esses sistemas como sistemas concebidos e comercializados para oferecer, de modo integrado, os serviços de partilha de ficheiros e de impressoras, bem como de gestão dos utilizadores e dos grupos de utilizadores a um número relativamente limitado de PC clientes ligados a uma rede de pequena ou média dimensão (considerandos 53 e 345 da decisão impugnada).

481    A Microsoft considera, no essencial, que a Comissão definiu esse segundo mercado de modo demasiado restrito pelo facto de só ter incluído nesse mercado os sistemas operativos para servidores que são utilizados para o fornecimento dos serviços referidos no número anterior, ou seja, os serviços ditos «de grupos de trabalho». O objectivo que a Microsoft prossegue ao pôr em causa a definição adoptada pela Comissão é, no essencial, o de demonstrar que a evolução do mercado é diferente da descrita nos considerandos 590 a 636 da decisão impugnada e não traduz uma eliminação de toda e qualquer concorrência.

482    Importa referir, a título preliminar, que a definição do mercado de produtos, na medida em que envolve apreciações económicas complexas por parte da Comissão, só pode ser objecto de uma fiscalização limitada por parte do juiz comunitário (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Junho de 2002, Airtours/Comissão, T‑342/99, Colect., p. II‑2585, n.° 26). No entanto, este último não se deve abster de fiscalizar a interpretação que a Comissão faz dos dados de natureza económica. Nesta matéria, incumbe‑lhe verificar se a Comissão baseou a sua apreciação em elementos de prova exactos, fiáveis e coerentes, se estes elementos constituem a totalidade dos dados pertinentes que devem ser tomados em consideração para apreciar uma situação complexa e se são susceptíveis de fundamentar as conclusões que deles se retiram (v., neste sentido, acórdão Comissão/Tetra Laval, referido no n.° 89, supra, n.° 39).

483    Por outro lado, há que mencionar que a Microsoft se limita, no essencial, por um lado, a reproduzir argumentos que já invocou no procedimento administrativo e que a Comissão afastou expressamente na decisão impugnada, sem referir por que razão a apreciação da Comissão está errada, e, por outro, a proceder a uma remissão global para dois relatórios que constam do anexo A.23 da petição inicial e do anexo C.12 da réplica. Pelas razões acima expostas nos n.os 94 a 99, estes últimos relatórios só serão levados em conta pelo Tribunal na medida alicercem ou completem fundamentos ou argumentos expressamente invocados pela Microsoft no corpo dos seus articulados.

484    Para chegar à definição do mercado de produtos contestada, a Comissão levou em conta a substituibilidade dos produtos do lado da procura, por um lado, e da oferta, por outro. Deve recordar‑se, a este respeito, que, como resulta da Comunicação da Comissão relativa a definição de mercado relevante para efeitos do direito comunitário da concorrência (JO 1997, C 372, p. 5, n.° 7) «[u]m mercado de produto relevante compreende todos os produtos e/ou serviços considerad[o]s permutáveis ou substituíveis pelo consumidor devido às suas características, preços e utilização pretendida». Há que recordar igualmente que, como é referido no n.° 20 da mesma comunicação, a substituibilidade do lado da oferta pode igualmente ser tomada em consideração na definição dos mercados nos casos em que os seus efeitos são equivalentes aos da substituição do lado da procura em termos de eficácia e efeito imediato. Tal requer que os fornecedores possam transferir a sua produção para os produtos relevantes e comercializá‑los a curto prazo sem incorrer em custos ou riscos suplementares significativos em resposta a pequenas alterações duradouras nos preços relativos.

485    Há que referir desde logo que a determinação do segundo mercado não assenta na ideia de que existe uma categoria separada de sistemas operativos para servidores que executem exclusivamente tarefas de partilha de ficheiros e de impressoras, bem como de gestão dos utilizadores e dos grupos de utilizadores. Muito pelo contrário, por diversas vezes, na decisão impugnada, a Comissão reconhece expressamente que os sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho também podem ser utilizados para executar outras tarefas, nomeadamente, podem permitir executar aplicações que não sejam de «missão crítica» (v., nomeadamente, considerandos 59, 355, 356 e 379 da decisão impugnada). No considerando 59 da decisão impugnada, esclarece que as aplicações que não são de «missão crítica» são aplicações cujas falhas de funcionamento «terão repercussões na actividade de certos utilizadores [mas] nem por isso porão em causa a actividade global da organização». A este respeito, refere, mais especificamente, a execução de serviços de correio electrónico interno. Como será exposto mais pormenorizadamente infra, a definição adoptada pela Comissão baseia‑se, na verdade, na constatação de que a capacidade de os sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho fornecerem colectivamente os serviços de partilha de ficheiros e de impressoras e de gestão dos utilizadores e dos grupos de utilizadores constitui, sem prejuízo das outras tarefas que têm a possibilidade de executar, uma característica essencial desses sistemas e de que estes últimos são principalmente concebidos, comercializados, comprados e utilizados para o fornecimento desses serviços.

486    Relativamente, em primeiro lugar, à substituibilidade do lado da procura, a Comissão conclui, no considerando 387 da decisão impugnada, que «não existem produtos que […] tenham a capacidade de exercer sobre os sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho pressões concorrenciais de tal ordem que possam ser incluídos no mercado de produtos em causa».

487    Para chegar a esta conclusão, em primeiro lugar, a Comissão verificou que resultava das informações recolhidas no âmbito do estudo de mercado de 2003 que os servidores de grupos de trabalho executavam um conjunto distinto de tarefas que estavam ligadas entre si e que eram solicitadas pelos consumidores (considerandos 348 a 358 da decisão impugnada).

488    O Tribunal considera que esta afirmação é corroborada pelos elementos dos autos e que a Microsoft não alega nenhum argumento susceptível de a pôr em causa.

489    Há que referir, a este respeito, que, no seu pedido de esclarecimento de 4 de Junho de 2003, a Comissão perguntou às organizações em causa se tinham um tipo específico de servidores para o fornecimento dos serviços de partilha de ficheiros e de impressoras e de gestão dos utilizadores e dos grupos de utilizadores (primeira parte da pergunta n.° 1). Das 85 organizações que responderam a essa pergunta, 70 (ou seja, cerca de 82,3%) deram resposta positiva.

490    A Comissão também perguntou às organizações se consideravam que os referidos serviços constituíam um «conjunto de tarefas de servidores que ‘andam associadas’» (segunda parte da pergunta n.° 1). Das 83 organizações que responderam a essa pergunta, 51 (ou seja, cerca de 61,4%) assentiram.

491    Estes resultados explicam‑se, nomeadamente, pelo facto de esses serviços constituírem os serviços de base a que os utilizadores de PC clientes recorrem nas suas actividades quotidianas. A entidade I 06, por exemplo, ao justificar a sua resposta afirmativa às duas partes da pergunta n.° 1, qualifica os servidores que permitem o fornecimento dos serviços de grupos de trabalho como «servidores de infra‑estrutura» e os referidos serviços como «serviços padrão para postos de trabalho». Observa, a este propósito, que «[c]ada utilizador deve ser identificado/autenticado; cria/modifica ficheiros, imprime‑os, troca‑os/partilha‑os». No mesmo sentido, outras organizações referem‑se a esses servidores como «fornecedores de serviços de infra‑estrutura» (v. resposta das entidades I 13 e I 30).

492    A este respeito, também é relevante referir, como fez a Comissão no considerando 352 da decisão impugnada, que várias organizações justificam a sua resposta afirmativa às duas partes da pergunta n.° 1 insistindo na necessidade de dispor de um sistema de «identificação única» dos utilizadores que pretendam ter acesso aos recursos da rede ou a um ponto único da administração da rede (v., nomeadamente, respostas das entidades I 30, I 46‑16, I 46‑37 e da sociedade Inditex). Outras organizações invocam considerações relativas aos custos, referindo, nomeadamente, que a utilização de um mesmo sistema operativo para o fornecimento dos serviços de grupos de trabalho permite reduzir os custos de gestão (v., nomeadamente, respostas da entidade I 49‑19 e da sociedade Inditex).

493    É verdade que, na descrição das «tarefas de grupos de trabalho» contida no seu pedido de esclarecimento de 4 de Junho de 2003, a Comissão incluiu igualmente «a execução de serviços de correio electrónico interno e de colaboração e outras aplicações que não são de ‘missão crítica’» e que muitas das organizações questionadas aprovaram essa inclusão. Também é verdade que, em resposta à pergunta n.° 2 do mesmo pedido de esclarecimento, 62 organizações em 85 (ou seja, cerca de 72,9%) referiram que apreciavam a flexibilidade oferecida por um sistema operativo para servidores de grupos de trabalho que, para além dos serviços de partilha de ficheiros e de impressoras e de gestão dos utilizadores e dos grupos de utilizadores, permitia executar aplicações que não são de «missão crítica».

494    Todavia, isto não basta para concluir que a Comissão definiu de modo demasiado restrito o segundo mercado de produtos.

495    Com efeito, por um lado, estas conclusões não são absolutas. Assim, importa referir que, na sua resposta à pergunta n.° 1 do pedido de esclarecimento de 4 de Junho de 2003, várias das organizações questionadas esclareceram que os serviços de correio electrónico interno ou de colaboração que usam são executados em servidores especializados e distinguiram esses serviços dos outros serviços de grupos de trabalho enunciados pela Comissão (v., nomeadamente, respostas das entidades I 09‑1, I 11, I 22, I 37, I 53, I 46 ‑13, I 46‑15, I 59 e I 72, e das sociedades Danish Crown, Spardat e Stork Food & Dairy Systems). Por exemplo, a entidade I 37, ao mesmo tempo que considerou que as tarefas de grupos de trabalho definidas pela Comissão constituíam um conjunto de tarefas de servidor ligadas entre si, referiu que «[os serviços] ficheiros/impressão e gestão dos postos de trabalho [andavam] associados», ao passo que «[os serviços] correio electrónico interno [faziam parte] de um conjunto diferente de servidores». No mesmo sentido, a entidade I 46‑15 esclareceu que tinha «um servidor que só [fornecia] serviços de partilha de ficheiros e de impressoras e de gestão dos postos de trabalho».

496    Por outro, como refere a Comissão nos considerandos 353 e 354 da decisão impugnada e como recorda na sua resposta a uma das perguntas escritas feitas pelo Tribunal de Primeira Instância, resulta igualmente do estudo de mercado de 2003 que, quando as organizações recorrem a um dado sistema operativo para o fornecimento de serviços de partilha de ficheiros ou de impressoras, utilizam geralmente o mesmo sistema operativo para o fornecimento de serviços de gestão dos utilizadores e dos grupos de utilizadores. Importa referir, a este respeito, que a Microsoft não contesta as conclusões contidas nas notas de rodapé n.° 436 e n.° 438 da decisão impugnada, relativas aos «coeficientes de correlação» calculados pela Comissão com base nas respostas à pergunta n.° 5 do seu pedido de esclarecimento de 16 de Abril de 2003. Esta última explica, nessas notas, que o «coeficiente de correlação» entre a parte do workload de um sistema NetWare, ou de um sistema Windows, para um dos serviços de grupos de trabalho, concretamente, a partilha de ficheiros, a impressão e a gestão dos utilizadores e dos grupos de utilizadores, e a parte do workload do mesmo sistema para outro desses mesmos serviços é particularmente elevado. Em contrapartida, o «coeficiente de correlação» é muito menos elevado entre a parte do workload de um sistema NetWare, ou de um sistema Windows, para um dos serviços de grupos de trabalho e a parte do workload do mesmo sistema para outro tipo de serviços, em particular a execução de serviços de correio electrónico interno ou outras aplicações que não sejam «de missão crítica». A Comissão acrescenta que se podem extrair as mesmas conclusões de alguns resultados da segunda e terceira sondagens realizadas pela Mercer. Por outras palavras, resulta desses elementos de prova não contestados pela Microsoft que é muito mais frequente conjugar, num mesmo servidor, os serviços de grupos de trabalho referidos pela Comissão do que um desses serviços com um serviço de outro tipo.

497    Por conseguinte, embora seja exacto que os utilizadores dão uma certa importância à possibilidade de utilizar os sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho para a execução de determinadas tarefas que não são de «missão crítica» para além dos serviços de grupos de trabalho, isso em nada afecta a conclusão de que existe uma procura distinta para sistemas operativos para servidores que fornecem este últimos serviços. Uma vez que está demonstrado que são as três referidas categorias de serviços que determinam a escolha da procura, pouco importa que os sistemas operativos para servidores do mercado em causa possam executar determinadas tarefas suplementares.

498    Deve acrescentar‑se que, como é referido nos considerandos 357, 358 e 628 da decisão impugnada, as declarações de clientes apresentadas pela Microsoft no procedimento administrativo confirmam a correcção da análise da Comissão.

499    Com efeito, resulta dessas declarações que, embora seja certo, como salienta diversas vezes a Microsoft nos seus articulados, que as organizações dispõem frequentemente de redes informáticas «heterogéneas», ou seja, redes em que são utilizados sistemas operativos para servidores e para PC clientes provenientes de diferentes produtores, essas organizações utilizam, todavia, diferentes tipos de servidores para a execução de diferentes tipos de tarefas. Mais especificamente, resulta das referidas declarações que os serviços de grupos de trabalho tais como são definidos pela Comissão são geralmente fornecidos por outros tipos de servidores que não os que permitem correr aplicações de «missão crítica». Assim, resulta da descrição que as organizações fazem do seu ambiente informático que, habitualmente, os serviços de grupos de trabalho são fornecidos por servidores de entrada de gama em que está instalado um sistema Windows ou NetWare, ao passo que as aplicações de «missão crítica» são executadas em servidores mais caros e mais importantes em que está instalado um sistema operativo UNIX ou em «mainframes».

500    Por exemplo, um importante grupo que exerce actividade nos domínios químico e farmacêutico refere que as aplicações de «missão crítica» que utiliza para o pagamento dos salários dos seus empregados e para as operações bancárias internas funcionam em «mainframes». Acrescenta que outras aplicações de «missão crítica», utilizadas, nomeadamente, para a gestão administrativa e técnica de algumas das suas divisões, são executadas em servidores UNIX. Em contrapartida, as tarefas que não são de «missão crítica», em particular as de partilha de ficheiros e de impressoras e de gestão dos utilizadores e dos grupos de utilizadores, são, dentro desse grupo, executadas por servidores distintos nos quais são principalmente instalados sistemas operativos Windows. No mesmo sentido, uma importante companhia aérea explica que as aplicações que utiliza, nomeadamente, para a planificação dos voos e para os serviços de reserva são executadas em servidores UNIX, ao passo que as aplicações que não são de «missão crítica» são executadas por servidores Windows. Outro exemplo pertinente é o de um grupo bancário, que refere que utiliza servidores UNIX para as aplicações financeiras essenciais, servidores Solaris para as outras aplicações financeiras e para as aplicações que desenvolve internamente, e servidores Windows NT para a execução das «funcionalidades de infra‑estrutura, como os serviços de domínio (em particular a identificação e a autorização) e os serviços de ficheiros e de impressão».

501    Importa observar que, como é referido, nomeadamente, nos considerandos 58 e 346 da decisão impugnada, os servidores de baixa gama não são todos utilizados para o fornecimento de serviços de grupos de trabalho. Alguns desses servidores, com efeito, são instalados «à margem» das redes e destinam‑se a executar tarefas especializadas, como as de servidor Web, Web caching e de firewall.

502    Por último, o argumento da Microsoft segundo o qual resulta dos dados da IDC que, com a única excepção do sistema NetWare da Novell, os sistemas operativos que a Comissão qualifica como «sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho» consagram muito menos tempo à execução de tarefas de grupos de trabalho do que à execução outras tarefas não pode ser acolhido. Este argumento baseia‑se em dados da IDC que afirmam que apenas 24% da vendas de servidores, independentemente dos preços, em que está instalado um sistema operativo Windows correspondem às tarefas de «ficheiro», de «impressão» e de «gestão de rede» (v. nota de rodapé n.° 93 da réplica). Ora, como resulta, nomeadamente, dos considerandos 487 e 488 da decisão impugnada e será mais pormenorizadamente desenvolvido no n.° 553, infra, a metodologia utilizada pela IDC para calcular as quotas de mercado padece de algumas imperfeições. De qualquer forma, mesmo que fosse de considerar que as referidas tarefas correspondem aos serviços de grupos de trabalho mencionadas na decisão impugnada, a percentagem calculada com base nos dados da IDC apenas representa a fracção das vendas pela Microsoft de sistemas operativos para servidores, independentemente da respectiva versão, relativas ao mercado dos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho. Com efeito, contrariamente ao que alega a Microsoft, a percentagem em causa não é limitada aos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho.

503    Em segundo lugar, a Comissão verificou, baseando‑se, nomeadamente, na descrição que a própria Microsoft faz dos seus produtos, que os sistemas operativos para servidores são «optimizados» em função das tarefas que devem executar (considerandos 359 a 368 da decisão impugnada).

504    O Tribunal de Primeira Instância considera que os elementos dos autos confirmam a correcção dessa conclusão.

505    Assim, quanto aos sistemas operativos para servidores da gama Windows 2000, resulta de informações publicadas pela Microsoft na sua página Internet que os mesmos são comercializados em três versões diferentes, concretamente, Windows 2000 Server, Windows 2000 Advanced Server e Windows 2000 Datacenter Server, e que cada uma dessas versões se destina a satisfazer uma procura específica dos utilizadores em termos de tarefas.

506    A Microsoft descreve o Windows 2000 Server como a versão «entrada de gama» dos sistemas operativos para servidores Windows 2000 e como «a solução adequada aos servidores de grupos de trabalho para as tarefas de ficheiros, de impressão e de comunicação» (considerando 361 da decisão impugnada). Esclarece que o Windows 2000 Server «suporta entre um e quatro processadores e até quatro gigabytes» (considerando 364 da decisão impugnada).

507    Quanto ao Windows 2000 Advanced Server, a Microsoft apresenta este produto como «o sistema operativo ideal para as aplicações profissionais essenciais e de comércio electrónico que implicam workloads mais pesados e processos de alta prioridade» (considerando 362 da decisão impugnada). Esclarece que o Windows 2000 Advanced Server não só contém todas as funcionalidades oferecidas pelo Windows 2000 Server, mas além disso apresenta «características suplementares de capacidade de evolução e de fiabilidade, como o ‘clustering’, destinadas a garantir o funcionamento [das] aplicações de missão crítica nos cenários mais exigentes» (considerando 362 da decisão impugnada). A Microsoft refere igualmente que o Windows 2000 Advanced Server «suporta entre um e oito processadores e até oito gigabytes» (considerando 364 da decisão impugnada).

508    Por último, no que diz respeito ao Windows 2000 Datacenter Server, a Microsoft considera que esse sistema oferece «uma fiabilidade e uma disponibilidade máximas» e que é o «sistema operativo ideal para a execução das bases de dados de missão crítica e do software de planificação dos recursos da empresa» (considerando 363 da decisão impugnada). Esclarece que o Windows 2000 Datacenter Server «se destina às empresas que precisam de gestores de periféricos e de software topo de gama e muito fiável» e que «suporta entre 1 e 32 processadores e até 64 gigabytes» (considerandos 363 e 364 da decisão impugnada).

509    Importa referir que a Microsoft apresenta de modo semelhante as diferentes versões dos sistemas operativos para servidores da gama que sucedeu à gama Windows 2000, ou seja, o Windows Server 2003 Standard Edition, o Windows Server 2003 Enterprise Edition, o Windows Server 2003 Datacenter Edition e o Windows Server 2003 Web Edition.

510    Assim, o Windows Server 2003 Standard Edition é descrito pela Microsoft como «o sistema operativo de rede polivalente ideal para as necessidades correntes das organizações de todas as dimensões, mas especialmente das pequenas empresas e dos grupos de trabalho» e como um sistema «[que permite] a partilha inteligente dos ficheiros e das impressoras [e que oferece] uma ligação à Internet segura, uma gestão centralizada dos postos de trabalho e soluções Web que permitem que os funcionários, parceiros e clientes estejam em contacto» (considerando 365 da decisão impugnada).

511    Quanto ao Windows Server 2003 Enterprise Edition, a Microsoft explica que este sistema oferece, para além das funcionalidades do Windows Server 2003 Standard Edition, «as características de fiabilidade necessárias para as aplicações de ‘missão crítica’ das empresas» (considerando 366 da decisão impugnada).

512    Relativamente ao Windows Server 2003 Datacenter Edition, a Microsoft refere que este sistema operativo «é concebido para aplicações de missão crítica que exigem o mais alto nível de capacidade de evolução, de disponibilidade e de fiabilidade» (considerando 366 da decisão impugnada).

513    Por último, o Windows Server 2003 Web Edition é descrito pela Microsoft como um sistema «destinado criar e hospedar aplicações, páginas e serviços Web» e como um sistema «especialmente concebido para responder a necessidades de serviços Web especializados» (considerando 367 da decisão impugnada). A Microsoft salienta que este sistema «só pode ser utilizado para instalar, testar e implementar páginas Web, sítios Web, aplicações Web e serviços Web» (considerando 367 da decisão impugnada).

514    Por conseguinte, resulta dos elementos precedentes que a própria Microsoft apresenta as diferentes versões dos seus sistemas operativos para servidores como sistemas destinados a satisfazer procuras distintas dos utilizadores em termos de tarefas. Resulta igualmente desses elementos que essas diferentes versões não se destinam a correr no mesmo hardware.

515    Por outro lado, há que referir que os produtos de outros editores de sistemas operativos para servidores também são «optimizados» para os serviços de grupos de trabalho. É o caso, em particular, dos produtos da empresa Red Hat, cujos sistemas operativos Red Hat Enterprise Linux ES e Red Hat Enterprise Linux AS se destinam claramente a satisfazer procuras distintas dos utilizadores. Assim, como refere a Comissão na nota de rodapé n.° 463 da decisão impugnada, essa empresa descreve, na sua página Internet, o seu sistema Red Hat Enterprise Linux ES como «perfeitamente adequado aos serviços rede, de ficheiros, de impressão, de correio electrónico, e ao servidor Web, bem como às aplicações profissionais específicas ou em pacote». Em contrapartida, relativamente ao seu sistema Red Hat Enterprise Linux AS, a Red Hat apresenta‑o como um sistema destinado aos «sistemas topo de gama e de missão crítica» e como «a solução ideal para os grandes servidores departamentais e os servidores de centros de dados». Isto está de acordo com a afirmação de que os sistemas operativos que se encontram instalados nos servidores topo de gama se destinam à execução de tarefas de «missão crítica» e devem, por essa razão, ser mais fiáveis e terem mais funcionalidades que os sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho (considerandos 57 e 346 da decisão impugnada).

516    Em terceiro lugar, a Comissão baseou‑se na «estratégia da Microsoft em matéria de preços» e, em particular, no facto de esta última facturar preços diferentes para as diferentes versões dos seus sistemas operativos para servidores (considerandos 369 a 382 da decisão impugnada).

517    A este respeito, há que referir, antes de mais, que resulta das indicações que constam dos considerandos 370 a 373 da decisão impugnada e não contestadas pela Microsoft que existem diferenças significativas de preços entre as diferentes versões dos sistemas operativos para servidores desta última, tanto no que diz respeito à gama Windows 2000 Server como à gama Windows Server 2003.

518    Assim, com base em 25 «licenças de acesso cliente» ou «Client Access Licenses (CAL)», o preço de venda do sistema Windows 2000 Advanced Server é 2,22 vezes superior ao do sistema Windows 2000 Server. Quanto ao sistema Windows 2000 Datacenter Server, o seu preço de venda é 5,55 vezes superior ao do sistema Windows 2000 Server (com base em 25 CAL).

519    Do mesmo modo, com base em 25 CAL, o preço de venda do sistema Windows Server 2003 Enterprise Edition é 2,22 vezes superior ao do sistema Windows Server 2003 Standard Edition. O preço de venda do sistema Windows Server 2003 Datacenter Edition é 5,55 vezes superior ao do sistema Windows Server 2003 Standard Edition (com base em 25 CAL). Relativamente ao sistema Windows Server 2003 Web Edition, que só pode ser utilizado para a execução de certas tarefas determinadas (v. n.° 513, supra), é vendido a um preço muito inferior ao do sistema Windows Server 2003 Standard Edition.

520    Em seguida, há que salientar que, contrariamente ao que parece sugerir a Microsoft (v. n.° 446, supra), a Comissão não deduz do simples facto de esta facturar as diferentes versões do seu sistema operativo para servidores a preços diferentes que as referidas versões pertencem a mercados de produtos distintos. Relativamente à substituibilidade do lado da procura, a Comissão leva em conta não só esse elemento, mas também, e sobretudo, o facto de cada uma dessas diferentes versões se destinar a satisfazer uma procura específica dos utilizadores.

521    Por outro lado, a Microsoft não pode invocar a seu favor o facto de as versões «mais caras» dos seus produtos da gama Windows Server 2003, concretamente, os sistemas Windows Server 2003 Enterprise Edition e Windows Server 2003 Datacenter Edition, permitirem a execução das mesmas tarefas de grupos de trabalho que o sistema Windows Server 2003 Standard Edition. Com efeito, apesar de isso corresponder à realidade, não é menos certo que os dois primeiros sistemas se destinam a satisfazer pedidos diferentes daqueles que o terceiro se destina a satisfazer e que é pouco verosímil que um utilizador que apenas pretenda obter o fornecimento de serviços de grupos de trabalho adquira, para tanto, um sistema sensivelmente mais oneroso que o sistema Windows Server 2003 Standard Edition.

522    Como acertadamente refere a Comissão no considerando 376 da decisão impugnada, a própria Microsoft partilha dessa opinião quando, na sua própria documentação comercial, referindo‑se aos sistemas da gama Windows 2000 Server, afirma:

«[O]s três produtos da família – Windows 2000 Server, [Windows 2000] Advanced Server e [Windows 2000] Datacenter Server – permitir‑lhe‑ão adaptar o seu investimento de modo a obter o nível de disponibilidade do sistema adequado às suas diversas operações comerciais, sem ter que fazer despesas acrescidas com operações que não necessitam de um tempo de funcionamento máximo.»

523    No mesmo contexto, a Microsoft também não pode invocar a seu favor o facto de o sistema operativo Windows Server 2003 Standard Edition permitir igualmente a execução de tarefas diferentes das tarefas de grupos de trabalho. Esse argumento, com efeito, não leva em consideração o facto de esta última facturar o sistema operativo a preços diferentes consoante este se destine a ser utilizado para o fornecimento de serviços de grupos de trabalho ou para outros tipos de serviços. Como se explica nos considerandos 84 e 380 da decisão impugnada, os preços praticados pela Microsoft para o sistema operativo Windows Server 2003 Standard Edition incluem uma contrapartida pecuniária por servidor em que esteja instalado e uma contrapartida pecuniária (CAL) por PC cliente a que esse servidor forneça serviços de grupos de trabalho. Em contrapartida, o utilizador não tem de adquirir uma CAL se pretender utilizar esse sistema operativo para a execução de tarefas «não autenticadas», como as de firewall, de proxy ou de cacheserving. Estas afirmações demonstram, além disso, que a alegação da Microsoft de que «os fornecedores não facturam preços diferentes a pessoas diferentes pela mesma edição de um sistema operativo para servidores em função do modo como o vão utilizar» não corresponde à realidade.

524    Por último, em quarto lugar, a Comissão referiu que os sistemas operativos para servidores diferentes dos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho não tinham de interoperar tão plenamente com os PC clientes dentro das organizações como estes últimos sistemas (considerandos 346 e 383 a 386 da decisão impugnada).

525    A este respeito, basta observar que já acima se referiu, no n.° 385, que a Comissão tinha razão ao formular essa apreciação. De qualquer forma, esta última não é contestada pela Microsoft.

526    Resulta do exposto que a Microsoft não demonstrou que a conclusão da Comissão de que não existem produtos que, do lado da procura, tenham a capacidade de exercer sobre os sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho pressões concorrenciais de tal ordem que possam ser incluídos no mesmo mercado de produtos em causa (considerando 387 da decisão impugnada) era manifestamente errada.

527    Relativamente, em segundo lugar, à substituibilidade do lado da oferta, a questão é analisada pela Comissão nos considerandos 388 a 400 da decisão impugnada.

528    A Comissão considera, a este respeito, que «outros editores de sistemas operativos, incluindo, em particular, os editores de sistemas operativos para servidores, não têm a capacidade de reorientar os seus activos de produção e de distribuição para sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho sem terem que suportar despesas e assumir riscos suplementares substanciais e num prazo suficientemente curto para que as considerações relativas à substituibilidade do lado da oferta sejam pertinentes no presente processo» (considerando 399 da decisão impugnada). Refuta, mais especificamente, a tese desenvolvida pela Microsoft na sua resposta de 16 de Novembro de 2001 à segunda comunicação de acusações, segundo a qual existe uma «substituição praticamente instantânea do lado da oferta» no sentido de que bastaria «desactivar» as «funcionalidades mais complexas» incluídas nos sistemas operativos para servidores topo de gama para obter um produto equiparável a um sistema operativo para servidores de grupos de trabalho.

529    Não se pode deixar de referir que, no corpo dos seus articulados, a Microsoft não alega nenhum argumento concreto susceptível de pôr em causa a análise efectuada pela Comissão nos referidos considerandos da decisão impugnada. Na fase da réplica, limita‑se a alegar, de modo geral, que «[o] custo da alteração é nulo em numerosos casos» e «insignificante noutros», sem sequer esclarecer se pretende, desse modo, contestar as afirmações da Comissão relativas à inexistência de substituibilidade do lado da oferta.

530    Nestas circunstâncias, há que considerar que a Microsoft não demonstrou que a Comissão concluiu pela inexistência de substituibilidade do lado da oferta no caso em apreço de modo manifestamente errado.

531    A conclusão a extrair destas considerações é a de que a Comissão definiu correctamente o segundo mercado de produtos como o dos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho.

532    Esta última conclusão não pode ser posta em causa pelo argumento da Microsoft segundo o qual «[n]ão há ninguém no sector que utilize o termo ‘servidor de grupos de trabalho’ no sentido utilizado pela Comissão para definir [o mercado de produtos em causa]». Com efeito, por um lado, como muito acertadamente salienta a Comissão, a terminologia a que esta última recorre para designar o mercado é irrelevante para determinar se definiu correctamente esse mesmo mercado. Por outro, o argumento da Microsoft, de qualquer forma, não tem fundamento em termos factuais, uma vez que resulta dos autos que as expressões «servidor de grupos de trabalho» e «sistema operativo para servidores de grupos de trabalho» são utilizadas no sector para designar o tipo de produtos referidos na decisão impugnada. Assim, na sua denúncia de 10 de Dezembro de 1998, a Sun esclareceu expressamente que esta dizia respeito à conduta da Microsoft «no sector dos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho». No mesmo sentido, deve recordar‑se que, na sua documentação comercial, a própria Microsoft apresenta o seu sistema operativo Windows 2000 Server como «a solução adequada aos servidores de grupos de trabalho para as tarefas de ficheiros, de impressão e de comunicação» (v. n.° 506, supra).

–       Quanto à metodologia aplicada para calcular as quotas de mercado

533    A Microsoft censura à Comissão o facto de ter utilizado uma metodologia inadequada para calcular as quotas de mercado dos diversos operadores no segundo mercado de produtos. Sustenta, nomeadamente, que essa metodologia não dá nenhuma «informação relevante sobre a posição dominante».

534    O Tribunal considera que, pelas razões que serão adiante expostas, a Microsoft não demonstrou que a metodologia aplicada pela Comissão padeça de um erro manifesto de apreciação.

535    Nos considerandos 473 a 490 da decisão impugnada, a Comissão dá explicações pormenorizadas sobre essa metodologia.

536    A Comissão refere, em primeiro lugar, que utiliza duas categorias de «valores indicativos» (proxies) para apreciar a posição dos diversos operadores no mercado, concretamente, por um lado, as estimativas feitas pela IDC com base nos intervalos de preços dos proxies e dos workloads bem como na repartição entre as diversas tarefas executadas e, por outro, as estimativas das quotas de mercado baseadas nos resultados do estudo de mercado de 2003 e da segunda e terceira sondagens realizadas pela Mercer (considerando 473 da decisão impugnada).

537    Importa referir desde já que a afirmação que consta do número precedente demonstra que a alegação da Microsoft de que a Comissão só levou em conta, para calcular as quotas de mercado, o tempo dedicado pelos sistemas operativos para servidores à execução de tarefas de grupos de trabalho e as vendas de sistemas operativos para servidores de preço inferior a 25 000 USD é manifestamente incorrecta. A Microsoft não menciona que a Comissão também levou em conta dados provenientes de fontes diferentes da IDC. Como será adiante referido no n.° 556, as quotas de mercado determinadas com base nestes últimos dados correspondem globalmente às determinadas com base nos dados da IDC.

538    Em seguida, a Comissão observa que há que determinar as quotas de mercado levando em consideração tanto o número de unidades de produtos vendidos como o volume de negócios gerados pelas vendas de software juntamente com o hardware (considerandos 474 a 477 da decisão impugnada).

539    Por último, relativamente aos dados da IDC, a Comissão considera necessário ajustá‑los recorrendo à aplicação de dois «filtros» (considerandos 478 a 489 da decisão impugnada). Por um lado, só leva em consideração servidores cujo preço de venda seja inferior a 25 000 USD ou 25 000 EUR, sendo certo que, na data relevante, como resulta da nota de rodapé n.° 6 da decisão impugnada, um euro correspondia aproximadamente a um USD. Por outro, só leva em consideração algumas categorias de tarefas definidas pela IDC.

540    A censura que a Microsoft faz à Comissão é relativa à utilização destes dois filtros.

541    No que diz respeito ao primeiro filtro, a Microsoft limita‑se, no corpo da réplica, a contestar, de modo perfeitamente genérico, a sua relevância. No anexo C.12 da réplica, esclarece um pouco a sua argumentação, por um lado, alegando que o estudo de mercado de 2003 – de que alguns resultados foram utilizados pela Comissão para justificar a aplicação do referido filtro – diz respeito ao «comportamento de um grupo particular de clientes» e, por outro, criticando o facto de a Comissão levar em conta o preço de venda dos servidores e não o dos sistemas operativos. Quanto a este último ponto, refere que um mesmo sistema operativo para servidores de grupos de trabalho pode funcionar em servidores de preços muito diferentes, nomeadamente em servidores de preço inferior a 25 000 USD.

542    Estes argumentos não podem ser acolhidos.

543    Com efeito, antes de mais, as entidades questionadas pela Comissão no âmbito do estudo de mercado de 2003 não representam um «grupo particular de clientes». Como é referido no considerando 8 da decisão impugnada, essas entidades são sociedades seleccionadas ao acaso pela Comissão, implantadas em diversos Estados‑Membros, de dimensões diferentes e que exercem actividade em diferentes sectores económicos.

544    Em seguida, importa referir que, como esclareceu a Comissão em resposta a uma das perguntas escritas do Tribunal, o limite de 25 000 USD, ou 25 000 EUR, diz respeito ao «custo total do sistema (isto é, do hardware e do software)». O Tribunal de Primeira Instância considera que a Comissão tinha razão ao levar em conta o preço de venda do hardware juntamente com o software para avaliar as quotas de mercado dos operadores no mercado dos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho. Com efeito, como referido nos considerandos 69 e 474 da decisão impugnada, vários fornecedores, entre os quais a Sun e a maioria dos fornecedores de produtos UNIX, desenvolvem e comercializam ao mesmo tempo os sistemas operativos para servidores e o hardware. Não se pode deixar de referir, além disso, que, no procedimento administrativo, a própria Microsoft preconizou o critério seguido pela Comissão (v. considerando 476 da decisão impugnada).

545    Por último, há que observar que a Comissão se baseou acertadamente no limite de 25 000 USD, ou 25 000 EUR, que é o montante correspondente ao preço de venda máximo dos servidores que fazem parte da primeira das três categorias de servidores através das quais a IDC segmenta o mercado para efeitos do seu estudo (considerando 480 da decisão impugnada). Resulta, com efeito, dos resultados do estudo de mercado de 2003 que os sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho funcionam geralmente em servidores relativamente baratos, por oposição às aplicações «de missão crítica», que, pelo contrário, devem ser executadas em servidores topo de gama.

546    Assim, no âmbito deste estudo, a Comissão pediu, nomeadamente, às organizações em causa que dissessem que preço estavam dispostas a pagar por um servidor de grupos de trabalho (pergunta n.° 3 do pedido de esclarecimento de 4 de Junho de 2003). Das 85 organizações que responderam a essa pergunta, 83 (ou seja, cerca de 97,6%) responderam que não pagariam mais de 25 000 EUR.

547    Do mesmo modo, no seu pedido de esclarecimento de 16 de Abril de 2003, a Comissão fez determinadas perguntas às organizações a propósito das suas compras passadas e planeadas de servidores destinados ao fornecimento de serviços de ficheiros e de impressão (perguntas nos 8 e 9). Resulta das respostas a essas perguntas que, dos 8 236 servidores comprados para esse efeito por essas organizações, 8 001 (ou seja, cerca de 97,1%) custaram menos de 25 000 EUR e que, das 2 695 compras planeadas desses servidores, 2 683 (ou seja, cerca de 99,6%) eram de preço inferior a 25 000 EUR (considerando 479 da decisão impugnada).

548    Quanto ao segundo filtro, a Microsoft limita‑se, no corpo da réplica, a observar que a sua aplicação tem a consequência absurda de fazer com que «se considere que um exemplar de um sistema operativo está simultaneamente dentro e fora do mercado em função das tarefas que executa num momento determinado». No anexo C.12 da réplica, acrescenta que «grande parte das vendas (artificialmente) excluídas do mercado [utilizando esse filtro] correspondem quase de certeza a vendas de edições de [sistemas operativos para servidores] que fazem parte do mercado candidato da Comissão [ou seja, o mercado dos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho]».

549    Estes argumentos também não podem vingar.

550    Não se pode deixar de referir, com efeito, não só que a Comissão podia legitimamente recorrer a este segundo filtro, mas também que a Microsoft amplifica largamente as consequências da sua aplicação.

551    A este respeito, há que recordar a razão pela qual a Comissão considerou necessário utilizar o referido filtro. Como resulta do considerando 482 da decisão impugnada, essa razão consiste no facto de nem todos os sistemas operativos que estão instalados em servidores de preço inferior a 25 000 USD, ou 25 000 EUR, fornecerem serviços de grupos de trabalho. Em particular, alguns desses sistemas destinam‑se exclusivamente à execução de tarefas especializadas, que se encontram fora das redes de grupos de trabalho ou à sua margem, como os serviços Web e de firewall. É o que acontece, por exemplo, como o sistema Windows Server 2003 Web Edition, cuja licença proíbe a sua utilização para o fornecimento de serviços de grupos de trabalho e que se encontra habitualmente instalado em servidores de preço inferior a 25 000 USD, ou 25 000 EUR.

552    A Comissão, assim sendo, considerou acertadamente que os dados da IDC sobre as vendas de servidores de preço inferior a 25 000 USD, ou 25 000 EUR, deviam ser relativizados, tendo igualmente em consideração os diferentes tipos de tarefas executadas por esses servidores (considerando 483 da decisão impugnada). Para esse efeito, utilizou os dados da IDC contidos numa base de dados denominada «IDC Server Workloads 2003 Model». Trata‑se de dados recolhidos junto dos consumidores, aos quais a IDC pediu que especificassem as tarefas (ou «workload») executadas pelos servidores que utilizam na sua organização. Como já foi referido no n.° 431, supra, a IDC identificou oito categorias principais de tarefas e distinguiu dentro delas várias subcategorias. A Comissão usou as subcategorias denominadas «partilha de ficheiros/de impressoras» e «gestão de rede», que eram as que mais se aproximavam dos serviços de «partilha de ficheiros e de impressoras» e de «gestão dos utilizadores e dos grupos de utilizadores» referidos na decisão impugnada (considerando 486 da decisão impugnada).

553    É certo que as tarefas que fazem parte das duas referidas subcategorias não correspondem perfeitamente aos serviços que constituem o mercado dos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho. A Comissão, aliás, tinha plena consciência disso, como resulta dos exemplos que dá nos considerandos 487 e 488 da decisão impugnada que demonstram, nomeadamente, que algumas das tarefas executadas em servidores topo de gama podem ser incluídas numa ou noutra das referidas subcategorias apesar de ser claro que não são tarefas de grupos de trabalho.

554    Todavia, é precisamente a conjugação dos dois filtros objecto da crítica da Microsoft que permite reduzir esse problema de concordância entre as tarefas definidas pela IDC e as referidas pela Comissão.

555    De qualquer forma, não se pode deixar de referir que as quotas de mercado obtidas através da aplicação apenas do primeiro filtro não são sensivelmente diferentes das obtidas através da utilização conjunta de ambos os filtros. Assim, relativamente à quota de mercado da Microsoft em 2002, calculada com base em todos os servidores vendidos a um preço inferior a 25 000 USD, a mesma é de 64,9% em termos de unidades vendidas e de 61% em termos de volume de negócios (considerando 491 da decisão impugnada). Se apenas forem levadas em conta, para os mesmos servidores, as subcategorias «partilha de ficheiros/de impressoras» e «gestão de rede», as quotas de mercado da Microsoft são as seguintes: 66,4% em termos de unidades vendidas (65,7% em termos de volume de negócios) quanto à primeira subcategoria, e 66,7% em termos de unidades vendidas (65,2% em termos de volume de negócios) quanto à segunda (considerando 493 da decisão impugnada).

556    De modo mais genérico, como é referido no considerando 473 da decisão impugnada, as percentagens obtidas através da utilização dos dados da IDC, com a aplicação conjunta de ambos os filtros, correspondem globalmente às obtidas com base nos resultados do estudo de mercado de 2003 e na segunda e terceira sondagens realizadas pela Mercer (v., por exemplo, considerandos 495, 497 e 498 da decisão impugnada). Deve salientar‑se, neste contexto, que a Comissão se manteve sempre prudente. Assim, relativamente à Microsoft, adoptou a quota de mercado mais baixa, concretamente, «pelo menos 60%» (considerando 499 da decisão impugnada).

557    Deve concluir‑se destas considerações que a Microsoft não demonstrou que a metodologia aplicada pela Comissão para calcular as quotas de mercado padece de um erro manifesto de apreciação nem, por conseguinte, que as estimativas das quotas de mercado contidas nos considerandos 491 a 513 da decisão impugnada devem considerar‑se manifestamente erradas.

558    Há que acrescentar que a Comissão não se baseou unicamente nas quotas de mercado detidas pela Microsoft no mercado dos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho para concluir que esta última tinha uma posição dominante. Com efeito, também levou em conta o facto de existirem barreiras à entrada nesse mercado (considerandos 515 a 525 da decisão impugnada), devidas, nomeadamente, à existência de efeitos de rede e de obstáculos à interoperabilidade, bem como relações comerciais e tecnológicas estreitas entre o referido mercado e o dos sistemas operativos para PC clientes (considerandos 526 a 540 da decisão impugnada).

559    Por último, há que recordar que, quanto à recusa abusiva em causa, a Comissão acusa a Microsoft, na decisão impugnada, de ter usado, através do exercício de um «efeito de alavanca» (leveraging), a posição quase monopolística que detém no mercado dos sistemas operativos para PC clientes para influir no mercado dos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho (considerandos 533, 538, 539, 764 a 778, 1063, 1065 e 1069). Por outras palavras, o comportamento abusivo imputado à Microsoft tem origem na posição dominante que esta ocupa no primeiro mercado de produtos (considerandos 567 e 787 da decisão impugnada). O facto de a Comissão ter erradamente considerado que a Microsoft se encontrava em posição dominante no segundo mercado (v., nomeadamente, considerandos 491 a 541, 781 e 788 da decisão impugnada) não é, por conseguinte, suficiente, por si só, para levar à conclusão de que concluiu erradamente pela existência de um abuso de posição dominante pela Microsoft.

–       Quanto ao critério aplicável

560    Na decisão impugnada, a Comissão verificou se a recusa em causa criava «o risco» de eliminação da concorrência no mercado dos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho (considerandos 585, 589, 610, 622, 626, 631, 636, 653, 691, 692, 712, 725, 781, 992 e 1070). A Microsoft considera esse critério não é suficientemente estrito, uma vez que a jurisprudência relativa ao exercício de um direito de propriedade intelectual exige que a Comissão demonstre que a recusa de conceder uma licença a um terceiro é «susceptível de eliminar toda e qualquer concorrência» ou, por outras palavras, que existe uma «grande probabilidade» de que a referida recusa conduza a esse resultado.

561    O Tribunal considera que a crítica da Microsoft é de natureza puramente terminológica e totalmente irrelevante. As expressões «risco de eliminação da concorrência» e «susceptível de eliminar toda e qualquer concorrência» são, com efeito, indistintamente utilizadas pelo juiz comunitário para reflectir a mesma ideia, a de que o artigo 82.° CE não é apenas aplicável a partir do momento em que já não existe, ou quase já não existe, concorrência no mercado. Se a Comissão tivesse de esperar que os concorrentes fossem eliminados do mercado, ou que essa eliminação estivesse suficientemente iminente antes de poder intervir ao abrigo dessa disposição, isso contrariaria manifestamente o seu objectivo de preservar uma concorrência não falseada no mercado comum, nomeadamente, de proteger a concorrência ainda existente no mercado em causa.

562    No caso em apreço, a Comissão teve toda a razão em aplicar o artigo 82.° CE antes que a eliminação da concorrência no mercado dos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho se tivesse totalmente materializado, tanto mais que esse mercado se caracteriza por efeitos de rede significativos e que essa eliminação seria, consequentemente, dificilmente reversível (v. considerandos 515 a 522 e 533 da decisão impugnada).

563    Há que acrescentar que não é necessário demonstrar a eliminação toda a concorrência no mercado. O que importa, com efeito, para efeitos de demonstrar a violação do artigo 82.° CE, é que a recusa em causa crie o risco, ou seja susceptível de, eliminar toda e qualquer concorrência efectiva no mercado. Há que esclarecer, a este respeito, que o facto de os concorrentes da empresa em posição dominante permanecerem de forma marginal em certos «nichos» de mercado não é suficiente para concluir pela existência de tal concorrência.

564    Por último, deve recordar‑se que é à Comissão que incumbe demonstrar que a recusa de fornecimento em causa cria o risco de eliminação de toda e qualquer concorrência efectiva. Como já foi acima referido no n.° 482, a Comissão deve basear a sua apreciação em elementos de prova exactos, fiáveis e coerentes, que constituam a totalidade dos dados pertinentes que devem ser tomados em consideração para apreciar uma situação complexa e que sejam susceptíveis de fundamentar as conclusões que deles se retiram.

–       Quanto à apreciação dos dados do mercado e da situação concorrencial

565    O Tribunal de Primeira Instância observa que, na decisão impugnada, a Comissão analisa ao mesmo tempo a circunstância de as informações relativas à interoperabilidade serem indispensáveis e a circunstância de a recusa em causa criar o risco de eliminação da concorrência (considerandos 585 a 692 da decisão impugnada). A sua análise subdivide‑se em quatro partes. Em primeiro lugar, a Comissão examina a evolução do mercado dos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho (considerandos 590 a 636 da decisão impugnada). Em segundo lugar, afirma que a interoperabilidade é um factor que desempenha um papel determinante na adopção dos sistemas operativos Windows para servidores de grupos de trabalho (considerandos 637 a 665 da decisão impugnada). Em terceiro lugar, refere que não existem soluções alternativas à divulgação, pela Microsoft, das informações relativas à interoperabilidade (considerandos 666 a 687 da decisão impugnada). Em quarto lugar, formula determinadas observações a propósito do MCPP (considerandos 688 a 691 da decisão impugnada).

566    Os argumentos que a Microsoft invoca para sustentar a presente crítica dizem essencialmente respeito à primeira parte da referida análise da Comissão. A Microsoft alega, no essencial, que os dados do mercado contrariam a tese desta última segundo a qual a recusa em causa cria o risco de eliminação da concorrência no mercado dos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho.

567    No âmbito dessa primeira parte da análise da Comissão, esta examinou, antes de mais, a evolução das quotas de mercado da Microsoft e dos seus concorrentes no segundo mercado de produtos. Verificou, no essencial, que a quota de mercado da Microsoft tinha tido um crescimento rápido e significativo e que continuava a progredir, em detrimento, em particular, da Novell. A Comissão, em seguida, salientou que a quota de mercado dos editores de produtos UNIX era baixa. Por último, considerou que os produtos Linux tinham uma presença muito limitada no mercado, que não tinham registado nenhuma progressão nesse mercado durante os anos imediatamente anteriores à adopção da decisão impugnada e que determinadas previsões relativas ao seu crescimento futuro não eram susceptíveis de pôr em causa a sua conclusão relativa à eliminação da concorrência efectiva no mercado.

568    O Tribunal de Primeira Instância considera que essas várias conclusões são confirmadas pelos elementos dos autos e que não podem ser postas em causa pelos argumentos da Microsoft.

569    Com efeito, em primeiro lugar, resulta dos autos que, inicialmente, a Microsoft só fornecia sistemas operativos para PC clientes e que só bastante tardiamente entrou no mercado dos sistemas operativos para servidores (v., nomeadamente, n.° 47 da resposta de 17 de Novembro de 2000 à primeira comunicação de acusações). Só no início dos anos 90 é que começou a desenvolver um sistema operativo para servidores – comercializando um primeiro sistema, denominado «Windows NT 3.5 Server», em Julho de 1992 – e só com o seu produto denominado «Windows NT 4.0», colocado no mercado em Julho de 1996, é que teve, pela primeira vez, um verdadeiro sucesso comercial (v., nomeadamente, n.° 50 da resposta de 17 de Novembro de 2000 à primeira comunicação de acusações e n.os 50 e 56 da petição inicial).

570    Resulta dos dados da IDC, tal como foram reproduzidos no considerando 591 da decisão impugnada, que a quota de mercado da Microsoft, em termos de unidades vendidas, no mercado dos sistemas operativos instalados em servidores de preço inferior a 25 000 USD passou de 25,4% (24,5% em termos de volume de negócios) em 1996 a 64,9% (61% em termos de volume de negócios) em 2002, ou seja, deu um crescimento de perto de 40% apenas em seis anos.

571    Resulta igualmente dos dados da IDC, mencionados no considerando 592 da decisão impugnada, que a quota de mercado da Microsoft teve um aumento contínuo na sequência do lançamento da geração Windows 2000 dos seus sistemas operativos. Ora, como a Comissão refere várias vezes, com razão, na decisão impugnada (v., por exemplo, considerandos 578 a 584, 588 e 613), foi precisamente com os sistemas operativos dessa gama de produtos que os problemas de interoperabilidade se colocaram de modo particularmente agudo para os concorrentes da Microsoft.

572    Assim, por exemplo, o produto de software denominado «NDS para NT», que tinha sido desenvolvido pela Novell utilizando técnicas de engenharia de inversão, facilitava a interoperabilidade entre os sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho concorrentes da Microsoft e a arquitectura de domínio Windows, no caso vertente o Windows NT. Este produto podia ser instalado num controlador de domínio Windows NT e permitia aos clientes utilizar o NDS (Novell Directory Service, posteriormente denominado eDirectory) da Novell para gerir os diversos aspectos dos domínios Windows NT. Devido ao facto de a Microsoft não transmitir certas informações à Novell, o NDS para NT não podia, em contrapartida, funcionar com o sistema operativo Windows 2000 Server (v. considerando 301 da decisão impugnada).

573    Um outro exemplo é o do produto denominado «AS/U» que a AT&T conseguiu desenvolver nos anos 90 utilizando certos elementos do código fonte do Windows que a Microsoft tinha aceitado revelar‑lhe no âmbito de uma licença. Graças a esse produto, um servidor em que estivesse instalado um sistema UNIX podia funcionar como controlador de domínio principal num domínio Windows NT (v. considerando 211 da decisão impugnada). Do mesmo modo, a Sun tinha conseguido desenvolver, com base no código fonte do AS/U que lhe tinha sido transmitido pela AT&T no âmbito de uma licença, um produto semelhante ao AS/U, denominado «PC NetLink». Este último produto, quando estava instalado num servidor que funcionasse com um sistema operativo Solaris, permitia a esse servidor, por um lado, «fornecer de modo transparente aos clientes do Windows 3.X/95/98/NT os serviços de ficheiro, de impressão, de directório e de segurança Windows NT», e «nativamente», ou seja, sem que os utilizadores tivessem que instalar um software complementar nos seus PC clientes, e, por outro, agir como controlador de domínio principal, ou como controlador de domínio secundário, num domínio Windows NT (v. considerando 213 da decisão impugnada). Em 2001, a Microsoft e a AT&T decidiram não estender o seu acordo de licença a algumas novas tecnologias em matéria de sistemas operativos para servidores. Assim, a Microsoft não transmitiu à AT&T os elementos do código fonte necessários relativos aos sistemas que sucederam aos seus sistemas Windows NT 4.0. Em consequência, o PC NetLink passou a só ter capacidade de funcionar com os PC clientes em que estivesse instalado um sistema Windows NT – não funcionava, nomeadamente, com os sistemas Windows 2000 – e foi progressivamente perdendo interesse.

574    No mesmo contexto, há que fazer referência às diversas alterações que resultaram da passagem da tecnologia Windows NT à tecnologia Windows 2000 e ao Active Directory (v. n.os 167 a 171, supra).

575    Em segundo lugar, resulta dos autos que, paralelamente à evolução acima descrita da posição da Microsoft, a Novell sofreu um declínio contínuo no mercado dos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho e tornou‑se, em alguns anos apenas, um actor secundário. Ora, na altura em que a Microsoft entrou no mercado dos sistemas operativos para servidores, o produto líder para o fornecimento de serviços de grupos de trabalho era o sistema NetWare da Novell (v. n.° 56 da petição inicial), que estava presente nesse mercado desde meados dos anos 80.

576    Assim, resulta dos dados da IDC mencionados no considerando 593 da decisão impugnada que, se forem levados em conta a subcategoria «partilha de ficheiros/de impressoras» e os servidores de preço inferior a 25 000 USD, a quota de mercado do NetWare caiu de 33,3% em 2000 para 23,6% em 2002 em termos de unidades vendidas e de 31,5% em 2000 para 22,4% em 2002 em termos de volume de negócios.

577    O declínio da Novell é confirmado tanto pelas declarações dos analistas de mercado como pela própria Microsoft (v. considerando 596 da decisão impugnada).

578    Do mesmo modo, no relatório que contém a análise dos resultados da sua terceira sondagem, a Mercer refere expressamente que numerosas organizações reduziram a utilização do NetWare. A Mercer refere, nomeadamente, que «[q]uando questionadas sobre a utilização que fazem de cada um dos sistemas operativos para servidores para as funções de servidor de grupos de trabalho nos últimos cinco anos, as organizações que responderam que reduziram a utilização do NetWare ultrapassam numa proporção de perto de sete para um as que responderam que a aumentaram» (v. p. 25 e quadro 16 do relatório).

579    Por outro lado, como correctamente refere a Comissão nos considerandos 594 e 595 da decisão impugnada, certos resultados do estudo de mercado de 2003 e certas declarações de clientes apresentadas pela Microsoft no procedimento administrativo demonstram claramente uma tendência, dentro das organizações, para a substituição do NetWare pelo Windows 2000 Server. Em contrapartida, existem muito poucos exemplos de «migração» do Windows para o NetWare (v. considerandos 594 e 632 da decisão impugnada).

580    Em terceiro lugar, no que diz respeito aos outros concorrentes da Microsoft, os elementos dos autos demonstram que apenas conseguiram manter uma posição muito marginal no mercado dos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho.

581    Assim, antes de mais, relativamente aos editores de sistemas UNIX (entre os quais a Sun), resulta dos dados da IDC mencionados no considerando 508 da decisão impugnada que, em 2002, a sua quota de mercado conjunta apenas representava, levando em conta a subcategoria «partilha de ficheiros/de impressoras» e dos servidores de preço inferior a 25 000 USD, 4,6% em termos de unidades vendidas e 7,4% em termos de volume de negócios. No que diz respeito à subcategoria «gestão da rede», os dados correspondentes eram de 6,4% em termos de unidades vendidas e de 10,8% em termos de volume de negócios.

582    Importa referir, a este respeito, que decorre dos resultados do estudo de mercado de 2003 e das declarações de clientes apresentadas pela Microsoft que os sistemas UNIX não são essencialmente utilizados para a execução de tarefas de grupos de trabalho mas sim para a execução de aplicações «de missão crítica», para o fornecimento de serviços Web e de firewall e, em menor medida, para a execução de serviços de correio electrónico interno (v. considerandos 509 a 511 da decisão impugnada).

583    Em seguida, relativamente aos produtos Linux, decorre dos dados da IDC, dos resultados do estudo de mercado de 2003 e das declarações de clientes da Microsoft que, contrariamente às afirmações desta última, esses produtos também tinham apenas uma presença marginal no mercado dos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho à data da adopção da decisão impugnada.

584    Assim, resulta dos dados da IDC, reproduzidos no considerando 599 da decisão impugnada, que a quota de mercado conjunta dos editores de produtos Linux, em termos de unidades vendidas, passou, no que diz respeito à subcategoria «partilha de ficheiros/de impressoras» e dos servidores de preço inferior a 25 000 USD, de 5,1% em 2000 para 4,8% em 2002. Medida em termos de volume de negócios, essa quota de mercado conjunta manteve‑se em 3,9% no mesmo período.

585    É certo que, no que diz respeito à subcategoria «gestão da rede» e dos servidores de preço inferior a 25 000 USD, a quota conjunta dos editores de produtos Linux, em termos de unidades vendidas, passou, segundo os dados da IDC, mencionados na nota de rodapé n.° 728 da decisão impugnada (v. igualmente considerando 505 da decisão impugnada), de 10,1% em 2000 para 13,4% em 2002 (e de 8 para 10,8%, no mesmo período, em termos de volume de negócios). Todavia, este aumento deve ser relativizado tendo em conta o facto de, como referiu a Comissão no considerando 488 e na referida nota de rodapé da decisão impugnada, essa subcategoria incluir serviços que não são serviços de grupos de trabalho na acepção da decisão impugnada. A referida subcategoria é descrita pela IDC como uma categoria que «inclui as seguintes aplicações de redes: serviços de directório, segurança/autenticação, transferência de dados/ficheiros através da rede, comunicação, e transferência de dados/ficheiros através do sistema» (considerando 488 da decisão impugnada). Semelhante descrição é susceptível de levar os utilizadores questionados pela IDC a incluírem nessa subcategoria determinadas tarefas que não devem ser nela incluídas nem devem ser incluídas no mercado de produtos em causa, e que são geralmente executadas por sistemas Linux ou UNIX. Por exemplo, a referida descrição podia ser interpretada no sentido de que abrange tarefas «situadas à margem das redes», como a de firewall, que podia ser considerada relacionada com a «segurança», e de roteamento, podia ser considerada relacionada com a «transferência de dados/ficheiros através da rede». Ora, como é referido, nomeadamente, nos considerandos 58, 346, 482, 600 e 601 da decisão impugnada, esse tipo de tarefas é geralmente executado em servidores de baixa gama por sistemas Linux. Por conseguinte, os dados da IDC relativos à subcategoria «gestão da rede» sobrestimam as vendas de sistemas Linux no mercado dos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho.

586    É verdade que, no considerando 487 da decisão impugnada, a Comissão refere que os dados da IDC relativos à subcategoria «partilha de ficheiros/de impressoras» também são imperfeitos, nomeadamente na medida em que, pelo facto de os servidores topo de gama que executam aplicações de «missão crítica» poderem imprimir certos documentos, por exemplo facturas, os utilizadores questionados podem ser levados a considerar que esses servidores executam tarefas abrangidas pela referida subcategoria, quando é manifesto que não são servidores de grupos de trabalho. Todavia, a aplicação do filtro dos 25 000 EUR, ou 25 000 USD, permite reduzir essa inexactidão (v. considerando 489 da decisão impugnada, em que a Comissão explica que os «mainframes» que imprimem facturas são geralmente mais caros). Os dados da IDC são mais imperfeitos, por conseguinte, no que diz respeito à subcategoria «gestão da rede» do que no que diz respeito à subcategoria «partilha de ficheiros/de impressoras».

587    Importa referir que os resultados do estudo de mercado de 2003 não apresentam imperfeições do tipo das referidas no número precedente. Ora, os referidos resultados confirmam que a Linux tinha apenas uma presença marginal no mercado dos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho. Assim, no seu pedido de esclarecimento de 16 de Abril de 2003, a Comissão perguntou às organizações em causa se utilizavam servidores que funcionassem com Linux em conjugação com o software Samba para a execução de tarefas de grupos de trabalho (pergunta n.° 25). Das 102 organizações que participaram nesse estudo, só 19 recorriam a esses servidores para a execução de tarefas de grupos de trabalho, e, na maioria dos casos, em medida muito limitada (considerando 506 da decisão impugnada). Assim, num total de mais de 1 200 000 PC clientes abrangidos pelo estudo de mercado de 2003, menos de 70 000 (ou seja, menos de 5,8%) usavam servidores que funcionassem com Linux em conjugação com o Samba para a execução das tarefas de partilha de ficheiros e de impressoras (considerandos 506 e 599 da decisão impugnada).

588    No mesmo sentido, há que observar igualmente que, como refere a Comissão na resposta (n.° 140), a segunda sondagem realizada pela Mercer revela, para os produtos Linux, uma quota de mercado conjunta de 4,8% no que diz respeito às tarefas de partilha de ficheiros e de impressoras e de 5,2% no que diz respeito às tarefas de gestão dos utilizadores e dos grupos de utilizadores, e a terceira sondagem da Mercer revela, para esses mesmos produtos, uma quota de mercado de 5,4% no que diz respeito às tarefas de partilha de ficheiros e de impressoras e de 4,5% no que diz respeito às tarefas de gestão dos utilizadores e dos grupos de utilizadores.

589    Na realidade, os resultados do estudo de mercado de 2003 demonstram que, à semelhança dos sistemas UNIX, os produtos Linux são geralmente utilizados para a realização de tarefas diferentes das de grupos de trabalho, ou seja, mais especificamente, o fornecimento de serviços Web e de firewall e a execução de aplicações «de missão crítica» (v. considerandos 600 e 601 da decisão impugnada, em que são comentadas as respostas às perguntas nos 5 e 6 do pedido de esclarecimento de 16 de Abril de 2003).

590    Há que acrescentar que esta conclusão é confirmada pelas declarações de clientes apresentadas pela Microsoft no procedimento administrativo, como correctamente refere a Comissão no considerando 602 da decisão impugnada.

591    Deve acrescentar‑se que a presença dos editores de produtos Linux no mercado dos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho, para além facto de não ser sequer comparável à que a Microsoft conseguiu conquistar em alguns anos apenas, não sucedeu em detrimento desta última, mas sim da Novell e dos editores de produtos UNIX. A este respeito, há que salientar que, como refere a Comissão na tréplica (n.° 104), das entidades questionadas pela Mercer no âmbito da sua terceira sondagem que tinham aumentado a utilização de sistemas Linux ao longo dos cinco anos precedentes para a execução de tarefas de grupos de trabalho, 67% tinham reduzido a utilização de sistemas NetWare ou UNIX, ao passo que apenas 14% tinham reduzido a utilização de sistemas Windows. Além disso, como é correctamente referido no considerando 632 da decisão impugnada, o estudo de mercado de 2003 revelou apenas dois casos de «migração» de sistemas Windows para sistemas Linux no que diz respeito a execução de tarefas de grupos de trabalho.

592    As alegações da Microsoft em sentido contrário no anexo C.11 da réplica não têm qualquer credibilidade, tendo em conta, especialmente, o aumento constante da sua quota de mercado no mercado de produtos relevante durante todo o período abrangido pela recusa abusiva em causa.

593    Os elementos acima mencionados confirmam que a referida recusa tem a consequência de confinar os produtos dos concorrentes da Microsoft a posições marginais, ou mesmo de os tornar não rentáveis. A eventual existência de uma concorrência marginal entre os operadores no mercado não é, portanto, susceptível de infirmar a tese da Comissão relativa ao risco de eliminação de toda e qualquer concorrência efectiva nesse mercado.

594    Tendo em conta os elementos mencionados nos n.os 583 a 593, o Tribunal de Primeira Instância considera que a Comissão referiu correctamente, no considerando 603 da decisão impugnada, que os editores de produtos Linux não representavam uma ameaça séria para a Microsoft no mercado dos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho.

595    Ainda relativamente aos produtos Linux, a Microsoft alega que a sua presença no mercado dos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho continuará a crescer no futuro. Desenvolve esse argumento no anexo A.19 da petição inicial e no anexo C.11 da réplica. A Comissão, por sua vez, responde de modo circunstanciado a esse argumento no anexo B.10 da resposta e no anexo D.11 da tréplica.

596    Para sustentar o referido argumento, a Microsoft faz referência, antes de mais, a determinados resultados da terceira sondagem realizada pela Mercer.

597    No âmbito dessa sondagem, a Mercer perguntou, nomeadamente, aos responsáveis em informática cuja organização utilizava já sistemas operativos Linux para a execução de tarefas de grupos de trabalho se planeavam aumentar essa utilização nos próximos cinco anos. Como resulta do quadro n.° 19 do relatório Mercer que procedeu à análise dos resultados da referida sondagem, dos 70 responsáveis em informática visados por essa pergunta, 53 responderam afirmativamente.

598    Para o Tribunal, a Comissão entendeu correctamente, no considerando 605 da decisão impugnada, que esse elemento não era concludente. Com efeito, deve observar‑se, por um lado, que esses 53 responsáveis em informática representavam apenas cerca de 17,9% dos 296 responsáveis em informática que participaram na terceira sondagem da Mercer, tendo 226 responsáveis referido que a sua organização não utilizava sistemas Linux para o fornecimento de serviços de grupos de trabalho. Por outro, esses 53 responsáveis em informática não quantificaram a sua intenção de recorrer de forma acrescida aos sistemas Linux para a execução de tarefas de grupos de trabalho nem esclareceram se isso aconteceria em detrimento dos sistemas Windows.

599    Importa referir, além disso, que resulta do quadro n.° 18 do mesmo relatório Mercer que 58 responsáveis em informática consideraram que os sistemas Linux não se tornariam sequer «viáveis» para a execução das tarefas de grupos de trabalho nos próximos cinco anos.

600    É verdade que resulta do mesmo quadro que 60% dos responsáveis em informática questionados referiram que a sua organização planeava adoptar sistemas Linux nos próximos cinco anos para o fornecimento de serviços de grupos de trabalho. Todavia, como refere acertadamente a Comissão no considerando 606 da decisão impugnada, os referidos responsáveis não foram convidados a quantificar essa intenção nem a esclarecer se ocorreria em detrimento dos sistemas Windows.

601    Em seguida, a Microsoft invoca certas previsões realizadas pela IDC que demonstrariam, segundo afirma, que a quota de mercado dos sistemas Linux duplicará entre 2003 e 2008.

602    A este respeito, há que recordar, por um lado, que os dados da IDC apresentam algumas imperfeições, incluindo as subcategorias utilizadas por esta última tarefas que se situam fora do mercado dos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho referido na decisão impugnada. As previsões de crescimento da IDC, por conseguinte, não são absolutas.

603    Por outro lado, como refere acertadamente a Comissão no considerando 609 da decisão impugnada, o crescimento limitado que os sistemas Linux teriam no mercado, segundo essas previsões, não ocorreria em detrimento do Windows, mas de sistemas concorrentes e, mais especificamente, do NetWare. Deve observar‑se, neste contexto, que, em Abril de 2003, a Novell anunciou que, a partir de 2005, o seu sistema operativo «NetWare 7.0» seria comercializado em duas versões diferentes, concretamente, uma baseada na plataforma NetWare tradicional e a outra no sistema operativo Linux (v. considerando 95 da decisão impugnada).

604    Por último, no anexo A.19 da petição inicial e no anexo C.11 da réplica, a Microsoft invoca a opinião que determinados «observadores profissionais do sector» expressaram. Faz referência, mais especificamente, a algumas passagens de um relatório de 8 de Março de 2004 da Merrill Lynch (anexo 7 do anexo C.11 da réplica) que contém os resultados de uma sondagem efectuada por esta última junto de 50 responsáveis em informática. Refere que metade desses responsáveis previam um aumento da utilização de sistemas Linux nas suas organizações e que, dessa metade, 34% planeavam fazê‑lo para substituir o Windows NT para a execução de tarefas de partilha de ficheiros e de impressoras.

605    Este argumento não convence. Com efeito, significa apenas que 17% dos responsáveis em informática questionados tinham intenção de substituir o Windows NT por sistemas Linux para a execução das tarefas referidas no número precedente, não tendo sido feita nenhuma precisão sobre a extensão dessa substituição. Na verdade, tendo em conta que, na altura em que a Merrill Lynch realizou essa sondagem, a tecnologia Windows NT já estava «ultrapassada» (v. considerando 583 da decisão impugnada), é muito provável que a base instalada de servidores que funcionavam com esse sistema fosse relativamente limitada e, portanto, que a referida «migração» apenas ocorresse em pequena escala. Além disso, há que recordar que os sistemas operativos para servidores concorrentes da Microsoft podiam atingir um maior grau de interoperabilidade com os sistemas da geração Windows NT do que com os sistemas das gerações posteriores produzidos pela Microsoft. Como salienta a Comissão no âmbito da sua apreciação da circunstância relativa ao carácter indispensável das informações em causa (v. n.° 366, supra), a «migração» evocada no relatório da Merrill Lynch constitui um fenómeno pontual e não é susceptível de pôr em causa, por conseguinte, as conclusões da Comissão relativas ao risco de eliminação da concorrência.

606    Ainda no âmbito da primeira parte da sua análise (ou seja, a relativa à evolução do mercado dos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho), a Comissão, em seguida, verificou que as tecnologias Windows 2000, em particular o Active Directory, estavam a ocupar «rapidamente um lugar cada vez mais importante no mercado» (considerandos 613 a 618 e 781 da decisão impugnada). Acrescentou que, «uma vez que a Microsoft rompeu com os níveis de divulgação de informações relativas à interoperabilidade, a interoperabilidade com [a]s características do Windows 2000 é mais difícil para os sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho [concorrentes] da Microsoft do que era com as tecnologias análogas do Windows NT», após o que concluiu que «a adopção [das novas características do domínio Windows específicas do Windows 2000] contribui para a limitação dos clientes a uma solução homogénea Windows para as suas redes de grupos de trabalho» (considerando 613 da decisão impugnada).

607    O Tribunal considera que vários elementos dos autos corroboram a correcção destas afirmações.

608    Assim, num boletim publicado em Novembro de 2001, a IDC declarou que, «[p]ara a grande maioria dos utilizadores, a questão não é a de saber se mas sim quando é que implementarão serviços de directório para executar [o sistema] Windows 2000 Server e os futuros sistemas operativos Windows para servidores» e que «para os utilizadores do Windows 2000, o serviço de directório que será escolhido será, na sua esmagadora maioria, o Active Directory» (considerando 614 da decisão impugnada).

609    Do mesmo modo, como refere a Comissão no considerando 616 da decisão impugnada, resulta de uma sondagem realizada pela Evans Data Corporation em 2002 que, questionados sobre a questão de saber para que serviços de directório as suas aplicações eram desenvolvidas, 50,3% dos criadores de aplicações internas em causa mencionaram o Active Directory.

610    Alguns resultados do estudo de mercado de 2003 confirmam igualmente o interesse impressionante suscitado pelo Active Directory. Assim, no seu pedido de esclarecimento de 16 de Abril de 2003, a Comissão perguntou às entidades em causa se já tinham adoptado (ou se já tinham decidido adoptar) o Active Directory na maioria dos domínios Windows das suas redes informática (pergunta n.° 15). Das 102 entidades objecto desse estudo, 61 responderam afirmativamente a esta pergunta.

611    Este interesse resulta igualmente de alguns resultados da segunda sondagem realizada pela Mercer, como refere a Comissão no considerando 618 da decisão impugnada.

612    Por outro lado, já foi referido, nos n.os 571 a 574, que a interoperabilidade que os sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho concorrentes podem atingir com os produtos da geração Windows 2000 é muito menor do que a que podiam atingir com os sistemas da geração precedente.

613    Por último, a Comissão encerrou a primeira fase da sua análise rejeitando três categorias de argumentos que a Microsoft tinha invocado no procedimento administrativo para contestar o risco de eliminação da concorrência identificado pela Comissão. A Microsoft tinha feito referência a determinadas declarações dos seus concorrentes, tinha invocado o facto de as redes informáticas dentro das empresas serem heterogéneas e tinha referido a existência de soluções alternativas ao Windows.

614    Nos seus articulados, a Microsoft, referindo‑se às declarações dos seus clientes que tinha apresentado no procedimento administrativo, reproduz o argumento relativo ao facto de as redes dentro das empresas serem heterogéneas.

615    A este respeito, basta salientar que já foi referido nos n.os 498 a 500 que essas declarações confirmam que, no que diz respeito os servidores de grupos de trabalho, as redes informáticas desses clientes são principalmente constituídas por sistemas Windows.

616    Nos seus articulados, a Microsoft invoca igualmente o facto de os clientes profissionais tomarem as suas decisões em matéria de compra de sistemas operativos para servidores em função de uma série de critérios e de a questão da interoperabilidade com os sistemas operativos Windows para PC clientes não ser um elemento determinante a este respeito. Como já foi demonstrado no n.° 426, esta alegação é incorrecta.

617    Quanto ao argumento da Microsoft segundo o qual, seis anos depois da alegada recusa, ainda há numerosos concorrentes no mercado dos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho (v. n.° 442, supra), deve ser afastado pela razões expostas no n.° 429.

618    Decorre de todas as considerações precedentes que a Comissão não cometeu um erro manifesto de apreciação ao considerar que a evolução do mercado revelava um risco de eliminação da concorrência no mercado dos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho.

619    A Comissão tinha tanta mais razão em concluir pela existência de um risco de eliminação da concorrência nesse mercado quanto este apresenta determinadas características que são susceptíveis de desencorajar as organizações que já adoptaram o Windows para os seus servidores de grupos de trabalho de migrar, no futuro, para sistemas operativos concorrentes. Assim, como acertadamente refere a Comissão no considerando 523 da decisão impugnada, resulta de alguns resultados da terceira sondagem realizada pela Mercer que o facto de ter uma «reputação sólida enquanto tecnologia comprovada» é um factor importante para uma grande maioria dos responsáveis em informática questionados. Ora, à data da adopção da decisão impugnada, a Microsoft detinha, de acordo com uma estimativa prudente, uma quota de mercado de pelo menos 60% no mercado dos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho (considerando 499 da decisão impugnada). No mesmo sentido, há que referir que alguns resultados da mesma sondagem demonstram igualmente que o factor «competências disponíveis e custo/disponibilidade da assistência (interna ou externa)» é importante para a maior parte dos responsáveis em informática questionados. Como muito acertadamente refere a Comissão no considerando 520 da decisão impugnada, «[i]sto significa que quanto maior for a facilidade de encontrar técnicos competentes para um dado sistema operativo para servidores de grupos de trabalho, mais os clientes se inclinam a adoptá‑lo» e, «[i]nversamente, quanto maior for a utilização de um sistema operativo para servidores de grupos de trabalho pelos clientes, mais fácil é para os técnicos adquirirem as competências relativas a esse produto (e mais dispostos estarão a fazê‑lo)». Ora, a quota de mercado muito elevada de que a Microsoft dispõe no mercado dos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho por consequência o facto de um número muito elevado de técnicos terem competências específicas nos sistemas operativos Windows.

620    Assim, há que concluir que a circunstância de a recusa em causa criar o risco de eliminação da concorrência se encontra presente no caso em apreço.

 iv) Quanto ao produto novo


 Argumentos das partes

621    A Microsoft, evocando os considerandos 48 e 49 do acórdão IMS Health, referido no n.° 107, sustenta que não está demonstrado que a recusa que lhe é imputada tenha impedido o lançamento de um produto novo para o qual exista uma procura não satisfeita dos consumidores.

622    A este respeito, a Microsoft recorda, por um lado, que já comercializa sistemas operativos para servidores que implementam os protocolos de comunicação em causa e, por outro, que os seus concorrentes comercializam os seus próprios sistemas operativos para servidores, que utilizam os protocolos de comunicação que escolheram para fornecer serviços de grupos de trabalho.

623    Por outro lado, a Microsoft, fazendo referência ao considerando 669 da decisão impugnada, afirma novamente que a decisão impugnada se destina a permitir que os seus concorrentes façam funcionar os seus produtos exactamente da mesma maneira que os sistemas operativos Windows para servidores. Repete que a Comissão pretende que os seus protocolos de comunicação sejam utilizados pelos seus concorrentes para criar sistemas operativos para servidores que entrem em concorrência directa com os seus produtos «imitando» as suas funcionalidades.

624    A Microsoft alega igualmente que a decisão impugnada não identifica nenhum produto novo que os seus concorrentes desenvolvam utilizando os seus protocolos de comunicação nem demonstra a existência de procura para tal produto. Afirma que a Comissão se limitou a alegar que os concorrentes da Microsoft «podiam utilizar as informações transmitidas para desenvolver funções avançadas dos seus próprios produtos» (considerando 695 da decisão impugnada).

625    A Microsoft observa que, aliás, não havia, nem na carta de 15 de Setembro de 1998 nem na denúncia da Sun de 10 de Dezembro de 1998, a mínima indicação de que esta última pretendia utilizar a «tecnologia da Microsoft» para criar um produto que não fosse um sistema operativo para servidores de grupos de trabalho.

626    A Microsoft contesta a afirmação da Comissão de que, para um produto poder ser qualificado como novo, basta que contenha elementos substanciais resultantes dos próprios esforços do titular da licença. Com efeito, segundo afirma, «[o] acréscimo de uma característica proveniente de produtos de um concorrente dificilmente pode ser considerado a criação de um novo produto».

627    A Microsoft opõe‑se igualmente à alegação da Comissão segundo a qual a recusa que lhe é imputada se traduz numa «recusa de permitir a inovação subsequente» (v. n.° 632, infra). Contesta a correcção das conclusões contidas no considerando 696 da decisão impugnada, indicando que a Novell nunca utilizou o AS/U e que as vendas de sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho da Sun e de «vários outros vendedores» que tinham obtido uma licença sobre o AS/U sempre foram modestas. Na realidade, segundo a Microsoft, é a concessão obrigatória de licenças prevista pela decisão impugnada que é susceptível de limitar a inovação, uma vez que terá menos incentivo para desenvolver uma dada tecnologia se tiver que a pôr à disposição dos seus concorrentes.

628    Por último, a Microsoft contesta o facto de a recusa em causa prejudicar os consumidores. Afirma que o relatório Mercer invocado pela Comissão (v. n.° 635, infra) diz respeito a produtos que se encontram actualmente no mercado e que, por conseguinte, não é relevante para saber se a referida recusa impediu o lançamento de um produto novo para o qual exista uma procura não satisfeita dos consumidores. Além disso, nenhum dos relatórios Mercer demonstra que a Microsoft «fica atrás» dos seus concorrentes. Mais especificamente, a Comissão não mencionou que os sistemas operativos Windows para servidores tiveram melhores notas do que os sistemas NetWare e Linux em dez de treze factores e do que os sistemas UNIX em nove de treze factores. A Microsoft observa igualmente que nenhum cliente referiu, no procedimento administrativo, que tinha sido forçado a utilizar sistemas operativos Windows para servidores em consequência da sua alegada recusa de divulgar as informações relativas à interoperabilidade aos seus concorrentes.

629    A CompTIA alega que a Comissão não demonstrou, na decisão impugnada, que a recusa imputada à Microsoft tinha impedido o lançamento de um produto novo.

630    A Comissão refuta a afirmação da Microsoft de que a recusa em causa não impediu o lançamento de um produto novo para o qual exista uma procura não satisfeita dos consumidores.

631    A este respeito, em primeiro lugar, a Comissão refere que resulta do n.° 49 do acórdão IMS Health, referido no n.° 107, que um «produto novo» é um produto que não se limita essencialmente a reproduzir os produtos já oferecidos no mercado pelo titular dos direitos de autor. Por conseguinte, basta que o produto em questão contenha elementos substanciais que resultem da contribuição do beneficiário da licença. Recordando que a Microsoft só é obrigada a divulgar as especificações dos seus interfaces e não a respectiva implementação, a Comissão afirma que os seus concorrentes não se limitarão a reproduzir os seus produtos e que, aliás, não terão a possibilidade de o fazer. Alega que utilizarão as informações relativas à interoperabilidade para comercializar produtos constantemente aperfeiçoados, «que tenham um valor acrescentado em relação aos seus próprios produtos anteriores e à precedente oferta da Microsoft», em vez de serem eliminados do mercado em consequência da recusa desta última de divulgar essas informações (considerando 695 da decisão impugnada). Acrescenta que nenhuma das características dos produtos da Microsoft, e, em particular, nenhuma parte do seu código de software, será integrada noutros sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho.

632    Em segundo lugar, a Comissão salienta que, na decisão impugnada, não se limitou à simples análise do critério do produto novo tal como é definido no acórdão IMS Health, referido no n.° 107. Com efeito, examinou esse critério à luz da proibição, prevista no artigo 82.°, segundo parágrafo, alínea b), CE das práticas abusivas que consistam em limitar o desenvolvimento técnico em prejuízo dos consumidores. Assim, verificou com um especial cuidado que a recusa imputada à Microsoft era uma «recusa de permitir a inovação subsequente», isto é, o desenvolvimento de produtos novos, e não uma simples recusa de autorizar a reprodução.

633    Para sustentar estas afirmações, em primeiro lugar, a Comissão refere que examinou o comportamento que os concorrentes da Microsoft tinham adoptado no passado quando esta última lhes fornecia informações relativas à interoperabilidade ou autorizou inadvertidamente alguns deles a ter recurso a «soluções alternativas» (considerando 696 da decisão impugnada). Em resposta às críticas que a Microsoft formula sobre este ponto (v. n.° 627, supra), a Comissão esclarece que a Novell, não sendo um «vendedor UNIX», não tem interesse nas «implementações baseadas em UNIX» como o AS/U. Acrescenta que a Sun e outros editores UNIX propuseram produtos inovadores que utilizavam o AS/U para realizar a interoperabilidade com os sistemas Windows que podiam ter respondido à procura dos consumidores se a Microsoft não tivesse recusado transmitir as informações relativas à interoperabilidade.

634    Em segundo lugar, recorda que, no considerando 698 da decisão impugnada, observou que eram possíveis numerosas implementações diferentes de uma mesma especificação.

635    Em terceiro lugar, a Comissão, referindo o considerando 699 da decisão impugnada, afirma que decorre dos resultados da terceira sondagem realizada pela Mercer que, apesar de «a Microsoft se situar atrás dos seus concorrentes» no que diz respeito várias características importantes aos olhos dos consumidores dos sistemas operativos para servidores, estes últimos contentam‑se com os produtos da Microsoft «devido ao obstáculo que a falta de interoperabilidade representa para a adopção de soluções alternativas». Esclarece que a Microsoft só obtém uma melhor classificação do que os seus concorrentes se, por um lado, for levado em conta o factor da interoperabilidade com o Windows e, por outro, for concedido o mesmo peso aos factores secundários e aos factores mais importantes. Relativamente ao argumento da Microsoft de que nenhum cliente se queixou de ter sido obrigado a adoptar um sistema operativo Windows em consequência da recusa em causa, a Comissão remete para os considerandos 702 a 708 da decisão impugnada.

636    Em quarto lugar, a Comissão refere que os concorrentes da Microsoft realizam trabalhos de investigação e de desenvolvimento, mas que precisam de ter acesso aos protocolos da Microsoft para permitir que as organizações que utilizam PC e servidores de grupos de trabalho que tenham o Windows instalado tirem proveito da sua inovação sem serem penalizadas pela falta de interoperabilidade. Esclarece que, «[p]or si só, a recusa não afecta directamente a capacidade de inovação dos concorrentes, mas sim a capacidade do consumidor de aproveitar essa inovação, bem como a capacidade de os concorrentes tirarem proveito da sua inovação – e portanto, a mais longo prazo, o seu incentivo para inovar».

637    Por último, em quinto lugar, a Comissão alega que os argumentos que a Microsoft invoca no que diz respeito aos seus próprio incentivos para inovar são irrelevantes para apreciar a questão das consequências da prática abusiva em causa sobre os incentivos à inovação dos seus concorrentes.

638    Em terceiro lugar, a Comissão refere que a alegação da Microsoft de que o critério do produto novo não se encontra preenchido no caso em apreço se baseia numa interpretação errada da jurisprudência.

639    A este respeito, em primeiro lugar, a Comissão sustenta que esse critério não exige que seja concretamente demonstrado que o produto do titular da licença atrairá clientes que não compram os produtos oferecidos pelo fornecedor dominante existente. No acórdão IMS Health, referido no n.° 107, o Tribunal de Justiça concentrou a sua análise sobre as diferenças entre os produtos existentes susceptíveis de influir na escolha dos consumidores ou, por outras palavras, sobre a questão de saber se existia uma «procura potencial» para o produto novo. Insiste no facto de o critério do produto novo não dizer unicamente respeito às restrições à produção. Na tréplica, a Comissão afirma que os produtos novos em causa responderão manifestamente a uma procura potencial e que se basearão nos sistemas operativos actualmente comercializados pelos concorrentes da Microsoft que têm características que os consumidores muitas vezes apreciam mais do que as características correspondentes dos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho da Microsoft.

640    Em segundo lugar, a Comissão considera que a Microsoft não pode invocar a seu favor o facto de a decisão impugnada se concentrar na capacidade de os seus concorrentes adaptarem os seus próprios «produtos existentes». Com efeito, a questão pertinente é a de saber se os referidos concorrentes se limitarão, no essencial, a reproduzir os produtos existentes desenvolvidos pelo titular do direito de propriedade intelectual. A Comissão salienta, a este propósito, que os produtos dos concorrentes da Microsoft implementarão o mesmo conjunto de protocolos que os sistemas operativos Windows para servidores de grupos de trabalho, mas que serão muito diferentes em termos de desempenho, de segurança e de funcionalidades.

641    Em terceiro lugar, a Comissão alega que a jurisprudência não exclui a possibilidade de os futuros produtos do titular da licença entrarem em concorrência com os produtos do titular do direito de propriedade intelectual, como demonstram os factos do processo no âmbito do qual foram proferidos os acórdãos Magill e IMS Health, referidos no n.° 107.

642    A SIIA alega que a recusa em causa impede o lançamento de «sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho não [produzidos pela] Microsoft novos e inovadores, que respondam às necessidades de interoperabilidade dos clientes». Explica que, graças às informações relativas à interoperabilidade, os concorrentes da Microsoft poderão não só oferecer produtos com «capacidades funcionais aperfeiçoadas», mas também, e principalmente, produtos interoperáveis. Por outro lado, a SIIA salienta que os concorrentes da Microsoft não teriam nenhuma vantagem concorrencial se se limitassem a «copiar os produtos d[esta última]» e que, aliás, não teriam a capacidade do o fazer pelo facto de terem acesso às informações referidas nas decisão impugnada.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

643    Há que salientar que a circunstância de o comportamento imputado impedir o lançamento de um produto novo no mercado deve ser levada em consideração no contexto do artigo 82.°, segundo parágrafo, alínea b), CE, que proíbe as práticas abusivas que consistam em «[l]imitar a produção, a distribuição ou o desenvolvimento técnico em prejuízo dos consumidores».

644    É por esta razão que no n.° 54 do acórdão Magill, referido no n.° 107, o Tribunal de Justiça decidiu que a recusa das sociedades de radiodifusão televisiva em causa, na medida em que dificultava o lançamento de um produto novo que estas últimas não ofereciam e para o qual existia uma procura potencial por parte dos consumidores, devia ser qualificada de abusiva na acepção dessa disposição.

645    Resulta da decisão objecto do processo no âmbito do qual esse acórdão foi proferido que a Comissão tinha, mais precisamente, considerado que, através da sua recusa, essas sociedades de radiodifusão televisiva limitavam a produção ou a distribuição em prejuízo dos consumidores [v. n.° 23, primeiro parágrafo, da Decisão da Comissão 89/205/CEE, de 21 de Dezembro de 1988, relativa a um processo em aplicação do artigo [82.° CE] (IV/31.851 ‑ Magill TV Guide/ITP, BBC e RTE) (JO 1989, L 78, p. 43)]. Com efeito, a Comissão declarou que a referida recusa impedia os editores de produzir e publicar um guia geral semanal de programação para os consumidores na Irlanda e na Irlanda do Norte, um tipo de guia que, na altura, não estava disponível nesse mercado geográfico. Embora as sociedades de radiodifusão televisiva em causa publicassem cada uma um guia semanal de programação, este, todavia, era exclusivamente dedicado aos seus próprios programas. A Comissão, para concluir pela existência de um abuso de posição dominante por parte dessas sociedades de radiodifusão televisiva, insistiu no prejuízo que a falta de um guia geral semanal de programação causava, no mercado da Irlanda e da Irlanda do Norte, aos consumidores, que, se pretendessem informar‑se sobre a programação para a semana seguinte, não tinha outra possibilidade que não fosse a de comprar os guias semanais de cada canal e de deles extraírem eles próprios as informações úteis para fazerem comparações.

646    No acórdão IMS Health, referido no n.° 107, o Tribunal de Justiça, quando apreciou a circunstância relativa ao lançamento de um produto novo, também a situou no contexto do prejuízo causado aos interesses dos consumidores. Assim, no n.° 48 desse acórdão, salientou, remetendo para o n.° 62 das conclusões do advogado‑geral A. Tizzano proferidas no âmbito desse processo (Colect., p. I‑5042), que essa circunstância resultava da consideração de que, na ponderação do interesse relativo à protecção do direito de propriedade intelectual e à liberdade de iniciativa económica do titular deste, por um lado, e do interesse relativo à protecção da livre concorrência, por outro, este último só podia sobrepor‑se no caso de a recusa de concessão de uma licença impedir o desenvolvimento do mercado derivado em prejuízo dos consumidores.

647    Há que referir que a circunstância relativa ao lançamento de um produto novo, tal como é interpretada nos acórdãos Magill e IMS Health, referidos no n.° 107, não pode constituir o único parâmetro para determinar se uma recusa de conceder uma licença sobre um direito de propriedade intelectual é susceptível de causar prejuízo aos consumidores na acepção do artigo 82.°, segundo parágrafo, alínea b), CE. Como resulta da redacção dessa disposição, esse prejuízo pode decorrer de uma limitação não só da produção ou da distribuição, como também do desenvolvimento técnico.

648    Foi sobre esta última hipótese que a Comissão se pronunciou na decisão impugnada. Assim, considerou que a recusa imputada à Microsoft limitava o desenvolvimento técnico em prejuízo dos consumidores na acepção do artigo 82.°, segundo parágrafo, alínea b), CE (considerandos 693 a 701 e 782 da decisão impugnada) e rejeitou a alegação desta última de que não estava demonstrado que a referida recusa causava prejuízo aos consumidores (considerandos 702 a 708 da decisão impugnada).

649    O Tribunal considera que as conclusões da Comissão que constam dos considerandos mencionados no número precedente não são manifestamente erradas.

650    Assim, em primeiro lugar, a Comissão referiu acertadamente, no considerando 694 da decisão impugnada, que, «[d]evido à falta de interoperabilidade entre os sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho concorrentes e a arquitectura de domínio Windows, um número crescente de consumidores estão limitados a uma solução homogénea Windows no que diz respeito os sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho».

651    Há que recordar, a este respeito, que já foi referido nos n.os 371 a 422, que a recusa imputada à Microsoft impedia os seus concorrentes de desenvolverem sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho que tivessem a capacidade de atingir um grau de interoperabilidade suficiente com a arquitectura de domínio Windows, o que tinha a consequência de orientar as decisões dos consumidores em matéria de aquisição de sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho para os produtos da Microsoft. Também já foi referido, nos n.os 606 a 611, que resultava de vários elementos dos autos que as tecnologias da gama Windows 2000, em particular o Active Directory, eram cada vez mais adoptadas pelas organizações. Uma vez que os problemas de interoperabilidade se colocam de modo mais agudo com os sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho dessa gama de produtos do que com os da geração precedente (v. n.os 571 a 574, supra, e considerandos 578 a 584, 588 e 613 da decisão impugnada), a adopção crescente dos referidos sistemas ainda reforça o efeito de «limitação» evocado no número precedente.

652    A limitação daí decorrente à escolha dos consumidores é tanto mais prejudicial para os mesmos quanto este consideram, como já foi referido nos n.os 407 a 412, que os sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho concorrentes são superiores aos sistemas operativos Windows para servidores de grupos de trabalho no que diz respeito a uma série de características a que atribuem grande importância, como a «fiabilidade/disponibilidade do sistema» e a «segurança integrada no sistema operativo para servidores».

653    Em segundo lugar, a Comissão considerou correctamente que a vantagem artificial em termos de interoperabilidade que a Microsoft reservava para si própria através da sua recusa desencorajava os seus concorrentes de desenvolverem e colocarem no mercado sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho com características inovadoras, em prejuízo, nomeadamente, dos consumidores (v., neste sentido, considerando 694 da decisão impugnada). Essa recusa, com efeito, teve a consequência de prejudicar esses concorrentes em relação à Microsoft no que diz respeito aos méritos dos seus produtos, nomeadamente, tendo em conta parâmetros como a segurança, a fiabilidade, a facilidade de utilização ou a rapidez de execução das tarefas (considerando 699 da decisão impugnada).

654    A conclusão da Comissão de que, «[s]e os concorrentes da Microsoft tivessem acesso às informações sobre a interoperabilidade que [esta última recusa fornecer], poderiam utilizá‑las para disponibilizar as funções avançadas dos seus próprios produtos no âmbito da rede de relações de interoperabilidade sobre a qual assenta [a arquitectura de domínio] Windows» (considerando 695 da decisão impugnada) é corroborada pelo comportamento que estes últimos tinham adoptado no passado, quando tinham acesso a determinadas informações relativas aos produtos da Microsoft. Os dois exemplos que a Comissão refere no considerando 696 da decisão impugnada, concretamente, os produtos denominados «PC NetLink» e «NDS para NT», são eloquentes a este respeito. O PC NetLink é um software que foi desenvolvido pela Sun com base no AS/U, que tinha sido desenvolvido pela AT&T utilizando determinados elementos do código fonte da Microsoft que esta última lhe tinha transmitido no âmbito de uma licença nos anos 90 (considerandos 211 a 213 da decisão impugnada). Resulta de um documento apresentado pela Microsoft no procedimento administrativo que as características inovadoras e o valor acrescentado que o PC NetLink trazia às redes Windows para grupos de trabalho eram enaltecidas pela Sun como argumento para vender esse produto (nota de rodapé n.° 840 da decisão impugnada). Do mesmo modo, na sua documentação comercial, a Novell evidenciava as novas características que o NDS para NT – um produto de software que tinha desenvolvido utilizando técnicas de engenharia de inversão – trazia à arquitectura de domínio Windows, no caso vertente o Windows NT (nota de rodapé n.° 841 da decisão impugnada).

655    Importa referir que a Comissão teve o cuidado de salientar, nesse contexto, que existiam «amplas possibilidades de diferenciação e de inovação para além da concepção das especificações do interface» (considerando 698 da decisão impugnada). Por outras palavras, uma mesma especificação pode ser objecto de numerosas implementações diferentes e inovadoras pelos criadores de software.

656    Assim, a decisão impugnada assenta na ideia de que, se o obstáculo que o carácter insuficiente do grau de interoperabilidade existente com a arquitectura de domínio Windows representa para os concorrentes da Microsoft for removido, estes poderão oferecer sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho que, longe de serem uma simples reprodução dos sistemas Windows já existentes no mercado, se diferenciarão deste últimos no que diz respeito a parâmetros importantes para os consumidores (v., neste sentido, considerando 699 da decisão impugnada).

657    Há que recordar, a este respeito, que os concorrentes da Microsoft, aliás, não teriam a capacidade de clonar ou reproduzir os seus produtos pelos facto de terem acesso unicamente às informações relativas à interoperabilidade referidas na decisão impugnada. Para além do facto de a própria Microsoft reconhecer, nos seus articulados, que a medida correctiva prevista no artigo 5.° dessa decisão não permite atingir esse resultado (v. n.° 241, supra), há que repetir que as informações em causa não abrangem os pormenores de implementação nem outros elementos do código fonte da Microsoft (v. n.os 194 a 206, supra). Há que referir igualmente que os protocolos sobre os quais a Microsoft é obrigada a divulgar especificações nos termos da decisão impugnada representam apenas uma proporção mínima de todos os protocolos implementados nos sistemas operativos Windows para servidores de grupos de trabalho.

658    Há que acrescentar que os concorrentes da Microsoft não têm nenhum interesse em limitar‑se a reproduzir os sistemas operativos Windows para servidores de grupos de trabalho. Quando, graças às informações que lhes vierem a ser transmitidas, tiverem a capacidade de desenvolver sistemas suficientemente interoperáveis com a arquitectura de domínio Windows, não lhes restará outra opção, se quiserem beneficiar de uma vantagem concorrencial sobre a Microsoft e permanecer de modo rentável no mercado, senão diferenciar os seus produtos dos desta última no que diz respeito a determinados parâmetros e determinadas características. Há que manter presente, a este respeito, que, como explica a Comissão nos considerandos 719 a 721 da decisão impugnada, a implementação de especificações é uma tarefa difícil que requer grandes investimentos em dinheiro e em tempo.

659    Por último, relativamente ao argumento da Microsoft segundo o qual a mesma terá menos incentivo para desenvolver uma tecnologia determinada se for constrangida a disponibilizá‑la aos seus concorrentes (v. n.° 627, supra), basta referir que é completamente irrelevante no contexto da análise da circunstância relativa ao produto novo, que conduz a apreciar o impacto da recusa em causa sobre o incentivo dos concorrentes da Microsoft a inovar, e não a questão dos incentivos desta última a inovar. Esta última questão deve ser apreciada no âmbito da análise da circunstância relativa à falta de justificação objectiva.

660    Em terceiro lugar, foi também acertadamente que a Comissão rejeitou, por falta de fundamento, a alegação, formulada pela Microsoft no procedimento administrativo, de que não estava demonstrado que a recusa que lhe era imputada causava prejuízo aos consumidores (considerandos 702 a 708 da decisão impugnada).

661    Antes de mais, como já foi referido nos n.os 407 a 412, decorre dos resultados da terceira sondagem realizada pela Mercer que, contrariamente ao que sustenta a Microsoft, os consumidores consideram os sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho concorrentes superiores aos sistemas operativos Windows para servidores de grupos de trabalho no que diz respeito a uma série de características a que dão grande importância.

662    Em seguida, a Microsoft não pode invocar a seu favor o facto de os consumidores, no procedimento administrativo, nunca terem referido que foram forçados a adoptar um sistema operativo Windows para servidores de grupos de trabalho em consequência da sua recusa de divulgar aos seus concorrentes as informações relativas à interoperabilidade. A este respeito, basta referir que a Microsoft não contestou as afirmações feitas pela Comissão nos considerandos 705 e 706 da decisão impugnada. Assim, no considerando 705 da decisão impugnada, a Comissão refere que são os criadores de software complementar que necessitam de interoperar com os sistemas da Microsoft que são «tributários da divulgação por esta última de informações relativas à interoperabilidade» e que «os consumidores nem sempre sabem exactamente o que a Microsoft divulga ou não divulga aos editores de sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho». No considerando 706 da decisão impugnada, a Comissão refere que, «[s]e tiverem de escolher entre suportar problemas de interoperabilidade que tornam o desenvolvimento das suas actividades mais complicado, ineficiente ou oneroso e optar por um ambiente Windows homogéneo, os consumidores terão tendência a privilegiar a última solução» e que, «[q]uando tiverem adoptado uma solução homogénea Windows, é pouco provável que tenham problemas de interoperabilidade entre os seus PC clientes e os servidores de grupos de trabalho».

663    Por outro lado, importa referir que resulta das próprias declarações que a Microsoft fez a propósito das divulgações levadas a cabo nos termos da transacção americana que estas tiveram a consequência de oferecer uma maior escolha aos consumidores (v. considerando 703 da decisão impugnada).

664    Por último, importa recordar que é jurisprudência assente que o artigo 82.° CE visa não apenas as práticas susceptíveis de causar um prejuízo directo aos consumidores, mas também as que lhes causam um prejuízo indirecto ao atentarem contra uma estrutura de concorrência efectiva (acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Fevereiro de 1979, Hoffmann‑La Roche/Comissão, 85/76, Colect., p. 217, n.° 125, e acórdão Irish Sugar/Comissão, referido no n.° 229, n.° 232). Ora, no caso vertente, a Microsoft atentou contra uma estrutura de concorrência efectiva no mercado dos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho conquistando, nesse mercado, uma quota de mercado significativa.

665    Há que concluir de todas as considerações precedentes que a conclusão da Comissão segundo a qual a recusa imputada à Microsoft limita o desenvolvimento técnico em prejuízo dos consumidores na acepção do artigo 82.°, segundo parágrafo, alínea b), CE não é manifestamente errada. Por conseguinte, deve considerar‑se verificada a circunstância relativa ao lançamento de um produto novo no caso em apreço.

 v) Quanto à inexistência de justificação objectiva


 Argumentos das partes

666    Em primeiro lugar, a Microsoft alega que a recusa que lhe é imputada era objectivamente justificada pelos direitos de propriedade intelectual que detém sobre a «tecnologia» em causa. Refere que realizou investimentos significativos para conceber os seus protocolos de comunicação e que o sucesso comercial que os seus produtos tiveram é a respectiva legítima recompensa. Alega igualmente que é geralmente reconhecido que a recusa de uma empresa de transmitir aos seus concorrentes uma determinada tecnologia pode justificar‑se pelo facto de essa empresa não querer que estes utilizem a referida tecnologia para lhe fazer concorrência.

667    Na réplica, a Microsoft invoca o facto de a tecnologia que deve divulgar aos seus concorrentes ser secreta, ter um valor significativo para os beneficiários de licença e conter importantes inovações.

668    Na sua resposta a uma das perguntas escritas do Tribunal, acrescenta que tinha uma justificação objectiva para não conceder licenças sobre a referida tecnologia «tendo em conta o prejuízo que teria sido causado ao incentivo à inovação se a Sun (ou outros) tivesse utilizado essa tecnologia para desenvolver um equivalente funcional que faria concorrência aos produtos da Microsoft no mesmo mercado».

669    Em segundo lugar, a Microsoft alega que a Comissão rejeitou os seus argumentos aplicando um critério novo juridicamente errado e que se afasta nitidamente dos adoptados pela jurisprudência. Com efeito, no considerando 783 da decisão impugnada, a Comissão considerou que uma recusa de transmitir informações protegidas por direitos de propriedade intelectual constituía uma violação do artigo 82.° CE se, tudo ponderado, os efeitos positivos sobre a inovação em todo o sector compensassem os efeitos negativos sobre o incentivo à inovação da empresa em posição dominante.

670    A Microsoft considera que a aplicação de tal «critério de ponderação» terá a consequência de as empresas que detêm uma posição dominante terem menos incentivo para investir na investigação e no desenvolvimento, uma vez que deverão partilhar com os seus concorrentes os frutos dos seus esforços. Alega que os direitos de propriedade intelectual incitam o seu titular a continuar a inovar, ao mesmo tempo que encoraja as empresas concorrentes a desenvolverem as suas próprias actividades em matéria de inovação para não «ficarem para trás». Por outro lado, critica o facto de a Comissão não procurar «quantificar» os efeitos negativos da concessão obrigatória de licenças imposta pela decisão impugnada nos seus concorrentes, que ficarão à espera de ver de que tecnologia poderão dispor através de uma licença em vez de se darem ao trabalho de criar a sua própria tecnologia.

671    A Microsoft critica igualmente o carácter vago e as consequências imprevisíveis desse critério, referindo, nomeadamente, que a Comissão não dá qualquer indicação que permita às empresas em posição dominante avaliar se «a preservação do [seu] incentivo a inovar pode justificar uma decisão de conservar [a sua] propriedade intelectual para [a sua] própria utilização». De modo mais genérico, a decisão impugnada não esclarece de que modo o referido critério foi aplicado no caso em apreço nem de que modo devia ser aplicado no futuro.

672    Em terceiro lugar, a Microsoft contesta a pertinência das referências feitas pela Comissão à transacção americana e ao acordo celebrado com a Sun (v. n.° 687, infra).

673    Relativamente à transacção americana, recorda que esta a obriga a conceder licenças sobre os protocolos de comunicação aplicados nos sistemas operativos Windows para PC clientes apenas para efeitos da sua execução num software para servidor. Em contrapartida, a decisão impugnada impõe‑lhe conceder licenças sobre os seus protocolos de comunicação «servidor‑servidor» para que estes possam ser executados em sistemas operativos para servidores directamente concorrentes. Observa igualmente que as obrigações resultantes da transacção americana são limitadas a um período de cinco anos e que uma sociedade tem mais incentivo para continuar a desenvolver uma tecnologia quando, depois de um certo período, pode de novo utilizar de modo exclusivo os aperfeiçoamentos feitos nessa tecnologia.

674    Relativamente ao acordo celebrado com a Sun, a Microsoft refere que também prevê a obrigação recíproca de partilhar uma tecnologia e direitos de propriedade intelectual nas condições que foram negociadas durante um período limitado a seis anos. Por força da decisão impugnada, ao invés, os beneficiários de licenças não podem ser livremente escolhidos pela Microsoft e não lhe concedem nenhuma licença em troca, sendo certo que os montantes devidos e as outras condições relativas à concessão das licenças são sujeitos ao controlo da Comissão e que as obrigações da Microsoft relativas à concessão obrigatória de licenças «se [prolongam] indefinidamente no tempo».

675    A CompTIA salienta, antes de mais, a importância da inovação para a concorrência no sector das tecnologias da informação e da comunicação e a necessidade de dispor de um «sistema robusto de protecção dos direitos de propriedade intelectual». Refere, nomeadamente, que estes últimos direitos encorajam as sociedades a melhorarem os seus produtos existentes e a lançarem novos no mercado.

676    Em seguida, a CompTIA, fazendo referência ao considerando 783 da decisão impugnada, alega que a Comissão aplicou, no caso em apreço, um critério novo de apreciação e considera que este último não é conforme à jurisprudência.

677    Em primeiro lugar, a Comissão alega que levou devidamente em conta a justificação invocada pela Microsoft.

678    A este respeito, antes de mais, a Comissão refere que, na petição inicial, a Microsoft reconheceu só ter invocado uma única justificação, concretamente, o facto de deter direitos de propriedade intelectual sobre a «tecnologia» em causa. Considera que essa justificação não pode ser admitida, observando, nomeadamente, que, no processo no âmbito do qual foi proferido o acórdão Magill, referido no n.° 107, em que não havia qualquer dúvida de que a decisão impugnada impunha às sociedades em causa a concessão obrigatória de licenças sobre direitos de autor, o Tribunal de Justiça considerou que a recusa em causa não era objectivamente justificada. É apoiada, neste ponto, pela SIIA.

679    Em seguida, a Comissão explica que interpretou o argumento da Microsoft no sentido de que significava que os factos do caso em apreço, em particular «o impacto provável de uma imposição de fornecimento no seu incentivo à inovação», eram de tal modo excepcionais que não podia aplicar as soluções jurisprudenciais.

680    Neste contexto, recorda que era à Microsoft que competia provar que o comportamento abusivo que lhe era imputado era objectivamente justificado. Mais especificamente, considera que esta última devia, pelo menos, ter demonstrado, por um lado, que a obrigação que lhe era imposta de divulgar as informações relativas à interoperabilidade teria efeitos negativos no seu incentivo à inovação e, por outro, que havia um risco de que esses efeitos negativos prevalecessem sobre «todos os elementos identificados pela Comissão que de outro modo tornariam esse comportamento abusivo». Ora, a Microsoft, nesta matéria, limitou‑se a invocar argumentos puramente teóricos que não fundamentou.

681    A Comissão considera igualmente que a Microsoft não pode justificar a sua recusa pelo facto de a tecnologia em causa ser secreta e de valor significativo e conter importantes inovações. Esta justificação, além disso, não foi invocada na petição inicial.

682    Em segundo lugar, a Comissão contesta ter aplicado um critério novo de apreciação no caso em apreço.

683    A este respeito, em primeiro lugar, a Comissão rejeita a alegação da Microsoft segundo a qual uma empresa pode recusar transmitir uma determinada tecnologia aos seus concorrentes quando quer evitar que estes as possam utilizar para lhe fazer concorrência. Esta alegação pode ser interpretada, por um lado, no sentido de que, mesmo que os três primeiros critérios adoptados pelo Tribunal de Justiça nos acórdãos Magill e IMS Health, referido no n.° 107, estejam reunidos, a recusa de conceder licenças é lícita se os concorrentes pretenderem utilizar a licença para concorrer com a empresa dominante. Ora, essa tese é manifestamente errada. A referida alegação pode ser interpretada, por outro lado, no sentido de que significa que os princípios estabelecidos pelo acórdão Magill, referido no n.° 107, não são aplicáveis quando o direito de propriedade intelectual em causa for relativo a uma tecnologia. Ora, para além do facto de a Microsoft não explicar o que entende por «tecnologia» neste contexto, seria extremamente difícil fazer uma distinção entre direitos de propriedade intelectual «tecnológicos» e direitos de propriedade intelectual «não tecnológicos». Acresce que não é certo que as informações relativas à interoperabilidade em causa sejam abrangidas por esse conceito de tecnologia, especialmente se apenas representarem simples convenções arbitrárias sem carácter inovador.

684    Em segundo lugar, a Comissão contesta a alegação da Microsoft segundo a qual, por causa da decisão impugnada, os seus concorrentes deixarão de ter incentivo para criarem a sua própria tecnologia. Alega que a Microsoft não se pronunciou sobre a afirmação que consta do considerando 697 da decisão impugnada, segundo a qual, tendo em conta a posição quase monopolística detida por esta última no mercado dos sistemas operativos para PC clientes, os concorrentes não têm a capacidade de desenvolver alternativas viáveis aos seus protocolos de comunicação.

685    Em terceiro lugar, a Comissão observa que a Microsoft se limita a fazer referência aos seus incentivos à inovação em matéria de concepção de protocolos, sem evocar os seus outros produtos. Remetendo para o considerando 724 da decisão impugnada, afirma que essa abordagem é errada.

686    Em quarto lugar, sustenta que a Microsoft ignora intencionalmente o facto de as informações em causa serem informações necessárias à interoperabilidade na acepção da Directiva 91/250. Ora, resulta do artigo 6.° dessa directiva que o legislador comunitário considera que a divulgação dessas informações é benéfica para a inovação.

687    Em terceiro lugar, a Comissão faz referência a determinadas declarações feitas pela Microsoft no procedimento administrativo, bem como depois da adopção da decisão impugnada. Assim, quando foi ouvida no âmbito do procedimento administrativo, a Microsoft referiu, em resposta a uma pergunta feita pelos serviços da Comissão, que não se tinha apercebido de que a transacção americana tivesse tido efeitos negativos sobre o seu incentivo à inovação. Do mesmo modo, numa conferência de imprensa conjunta com a Sun posterior ao acordo celebrado entre ambas, a Microsoft declarou que as duas sociedades continuariam a concorrer entre si e a inovar e que «a consequência do acordo não seria menos inovação, mas mais inovação». A Comissão considera que o argumento que a Microsoft extrai do facto de esse acordo prever obrigações recíprocas é irrelevante. Observa, a este respeito, que a Sun, quando concluiu esse acordo, já tinha uma política de divulgação dos protocolos relevante a todo o sector.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

688    Importa referir, a título preliminar, que, embora o ónus da prova quanto à existência das circunstâncias constitutivas de uma violação do artigo 82.° CE impenda sobre a Comissão, é, todavia, à empresa dominante em causa, e não à Comissão, que incumbe, se for o caso, antes do fim do procedimento administrativo, invocar uma eventual justificação objectiva e apresentar argumentos e elementos de prova a esse respeito. Compete, em seguida, à Comissão, se pretender concluir pela existência de um abuso de posição dominante, demonstrar que os argumentos e os elementos de prova invocados pela referida empresa não procedem e que, por conseguinte, a justificação apresentada não pode ser acolhida.

689    No caso em apreço, como é referido no considerando 709 da decisão impugnada e como a Microsoft confirmou expressamente na petição inicial, esta última não invocou o facto de a tecnologia em causa ser abrangida por direitos de propriedade intelectual para justificar o seu comportamento. Esclareceu, neste contexto, que, se fosse obrigada a facultar o acesso a essa tecnologia a terceiros, isso «eliminaria o incentivo futuro a investir na criação de propriedade intelectual» (considerando 709 da decisão impugnada). Na réplica, invocou igualmente o facto de a referida tecnologia ser secreta, de valor significativo e conter importantes inovações.

690    O Tribunal considera que o simples facto – admitindo que estava demonstrado – de os protocolos de comunicação referidos na decisão impugnada, ou as respectivas especificações, estarem abrangidos por direitos de propriedade intelectual não pode constituir uma justificação objectiva na acepção dos acórdãos Magill e IMS Health, referidos no n.° 107. Com efeito, essa tese da Microsoft é incompatível com a razão de ser da excepção que essa jurisprudência reconhece na matéria a favor da livre concorrência, no sentido de que, se a mera detenção de direitos de propriedade intelectual pudesse constituir, por si só, uma justificação objectiva para a recusa de conceder uma licença, a excepção estabelecida pela jurisprudência nunca seria aplicável. Por outras palavras, nunca se poderia considerar que a recusa de conceder uma licença sobre um direito de propriedade intelectual constituía uma violação do artigo 82.° CE quando, nos acórdãos Magill e IMS Health, referidos no n.° 107, o Tribunal de Justiça declarou precisamente o contrário.

691    Deve recordar‑se, a este respeito, que, como foi referido nos n.os 321, 323, 327 e 330, o juiz comunitário considera que a faculdade de o titular de um direito de propriedade intelectual o explorar apenas em seu benefício constituí a própria essência do seu direito exclusivo. Assim, a simples recusa, mesmo que provenha de uma empresa em posição dominante, de conceder uma licença a um terceiro não pode constituir por si só um abuso de posição dominante na acepção do artigo 82.° CE. Só quando estiver circundada de circunstâncias excepcionais como as referidas até ao presente na jurisprudência é que tal recusa pode ser qualificada de abusiva e, por conseguinte, nesse caso, é permitido, no interesse público da manutenção de uma concorrência efectiva no mercado, afastar o direito exclusivo do titular do direito de propriedade intelectual, obrigando‑o a conceder licenças a terceiros que procuram entrar ou manter‑se nesse mercado. Há que recordar, a este respeito, que já acima se demonstrou que essas circunstâncias excepcionais existiam no caso em apreço.

692    Quanto ao argumento invocado pela Microsoft na réplica e relativo ao facto de a tecnologia em causa ser secreta, de valor significativo para os beneficiários da licença e conter importantes inovações, também não procede.

693    Com efeito, em primeiro lugar, o facto de a tecnologia em causa ser secreta é consequência de uma decisão comercial unilateral da Microsoft. Além disso, esta última não pode invocar simultaneamente a seu favor o argumento relativo ao carácter alegadamente secreto das informações relativas à interoperabilidade para sustentar que só pode ser obrigada a divulgá‑los se as circunstâncias excepcionais identificadas pelo Tribunal de Justiça nos acórdãos Magill e IMS Health, referidos no n.° 107, estiverem preenchidas e justificar a sua recusa pelo mesmo carácter alegadamente secreto das referidas informações. Por último, nada justifica que uma tecnologia secreta beneficie de um maior grau de protecção do que, por exemplo, uma tecnologia que o respectivo inventor teve de divulgar ao público no âmbito de um procedimento de atribuição de uma patente.

694    Em segundo lugar, as informações relativas à interoperabilidade, a partir do momento em que – como no caso em apreço – for demonstrado que têm um carácter indispensável, têm necessariamente um grande valor para os concorrentes que pretendem ter acesso a elas.

695    Em terceiro lugar, é inerente ao facto de a empresa em causa deter um direito de propriedade intelectual que o respectivo objecto tenha carácter inovador ou original. Com efeito, não pode ser atribuída uma patente se não tiver sido feita uma invenção nem direitos de autor na inexistência de uma obra original.

696    Por outro lado, o Tribunal de Primeira Instância refere que, na decisão impugnada, a Comissão não se limitou a rejeitar a justificação invocada pela Microsoft, segundo a qual a tecnologia em causa estava abrangida por direitos de propriedade intelectual. Examinou igualmente o argumento desta última relativo ao facto de que, se fosse obrigada a facultar o acesso a terceiros à referida tecnologia, isso teria efeitos negativos no seu incentivo à inovação (considerandos 709 e 712 da decisão impugnada).

697    Não se pode deixar de referir que, como acertadamente observa a Comissão, a Microsoft, que tem o ónus da prova inicial a este respeito (v. n.° 688, supra), não fez prova bastante de que, se fosse obrigada a divulgar as informações relativas à interoperabilidade, isso teria efeitos negativos significativos sobre o seu incentivo à inovação.

698    A Microsoft, com efeito, limitou‑se a invocar argumentos vagos, genéricos e teóricos sobre este ponto. Assim, como refere a Comissão no considerando 709 da decisão impugnada, a Microsoft limitou‑se, na sua resposta de 17 de Outubro de 2003 à terceira comunicação de acusações, a declarar que «a divulgação […] eliminaria o incentivo futuro a investir na criação de propriedade intelectual», sem esclarecer a que tecnologias ou produtos se referia.

699    Em algumas passagens da resposta mencionada no número precedente, a Microsoft prevê efeitos negativos sobre o seu incentivo à inovação em relação aos seus sistemas operativos em geral, concretamente, tanto para PC clientes como para servidores.

700    A este respeito, basta referir que, nos considerandos 713 a 729 da decisão impugnada, a Comissão refutou, muito acertadamente, os argumentos da Microsoft relativos ao receio de que os seus produtos fossem clonados. Deve recordar‑se, em particular, que a medida correctiva prevista no artigo 5.° da decisão impugnada não permite nem pretende permitir que os concorrentes desta última copiem os seus produtos (v. n.os 198 a 206, 240 a 242 e 656 a 658, supra).

701    Por conseguinte, não foi demonstrado que a divulgação das informações objecto dessa medida correctiva reduzirá significativamente – e ainda menos que aniquilará – o incentivo à inovação da Microsoft.

702    Neste contexto, há que observar que, como acertadamente refere a Comissão nos considerandos 730 a 734 da decisão impugnada, é prática corrente dos operadores no sector em causa divulgar a terceiros as informações destinadas a facilitar a interoperabilidade com os seus produtos, tendo a própria Microsoft agido assim até ao momento em que passou a ter uma posição suficientemente sólida no mercado dos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho. Isto permite‑lhes, com efeito, aumentar a atractividade, e consequentemente o valor, dos seus próprios produtos. Ora, nenhuma das partes alegou, no presente processo, que essa divulgação tenha tido quaisquer efeitos negativos sobre o incentivo à inovação desses operadores.

703    Além disso, deve considerar‑se que, uma vez que a divulgação que foi efectuada no âmbito da transacção americana e do MCPP no que diz respeito aos protocolos servidor‑cliente não teve efeitos negativos sobre o incentivo da Microsoft à inovação (considerando 728 da decisão impugnada), não há nenhuma razão clara para acreditar que as consequências serão diferentes no que diz respeito à divulgação relativa aos protocolos servidor‑servidor.

704    Por último, relativamente à alegação da Microsoft segundo a qual, na decisão impugnada, a Comissão rejeitou a justificação objectiva que tinha apresentado aplicando um critério novo de apreciação, há que concluir que a mesma assenta numa leitura errada dessa decisão.

705    Essa alegação, com efeito, baseia‑se apenas numa frase que consta do considerando 783 da decisão impugnada, que está incluído numa parte da decisão que contém a conclusão da análise feita pela Comissão, nos considerandos 560 a 778, da recusa em causa.

706    Essa frase tem a seguinte redacção:

«[U]m exame aprofundado do alcance das divulgações em questão permite concluir que, ponderados todos os factores, a eventual incidência negativa que a imposição de uma obrigação de fornecer as informações em causa teria sobre o incentivo da a Microsoft para inovar é compensada pelos seus efeitos positivos ao nível da inovação na totalidade do sector (incluindo a Microsoft).»

707    Todavia, essa frase deve ser lida em conjugação com a que vem imediatamente a seguir no mesmo considerando e segundo a qual «a necessidade de preservar o incentivo da Microsoft para inovar não pode constituir uma justificação objectiva que contrabalance as circunstâncias excepcionais acima identificadas».

708    Deve igualmente ser interpretada à luz do considerando 712 da decisão impugnada, em que a Comissão faz as seguintes considerações:

«Foi já demonstrado […] que a recusa da Microsoft criava o risco de eliminação da concorrência no mercado em causa dos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho, que isso se devia ao facto de o input recusado ser indispensável à prossecução de uma actividade comercial nesse mercado e que a recusa da Microsoft tinha efeitos negativos no desenvolvimento técnico, em prejuízo dos consumidores. Tendo em conta essas circunstâncias excepcionais, o simples facto de a recusa da Microsoft constituir uma recusa de conceder uma licença sobre a propriedade intelectual não é uma justificação objectiva para a mesma recusa. Por conseguinte, é necessário avaliar se os argumentos invocados pela Microsoft no que diz respeito aos seus incentivos à inovação prevalecem sobre essas circunstâncias excepcionais.»

709    Por outras palavras, em conformidade com os princípios consagrados pela jurisprudência (v. n.os 331 a 333, supra), a Comissão, depois de ter demonstrado que as circunstâncias excepcionais identificadas pelo Tribunal de Justiça nos acórdãos Magill e IMS Health, referidos no n.° 107, estavam presentes no caso em apreço, verificou se a justificação invocada pela Microsoft, baseada no alegado prejuízo ao seu incentivo à inovação, podia prevalecer sobre essas circunstâncias excepcionais, incluindo a circunstância relativa ao facto de a recusa em causa limitar o desenvolvimento técnico em prejuízo dos consumidores na acepção do artigo 82.°, segundo parágrafo, alínea b), CE.

710    A Comissão concluiu pela negativa sobre este ponto, não sem antes ter ponderado os efeitos negativos que a imposição de uma obrigação de fornecer as informações em causa poderia ter sobre o incentivo da Microsoft à inovação e os efeitos negativos dessa obrigação sobre a inovação do sector no seu todo, mas recusando os seus argumentos relativos ao receio de que os seus produtos fossem clonados (considerandos 713 a 729 da decisão impugnada), de ter verificado que a divulgação das informações relativas à interoperabilidade era uma prática corrente na indústria em causa (considerandos 730 a 735 da decisão impugnada), de ter referido que o compromisso assumido pela IBM em relação à Comissão em 1984 não era substancialmente diferente do que se ordena à Microsoft na decisão impugnada (considerandos 736 a 742 da decisão impugnada) e que a sua abordagem era conforme à Directiva 91/250 (considerandos 743 a 763 da decisão impugnada).

711    Resulta de todas as considerações precedentes que a Microsoft não demonstrou a existência de qualquer justificação objectiva para a sua recusa de divulgar as informações em causa relativas à interoperabilidade.

712    Uma vez que se encontram presentes no caso em apreço, além disso, as circunstâncias excepcionais identificadas pelo Tribunal de Justiça nos acórdãos Magill e IMS Health, referidos no n.° 107, a primeira parte do presente fundamento deve ser julgada improcedente na íntegra.

2.     Quanto à segunda parte do fundamento, relativa ao facto de a Sun não ter pedido à Microsoft para beneficiar da tecnologia que a Comissão lhe ordena que divulgue

a)     Argumentos das partes

713    Em primeiro lugar, a Microsoft alega que a Sun não lhe pediu o acesso a às informações relativas à interoperabilidade na acepção da decisão impugnada.

714    A este respeito, a Microsoft, referindo‑se a uma passagem da denúncia da Sun, sustenta que o pedido contido na carta de 15 de Setembro de 1998 não era relativo às «especificações exaustivas e correctas» dos seus protocolos de comunicação, mas a informações pormenorizadas relativas às características internas dos seus sistemas operativos Windows para servidores.

715    Assim, segundo a Microsoft, mesmo admitindo que a carta de 6 de Outubro de 1998 possa ser interpretada no sentido de que contém uma recusa, quod non, não se pode afirmar que recusou fornecer à Sun a tecnologia que a decisão impugnada lhe imputa não ter divulgado.

716    A Microsoft acrescenta que «a extensão do pedido da Sun não era susceptível de [lhe] dar a entender […] que [a Sun] pretendia obter uma licença [sobre os seus] protocolos de comunicação».

717    Por outro lado, refere que, na sua denúncia, a Sun não faz referência a protocolos de comunicação.

718    Por último, a Microsoft observa que, na carta de 15 de Setembro de 1998, a Sun referia que considerava que «a Microsoft devia incluir uma implementação de referência e a informação necessária para garantir que, sem que [fosse] necessário recorrer à engenharia de inversão, os objectos COM e todas as tecnologias Active Directory corr[essem] de modo perfeitamente compatível em Solaris». Invoca que o acesso a tal «tecnologia» teria permitido à Sun «imitar» quase todas as funcionalidades dos sistemas operativos Windows para servidores. Acrescenta que o pedido da Sun incidia sobre uma «tecnologia ainda em desenvolvimento», uma vez que o Windows 2000 Server e o Active Directory só começaram a ser comercializados em de Dezembro de 1999.

719    Em segundo lugar, a Microsoft alega que, na carta de 6 de Outubro de 1998, não «recusou pura e simplesmente» o pedido da Sun, antes a tendo convidado a analisar com ela «o modo de acordo pelo qual as duas empresas podiam aperfeiçoar a interoperabilidade entre os respectivos produtos em benefício dos seus clientes comuns». Afirma igualmente que, na sua carta, indicou à Sun várias maneiras de «realizar a interoperabilidade». Referindo o considerando 565 da decisão impugnada, acrescenta que a Comissão não pode sustentar que as tecnologias em causa eram de tal modo complexas que não era possível esperar da Sun que soubesse aquilo de que necessitava. Observa, a este respeito, que a Sun é um distribuidor altamente especializado de sistemas operativos para servidores e que, de qualquer forma, era a ela que incumbia clarificar o seu pedido.

720    Por outro lado, a Microsoft alega que a Sun não deu seguimento ao convite que lhe fez, referindo, nomeadamente, que esta última não assistiu a uma reunião que foi organizada para discutir a questão da interoperabilidade dos seus produtos respectivos.

721    Por último, a Microsoft considera que não há contradição entre a sua posição segundo a qual não é certo que teria recusado divulgar as especificações dos seus protocolos de comunicação se a Sun ou «qualquer outra empresa» lho tivessem pedido e o facto de pedir a anulação da decisão impugnada. Com efeito, há uma diferença significativa entre, por um lado, um «acordo de licenças cruzadas negociado com outro grande fornecedor de sistemas operativos» e, por outro, uma «obrigação de fornecer ao mundo inteiro a tecnologia de que é proprietária a mando da autoridade pública».

722    Em terceiro lugar, a Microsoft sustenta que a Sun não lhe pediu uma licença sobre os seus direitos de propriedade intelectual para desenvolver sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho no EEE. Considera que, assim, não era obrigada a considerar a responsabilidade específica de não atentar contra uma concorrência efectiva e não falseada que lhe incumbe por força do artigo 82.° CE quando respondeu à carta de 15 de Setembro de 1998.

723    Neste contexto, a Microsoft recorda que a Sun é uma sociedade americana e que a carta de 15 de Setembro de 1998 foi enviada da sua sede situada nos Estados Unidos para a sede da Microsoft, que também é uma sociedade americana, também situada nos Estados Unidos. Alega que, tendo em conta a inexistência de toda e qualquer ligação com o EEE e o facto de não ter sido mencionado, nessa carta, que a tecnologia em causa era necessária ao desenvolvimento e à distribuição de sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho no território do EEE, não tinha nenhuma razão para pensar que a Sun pretendia obter uma licença para esse território.

724    A Comissão rejeita todos os argumentos invocados pela Microsoft.

725    Em primeiro lugar, a Comissão sustenta que o pedido formulado pela Sun na carta de 15 de Setembro de 1998, «embora mais ambicioso em determinados aspectos do que o âmbito de aplicação da decisão [impugnada]», era suficientemente claro para que a Microsoft compreendesse, por um lado, que a Sun pretendia ter acesso a informações relativas à interoperabilidade e, por outro, que algumas dessas informações eram relativas a características das redes Windows para grupos de trabalho (arquitectura de domínio Active Directory) que eram indispensáveis à Sun para exercer uma concorrência viável no mercado dos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho.

726    A Comissão afirma que a Microsoft faz uma apresentação incorrecta do pedido da Sun quando alega que este dizia respeito a elementos do código fonte e não a informações relativas aos interfaces. Recorda que, no seu pedido, a Sun solicitava que fosse possível que os seus produtos «comunica[ssem] de modo transparente» com o ambiente Windows e que, na carta de 6 de Outubro de 1998, Maritz afirmou claramente que interpretava esse pedido no sentido de que se referia a informações relativas à interoperabilidade. Observa igualmente que, na sua denúncia, a Sun salientou que pretendia ter acesso a «informações relativas aos interfaces».

727    A Comissão, remetendo para os considerandos 713 a 722 da decisão impugnada, acrescenta que o acesso às informações relativas à interoperabilidade não permitirá aos concorrentes da Microsoft «clonar» ou «imitar» as funcionalidades dos sistemas operativos Windows para servidores de grupos de trabalho.

728    A Comissão considera que o facto de a Sun não ter utilizado a expressão «protocolo de comunicação» é irrelevante, uma vez que um pedido de acesso às informações necessárias para permitir a interconexão e a interacção com o software Windows e um pedido de acesso às especificações de protocolos são «uma só e a mesma coisa».

729    A Comissão observa também que, na carta de 6 de Outubro de 1998, a Microsoft não invocou o facto de o pedido da Sun ser relativo a uma «tecnologia ainda em desenvolvimento». De qualquer forma, esse argumento não pode ser acolhido, uma vez que a primeira versão Bêta do Windows 2000 Server já estava no mercado há um ano quando a Sun dirigiu a carta de 15 de Setembro de 1998 à Microsoft.

730    Em segundo lugar, a Comissão sustenta que a Microsoft não pode contestar que recusou o pedido da Sun.

731    A este respeito, refere, em primeiro lugar, que a posição assim defendida pela Microsoft está em contradição com o seu pedido de anulação do artigo 5.° da decisão impugnada.

732    Em segundo lugar, remetendo para os considerandos 194 a 198 da decisão impugnada, a Comissão afirma que a Microsoft lhe confirmou expressamente que recusava facultar o acesso a determinadas informações relativas à interoperabilidade. Acrescenta que, como foi referido nos considerandos 573 a 577 da decisão impugnada, essa recusa faz parte de uma linha de conduta geral. Do mesmo modo, no processo de medidas provisórias, a Microsoft afirmou que a referida recusa fazia parte do seu «modelo económico».

733    Em terceiro lugar, a Comissão refere que duvida que a Microsoft tivesse transmitido à Sun as informações pedidas se esta tivesse dado seguimento de modo mais determinado à alegada proposta da Microsoft de encetar negociações a propósito da interoperabilidade. Faz referência, a este respeito, a determinadas declarações de dirigentes da Microsoft reproduzidas nos considerandos 576 e 778 da decisão impugnada. A Comissão acrescenta que é pouco provável que o Sr. Goldberg, o funcionário da Microsoft a que a carta de 6 de Outubro de 1998 faz referência, estivesse habilitado a tomar decisões na matéria. Refere igualmente que o Sr. Terranova, um empregado da Sun, teve uma reunião com o Sr. Goldberg em 25 de Novembro de 1998, e que a Microsoft não explica por que razão o facto de Sr. Terranova ter sido obrigado a anular outra reunião prevista para 8 de Março de 1999 impediu a continuação das negociações a propósito da interoperabilidade. Por último, a Comissão observa que a ordem de trabalhos desta última reunião, tal como foi sugerida pelo Sr. Goldberg, não continha a mínima referência às tecnologias relevantes, como o Active Directory.

734    Em terceiro lugar, a Comissão considera que é indiferente que, na carta de 15 de Setembro de 1998, a Sun não tenha feito expressamente referência ao EEE. A este respeito, por um lado, refere que, uma vez que o mercado geográfico em causa era de dimensão mundial, o EEE era necessariamente abrangido pelo pedido contido nessa carta e, por outro, recorda que a Sun apresentou uma denúncia, em 10 de Dezembro de 1998, à Comissão.

b)     Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

735    Através da argumentação que desenvolve para sustentar a segunda parte do seu fundamento único, a Microsoft pretende demonstrar que a Comissão não podia ter concluído, na decisão impugnada, que aquela tinha abusado da sua posição dominante ao recusar divulgar as informações relativas à interoperabilidade, uma vez que nenhuma verdadeira recusa pode, afinal, ser‑lhe imputada. Para fundamentar esta tese, a Microsoft invoca, no essencial, a troca de correspondência com a Sun no final do ano de 1998. A sua argumentação subdivide‑se em três aspectos principais. Em primeiro lugar, a Microsoft alega que o pedido da Sun contido na carta de 15 de Setembro de 1998 não dizia respeito a informações relativas à interoperabilidade como as referidas na decisão impugnada. Em segundo lugar, contesta, de qualquer forma, ter recusado, na carta de 6 de Outubro de 1998, esse pedido. Em terceiro lugar, a Microsoft sustenta que, na carta de 15 de Setembro de 1998, a Sun não lhe pediu para beneficiar de uma licença sobre os direitos de propriedade intelectual que detém no EEE.

736    Cada um destes aspectos deve ser objecto de uma apreciação distinta.

 Quanto ao alcance do pedido da Sun

737    Antes de mais, há que recordar o exacto conteúdo da carta de 15 de Setembro de 1998, bem como a análise que a Comissão faz da mesma na decisão impugnada.

738    Nessa carta, a Sun identifica, nos seguintes termos, as informações que pretende que a Microsoft lhe transmita:

–        por um lado, todas as informações necessárias para lhe permitir fornecer suporte nativo para «objectos COM» em Solaris.

–        por outro, todas as informações necessárias para lhe permitir fornecer suporte nativo para todas as tecnologias Active Directory em Solaris.

739    Nessa mesma carta, a Sun esclareceu a extensão das informações pedidas, bem como o objectivo do seu pedido, referindo que:

–        as aplicações criadas para serem executadas em Solaris deviam poder comunicar de modo transparente via COM e/ou Active Directory com os sistemas operativos Windows e/ou com software baseado em Windows;

–        a Microsoft devia incluir uma implementação de referência e a informação necessária para garantir que, sem que seja necessário recorrer à engenharia de inversão, os «objectos COM» e todas as tecnologias Active Directory corressem de modo perfeitamente compatível em Solaris;

–        era necessário que essa informação fosse prestada para todos os «objectos COM» bem como para todas as tecnologias Active Directory que se encontram actualmente no mercado;

–        era necessário que essa informação fosse prestada num prazo razoável e de modo regular para os objectos COM e as tecnologias Active Directory que fossem futuramente colocadas no mercado.

740    No considerando 186 da decisão impugnada, a Comissão interpreta a segunda parte do pedido feito pela Sun na carta de 15 de Setembro de 1998 (v. n.° 738, segundo travessão) no sentido de que se refere à «capacidade de a Solaris agir como um controlador de domínio totalmente compatível em redes de grupos de trabalho Windows 2000 ou como um servidor membro (em particular como um servidor de ficheiros ou de impressão) plenamente compatível com a arquitectura de domínio Active Directory (segurança, serviço de directório)». Acrescenta que o facto de o referido pedido dizer simultaneamente respeito à interoperabilidade cliente‑servidor e à interoperabilidade servidor‑servidor é coerente com o facto de a «arquitectura de domínio Windows» associar intimamente esses dois tipos de interoperabilidade. Por outras palavras, segundo a Comissão, «o pedido da Sun compreende as especificações dos protocolos utilizados pelos servidores de grupos de trabalho Windows para fornecer serviços de partilha de ficheiros e de impressoras, bem como serviços de gestão dos utilizadores e dos grupos [de utilizadores] às redes Windows para grupos de trabalho», o que inclui «ao mesmo tempo a interconexão e a interacção directas entre um servidor de grupos de trabalho Windows e um PC cliente Windows, e a interconexão e a interacção entre essas máquinas que são indirectas e passam por um ou vários outros servidores de grupos de trabalho Windows» (considerando 187 da decisão impugnada).

741    No considerando 188 da decisão impugnada, a Comissão analisa a primeira parte do pedido da Sun (v. n.° 738, primeiro travessão, supra). Recordando que a COM/DCOM é uma tecnologia que «é relevante nos produtos Windows para o fornecimento de serviços de partilha de ficheiros e de impressoras, bem como de gestão dos utilizadores e dos grupos de utilizadores», considera que há uma sobreposição entre esta parte do pedido da Sun e a segunda parte do mesmo pedido, relativa ao Active Directory. No considerando seguinte, esclarece, todavia, que «os únicos elementos do pedido da Sun relativos à tecnologia COM pertinentes para efeitos da apreciação da recusa de fornecimento referida na [decisão impugnada] são os abrangidos pelo pedido da Sun relativo à compatibilidade com o Active Directory». Este esclarecimento deve ser interpretado juntamente com a declaração feita pela Comissão no considerando 566 da decisão impugnada, segundo a qual, por um lado, «a única recusa que está em causa [nesta] decisão é a recusa da Microsoft de fornecer uma especificação completa para os protocolos que estão na base da arquitectura de domínio Windows, que organiza o modo de acordo com o qual os servidores de grupos de trabalho Windows fornecem os serviços de grupos de trabalho aos PC clientes Windows», e, por outro, «[o] facto de a Microsoft ter também rejeitado o pedido da Sun para facilitar a transportabilidade multi‑plataformas de objectos COM não faz parte do comportamento relevante para efeitos da [referida] decisão».

742    A Comissão acrescenta, no considerando 190 da decisão impugnada, que está implícito no pedido da Sun que esta última pretende ter acesso a especificações para poder implementá‑las nos seus produtos.

743    Nos considerandos 199 a 207 da decisão impugnada, a Comissão tece uma série de considerações destinadas a demonstrar que as informações a que a Sun pede para ter acesso, na carta de 15 de Setembro de 1998, são relativas à interoperabilidade. A este respeito, em primeiro lugar, rejeita a alegação, formulada pela Microsoft na sua resposta de 17 de Outubro de 2003 à terceira comunicação de acusações, segundo a qual a Sun pretendia que a Microsoft criasse uma versão do Active Directory que pudesse ser utilizada em Solaris. Em segundo lugar, a Comissão afasta o argumento da Microsoft, igualmente invocado no procedimento administrativo, segundo o qual o pedido da Sun era relativo «à estrutura interna dos sistemas operativos Windows para servidores» e ia, portanto, para além das informações relativas à interoperabilidade. Sobre este último ponto, observa que, na carta de 15 de Setembro de 1998, a Sun fez expressamente menção do seu desejo de poder realizar uma «comunicação transparente» entre o ambiente Solaris e o Windows (considerando 207 da decisão impugnada). Refere igualmente que resulta da carta de 6 de Outubro de 1998 que a Microsoft tinha compreendido perfeitamente que a Sun pretendia ter acesso a informações relativas à interoperabilidade com «certas características do Windows» (considerando 207 da decisão impugnada).

744    Em seguida, à luz destes diversos elementos, há que referir, em primeiro lugar, que embora, como aliás a própria Comissão reconhece na resposta, o alcance do pedido contido na carta de 15 de Setembro de 1998 seja, em determinados aspectos, mais amplo do que o da decisão impugnada, não é menos certo que, nessa mesma carta, a Sun reduziu esse alcance ao referir que pretendia que fosse possível que os seus produtos «comunica[ssem] de modo transparente» (seamlessly communicate) com o ambiente Windows. No mesmo sentido, importa mencionar que, na referida carta, a Sun também esclareceu que as informações pedidas deviam permitir «garantir que, sem que [fosse] necessário recorrer à engenharia de inversão, os objectos COM e todas as tecnologias Active Directory corr[essem] de modo perfeitamente compatível em Solaris». Por outras palavras, resulta claramente dos termos da carta de 15 de Setembro de 1998 que a Sun pretendia ter acesso a informações e que estas deviam permitir‑lhe realizar a interoperabilidade entre os seus produtos e o ambiente Windows.

745    Resulta além disso dos termos da carta de 15 de Setembro de 1998 que a Sun pretendia poder realizar um nível elevado de interoperabilidade entre os seus produtos e a arquitectura de domínio Windows. A este respeito, há que mencionar que, na carta de 6 de Outubro de 1998, o Sr. Maritz, quando refere que a Microsoft não tem nenhuma intenção de «transporta[r] [‘to port’] o Active Directory para o Solaris» e que existem «níveis variáveis de funcionalidade, para interoperar com o Active Directory», estabelece claramente uma distinção entre o grau superior de interoperabilidade que pode ser atingido quando os elementos de um sistema operativo são «transportados» para outro sistema operativo e os graus menos elevados ou «variáveis» de interoperabilidade que podem ser atingidos recorrendo a outros métodos que sugere na mesma carta.

746    Em segundo lugar, a Microsoft não pode razoavelmente invocar a seu favor o facto de, na sua denúncia, a Sun não ter utilizado a expressão «protocolos de comunicação». Como é referido no considerando 49 da decisão impugnada e como acertadamente recorda a Comissão nos seus articulados, um «protocolo» representa um conjunto de regras de interconexão e de interacção entre diversos elementos de software dentro de uma rede (v. igualmente n.os 196 e 197, supra). Ora, como foi referido no n.° 740, era precisamente a respeito deste tipo de regras que a Sun pretendia obter informações. O argumento da Microsoft é tanto menos aceitável quanto é puramente formal. Com efeito, na carta de 6 de Outubro de 1998, o Sr. Maritz evocou várias vezes a interoperabilidade entre, por um lado, os produtos da Microsoft e, por outro, os da Sun ou de outros editores de software. Isto demonstra que a Microsoft tinha compreendido perfeitamente o alcance do pedido da Sun, apesar de, na carta de 15 de Setembro de 1998, não ter sido feita referência, formalmente, aos «protocolos de comunicação».

747    Em terceiro lugar, a alegação da Microsoft segundo de que um acesso à tecnologia pedida teria permitido à Sun «imitar» quase todas as funcionalidades dos sistemas operativos Windows para servidores não pode ser acolhida. Com efeito, como resulta das considerações precedentes, a Sun pretendia ter acesso às informações necessárias para poder realizar a interoperabilidade entre os seus produtos e a arquitectura de domínio Windows. Ora, como resulta, nomeadamente, dos considerandos 34, 570 e 571 da decisão impugnada e como foi já referido nos n.os 199 a 206, esse resultado pode ser atingido transmitindo apenas as especificações de certos protocolos, isto é, sem divulgar elementos de implementação. Na medida em que a alegação da Microsoft se baseia no facto de, na carta de 15 de Setembro de 1998, a Sun referir que a Microsoft lhe devia transmitir, nomeadamente, uma «implementação de referência», há que observar que, mesmo que, com esta expressão, a Sun tivesse pretendido pedir a transmissão de elementos do código fonte da Microsoft, tendo em conta as concessões que introduziu quanto ao alcance do seu pedido (v. n.° 744, supra), isso não permitiria considerar que não pediu, por outro lado, que lhe fossem facultadas as especificações dos protocolos referidos na decisão impugnada, limitando‑se, aliás, a sanção aplicada por esta última, como recorda o seu considerando 569, ao comportamento da Microsoft que consistiu na recusa de transmitir as referidas especificações.

748    Em quarto lugar, a Microsoft também não pode alegar utilmente que o pedido formulado pela Sun na carta de 15 de Setembro de 1998 respeitava a uma «tecnologia ainda em desenvolvimento». Com efeito, por um lado, essa alegação é totalmente irrelevante para a questão de saber esse pedido respeitava a informações relativas à interoperabilidade, tal como mencionadas na decisão impugnada. Por outro, não leva em conta o facto de, como é referido nos considerandos 398 e 790 da decisão impugnada, a Microsoft ter já distribuído em 23 de Setembro de 1997, ou seja, perto de um ano antes do envio dessa carta, a primeira versão Bêta do Windows 2000 Server.

749    Deve concluir‑se de todas as considerações precedentes que, contrariamente ao que alega a Microsoft, o pedido da Sun contido na carta de 15 de Setembro de 1998 respeitava claramente às informações relativas à interoperabilidade referidas na decisão impugnada e objecto da medida correctiva prevista no seu artigo 5.°

 Quanto ao alcance da carta de 6 de Outubro de 1998

750    Quanto ao segundo aspecto da argumentação que a Microsoft desenvolve para sustentar a segunda parte do fundamento invocado, concretamente, o relativo ao alcance da carta de 6 de Outubro de 1998, também não deve ser acolhido.

751    Com efeito, tendo em conta os próprios termos dessa carta, analisados à luz do contexto em que foi redigida, da identidade do seu autor, da extensão dos conhecimentos que tinha das tecnologias em causa e da atitude da Microsoft até à adopção da decisão impugnada, há que considerar que havia razões para a Comissão interpretar essa carta, na referida decisão, no sentido de que continha uma recusa de divulgar à Sun as informações que esta tinha pedido.

752    A este respeito, há que recordar, antes de mais, que, como foi referido relativamente à primeira parte do fundamento invocado, a argumentação da Microsoft no contexto da problemática da recusa de fornecer as informações relativas à interoperabilidade e de autorizar a respectiva utilização assenta em grande parte sobre a questão de saber qual é o grau de interoperabilidade que deve ser atingido entre os seus produtos e os dos seus concorrentes. Ao longo do procedimento administrativo e no presente processo, a Microsoft sempre defendeu a posição segundo a qual bastava que sistemas operativos diferentes tivessem a possibilidade de trocar informações ou de fornecerem serviços reciprocamente, ou, por outras palavras, que pudessem «funcionar correctamente» juntos. Segundo a Microsoft, as informações e os métodos já disponíveis no mercado permitem atingir esse resultado, de modo que não pode ser obrigada a divulgar informações suplementares, em particular as relativas às comunicações que se processam dentro da «esfera azul». Alega, nomeadamente, que a Comissão exige um grau de interoperabilidade que ultrapassa largamente o previsto na Directiva 91/250 e que não corresponde à forma como as empresas organizam, na prática, as suas redes informáticas. A Comissão, com efeito, pretende que os sistemas operativos concorrentes dos da Microsoft funcionem em todos os aspectos como um sistema operativo Windows para servidores, o que obrigaria esta última a transmitir aos seus concorrentes muito mais do que informações sobre os interfaces dos seus produtos e lesaria os seus direitos de propriedade intelectual e o seu incentivo à inovação.

753    Como já foi referido nos n.os 207 a 245, a interpretação que a Microsoft dá ao grau de interoperabilidade exigido pela Comissão e, por conseguinte, ao alcance das informações referidas na decisão impugnada é errada.

754    Há que levar em conta esses elementos para apreciar a interpretação que a Comissão fez da carta de 6 de Outubro de 1998 e dos argumentos invocados a este respeito pela Microsoft.

755    Como foi demonstrado no n.° 746, a Microsoft tinha compreendido perfeitamente o alcance do pedido formulado pela Sun na carta de 15 de Setembro de 1998, nomeadamente, tinha percebido que esta última pretendia obter as informações necessárias para permitir que os seus produtos «comunica[ssem] de modo transparente» com o ambiente Windows ou, por outras palavras, para estabelecer uma interoperabilidade de alto nível entre os seus produtos e o referido ambiente.

756    Além disso, a carta de 15 de Setembro de 1998 foi manifestamente dirigida à Microsoft com a finalidade de obter o acesso a informações que não fossem já do domínio público ou que não estivessem já disponíveis através de licenças à venda no mercado.

757    Ora, a carta de resposta de 6 de Outubro de 1998 inclui os seguintes seis pontos:

–        em primeiro lugar, o Sr. Maritz agradece o Sr. Green a carta de 15 de Setembro de 1998 e refere que a Microsoft sempre teve vontade de auxiliar os seus concorrentes na «concepção dos melhores produtos e da melhor interoperabilidade possíveis para a [sua] plataforma»;

–        em segundo lugar, chama a atenção do Sr. Green para o facto de já estarem disponíveis informações sobre os serviços e os interfaces da «plataforma Windows» através do produto denominado «MSDN»;

–        em terceiro lugar, convida a Sun a participar numa conferência organizada pela Microsoft em Denver de 11 a 15 de Outubro de 1998;

–        em quarto lugar, faz referência à existência de uma implementação de referência da COM em Solaris, esclarecendo que podem ser obtidas licenças para o código fonte da COM, nomeadamente, junto da Software AG;

–        em quito lugar, declara que a Microsoft não tem intenção de transportar o Active Directory para o Solaris, ao mesmo tempo que refere a existência de métodos, com níveis variáveis de interoperabilidade, para interoperar com o Active Directory, nomeadamente o protocolo padrão LDAP;

–        em sexto lugar, convida a Sun a dirigir‑se, no caso de necessitar de «assistência suplementar», aos «Account Managers» do grupo «Developer Relations» da Microsoft, que têm a função de «auxiliar os criadores que precisam de assistência suplementar para as plataformas da Microsoft», designando o Sr. Goldberg como pessoa a contactar para esse efeito.

758    Há que referir, em primeiro lugar, que, na carta de 6 de Outubro de 1998, o Sr. Maritz, longe de responder aos pedidos específicos formulados pela Sun na carta de 15 de Setembro de 1998, se limita a remeter esta última para fontes de informação e métodos que eram já do domínio público ou estavam já disponíveis através da concessão de licenças. Uma vez o Sr. Maritz percebeu claramente a importância dos pedidos formulados pelo Sr. Green, essa remissão só pode interpretar‑se como uma recusa de transmitir as informações pedidas.

759    O facto de, na carta de 6 de Outubro de 1998, o Sr. Maritz referir que a Microsoft não tinha intenção de «transportar» o Active Directory para o Solaris confirma a correcção dessa interpretação, na medida em que reflecte o facto de o Sr. Maritz estar plenamente consciente de que os concorrentes da Microsoft, nomeadamente a Sun, podiam esperar atingir um grau de interoperabilidade maior do que o que podia ser atingido recorrendo aos métodos mencionados na mesma carta (v. n.° 745, supra).

760    Este ponto está tanto mais provado que, relativamente, antes de mais, ao MSDN, a Microsoft não contesta, nesta parte do fundamento invocado, a análise feita pela Comissão na decisão impugnada segundo a qual esse mecanismo não permite aos seus concorrentes atingir um grau suficiente de interoperabilidade com os sistemas operativos Windows para PC clientes (considerando 563 da decisão impugnada remetendo para a secção 4.1.3. e, nomeadamente, para os considerandos 209 e 210).

761    Relativamente, em seguida, à possibilidade de a Sun recorrer a uma implementação de referência de COM livremente disponível, igualmente mencionada pela Microsoft na carta de 6 de Outubro de 1998, esta última também não alegou, no âmbito desta parte do fundamento invocado, que a Comissão tinha cometido um erro ao considerar, na decisão impugnada, que esse produto não constituía uma solução suficiente (considerando 563 da decisão impugnada que remete para a secção 4.1.3. e, nomeadamente, para os considerandos 218 a 230; v. igualmente considerandos 288 a 291).

762    Relativamente, por último, à possibilidade de a Sun recorrer ao protocolo LDAP, igualmente mencionado expressamente na carta de 6 de Outubro de 1998, a Microsoft não sustentou, no âmbito desta parte do fundamento, nem demonstrou, no âmbito da primeira parte do mesmo fundamento, que a Comissão tinha cometido um erro ao considerar, em particular nos considerandos 194 e 195 e 243 a 250 da decisão impugnada, que esse protocolo não era suficiente para realizar um nível de interoperabilidade conveniente com o Active Directory.

763    Em segundo lugar, a Microsoft não pode invocar a seu favor o facto de, na carta de 6 de Outubro de 1998, Sr. Maritz ter proposto a assistência suplementar do Sr. Goldberg para alegar que essa carta não contém nenhuma recusa. Com efeito, a assistência suplementar a que foi feita referência no último parágrafo dessa carta apenas diz respeito às informações e métodos mencionados no segundo e terceiro parágrafos da mesma carta. No essencial, a Microsoft apenas propõe, desse modo, ajudar a Sun da mesma maneira que os «Account Managers» do grupo «Developer Relations» ajudam todos os criadores que precisam de assistência relativamente às «plataformas da Microsoft».

764    A Microsoft também não pode sustentar utilmente que, como resulta de um documento que elaborou para resumir as trocas que fez com a Sun, esta última entendeu não dar seguimento às propostas do Sr. Goldberg. Com efeito, não se pode deixar de observar que esse documento não contém, como afirmou acertadamente a Comissão no considerando 193 da decisão impugnada, uma oferta formal da Microsoft de fornecer as informações pedidas pela Sun, ou seja, informações que vão além das que estão publicamente disponíveis.

765    Há que acrescentar, em terceiro lugar, que era legítimo que a Comissão interpretasse a carta de 6 de Outubro de 1998, na decisão impugnada, no sentido de que continha uma recusa de dar acesso às informações relativas à interoperabilidade pedidas pela Sun, tanto que, no procedimento administrativo, a Microsoft reconheceu expressamente que não tinha divulgado um certo número dessas informações e que continuava a recusar fazê‑lo (v., a este propósito, considerandos 194 a 198 da decisão impugnada). Apesar de a Microsoft ter posto em causa, na audiência, o carácter exaustivo de uma das citações que constam do considerando 195 da decisão impugnada, não negou ter afirmado, no procedimento administrativo, que a replicação entre cópias diferentes do Active Directory constituía um «processo proprietário».

766    A argumentação da Microsoft segundo a qual a carta de 6 de Outubro de 1998 não constitui uma recusa deve, consequentemente, ser julgada improcedente.

767    Há ainda que analisar a carta de 6 de Outubro de 1998 no contexto mais geral descrito na decisão impugnada. Ora, nessa decisão, longe de se apoiar apenas nessa carta, a Comissão considerou, como resulta, em particular, dos considerandos 194 a 198 e 573 a 577, que o comportamento que a Microsoft manifestava se inseria numa linha de conduta geral.

768    No considerando 573 da decisão impugnada, que remete, nomeadamente, para o considerando 194 dessa mesma decisão, a Comissão esclareceu, em particular, que vários concorrentes da Microsoft tinham confirmado que não tinham obtido informações suficientes relativas à interoperabilidade, tendo alguns de entre eles igualmente referido que a Microsoft tinha recusado fornecer as informações solicitadas ou não tinha respondido aos seus pedidos.

769    Além disso, no considerando 576 da decisão impugnada, a Comissão reproduziu extractos de um depoimento nos tribunais americanos de um responsável pelas licenças sobre o código fonte do Windows, que refere, segundo a Comissão, que a Microsoft enquadra restritivamente os acordos de licença relativos às tecnologias necessárias à interoperabilidade com a arquitectura de domínio Windows.

770    Ora, a Microsoft não contestou especificamente esses elementos no Tribunal de Primeira Instância.

771    Além disso, importa referir que, no n.° 778 da decisão impugnada, a Comissão, para refutar as negações da Microsoft relativamente à existência de um recusa, afirmando não ter nenhuma razão para excluir concorrentes através de um efeito de alavanca (leveraging), citou um extracto de uma alocução proferida por B. Gates, o presidente da Microsoft, em Fevereiro de 1997, perante o departamento de vendas da Microsoft. Esse extracto confirma a existência de uma linha de conduta geral no sentido de restringir a comunicação de informações relativas à interoperabilidade, pois contém a seguinte declaração:

«Estamos a tentar utilizar o que temos sobre os servidores para conceber novos protocolos e excluir, especialmente, a Sun e a Oracle […] Não sei se vamos conseguir, mas, de qualquer forma, é o que estamos a tentar fazer.»

 Quanto ao alcance geográfico do pedido contido na carta de 15 de Setembro de 1998

772    Quanto à terceira parte da argumentação que a Microsoft desenvolve para sustentar a segunda parte do seu fundamento único, baseia‑se no facto de, na carta de 15 de Setembro de 1998, a Sun não lhe ter pedido expressamente para beneficiar de uma licença sobre direitos de propriedade intelectual que detém no EEE para desenvolver sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho no EEE. A Microsoft conclui que, quando respondeu à Sun, não tinha de ter presente a sua responsabilidade específica de não atentar contra uma concorrência efectiva e não falseada.

773    Estes argumentos são puramente formais e não devem ser acolhidos.

774    A este respeito, há que referir que é certo que na carta de 15 de Setembro de 1998 a Sun não pediu expressamente à Microsoft que lhe concedesse uma licença sobre direitos de propriedade intelectual detidos no EEE. Todavia, não incumbia à Sun verificar, no seu pedido, se as informações a que pretendia ter acesso estavam protegidas por direitos de propriedade intelectual nem se a utilização dessas informações implicava a concessão de uma licença pela Microsoft. Além disso, é manifesto que a Sun desejava que esta última lhe transmitisse as informações em causa para poder implementá‑las nos seus próprios sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho. Por outro lado, uma vez que o mercado geográfico deste últimos sistemas tem dimensão mundial (v., a este propósito, considerando 427 da decisão impugnada), o território do EEE estava necessariamente abrangido pelo pedido, redigido em termos gerais, da Sun. Por último, como recorda a Comissão nos seus articulados, tendo em conta que a Sun fez uma denúncia algumas semanas mais tarde a este última, nos temos do artigo 3.° do Regulamento n.° 17, a Microsoft deixou então de poder ignorar que também estava em causa o EEE.

775    Por conseguinte, a Comissão concluiu correctamente, no considerando 787 da decisão impugnada, que a Microsoft, quando respondeu à carta de 15 de Setembro de 1998, não levou suficientemente em consideração a sua responsabilidade específica de não atentar contra uma concorrência efectiva e não falseada no mercado comum. Foi também correctamente que a Comissão referiu, no mesmo considerando, que essa responsabilidade específica decorria da posição de «quase‑monopólio» detida pela Microsoft no mercado dos sistemas operativos para PC clientes. Com efeito, como resulta, nomeadamente, das considerações expostas no n.° 740, a recusa em causa dizia respeito às «especificações dos interfaces nos quais se apoia a comunicação através de uma rede de servidores de grupos de trabalho [Windows] e de PC clientes Windows que, enquanto tais, não podem ser ligados a um dos dois [tipos de] produtos em causa (PC clientes ou servidores de grupos de trabalho), antes constituindo uma regra de compatibilidade entre esses dois [tipos de] produtos» (considerando 787 da decisão impugnada).

776    Resulta de todas as considerações precedentes que a segunda parte do fundamento único invocado pela Microsoft no âmbito da problemática da recusa de fornecer as informações relativas à interoperabilidade e de autorizar a respectiva utilização deve ser julgada improcedente.

3.     Quanto à terceira parte, relativa ao facto de a Comissão não levar devidamente em conta as obrigações impostas às Comunidades pelo acordo ADPIC

a)     Argumentos das partes

777    A Microsoft alega que a decisão impugnada, ao obrigá‑la a conceder aos seus concorrentes licenças sobre as especificações de protocolos de comunicação de que é proprietária, viola o artigo 13.° do acordo ADPIC. Os requisitos cumulativos previstos por essa disposição não se encontram, com efeito, preenchidos no caso em apreço.

778    A este respeito, em primeiro lugar, a Microsoft sustenta que essa obrigação ultrapassa o necessário para atingir a interoperabilidade e, por conseguinte, viola o requisito de os direitos de propriedade intelectual só poderem ser objecto de «limitações» ou «excepções» em «casos especiais». Ao impor a referida obrigação, a Comissão pretende, com efeito, permitir que os outros fornecedores de sistemas operativos para servidores possam criar produtos que «imitem» as funcionalidades dos sistemas operativos Windows para servidores. A Microsoft critica igualmente a obrigação que lhe é imposta de colocar os seus protocolos de comunicação à disposição dos concorrentes, independentemente do facto de estes terem ou não sido prejudicados pelos seu comportamento alegadamente anticoncorrencial.

779    Em segundo lugar, a Microsoft alega que a obrigação que lhe é imposta de conceder licenças causa um prejuízo directo à «exploração normal» dos seus direitos de propriedade intelectual. Refere, a este propósito, que, normalmente, os editores de software comercial, como ela, não concedem a terceiros licenças sobre as suas tecnologias inovadoras, antes explorando os seus direitos de propriedade intelectual desenvolvendo e comercializando produtos que implementam essas tecnologias. Refere igualmente que a dita obrigação terá efeitos negativos sobre as suas vendas, já que os seus concorrentes poderão utilizar os seus protocolos de comunicação para criar sistemas operativos para servidores intermutáveis com os seus próprios produtos.

780    Em terceiro lugar, a Microsoft alega a obrigação que lhe foi imposta causa um «prejuízo injustificado [aos seus] interesses legítimos», na medida em que é desproporcionada em relação ao objectivo declarado da Comissão, concretamente, a eliminação dos efeitos de um comportamento anticoncorrencial. O critério novo de ponderação aplicado por esta última parece, com efeito, legitimar a concessão obrigatória de licenças cada vez que os concorrentes de uma empresa dominante possam tirar proveito do acesso à sua propriedade intelectual, não importando saber se essa medida é necessária para dar resposta a um comportamento anticoncorrencial.

781    Por último, a Microsoft refere que é possível que o acordo ADPIC não seja directamente aplicável no âmbito do direito comunitário. Refere que o Tribunal de Justiça consagrou, porém, o princípio segundo o qual o direito comunitário, incluindo o artigo 82.° CE, deve ser interpretado à luz dos acordos internacionais celebrados pela Comunidade, como é o caso do referido acordo (acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de Setembro de 1996, Comissão/Alemanha, C‑61/94, Colect., p. I‑3989, n.° 52).

782    A ACT considera, antes de mais, que o princípio hermenêutico referido no número anterior se deve aplicar não apenas aos diplomas de direito comunitário derivado, mas também às disposições de direito comunitário primário.

783    Em seguida, a ACT alega que a interpretação que a Comissão faz, na decisão impugnada, do artigo 82.° CE não é conforme às obrigações internacionais da Comunidade decorrentes do acordo ADPIC, por três razões.

784    Em primeiro lugar, a medida correctiva prevista no artigo 5.° da decisão impugnada é incompatível com o artigo 13.° desse acordo.

785    Em segundo lugar, a referida medida correctiva, na medida em que implica a concessão obrigatória de licenças sobre patentes da Microsoft, viola o artigo 31.° do acordo ADPIC.

786    Mais especificamente, a ACT recorda que esse artigo dispõe, nomeadamente, o seguinte:

«Nos casos em que a legislação de um membro permita outras utilizações [todas as utilizações que não as autorizadas ao abrigo do artigo 30.°] do objecto de uma patente sem o consentimento do respectivo titular, incluindo a utilização pelos poderes públicos ou por terceiros autorizados pelos poderes públicos, devem ser respeitadas as seguintes disposições:

a)      A autorização dessa utilização será analisada em função das suas características próprias.»

787    Sustenta que essa disposição faz com que as licenças só possam ser concedidas caso a caso. Ora, o artigo 5.° da decisão impugnada prevê a concessão obrigatória de licenças «incluindo as patentes que já foram concedidas, as que são objecto de um pedido em curso e todas as que serão pedidas ou concedidas no futuro». Essa decisão implica a concessão obrigatória de licenças sobre «categorias de invenções».

788    Em terceiro lugar, à luz do artigo 39.° do acordo ADPIC (que é o artigo único da secção 7 desse acordo), o artigo 5.° da decisão impugnada, na medida em que obriga a Microsoft a divulgar aos seus concorrentes segredos comerciais, não só implica a perda do direito de controlar a utilização desses segredos, mas também tem os efeitos de os «aniquilar totalmente».

789    A Comissão recorda, antes de mais, que, de acordo com jurisprudência assente, «tendo em atenção a sua natureza e a sua economia, os acordos OMC não figuram, em princípio, entre as normas tomadas em conta pelo Tribunal de Justiça para fiscalizar a legalidade dos actos das instituições comunitárias» (acórdão do Tribunal de Justiça de 23 de Novembro de 1999, Portugal/Conselho, C‑149/96, Colect., p. I‑8395, n.° 47). Acrescenta que, no acórdão de 14 de Dezembro de 2000, Dior e o. (C‑300/98 e C‑392/98, Colect., p. I‑11307, n.° 44), o Tribunal de Justiça considerou que «as disposições do [acordo ADPIC], que constitui um anexo do Acordo [que institui a] OMC, não são susceptíveis de criar, para os particulares, direitos que estes possam invocar directamente num tribunal por força do direito comunitário». Alega igualmente que o acórdão Comissão/Alemanha, referido no n.° 781 supra, é irrelevante no caso em apreço, na medida em que não é relativo à interpretação de uma disposição do Tratado CE, mas sim de um diploma de direito comunitário derivado. De qualquer forma, a tese essencialmente defendida pela Microsoft é a de que a decisão impugnada é ilegal por infringir o acordo ADPIC.

790    Em seguida, a Comissão alega que a argumentação da Microsoft se baseia na premissa errada de que a decisão impugnada a obriga a conceder aos seus concorrentes licenças sobre as especificações, protegidas por direitos de autor, de protocolos de comunicação de que é proprietária. Observa também que a questão dos direitos de autor é, na melhor das hipóteses, «puramente acessória» no caso em apreço, e acrescenta que, uma vez que o «direito de divulgação» que a Microsoft invoca é um «direito moral», não é abrangido pelo o acordo ADPIC.

791    Por último, refere que a alegação da Microsoft segundo a qual os requisitos impostos pelo artigo 13.° do acordo ADPIC não se encontram preenchidos no caso em apreço assenta em «hipóteses erradas». A este respeito, alega que a suposta concessão obrigatória de licenças imposta pela decisão impugnada não ultrapassa o necessário para atingir a interoperabilidade e repete que não aplicou um critério novo de ponderação no caso em apreço.

792    Relativamente aos argumentos desenvolvidos pela ACT, a Comissão considera que devem ser julgados inadmissíveis, na medida em que se baseiam nos artigos 31.° e 39.° do acordo ADPIC, uma vez que não foram invocados pela Microsoft. De qualquer forma, nenhum dos argumentos dessa associação deve ser acolhido.

793    A SIIA subscreve os argumentos da Comissão.

b)     Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

794    No âmbito da terceira parte do fundamento único, a Microsoft censura à Comissão o facto de ter interpretado o artigo 82.° CE de modo não conforme ao artigo 13.° do acordo ADPIC. Alega que, se a Comissão tivesse devidamente levado em conta essa disposição, não teria considerado, no artigo 2.°, alínea a), da decisão impugnada, que a recusa em causa constituía um abuso de posição dominante nem imposto a medida correctiva prevista nos artigos 4.°, 5.° e 6.° da mesma decisão, na parte em que essa medida tinha por objecto as informações relativas à interoperabilidade.

795    A Microsoft baseia a sua argumentação no n.° 52 do acórdão Comissão/Alemanha, referido no n.° 781, supra, em que o Tribunal de Justiça declarou que o direito comunitário, incluindo o artigo 82.° CE, deve ser interpretado à luz dos acordos internacionais vinculativos, como é o caso do acordo ADPIC. Na audiência, a Microsoft insistiu sobre o facto de não ter alegado que as disposições desse acordo tinham efeito directo.

796    O Tribunal de Primeira Instância considera que a Microsoft não pode validamente invocar o acórdão Comissão/Alemanha, referido no n.° 781.

797    O n.° 52 desse acórdão refere, nomeadamente:

«[O] primado dos acordos internacionais celebrados pela Comunidade sobre os textos de direito comunitário derivado determina que estes últimos sejam interpretados, na medida do possível, em conformidade com esses acordos.»

798    Não se pode deixar de referir que o princípio da interpretação conforme assim evocado pelo Tribunal de Justiça só se aplica no caso de o acordo internacional em causa primar sobre o diploma de direito comunitário em causa. Uma vez que um acordo internacional como o acordo ADPIC não prevalece sobre o direito comunitário primário, esse princípio não pode aplicar‑se, nomeadamente quando, como no caso em apreço, a disposição alegadamente sujeita a interpretação é o artigo 82.° CE.

799    Além disso, no caso vertente, ao contrário do caso previsto no n.° 52 do acórdão Comissão/Alemanha, referido no n.° 781, supra, a Comissão não tinha verdadeiramente de fazer uma escolha entre várias interpretações possíveis de um diploma de direito comunitário. O presente processo, com efeito, respeita a uma situação em que esta última foi chamada a proceder à aplicação do artigo 82.° CE às circunstâncias factuais e jurídicas do caso em apreço e em que se deve presumir que, salvo prova em contrário, as conclusões a que chegou a esse respeito são as únicas que podia validamente adoptar.

800    Por outro lado, o Tribunal de Primeira Instância considera que, a coberto do princípio da interpretação conforme, a Microsoft, na realidade, não faz senão pôr em causa a legalidade da decisão impugnada por ser contrária ao artigo 13.° do acordo ADPIC.

801    Ora, de acordo com jurisprudência assente, tendo em conta a sua natureza e a sua sistemática, os acordos OMC não figuram, em princípio, entre as normas tomadas em conta pelo Tribunal de Justiça para fiscalizar a legalidade dos actos das instituições comunitárias (acórdãos do Tribunal de Justiça Portugal/Conselho, referido no n.° 789, supra, n.° 47; de 12 de Março de 2002, Omega Air e o., C‑27/00 e C‑122/00, Colect., p. I‑2569, n.° 93; de 9 de Janeiro de 2003, Petrotub e Republica/Conselho, C‑76/00 P, Colect., p. I‑79, n.° 53, e de 30 de Setembro de 2003, Biret International/Conselho, C‑93/02 P, Colect., p. I‑10497, n.° 52).

802    Só no caso de a Comunidade ter decidido dar cumprimento a uma obrigação particular assumida no quadro da OMC ou no caso de o acto comunitário remeter expressamente para disposições precisas dos acordos OMC é que compete ao Tribunal de Justiça fiscalizar a legalidade do acto comunitário em causa à luz das regras da OMC (acórdãos Portugal/Conselho, referido no n.° 789, supra, n.° 49, e Biret International/Conselho, referido no n.° 801, supra, n.° 53).

803    Uma vez que as circunstâncias do presente caso não correspondem, manifestamente, a nenhuma das duas hipóteses enunciadas no número anterior, a Microsoft não pode invocar o artigo 13.° do acordo ADPIC para sustentar o seu pedido de anulação dos artigos 2.°, 4.°, 5.° e 6.° da decisão impugnada. Por conseguinte, não há que analisar os argumentos que a Microsoft, apoiada pela ACT, invoca para sustentar a afirmação segundo a qual os requisitos previstos no referido artigo 13.° não se encontram preenchidos no caso em apreço.

804    Relativamente à argumentação da ACT relativa ao facto de o artigo 5.° da decisão impugnada ser incompatível com os artigos 31.° e 39.° do acordo ADPIC (v. n.os 785 a 788, supra), deve ser afastada pelas razões expostas nos n.os 796 a 803.

805    Há que observar, além disso, que o argumento da ACT segundo o qual o artigo 5.° da decisão impugnada viola o artigo 31.°, alínea a), do acordo ADPIC assenta na ideia totalmente errada de que a medida correctiva prevê a concessão obrigatória de licenças sobre «categorias de invenções» e não pressupõe nenhuma apreciação individual. Admitindo que, para dar cumprimento ao artigo 5.° da decisão impugnada, a Microsoft deva, através de uma licença, autorizar alguns dos seus concorrentes a explorar uma ou várias das suas patentes, nada, na referida decisão, a impede de negociar as condições dessa licença caso a caso.

806    A este respeito, há que referir que resulta da decisão impugnada que a medida correctiva prevista no seu artigo 5.° deve ser executada de acordo com um procedimento em três fases e com observâncias das condições previstas nos seus considerandos 1005 a 1009.

807    Assim, numa primeira fase, a Microsoft deve preparar as informações relativas à interoperabilidade na acepção do artigo 1.°, n.° 1, da decisão impugnada e instituir o mecanismo de avaliação previsto no artigo 5.°, alínea c), da mesma decisão.

808    Numa segunda fase, deve facultar o acesso às informações relativas à interoperabilidade às empresas que pretendam desenvolver e distribuir sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho para lhes permitir avaliar o valor económico que terá para elas a implementação dessas informações nos seus produtos [considerando 1008, alínea i), da decisão impugnada]. As condições mediante as quais a Microsoft autorizará essa avaliação devem ser razoáveis e não discriminatórias.

809    Numa terceira fase, a Microsoft dever facultar o acesso, a todas as empresas interessadas na totalidade ou em parte das informações relativas à interoperabilidade, às informações em causa, e autorizar essas empresas a implementá‑las em sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho (considerando 1003 da decisão impugnada). Também neste contexto, as condições que imporá devem ser razoáveis e não discriminatórias (considerandos 1005 a 1008 da decisão impugnada).

810    Resulta claramente desses diferentes elementos da decisão impugnada que nada impede a Microsoft, no caso de as informações relativas à interoperabilidade solicitadas por uma determinada empresa serem relativas a uma tecnologia que seja objecto de uma patente (ou que esteja abrangida por outro direito de propriedade intelectual), de facultar o acesso a essas informações e de autorizar a sua utilização através de uma licença, sem prejuízo da aplicação de condições razoáveis e não discriminatórias.

811    O simples facto de a decisão impugnada exigir que as condições a que essas eventuais licenças estarão sujeitas sejam razoáveis e não discriminatórias de modo algum significa que a Microsoft tenha de impor condições idênticas a todas as empresas que peçam essas licenças. Com efeito, não está excluído que essas condições possam ser adaptadas às situações próprias de cada uma dessa empresas e dependam, por exemplo, da extensão das informações a que pretendem ter acesso ou do tipo de produtos em que têm intenção de as implementar.

812    Resulta de todo o exposto que a terceira parte do único fundamento deve ser julgada improcedente.

813    Por conseguinte, o fundamento único invocado no âmbito da primeira problemática deve julgado improcedente na íntegra.

C –  Quanto à problemática da venda ligada do sistema operativo Windows para PC clientes e do Windows Media Player

814    No âmbito desta segunda problemática, a Microsoft invoca dois fundamentos, sendo que o primeiro é relativo à violação do artigo 82.° CE e o segundo à violação do princípio da proporcionalidade. O primeiro fundamento diz respeito à conclusão da Comissão segundo a qual o comportamento da Microsoft que consiste em sujeitar o fornecimento do sistema operativo Windows para PC clientes à aquisição simultânea do software Windows Media Player constitui uma venda ligada abusiva [artigo 2.°, alínea b), da decisão impugnada]. O segundo fundamento é relativo à medida correctiva prevista no artigo 6.° da decisão impugnada.

815    Antes de analisar estes fundamentos, há que recordar uma série de dados de ordem factual e técnica contidos na decisão impugnada e relativos ao contexto do referido comportamento. Há que referir, a este respeito, que, no essencial, esses dados não foram contestados pela Microsoft.

1.     Dados de ordem factual a técnica

816    Nos considerandos 60 a 66 da decisão impugnada, a Comissão faz uma apresentação das tecnologias multimédia digitais.

817    Em primeiro lugar, define os leitores multimédia como produtos de software capazes de «ler» conteúdos de som e imagem, ou seja, de descodificar os dados correspondentes e de os traduzir em instruções para o hardware (altifalantes, monitor) (considerando 60 da decisão impugnada).

818    Em seguida, no considerando 61 da decisão impugnada, explica que os conteúdos de som e imagem são organizados em ficheiros multimédia digitais em determinados formatos específicos e que foram desenvolvidos algoritmos de compressão e de descompressão para reduzir o espaço que esses conteúdos ocupam sem perda de qualidade do som ou da imagem. Esclarece que esses algoritmos são implantados nos leitores multimédia e no software de codificação que permitem gerar ficheiros comprimidos. Acrescenta que a parte do código que, num leitor multimédia, implementa um algoritmo de compressão e de descompressão é designado «codec» e que, para poder interagir correctamente com um «conteúdo multimédia digital» comprimido em determinado formato utilizando um determinado algoritmo de compressão e de descompressão, um leitor multimédia tem de poder compreender esse formato e esse algoritmo de compressão e de descompressão, isto é, tem de poder implementar o codec correspondente.

819    No considerando seguinte da decisão impugnada, a Comissão explica que o utilizador final pode ter acesso pela Internet a conteúdos de som e imagem descarregando o ficheiro em causa para o seu PC cliente, isto é, copiando‑o e transferindo‑o para o seu PC cliente. Depois de ter sido descarregado, esse ficheiro pode ser «lido» por um leitor multimédia compatível com o seu formato.

820    No considerando 63 da decisão impugnada, refere que o utilizador final também pode receber conteúdos de som e imagem difundidos em contínuo pela Internet. Neste caso, deixa de ser necessário esperar pela descarga completa do ficheiro em causa, uma vez que este é enviado ao PC cliente sob a forma de uma sequência de pequenos elementos, ou seja, um «fluxo» de dados que o leitor multimédia lê à medida que vão sendo enviados. Esta difusão pressupõe a existência, no PC cliente, de um leitor multimédia que permita uma recepção contínua.

821    A Comissão esclarece que a difusão de conteúdos de som e imagem em contínuo a um utilizador final pressupõe frequentemente protocolos de difusão em contínuo específicos que regulam as comunicações entre o leitor multimédia e o software servidor que difunde o conteúdo na Internet. Para poder aceder a conteúdos de som e imagem difundidos de acordo com um determinado protocolo, o referido utilizador tem de dispor de um leitor multimédia que «compreenda» esse protocolo (considerando 64 da decisão impugnada).

822    Por último, no considerando 66 da decisão impugnada, refere que, ao utilizar software de codificação, servidores de difusão em contínuo e leitores multimédia que são compatíveis em termos de execução dos codecs, dos formatos e dos protocolos de difusão, é possível construir uma infra‑estrutura de software para fornecer e utilizar em redes informáticas conteúdos de som e imagem digitais difundidos em contínuo. Esclarece que essa infra‑estrutura poderá igualmente constituir uma plataforma para o desenvolvimento de outras aplicações que utilizarão os serviços por ela fornecidos. Os leitores multimédia podem, nomeadamente, ter API (Application Programming Interface) que outras aplicações utilizarão, por exemplo, para desencadear a leitura de um ficheiro pelo leitor.

823    Nos considerandos 107 a 120 da decisão impugnada, a Comissão descreve brevemente os factores económicos que caracterizam a oferta, a concorrência e o consumo no sector da tecnologia multimédia digital.

824    A este respeito, em primeiro lugar, refere que, no início da cadeia de distribuição dos conteúdos multimédia digitais, se encontram os proprietários desses conteúdos, que dispõem geralmente de direitos de autor sobre eles e podem, por conseguinte, controlar a respectiva reprodução e distribuição (considerando 108 da decisão impugnada).

825    Em segundo lugar, a Comissão refere que os conteúdos são depois agrupados pelos fornecedores de conteúdos, que os difundem junto dos consumidores, nomeadamente, armazenando‑os em servidores ligados à Internet a que os consumidores podem ter acesso a partir dos seus PC cliente (considerandos 109 a 111 da decisão impugnada).

826    Em terceiro lugar, a Comissão refere que a infra‑estrutura de software que permite a criação, a transmissão e a leitura dos conteúdos digitais é fornecida pelos criadores de software, nomeadamente a Microsoft, a RealNetworks e a Apple (considerando 112 da decisão impugnada). Esclarece que estas três sociedades têm a particularidade, para além do facto de permitirem executar determinados formatos padrão do sector, de oferecer uma solução completa, do software de codificação ao leitor, baseada essencialmente nas suas próprias tecnologias multimédia digitais e em formatos de ficheiros de que são proprietários (considerando 113 da decisão impugnada). Assim, a Microsoft é proprietária dos seguintes formatos: Windows Media Audio (WMA), Windows Media Vídeo (WMV) e Advanced Streaming Format (ASF). Os formatos da RealNetworks chamam‑se «RealAudio» e «RealVideo». Quanto aos formatos QuickTime da Apple, incluem as extensões de ficheiros «.qt», «.mov» e «.moov». A Comissão acrescenta que os outros criadores de software não oferecem uma solução completa para o fornecimento de conteúdos multimédia, mas adquirem geralmente licenças a uma das três referidas sociedades para a utilização da sua tecnologia ou recorrem a padrões industriais livres (considerando 117 da decisão impugnada).

827    Em quarto lugar, a Comissão refere que existem vários circuitos de distribuição de leitores multimédia aos utilizadores finais (considerandos 119 e 120 da decisão impugnada).

828    Em primeiro lugar, esses leitores podem ser instalados nos PC clientes pelos fabricantes de equipamentos originais (original equipment manufacturer) na sequência de acordos celebrados entre estes últimos e os criadores de software. Os utilizadores finais encontram assim pré‑instalados nos seus PC cliente, além de um sistema operativo, um leitor multimédia e, eventualmente, outro software complementar. Segundo o considerando 68 da decisão impugnada, os fabricantes de equipamentos originais são sociedades cuja actividade consiste em agrupar computadores utilizando uma gama de componentes fornecidos por diversos fabricantes. Esta operação inclui geralmente a instalação de um sistema operativo fornecido por um criador de software ou desenvolvido pelo próprio fabricante de equipamentos originais e o agrupamento de várias aplicações pedidas pelo utilizador final. Os equipamentos assim agrupados são depois comprados pelos «redistribuidores», que os revendem depois de terem neles integrado software complementar.

829    Em segundo lugar, os utilizadores finais podem descarregar os leitores multimédia da Internet para os seus PC cliente.

830    Em terceiro lugar, os leitores multimédia podem ser vendidos no comércio a retalho ou distribuídos juntamente com outros produtos de software.

831    Nos considerandos 121 a 143 da decisão impugnada, a Comissão descreve os produtos relevantes da Microsoft e dos seus concorrentes.

832    Quanto à Microsoft, recorda que o seu leitor se chama «Windows Media Player» e esclarece que, à data da decisão impugnada, a versão mais recente desse leitor se chamava «Windows Media Player 9 Series» (WMP 9). Refere que o WMP 9, que permite, nomeadamente, a leitura de conteúdos de som e imagem digitais descarregados ou difundidos em contínuo, está disponível desde 7 de Janeiro de 2003 e também funciona com os sistemas operativos Mac Os e UNIX desde o início do mês de Novembro de 2003. Acrescenta que o WMP 9 não executa os formatos Real e QuickTime.

833    Relativamente aos concorrentes da Microsoft, a Comissão descreve, mais especificamente, os produtos da RealNetworks (considerandos 125 a 134 da decisão impugnada) e da Apple (considerandos 135 a 140 da decisão impugnada).

834    A Comissão refere, nomeadamente, que, em 1995, a RealNetworks – que então se chamava Progressive Networks Inc. – foi a primeira grande sociedade a comercializar produtos que permitiam a difusão em contínuo de conteúdos de som digitais, cujo leitor era o RealAudio Player. Em Fevereiro de 1997, a RealNetworks lançou o RealPlayer 4.0, que permitia a leitura de ficheiros áudio e vídeo em directo e a pedido.

835    No que diz respeito à Apple, a Comissão refere esta sociedade desenvolveu, no início dos anos 90, um leitor multimédia denominado «QuickTime Player», que, originariamente, só funcionava nos PC Macintosh. Em Novembro de 1994, a Apple lançou o leitor QuickTime 2.0 para Windows e, em Abril de 1999, o leitor QuickTime 4.0, permitindo este último uma recepção contínua de conteúdos multimédia.

836    Além disso, a Comissão faz referência ao leitor MusicMatch Jukebox da MusicMatch e ao leitor Winamp Media Player da Nullsoft, esclarecendo que estes não utilizam os seus próprios codecs ou formatos de ficheiros, mas tecnologias de que são proprietárias a Microsoft, a Apple ou a RealNetworks ou formatos livres (considerandos 141 a 143 da decisão impugnada).

837    Os considerandos 302 a 314 da decisão impugnada contêm uma cronologia das actividades da Microsoft no sector do software multimédia, que pode ser resumida do seguinte modo:

–        em Agosto de 1991, a Microsoft lançou uma versão do seu sistema operativo Windows 3.0, que continha «extensões multimédia» que permitiam aos utilizadores ver imagens fixas e ouvir sons, mas não receber em contínuo conteúdos multimédia;

–        em 1993, a Microsoft lançou o produto denominado «Video for Windows», que incluía o leitor Media Player 2.0 e dava aos utilizadores a possibilidade de ler, nos seus PC cliente, ficheiros vídeo descarregados;

–        em Agosto de 1995, a Microsoft colocou no mercado o sistema operativo Windows 95 em que integrou posteriormente o seu browser Internet Explorer, que incluía o leitor áudio RealAudio Player da RealNetworks;

–        em Setembro de 1996, a Microsoft lançou o software NetShow 1.0, que era concebido para funcionar com o Windows 95 e que permitia a leitura de conteúdos de som e imagem difundidos por redes Intranet;

–        em 21 de Julho de 1997, a Microsoft e a RealNetworks anunciaram a celebração de um acordo de cooperação no domínio da difusão de conteúdos multimédia em contínuo, nos termos do qual a Microsoft adquiriu, nomeadamente, uma licença à RealNetworks sobre, por um lado, os codecs do RealAudio e do RealVideo 4.0 para os incorporar no seu software NetShow e, por outro, o RealPlayer 4.0 para o incorporar no Internet Explorer;

–        em Outubro de 1997, a Microsoft anunciou a inclusão do RealPlayer 4.0 no Internet Explorer 4.0;

–        em 4 de Maio de1998, a Microsoft lançou a versão Bêta do seu software Microsoft Media Player, que permitia a leitura de conteúdos multimédia difundidos em contínuo na Internet e executava, nomeadamente, os formatos MPEG, QuickTime, RealAudio e RealVideo, e a versão Bêta do seu software Netshow 3.0 Server;

–        em 25 de Junho de 1998, a Microsoft colocou no mercado o sistema operativo Windows 98 com o qual era distribuído, no CD de instalação desse sistema, o leitor NetShow 2.0, que permitia a recepção de conteúdos difundidos em contínuo, mas que não fazia parte das configurações que o Windows 98 oferecia por defeito aos utilizadores;

–        em 7 de Julho de 1998, a Microsoft colocou no mercado o Windows Media Player 6 (WMP 6), um leitor multimédia que permitia ler conteúdos difundidos em contínuo pela Internet, funcionava com os sistemas operativos Windows 95, Windows 98 e Windows NT 4.0 e executava os formatos RealAudio 4.0, RealVideo 4.0, ASF, AVI, WAV, MPEG e QuickTime;

–        em 5 de Maio de 1999, a Microsoft colocou no mercado o sistema operativo para PC clientes Windows 98 Second Edition, em que estava integrado o leitor WMP 6, não podendo ser retirado pelos fabricantes de equipamentos originais ou pelos utilizadores, e que também foi integrado nas versões posteriores do Windows, concretamente, o Windows Me, o Windows 2000 Professional e o Windows XP;

–        em Agosto de 1999, a Microsoft lançou a «arquitectura Windows Media Technologies 4», que incluía o leitor Windows Media Player, o Windows Media Services, o Windows Media Tools e a sua própria tecnologia de gestão dos direitos digitais;

–        esse software já não permitia executar em «modo nativo» os formatos da RealNetworks nem o formato QuickTime;

–        em Setembro de 2002, a Microsoft anunciou o lançamento da versão Bêta da sua tecnologia Windows Media 9 Series, que incluía, nomeadamente, o leitor WMP 9.

838    Há que referir que a Microsoft cumpriu a obrigação que lhe foi imposta no âmbito da transacção americana de permitir aos fabricantes de equipamentos originais e aos consumidores finais a activação ou a eliminação do acesso ao seu software mediador, tendo colocado no mercado o Windows 2000 Professional Service Pack 3, em 1 de Agosto de 2002, e o Windows XP Serviço Pack 1, em 9 de Setembro de 2002 (considerando 315 da decisão impugnada).

2.     Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do artigo 82.° CE

839    O primeiro fundamento invocado pela Microsoft no âmbito da presente problemática subdivide‑se em quatro partes. No âmbito da primeira parte, a Microsoft alega que a Comissão aplicou uma teoria nova, especulativa e que não tem nenhum fundamento jurídico para concluir pela existência de um efeito de exclusão dos concorrentes do mercado. No âmbito da segunda parte, alega que a Comissão não levou suficientemente em conta as vantagens decorrentes do «conceito arquitectónico» do seu sistema operativo. No âmbito da terceira parte, alega que a Comissão não demonstrou a existência de uma violação do artigo 82.° CE, em particular do artigo 82.°, segundo parágrafo, alínea d), CE. Por último, no âmbito da quarta parte, sustenta que a Comissão não levou em conta as obrigações impostas pelo acordo ADPIC.

840    Por outro lado, a título de introdução à argumentação que desenvolve no âmbito da presente problemática, a Microsoft formula certas alegações a propósito dos requisitos exigidos para que se verifique a existência de uma venda ligada abusiva.

841    Em primeiro lugar, o Tribunal de Primeira Instância examinará as alegações referidas no número anterior. Em seguida, à luz das conclusões a que chegará a este respeito (v. n.° 869, infra), analisará os argumentos que a Microsoft invoca no âmbito das três primeiras partes do primeiro fundamento. Por último, pronunciar‑se‑á sobre a quarta parte desse fundamento.

a)     Quanto aos requisitos exigidos para que se verifique a existência de uma venda ligada abusiva

 Argumentos das partes

842    A Microsoft, referindo‑se ao considerando 794 da decisão impugnada, alega que a Comissão considerou os seguintes elementos para concluir pela existência de uma venda ligada abusiva no caso em apreço:

–        em primeiro lugar, o produto que liga e o produto ligado são dois produtos distintos;

–        em segundo lugar, a empresa em causa detém uma posição dominante no mercado do produto que liga;

–        em terceiro lugar, a referida empresa não dá aos consumidores a opção de obterem o produto que liga sem o produto ligado;

–        em quarto lugar, a prática em causa restringe a concorrência.

843    Remetendo para o considerando 961 da decisão impugnada, refere que a Comissão também levou em conta o facto de a venda ligada em causa não ser, alegadamente, objectivamente justificada.

844    A Microsoft afirma que esses diferentes elementos se afastam dos requisitos previstos no artigo 82.°, segundo parágrafo, alínea d), CE por duas razões.

845    Por um lado, a Comissão substituiu o requisito que consiste em «subordinar a celebração de contratos à aceitação, por parte dos outros contraentes, de prestações suplementares que, pela sua natureza ou de acordo com os usos comerciais, não têm ligação com o objecto desses contratos» pelo requisito segundo o qual a empresa dominante «não dá aos consumidores a opção de obter o produto que liga sem o produto ligado».

846    Por outro lado, a Comissão acrescentou um requisito relativo à exclusão dos concorrentes do mercado, que não está expressamente previsto no artigo 82.°, segundo parágrafo, alínea d), CE e que não é levado em conta, normalmente, para apreciar a existência de uma venda ligada abusiva. Mais precisamente, a Comissão, depois de ter reconhecido, no considerando 841 da decisão impugnada, que o presente processo não constituía um «caso clássico de venda ligada», considerou que existia um efeito de exclusão dos concorrentes do mercado baseando‑se numa teoria nova e «altamente especulativa», segundo a qual a grande difusão da funcionalidade multimédia do Windows obriga os fornecedores de conteúdos a codificar o seu conteúdo nos formatos Windows Media, o que tem o efeito de excluir do mercado todos os leitores multimédia concorrentes, e, indirectamente, de obrigar os consumidores a só utilizar a referida funcionalidade multimédia.

847    A Microsoft acrescenta que a decisão impugnada é contraditória na medida em que a Comissão conclui, no considerando 792, que os requisitos do artigo 82.°, segundo parágrafo, alínea d), CE estão preenchidos no caso em apreço, quando, ao mesmo tempo, leva em consideração requisitos que se afastam desse artigo.

848    A ACT alega que a Comissão levou em conta três categorias diferentes de requisitos para concluir pela existência de uma venda ligada abusiva no caso em apreço, concretamente, em primeiro lugar, os previstos no artigo 82.°, segundo parágrafo, alínea d), CE, em segundo lugar, os previstos no artigo 82.° CE em geral e, em terceiro lugar, os quatro requisitos enunciados no considerando 794 da decisão impugnada. A ACT considera que, seja qual for a categoria de requisitos aplicada, a apreciação da Comissão é errada.

849    A Comissão, remetendo para o considerando 831 da decisão impugnada, alega que a venda ligada em causa viola «o artigo 82.° [CE] em geral e o artigo 82.°, [segundo parágrafo], alínea d), [CE] em particular». Explica que invocou ambas essas disposições tendo em conta os argumentos que tinham sido invocados pela Microsoft no procedimento administrativo e para «afastar quaisquer dúvidas» e «evitar um debate semântico sobre a interpretação [do artigo 82.°, segundo parágrafo, alínea] d), [CE]». Acrescenta que os requisitos que aplicou no caso em apreço para concluir pela existência de uma venda ligada abusiva estão em conformidade com a jurisprudência.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

850    O Tribunal considera que os argumentos invocados pela Microsoft são de ordem puramente semântica e não podem ser acolhidos.

851    A este respeito, há que recordar a forma como a Comissão estrutura, na decisão impugnada, a sua argumentação relativa à venda ligada em causa.

852    No considerando 794 dessa decisão, refere que a existência de uma venda ligada abusiva na acepção do artigo 82.° CE pressupõe que se encontrem reunidos os quatro elementos enunciados no n.° 842.

853    Em seguida, analisa o comportamento imputado à Microsoft à luz desses quatro elementos (considerandos 799 a 954 da decisão impugnada).

854    Assim, em primeiro lugar, a Comissão recorda que a Microsoft detém uma posição dominante no mercado dos sistemas operativos para PC clientes (considerando 799 da decisão impugnada). Há que referir desde já que este facto não foi contestado pela Microsoft.

855    Em segundo lugar, afirma que os leitores multimédia que permitem uma recepção contínua e os sistemas operativos para PC clientes são dois produtos distintos (considerandos 800 a 825 da decisão impugnada).

856    Em terceiro lugar, refere que a Microsoft não dá aos consumidores a possibilidade de obterem o seu sistema operativo Windows para PC clientes sem o Windows Media Player (considerandos 826 a 834 da decisão impugnada).

857    Em quarto lugar, a Comissão alega que a venda ligada do Windows Media Player restringe a concorrência no mercado dos leitores multimédia (considerandos 835 a 954 da decisão impugnada). A este respeito, refere, nomeadamente, que, nos casos clássicos de vendas ligadas, a Comissão e o órgão jurisdicional comunitário «consideraram que a venda ligada de um produto distinto com o produto dominante era o indício do efeito de exclusão que esta prática tinha sobre os concorrentes» (considerando 841 da decisão impugnada). Considera, todavia, que há neste processo boas razões para não dar como assente, sem uma análise complementar, o facto de a venda ligada do Windows Media Player constituir um comportamento susceptível, pela sua própria natureza, de restringir a concorrência (mesmo considerando). Considera, no essencial, que «o facto de ligar [o Windows Media Player] ao produto dominante Windows faz do [Windows Media Player] a plataforma de eleição para os conteúdos e as aplicações suplementares e cria, assim, o risco de restringir a concorrência no mercado dos leitores multimédia» (considerando 842 da decisão impugnada). Acrescenta que «[i]sso tem repercussões sobre a concorrência nos mercados de produtos conexos, como o do software de codificação e de gestão multimédia (muitas vezes do lado dos servidores), bem como no mercado dos sistemas operativos para PC clientes, em que os leitores multimédia compatíveis com conteúdos de qualidade representam uma aplicação importante» (mesmo considerando).

858    Por último, a Comissão analisa os elementos invocados pela Microsoft para tentar demonstrar que o comportamento abusivo que lhe é imputado é objectivamente justificado (considerandos 955 a 970 da decisão impugnada).

859    O Tribunal considera que a análise assim realizada pela Comissão dos elementos constitutivos do conceito de vendas ligadas é correcto e está em conformidade tanto com o artigo 82.° CE como com a jurisprudência. A Comissão baseou‑se correctamente nos elementos expostos no considerando 794 da decisão impugnada e no facto de a venda ligada não ser objectivamente justificada para apreciar se o comportamento imputado à Microsoft constituía uma venda ligada abusiva. Estes elementos podem extrair‑se quer do próprio conceito de venda ligada, quer da jurisprudência (v., em particular, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Dezembro de 1991, Hilti/Comissão, T‑30/89, Colect., p. II‑1439, confirmado pelo acórdão do Tribunal de Justiça de 2 de Março de 1994, Hilti/Comissão, C‑53/92 P, Colect., p. I‑667; acórdãos de 6 de Outubro de 1994 e de 14 de Novembro de 1996, Tetra Pak/Comissão, referidos no n.° 293, supra).

860    Há que recordar que a enumeração das práticas abusivas constante do artigo 82.°, segundo parágrafo, CE não é taxativa, de modo que as práticas aí mencionadas constituem apenas exemplos de abuso de posição dominante (v., neste sentido, acórdão de 14 de Novembro de 1996, Tetra Pak/Comissão, referido no n.° 293, supra, n.° 37). Segundo jurisprudência assente, a enumeração das práticas abusivas contida nesta disposição não esgota as formas de exploração abusiva de posição dominante proibidas pelo Tratado CE (acórdão do Tribunal de Justiça de 21 de Fevereiro de 1973, Europemballage e Continental Can/Comissão, 6/72, Colect., p. 109, n.° 26, e acórdão Compagnie maritime belge transports e o./Comissão, referido no n.° 229, supra, n.° 112).

861    Daqui decorre que uma venda ligada praticada por uma empresa em posição dominante também pode violar o artigo 82.° CE quando não corresponda ao exemplo mencionado no artigo 82.°, segundo parágrafo, alínea d), CE. Assim, para concluir pela existência de uma venda ligada abusiva, a Comissão podia, na decisão impugnada, basear‑se no artigo 82.° CE no seu todo, e não exclusivamente no artigo 82.°, segundo parágrafo, alínea d), CE.

862    De qualquer forma, não se pode deixar de referir que os elementos constitutivos de uma venda ligada abusiva identificados pela Comissão no considerando 794 da decisão impugnada correspondem, no essencial, aos requisitos previstos no artigo 82.°, segundo parágrafo, alínea d), CE.

863    Neste contexto, há que rejeitar o argumento da Microsoft de que a Comissão aplicou, no caso em apreço, requisitos que se afastam, sob dois pontos de vista, dos previstos no artigo 82.°, segundo parágrafo, alínea d), CE.

864    Assim, em primeiro lugar, ao referir que há que analisar se a empresa dominante «não dá aos consumidores a opção de obterem o produto que liga sem o produto ligado», a Comissão não faz senão exprimir por outras palavras a ideia de que o conceito de venda ligada pressupõe que seja imposto aos consumidores sejam, directa ou indirectamente, aceitarem «prestações suplementares», como as previstas no artigo 82.°, segundo parágrafo, alínea d), CE.

865    No caso em apreço, como adiante será mais pormenorizadamente exposto nos n.os 962 e 965, essa imposição recai principalmente, em primeiro lugar, sobre os fabricantes de equipamentos originais, que em seguida a repercutem sobre o utilizador final. Este último é directamente objecto da referida imposição na situação, menos frequente, em que, em vez de se dirigir a um fabricante de equipamentos originais, adquire um sistema operativo Windows para PC clientes directamente a um comerciante a retalho.

866    Em segundo lugar, não se pode afirmar que a Comissão introduziu um novo requisito relativo à exclusão dos concorrentes do mercado para concluir pela existência de uma venda ligada abusiva na acepção do artigo 82.°, segundo parágrafo, alínea d), CE.

867    A este propósito, por um lado, há que referir que, embora seja verdade que nem esta última disposição nem, mais genericamente, o artigo 82.° CE contêm uma referência ao efeito anticoncorrencial da prática em causa, não é menos certo que, em princípio, um comportamento só é considerado abusivo se for susceptível de restringir a concorrência (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 30 de Setembro de 2003, Michelin/Comissão, T‑203/01, Colect., p. II‑4071, a seguir «acórdão Michelin II», n.° 237).

868    Por outro lado, como adiante será referido nos n.os 1031 a 1058, não se pode afirmar que a Comissão se baseou numa teoria nova e altamente especulativa para chegar à conclusão de que existe, no caso em apreço, um efeito de exclusão dos concorrentes do mercado. Como resulta do considerando 841 da decisão impugnada, a Comissão considerou que, tendo em conta as circunstâncias específicas do caso concreto, não podia limitar‑se a concluir – como faz normalmente nos processos em matéria de vendas ligadas abusivas – que a venda ligada de um determinado produto e de um produto dominante tinha um efeito de exclusão no mercado per se. Assim, analisou mais adiante os efeitos concretos que a venda ligada em causa já tinha tido no mercado dos leitores multimédia que permitem uma recepção contínua, bem como a forma como esse mercado tendia a evoluir.

869    Tendo em conta todas as considerações precedentes, o Tribunal considera que a questão da venda ligada em causa deve ser apreciada à luz dos quatro requisitos enunciados no considerando 794 da decisão impugnada (v. n.° 842, supra), bem como à luz do requisito relativo à inexistência de uma justificação objectiva.

870    Deve considerar‑se que o segundo requisito mencionado no considerando 794 da decisão impugnada está preenchido, uma vez que é pacífico que a Microsoft detém uma posição dominante no mercado do produto que alegadamente liga, concretamente, o sistema operativo para PC clientes. Os argumentos que a Microsoft invoca no âmbito das três primeiras partes do primeiro fundamento (v. n.° 839, supra) serão analisados relacionando‑os com os outros quatro requisitos exigidos para concluir pela existência de uma venda ligada abusiva. Esta análise far‑se‑á do seguinte modo. Em primeiro lugar, o Tribunal apreciará o requisito da existência de dois produtos distintos à luz das considerações formuladas pela Microsoft no âmbito da segunda e terceira partes. Em segundo lugar, examinará o requisito da sujeição da celebração de contratos a prestações suplementares à luz dos argumentos invocados pela Microsoft para sustentar a terceira parte. Em terceiro lugar, analisará o requisito da restrição da concorrência no mercado à luz das considerações formuladas pela Microsoft no âmbito da primeira parte. Em quarto lugar, examinará as justificações objectivas invocadas por esta última, levando em conta, nomeadamente, os argumentos que alega no âmbito da segunda parte.

871    A quarta parte, relativa ao facto de não terem sido levadas em conta, alegadamente, as obrigações impostas às Comunidades pelo acordo ADPIC, será analisada em último lugar.

b)     Quanto à existência de dois produtos distintos

 Decisão impugnada

872    A Comissão analisa este primeiro requisito nos considerandos 800 a 825 da decisão impugnada. A sua apreciação subdivide‑se em três partes. Em primeiro lugar, procura demonstrar que os leitores multimédia que permitem uma recepção contínua e os sistemas operativos para PC clientes são produtos distintos (considerandos 800 a 813 da decisão impugnada). Em segundo lugar, afasta o argumento que a Microsoft extrai do facto de o acoplamento da sua tecnologia de leitura multimédia ao seu sistema operativo Windows ter tido início antes de 1999 (considerandos 814 a 820 da decisão impugnada). Em terceiro lugar, rejeita o argumento da Microsoft segundo o qual a venda ligada de um leitor multimédia que permite uma recepção contínua e de um sistema operativo constitui uma prática comercial normal (considerandos 821 a 824 da decisão impugnada).

873    No âmbito da primeira parte da sua análise, em primeiro lugar, a Comissão refere que, segundo a jurisprudência, o facto existirem fabricantes independentes especializados na produção do produto ligado indica a existência de uma procura distinta por parte dos consumidores e, consequentemente, de um mercado distinto para o referido produto (considerando 802 da decisão impugnada). Considera, assim, que o carácter distinto dos produtos para efeitos de uma análise à luz do artigo 82.° CE deve ser apreciado tendo em conta a procura por parte dos consumidores, no sentido de que, se não existir uma procura independente para um produto alegadamente ligado, os produtos em causa não são distintos (considerando 803 da decisão impugnada).

874    Em segundo lugar, a Comissão refere que «o mercado oferece leitores multimédia separadamente» e que existem editores que concebem e fornecem leitores multimédia numa base autónoma, independentemente dos sistemas operativos (considerando 804 da decisão impugnada).

875    Em terceiro lugar, faz referência à prática da Microsoft que consiste em conceber e distribuir versões do seu leitor Windows Media Player para os sistemas operativos Mac da Apple e Solaris da Sun (considerando 805 da decisão impugnada). Refere igualmente que a Microsoft lança versões actualizadas do seu leitor distintas das versões ou das versões actualizadas dos sistemas operativos Windows (mesmo considerando).

876    Em quarto lugar, a Comissão refere que um número não insignificante de consumidores opta por adquirir leitores multimédia separados do seu sistema operativo, como o leitor RealPlayer da RealNetworks, que não desenvolve nem comercializa sistemas operativos (considerando 806 da decisão impugnada).

877    Em quinto lugar, a Comissão alega que alguns utilizadores de sistemas operativos não precisam de um leitor multimédia ou não querem um (considerando 807 da decisão impugnada).

878    Em sexto lugar, afasta o argumento da Microsoft segundo o qual não há uma procura substancial para os sistemas operativos que não incluem tecnologias de leitura multimédia (considerando 809 da decisão impugnada).

879    Em sétimo lugar, a Comissão refere que a Microsoft desenvolve actividades de promoção especificamente centradas no Windows Media Player, independentemente do sistema operativo (considerando 810 da decisão impugnada).

880    Em oitavo lugar, refere que os sistemas operativos para PC clientes e os leitores multimédia que permitem uma recepção contínua também são diferentes no plano das funcionalidades (considerando 811 da decisão impugnada).

881    Em nono lugar, a Comissão refere que esses dois produtos «correspondem» a estruturas sectoriais diferentes, como é demonstrado pelos facto de subsistirem no mercado dos leitores multimédia alguns concorrentes da Microsoft, ao passo que, no dos sistemas operativos para PC clientes, os seus concorrentes têm uma quota de mercado insignificante (considerando 812 da decisão impugnada). Além disso, os níveis de preço dos dois produtos também são diferentes (mesmo considerando).

882    Em décimo lugar, a Comissão refere que a Microsoft vende licenças designadas «software developer’s kit licences» (a seguir «licenças SDK»), que são diferentes consoante o «software developer’s kit» (kit de desenvolvimento de software, a seguir «SDK») seja relativo ao sistema operativo Windows ou às tecnologias Windows Media (considerando 813 da decisão impugnada).

883    No âmbito da segunda parte da sua análise, a Comissão alega que o argumento da Microsoft de que a sua tecnologia de leitura multimédia é acoplada ao Windows desde 1992 não invalida a sua conclusão quanto à existência de dois produtos distintos. Refere, nomeadamente, que «condena o comportamento da Microsoft a partir do momento em que a venda ligada se tornou mais prejudicial do que anteriormente», esclarecendo, a este respeito, que, em 1999, a Microsoft «começou a ligar um produto (WMP 6) que correspondia aos produtos dos outros editores no que diz respeito à funcionalidade essencial que a maior parte dos consumidores esperava de um leitor multimédia (concretamente, a recepção em contínuo de conteúdos transmitidos via Internet), com o qual entrou em 1998 no mercado dos leitores multimédia que permitem uma recepção contínua» (considerando 816 da decisão impugnada). A Comissão refere igualmente que o primeiro leitor multimédia a permitir uma recepção contínua que, em 1995, a Microsoft distribuiu juntamente com o Windows foi o RealAudio Player da RealNetworks, uma vez que a Microsoft ainda não dispunha, na altura, de um leitor multimédia «viável» (considerando 817 da decisão impugnada). Esclarece que o software RealAudio Player podia ser completamente desinstalado (mesmo considerando).

884    No âmbito da terceira parte da sua análise, a Comissão refuta o argumento da Microsoft de que o acoplamento de um leitor multimédia de recepção contínua com um sistema operativo para PC clientes é uma prática comercial normal. Refere, em primeiro lugar, que esse argumento não leva em conta o facto de existirem fornecedores independentes do produto ligado, em segundo lugar, que a Sun e os editores de produtos Linux não ligam os seus próprios leitores multimédia mas leitores multimédia de terceiros fornecedores e, em terceiro lugar, que nenhum desses vendedores de sistemas operativos liga o leitor multimédia ao sistema operativo de tal modo que seja impossível desinstalá‑lo (considerando 823 da decisão impugnada).

 Argumentos das partes

885    Em primeiro lugar, a Microsoft, apoiada pela CompTIA, pela DMDsecure e o., pela ACT, pela TeamSystem, pela Mamut e pela Exor, alega que a decisão impugnada não demonstra que o Windows e a sua funcionalidade multimédia pertençam a dois mercados de produtos distintos.

886    Alega que essa funcionalidade multimédia é uma «característica de longa data do sistema operativo Windows». No Windows, o código de software que permite que os utilizadores leiam conteúdos de som e imagem em nada difere do que lhes permite aceder a outro tipo de informações, como textos ou gráficos. Além disso, outras partes do Windows, bem como aplicações de empresas terceiras executadas nesse sistema operativo, recorrem a esse mesmo código de software.

887    A Microsoft critica o facto de, na decisão impugnada, a Comissão apenas levar em consideração a questão de saber se o produto alegadamente ligado, concretamente, a funcionalidade multimédia, está disponível separadamente do produto que alegadamente liga, concretamente, o sistema operativo para PC clientes. A questão adequada seria, na realidade, a de determinar se este último produto é regularmente comercializado sem o produto ligado. Ora, não há uma verdadeira procura por parte dos consumidores para um sistema operativo para PC clientes que não tenha a funcionalidade multimédia e, consequentemente, nenhum operador coloca esses sistemas operativos no mercado.

888    A Microsoft considera que a Comissão penaliza as empresas dominantes que aperfeiçoam os seus produtos neles integrando novas funcionalidades ao exigir que estas sejam suprimidas mal uma empresa terceira coloque no mercado um produto autónomo que forneça as mesmas funcionalidades ou funcionalidades semelhantes.

889    A Microsoft acrescenta que a posição adoptada pela Comissão é tanto menos aceitável quanto o alegado abuso não resulta da integração da funcionalidade multimédia no Windows – que data de 1992 e foi, em seguida, continuamente aperfeiçoada –mas do aperfeiçoamento que introduziu nessa funcionalidade em 1999, quando acrescentou a sua própria capacidade de leitura em contínuo. Por outras palavras, a Comissão só põe em causa a presença da funcionalidade multimédia no Windows na medida em que permite a leitura de conteúdos de som e imagem que se encontram na Internet antes da sua descarga completa.

890    A Microsoft alega igualmente que todos os outros principais sistemas operativos para PC clientes, nomeadamente, o Mac OS, o Linux, o OS/2 e o Solaris, contêm uma funcionalidade multimédia capaz de ler conteúdos difundidos em contínuo pela Internet. Os seus concorrentes consideram todos que a integração dessa funcionalidade nos sistemas operativos para PC clientes é uma prática comercial normal que responde à procura dos consumidores. Isto demonstra que a capacidade de leitura em contínuo é uma «função natural» dos sistemas operativos para PC clientes e não um produto distinto. Neste contexto, a Microsoft insiste sobre o facto de «um produto deve[r] ser definido, antes de mais, em função das expectativas e dos pedidos dos consumidores». Ora, como é mencionado no considerando 824 da decisão impugnada, a Comissão parece admitir que estes últimos desejam precisamente que os sistemas operativos sejam dotados de uma funcionalidade multimédia.

891    A Microsoft acrescenta que a Comissão reconhece expressamente, no considerando 1013 da decisão impugnada, que aquela não teria cometido um abuso se tivesse proposto ao mesmo preço, em 1999, duas versões do Windows, concretamente, uma com o Windows Media Player e outra sem ele. Ora, nada comprova que teria havido procura para uma versão do Windows que tivesse menos funcionalidades e custasse o mesmo preço. Esta falta de procura demonstra igualmente que o «Windows dotado de uma funcionalidade multimédia» é um único produto.

892    Por outro lado, a Microsoft, apoiada neste ponto pela DMDsecure e o. e pela ACT, alega que a Comissão não pode basear‑se nos acórdãos proferidos no âmbito do processo Tetra Pak II, referido no n.° 293, supra, e no processo no âmbito do qual foram proferidos os acórdãos de 12 de Dezembro de 1991 e de 2 de Março de 1994, Hilti/Comissão, referidos no n.° 859, supra (a seguir «processo Hilti»), para justificar a sua tese de que o Windows e a sua funcionalidade multimédia pertencem a dois mercados de produtos distintos. A este respeito, refere, antes de mais, que esses processos diziam respeito a produtos consumíveis que eram utilizados com equipamento durável ao longo de toda a vida útil desse equipamento e que eram «fisicamente distintos» dele. Alega que, nesses dois processos, ao contrário do que acontece no caso em apreço, havia provas da existência de uma procura para o produto que ligava sem o produto ligado. Em seguida, refere que, no presente processo, a Comissão nunca identificou sequer um cliente que pretendesse obter o produto que alegadamente liga sem o produto alegadamente ligado.

893    Por último, a Microsoft critica certos argumentos invocados pela Comissão na resposta para demonstrar que o Windows é um produto distinto do Windows Media Player. Em primeiro lugar, alega que os tribunais americanos nunca concluíram que esse leitor fazia parte de um mercado distinto daquele a que pertencia o sistema operativo Windows. Em segundo lugar, sustenta que o facto de colocar no mercado versões do Windows Media Player separadas do Windows não demonstra a existência de uma procura para o Windows sem o Windows Media Player. Além disso, as referidas versões desse leitor são, na realidade, simples actualizações da funcionalidade multimédia do Windows. Em terceiro lugar, a Microsoft afirma que a alegação da Comissão de que os ficheiros do Windows Media Player são facilmente identificáveis é irrelevante. De qualquer forma, esta alegação, não é exacta.

894    Por outro lado, a Microsoft afirma que a Comissão não demonstrou que a funcionalidade multimédia não esteja ligada, pela sua natureza ou de acordo com os usos do comércio, aos sistemas operativos para PC clientes.

895    Alega que a integração da funcionalidade multimédia é uma «etapa natural» na evolução desses sistemas operativos, como é confirmado pelo facto de todos os vendedores dos referidos sistemas incluírem essa funcionalidade nos seus produtos. Refere que procura constantemente aperfeiçoar o Windows para responder aos avanços tecnológicos e à evolução da procura por parte dos consumidores e afirma que o Windows e os outros sistemas operativos para PC clientes evoluíram progressivamente para poderem executar uma gama cada vez mais ampla de ficheiros. Para os criadores de software e para os consumidores, não há uma diferença essencial entre os ficheiros que contêm texto ou gráficos e os que têm um conteúdo de som ou imagem. Na verdade, espera‑se de um sistema operativo moderno que permita a utilização desses dois tipos de ficheiros.

896    A Microsoft acrescenta que os sistemas operativos e as funcionalidades multimédia também passaram a estar «fortemente ligados» de acordo com os usos do comércio. A este respeito, recorda que integrou essa funcionalidade no Windows em 1992 e que, em seguida, a aperfeiçoou continuamente. Esclarece que a capacidade de leitura em contínuo que lhe acrescentou em 1999 «foi apenas uma das numerosas capacidades [que] lhe acrescentou para acompanhar os rápidos avanços tecnológicos».

897    Por último, a Microsoft considera que a Comissão não pode invocar, no caso em apreço, a declaração do Tribunal de Justiça contida no n.° 37 de seu acórdão de 14 de Novembro de 1996, Tetra Pak/Comissão, referido no n.° 293, supra, segundo a qual, mesmo quando a venda ligada de dois produtos seja conforme aos usos comerciais, ela pode ainda assim constituir um abuso na acepção do artigo 82.° CE, a menos que se justifique objectivamente. A este respeito, refere, nomeadamente, que, no caso em apreço, ao contrário do que acontecia no processo Tetra Pak II, os fornecedores de leitores multimédia de empresas terceiras não são excluídos do mercado pelo facto de o Windows incluir uma funcionalidade multimédia.

898    Na réplica, a Microsoft acrescenta que o argumento da Comissão segundo o qual as empresas em posição dominante podem ser privadas do direito a adoptar comportamentos que não seriam condenáveis se fossem adoptados por empresas não dominantes e segundo o qual não é admissível a referência à prática da indústria em determinadas circunstâncias é irrelevante para a questão de saber se a Comissão demonstrou que os requisitos previstos no artigo 82.°, segundo parágrafo, alínea d), CE estavam preenchidos.

899    A Comissão, apoiada pela SIIA, contesta a afirmação da Microsoft segundo a qual a decisão impugnada não demonstra que o Windows e a sua «funcionalidade multimédia» pertencem a dois mercados distintos.

900    A Comissão observa, a título preliminar, que a argumentação desenvolvida pela Microsoft se baseia num «conceito vago de ‘funcionalidade multimédia’». Refere que o que a Microsoft chama «funcionalidade multimédia» não é um bloco de código geral e indivisível. Na prática, é a própria Microsoft que faz uma distinção entre a infra‑estrutura multimédia subjacente do sistema operativo, que serve de plataforma às aplicações multimédia e fornece serviços funcionais de base ao resto do sistema operativo, e a aplicação do leitor multimédia, que é executada no sistema operativo e que descodifica, descomprime e reproduz ficheiros áudio e vídeo digitais descarregados ou difundidos em contínuo na Internet. A Comissão invoca, a este propósito, o exemplo do produto da Microsoft denominado «Windows XP Embedded». Salienta que a decisão impugnada diz respeito à venda ligada, pela Microsoft, do leitor multimédia que permite uma recepção contínua Windows Media Player, e não à infra‑estrutura multimédia subjacente.

901    Remetendo para o considerando 802 da decisão impugnada, a Comissão alega que o juiz comunitário considerou que a existência de fabricantes independentes especializados na produção do produto ligado indicava a existência de uma procura distinta por parte dos consumidores e, portanto, de um mercado distinto para o produto ligado. Considera que a distinção que a Microsoft faz entre o presente processo e os processos Tetra Pak II e Hilti, relativamente ao facto de estes últimos dizerem respeito a produtos consumíveis fisicamente distintos do equipamento com o qual eram utilizados, não convence. Acrescenta que os acórdãos proferidos nesses processos, referidos nos n.os 293 e 859, supra, não podem ser interpretados no sentido de que a aplicação do artigo 82.° CE se deve limitar às vendas ligadas de produtos consumíveis.

902    A Comissão contesta a alegação da Microsoft segundo a qual deveria ter verificado se existia uma procura para o produto que liga sem o produto ligado, referindo que isso equivale a defender, erradamente, que os produtos suplementares não podem constituir produtos distintos para efeitos da aplicação do artigo 82.° CE. Acrescenta que os tribunais americanos rejeitaram os argumentos análogos que a Microsoft tinha invocado e consideraram sempre que existia um mercado distinto para os sistemas operativos para PC clientes compatíveis com Intel e excluíram os produtos «middleware» (que incluem o Windows Media Player) desse mercado.

903    A Comissão alega igualmente que a prática comercial da Microsoft que consiste em desenvolver e distribuir versões do Windows Media Player para os sistemas operativos Mac da Apple e Solaris da Sun, e até para plataformas diferentes dos PC clientes – os descodificadores TV, nomeadamente, – é mais uma indicação de que os sistemas operativos para PC clientes e os leitores multimédia não são simplesmente elementos de um mesmo produto (considerando 805 da decisão impugnada). No mesmo sentido, refere que a Microsoft lança versões actualizadas do Windows Media Player distintas das versões ou das versões actualizadas do sistema operativo Windows, desenvolve actividades de promoção especificamente centradas nesse leitor e concede licenças SDK que são diferentes consoante os SDK sejam relativos ao Windows ou às tecnologias Windows Media (considerandos 805 e 813 da decisão impugnada).

904    Por outro lado, a Comissão afirma que há que dar especial importância ao papel específico dos fabricantes de equipamentos originais, que, nas suas relações com os editores de software, fazem de intermediários que actuam por conta dos utilizadores finais e lhe fornecem um produto «pronto a usar», combinando hardware, sistema operativo para PC cliente e aplicações em conformidade com o seu pedido (considerandos 68 e 119 da decisão impugnada). A Comissão salienta que a grande maioria (75%) das vendas de sistemas operativos para PC clientes da Microsoft são realizadas através de fabricantes de equipamentos originais. Observa também que não é porque os consumidores desejam que um leitor multimédia seja pré‑instalado no seu computador que a Microsoft deve necessariamente ligar o seu próprio leitor multimédia ao seu sistema operativo para PC. Em resposta a esse pedido por parte dos consumidores, os fabricantes de equipamentos originais poderiam acrescentar um leitor multimédia aos PC clientes que vendem, do mesmo modo que oferecem a possibilidade de integrar outras aplicações nesses PC. Segundo a Comissão, o argumento da Microsoft segundo o qual não há procura para um sistema operativo Windows que não contenha um leitor multimédia ignora o referido papel dos fabricantes de equipamentos originais.

905    A Comissão acrescenta que resulta dos elementos de prova de que dispõe que os utilizadores de sistemas operativos não desejam necessariamente que esses sistemas sejam equipados com um leitor multimédia que permita uma recepção contínua (considerando 807 da decisão impugnada) e que, «quando querem um, o seu pedido de leitores multimédia que permitem uma recepção contínua é distinto do pedido de sistemas operativos».

906    Por outro lado, a Comissão, remetendo para os considerandos 814 a 820 da decisão impugnada, alega que a afirmação da Microsoft de que o alegado abuso resulta do aperfeiçoamento que introduziu na sua funcionalidade multimédia em 1999 é falaciosa.

907    Em resposta ao argumento que a Microsoft extrai do facto de outros vendedores de sistemas operativos procederem exactamente da mesma maneira que ela, a Comissão observa que as práticas de vendas ligadas têm efeitos diferentes consoante provenham de uma empresa dominante ou não dominante. Refere igualmente que alguns vendedores de sistemas operativos, como a Sun e os editores de produtos Linux, não ligam o seu sistema operativo ao seu próprio leitor multimédia, mas sim a um leitor multimédia proposto por fornecedores independentes, e que não ligam o leitor multimédia em causa ao seu sistema operativo, tornando impossível a respectiva desinstalação (considerandos 822 e 823 da decisão impugnada).

908    A Comissão contesta ter reconhecido, no considerando 1013 da decisão impugnada ou em qualquer outro, que a Microsoft não teria cometido um abuso se tivesse proposto ao mesmo preço, em 1999, duas versões do Windows, concretamente, uma com e outra sem o Windows Media Player. Refere que se a Microsoft decidisse neste momento vender a versão separada do Windows ao mesmo preço que a versão acoplada, analisaria essa prática levando em conta a situação actual do mercado e a obrigação imposta à Microsoft de se abster de adoptar quaisquer medidas de efeito equivalente à venda ligada, e, se fosse caso disso, adoptaria uma nova decisão nos termos do artigo 82.° CE.

909    Por último, a Comissão contesta a afirmação da Microsoft segundo a qual não foi demonstrado que a funcionalidade multimédia não está ligada, pela sua natureza nem de acordo com os usos do comércio, aos sistemas operativos para PC clientes.

910    A este respeito, fazendo referência ao considerando 961 da decisão impugnada, salienta que as empresas em posição dominante podem ser privadas do direito a adoptar comportamentos que não seriam condenáveis se fossem adoptados por empresas não dominantes. Refere que o Tribunal de Justiça considerou, no seu acórdão proferido no âmbito do processo Tetra Pak II, referido no n.° 293, supra, que, mesmo quando a venda ligada de dois produtos seja conforme aos usos comerciais, pode ainda assim constituir um abuso na acepção do artigo 82.° CE, a menos que se justifique objectivamente. Considera que é «tautológico» falar de usos do comércio ou de prática comercial num sector controlado a 95% pela Microsoft e recorda que, de acordo com jurisprudência firmada, não é admissível a referência à prática da indústria no caso de um mercado em que a concorrência já é limitada pelo facto de ter uma empresa dominante.

911    Por último, a Comissão contesta o argumento da Microsoft segundo o qual a integração de uma funcionalidade multimédia nos sistemas operativos para PC clientes se insere num processo de evolução natural. A este respeito, por um lado, refere que a Microsoft não foi capaz de desenvolver um leitor multimédia que permitisse uma recepção contínua baseando‑se na sua própria tecnologia e que só graças à aquisição, em 1997, da sociedade VXtreme é que pôde criar um leitor capaz de concorrer com o da RealNetworks. Por outro, faz referência a uma mensagem de correio electrónico dirigida a B. Gates em Janeiro de 1999 pelo Sr. Bay, um responsável da Microsoft, em que este último propunha «reposicionar a batalha do multimédia [difundido] em contínuo, que não [era] já entre o NetShow e o Real mas entre o Windows e o Real» e «aplicar a estratégia [do Internet Explorer] a todos os outros campos em que isso se revel[asse] adequado».

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

912    A Microsoft sustenta, no essencial, que a funcionalidade multimédia não é um produto distinto do sistema operativo Windows para PC clientes, antes fazendo parte integrante desse sistema. Por conseguinte, está em causa um único produto, concretamente, o sistema operativo Windows para PC clientes, que está em constante evolução. Segundo a Microsoft, com efeito, os consumidores contam com que qualquer sistema operativo para PC clientes esteja equipado com as funcionalidades que consideram essenciais, nomeadamente as funcionalidades áudio e vídeo, e que essas funcionalidades sejam permanentemente actualizadas.

913    Há que referir, a título preliminar, que o sector das tecnologias da informação e da comunicação é um sector em constante e rápida evolução, de modo que produtos que, à partida, são distintos podem, posteriormente, ser um só, tanto do ponto de vista tecnológico como à luz das regras da concorrência.

914    O Tribunal de Primeira Instância deve apreciar se a Comissão podia considerar que os leitores multimédia que permitem uma recepção contínua e os sistemas operativos para PC clientes constituíam dois produtos distintos com base na situação factual e técnica da altura em que, segundo a Comissão, o comportamento imputado à Microsoft se tornou prejudicial, portanto, desde Maio de 1999.

915    Assim, compete ao Tribunal verificar se a Comissão podia considerar, na decisão impugnada, que, quando, a partir de Maio de 1999, a Microsoft lançou a versão do Windows em que estava integrado o Windows Media Player, esse comportamento correspondia à venda ligada de dois produtos distintos na acepção do artigo 82.° CE.

916    Ainda a título preliminar, há que referir que, como acertadamente refere a Comissão, a argumentação da Microsoft no contexto da problemática da venda ligada do Windows e do Windows Media Player assenta, em grande medida, no conceito vago de funcionalidade multimédia. A este respeito, importa salientar que resulta claramente da decisão impugnada que, relativamente a essa problemática, o comportamento imputado à Microsoft diz apenas respeito ao software de aplicação que constitui o leitor Windows Media Player, excluindo‑se qualquer outra tecnologia multimédia incluída no sistema operativo Windows para PC clientes (v., nomeadamente, considerandos 1019 e 1020 da decisão impugnada). Deve referir‑se que, como a Comissão e os intervenientes que a apoiam afirmaram nos seus articulados e na audiência, a própria Microsoft distingue, na sua documentação técnica, os ficheiros que constituem o Windows Media Player dos outros ficheiros multimédia, nomeadamente, os relativos à infra‑estrutura multimédia de base do sistema operativo. Há igualmente que fazer referência ao exemplo do produto da Microsoft denominado «Windows XP Embedded», mencionado nos considerandos 1028 a 1031 da decisão impugnada e apresentado na audiência. No plano técnico, esse produto representa um verdadeiro sistema operativo para PC clientes, mas as condições das licenças da Microsoft limitam a sua utilização a certas máquinas especializadas, como distribuidores automáticos e descodificadores. A particularidade desse produto reside no facto de permitir aos engenheiros informáticos seleccionar os componentes do sistema operativo. Para tanto, acedem, graças a uma ferramenta denominada «Target Designer», a um menu que enumera os componentes que podem incluir ou excluir do seu sistema operativo. Ora, entre esses componentes consta precisamente o Windows Media Player. Há que acrescentar que o referido menu tem entradas separadas para a infra‑estrutura multimédia, por um lado, e as aplicações multimédia, por outro, e que o Windows Media Player é expressamente incluídos nestas últimas aplicações.

917    Antes de mais, importa referir que, como acertadamente refere a Comissão no considerando 803 da decisão impugnada, a questão de saber se determinados produtos são distintos para efeitos do artigo 82.° CE deve ser apreciada tendo em conta a procura por parte dos consumidores. Não se pode deixar de referir, aliás, que a Microsoft partilha desta opinião (v. n.° 890, supra).

918    A Comissão também considerou correctamente, nesse mesmo considerando, que, não havendo uma procura independente para o produto alegadamente ligado, não podem estar em causa produtos distintos nem, por conseguinte, uma venda ligada abusiva.

919    O argumento da Microsoft segundo o qual a Comissão aplicou, desse modo, um critério errado e devia, na verdade, ter procurado verificar se o produto que alegadamente ligava era regularmente oferecido sem o produto ligado ou se os consumidores «deseja[vam] adquirir o Windows sem a funcionalidade multimédia» não pode ser acolhido.

920    Com efeito, em primeiro lugar, a posição defendida pela Comissão encontra apoio na jurisprudência (v., neste sentido, acórdão de 14 de Novembro de 1996, Tetra Pak/Comissão, referido no n.° 293, supra, n.° 36; acórdão de 12 de Dezembro de 1991, Hilti/Comissão, referido no n.° 859, supra, n.° 67, e acórdão de 6 de Outubro de 1994, Tetra Pak/Comissão, referido no n.° 293, supra, n.° 82).

921    Em segundo lugar, como a Comissão refere acertadamente nos seus articulados, o argumento da Microsoft, que assenta na ideia de que não haveria procura para um sistema operativo Windows para PC clientes sem leitor multimédia que permitisse uma recepção contínua, equivale, na verdade, a sustentar que os produtos suplementares não podem ser produtos distintos para efeitos da aplicação do artigo 82.° CE, o que é contrário à jurisprudência comunitária em matéria de vendas ligadas. Relativamente ao processo Hilti, por exemplo, pode supor‑se que não haveria procura para carregadores para pistolas de pregos se não fossem também fornecidos pregos, uma vez que um carregador sem pregos é inútil. Ora, isso não impediu o juiz comunitário de considerar que esses dois produtos faziam parte de mercados distintos.

922    No caso dos produtos suplementares, como os sistemas operativos para PC clientes e o software de aplicação, é perfeitamente possível que os consumidores queiram os produtos conjuntamente, mas adquirindo‑os junto de diferentes fontes. Por exemplo, o facto de a maior parte dos utilizadores de PC clientes desejarem que o seu sistema operativo para PC clientes tenha um software de processamento de texto não tem o efeito de transformar esses diferentes produtos num só e único produto para efeitos da aplicação do artigo 82.° CE.

923    O argumento da Microsoft não leva em conta o papel específico de intermediário desempenhado pelos fabricantes de equipamentos originais, que combinam hardware e software proveniente de diferentes fontes para oferecer ao utilizador final um PC pronto a usar. Como muito acertadamente refere a Comissão no considerando 809 da decisão impugnada, se os fabricantes de equipamentos originais e os consumidores tivessem a possibilidade de obter o Windows sem o Windows Media Player, isso não significaria necessariamente que optariam por um sistema Windows sem nenhum leitor multimédia que permitisse uma recepção contínua. Os fabricantes de equipamentos originais responderiam ao pedido dos consumidores com um leitor multimédia pré‑instalado no sistema operativo e ofereceriam uma combinação de software que incluísse um leitor multimédia que permitisse uma recepção contínua que funcionasse com o Windows. A diferença, todavia, é que esse leitor não seria necessariamente o Windows Media Player.

924    Em terceiro lugar, e de qualquer forma, o argumento da Microsoft não pode ser acolhido uma vez que, como refere a Comissão no considerando 807 da decisão impugnada, há procura para sistemas operativos para PC clientes que não incluem leitores multimédia que permitem uma recepção contínua, por exemplo por parte de sociedades que temem que os seus empregados os utilizem para fins não profissionais. Este facto não é contestado pela Microsoft.

925    Em seguida, o Tribunal verifica que uma série de elementos relativos à natureza e às características técnicas dos produtos em causa, aos factos observados no mercado, à história do desenvolvimento dos referidos produtos bem como à prática comercial da Microsoft demonstram a existência de uma procura distinta dos consumidores para os leitores multimédia que permitem uma recepção contínua.

926    A este respeito, em primeiro lugar, importa recordar que o sistema operativo Windows para PC clientes é um software de sistema, ao passo que o Windows Media Player é um software de aplicação. Como a Comissão refere no considerando 37 da decisão impugnada, «[o] ‘software de sistema’ controla o hardware do computador ao qual transmite as instruções enviadas pelo ‘software de aplicação’, que é concebido para responder a uma necessidade específica do utilizador, como por exemplo o processamento de texto, que é concebido para responder à necessidade de manipular textos em formato digital» e os «sistemas operativos são software de sistema que controlam as funções de base de um computador e permitem ao utilizador usar esse computador com software de aplicação». Mais genericamente, importa referir que resulta da descrição destes produtos que consta dos considerandos 324 a 342 e 402 a 425 da decisão impugnada que os sistemas operativos para PC clientes e os leitores multimédia que permitem uma recepção contínua diferem claramente no plano das funcionalidades.

927    Em segundo lugar, deve referir‑se que existem editores que concebem e fornecem leitores multimédia que permitem uma recepção contínua numa base autónoma, independentemente dos sistemas operativos para PC clientes. Assim, a Apple fornece o leitor QuickTime separadamente dos seus sistemas operativos para PC clientes. Outro exemplo, especialmente convincente, é o da RealNetworks, o principal concorrente da Microsoft no mercado dos leitores multimédia que permitem uma recepção contínua, que não desenvolve nem vende sistemas operativos para PC clientes. Importa referir, a este respeito, que, segundo a jurisprudência, o facto de haver, no mercado, sociedades independentes especializadas na produção e na venda do produto ligado é um indício sério da existência de um mercado distinto para esse produto (v., neste sentido, acórdão de 14 de Novembro de 1996, Tetra Pak/Comissão, referido no n.° 293, supra, n.° 36; acórdão de 12 de Dezembro de 1991, Hilti/Comissão, referido no n.° 859, supra, n.° 67, e acórdão de 6 de Outubro de 1994, Tetra Pak/Comissão, referido no n.° 293, supra, n.° 82).

928    No mesmo sentido, em terceiro lugar, importa referir que a Microsoft, como confirmou em resposta a uma pergunta escrita do Tribunal, desenvolve e comercializa versões do Windows Media Player que se destinam a funcionar com sistemas operativos para PC clientes concorrentes dos seus, no caso vertente os sistemas Mac OS X da Apple e Solaris da Sun. Do mesmo modo, o RealPlayer da RealNetworks funcionam, nomeadamente, com os sistemas operativos Windows, Mac OS X, Solaris e determinados sistemas UNIX.

929    Em quarto lugar, o leitor Windows Media Player pode ser descarregado, independentemente do sistema operativo Windows para PC clientes, da página Internet da Microsoft. Na mesma ordem de ideias, deve observar‑se que esta última procede a actualizações desse leitor, independentemente das versões que se encontram no mercado ou das versões actualizadas do seu sistema operativo Windows para PC clientes.

930    Em quinto lugar, importa referir que a Microsoft desenvolve actividades de promoção especificamente centradas no seu leitor Windows Media Player (v. considerando 810 da decisão impugnada).

931    Em sexto lugar, há que observar que, como pertinentemente refere a Comissão no considerando 813 da decisão impugnada, a Microsoft propõe licenças SDK que são diferentes consoante sejam relativas ao sistema operativo Windows para PC clientes ou às tecnologias Windows Media. Existe, assim, uma licença SDK específica para o Windows Media Player.

932    Por último, em sétimo lugar, apesar de a Microsoft praticar esta venda ligada, um número não insignificante de consumidores continua a adquirir leitores multimédia concorrentes do Windows Media Player separadamente do seu sistema operativo para PC clientes, o que demonstra que consideram os dois produtos distintos.

933    Isto constitui prova bastante de que a Comissão podia considerar que os sistemas operativos para PC clientes, por um lado, e os leitores multimédia que permitem uma recepção contínua, por outro, são dois produtos distintos para efeitos da aplicação do artigo 82.° CE.

934    Esta conclusão não é infirmada pelos outros argumentos invocados pela Microsoft.

935    Em primeiro lugar, relativamente ao argumento da Microsoft segundo o qual a integração do leitor Windows Media Player no sistema operativo Windows a partir de Maio de 1999 é uma etapa normal e necessária na evolução desse sistema e se insere no âmbito do aperfeiçoamento constante da sua funcionalidade multimédia, basta referir que o facto de uma venda ligada ocorrer sob a forma da integração técnica de um produto noutro não tem a consequência de, do ponto de vista da apreciação do seu impacto no mercado, essa integração não poder ser qualificada de venda ligada de dois produtos distintos.

936    Como a própria Microsoft reconheceu em resposta a uma pergunta que lhe foi feita pelo Tribunal na audiência, a sua decisão de fornecer o WMP 6 enquanto funcionalidade integrada no sistema operativo Windows a partir do mês de Maio de 1999 não resultou de uma limitação de ordem técnica. Nada, nessa data, impedia a Microsoft de distribuir esse leitor multimédia da mesma maneira que fazia, desde Junho de 1998, com o seu leitor precedente, concretamente, o NetShow, que era incluído no CD de instalação do Windows 98, sendo certo que, a este respeito, nenhuma das quatro instalações por defeito do Windows 98 previam a instalação do NetShow; esta devia ser efectuada pelos utilizadores que pretendiam fazer uso desse leitor.

937    Além disso, o argumento da Microsoft segundo o qual a integração do Windows Media Player no sistema operativo Windows foi ditada por razões de ordem técnica é pouco credível tendo em conta o conteúdo de algumas das suas próprias comunicações internas. Assim, resulta da mensagem de correio electrónico do Sr. Bay a B. Gates de 3 de Janeiro de 1999 (v. n.° 911, supra) que a integração do Windows Media Player no Windows se destinava antes de mais a reforçar o potencial concorrencial do Windows Media Player em relação ao RealPlayer, apresentando‑o como um elemento do Windows e não como um software de aplicação susceptível de ser comparado com o RealPlayer.

938    Em segundo lugar, a Microsoft não pode alegar que a Comissão não demonstrou que a funcionalidade multimédia não está ligada, pela sua natureza ou segundo os usos do comércio, aos sistemas operativos para PC clientes.

939    Com efeito, em primeiro lugar, resulta das considerações expostas nos n.os 925 a 932 que os sistemas operativos para PC clientes e os leitores multimédia que permitem uma recepção contínua não são, pela sua natureza, produtos indissociáveis. Embora seja verdade que existe uma ligação entre um sistema operativo para PC clientes como o Windows e um software de aplicação como o Windows Media Player, no sentido de que os dois produtos se encontram num mesmo computador do ponto de vista do utilizador e de que um leitor multimédia não funciona sem um sistema operativo, isso não implica, porém, que os dois produtos não sejam dissociáveis nos planos económico e comercial para efeitos da aplicação das regras de concorrência.

940    Em segundo lugar, como salienta acertadamente a Comissão, é difícil falar de usos do comércio num sector controlado a 95% pela Microsoft.

941    Em terceiro lugar, a Microsoft não pode invocar a seu favor o facto de os vendedores de sistemas operativos para PC clientes concorrentes os acoplarem também com um leitor multimédia de recepção contínua. Com efeito, por um lado, a Microsoft não fez prova de que essa prática de acoplamento já era utilizada pelos seus concorrentes na data em que teve início a venda ligada abusiva. Por outro, não se pode deixar de referir que o comportamento comercial dos referidos concorrentes, longe de infirmar a tese da Comissão, pelo contrário, corrobora‑a. Com efeito, como resulta, nomeadamente, dos considerandos 822 e 823 da decisão impugnada e a Comissão refere nos seus articulados, alguns dos vendedores de sistemas operativos concorrentes da Microsoft que fornecem esses sistemas com um leitor multimédia tornam a sua instalação facultativa, permitem a sua desinstalação completa ou oferecem uma selecção de leitores multimédia diferentes.

942    Em quarto lugar, e de qualquer forma, de acordo com a jurisprudência, mesmo quando a venda ligada de dois produtos seja conforme aos usos comerciais ou quando exista uma relação natural entre os dois produtos em questão, pode ainda assim constituir um abuso na acepção do artigo 82.° CE, a menos que se justifique objectivamente (acórdão de 14 de Novembro de 1996, Tetra Pak/Comissão, referido no n.° 293, supra, n.° 37).

943    Por último, em terceiro lugar, relativamente ao argumento invocado pela Microsoft na audiência relativo ao insucesso da versão desacoplada do Windows que colocou no mercado em cumprimento da medida correctiva, também não deve ser acolhido. Com efeito, como já foi referido no n.° 260, a legalidade de um acto comunitário deve ser apreciada em função dos elementos de facto e de direito existentes na data em que o acto foi adoptado. Além disso, a existência de eventuais dúvidas quanto à eficácia da medida correctiva ordenada pela Comissão não demonstra, por si só, que a apreciação desta última relativa à existência de dois produtos distintos é errada.

944    Há que concluir de todas as considerações precedentes que a Comissão concluiu correctamente que os sistemas operativos para PC clientes e os leitores multimédia que permitem uma recepção contínua são produtos distintos.

c)     Quanto ao facto de os consumidores não terem a opção de obter o produto que liga sem o produto ligado

 Decisão impugnada

945    Nos considerandos 826 a 834 da decisão impugnada, a Comissão procura demonstrar que o terceiro requisito exigido para concluir pela existência de uma venda ligada abusiva, concretamente, o relativo à imposição, está preenchido no caso em apreço, na medida em que a Microsoft não dá a possibilidade aos consumidores de obter o sistema operativo Windows para PC clientes sem o leitor Windows Media Player.

946    Em primeiro lugar, refere que, normalmente, os fabricantes de equipamentos originais que adquirem uma licença à Microsoft sobre o sistema operativo Windows para o pré‑instalarem num um PC cliente são os «destinatários directos» dessa imposição e repercutem‑na nos utilizadores finais (considerando 827 da decisão impugnada). Esclarece, a este respeito, que, de acordo com o sistema de concessão de licenças da Microsoft, os fabricantes de equipamentos originais devem adquirir uma licença sobre o sistema operativo Windows com o Windows Media Player pré‑instalado. Com efeito, a Microsoft não concede licenças sobre esse sistema sem esse leitor. Os fabricantes de equipamentos originais que pretendam instalar outro leitor multimédia no referido sistema só podem fazê‑lo acrescentando‑o ao leitor Windows Media Player. No considerando 829 da decisão impugnada, a Comissão acrescenta que não existe nenhum meio técnico para desinstalar o Windows Media Player.

947    Em segundo lugar, a Comissão alega que a transacção americana em nada altera esta situação, na medida em que «suprimir o acesso do utilizador final ao produto não dá aos clientes da Microsoft a opção de obter o Windows sem o [Windows Media Player]» (considerando 828 da decisão impugnada).

948    Em terceiro lugar, a Comissão considera que a Microsoft não pode invocar o facto de os consumidores não terem de pagar um suplemento para obter o Windows Media Player, uma vez que o artigo 82.°, segundo parágrafo, alínea d), CE não faz referência a «pagamentos» quando fala de «prestações suplementares» (considerando 831 da decisão impugnada). Acrescenta que o preço desse leitor é provavelmente «dissimulado» no preço global praticado para a venda ligada do Windows e do referido leitor (nota de rodapé n.° 971 da decisão impugnada).

949    Em quarto lugar, a Comissão refere que nada no enunciado do artigo 82.° CE induz a ideia de que os consumidores têm de ser obrigados a utilizar o produto «ligado». Alega que, na medida em que a venda ligada cria um risco de restrição da concorrência, não é necessário determinar se os consumidores são forçados a comprar ou a utilizar o Windows Media Player (considerandos 832 e 833 da decisão impugnada).

 Argumentos das partes

950    A Microsoft, apoiada pela CompTIA, pela DMDsecure e o., pela ACT, pela TeamSystem, pela Mamut e pela Exor, alega que a questão das «prestações suplementares», na acepção do artigo 82.°, segundo parágrafo, alínea d), CE, não se põe no caso em apreço.

951    Para sustentar essa afirmação, a Microsoft alega, antes de mais, que os consumidores não têm de pagar nenhum suplemento pela funcionalidade multimédia do Windows. Refere que esta funcionalidade é uma característica do Windows e que está incluída no preço total do sistema operativo. Contrariamente ao que acontece no processo em que foi proferido o acórdão Hoffmann‑La Roche/Comissão, referido no n.° 664, supra, e no processo Hilti, não cria nenhuma desvantagem financeira que possa desencorajar os consumidores de utilizarem produtos concorrentes.

952    A Microsoft refere, em seguida, que os consumidores não são obrigados a utilizar a funcionalidade multimédia do Windows. Podem inclusivamente utilizar a função «Set Program Access & Defaults» do Windows, que criou no cumprimento da transacção americana, aprovada pelo acórdão da District Court de 1 de Novembro de 2002, para excluir o acesso do utilizador final a essa funcionalidade e instalar um leitor multimédia concorrente como gestor por defeito dos diversos tipos de ficheiros multimédia.

953    A Microsoft alega, por último, que, contrariamente ao que acontecia nos processos Tetra Pak II e Hilti, os consumidores de modo nenhum estão impedidos de instalar e utilizar os leitores multimédia de empresas terceiras em vez ou para além da funcionalidade multimédia do Windows. Observa que, no considerando 860 da decisão impugnada, a Comissão refere, aliás, que os consumidores utilizam em média 1,7 leitores multimédia por mês e esclarece que este número está a aumentar.

954    Na réplica, a Microsoft acrescenta que a tese defendida pela Comissão tem a consequência de esvaziar o artigo 82.° CE de qualquer efeito útil. Com efeito, se essa tese fosse acolhida, a consequência seria a eliminação da exigência de que exista uma «imposição» em matéria de vendas ligadas abusivas, o que seria contrário aos princípios económicos mais elementares.

955    A Comissão alega que os argumentos que a Microsoft invoca para sustentar a sua tese de que não se coloca a questão das «prestações suplementares» na acepção do artigo 82.°, segundo parágrafo, alínea d), CE no caso em apreço foram já rejeitados nos considerandos 826 a 834, 960 e 961 da decisão impugnada. Esses argumentos não têm qualquer apoio na jurisprudência e esvaziariam o artigo 82.° CE de qualquer efeito útil. Salienta que há uma imposição quando uma empresa dominante priva os seus clientes da opção real de comprar o produto que liga sem o produto ligado.

956    A Comissão observa que o artigo 82.°, segundo parágrafo, alínea d), CE não faz menção de nenhum «pagamento». Pela sua argumentação, a Microsoft subentende que não pode haver prejuízo da concorrência quando uma empresa dominante pede um preço uniforme, em vez de dois preços separados, para dois produtos, ou impõe um produto aos consumidores sem facturar qualquer suplemento. A Microsoft cria, assim, uma confusão entre a questão da imposição e a do prejuízo à concorrência.

957    A Comissão acrescenta que também não resulta do teor do artigo 82.° CE que os clientes tenham de ser obrigados a utilizar o produto ligado ou impedidos de utilizar produtos de substituição do produto ligado fabricados por concorrentes. Alega que, em contrapartida, a questão de saber se os consumidores ou os fornecedores de software e de conteúdos suplementares podem ou não utilizar o produto ligado em detrimento de produtos concorrentes não agrupados é claramente pertinente para efeitos da análise do requisito relativo à eliminação da concorrência.

958    Em resposta à alegação da Microsoft segundo a qual, em média, são utilizados 1,7 leitores multimédia por mês pelos consumidores, a Comissão alega invoca que estes últimos não podem substituir o Windows Media Player por outro leitor multimédia no seu PC, mas apenas acrescentar um segundo leitor multimédia. Este número, consequentemente, não pode fazer com que se esqueça que o Windows Media Player está sempre pré‑instalado nos PC que tenham o Windows instalado.

959    Por último, em resposta a uma pergunta escrita do Tribunal de Primeira Instância, a Comissão referiu que a transacção americana não obrigava a Microsoft a suprimir o acesso do utilizador final ao Windows Media Player mas apenas a dissimular esse acesso, de modo que esse leitor se mantivesse pré‑instalado e plenamente activo no PC. Por conseguinte, os fabricantes de equipamentos originais e os utilizadores finais continuavam obrigados a adquirir simultaneamente o Windows Media Player e o Windows. Remetendo para o considerando 852 da decisão impugnada, também referiu, na sua resposta, que a Microsoft tinha concebido o mecanismo de dissimulação de tal modo que o Windows Media Player podia tornar os parâmetros por defeito ineficazes e reaparecer quando o utilizador acedia, via Internet Explorer, a ficheiros multimédia difundidos em contínuo na Internet.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

960    A Microsoft considera, no essencial, que o facto de ter integrado o leitor Windows Media Player no sistema operativo Windows para PC clientes não implica nenhuma imposição ou prestação suplementar na acepção do artigo 82.°, segundo parágrafo, alínea d), CE. Para sustentar a sua tese, insiste sobre o facto de os consumidores, em primeiro lugar, não pagarem nenhum suplemento pela funcionalidade multimédia do Windows, em segundo lugar, não serem obrigados a utilizar essa funcionalidade e, em terceiro lugar, não estarem impedidos de instalar e de utilizar leitores multimédia concorrentes.

961    O Tribunal de Primeira Instância refere que não se pode contestar que, em consequência do comportamento imputado à Microsoft, os consumidores não têm a possibilidade de adquirir o sistema operativo Windows para PC clientes sem adquirir simultaneamente o Windows Media Player, o que significa (v. n.° 864, supra) que se deve considerar que o requisito relativo à sujeição da celebração de contratos a prestações suplementares se encontra preenchido.

962    Como acertadamente refere a Comissão no considerando 827 da decisão impugnada, na maioria dos casos, essa imposição exerce‑se primeiro sobre os fabricantes de equipamentos originais e repercute‑se em seguida sobre os consumidores. Os fabricantes de equipamentos originais, cuja tarefa consiste em construir os PC clientes, instalam, nomeadamente, nesses PC um sistema operativo para PC clientes fornecido por um editor de software ou por eles próprios desenvolvido. Os fabricantes de equipamentos originais que pretendem instalar um sistema operativo Windows nos PC clientes que constroem têm de adquirir, para esse efeito, uma licença à Microsoft. Ora, de acordo com o sistema de concessão de licenças que esta última aplica, não é possível obter uma licença sobre o sistema operativo Windows sem o Windows Media Player. Há que esclarecer, neste contexto, que está assente que a grande maioria das vendas de sistemas operativos Windows para PC clientes é realizada através dos fabricantes de equipamentos originais, ou seja, sendo a licença comprada quando é comprado o PC cliente, ao passo que só 10% das vendas desses sistemas provêem da venda de licenças individuais Windows.

963    A imposição assim exercida sobre os fabricantes de equipamentos originais não é apenas de natureza contratual, mas também de natureza técnica. Com efeito, é pacífico que não era tecnicamente possível desinstalar o Windows Media Player.

964    Uma vez que os fabricantes de equipamentos originais, nas suas relações com os editores de software, desempenham um papel de intermediários que agem por conta dos utilizadores finais e lhes fornecem um PC «pronto a usar», a impossibilidade de adquirir o sistema operativo Windows para PC clientes sem adquirir simultaneamente o Windows Media Player acaba por recair sobre os referidos utilizadores.

965    No caso menos frequente em que o utilizador final adquire directamente um sistema operativo Windows para PC clientes junto de um comerciante a retalho, a referida imposição de natureza contratual e técnica é directamente exercida sobre esse utilizador final.

966    O Tribunal de Primeira Instância considera que os argumentos invocados pela Microsoft não devem ser acolhidos.

967    Assim, em primeiro lugar, a Microsoft não pode utilmente alegar que os consumidores não têm de pagar nenhum suplemento pelo leitor Windows Media Player.

968    Com efeito, em primeiro lugar, embora seja verdade que a Microsoft não factura um preço separado para o Windows Media Player, não se pode deduzir daí, todavia, que esse leitor é fornecido a título gratuito. Como resulta do n.° 232 da petição inicial, o preço do Windows Media Player está incluído no preço total do sistema operativo Windows para PC clientes.

969    Em segundo lugar, e de qualquer forma, não resulta nem do artigo 82.°, segundo parágrafo, alínea d), CE nem da jurisprudência em matéria de vendas ligadas que os consumidores tenham necessariamente de pagar um determinado preço pelo produto ligado para que se possa considerar que lhes foram impostas prestações suplementares na acepção dessa disposição.

970    Em segundo lugar, é também irrelevante, no âmbito da análise do presente requisito, o facto, invocado pela Microsoft, de os consumidores não serem obrigados a utilizar o leitor Windows Media Player que encontram pré‑instalado no seu PC cliente e de poderem instalar e utilizar nesse PC leitores multimédia de empresas terceiras. De novo, nem o artigo 82.°, segundo parágrafo, alínea d), CE nem a jurisprudência em matéria de vendas ligadas exigem que os consumidores sejam obrigados a utilizar o produto ligado ou impedidos de utilizar o mesmo produto fornecido por um concorrente da empresa dominante para que se possa considerar que o requisito relativo à sujeição da celebração de contratos à aceitação de prestações suplementares se encontra preenchido. Por exemplo, como refere acertadamente a Comissão no considerando 832 da decisão impugnada, no processo Hilti, os consumidores não eram obrigados a utilizar os pregos da marca Hilti que obtinham juntamente com as pistolas de pregos da mesma marca.

971    Importa referir que, como será mais pormenorizadamente exposto no âmbito da análise do requisito relativo à restrição da concorrência no mercado, por causa da venda ligada em causa, por um lado, os fabricantes de equipamentos originais são dissuadidos de pré‑instalar um segundo leitor multimédia de recepção contínua nos PC clientes e, por outro, os consumidores são incentivados a utilizar o Windows Media Player em detrimento dos leitores multimédia concorrentes, mesmo que estes sejam de qualidade superior.

972    Relativamente ao argumento da Microsoft relativo a determinadas medidas que adoptou no cumprimento da transacção americana (v. n.° 952, supra), também deve ser rejeitado.

973    Com efeito, por um lado, essa transacção só foi realizada em Novembro de 2001 e só em Agosto e Setembro de 2002 é que a Microsoft adoptou as medidas impostas pela mesma transacção no que diz respeito ao software mediador (nomeadamente o Windows Media Player). Ora, a venda ligada abusiva tinha tido início em Maio de 1999. Também há que referir que a transacção americana foi realizada para um período limitado, até 2007.

974    Por outro, como refere acertadamente a Comissão no considerando 828 da decisão impugnada, as medidas que foram adoptadas pela Microsoft no cumprimento da transacção americana não tiveram a consequência de permitir aos consumidores adquirir o sistema operativo Windows para PC clientes sem ter de adquirir simultaneamente o Windows Media Player. Nos termos dessa transacção, a Microsoft estava apenas obrigada a suprimir o ícone Windows Media Player que aparecia no ecrã e os pontos de acesso semelhantes e a desactivar a execução automática desse leitor. Uma vez que o Windows Media Player se mantinha, assim, pré‑instalado e plenamente activo, os fabricantes de equipamentos originais e os consumidores continuavam a ser obrigados a adquirir os dois produtos conjuntamente. Além disso, como é referido no considerando 852 da decisão impugnada, a Microsoft concebeu o mecanismo de tal modo que o Windows Media Player podia tornar os parâmetros por defeito ineficazes e reaparecer quando o utilizador acedia, via Internet Explorer, a ficheiros multimédia difundidos em contínuo na Internet.

975    Resulta de todas as considerações precedentes que a Comissão concluiu correctamente que o requisito relativo à imposição de prestações suplementares se encontrava preenchido no caso em apreço.

d)     Quanto à restrição da concorrência

 Decisão impugnada

976    Nos considerandos 835 a 954 da decisão impugnada, a Comissão analisa o quarto requisito exigido para concluir pela existência de uma venda ligada abusiva, concretamente, o relativo à restrição da concorrência.

977    A sua análise tem por ponto de partida o considerando 841 da decisão impugnada, que tem a seguinte redacção:

«Há […] circunstâncias que justificam, no que respeita à venda ligada do leitor [Windows Media Player], um exame mais aprofundado dos efeitos dessa prática sobre a concorrência. Embora, nos casos clássicos de vendas ligadas, a Comissão e o tribunal comunitário tenham considerado que a venda ligada de um produto distinto com o produto dominante era o indício do efeito de exclusão que esta prática tinha sobre os vendedores concorrentes, não se pode negar que, no caso em apreço, os utilizadores podem obter – o que aliás fazem – outros leitores multimédia [concorrentes do Windows Media Player] através da Internet, por vezes gratuitamente. Há, portanto, boas razões para não dar como assente, sem um complemento de análise, que a venda ligada do leitor Windows Media Player constitui um comportamento susceptível, pela sua natureza, de restringir a concorrência.»

978    A Comissão adopta, em seguida, na decisão impugnada, um raciocínio que se subdivide em três partes.

979    Primeiro, demonstra que a venda ligada confere ao leitor Windows Media Player uma omnipresença nos PC clientes à escala mundial (considerandos 843 a 878 da decisão impugnada).

980    Neste contexto, em primeiro lugar, refere que o sistema operativo Windows para PC clientes é pré‑instalado em mais de 90% dos PC clientes vendidos no mundo, de modo que, ao acoplar o Windows Media Player ao Windows, a Microsoft faz com que o seu leitor beneficie da omnipresença do Windows nos PC clientes. Alega que os utilizadores que encontram o Windows Media Player pré‑instalado no seu PC cliente estão geralmente menos dispostos a utilizar outro leitor multimédia (considerandos 843 a 848 da decisão impugnada).

981    Em segundo lugar, considera que a possibilidade de celebrar acordos de distribuição com os fabricantes de equipamentos originais é um meio de distribuição dos leitores multimédia menos eficaz do que a venda ligada praticada pela Microsoft (considerandos 849 a 857 da decisão impugnada).

982    Em terceiro lugar, a Comissão considera que nem a descarga de leitores multimédia da Internet nem os outros canais de distribuição, nomeadamente a venda ligada de um leitor multimédia com outro software ou com serviços de acesso à Internet e a venda a retalho dos leitores multimédia, compensam a omnipresença do leitor Windows Media Player (considerandos 858 a 876 da decisão impugnada).

983    Em seguida, a Comissão analisa os efeitos dessa venda ligada sobre os fornecedores de conteúdos e os criadores de software, bem como sobre certos mercados adjacentes (considerandos 879 a 899 da decisão impugnada). Considera, no essencial, que, tendo em conta os efeitos de rede indirectos que caracterizam o mercado dos leitores multimédia, «a omnipresença do código do [Windows Media Player] confere‑lhe uma vantagem significativa sobre os produtos concorrentes, susceptível de criar um efeito prejudicial na estrutura da concorrência nesse mercado» (considerando 878 da decisão impugnada).

984    Neste contexto, a Comissão salienta, antes de mais, que é com base nas percentagens de instalação e de utilização dos leitores multimédia que os fornecedores de conteúdos e os criadores de software escolhem a tecnologia para a qual desenvolverão o seu software complementar. Alega que esses operadores têm tendência a desenvolver as suas soluções com base no leitor Windows Media Player, uma vez que isso lhes dá a possibilidade de chegar a todos os utilizadores do Windows, ou seja, a mais de 90% dos utilizadores de PC clientes. Acrescenta que os produtos de software complementar, depois de terem sido codificados nos formatos «multimédia proprietários Windows Media», só podem funcionar com leitores multimédia concorrentes se a Microsoft conceder uma licença sobre a tecnologia correspondente.

985    Nos considerandos 883 a 891 da decisão impugnada, a Comissão analisa, mais especificamente, a situação dos fornecedores de conteúdos. Refere, nomeadamente, que, tendo em conta o facto de a execução de numerosas tecnologias diferentes gerar despesas de desenvolvimento, de infra‑estrutura e de gestão suplementares, os fornecedores de conteúdos têm tendência a dar prioridade a um único conjunto de tecnologias. Refere também que o facto de um determinado leitor multimédia que incorpora um certo número de tecnologias multimédia estar instalado em muitos PC é um importante factor para convencer os fornecedores de conteúdos a criar conteúdos multimédia para as tecnologias utilizadas por esse leitor. Ao apoiarem o leitor multimédia mais amplamente difundido, maximizam, com efeito, o número potencial de utilizadores dos seus próprios produtos. Considera que a omnipresença do Windows Media Player nos PC clientes Windows garante, assim, à Microsoft, uma vantagem concorrencial que não está relacionada com as qualidades intrínsecas do produto.

986    Nos considerandos 892 a 896 da decisão impugnada, a Comissão examina a situação dos criadores de software. Refere, no essencial, que estes últimos são incentivados a criar aplicações destinadas a funcionar apenas na plataforma Windows Media Player, e não em várias plataformas diferentes, uma vez que podem, deste modo, atingir a quase totalidade dos utilizadores potenciais dos seus produtos, cobrir as suas despesas e rentabilizar a utilização dos seus recursos limitados em matéria de desenvolvimento. Salienta que resulta de alguns dos resultados do estudo de mercado de 2003 que a concepção de aplicações que executam várias tecnologias multimédia gera despesas adicionais.

987    Nos considerandos 897 a 899 da decisão impugnada, a Comissão refere que a omnipresença do Windows Media Player nos PC clientes tem efeitos sobre determinados mercados adjacentes, como o dos leitores multimédia instalados em terminais móveis, dos descodificadores, das soluções DRM (Digital Rights Management; gestão dos direitos digitais) e da difusão de música em linha.

988    Por último, numa terceira fase, a Comissão examina a evolução do mercado tendo em conta os estudos de mercado realizados pelas sociedades Media Metrix, Synovate e Nielsen/NetRatings (considerandos 900 a 944 da decisão impugnada). Considera, no essencial, que os dados contidos nesses estudos «revelam invariavelmente uma tendência para a utilização do [Windows Media Player] e dos formatos Windows Media em detrimento dos principais leitores multimédia concorrentes e das tecnologias associadas» (considerando 944 da decisão impugnada).

 Argumentos das partes

989    Antes de mais, a Microsoft alega que a Comissão acrescentou um requisito, relativo à exclusão dos concorrentes do mercado, que não é levado em conta, normalmente, para apreciar a existência de uma venda ligada abusiva. Recorda que, no considerando 841 da decisão impugnada, a Comissão reconheceu que o presente processo não era um «caso clássico de venda ligada» e que havia «boas razões para não dar como assente, sem um complemento de análise, que a venda ligada do leitor Windows Media Player constitu[ía] um comportamento susceptível, pela sua natureza, de restringir a concorrência». Repete que a Comissão considerou, em seguida, que existia um efeito de exclusão dos concorrentes do mercado baseando‑se numa teoria nova e altamente especulativa (v. n.° 846, supra).

990    Fazendo referência ao considerando 842 da decisão impugnada, a Microsoft observa que a teoria nova da Comissão se baseia na existência de efeitos de rede indirectos e na ideia de que a concorrência podia vir a sofrer uma restrição num futuro indeterminado no caso de, devido à ampla difusão da funcionalidade multimédia do Windows, os criadores de software e os fornecedores de conteúdo serem incentivados a conceber os seus produtos exclusivamente para o Windows Media Player. Esta teoria presume assim a existência de efeitos anticoncorrenciais baseando‑se numa única hipótese relativa ao comportamento futuro de terceiros sobre os quais a Microsoft não tem nenhum controlo.

991    Em seguida, a Microsoft alega ter adoptado todas as medidas necessárias para garantir que a integração da funcionalidade multimédia no Windows não tivesse por efeito a exclusão dos leitores multimédia concorrentes do mercado. Acrescenta que algumas dessas medidas foram «codificadas» no acórdão da District Court de 1 de Novembro de 2002.

992    Para sustentar este argumento, em primeiro lugar, a Microsoft invoca uma série de considerações sobre o modo como concebe o Windows.

993    Em primeiro lugar, assegura‑se de que essa integração não interfere com o funcionamento dos leitores multimédia concorrentes. Assim, é tecnicamente possível – e corrente, na prática – fazer funcionar num mesmo PC cliente Windows um ou vários leitores multimédia terceiros para além da funcionalidade multimédia do Windows. Em segundo lugar, os leitores multimédia terceiros são facilmente acessíveis a partir do interface utilizador do Windows. Em terceiro lugar, a Microsoft concebe o Windows de tal modo que os leitores multimédia terceiros forneçam automaticamente algumas funções da funcionalidade multimédia que o próprio Windows pode fornecer. Em quarto lugar, graças a uma ferramenta que a Microsoft criou para o efeito, é possível aos fabricantes de equipamentos originais e aos consumidores suprimir o acesso do utilizador final ao Windows Media Player. Em quinto lugar, a Microsoft facilita o desenvolvimento de aplicações que entram em concorrência com a funcionalidade multimédia do Windows divulgando‑a através dos API publicados.

994    Em segundo lugar, a Microsoft alega que, nos contratos que celebra com os distribuidores do Windows, concretamente, sobretudo com os fabricantes de equipamentos originais, assegura‑se de que os editores de leitores multimédia concorrentes conservem a possibilidade de distribuir os seus próprios produtos. Assim, prevê expressamente que os fabricantes de equipamentos originais são livres de instalar os produtos de software da sua escolha nos PC clientes Windows, incluindo leitores multimédia concorrentes do Windows Media Player. Além disso, autoriza‑os a propor um acesso Internet colocando ícones no menu «iniciar» e no «ambiente de trabalho» do Windows ou fazendo aparecer essas propostas no monitor quando o Windows inicia a primeira vez. Ora, é frequente que os fornecedores de acesso à Internet distribuam leitores multimédia concorrentes do Windows Media Player e assegurem a respectiva promoção.

995    Em terceiro lugar, a Microsoft refere que, nos contratos que celebra com os criadores de software, os fornecedores de conteúdos ou qualquer outra pessoa, nunca lhes exige que distribuam o Windows Media Player ou que assegurem a respectiva promoção de modo exclusivo ou em função de uma percentagem determinada das suas vendas totais de software multimédia.

996    Em quarto lugar, a Microsoft sustenta que a integração da funcionalidade multimédia no Windows não impede a utilização, neste sistema, de leitores multimédia concorrentes do Windows Media Player nem a sua «distribuição generalizada». Refere que existem vários métodos para assegurar a distribuição dos leitores multimédia concorrentes, nomeadamente, a sua pré‑instalação, pelos fabricantes de equipamentos originais, nos PC clientes novos, a sua descarga a partir da Internet ou de páginas intranet das empresas, a sua integração, por outros criadores, nos seus produtos de software e a sua distribuição, pelos fornecedores de conteúdos ou de serviços Internet, aos utilizadores dos seus produtos ou serviços.

997    No mesmo contexto, a Microsoft esclarece, remetendo para um estudo que consta do anexo A.24.1 da petição inicial, que resulta de um estudo recente que a maioria dos fabricantes de equipamentos originais, tanto nos Estados Unidos como na Europa Ocidental, instalam leitores multimédia concorrentes do Windows Media Player, como o RealPlayer e o QuickTime, nos PC clientes que constroem. A afirmação da Comissão de que os fabricantes de equipamentos originais só instalam leitores multimédia concorrentes num PC cliente se puderem retirar o Windows Media Player é, portanto, inexacta. Acrescenta que mesmo os dados relativos ao mercado que constam da decisão impugnada demonstram que a utilização dos leitores multimédia concorrentes continua a aumentar, por vezes em proporções idênticas ou superiores ao aumento da utilização da funcionalidade multimédia do Windows.

998    Por último, a Microsoft, apoiada neste ponto pela ACT, alega que a teoria da exclusão dos concorrentes adoptada pela Comissão não leva em conta determinados factores pertinentes e que se baseia em previsões contrariadas pelos factos. Salienta que o ónus da prova que recai sobre a Comissão é especialmente exigente quando esta procede a uma análise prospectiva.

999    A este respeito, em primeiro lugar, a Microsoft alega que a Comissão «ignorou os factores que levam os fornecedores de conteúdos a utilizar formatos diferentes do formato Windows Media». Afirma que nada leva a crer que a importância da distribuição de um software multimédia associado a um formato específico seja o factor que determina a escolha dos fornecedores de conteúdos no que diz respeito ao formato em que codificam os seus produtos. Neste contexto, a Microsoft censura à Comissão o facto de não ter questionado esses fornecedores, no âmbito do estudo de mercado de 2003, sobre a questão de saber se outros factores influenciavam as suas decisões em matéria de codificação.

1000 A Microsoft critica a afirmação da Comissão de que os fornecedores de conteúdos têm despesas acrescidas quando disponibilizam os seus produtos em mais do que um formato. Alega que esta última devia ter feito prova de que os custos gerados pelo fornecimento de conteúdos num outro formato ultrapassam as vantagens daí resultantes. Na verdade, a Comissão reuniu – sem, todavia, levar em conta – elementos de prova que demonstram que os custos relacionados com a disponibilização de conteúdos num formato determinado multimédia representam uma parte insignificante dos custos totais. Fazendo referência ao considerando 894 da decisão impugnada, a Microsoft acrescenta que «[c]odificar numa segunda tecnologia multimédia custa […] apenas 50% do que custa codificar numa primeira tecnologia multimédia». Apoiada neste ponto pela CompTIA e pela ACT, conclui que o facto de oferecer vários formatos multimédia cria economias de escala e que será proposto um segundo formato mesmo que seja nitidamente menos popular junto dos utilizadores.

1001 A Microsoft refere igualmente que nem mesmo os fornecedores de conteúdos que apenas usam um formato escolheram o Windows Media, mesmo muito depois de ter tido início o alegado abuso. Assim, a Apple não utiliza a tecnologia multimédia Windows nem para o seu produto iPod nem para o seu iTunes music store. Além disso, os criadores de software disseram à Comissão que utilizavam em média «dois dos três conjuntos de API mais importantes (o Windows, o Real ou o QuickTime)».

1002 Na réplica, a Microsoft, apoiada neste ponto pela DMDsecure e o., referindo‑se a um relatório elaborado por um dos seus peritos (anexo C.16 da réplica), alega que os leitores multimédia só podiam ser objecto de «oscilação» se, por um lado, a utilização de vários leitores multimédia gerasse despesas significativas para os utilizadores ou para os fornecedores de conteúdos e, por outro, os leitores multimédia fossem homogéneos no que diz respeito às suas características intrínsecas e ao conteúdo a que dão acesso. Ora, nenhum destes dois requisitos se encontra preenchido no caso em apreço.

1003 Em segundo lugar, a Microsoft alega que a previsão referida no considerando 984 da decisão impugnada, segundo a qual terá lugar num «futuro próximo» uma «oscilação» para o formato Windows Media, é desmentida pelos factos e pelos elementos dos autos. Esses factos e esses elementos demonstram, com efeito, que os fornecedores de conteúdos continuam a recorrer a formatos diferentes, que os leitores multimédia terceiros, longe de terem desaparecido do mercado, estão em plena expansão e que os consumidores não são obrigados a utilizar o Windows Media Player.

1004 A este respeito, em primeiro lugar, a Microsoft, refere que resulta do estudo de mercado de 2003 que dez dos doze fornecedores de conteúdos que codificavam os seus conteúdos nos formatos Windows Media o faziam também noutros formatos. Assim, numerosos fornecedores de conteúdos continuam a recorrer a formatos desenvolvidos pela Apple, pela RealNetworks ou por outros editores. Um estudo sobre as 1 000 páginas Internet mais visitadas nos Estados Unidos no período de 2001 a 2004 demonstra que o número de páginas «com um conteúdo multimédia, qualquer que seja» aumentou de 47%, ao passo que o número de páginas que utilizam os formatos RealNetworks aumentou 59% e o de páginas que utilizam os formatos QuickTime 79%.

1005 Em segundo lugar, a Microsoft afirma que os fabricantes de equipamentos originais continuam a oferecer vários leitores multimédia nos PC que vendem. Assim, em Maio de 2004, o número médio de leitores multimédia terceiros instalados nos computadores domésticos ou destinados aos escritórios de pequenas dimensão vendidos pelos principais fabricantes de equipamentos originais ascendeu a 4,3 no que diz respeito aos modelos americanos e a 2,4 no que diz respeito aos modelos europeus.

1006 Em terceiro lugar, a Microsoft alega que o número médio de leitores multimédia utilizados por pessoa por mês passou de 1,5 no fim do ano de 1999 a 2,1 em 2004. Considera que a Comissão não pode invocar a seu favor o facto de o número de utilizadores do Windows Media Player estar a aumentar. O que importa, segundo a Microsoft, é a questão de saber se o número de utilizadores de outros formatos é suficiente para que os fornecedores de conteúdos tenham interesse em codificar os seus produtos nesses formatos. Por outro lado, a Microsoft contesta a correcção da analogia que a Comissão faz com o Netscape Navigator.

1007 A Microsoft acrescenta que a teoria da exclusão dos concorrentes do mercado aplicada pela Comissão não é objectiva. Resulta, com efeito, da decisão impugnada que essa teoria só é aplicável no caso de a funcionalidade multimédia acoplada com o Windows ser desenvolvida pela Microsoft. Não foi aplicada, em particular, de 1995 a 1998, quando o leitor multimédia de recepção contínua da RealNetworks estava integrado no Windows.

1008 A DMDsecure e o., a ACT, a TeamSystem, a Mamut e a Exor invocam, no essencial, os mesmos argumentos que a Microsoft.

1009 A Comissão, antes de mais, recorda as afirmações contidas no considerando 841 da decisão impugnada e alega que resulta de «precedentes bem conhecidos» que o simples facto de uma empresa em posição dominante proceder à venda agrupada de um produto distinto com um produto dominante permite concluir pela existência de um efeito de exclusão da concorrência no mercado. No caso em apreço, tendo em conta as particularidades do mercado, considerou, todavia, que «[havia] boas razões para não dar como assente, sem um complemento de análise, que a venda ligada do leitor Windows Media Player constitu[ía] um comportamento susceptível, pela sua natureza, de restringir a concorrência». Esclarece que não considerou que o comportamento imputado à Microsoft não era abusivo enquanto tal, mas que havia que proceder à sua análise «no seu contexto de mercado específico». Considera surpreendente que a Microsoft lhe censure o facto de se ter dado ao trabalho de examinar o efeito real de exclusão dos concorrentes causado pela venda ligada em causa e considera que o facto de ter demonstrado a existência desse efeito de exclusão num caso em que normalmente a sua existência se presume não significa que aplicou uma teoria jurídica nova.

1010 A Comissão alega ter concluído, no termo da análise a que procedeu, que «a Microsoft [falseava] o processo normal da concorrência» (considerando 980 da decisão impugnada) e que «[e]xist[ia], assim, um risco significativo de que a prática da venda ligada do leitor Windows Media Player com o Windows conduz[isse] a um enfraquecimento da concorrência tal que a manutenção de uma estrutura de concorrência efectiva [deixasse de estar] garantida num futuro próximo» (considerando 984 da decisão impugnada). Alega que, contrariamente ao que sustenta a Microsoft, não afirmou, no considerando 984 da decisão impugnada nem em qualquer outro ponto dessa decisão, que o comportamento abusivo em causa levaria à eliminação de todos os leitores multimédia terceiros num futuro próximo. Alega ter demonstrado que a Microsoft «falseava as escolhas e o incentivo dos operadores do mercado com a sua venda ligada» e considera que essa distorção do processo concorrencial equivale a uma restrição da concorrência na acepção da jurisprudência, «uma vez que é susceptível de excluir a concorrência». Acrescenta que também analisou os efeitos reais de exclusão dos concorrentes causados pelo comportamento abusivo da Microsoft com base em dados relativos à evolução do mercado. Com base no considerando 944 da decisão impugnada, alega que esses dados revelam invariavelmente uma tendência para a utilização do Windows Media Player e dos formatos Windows Media e confirmam que já se verificou um certo grau de exclusão no mercado.

1011 Em seguida, a Comissão contesta a alegação da Microsoft de que adoptou todas as medidas necessárias para que a venda ligada em causa não conduzisse à exclusão dos leitores multimédia concorrentes do Windows Media Player do mercado. Alega que esse comportamento abusivo teve início em Maio de 1999 e que ainda se verificava na data em que foi apresentada a resposta. Refere que a transacção americana só foi realizada em Novembro de 2001 e que as medidas adoptadas no cumprimento dessa transacção só foram adoptadas em Agosto e Setembro de 2002. Além disso, estas medidas são manifestamente insuficientes para sanar o abuso que a venda ligada referida na decisão impugnada constitui. Quanto aos diversos métodos de distribuição dos leitores multimédia concorrentes mencionados pela Microsoft, a Comissão, remetendo para os considerandos 849 a 877 da decisão impugnada, refere que não permitem que esses leitores atinjam a omnipresença que a Microsoft pode garantir ao Windows Media Player graças à venda ligada em causa.

1012 Por outro lado, a Comissão recorda as considerações relativas à exclusão da concorrência que teceu na decisão impugnada, em particular nos seus considerandos 844 a 846 e 879 a 882.

1013 A Comissão, apoiada neste ponto pela SIIA, considera que a sua afirmação de que a venda ligada em causa cria o risco da exclusão da concorrência do mercado não é especulativa, antes se baseando numa apreciação factual das particularidades desse mercado e do incentivo aos fornecedores de conteúdos e aos criadores de software. Alega que resulta do acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 23 de Outubro de 2003, Van den Bergh Foods/Comissão (T‑65/98, Colect., p. II‑4653), que é aceitável que sejam levadas em conta reacções prováveis de terceiros, nomeadamente, dos concorrentes ou dos clientes, à actuação unilateral de uma empresa dominante para avaliar se essa actuação pode levar à exclusão da concorrência. No caso em apreço, é incontestável que a Microsoft não dá aos clientes a opção de adquirirem o Windows sem o Windows Media Player. Além disso, a venda ligada em causa tem uma influência directa nos terceiros e interfere, assim, com a sua livre escolha (considerandos 845, 851, 870, 883, 884 e 895 da decisão impugnada).

1014 Remetendo para os considerandos 879 a 896 da decisão impugnada, a Comissão recorda, neste contexto, que analisou de modo pormenorizado o impacto do comportamento imputado à Microsoft, nomeadamente, dirigindo longos questionários a um grande número de fornecedores de conteúdos, de criadores de software e de proprietários de conteúdos.

1015 As respostas a esses questionários permitiram‑lhe chegar às seguintes conclusões:

–        todos os fornecedores de conteúdos que responderam aos questionários referiram que a criação de um determinado conteúdo para mais de uma tecnologia gerava custos acrescidos (considerando 884 da decisão impugnada);

–        os mesmos fornecedores de conteúdos consideraram que o número de utilizadores de uma determinada tecnologia e a existência de um software cliente multimédia nos PC constituíam factores determinantes para a escolha da tecnologia a adoptar (considerando 886 da decisão impugnada);

–        alguns desses fornecedores declararam inclusivamente que o número de utilizadores de uma determinada tecnologia era o «factor mais importante, de longe» (considerando 889 da decisão impugnada);

–        enquanto a utilização de leitores multimédia concorrentes continuar a ser significativa, a adopção de outros formatos pode ser vantajosa, em relação ao custos, para os fornecedores de conteúdos (considerando 890 da decisão impugnada);

–        os criadores de software responderam no mesmo sentido dos fornecedores de conteúdos (considerandos 893 a 896 da decisão impugnada);

–        assim, doze criadores de software em treze responderam afirmativamente à questão de saber se os custos acrescidos ligados à «execução multiformatos» eram susceptíveis de influir, no futuro, na sua decisão de conceber aplicações para tecnologias diferentes do Windows Media (considerando 890 da decisão impugnada);

–        ao ligar a venda do Windows ao Windows Media Player, a Microsoft garante aos fornecedores de conteúdos e aos criadores de software que os utilizadores finais poderão ler o respectivo conteúdo, ou seja, que poderão atingir uma grande audiência; a omnipresença do Windows Media Player nos PC clientes Windows garante, assim, à Microsoft uma vantagem concorrencial que não está relacionada com as qualidades intrínsecas desse produto (considerando 891 da decisão impugnada).

1016 Por último, a Comissão rejeita a alegação da Microsoft segundo a qual a teoria aplicada ao caso em apreço não leva em conta certos factores pertinentes e se baseia em previsões desmentidas pelos factos.

1017 A este respeito, em primeiro lugar, contesta ter «ignorado os factores que levam os fornecedores de conteúdos a utilizar formatos diferentes do formato Windows Media». Afirma que, nos pedidos de esclarecimento que lhes dirigiu, não evocou unicamente a questão do «grau de presença» dos leitores multimédia e que, na decisão impugnada, não afirmou que o referido grau de presença era o único factor pertinente, tendo apenas salientado a importância desse factor. De qualquer forma, a Microsoft reconhece que os fornecedores de conteúdos levam o referido factor em consideração quando escolhem o formato de codificação dos seus produtos e admite, portanto, implicitamente, que «a omnipresença inigualável que obteve com [a sua] venda ligada […] falseia essa [escolha]».

1018 A Comissão acrescenta que resulta das perguntas que fez aos fornecedores de conteúdos e aos criadores de software que esses terceiros procedem efectivamente a uma ponderação e dão mais peso aos custos ligados à execução de várias tecnologias do que às suas vantagens. Observa que a própria Microsoft referiu que «codificar conteúdos difundidos em contínuo em vários formatos [era] caro e [levava] tempo para os fornecedores de conteúdos» (considerando 883 da decisão impugnada) e faz referência a certos elementos recolhidos no âmbito do estudo de mercado de 2003 (considerando 884 da decisão impugnada). O custo da execução de várias tecnologias, apesar de não ser o único factor que determina a escolha dos fornecedores de conteúdos de recorrerem ou não à codificação em vários formatos, é manifestamente um elemento importante que levam em consideração. A Comissão contesta igualmente ter reunido, no âmbito do estudo de mercado de 2003, elementos de prova que demonstrem que os custos ligados à disponibilização de conteúdos num determinado formato representam apenas uma parte insignificante dos custos totais. Pelo contrário, resulta das informações que obteve que os custos associados à preparação dos conteúdos são significativos.

1019 Por outro lado, a Comissão contesta a correcção dos elementos contidos no relatório que consta do anexo C.16 da réplica (v. n.° 1002, supra). Recorda, antes de mais, que a decisão impugnada demonstra que as descargas não podem compensar a omnipresença que o Windows Media Player adquire através da venda ligada em causa e que essa omnipresença falseia o incentivo dos fornecedores de conteúdos. Em seguida, esclarece que a sua conclusão relativa à existência de um abuso de posição dominante não se baseia na constatação da eliminação completa da concorrência ou da «oscilação» do mercado. Por último, afirma que o autor desse relatório, em primeiro lugar, não fundamenta a sua tese, em segundo lugar, não leva em conta vários aspectos importantes do caso concreto, como «as distorções causadas aos efeitos de rede pelo exercício de um efeito de alavanca através do monopólio», e, em terceiro lugar, não demonstra que as condições que alega serem necessárias à «oscilação» do mercado não se encontram reunidas.

1020 Em segundo lugar, a Comissão, apoiada neste ponto pela SIIA, contesta a alegação da Microsoft de que a análise da exclusão da concorrência efectuada na decisão impugnada é desmentida pelos factos.

1021 Antes de mais, repete que a Microsoft faz uma apresentação errada do considerando 984 da decisão impugnada, uma vez que este não faz referência a uma «oscilação» do mercado, referindo apenas que a venda ligada praticada pela Microsoft cria o risco de que a estrutura da concorrência no mercado dos leitores multimédia seja afectada.

1022 Em seguida, a Comissão alega que os dados comerciais mencionados na decisão impugnada revelam invariavelmente uma tendência para a utilização do Windows Media Player e dos formatos Windows Media em detrimento dos principais leitores multimédia concorrentes (considerandos 906 a 942 da decisão impugnada). Resulta desses dados que, até ao segundo trimestre de 1999, o RealPlayer era o número um no mercado e tinha perto do dobro dos utilizadores do Windows Media Player e do QuickTime (considerando 906 da decisão impugnada). Em contrapartida, do segundo trimestre de 1999 ao segundo trimestre de 2002, o número total de utilizadores do Windows Media Player aumentou em cerca de 39 milhões, o que representa um crescimento mais ou menos igual à progressão conjunta do número de utilizadores dos leitores da RealNetworks e da Apple (considerando 907 da decisão impugnada). Dados mais recentes da Nielsen/NetRatings referem que o Windows Media Player ganhou um avanço muito nítido sobre o RealPlayer (mais de 50% de utilizadores únicos a mais) e sobre o QuickTime (mais do triplo de utilizadores únicos) e que esse avanço ainda aumentou de Outubro de 2002 a Janeiro de 2004 (considerando 922 da decisão impugnada). A tendência acima descrita é comparável à que se fazia sentir no mercado dos browsers Internet, que foi objecto do processo por violação do direito antitrust americano.

1023 Segundo a Comissão, a Microsoft não contesta esses diversos dados, mas apresenta dados novos, alguns dos quais posteriores à adopção da decisão impugnada, não podendo, por essa razão, ser levados em consideração.

1024 Por último, a Comissão alega que, de qualquer forma, o efeito de exclusão da concorrência que a decisão impugnada concluiu existir é confirmado por dados mais recentes.

1025 Assim, em primeiro lugar, quanto aos dados relativos aos fornecedores de conteúdos apresentados pela Microsoft (v. n.° 1004, supra), a Comissão refere que esta última não os fundamenta e os apresenta de modo falacioso. A este respeito, observa que é claro que, ao longo do período 2001‑2004, o número de páginas Internet que ofereciam um conteúdo multimédia «qualquer que fosse» aumentou, de modo que não surpreende que haja mais páginas Internet que oferecem formatos diferentes do Windows Media. Acrescenta que a Microsoft não mencionou que, ao longo do mesmo período, as páginas Internet que suportavam o formato o Windows Media aumentaram 141%. A Microsoft também não dá qualquer indicação sobre a quantidade real de conteúdos em formatos diferentes do formato Windows Media oferecidos pelas páginas Internet em causa nem sobre a utilização real dos conteúdos nesses formatos multimédia.

1026 Em segundo lugar, no que diz respeito aos dados relativos ao número médio de leitores multimédia pré‑instalados nos PC clientes pelos fabricantes de equipamentos originais, a Comissão afirma que não são concludentes (v. n.° 1005, supra). De qualquer forma, resulta dos elementos invocados pela Microsoft que mais de 70% dos PC vendidos na Europa e mais de 80% dos PC vendidos no mundo só compreendem, em geral, um único leitor multimédia e que, devido à venda ligada em causa, esse leitor é sempre o Windows Media Player. A Comissão acrescenta que a medida em que os fabricantes de equipamentos originais pré‑instalam leitores multimédia concorrentes nos PC é «obscurecida» pelo facto de o Windows Media Player estar automaticamente presente em 95% dos PC vendidos no mundo. Por último, alega que os dados da Microsoft não são fiáveis, na medida em que são relativos, nomeadamente, a leitores multimédia concorrentes que foram pré‑instalados na sequência de «legacy deals» (contratos que estavam a chegar ao seu termo) e que não foram renovados, e a aplicações que não podem ser qualificadas como leitores multimédia que permitem uma recepção contínua.

1027 Em terceiro lugar, a Comissão alega que há uma tendência nítida para a utilização do Windows Media Player e do formato o Windows Media. Os dados da Nielsen/NetRatings sobre a utilização dos leitores multimédia nos Estados Unidos demonstram que, em Março de 2005, a utilização do Windows Media Player tinha aumentado para 80%, a do RealPlayer tinha descido para menos de 40%, e a do QuickTime representava apenas pouco mais de 10%. Resulta igualmente de dados recentes da Nielsen/NetRatings que o número de utilizadores exclusivos do Windows Media Player aumentou constantemente, de 53 para 55% de utilizadores que apenas recorrem a esse leitor actualmente, contra 10 a 13% para o RealPlayer e 3 ou 4% para o QuickTime Player.

1028 Em resposta à alegação da Microsoft de que a tese da exclusão dos concorrentes do mercado não é objectiva, na medida em que não foi aplicada quando o leitor multimédia da RealNetworks estava integrado no Windows (v. n.° 1007, supra), a Comissão remete para o considerando 818 da decisão impugnada e refere que não pode ser impedida de punir uma determinada infracção ao direito comunitário da concorrência pelo facto de não ter punido outra eventual infracção.

1029 A SIIA apresenta, no essencial, os mesmos argumentos que a Comissão.

1030 A Audiobanner.com alega que a venda ligada em causa tem efeitos negativos sobre o investimento, pelos terceiros, nas tecnologias concorrentes das da Microsoft, sobre a inovação no sector do multimédia digital difundido em contínuo e sobre os consumidores. Relativamente a este último ponto, insiste no facto de essa venda ligada impedir a concorrência baseada no mérito.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

1031 A Microsoft, no essencial, alega que a Comissão não provou que a integração do Windows Media Player no sistema operativo Windows para PC clientes levava a uma restrição da concorrência, de modo que não se pode considerar que o quarto elemento que permite concluir pela existência de uma venda ligada abusiva, tal como enunciado no considerando 794 da decisão impugnada, esteja presente no caso em apreço.

1032 Em particular, a Microsoft sustenta que a Comissão, reconhecendo que não se encontrava perante um caso clássico de venda ligada, teve de aplicar uma teoria nova e altamente especulativa, baseando‑se numa análise prospectiva das eventuais reacções de terceiros, para chegar à conclusão de que a venda ligada em causa era susceptível de restringir a concorrência.

1033 O Tribunal considera que os argumentos da Microsoft não têm fundamento e que se baseiam numa leitura selectiva e inexacta da decisão impugnada. Com efeito, esses argumentos concentram‑se essencialmente na segunda das três fases do raciocínio da Comissão exposto nos considerandos 835 a 954 da decisão impugnada.

1034 Na verdade, não se pode deixar de referir que, na decisão impugnada, a Comissão demonstrou claramente, entre outras coisas, que o facto de, a partir de Maio de 1999, a Microsoft só ter proposto aos fabricantes de equipamentos originais, para pré‑instalação nos PC clientes, a versão do Windows acoplado com o Windows Media Player teve a consequência inevitável de afectar as relações no mercado entre a Microsoft, os fabricantes de equipamentos originais e os fornecedores de leitores multimédia terceiros, modificando sensivelmente o equilíbrio da concorrência a favor da Microsoft e em detrimento dos outros operadores.

1035 Como já foi referido no n.° 868, o facto de a Comissão ter analisado os efeitos concretos que a venda ligada em causa já tinha tido no mercado e a maneira como este evoluiu, em vez de se ter limitado a considerar – como faz normalmente nos processos em matéria de vendas ligadas abusivas – que a referida venda ligada tinha um efeito de exclusão no mercado per se, não significa que tenha adoptado uma teoria jurídica nova.

1036 A análise feita pela Comissão do requisito relativo à restrição da concorrência tem como ponto de partida o considerando 841 da decisão impugnada, em que refere que há neste processo boas razões para não dar como assente, sem uma análise complementar, o facto de a venda ligada do Windows e do Windows Media Player constituir um comportamento susceptível, pela sua própria natureza, de restringir a concorrência (v. n.° 977, supra). No essencial, a conclusão a que a Comissão chegou a este respeito assenta na constatação de que o facto de acoplar o Windows Media Player ao sistema operativo Windows para PC clientes –sistema operativo este que é pré‑instalado na grande maioria dos PC clientes vendidos no mundo – sem que seja possível retirar o primeiro do segundo permite a esse leitor multimédia beneficiar da omnipresença do referido sistema operativo nos PC clientes, omnipresença que os outros modos de distribuição dos leitores multimédia não podem compensar.

1037 O Tribunal de Primeira Instância considera que essa constatação, que é objecto da primeira fase do raciocínio da Comissão (v. considerandos 843 a 878 da decisão impugnada, resumidos nos n.os 979 a 982, supra), tem pleno fundamento.

1038 Assim, em primeiro lugar, é manifesto que a venda ligada em causa conferiu ao leitor Windows Media Player uma presença sem equivalente nos PC clientes no mundo, na medida em que permitiu a esse leitor multimédia obter automaticamente um nível de penetração no mercado correspondente ao do sistema operativo Windows para PC clientes, sem ter de concorrer pelo mérito com os outros produtos. A este respeito, há que recordar que é pacífico que a quota de mercado detida pela Microsoft no mercado dos sistemas operativos para PC clientes é superior a 90% e que a grande maioria das vendas de sistemas operativos Windows para PC clientes (ou seja, cerca de 75%) é realizada através dos fabricantes de equipamentos originais, que os pré‑instalam nos PC clientes que constroem e distribuem. Assim, resulta dos números referidos no considerando 843 da decisão impugnada que, em 2002, a Microsoft tinha uma quota de mercado de 93,8% em termos de unidades vendidas no mercado dos sistemas operativos para PC clientes (v. também considerando 431 da decisão impugnada) e que o Windows – e, consequentemente, o Windows Media Player – foi pré‑instalado em 196 dos 207 milhões de PC clientes que foram vendidos no mundo ao longo do período compreendido entre Outubro de 2001 e Março de 2003.

1039 Como será mais pormenorizadamente explicado mais adiante, nenhum leitor multimédia terceiro poderia atingir tal nível de penetração no mercado sem beneficiar da vantagem em termos de distribuição de que usufrui o Windows Media Player graças à utilização feita pela Microsoft do seu sistema operativo Windows para PC clientes.

1040 Há que acrescentar que a oferta agrupada do sistema operativo Windows e do leitor NetShow 2.0 a que a Microsoft procedeu a partir do mês de Junho de 1998 não garantiu a esse leitor o mesmo grau de presença nos PC clientes. Com efeito, como já foi referido nos n.os 837 e 936, o NetShow 2.0 vinha no CD de instalação do Windows 98, mas nenhuma das quatro instalações por defeito desse sistema previa a instalação desse leitor. Por outras palavras, os utilizadores tinham de fazer o esforço de instalar o NetShow 2.0 separadamente e podiam decidir não o fazer. No mesmo sentido, há que observar que a referida oferta agrupada não impedia os editores de leitores multimédia terceiros de concorrerem com a Microsoft pelas qualidades intrínsecas dos seus produtos nem os fabricantes de equipamentos originais de explorarem essa concorrência.

1041 Em segundo lugar, é óbvio que, como refere acertadamente a Comissão no considerando 845 da decisão impugnada, «os utilizadores que encontram [o Windows Media Player] pré‑instalado nos seus PC clientes ficam, em geral, menos inclinados a utilizar um leitor multimédia alternativo, na medida em que já têm uma aplicação que fornece essa funcionalidade de leitor de conteúdo multimédia em contínuo». Por conseguinte, deve considerar‑se que, se a venda ligada em causa não existisse, os consumidores que desejassem dispor de um leitor multimédia de recepção contínua seriam levados a escolher um entre os vários que se encontravam disponíveis no mercado.

1042 A este respeito, há que recordar a circunstância a que a Comissão faz referência nos considerandos 119, 848, 869 e 956 da decisão impugnada, concretamente, a importância que os utilizadores dão ao facto de poderem comprar PC clientes ou sistemas «prontos a usar» (out of the box), ou seja, que podem ser instalados e utilizados com um mínimo de esforço. Assim, o fornecedor cujo software é pré‑instalado no PC cliente e é automaticamente executado quando se inicia o PC dispõe claramente de uma vantagem concorrencial sobre qualquer outro fornecedor de produtos semelhantes.

1043 Em terceiro lugar, o Tribunal considera que a Comissão afirmou correctamente, no considerando 857 da decisão impugnada, que o comportamento imputado à Microsoft desencorajava os fabricantes de equipamentos originais de pré‑instalarem leitores multimédia concorrentes nos PC clientes que vendiam.

1044 Com efeito, por um lado, como é referido no considerando 851 da decisão impugnada, os fabricantes de equipamentos originais hesitam em acrescentar um segundo leitor multimédia ao agregado que propõem aos consumidores, uma vez que esse segundo leitor multimédia vai utilizar capacidades do disco rígido do PC cliente ao mesmo tempo que oferece funcionalidades análogas, no essencial, às do Windows Media Player, e que é pouco provável que os consumidores estejam dispostos a pagar um preço mais elevado por esse acrescento.

1045 Por outro, a existência de vários leitores multimédia que permitem uma recepção contínua num mesmo PC cliente cria um risco de confusão para os utilizadores e um aumento das despesas de assistência à clientela e dos custos de experimentação (v. considerando 852 da decisão impugnada). Há que referir, a este respeito, que, no procedimento administrativo, a própria Microsoft salientou que os fabricantes de equipamentos originais tinham geralmente pequenas margens de lucro e que preferiam, portanto, evitar ter de suportar essas despesas (v. nota de rodapé n.° 1006 da decisão impugnada).

1046 Assim, a colocação no mercado da versão acoplada do Windows e do Windows Media Player como uma única versão do sistema operativo Windows que pode ser pré‑instalado nos PC clientes novos pelos fabricantes de equipamentos originais teve a consequência directa e imediata de os privar da possibilidade que tinham anteriormente de juntar os produtos em função da sua própria apreciação do que era mais atractivo para os consumidores e, mais especificamente, de os impedir de escolher um leitor concorrente do Windows Media Player como único leitor multimédia. Relativamente a este último ponto, há que recordar que, na altura, o RealPlayer usufruía de uma significativa vantagem comercial enquanto produto líder no mercado. Como a própria Microsoft admite, só em 1999 conseguiu desenvolver um leitor multimédia de recepção contínua suficientemente eficiente, uma vez que o seu leitor precedente, o NetShow, «não [era] popular junto dos consumidores porque não funcionava muito bem» (considerando 819 da decisão impugnada). Deve recordar‑se, além disso, que, entre os meses de Agosto de 1995 e de Julho de 1998, foram os produtos da RealNetWorks – no caso concreto, o RealAudio Player, primeiro, e o RealPlayer, em seguida – que foram distribuídos juntamente com o Windows. Consequentemente, pode considerar‑se que, se a Microsoft não tivesse adoptado o comportamento que lhe é imputado, a concorrência entre o RealPlayer e o Windows Media Player teria sido determinada em função das qualidades intrínsecas dos dois produtos.

1047 Há que acrescentar que, mesmo que os editores de leitores multimédia concorrentes da Microsoft conseguissem celebrar um acordo para a pré‑instalação do seu produto com os fabricantes de equipamentos originais, continuariam a encontrar‑se numa posição concorrencial desvantajosa em relação à Microsoft. Com efeito, por um lado, uma vez que o Windows Media Player não pode ser retirado pelos fabricantes de equipamentos originais nem pelos utilizadores do conjunto constituído pelo Windows e o Windows Media Player, o leitor multimédia terceiro nunca poderia ser o único leitor multimédia presente no PC cliente. Em particular, a venda ligada em causa impede os editores de leitores multimédia terceiros de concorrer com a Microsoft com base nas qualidades intrínsecas dos produtos. Por outro, tendo em conta que o número de leitores multimédia que os fabricantes de equipamentos originais estão dispostos a pré‑instalar nos PC clientes é limitado, os editores de leitores multimédia terceiros entram em concorrência uns com os outros para obter essa pré‑instalação, ao passo que, graças à venda ligada em causa, a Microsoft escapa a essa concorrência e aos custos acrescidos significativos que gera. Relativamente a este último ponto, há que remeter para o considerando 856 da decisão impugnada, em que a Comissão faz referência ao acordo de distribuição relativo ao RealPlayer celebrado em 2001 entre a RealNetworks e a Compaq e ao facto de a Microsoft ter reconhecido, no procedimento administrativo, que a RealNetworks pagava aos fabricantes de equipamentos originais para que estes aceitassem pré‑instalar os seus produtos.

1048 Resulta destas diversas considerações que era legítimo à Comissão considerar que «a possibilidade de celebrar acordos de distribuição com os fabricantes de equipamentos originais [constituía] um meio de distribuição dos leitores multimédia menos eficaz do que a venda ligada praticada pela Microsoft» (considerando 859 da decisão impugnada).

1049 Em quarto lugar, o Tribunal de Primeira Instância considera que também foi correctamente que a Comissão referiu que os modos de distribuição dos leitores multimédia diferentes da pré‑instalação pelos fabricantes de equipamentos originais não compensavam a omnipresença do Windows Media Player (considerandos 858 a 876 da decisão impugnada).

1050 Por um lado, quanto à descarga de leitores multimédia da Internet, embora este modo de distribuição permita atingir um número muito grande de utilizadores, não é, todavia, tão eficaz como a pré‑instalação de equipamentos originais pelos fabricantes. Com efeito, em primeiro lugar, a descarga não garante aos leitores multimédia concorrentes uma distribuição igual à do Windows Media Player (considerando 861 da decisão impugnada). Em segundo lugar, a descarga, ao contrário da utilização do produto pré‑instalado, é considerada, por um número não insignificante de utilizadores, uma operação complicada. Em terceiro lugar, como a Comissão refere no considerando 866 da decisão impugnada, um grande número de tentativas de descargas – mais de 50% de acordo com os testes realizados pela RealNetworks em 2003 – fracassa. Apesar de o acesso por banda larga acelerar a descarga e a tornar, portanto, menos complexa, importa referir todavia que, em 2002, só um sexto das pessoas com acesso à Internet na Europa dispunham de uma ligação de banda larga (considerando 867 e nota de rodapé n.° 1037 da decisão impugnada). Em quarto lugar, os utilizadores terão provavelmente tendência a pensar que um leitor multimédia integrado no PC cliente que compraram funcionará melhor que um produto que eles próprios instalam (considerando 869 da decisão impugnada). Por último, em quinto lugar, há que referir que, na maior parte das empresas, os trabalhadores não têm o direito de descarregar software da Internet uma vez que isso complica a tarefa dos administradores de rede (mesmo considerando).

1051 Determinados dados fornecidos pela própria Microsoft no procedimento administrativo, e mencionados nos considerandos 909 a 911 da decisão impugnada, confirmam que a descarga da Internet não é um modo de distribuição tão eficaz como a pré‑instalação de equipamentos originais pelos fabricantes. A Microsoft referiu, com efeito, por um lado, que 8,8 milhões de exemplares do seu leitor WMP 6 foram descarregados nos doze meses seguintes à sua colocação no mercado e, por outro, que vendeu 7,9 milhões de sistemas operativos Windows 98 SE entre os meses de Julho e Setembro de 1999. Por outras palavras, em três meses, o WMP 6 obteve, graças à venda ligada com o sistema operativo Windows, mais ou menos a mesma difusão que atingiu num ano através das descargas.

1052 Ainda relativamente às descargas, há que acrescentar que, como refere a Comissão no considerando 870 da decisão impugnada, embora constitua um modo de distribuição dos leitores multimédia com poucos custos no plano técnico, os editores, têm de mobilizar recursos significativos para «vencer a inércia dos utilizadores finais e convencê‑los a ignorar a presença do leitor [Windows Media Player] pré‑instalado».

1053 Por outro, relativamente aos outros modos de distribuição dos leitores multimédia que permitem uma recepção contínua referidos na decisão impugnada, concretamente, o acoplamento do leitor com outro software ou com serviços de acesso à Internet, bem como a venda a retalho, basta observar que a Microsoft não invocou nenhum argumento susceptível de pôr em causa a apreciação da Comissão segundo a qual estes não passam de um «mal menor que não pode rivalizar com a eficácia da pré‑instalação do software nos PC clientes [Windows]» (considerandos 872 a 876 da decisão impugnada).

1054 Resulta das considerações precedentes que a Comissão fez prova bastante, na análise contida nos considerandos 843 a 878 da decisão impugnada, que constituem a primeira parte do seu raciocínio, de que a venda ligada do Windows e do Windows Media Player a partir de Maio de 1999 tinha inevitavelmente tido consequências significativas na estrutura da concorrência. Esta prática, com efeito, permitiu à Microsoft obter uma vantagem sem equivalente em termos de distribuição para o seu produto e garantir a omnipresença do Windows Media Player nos PC clientes em todo o mundo, desencorajando assim utilizadores de recorrerem a leitores multimédia terceiros e os fabricantes de equipamentos originais de pré‑instalarem esses leitores nos PC clientes.

1055 É certo que, como sustenta a Microsoft, vários fabricantes de equipamentos originais continuam a acrescentar leitores multimédia terceiros nos agregados que propõem aos seus clientes. Também está assente que o número de leitores multimédia e o grau de utilização de múltiplos leitores estão em crescente aumento. No entanto, esses elementos não desmentem a conclusão da Comissão de que o comportamento imputado à Microsoft era susceptível de enfraquecer a concorrência na acepção da jurisprudência. Com efeito, desde Maio de 1999, os editores de leitores multimédia terceiros deixaram de ter a possibilidade de fazer concorrência por intermédio dos fabricante de equipamentos originais através da colocação dos seus próprios produtos em vez do Windows Media Player como único leitor multimédia presente nos PC clientes por eles construídos e vendidos.

1056 Por outro lado, importa referir que a correcção das considerações acima tecidas é corroborada por determinados dados examinados pela Comissão no âmbito da terceira fase do seu raciocínio. Mais especificamente, como adiante será exposto nos n.os 1080 a 1084, os dados mencionados nos considerandos 905 a 926 da decisão impugnada demonstram uma tendência nítida para a utilização do Windows Media Player em detrimento dos leitores multimédia concorrentes.

1057 Há que acrescentar que resulta de informações transmitidas pela própria Microsoft no procedimento administrativo e mencionadas nos considerandos 948 a 951 da decisão impugnada, que a sensível progressão da utilização do Windows Media Player não pode ser atribuída ao facto de esse leitor ser de qualidade superior à dos leitores concorrentes ou de estes, e em particular o RealPlayer, apresentarem algumas deficiências.

1058 Face ao exposto, há que concluir que as conclusões da Comissão no âmbito da primeira fase do seu raciocínio são suficientes, por si só, para demonstrar que o quarto elemento que permite concluir pela existência de uma venda ligada abusiva se encontra presente no caso em apreço. Essas conclusões não se baseiam numa teoria nova ou altamente especulativa, mas na natureza do comportamento imputado à Microsoft, nas condições de mercado e nas características essenciais dos produtos em causa. Assentam em elementos de prova exactos, fiáveis e coerentes, cujo carácter errado a Microsoft, limitando‑se a sustentar que se tratava de simples conjecturas, não foi capaz de provar.

1059 Resulta do que precede que não é necessário examinar os argumentos que a Microsoft invoca contra as conclusões a que a Comissão chegou no âmbito das duas outras fases do seu raciocínio. O Tribunal de Primeira Instância considera, no entanto, que há que proceder a uma breve análise desses argumentos.

1060 Na segunda fase do seu raciocínio, a Comissão procura demonstrar que a omnipresença do Windows Media Player que resulta do seu acoplamento ao Windows pode ter uma influência não insignificante sobre os fornecedores de conteúdos e os criadores de software.

1061 A tese defendida pela Comissão assenta no facto de o mercado dos leitores multimédia que permitem uma recepção contínua se caracterizar por significativos efeitos de rede indirectos ou, para retomar a expressão usada por B. Gates, na existência de uma «ciclo de realimentação positiva» (considerando 882 da decisão impugnada). Esta última expressão descreve o fenómeno de acordo com o qual quanto maior for o número de utilizadores de uma determinada plataforma (plateforme logicielle), maiores são os investimentos no desenvolvimento de produtos compatíveis com essa plataforma, o que, por sua vez, reforça a popularidade da referida plataforma junto dos utilizadores.

1062 O Tribunal considera que a Comissão concluiu acertadamente pela existência desse fenómeno no caso em apreço e verificou que era com base nas percentagens de instalação e de utilização dos leitores multimédia que os fornecedores de conteúdos e os criadores de software escolhiam a tecnologia para a qual desenvolveriam os seus próprios produtos (considerando 879 da decisão impugnada). A Comissão afirmou correctamente, por um lado, que esses operadores tinham tendência para utilizar prioritariamente o Windows Media Player, uma vez que isso lhes dava a possibilidade de atingir a grande maioria dos utilizadores de PC clientes no mundo e, por outro, que a difusão de conteúdos e de aplicações compatíveis com um determinado leitor multimédia constituía em si mesmo um factor concorrencial significativo, no sentido de que aumentava a popularidade desse leitor multimédia, o que, por sua vez, favorecia a utilização da tecnologia multimédia subjacente, incluindo os codecs, os formatos (nomeadamente o formato DRM) e o software de servidores (considerandos 880 e 881 da decisão impugnada).

1063 Em primeiro lugar, no que mais precisamente diz respeito aos efeitos da venda ligada nos fornecedores de conteúdos, o Tribunal considera procedente a apreciação dessa questão feita pela Comissão nos considerandos 883 a 891 da decisão impugnada.

1064 Mais especificamente, a Comissão teve toda a razão em considerar que a execução de várias tecnologias diferentes gerava despesas acrescidas de desenvolvimento, de infra‑estrutura e de gestão para os fornecedores de conteúdos, de modo que estes últimos se inclinavam a adoptar uma única tecnologia para os seus produtos se esta permitisse atingir uma grande audiência.

1065 Assim, resulta dos elementos de prova reunidos pela Comissão, e principalmente das respostas aos pedidos de esclarecimento que dirigiu aos fornecedores de conteúdos no âmbito do estudo de mercado de 2003, que a codificação em vários formatos de conteúdos difundidos em contínuo é cara e leva tempo. No seu pedido de esclarecimento de 16 de Abril de 2003, a Comissão pediu, nomeadamente, a esses fornecedores de conteúdos que lhe dissessem se a criação de um determinado conteúdo para mais de uma tecnologia gerava despesas acrescidas (pergunta n.° 19). Todas as entidades que responderam a essa pergunta responderam afirmativamente, fazendo principalmente referência às despesas acrescidas em pessoal e horas suplementares necessárias à preparação do conteúdo, em hardware, em infra‑estruturas e em licenças. Convidadas a fazer uma estimativa dessas despesas, as entidades em causa situaram‑nas num intervalo de 20 a 100% em relação aos custos iniciais de fornecimento de conteúdos num só formato, ou seja, um acréscimo médio de cerca de 50% (pergunta n.° 20). Como refere a Comissão no considerando 884 da decisão impugnada, uma das entidades questionadas referiu inclusivamente que «os custos relativamente elevados associados à preparação do conteúdo [podiam] reduzir o interesse económico que os estabelecimentos de venda e discos e/ou os portais Internet podiam ter em executar formatos múltiplos cujo sucesso junto dos utilizadores varia» e que «[a]lguns estabelecimentos de venda de discos [comparavam] esses acréscimos aos lucros que [decorreriam] do aumento do número de utilizadores e da execução de tecnologias múltiplas».

1066 Há que salientar que, contrariamente ao que alega a Microsoft, a Comissão verificou se as vantagens resultantes da codificação em vários formatos podiam compensar as despesas acrescidas geradas por essa codificação. Com efeito, a Comissão questionou os fornecedores de conteúdos sobre este ponto no âmbito do estudo de mercado de 2003 e estes responderam (v. considerandos 884, 887, 889 e 890 da decisão impugnada).

1067 Resulta igualmente dos elementos de prova reunidos pela Comissão que, quanto maior é a difusão de um determinado leitor multimédia, mais os fornecedores de conteúdos estão dispostos a criar conteúdos para a tecnologia executada por esse leitor multimédia. Como acertadamente refere a Comissão no considerando 885 da decisão impugnada, ao usar o leitor multimédia mais amplamente difundido, os fornecedores de conteúdos maximizam o número de utilizadores potenciais dos seus próprios produtos.

1068 Assim, como referido no considerando 886 da decisão impugnada, no seu pedido de esclarecimento de 16 de Abril de 2003, a Comissão perguntou aos fornecedores de conteúdos em causa se o número de utilizadores que podiam interagir com uma determinada tecnologia e a existência de um software cliente multimédia nos PC clientes eram factores que desempenhavam um papel determinante na escolha da tecnologia a adoptar (perguntas nos 33 e 34). Todos os fornecedores de conteúdos que responderam a essas perguntas fizeram‑no afirmativamente (considerando 886 da decisão impugnada).

1069 Tendo em conta as considerações precedentes, bem como o facto de o Windows estar presente na quase totalidade dos PC clientes do mundo, deve considerar‑se que a Comissão podia concluir, no considerando 891 da decisão impugnada, que, «[ao] ligar a venda do leitor [Windows Media Player] ao Windows, a Microsoft [podia] garantir aos fornecedores de conteúdos que os utilizadores finais [teriam] a possibilidade de ler o respectivo conteúdo, ou seja, que esses fornecedores [podiam] atingir uma grande audiência», que «[a] omnipresença [desse] leitor […] nos PC Windows [garantia], assim, à Microsoft uma vantagem concorrencial que não [estava] relacionada com os méritos desse produto» e que, «[a] partir do momento em que um conteúdo associado a determinado formato [fosse] amplamente difundido, a posição concorrencial dos leitores multimédia compatíveis [ficava] reforçada, e a entrada de novos concorrentes [tornava‑se] mais difícil».

1070 Há que recordar, neste contexto, que o artigo 82.° CE proíbe que uma empresa dominante reforce a sua posição recorrendo a meios diferentes dos que caracterizam uma concorrência pelo mérito (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 21 de Outubro de 1997, Deutsche Bahn/Comissão, T‑229/94, Colect., p. II‑1689, n.° 78, e acórdão Van den Bergh Foods/Comissão, referido no n.° 1013, supra, n.° 157).

1071 Em segundo lugar, o Tribunal de Primeira Instância considera que a Comissão apreciou correctamente, nos considerandos 892 a 896 da decisão impugnada, os efeitos da venda ligada sobre os criadores de software.

1072 Mais especificamente, referiu acertadamente, no considerando 892 da decisão impugnada, que os criadores de software estavam inclinados a criar aplicações para uma única plataforma se isso lhes permitisse atingir a quase totalidade dos utilizadores potenciais dos seus produtos, uma vez que a adaptação dos seus programas a outras plataformas, a comercialização desses programas e a assistência à clientela em relação a esses programas gerava custos acrescidos.

1073 Assim, resulta das respostas a algumas das perguntas feitas pela Comissão a criadores de software no âmbito do estudo de mercado de 2003 (v., em particular, perguntas nos 8 e 48 do pedido de esclarecimento de 16 de Abril de 2003) que a criação de aplicações para várias tecnologias multimédia gera custos acrescidos em termos de pessoal e de horas suplementares, de licenças e de assistência à clientela. Os criadores de software em causa situaram essas despesas num intervalo de 1 a 100% em relação ao custo da criação de aplicações destinadas a uma só tecnologia, o que representa um acréscimo médio de cerca de 58% (v. considerando 894 da decisão impugnada).

1074 Resulta igualmente das respostas ao pedido de esclarecimento de 16 de Abril de 2003 que o facto de a criação de aplicações para tecnologias diferentes das da Microsoft gerar despesas acrescidas para os criadores de software é susceptível de influir na sua decisão de criar ou não aplicações para outras tecnologias (v. considerando 894 da decisão impugnada; ver também declaração da entidade n.° 30, reproduzida no considerando 893 da decisão impugnada).

1075 Tendo em conta estes elementos e o facto de o Windows Media Player estar presente, devido à venda ligada em causa, na grande maioria dos PC clientes no mundo, há que considerar que a Comissão referiu correctamente, no considerando 895 da decisão impugnada, que os criadores de software que criavam aplicações associadas a um leitor multimédia eram incentivados a fazê‑lo principalmente para o Windows Media Player. Há que notar, a este respeito, que, no âmbito do estudo de mercado de 2003, a Comissão convidou os criadores de software questionados a esclarecer quais eram os factores que determinavam a sua escolha da tecnologia para a qual criavam as suas aplicações (pergunta n.° 7 da pedido de esclarecimento de 16 de Abril de 2003). Das catorze entidades que responderam a essa pergunta, dez identificaram o grau de presença de um leitor multimédia nos PC cliente como o primeiro ou o segundo factor mais importante (considerando 896 da decisão impugnada). A Comissão também perguntou aos criadores de software se era importante para eles que os interfaces do leitor Windows Media Player estivessem presentes em quase todos os PC clientes Windows (pergunta n.° 14 do pedido de esclarecimento de 16 de Abril de 2003). Das treze entidades que responderam a essa pergunta dez responderam afirmativamente (considerando 896 da decisão impugnada).

1076 Em terceiro lugar, o Tribunal recorda que, nos considerandos 897 a 899 da decisão impugnada, a Comissão refere que a omnipresença de que o Windows Media Player usufrui graças à venda ligada em causa também tem efeitos sobre certos mercados adjacentes, como o dos leitores multimédia instalados em terminais móveis, dos descodificadores, das soluções DRM e da difusão de música em linha. A este respeito, basta observar que a Microsoft não invocou nenhum argumento susceptível de pôr em causa essa apreciação.

1077 Tendo em conta os considerações precedentes, há que concluir que a segunda fase do raciocínio da Comissão procede.

1078 Na terceira fase do seu raciocínio, Comissão examina a evolução do mercado tendo em conta estudos de mercado realizados pelas sociedades Media Metrix, Synovate e Nielsen/NetRatings e conclui que os dados contidos nesses estudos «revelam invariavelmente uma tendência para a utilização do [Windows Media Player] e dos formatos Windows Media em detrimento dos principais leitores multimédia concorrentes e das tecnologias associadas» (considerando 944 da decisão impugnada).

1079 O Tribunal de Primeira Instância considera que a conclusão referida no número anterior é correcta.

1080 Assim, em primeiro lugar, relativamente à utilização dos leitores multimédia, resulta dos dados recolhidos pela Media Metrix que, até ao segundo trimestre de 1999, período em que teve início a venda ligada em causa, o Windows Media Player estava muito atrás do líder do mercado, concretamente, o RealPlayer, que tinha cerca do dobro de utilizadores (considerandos 905 e 906 da decisão impugnada). Em contrapartida, entre o segundo trimestre de 1999 e o segundo trimestre de 2002, o número total de utilizadores do Windows Media Player aumentou mais de 39 milhões, ou seja, numa medida comparável à progressão conjunta do número de utilizadores do RealPlayer e do QuickTime Player (v. dados que constam dos quadros 8 e 9 do considerando 907 da decisão impugnada).

1081 Os dados recolhidos pela Synovate por conta da Microsoft mencionados nos considerandos 918 a 920 da decisão impugnada traduzem também claramente uma tendência para o Windows Media Player em detrimento do RealPlayer e do QuickTime Player.

1082 Há que referir, nomeadamente, que resulta dos dados da Synovate que constam do considerando 920 da decisão impugnada que, embora seja verdade que um certo número de utilizadores utiliza mais de um leitor multimédia, todavia, em Agosto de 2003, 45% dos «utilizadores múltiplos» questionados declararam que o leitor multimédia que utilizavam mais frequentemente era o Windows Media Player, contra 19% para o RealPlayer e 11% para o QuickTime Player. Em comparação, em Outubro de 1999, o leitor multimédia mais frequentemente utilizado pelos utilizadores múltiplos era o RealPlayer (50%), seguido, em primeiro lugar, pelo Windows Media Player (22%) e, em seguida, pelo QuickTime Player (15%).

1083 Neste contexto, há que acrescentar que a afirmação da Microsoft segundo a qual os consumidores utilizavam em média 1,7 leitores multimédia em Junho de 2002 – tendo esse número passado a 2,1 em 2004 – deve ser relativizada. Com efeito, como refere acertadamente a Comissão no considerando 860 da decisão impugnada, a descarga da Internet – apesar de não ser um modo de distribuição tão eficaz como a pré‑instalação pelos fabricantes de equipamentos originais – permite quando muito ao utilizador acrescentar um leitor multimédia ao seu PC cliente, e não substituir o leitor Windows Media Player. Este último leitor fica no PC cliente, sendo o outro leitor em certos casos o RealPlayer e noutros o QuickTime Player ou outro leitor multimédia.

1084 Por último, os dados reunidos pela Nielsen/Netratings (v. considerandos 921 e 922 da decisão impugnada) demonstram igualmente que, entre Outubro de 2002 e Janeiro de 2004, o avanço do Windows Media Player tanto sobre o RealPlayer como sobre o QuickTime Player aumentou nitidamente.

1085 Em segundo lugar, relativamente à utilização dos formatos, não se pode deixar de referir que os dados da Nielsen/Netratings mencionados nos considerandos 930 a 932 da decisão impugnada revelam uma tendência para os formatos o Windows Media em detrimento dos formatos da RealNetworks e dos formatos QuickTime da Apple.

1086 Em terceiro lugar, o Tribunal considera que a Comissão afirmou com razão, nos considerandos 934 a 942 da decisão impugnada, que os dados da Netcraft, uma sociedade fornecedora de serviços Internet, sobre os formatos multimédia utilizados nas páginas Internet a que a Microsoft tinha feito referência no âmbito do procedimento administrativo não eram concludentes. Em particular, a Comissão fez prova bastante de que os erros metodológicos de que padeciam os estudos realizados pela Netcraft, identificados nos considerandos 940 a 942 da decisão impugnada, desacreditavam a afirmação da Microsoft segundo a qual, «em Novembro de 2002, os formatos RealNetworks ainda estavam muito mais difundidos na [Internet]» (considerando 937 da decisão impugnada).

1087 Por último, em quarto lugar, há que referir que a Comissão rejeitou com razão, no considerando 943 da decisão impugnada, o argumento que a Microsoft extraiu do facto de, em 2001, o RealPlayer estar presente em 92% dos PC para utilização particular nos Estados Unidos e dispor, portanto, de um número comparável ao do Windows Media Player no que diz respeito a esses PC. Com efeito, por um lado, como foi referido mesmo considerando, em 2003, o RealPlayer já só se encontrava em 60 a 70% dos PC para utilização particular nos Estados Unidos. Por outro, deve recordar‑se que a taxa de instalação do Windows Media Player é de 100% nos PC clientes Windows e de mais de 90% nos PC clientes, tanto para utilização particular como para utilização profissional, a nível mundial.

1088 Resulta do exposto que é procedente a conclusão final que a Comissão formula, nos considerandos 978 a 984 da decisão impugnada, a propósito dos efeitos anticoncorrenciais da venda ligada em causa procede. Com efeito, a Comissão enumera correctamente, nessa conclusão, os seguintes elementos:

–        a Microsoft utiliza o sistema operativo Windows para PC clientes como canal de distribuição para garantir a si própria uma vantagem concorrencial considerável no mercado dos leitores multimédia (considerando 979 da decisão impugnada);

–        devido à venda ligada em causa, os concorrentes da Microsoft encontram‑se, a priori, numa posição desvantajosa, mesmo que os seus produtos tenham qualidades intrínsecas superiores às do Windows Media Player (mesmo considerando);

–        a Microsoft falseia o processo normal da concorrência de que os consumidores tirariam proveito pelo facto de esse processo normal tornar possível a existência de ciclos de inovação mais rápidos sujeitos a uma concorrência sem entraves baseada no mérito (considerando 980 da decisão impugnada);

–        a venda ligada em causa reforça os obstáculos ao acesso ao mercado dos conteúdos e das aplicações, que protegem o Windows, e facilita o aparecimento desses obstáculos em benefício do Windows Media Player (mesmo considerando);

–        a Microsoft protege‑se da concorrência efectiva que lhe podiam fazer os editores de leitores multimédia potencialmente mais eficientes e reduz, desse modo, os talentos e o capital investidos na inovação em matéria de leitores multimédia (considerando 981 da decisão impugnada);

–        através da venda ligada em causa, a Microsoft pode estender a sua posição aos mercados de software multimédia adjacentes e enfraquecer a concorrência efectiva nesses mercados, em detrimento dos consumidores (considerando 982 da decisão impugnada);

–        através da venda ligada em causa, a Microsoft transmite uma mensagem de desencorajamento à inovação em todas as tecnologias pelas quais possa um dia interessar‑se e que possa acoplar ao Windows no futuro (considerando 983 da decisão impugnada).

1089 Consequentemente, era legítimo que a Comissão, no considerando 984 da decisão impugnada, concluísse pela existência de um risco significativo de que a venda ligada do Windows e do Windows Media Player conduzisse a um enfraquecimento da concorrência tal que a manutenção de uma estrutura de concorrência efectiva deixasse de estar assegurada num futuro próximo. Há que esclarecer que a Comissão não declarou que a venda ligada levaria à eliminação de toda e qualquer concorrência no mercado dos leitores multimédia de recepção contínua. O argumento da Microsoft segundo o qual, vários anos depois de o abuso em causa se ter iniciado, vários leitores multimédia terceiros se mantinham no mercado não contraria, portanto, a tese da Comissão.

1090 Resulta de tudo quanto foi exposto que a Microsoft não invocou nenhum argumento susceptível de pôr em causa a correcção das conclusões a que a Comissão chegou na decisão impugnada no que diz respeito ao requisito relativo à restrição da concorrência. Por conseguinte, deve concluir‑se que a Comissão fez prova bastante de que esse requisito se encontra preenchido no caso em apreço.

e)     Quanto à falta de justificação objectiva

 Decisão impugnada

1091 Nos considerandos 955 a 970 da decisão impugnada, a Comissão examina a argumentação da Microsoft segundo a qual a venda ligada em causa gerou ganhos de eficiência susceptíveis de compensar os efeitos anticoncorrenciais identificados.

1092 Em primeiro lugar, a Comissão rejeita o argumento da Microsoft de que essa venda ligada gerou ganhos de eficiência ligados à distribuição (considerandos 956 a 961 da decisão impugnada).

1093 A este respeito, antes de mais, a Comissão considera que a Microsoft não pode alegar que o facto de uma série de opções serem definidas por defeito num computador «pronto a usar» apresente vantagens para os consumidores em termos de ganho de tempo e de diminuição dos riscos de confusão. Segundo a Comissão, a Microsoft confunde, assim, «a vantagem que os consumidores obtêm com a compra de um leitor multimédia pré‑instalado no sistema operativo para PC clientes e o interesse em que seja a Microsoft a escolher o leitor multimédia em vez deles» (considerando 956 da decisão impugnada).

1094 Em seguida, a Comissão insiste no papel dos fabricantes de equipamentos originais, nomeadamente, no facto de personalizarem os PC clientes tanto no que diz respeito ao hardware como ao software para os diferenciar dos produtos concorrentes e responder à procura dos consumidores. Refere que «[o] mercado reagiria, assim, aos ganhos de eficiência associados à compra de um pacote completo [que incluísse] hardware, sistema operativo e software de aplicação como leitores multimédia e, além disso, poderia ser livremente oferecida a variedade de produtos correspondente ao que os consumidores procuram» (considerando 957 da decisão impugnada). Estes últimos poderiam escolher, entre os conjuntos de sistemas operativos para PC clientes e de leitores multimédia propostos pelos fabricantes de equipamentos originais, os que mais lhes conviessem.

1095 Por outro lado, a Comissão considera que a Microsoft também não pode alegar que a poupança decorrente da venda ligada de dois produtos permite guardar recursos financeiros que, de outro modo, seriam consagrados à manutenção de um sistema de distribuição para o segundo produto e que as referidas poupanças se repercutiriam nos consumidores, «que não teriam de suportar o custo de uma segunda compra, incluindo a escolha e a instalação desse produto» (considerando 958 da decisão impugnada). Contrapõe, nomeadamente, o facto de as despesas de distribuição ligadas à concessão de licenças sobre software serem reduzidas à importância da escolha dos consumidores e da inovação no que diz respeito ao software como os leitores multimédia.

1096 Por último, a Comissão rejeita a alegação da Microsoft segundo a qual, ao proibir a venda ligada em causa, a Comissão a coloca numa situação desvantajosa em relação à maioria dos seus concorrentes, que fornecem os seus sistemas operativos juntamente com funcionalidades multimédia. A este respeito, refere, por um lado, que a decisão impugnada não impede a Microsoft de celebrar acordos com os fabricantes de equipamentos originais para obter a pré‑instalação do sistema operativo Windows e de um leitor multimédia – eventualmente o Windows Media Player – nos PC clientes para responder à procura dos consumidores. Salienta que «o que é abusivo é o facto de a Microsoft impor invariavelmente o seu próprio leitor através da venda ligada» (considerando 959 da decisão impugnada). Acrescenta que a Microsoft não leva em conta o facto de as vendas ligadas não terem os mesmos efeitos no mercado sendo praticadas por uma empresa em posição dominante ou por uma empresa que não detenha essa posição. Por outro lado, recorda que uma empresa em posição dominante pode ser privada do direito de adoptar comportamentos que não seriam condenáveis se fossem adoptados por empresas não dominantes.

1097 Em segundo lugar, a Comissão rejeita o argumento da Microsoft segundo o qual a venda ligada em causa gerou ganhos de eficiência relacionados com o facto de o Windows Media Player constituir uma plataforma para o conteúdo e as aplicações (considerandos 962 a 969 da decisão impugnada).

1098 A este respeito, alega, no essencial, que a Microsoft não apresentou elementos probatórios que demonstrassem que a integração do Windows Media Player no Windows aumentava o desempenho do produto no plano técnico, nem, mais genericamente, que a venda ligada em causa era indispensável para que os efeitos favoráveis à concorrência que invoca pudessem verificar‑se. Refere, nomeadamente, que a Microsoft não alegou nem demonstrou que os criadores de software não teriam tido a possibilidade de desenvolver aplicações se o Windows Media Player tivesse sido distribuído independentemente do sistema operativo Windows para PC clientes (considerando 965 da decisão impugnada).

1099 A Comissão refere igualmente que o facto de leitores multimédia de diferentes marcas poderem funcionar com o Windows contribuiu de modo notável para a difusão da tecnologia multimédia de recepção contínua e para o desenvolvimento daí resultante para uma enorme quantidade de aplicações multimédia (considerando 966 da decisão impugnada).

1100 Em terceiro lugar, a Comissão conclui, no considerando 970 da decisão impugnada, que a Microsoft não fez prova bastante de que a venda ligada em causa era objectivamente justificada por efeitos favoráveis à concorrência que compensavam o entrave à concorrência que essa prática criava. Salienta que as vantagens que a Microsoft afirma resultarem da venda ligada podiam obter‑se sem ela. Acrescenta que as outras vantagens invocadas pela Microsoft são essencialmente ganhos em rentabilidade para ela própria e não têm comparação possível com os efeitos anticoncorrenciais da referida venda ligada.

1101 Nos considerandos 1026 a 1042 da decisão impugnada, a Comissão examina os argumentos da Microsoft relativos aos alegados laços de interdependência entre o Windows e o Windows Media Player, bem como aos alegados laços de interdependência entre o Windows e as aplicações desenvolvidas por terceiros.

 Argumentos das partes

1102 A título de introdução à argumentação que desenvolve no âmbito da problemática da venda ligada do Windows e do Windows Media Player, a Microsoft formula uma série de observações de natureza factual.

1103 Assim, em primeiro lugar, alega que a integração de novas funcionalidades, de modo geral, nas sucessivas versões do seu sistema operativo Windows para PC clientes apresenta vantagens para os criadores de software, os fabricantes de equipamentos originais e os consumidores.

1104 Relativamente aos criadores de software, a Microsoft refere, antes de mais, que o sistema operativo Windows para PC clientes fornece uma plataforma estável e bem definida para o desenvolvimento de software. A integração de novas funcionalidades nesse sistema permite desenvolver mais fácil e rapidamente software que funcione com ele. A possibilidade de os criadores de software utilizarem as funcionalidades oferecidas pelo Windows permite‑lhes reduzir o número de funcionalidades a conceber, a desenvolver e a testar nos seus próprios produtos, bem como o seu tamanho global. Por último, refere que, quanto menos códigos de software uma aplicação contiver, menor é o risco de funcionar mal e precisar de assistência técnica.

1105 No que diz respeito aos fabricantes de equipamentos originais, a Microsoft refere que «contam com o acrescento de funcionalidades ao Windows para criarem PC que agradem aos consumidores e que permitam a concepção de novas aplicações interessantes».

1106 Relativamente aos consumidores, têm a expectativa de que o Windows seja continuamente aperfeiçoado. Além disso, os novos utilizadores de PC, em particular aqueles cujos conhecimentos técnicos são limitados, desejam que os PC sejam fáceis de configurar e utilizar.

1107 Em segundo lugar, a Microsoft descreve as vantagens mais especificamente decorrentes da integração de uma funcionalidade multimédia no Windows. A este respeito, antes de mais, alega que as aplicações de terceiros podem fazer apelo a essa funcionalidade, o que facilita a inclusão de conteúdos de som e imagem pelos criadores de software nos seus produtos. A presença uniforme da funcionalidade multimédia no Windows, oferecida aos criadores de software através dos API publicados, encorajou a criação de numerosas aplicações associadas a esses conteúdos. Em seguida, sustenta que a funcionalidade multimédia do Windows oferece uma série de funções, como a leitura de CD áudio e de DVD vídeo e a descarga de música da Internet, que são procuradas pelos consumidores e contribuem para aumentar as vendas de PC clientes. Por último, alega que a existência de uma funcionalidade multimédia no Windows torna os PC mais atractivos e mais fáceis de utilizar para os consumidores.

1108 A Microsoft refere que a principal justificação que invoca para o seu comportamento reside no facto de a integração de novas funcionalidades nos sistemas operativos em resposta à evolução tecnológica e à evolução da procura dos consumidores ser um elemento chave da concorrência no sector desses sistemas e ter servido a indústria durante mais de 20 anos. Alega que a integração da capacidade de difusão em contínuo no Windows constitui uma das vertentes do seu «modelo comercial de sucesso» e contribuiu para a utilização acrescida do multimédia digital. Apoiada neste ponto pela DMDsecure e o. e pela Exor, alega que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação pelo facto de não ter levado suficientemente em consideração as vantagens reais que resultam da integração de novas funcionalidades no sistema operativo Windows.

1109 Para sustentar a argumentação exposta no número anterior, a Microsoft desenvolve três séries de considerações.

1110 Em primeiro lugar, a Microsoft, apoiada pela DMDsecure e o., pela TeamSystem, pela Mamut e pela Exor, alega que a integração de uma funcionalidade multimédia no Windows é indispensável para permitir aos criadores de software e aos criadores de páginas Internet utilizar eficazmente a plataforma «estável e bem definida» Windows. Fazendo apelo a essa funcionalidade, podem facilmente incluir conteúdos de som e imagem nos seus produtos e não precisam, assim, de conceber e desenvolver o código de software complexo necessário para ler esse conteúdo, o que lhes permite concentrarem‑se no aperfeiçoamento das características dos seus produtos.

1111 A Microsoft refuta a alegação da Comissão, que consta do considerando 1031 da decisão impugnada, segundo a qual pouco importa que a funcionalidade multimédia acoplada ao Windows seja fornecida pela Microsoft ou por um terceiro, uma vez que é possível redistribuir o código de software que fornece essa funcionalidade ou usar uma funcionalidade fornecida por leitores multimédia terceiros. Alega que se os criadores de software não dispusessem de uma plataforma uniforme que fornecesse um conjunto fiável de serviços de sistema, seriam obrigados a determinar, em cada caso concreto, quais as funcionalidades presentes na versão do Windows instalada no PC de um determinado cliente e, em seguida, sendo caso disso, a fornecer as funcionalidades que faltassem. Isto tornaria as aplicações mais pesadas e mais complexas e, por conseguinte, aumentaria o respectivo custo de desenvolvimento, de experimentação e de assistência.

1112 A Microsoft, apoiada neste ponto pela Exor, refere que acrescentar componentes ao Windows peça a peça pode criar conflitos entre as diferentes versões desses componentes, o que provoca disfunções no Windows ou na aplicação instalada.

1113 A Microsoft alega igualmente que, no que diz respeito às aplicações «que já são amplamente utilizadas», não está disponível nenhum mecanismo para garantir a distribuição dos componentes do Windows em que assentam para obter a funcionalidade multimédia. Essas aplicações deixariam de funcionar correctamente com uma versão do Windows sem o Windows Media Player. Acrescenta que a funcionalidade multimédia do Windows não é «fungível», de modo que uma aplicação concebida para fazer apelo a essa funcionalidade não pode fazer apelo a uma funcionalidade semelhante fornecida por um leitor multimédia concorrente, a não ser que seja substancialmente modificada.

1114 Por outro lado, a Microsoft contesta a afirmação da Comissão segundo a qual os leitores multimédia concorrentes podem substituir o Windows Media Player numa grande parte das suas funcionalidades. Alega, nomeadamente, que a Comissão não demonstra que um qualquer terceiro decidirá oferecer uma «funcionalidade alternativa para a funcionalidade multimédia integrada no Windows no seu todo».

1115 Segundo a Microsoft, o facto de a funcionalidade multimédia não se encontrar em algumas cópias do Windows será igualmente prejudicial para os criadores de páginas Internet, que se baseiam nela para difundir conteúdos de som e imagem. Alega que, se deixarem de poder contar com a presença uniforme de uma funcionalidade multimédia no Windows, terão de integrar nos seus produtos mecanismos para detectar a presença da funcionalidade multimédia necessária e, se esta não existir, para descarregar o código de software necessário para o PC do utilizador.

1116 Por último, na réplica, a Microsoft contesta a afirmação da Comissão segundo a qual a vantagem resultante da integração de uma funcionalidade multimédia uniforme no Windows não pode constituir uma justificação válida para o direito comunitário. Por um lado, com efeito, a Comissão, quando procede à aplicação do artigo 82.° CE, não pode deixar de levar em consideração as vantagens resultantes do comportamento considerado abusivo. Por outro, não é correcto afirmar que a normalização que é operada no caso em apreço não é o resultado de um processo concorrencial.

1117 Em segundo lugar, a Microsoft sustenta que a integração da funcionalidade multimédia no Windows é indispensável para beneficiar de «outras vantagens».

1118 Explica, a este respeito, que o Windows é composto de um grande número de blocos de códigos de software especializados que desempenham funções específicas. Para evitar reproduzir a mesma funcionalidade em cada um dos blocos, blocos especiais de códigos de software – os «componentes» – solicitam‑se reciprocamente para desempenhar tarefas específicas. Assim, um único componente pode ser utilizado para desempenhar várias funções. Por exemplo, um componente que difunde conteúdos pode ser utilizado tanto pelo «sistema de ajuda» do Windows como pelo sistema de leitura de texto em alta voz que torna o Windows mais acessível aos invisuais. Este método de concepção de software, denominado «componentização», baseia‑se na interdependência dos componentes, de modo que se um deles for suprimido, vários outros componentes entram em disfunção. Assim, vários elementos do Windows XP, nomeadamente o sistema de ajuda, não funcionariam se a funcionalidade multimédia fosse retirada do sistema operativo. Além disso, tendo em conta a interdependência dos componentes, a Microsoft não podia desenvolver outras partes do Windows que precisam de fazer apelo à funcionalidade multimédia se não tivesse a certeza de que esta se encontra em todos os PC cliente Windows. Os fabricantes de computadores não devem, por conseguinte, poder retirar livremente componentes do Windows, em particular os que disponibilizam a funcionalidade multimédia.

1119 Na réplica, a Microsoft nega nunca ter alegado que a integração do leitor Windows Media Player no Windows gerava ganhos de eficiência técnica. Alega ter explicado detalhadamente as razões pelas quais era «tecnicamente eficiente incluir uma funcionalidade multimédia no Windows a que podem fazer apelo tanto as outras partes do sistema operativo como as aplicações que funcionam a montante do sistema operativo». A Microsoft acrescenta que o facto de numerosos criadores de software escolherem livremente fazer apelo à funcionalidade multimédia do Windows é, por si só, a prova de que a «integração uniforme» dessa funcionalidade gerou ganhos de eficiência técnica. Por último, alega ter demonstrado, no procedimento administrativo, que o Windows funcionava «mais rapidamente» quando essa funcionalidade estava integrada no sistema.

1120 Em terceiro lugar, a Microsoft alega que a execução da medida correctiva prevista no artigo 6.°, alínea a), da decisão impugnada terá determinadas consequências prejudiciais.

1121 A este respeito, por um lado, alega que o facto de retirar certos componentes do conjunto constituído pelo Windows e o Windows Media Player causaria uma degradação do sistema operativo, em particular quando se trate de componentes utilizados para fornecer serviços de base, como a capacidade de ler conteúdos de som e imagem.

1122 Por outro lado, a Microsoft refere que, se a decisão impugnada se tornar um precedente que se oporá a que, no futuro, proceda a outras integrações no seu sistema operativo Windows, tornar‑se‑á rapidamente impossível conceber, desenvolver e testar esse sistema. Para cada bloco de códigos de software que poderia ser suprimido, deparar‑se‑ia com um aumento exponencial do seu workload. Assim, por exemplo, se a Comissão decidisse aplicar a um segundo bloco de códigos de software os mesmos princípios que os consagrados na decisão impugnada, a Microsoft teria de disponibilizar quatro versões diferentes do Windows. Segundo a Microsoft, devido a essa «fragmentação», não seria possível saber se uma determinada cópia dos sistemas operativos continha as funcionalidades a que os criadores de software, os fabricantes de periféricos ou os utilizadores desejariam fazer apelo. Isso conduziria a que houvesse uma ou mesmo várias versões do Windows por fabricante de computadores, oferecendo cada uma um conjunto diferente de funcionalidades. A longo prazo, o facto de poder suprimir funcionalidades do Windows reduziria a escolha dos consumidores, uma vez que estes últimos se encontrariam vinculados a determinadas marcas de PC clientes que executariam versões específicas do Windows, sem ter a garantia de que as aplicações, como os programas gráficos, funcionariam noutras versões do Windows. Tornar‑se‑ia também muito mais difícil misturar e fazer funcionar em conjunto diferentes marcas de PC clientes dentro de uma mesma rede informática. Segundo a Microsoft, a única maneira de evitar essa «fragmentação» é «congelar» a versão actual do Windows.

1123 A Comissão rejeita, antes de mais, as observações de natureza factual formuladas pela Microsoft. Alega, nomeadamente, que as afirmações genéricas desta última relativas às vantagens que representa a integração, nos sistemas operativos para PC clientes, de novas funcionalidades, sem qualquer relação com o Windows Media Player, são totalmente irrelevantes.

1124 Em seguida, a Comissão, apoiada pela SIIA, alega que a Microsoft não demonstrou que o comportamento que lhe foi imputado é objectivamente justificado.

1125 A este respeito, em primeiro lugar, recorda que, nos considerandos 955 a 970 da decisão impugnada, rejeitou os argumentos da Microsoft segundo os quais a venda ligada em questão gerava aumentos de eficiência susceptíveis de compensar os efeitos anticoncorrenciais identificados. Mais especificamente, quanto aos alegados ganhos de eficiência ligados à distribuição, refere que os argumentos da Microsoft assentam numa confusão entre «a vantagem que os consumidores obtêm com a compra de um leitor multimédia pré‑instalado no sistema operativo para PC clientes e o interesse em que seja a Microsoft a escolher o leitor multimédia em vez deles». A Comissão, remetendo para o considerando 962 da decisão impugnada, acrescenta que a Microsoft não invocou nenhum ganho de eficiência técnica do qual a integração do Windows Media Player no Windows fosse a condição prévia. Observa que a alegação da Microsoft, formulada pela primeira vez na fase da réplica, segundo a qual o Windows funciona mais rapidamente quando tem uma funcionalidade multimédia integrada não está alicerçada no mínimo elemento probatório. Por último, afirma que, através da venda ligada em causa, a Microsoft se protege da concorrência efectiva que poderiam fazer‑lhe editores de leitores multimédia potencialmente mais eficientes e capazes de disputar o seu lugar. Deste modo, a Microsoft reduz os talentos e o capital investidos na inovação em matéria de leitores multimédia e reduz o seu próprio incentivo à inovação neste domínio.

1126 Em segundo lugar, a Comissão examina as três séries de considerações formuladas pela Microsoft.

1127 Em primeiro lugar, a Comissão refere que os leitores multimédia apresentam características quer de aplicação quer de plataforma de software. Por outras palavras, segundo a Comissão, apesar de se basearem no sistema operativo para PC cliente, podem, por sua vez, servir de base a outras aplicações. Refere que os leitores multimédia oferecem os seus serviços de plataforma independentemente de estarem ou não ligados a um sistema operativo para PC.

1128 A Comissão alega que a vantagem que a venda ligada em causa oferece aos criadores de software e aos fornecedores de conteúdos consiste em permitir‑lhes evitar os «esforços inerentes à concorrência», o que não pode constituir uma justificação válida para o direito comunitário da concorrência. Com efeito, os criadores de software e os fornecedores de conteúdos que baseiam os seus produtos na plataforma o Windows Media Player não precisam, devido à venda ligada desse leitor com o sistema operativo «monopolisticamente omnipresente» Windows, de convencer os utilizadores a instalar o referido leitor. Em contrapartida, os que baseiam os seus produtos numa plataforma de leitores multimédia terceiros prevêem normalmente meios de incentivar os utilizadores a instalar nos seus computadores o leitor multimédia necessário, por exemplo incluindo ligações para fazer a respectiva descarga da Internet.

1129 A Comissão acrescenta que a venda ligada em causa tem o efeito de aumentar os custos suportados pelos editores de leitores multimédia concorrentes e pelos criadores de software terceiros que se baseiam nesses leitores para convencer os utilizadores a instalar os referidos leitores multimédia, uma vez que «os concorrentes têm de bater os factores dissuasivos criados pela presença automática do Windows Media Player para obterem a instalação de um leitor multimédia diferente mas com características essencialmente idênticas (os custos de formação, de assistência e de armazenamento são exemplos desses factores dissuasivos)».

1130 A Comissão considera igualmente que a argumentação da Microsoft relativa à plataforma uniforme equivale a afirmar que esta última devia ser autorizada a alargar o monopólio do Windows ligando‑o a outros produtos de software pelo simples facto de estes produtos também oferecerem capacidades de plataforma aos criadores terceiros. Refere que a Microsoft alega essencialmente que a integração do Windows Media Player no Windows conduz a uma padronização de facto e que isso constitui uma vantagem para os terceiros, uma vez que sabem que esse leitor estará sempre presente nesse sistema. Ora, a padronização não pode ser unilateralmente imposta por uma empresa dominante através de vendas ligadas (considerando 969 da decisão impugnada).

1131 Por outro lado, a Comissão afirma que, apesar de o código de software não ser completamente fungível (v. n.° 1113, supra), não é menos verdade que os leitores multimédia concorrentes podem substituir o Windows Media Player relativamente a grande parte das suas funcionalidades. Relativamente às outras funcionalidades, os editores de leitores multimédia concorrentes podem optar por não as implementar actualmente por saberem que estão disponíveis no Windows Media Player. Todavia, isso não os impede de desenvolver essas funcionalidades imediatamente depois da execução da medida correctiva para tirar proveito da versão desacoplada do Windows e responder à procura dos criadores de software.

1132 Na tréplica, a Comissão esclarece que nunca afirmou que os leitores multimédia terceiros eram «substitutos perfeitos» da funcionalidade multimédia do Windows. Na decisão impugnada, apenas referiu que os leitores multimédia terceiros acrescentados a uma versão desacoplada do Windows podiam em grande medida «substituir características» do Windows Media Player. Observa que os leitores multimédia que permitem uma recepção contínua entram em concorrência com base num certo número de parâmetros, como a qualidade da difusão, o modo de organização dos conteúdos e o formato em que o ficheiro é fornecido.

1133 Por último, a Comissão contesta a afirmação da Microsoft segundo a qual certas aplicações deixarão de funcionar correctamente quando forem utilizadas com a versão do Windows imposta pelo artigo 6.°, alínea a), da decisão impugnada. Por outro lado, remetendo para o exemplo mencionado no considerando 1038 da decisão impugnada, esclarece que as páginas Internet profissionais incluem normalmente mecanismos que detectam automaticamente a falta dos componentes exigidos para abrir uma página Internet e permitem a respectiva descarga. Na tréplica, acrescenta que os criadores que baseiam os seus produtos no Windows Media Player dispõem, de qualquer forma, de vários meios para fazer face à possibilidade de um utilizador de PC não ter esse leitor instalado.

1134 Em segundo lugar, a Comissão rejeita os argumentos que a Microsoft baseia na componentização.

1135 Alega, antes de mais, que esses argumentos são totalmente abstractos, uma vez que a Microsoft refere, nomeadamente, de modo geral, o conceito de funcionalidade multimédia. Reitera que a medida correctiva prevista no artigo 6.°, alínea a), da decisão impugnada não afecta a funcionalidade multimédia de base do Windows.

1136 Em seguida, a Comissão alega que os ficheiros que constituem o Windows Media Player que devem ser suprimidos nos termos da decisão impugnada foram claramente identificados pela Microsoft. Faz referência, a este respeito, a uma carta de 13 de Setembro de 2004 que lhe foi enviada pelo Sr. Heiner, um funcionário da Microsoft, e considera que esta última não pode alegar que não é «tecnicamente viável» conceber uma versão desacoplada do Windows.

1137 Por outro lado, a Comissão recorda que a decisão impugnada impõe à Microsoft que conceba e proponha uma versão do Windows que não seja acoplada ao Windows Media Player que funcione correctamente e seja de boa qualidade. Salienta que essa decisão não impede a Microsoft de continuar a oferecer uma versão do Windows acoplada com o Windows Media Player «em conformidade com o seu actual método de concepção de software».

1138 Por último, a Comissão refere que a Microsoft dá um único exemplo de «interdependência dos componentes», concretamente, o sistema de ajuda do Windows XP. Afirma que esse sistema de ajuda, na medida em que se baseia em som ou imagem, assenta numa infra‑estrutura multimédia que se manterá na versão do Windows não acoplada com o Windows Media Player. Por conseguinte, funciona correctamente, independentemente da presença desse leitor multimédia, como demonstra um relatório de teste realizado pela RealNetworks no âmbito do processo de medidas provisórias. Quanto à alegação da Microsoft segundo a qual numerosos outros elementos do Windows XP deixarão de funcionar se a funcionalidade multimédia for retirada do conjunto constituído pelo Windows e pelo Windows Media Player, de modo nenhum está fundamentada.

1139 A Comissão acrescenta que analisou pormenorizadamente, nos considerandos 1026 a 1042 da decisão impugnada, a questão das alegadas interdependências entre o Windows e o Windows Media Player. Recorda que concluiu que era evidente que, se esse leitor multimédia fosse retirado do Windows, algumas das funcionalidades que normalmente são disponibilizadas por esse sistema deixariam de estar presentes (considerando 1033 da decisão impugnada). Todavia, isso não significa que o sistema operativo deixaria de funcionar correctamente ou que o produto «se degradaria». Acrescenta que o exemplo do Windows XP Embedded demonstra que é tecnicamente possível que o Windows funcione sem as capacidades multimédia se o código for suprimido de um modo que não leve a que o sistema operativo deixe de funcionar (considerandos 1028 a 1030 da decisão impugnada).

1140 Em terceiro lugar, a Comissão considera que os argumentos invocados pela Microsoft a respeito dos efeitos negativos futuros da medida correctiva prevista no artigo 6.°, alínea a), da decisão impugnada são hipotéticos, conjecturais e completamente irrelevantes.

1141 Recorda, antes de mais, que, nos termos da decisão impugnada, a Microsoft conserva o direito de continuar a oferecer a versão ligada do Windows.

1142 Em seguida, apoiada neste ponto pela SIIA, refere que a Microsoft já comercializa várias versões diferentes do seu sistema operativo para PC clientes que não são todas intercambiáveis, como o Windows 98, o Windows 2000, o Windows Millennium Edition, o Windows NT e o Windows XP. Estas diferentes versões do Windows não executam as mesmas aplicações.

1143 A Comissão rejeita, por último, a afirmação da Microsoft segundo a qual teria de «congelar» o Windows na sua versão actual. Sustenta que a medida correctiva prevista no artigo 6.°, alínea a), da decisão impugnada preserva inteiramente o incentivo da Microsoft à inovação, tanto no mercado dos leitores multimédia como no dos sistemas operativos para PC clientes, e que essa medida permite que os consumidores exerçam a sua opção em função do mérito dos produtos. A Comissão, apoiada sobre neste ponto pela Audiobanner.com, alega que, na realidade, é a venda ligada em causa que desencoraja a inovação, em particular no mercado dos leitores multimédia (considerando 981 da decisão impugnada). Além disso, essa prática desencoraja os investimentos em todas as tecnologias pelas quais a Microsoft possa vir, um dia, a interessar‑se (considerando 983 da decisão impugnada).

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

1144 Há que recordar, a título preliminar, que, embora o ónus da prova da existência das circunstâncias constitutivas de uma violação do artigo 82.° CE caiba à Comissão, é à empresa dominante em causa e não à Comissão que incumbe, sendo caso disso, antes do fim do procedimento administrativo, invocar uma eventual justificação objectiva e apresentar argumentos e elementos de prova a esse respeito. Em seguida, compete à Comissão, se pretender concluir pela existência de um abuso de posição dominante, demonstrar que os argumentos e os elementos de prova invocados pela referida empresa não procedem e que, por conseguinte, a justificação apresentada não pode ser acolhida.

1145 Nos seus articulados, a Microsoft invoca, no essencial, duas séries de argumentos para justificar o seu comportamento, que reproduzem em grande parte os que alegou para o mesmo efeito no procedimento administrativo e que foram analisados e acertadamente rejeitados pela Comissão nos considerandos 955 a 970 e 1026 a 1042 da decisão impugnada, como resulta dos números que se seguem.

1146 Por um lado, a Microsoft acusa a Comissão de não ter levado em consideração as vantagens decorrentes do seu modelo comercial, que implica a integração contínua de novas funcionalidades no Windows. Neste contexto, alega, mais especificamente, que a integração de uma funcionalidade multimédia no Windows é indispensável para que os criadores de software e os criadores de sítios Internet possam continuar a beneficiar das significativas vantagens oferecidas pelas plataforma «estável e bem definida» Windows.

1147 Por outro, a Microsoft alega que, se a funcionalidade multimédia fosse retirada do conjunto constituído pelo Windows e pelo Windows Media Player, isso criaria uma série de problemas aos consumidores, aos criadores de software e aos criadores de sítios Internet. Invoca, nomeadamente, o facto de o seu sistema operativo Windows se basear no método dito «de componentização» (v. n.° 1118, supra) e alega que a supressão da referida funcionalidade levaria a uma degradação e a uma «fragmentações» desse sistema.

1148 Relativamente à primeira série de argumentos invocados pela Microsoft, há que recordar, antes de mais, o exacto alcance do abuso imputado à Microsoft no artigo 2.°, alínea b), da decisão impugnada, bem como da medida correctiva prevista no artigo 6.°, alínea a), da mesma decisão.

1149 O que a Comissão censura à Microsoft, na decisão impugnada, não é o facto, em si, de esta última integrar o Windows Media Player no Windows, mas sim o facto de oferecer exclusivamente no mercado uma versão do Windows em que o Windows Media Player está integrado, concretamente, o facto de não permitir que os fabricantes de equipamentos originais e os consumidores obtenham o Windows sem o Windows Media Player ou, pelo menos, possam retirar esse leitor do conjunto constituído pelo Windows e pelo Windows Media Player. Assim, o artigo 6.°, alínea a), da decisão impugnada, embora imponha à Microsoft que comercialize «uma versão completamente operacional do seu sistema operativo Windows para PC clientes que não integre o Windows Media Player», afirma, todavia, expressamente que «[a] Microsoft [...] mantém o direito de oferecer o seu sistema operativo Windows para PC clientes juntamente com o Windows Media Player» (v., no mesmo sentido, considerandos 1011 e 1023 da decisão impugnada).

1150 Assim, a Comissão não põe em causa o modelo comercial da Microsoft na medida em que este inclui a integração de um leitor multimédia de recepção contínua no seu sistema operativo para PC clientes nem a possibilidade de esta última proporcionar aos criadores de software e aos criadores de páginas Internet as vantagens oferecidas pela plataforma «estável e bem definida» Windows. A Comissão critica o facto de a Microsoft não comercializar simultaneamente com a versão do Windows correspondente ao seu modelo comercial uma versão desse sistema sem o Windows Media Player, o que permitiria, assim, se fosse caso disso, que os fabricantes de equipamentos originais ou os utilizadores finais instalassem no PC cliente como primeiro leitor multimédia de recepção contínua o produto da sua escolha.

1151 Em seguida, o Tribunal considera que a Microsoft não pode invocar a seu favor o facto de a venda ligada em causa garantir a presença uniforme de uma funcionalidade multimédia no Windows, o que permite que os criadores de software e os criadores de páginas Internet não tenham de incluir nos seus produtos determinados mecanismos destinados a verificar qual é o leitor multimédia que se encontra instalado em determinado PC cliente e instalem, sendo caso disso, a funcionalidade que se impõe (v. n.os 1107, 1111 e 1115, supra). Com efeito, o facto de, graças a essa venda ligada, os criadores de software e os criadores de páginas Internet terem a garantia de que o Windows Media Player se encontra na quase totalidade dos PC clientes no mundo é precisamente uma das razões principais pelas quais a Comissão considerou, acertadamente, que a referida venda ligada levava à exclusão dos leitores multimédia concorrentes do mercado. Embora a presença uniforme invocada pela Microsoft tenha eventualmente vantagens para esses operadores, essa circunstância não basta para compensar os efeitos anticoncorrenciais produzidos pela venda ligada em causa.

1152 Como refere acertadamente a Comissão (v. n.° 1130, supra), esse argumento da Microsoft equivale, na verdade, a sustentar que a integração do Windows Media Player no Windows e a comercialização do Windows apenas nessa modalidade levam a uma padronização de facto da plataforma o Windows Media Player, o que tem efeitos benéficos no mercado. Embora, de um modo geral, a padronização possa efectivamente apresentar algumas vantagens, não se pode, todavia admitir que seja imposta unilateralmente por uma empresa em posição dominante através de vendas ligadas.

1153 Há que acrescentar que não se pode excluir que os terceiros não queiram a padronização de facto preconizada pela Microsoft, preferindo que diferentes plataformas continuem a estar em concorrência entre si, na perspectiva de que isso estimulará a inovação ao nível dessas plataformas.

1154 Por outro lado, há que referir que, como observam acertadamente a Comissão e a SIIA, as outras vantagens invocadas pela Microsoft também poderiam ser obtidas sem o comportamento imputado à Microsoft.

1155 Assim, a procura pelos consumidores de um PC cliente «pronto a usar» que inclua, nomeadamente, um leitor multimédia de recepção contínua pode ser plenamente satisfeita pelos fabricantes de equipamentos originais, cuja actividade consiste precisamente em construir esses PC combinando, nomeadamente, um sistema operativo para PC clientes com as aplicações desejadas pelos consumidores (considerandos 68 e 119 da decisão impugnada). Há que acrescentar que a decisão impugnada não impede a Microsoft de continuar a oferecer a versão do Windows acoplada com o Windows Media Player aos consumidores que prefiram essa solução.

1156 No mesmo sentido, a Microsoft não pode invocar a seu favor o facto de os fabricantes de equipamentos originais «[contarem] com o acrescento de funcionalidades ao Windows para criarem PC que agradem aos consumidores e que permitam a concepção de novas aplicações interessantes». Os fabricantes de equipamentos originais, com efeito, têm a possibilidade de propor PC clientes com essas características pré‑instalando neles aplicações obtidas junto de criadores de software. Do mesmo modo, as funcionalidades oferecidas pelo Windows Media Player podem ser fornecidas pela Microsoft numa base autónoma, isto é, sem acoplar esse leitor ao seu sistema operativo Windows.

1157 A Microsoft também não pode alegar que a integração de uma funcionalidade multimédia no Windows é indispensável para permitir que os criadores de software e os criadores de sítios Internet utilizem eficazmente a plataforma o Windows e que não tenham que ser estes criadores a conceber os códigos de software necessários.

1158 Pelas razões expostas nos considerandos 962 a 967 da decisão impugnada, este argumento deve improceder. Deve recordar‑se, a este respeito, que os leitores multimédia que permitem uma recepção contínua – tanto o leitor Windows Media Player como os leitores concorrentes –, apesar de serem software de aplicação, difundem API, e também podem, consequentemente, servir de plataforma para aplicações de terceiros. Ora, não é necessário que um leitor multimédia de recepção contínua esteja integrado num sistema operativo para PC clientes para poder fornecer esses serviços de plataforma. Em particular, contrariamente ao que dá a entender a Microsoft, o facto de não ser feita essa integração não tem a consequência de os criadores de software terceiros terem de elaborar o código software necessário. Assim, como é referido no considerando 966 da decisão impugnada, um grande número de criadores de software e de fornecedores de conteúdos Internet desenvolvem os seus produtos com base nos API difundidos pelo leitor RealPlayer, e este não está integrado em nenhum sistema operativo para PC clientes. No mesmo sentido, importa referir que os criadores de software podem criar – e criam – aplicações destinadas a funcionar com o WMP 9, embora este não estivesse pré‑instalado no Windows (considerando 965 da decisão impugnada).

1159 Por último, o Tribunal observa que, como refere a Comissão tanto na decisão impugnada como nos seus articulados, a Microsoft não demonstra que a integração do Windows Media Player no Windows gere ganhos de eficiência técnica ou, por outras palavras, que «conduz[a] a um melhor desempenho técnico do produto» (considerando 962 da decisão impugnada).

1160 Na réplica, a Microsoft invoca, pela primeira vez, o facto de «o Windows funcionar mais rapidamente quando tem uma funcionalidade integrada». A este respeito, basta referir que esta alegação não foi fundamentada.

1161 Ainda na réplica, a Microsoft afirma que o facto de numerosos criadores de software escolherem livremente recorrer à funcionalidade multimédia do Windows demonstra que a «integração uniforme» dessa funcionalidade gera ganhos de eficiência técnica. Esta afirmação não deve ser acolhida. Por um lado, há que recordar que a decisão impugnada diz respeito ao leitor Windows Media Player e não à funcionalidade multimédia em geral. Por outro, o simples facto de os criadores de software se basearem no Windows Media Player não prova que a venda ligada tenha gerado ganhos de eficiência técnica.

1162 No que diz respeito à segunda série de argumentos invocados pela Microsoft, também devem ser afastados.

1163 A este respeito, antes de mais, a Microsoft não fez prova bastante de que as aplicações «que já são amplamente utilizadas» deixarão de funcionar correctamente quando forem executadas na versão do Windows sem o Windows Media Player.

1164 Em seguida, o Tribunal considera que a alegação da Microsoft segundo a qual a supressão da funcionalidade multimédia do conjunto constituído pelo Windows e pelo Windows Media Player afectará o funcionamento de determinados elementos do próprio sistema operativo Windows não tem fundamento. Os únicos exemplos que a Microsoft dá a este respeito, concretamente, o do sistema de ajuda e o do sistema de leitura de texto em alta voz contidos no Windows, não são convincentes. Com efeito, esses sistemas baseiam‑se na infra‑estrutura multimédia de base do sistema operativo Windows e não no Windows Media Player. Ora, como já foi referido no n.° 916 relativamente à problemática da venda ligada, o comportamento imputado à Microsoft diz apenas respeito ao software de aplicação que o leitor Windows Media Player constitui, com exclusão de qualquer outra tecnologia multimédia incluída no sistema operativo Windows para PC clientes, e a infra‑estrutura multimédia de base desse sistema mantém‑se presente na versão do Windows imposta pelo artigo 6.°, alínea a), da decisão impugnada. Também já foi referido, no n.° 916, que a própria Microsoft distingue, na sua documentação técnica, os ficheiros do Windows Media Player dos outros ficheiros multimédia, nomeadamente, os relativos à referida infra‑estrutura multimédia de base.

1165 Por outro lado, o Tribunal considera que a Microsoft também não pode sustentar que a supressão do Windows Media Player do conjunto constituído por esse leitor e pelo Windows causaria uma degradação do sistema operativo. Assim, o Windows XP Embedded pode ser configurado de modo a não incluir o Windows Media Player e isso não prejudica a integridade das outras funcionalidades do sistema operativo. Há que acrescentar que, durante todo o período compreendido entre Junho de 1998 e Maio de 1999, data em que a Microsoft integrou pela primeira vez o leitor WMP 6 no seu sistema operativo Windows para PC clientes sem permitir aos fabricantes de equipamentos originais nem aos utilizadores retirá‑lo sistema, o leitor multimédia de recepção contínua da Microsoft era oferecido como software de aplicação separadamente, e isso não afectava o funcionamento do sistema operativo Windows. Há que referir, além disso, que a Microsoft colocou no mercado, no cumprimento da medida correctiva prevista no artigo 6.°, alínea a), da decisão impugnada, uma versão do Windows que não inclui o Windows Media Player e que essa versão é plenamente funcional.

1166 Por último, deve igualmente ser rejeitado o argumento que a Microsoft extrai do risco de «fragmentação» do seu sistema operativo Windows (v. n.° 1122, supra). Por um lado, como salienta a Comissão na resposta, este argumento é hipotético e especulativo. Por outro, o mesmo argumento está em contradição com a própria prática comercial da Microsoft. Assim, nos últimos anos, a Microsoft colocou sucessivamente no mercado várias versões diferentes do seu sistema operativo Windows que não são todas intercambiáveis, concretamente, o Windows 98, o Windows 2000, o Windows Me, o Windows NT e o Windows XP. Além disso, relativamente, por exemplo, ao sistema Windows XP, existem sete versões distintas.

1167 Resulta de todas as considerações precedentes que a Microsoft não demonstrou a existência de qualquer justificação objectiva para a venda ligada abusiva do sistema operativo Windows para PC clientes com o Windows Media Player.

f)     Quanto à violação das obrigações impostas às Comunidades pelo Acordo ADPIC

 Decisão impugnada

1168 Nos considerandos 1049 a 1053 da decisão impugnada, a Comissão examina o argumento da Microsoft segundo o qual a medida destinada a corrigir a recusa abusiva de fornecimento viola as obrigações que incumbem à Comunidade por força do Acordo ADPIC, bem como o argumento segundo o qual a medida destinada a corrigir a venda ligada abusiva viola as obrigações que incumbem à Comunidade por força do Acordo da OMC sobre os Obstáculos Técnicos ao Comércio (OTC), de 15 de Abril de 1994 [anexo 1 A do Acordo que institui a OMC (a seguir «Acordo OTC»)].

1169 A Comissão alega, no essencial, que a decisão impugnada é totalmente compatível com as obrigações que lhe são impostas pelo Acordo ADPIC e pelo Acordo OTC (considerando 1052 da decisão impugnada).

1170 Acrescenta que, pelas razões expostas nos n.os 801 e 802, a Microsoft não pode invocar estes últimos acordos para pôr em causa a legalidade da decisão impugnada (considerando 1053 da decisão impugnada).

 Argumentos das partes

1171 A Microsoft alega que a decisão impugnada a obriga a desenvolver uma versão do seu sistema operativo Windows da qual seria retirada «quase toda» a funcionalidade multimédia e a oferecer esse «produto degradado», sob as marcas comerciais Microsoft e Windows, aos consumidores na Europa. Assim, essa decisão lesa os seus direitos de marca e os seus direitos de autor, duas categorias de direitos que as Comunidades estão legalmente obrigadas a proteger por força do Acordo ADPIC.

1172 Em primeiro lugar, relativamente aos seus direitos de marca, a Microsoft alega que a decisão impugnada tem o efeito de os limitar, em violação dos artigos 17.° e 20.° do acordo ADPIC. Esclarece que, segundo o artigo 17.° do acordo ADPIC, as excepções aos direitos conferidos por uma marca têm de ser limitadas e ter em conta os legítimos interesses do titular da marca e dos terceiros. Quanto ao artigo 20.° do acordo ADPIC, dispõe que a utilização de uma marca não poderá ser entravada de forma injustificável por exigências especiais, como «a utilização sob uma forma especial ou a utilização de um modo que a torne menos susceptível de distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas».

1173 Segundo a Microsoft, a Comissão, ao exigir que proponha mediante licença uma versão do Windows sem a funcionalidade multimédia, obriga‑a a apor a sua marca «mais preciosa» num produto que não concebeu e que sabe que não funcionará de modo desejável. Além disso, pode haver um risco de confusão entre essa versão do Windows e a que contém a funcionalidade multimédia. A Microsoft considera igualmente que a decisão impugnada lesa o seu direito de controlar a qualidade dos produtos nos quais a marca é aposta e repete, a este respeito, que a versão do Windows imposta pelo artigo 6.°, alínea a), da decisão impugnada afectará o funcionamento, por um lado, de uma série de elementos do próprio sistema operativo Windows e, por outro, de aplicações e de páginas Internet que recorrem à referida funcionalidade multimédia. A Microsoft considera que os «entraves» assim criados pela decisão impugnada não fazem parte do tipo de excepções «limitadas» previsto no artigo 17.° do Acordo ADPIC. Acrescenta que a obrigação que lhe é imposta de apor as suas marcas Windows e Microsoft em produtos de qualidade inferior sobre os quais não pode exercer o seu controlo de concepção está em contradição directa com seus próprios interesses, bem como com os dos consumidores e dos criadores de software terceiros.

1174 A Microsoft alega que foi violado o artigo 20.° do Acordo ADPIC na medida em que, apesar da existência de alternativas com o mesmo grau de eficácia, a Comissão a obriga a prejudicar a marca Windows de um modo que reduz o seu papel de indicador de origem e de qualidade, o que cria confusão no espírito dos consumidores e prejudica a «goodwill» dessa marca.

1175 Em segundo lugar, relativamente aos seus direitos de autor, a Microsoft alega que a decisão impugnada lesa os seus direitos exclusivos – protegidos pelo Acordo ADPIC – de autorizar que as suas obras sejam adaptadas, compostas ou sofram outras transformações, de autorizar a reprodução das suas obras, quaisquer que sejam o modo e a forma dessa reprodução, e de distribuir cópias do Windows ao público. Essa decisão obriga‑a, com efeito, a criar uma adaptação do Windows que não corresponde à sua própria concepção e constitui uma transformação substancial da sua obra protegida, bem como a conceder licenças para a utilização de cópias dessa «adaptação forçada da sua obra protegida». A Microsoft alega que a concessão obrigatória de licenças sobre uma obra protegida por direitos de autor só é autorizada pelo Acordo ADPIC nas condições previstas no artigo 13.° desse acordo, que não se encontram verificadas no caso em apreço.

1176 A título principal, a Comissão alega que a legalidade da decisão impugnada não pode ser fiscalizada à luz do Acordo ADPIC (v. n.° 789, supra).

1177 A título subsidiário, a Comissão sustenta que os argumentos apresentados pela Microsoft são, de qualquer forma, completamente infundados.

1178 A este respeito, em primeiro lugar, a Comissão rejeita os argumentos da Microsoft relativos aos seus direitos de marca.

1179 Antes de mais, alega que esses argumentos são dificilmente compreensíveis e que a Microsoft não esclarece se a alegada violação do Acordo ADPIC diz respeito ao abuso relativo à venda ligada referido na decisão impugnada ou à medida correctiva desse abuso.

1180 Em seguida, a Comissão refere que, nos termos do artigo 16.°, n.° 1, do Acordo ADPIC, o titular de uma marca registada tem o direito exclusivo de impedir que qualquer terceiro, sem o seu consentimento, utilize sinais idênticos ou semelhantes. Ora, a Microsoft não explica de que modo esse direito é afectado pela decisão impugnada nem em que medida a utilização das suas marcas poderia, por causa dessa decisão, ser entravada de forma injustificável por exigências especiais na acepção do artigo 20.° do Acordo ADPIC. Segundo a Comissão, o referido direito exclusivo foi, portanto, preservado no caso em apreço, do mesmo modo que a função da marca enquanto garantia da origem dos produtos.

1181 A Comissão acrescenta que a medida correctiva prevista no artigo 6.°, alínea a), da decisão impugnada de modo nenhum prejudica o direito da Microsoft de controlar a qualidade dos produtos nos quais a sua marca é aposta, uma vez que esta última conservará o «controlo total dos seus próprios produtos». Além disso, afirma que já refutou o argumento segundo o qual a versão do Windows não acoplada com o Windows Media Player é um produto de menor valor. Quanto ao risco de confusão invocado pela Microsoft, a Comissão alega, nomeadamente, que pode ser evitado com uma informação e uma rotulagem adequadas.

1182 Por último, a Comissão afirma que, mesmo admitindo que a decisão impugnada lese os direitos de marca da Microsoft, a disposição derrogatória que consta do artigo 17.° do Acordo ADPIC, conjugada com o artigo 8.°, n.° 2, e o artigo 40.°, n.° 2, desse acordo permitem pôr termo à infracção ao direito da concorrência identificada na decisão impugnada.

1183 Em segundo lugar, a Comissão rejeita os argumentos que a Microsoft baseia nos seus direitos de autor.

1184 A este respeito, antes de mais, salienta que a decisão impugnada não autoriza terceiros a adaptar ou reproduzir as obras da Microsoft protegidas pelos direitos de autor e considera que esta última não pode invocar um «direito à integridade», que é um direito moral e, como tal, não abrangido pelo Acordo ADPIC.

1185 Em seguida, no que diz respeito aos argumentos que a Microsoft baseia no artigo 13.° do Acordo ADPIC, a Comissão considera que não podem ser acolhidos. A este respeito, refere, nomeadamente, que a decisão impugnada trata de um «caso especial» na acepção desse artigo, na medida em que se aplica a «casos de venda ligada que constituem um abuso de posição dominante».

1186 Por último, a Comissão considera que, mesmo admitindo que a decisão impugnada lese os direitos de autor da Microsoft, a disposição derrogatória do artigo 13.° do Acordo ADPIC, conjugada com o artigo 8.°, n.° 2, e o artigo 40.°, n.° 2, do mesmo acordo permitem pôr termo à infracção ao direito da concorrência identificada na decisão impugnada.

1187 A SIIA subscreve, no essencial, os argumentos da Comissão.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

1188 O Tribunal verifica que a Microsoft põe em causa a legalidade da decisão impugnada pelo facto de ser contrária a várias disposições do Acordo ADPIC, nomeadamente aos artigos 13.°, 17.° e 20.° desse acordo.

1189 Ora, como já foi referido no n.° 801, de acordo com jurisprudência assente, tendo em conta a sua natureza e a sua sistemática, os acordos OMC não figuram, em princípio, entre as normas tomadas em conta pelo Tribunal de Justiça para fiscalizar a legalidade dos actos das instituições comunitárias.

1190 Como já foi igualmente referido n.° 802, só no caso de a Comunidade ter decidido dar cumprimento a uma obrigação particular assumida no quadro da OMC ou no caso de o acto comunitário remeter, expressamente, para disposições precisas dos acordos OMC é que compete ao Tribunal de Justiça fiscalizar a legalidade do acto comunitário em causa à luz das regras da OMC. Manifestamente, as circunstâncias do caso em apreço não correspondem a nenhuma dessas duas hipóteses, pelo que a Microsoft não pode invocar o Acordo ADPIC, em particular os artigos 13.°, 17.° e 20.° desse acordo, para sustentar o seu pedido de anulação da decisão impugnada, na medida em que esta diz respeito à problemática da venda ligada do Windows e do Windows Media Player.

1191 Por conseguinte, esta parte do primeiro fundamento deve improceder, não havendo necessidade de analisar os argumentos que a Microsoft invocou para a sustentar.

1192 Há que acrescentar que, de qualquer forma, nada impede, nas disposições do Acordo ADPIC, que as autoridades da concorrência dos membros da OMC ordenem a execução de medidas correctivas que limitem ou regulamentem a exploração de direitos de propriedade intelectual detidos por uma empresa em posição dominante quando esta exerça esses direitos de modo anticoncorrencial. Assim, como refere acertadamente a Comissão, resulta expressamente do artigo 40.°, n.° 2, do Acordo ADPIC que os membros da OMC têm o direito de regulamentar o uso abusivo desses direitos para evitar efeitos lesivos da concorrência. Esta última disposição, com efeito, tem a seguinte redacção:

«Nenhuma disposição do presente acordo impedirá os membros de especificar na sua legislação as práticas ou condições de concessão de licenças que possam, em determinados casos, constituir um abuso dos direitos de propriedade intelectual com efeitos adversos sobre a concorrência no mercado considerado. Conforme acima previsto, um membro pode adoptar, em conformidade com as outras disposições do presente acordo, medidas adequadas para impedir ou controlar essas práticas, que poderão incluir, por exemplo, condições de retrocessão exclusivas, condições que impeçam a contestação da validade e um regime coercivo de concessão de licenças em bloco, à luz das legislações e regulamentações relevantes desse membro.»

1193 Face ao exposto, o primeiro fundamento deve ser julgado improcedente na íntegra.

3.     Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do princípio da proporcionalidade

a)     Decisão impugnada

1194 A título de medida correctiva da venda ligada abusiva mencionada no artigo 2.°, alínea b), da decisão impugnada, o artigo 6.° dessa decisão ordena à Microsoft que ofereça, no prazo de 90 dias a contar da notificação da referida decisão, uma versão completamente operacional do seu sistema operativo Windows para PC clientes que não integre o Windows Media Player, mantendo a Microsoft o direito de oferecer o seu sistema operativo Windows para PC clientes juntamente com o Windows Media Player. Esse artigo 6.° dispõe igualmente que a Microsoft deve comunicar à Comissão, no mesmo prazo, todas as medidas tomadas para dar cumprimento a essa obrigação.

1195 Nos considerandos 1011 a 1042 da decisão impugnada, a Comissão fornece pormenores sobre essa medida correctiva.

1196 Em primeiro lugar, a Comissão descreve o alcance da referida medida correctiva (considerandos 1011 a 1014 da decisão impugnada).

1197 Esclarece, nomeadamente, que a obrigação imposta à Microsoft de oferecer uma versão do Windows sem o Windows Media Player diz respeito tanto aos casos em que é concedida uma licença sobre o Windows directamente aos utilizadores finais como aos casos em que a licença é concedida aos fabricantes de equipamentos originais. Do mesmo modo, o facto de a Microsoft conservar a possibilidade de oferecer uma versão do Windows acoplada com o Windows Media Player é aplicável tanto ao caso dos utilizadores finais como ao dos fabricantes de equipamentos originais.

1198 Por outro lado, a Comissão proíbe à Microsoft de adoptar qualquer medida de natureza tecnológica, comercial, contratual ou outra que tenha um efeito equivalente a uma venda ligada do Windows com o Windows Media Player, salientando, em particular, que a versão do Windows sem o Windows Media Player deve ter o mesmo desempenho que a versão do Windows que contém esse leitor. Do considerando 1013 da decisão impugnada consta uma lista não exaustiva de práticas proibidas a esse título.

1199 Em segundo lugar, a Comissão fixa em 90 dias o prazo dentro do qual a Microsoft deve executar a medida correctiva em causa (considerandos 1015 a 1017 da decisão impugnada).

1200 Em terceiro lugar, a Comissão rejeita a alegação da Microsoft segundo a qual a medida correctiva prevista no artigo 6.°, alínea a), da decisão impugnada não é suficientemente precisa, no sentido de que não sabe exactamente que código de software deve retirar do seu produto (considerandos 1018 a 1021 da decisão impugnada). A Comissão refere, nomeadamente, o exemplo do Windows XP Embedded e insiste no facto de a decisão impugnada não impor à Microsoft a supressão do conjunto de ficheiros multimédia do Windows, mas apenas dos do Windows Media Player.

1201 Em quarto lugar, a Comissão apresenta uma série de considerações para demonstrar o carácter proporcionado da medida correctiva em causa (considerandos 1022 a 1042 da decisão impugnada).

1202 A este respeito, em primeiro lugar, sustenta que essa medida é necessária para corrigir a restrição da concorrência resultante do comportamento imputado à Microsoft (considerando 1022 da decisão impugnada).

1203 Em segundo lugar, a Comissão refere que a medida correctiva prevista no artigo 6.°, alínea a), da decisão impugnada não impede a Microsoft de comercializar o seu leitor multimédia nem lhe impõe outras restrições para além da proibição de continuar a praticar a venda ligada em causa ou de adoptar medidas de efeito equivalente (considerando 1023 da decisão impugnada). Reitera que a Microsoft está autorizada a continuar a comercializar uma versão do Windows acoplada com o Windows Media Player (mesmo considerando).

1204 Em terceiro lugar, a Comissão rejeita o argumento que a Microsoft baseia no facto de não existir uma procura significativa por parte dos consumidores para sistemas operativos para PC clientes sem funcionalidade multimédia (considerandos 1024 e 1025 da decisão impugnada). Refere, no essencial, que os fabricantes de equipamentos originais poderão responder às expectativas dos consumidores pré‑instalando o leitor multimédia da sua escolha nos PC clientes que lhes vendem.

1205 Em quarto lugar, nos considerandos 1026 a 1034 da decisão impugnada, a Comissão examina os argumentos da Microsoft relativos aos alegados laços de interdependência entre o Windows e o Windows Media Player. Invocando de novo o exemplo do Windows XP Embedded, rejeita a alegação de que a supressão do código do Windows Media Player prejudicaria a integridade do sistema operativo. Por outro lado, alega que a Microsoft não demonstrou que a integração do Windows Media Player no Windows era uma condição prévia da obtenção de ganhos de eficiência. A este propósito, refere, nomeadamente, que, «[se] os criadores de software desenvolverem as suas próprias soluções multimédia ou integrarem no seu produto um código redistribuível fornecido por terceiros, não dependem da presença de um leitor multimédia no PC cliente do utilizador» (considerando 1032 da decisão impugnada).

1206 Por último, em quinto lugar, nos considerandos 1035 a 1042 da decisão impugnada, a Comissão examina os argumentos da Microsoft relativos aos alegados laços de interdependência entre o Windows e as aplicações desenvolvidas por terceiros. Mais especificamente, rejeita a alegação de que a supressão do código do Windows Media Player teria consequências nefastas para os fornecedores de conteúdos e os criadores de software. Relativamente aos fornecedores de conteúdos, refere que é frequente que estes adoptem soluções para determinar que leitor multimédia está instalado num determinado PC cliente e que prevejam medidas a tomar no caso de a apresentação dos seus conteúdos exigir um leitor específico ou uma versão específica de um determinado leitor (considerando 1037 da decisão impugnada). Relativamente aos criadores de software, a Comissão rejeita o argumento da Microsoft relativo à vantagem de manter o Windows como «plataforma coerente» (considerando 1041 da decisão impugnada). Considera, no essencial, que a Microsoft não pode invocar o facto de a sua prática permitir que os criadores de software cujos produtos são executados em leitores multimédia disponham de uma «referência fixa» na matéria, uma vez que a referida prática falseia a concorrência pelo mérito (considerando 1042 da decisão impugnada).

b)     Argumentos das partes

1207 A Microsoft alega que a medida correctiva prevista no artigo 6.°, alínea a), da decisão impugnada viola o princípio da proporcionalidade por três razões.

1208 Em primeiro lugar, essa medida correctiva ignora o interesse legítimo dos criadores de software e dos criadores de páginas Internet em «manter o Windows como plataforma estável e coerente».

1209 Em segundo lugar, a referida medida correctiva lesa os direitos morais da Microsoft ao exigir que esta degrade o seu sistema operativo Windows e conceda licenças a terceiros sobre essa versão de menor valor do seu produto. Em particular, viola o direito da Microsoft de se opor às modificações, à deformação e à redução de valor da sua obras, bem como a quaisquer outros actos que lhes causem prejuízo.

1210 Em terceiro lugar, a Microsoft sustenta que a medida correctiva prevista no artigo 6.°, alínea a), da decisão impugnada é «intrinsecamente contraditória» e que lhe é impossível dar‑lhe cumprimento, uma vez que lhe é simultaneamente exigido que retire funcionalidades importantes do Windows e que garanta que a versão de menor valor do Windows não terá um pior desempenho que a versão desse sistema acoplado com o Windows Media Player.

1211 A Comissão considera que a medida correctiva em causa é proporcionada, em particular pelo facto de a Microsoft manter o direito de oferecer uma versão do Windows acoplado com o Windows Media Player. Refere igualmente que essa medida correctiva não impede a Microsoft de comercializar o seu leitor multimédia nem de continuar a propô‑lo separadamente para descarga.

1212 A Comissão nega que seja impossível identificar o código de software do Windows Media Player ou dar cumprimento à medida correctiva prevista no artigo 6.°, alínea a), da decisão impugnada, salientando que a própria Microsoft reconhece que já desenvolveu uma versão não acoplada do Windows, pronta a ser colocada no mercado. Remete, além disso, para os considerandos 1018 a 1021 da decisão impugnada.

1213 Por outro lado, a Comissão sustenta que a Microsoft não apresentou nenhum elemento de prova susceptível de demonstrar que essa medida correctiva causaria um prejuízo a terceiros ou uma redução de valor do sistema operativo.

1214 Relativamente à alegada lesão dos direitos morais da Microsoft, a Comissão alega que esta última não é, «normalmente, considerada titular de direitos morais na Europa». Além disso, a medida correctiva em causa não impede os autores da obra de reivindicar a respectiva «paternidade» e não implica nenhuma divulgação do código.

1215 Por último, a Comissão, apoiada neste ponto pela SIIA, considera que as medidas previstas na sentença da District Court de 1 de Novembro de 2002 não são suficientes para corrigir o abuso relativo à venda ligada identificado na decisão impugnada. Refere que essa sentença não obriga a Microsoft a suprimir o código do Windows Media Player do sistema operativo para PC clientes, mas apenas a fornecer um meio que permita aos fabricantes de equipamentos originais e aos utilizadores finais dissimular no monitor do computador o ícone e os locais do menu que permitem aceder ao software Windows Media Player. Além disso, a Microsoft concebeu esse mecanismo de dissimulação de tal modo que o Windows Media Player pode ser reactivado e tornar as escolhas por defeito dos utilizadores ineficazes. As medidas mencionadas no referido acórdão não eliminam, portanto, a omnipresença do código do Windows Media Player nos PC clientes nem, consequentemente, o incentivo dos criadores de software e dos fornecedores de conteúdos para «centrarem a sua oferta de software complementar no Windows Media Player enquanto tecnologia de plataforma».

c)     Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

1216 Antes de mais, o Tribunal verifica que, para sustentar o presente fundamento, a Microsoft reitera, no essencial, os argumentos que apresentou no âmbito do primeiro fundamento a propósito do requisito relativo à falta de justificação objectiva (v. n.os 1102 a 1122, supra).

1217 As razões pelas quais o Tribunal considerou esses argumentos deviam improceder são também aplicáveis no âmbito da análise do presente fundamento.

1218 Assim, em primeiro lugar, relativamente ao argumento segundo o qual a Comissão não levou em devida conta o interesse dos criadores de software e dos criadores de sítios Internet em dispor de uma plataforma estável e bem definida, basta remeter para os n.os 1148 a 1153, supra.

1219 Em segundo lugar, no que diz respeito ao argumento da Microsoft, segundo o qual a medida correctiva prevista no artigo 6.°, alínea a), da decisão impugnada a obriga a reduzir o valor do seu sistema operativo Windows e a conceder licenças a terceiros sobre essa versão de menor valor do seu produto, já foi refutado no n.° 1165, supra.

1220 A este propósito, deve recordar‑se que a decisão impugnada não impõe à Microsoft que ofereça uma versão do Windows da qual sejam retirados todos os ficheiros multimédia, incluindo os relativos à infra‑estrutura multimédia de base do sistema operativo. Com efeito, só estão em causa os ficheiros do Windows Media Player, ficheiros que a própria Microsoft distingue dos outros na sua documentação técnica (v. n.os 916 e 1164, supra). Há que recordar igualmente que o exemplo do Windows XP Embedded demonstra que a ausência do Windows Media Player no sistema operativo não prejudica a integridade das outras funcionalidades desse sistema (v. n.° 1165, supra).

1221 Há que acrescentar que, durante todo o período compreendido entre Junho de 1998 e Maio de 1999, o leitor multimédia de recepção contínua da Microsoft foi disponibilizado como software de aplicação separado, sem que isso tivesse afectado o sistema operativo Windows. Como já foi referido no n.° 936, a Microsoft admitiu, na audiência, que nada impedia, no plano técnico, em Maio de 1999, que ela continuasse a fornecer o seu leitor multimédia desse modo, isto é, sem o integrar no sistema operativo Windows 98 Second Edition.

1222 Em terceiro lugar, resulta das considerações expostas nos n.os 1219 a 1221 que a alegação da Microsoft segundo a qual a medida correctiva prevista no artigo 6.°, alínea a), da decisão impugnada é intrinsecamente contraditória e segundo a qual lhe é impossível dar‑lhe cumprimento não tem fundamento. Com efeito, essa alegação baseia‑se na premissa errada de que a versão do Windows imposta por essa disposição é uma versão de menor valor do seu sistema operativo. Como acertadamente refere a Comissão nos seus articulados, embora seja evidente que, quando o Windows Media Player é retirado do Windows, as funcionalidades oferecidas por esse leitor deixam de estar disponíveis sobre nessa versão do sistema operativo, daí não se pode inferir, porém, que a referida versão é de menor valor ou que tem um menor desempenho em todos os outros aspectos do que uma versão do sistema operativo acoplado com o referido leitor. A este respeito, importa observar que a exigência de que a Microsoft proponha uma versão «completamente operacional» do seu sistema operativo Windows para PC clientes sem o Windows Media Player [artigo 6.°, alínea a), da decisão impugnada] deve ser interpretada, nomeadamente, à luz da afirmação contida no considerando 1012 da decisão impugnada, segundo a qual «a versão do Windows não acoplado com [o Windows Media Player] deverá, em particular, ter o mesmo desempenho que a versão do Windows acoplado com [o Windows Media Player], tendo em conta que a funcionalidade de leitor [do Windows Media Player] não fará parte, por definição, da versão não acoplada do Windows».

1223 Em seguida, o Tribunal considera que, longe de ser desproporcionada, a medida correctiva prevista no artigo 6.°, alínea a), da decisão impugnada é um meio adequado a pôr termo ao abuso em causa e a resolver os problemas de concorrência identificados causando o menor número de inconvenientes possível à Microsoft e ao seu modelo comercial.

1224 Assim, a execução dessa medida não implica nenhuma modificação da prática actual da Microsoft no plano técnico para além do desenvolvimento da versão do Windows imposta pelo artigo 6.°, alínea a), da decisão impugnada.

1225 Em particular, a Microsoft mantém o direito de propor a versão do Windows acoplado com o Windows Media Player. Deve recordar‑se, a este respeito, que a Comissão apenas pretende, com efeito, dar aos consumidores a possibilidade de obter esse sistema operativo sem esse leitor multimédia.

1226 Há ainda que acrescentar que, como refere acertadamente a Comissão, a medida correctiva em causa não elimina a possibilidade de a Microsoft comercializar o seu leitor multimédia e de o propor através da descarga a partir da Internet.

1227 Por último, o Tribunal refere que, pelas razões expostas no n.° 974, a Comissão podia considerar que as medidas adoptadas pela Microsoft no cumprimento da transacção americana não eram suficientes para pôr termo ao abuso em causa e resolver os problemas de concorrência identificados.

1228 Resulta de todas as considerações precedentes que o segundo fundamento deve ser julgado improcedente.

1229 Por conseguinte, o pedido de anulação da decisão impugnada, na parte em que diz respeito à problemática da venda ligada do Windows e do Windows Media Player, deve ser julgado improcedente.

D –  Quanto à problemática do mandatário independente

1.     Decisão impugnada

1230 Segundo o artigo 4.°, primeiro parágrafo, da decisão impugnada, a Microsoft é obrigada a pôr fim aos abusos referidos no artigo 2.°, em conformidade com as modalidades previstas nos artigos 5.° e 6.° da mesma decisão. A Microsoft deve também abster‑se de qualquer comportamento que possa ter um objectivo ou efeito idêntico ou equivalente ao dos referidos abusos (artigo 4.°, segundo parágrafo.

1231 Como medida destinada a corrigir a recusa abusiva de fornecer as informações relativas à interoperabilidade, o artigo 5.° da decisão impugnada ordena à Microsoft que divulgue as referidas informações, no prazo de 120 dias a contar da notificação dessa decisão, a toda a empresa que tenha interesse em desenvolver e distribuir sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho, e, sob condições razoáveis e não discriminatórias, autorize o seu uso por essas empresas para o desenvolvimento e a distribuição de sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho. A Microsoft também ficou obrigada a fazer de modo a que as informações divulgadas sobre a interoperabilidade fossem actualizadas permanentemente e nos prazos adequados. Por último, o artigo 5.° da decisão impugnada ordena à Microsoft que estabeleça, no prazo de 120 dias a contar da notificação dessa decisão, um mecanismo de avaliação que permita às empresas interessadas informarem‑se de modo eficaz sobre o alcance e as condições de utilização das informações relativas à interoperabilidade.

1232 Como medida destinada a corrigir a venda ligada abusiva do sistema operativo Windows para PC clientes com o Windows Media Player, o artigo 6.° da decisão impugnada ordena, nomeadamente, à Microsoft que ofereça, no prazo de 90 dias a contar da notificação da decisão, uma versão completamente operacional do seu sistema operativo Windows para PC clientes que não integre o Windows Media Player, mantendo o direito de oferecer o seu sistema operativo Windows para PC clientes juntamente com o Windows Media Player.

1233 Por outro lado, o artigo 7.° da decisão impugnada prevê a instituição de um mecanismo adequado a auxiliar a Comissão a assegurar‑se de que a Microsoft dá cumprimento à decisão impugnada e que inclui, nomeadamente, a designação de um mandatário independente. Segundo esse artigo, esse mecanismo deve ser objecto de uma proposta por parte da Microsoft, no prazo de 30 dias a contar da notificação dessa decisão, sendo certo que a Comissão, se considerar que o mecanismo proposto não é adequado, «pode impor esse mecanismo por decisão».

1234 Nos considerandos 1043 a 1048 da decisão impugnada, a Comissão descreve mais pormenorizadamente o mecanismo de supervisão mencionado no número anterior e, em particular, enuncia os «princípios que devem guiar a Microsoft [na elaboração da sua proposta relativa à designação de um mandatário independente]» (considerando 1044 da decisão impugnada).

1235 Assim, no considerando 1045 da decisão impugnada, a Comissão refere que o mandatário tem como «responsabilidade essencial» dar pareceres, a pedido de um terceiro, da Comissão, ou espontaneamente, sobre a «questão de saber se a Microsoft, em determinados aspectos, não cumpriu as suas obrigações decorrentes da […] decisão [impugnada] e sobre qualquer questão pertinente relativamente à sua execução eficaz».

1236 Nos considerandos 1046 e 1047 da decisão impugnada, a Comissão define a missão do mandatário no que diz respeito a cada um dos dois abusos em causa (v. n.° 1261, infra).

1237 No considerando 1048 da decisão impugnada, a Comissão enuncia os princípios que a Microsoft deve levar em conta na sua proposta relativa ao mandatário. Em primeiro lugar, refere que este último será designado pela Comissão com base numa lista fornecida pela Microsoft. Esta última deve prever um procedimento para autorizar a Comissão a designar um mandatário da sua escolha se considerar que nenhuma das pessoas propostas tem a capacidade de exercer as funções necessárias. Em segundo lugar, a Comissão refere que o mandatário deve ser independente da Microsoft e que «devem ser adoptadas todas as disposições necessárias para garantir [que] não está nem estará numa situação de conflito de interesses». O mandatário deve possuir as qualificações necessárias à correcta execução do seu mandato e ter a possibilidade de contratar peritos para levar a cabo determinadas tarefas, definidas pormenorizadamente, em seu nome. Em terceiro lugar, a Comissão refere que devem ser adoptadas disposições para garantir que o mandatário terá «acesso à assistência, às informações, aos documentos, aos locais e aos funcionários da Microsoft em toda a medida em que, razoavelmente, a execução do seu mandato o impuser». Em quarto lugar, a Comissão considera que o mandatário deve ter pleno acesso ao código fonte dos produtos relevantes da Microsoft. Por último, em quinto lugar, esclarece que «todas as despesas ligadas à designação do mandatário, incluindo uma remuneração justa das tarefas por ele executadas, ficam a cargo da Microsoft».

2.     Argumentos das partes

1238 A Microsoft considera que a obrigação, que lhe é imposta pelo artigo 7.° da decisão impugnada, de designar um mandatário independente é ilegal, na medida em que a Comissão não tem o direito, por um lado, de delegar num particular os poderes de execução que lhe foram conferidos pelo Regulamento n.° 17 e, por outro, de pôr a seu cargo as despesas ligadas à supervisão do cumprimento da decisão impugnada, designadamente a remuneração do mandatário independente.

1239 A título preliminar, a Microsoft nega que o pedido de anulação do artigo 7.° da decisão impugnada seja prematuro. A Comissão não pode alegar que poderia ter imposto um mecanismo de supervisão através de uma decisão distinta no caso de não ter ficado satisfeita com a proposta da Microsoft e que a Microsoft poderia, então, ter pedido a anulação dessa decisão.

1240 Em seguida, em primeiro lugar, a Microsoft alega que resulta claramente dos considerandos 1043 a 1048 da decisão impugnada que os poderes que, no caso em apreço, são delegados no mandatário independente são poderes de inquérito e de execução que pertencem, normalmente, à Comissão. Refere que esse mandatário, apesar de ter como função principal emitir pareceres sobre o cumprimento da decisão impugnada, também tem o poder de analisar as medidas adoptadas pela Microsoft para dar cumprimento a essa decisão. A Microsoft salienta que é referido, na nota de rodapé n.° 1317 da decisão impugnada, que «[o] mandatário não deve apenas ter uma atitude reactiva, mas desempenhar um papel proactivo na fiscalização do cumprimento pela Microsoft das suas obrigações». Assim, a decisão impugnada destina‑se a instituir uma fonte independente de medidas de inquérito e de execução.

1241 Ora, nos termos dos artigos 11.° e 14.° do Regulamento n.° 17 e dos artigos 18.° a 21.° do Regulamento (CE) n.° 1/2003 do Conselho, de 16 de Dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos 81.° [CE] e 82.° [CE] (JO 2003, L 1, p. 1), os poderes de inquérito e de execução relativamente às referidas regras pertencem exclusivamente à Comissão e às autoridades nacionais da concorrência. Nenhum desses dois regulamentos autoriza a Comissão a delegar esses poderes a terceiros nem, a fortiori, a particulares.

1242 A Microsoft acrescenta que, ao proceder a essa delegação de poderes, a Comissão priva‑a das garantias concedidas às empresas pela jurisprudência para proteger os seus direitos de defesa.

1243 Na réplica, a Microsoft esclarece que não tem nenhuma objecção ao facto de um mandatário independente aconselhar a Comissão sobre questões técnicas. Considera, todavia, que esta última devia ter designado o seu próprio perito para esse efeito.

1244 Em segundo lugar, a Microsoft refere que o artigo 7.° da decisão impugnada, conjugado com o considerando 1048, alínea v), dessa decisão, a obriga a suportar «todas as despesas ligadas à designação do mandatário, incluindo uma remuneração justa das tarefas por ele executadas». Ora, na aplicação das regras de concorrência, a Comissão não pode impor à empresa em causa encargos pecuniários para além de coimas e de sanções pecuniárias compulsórias.

1245 A Microsoft considera que a Comissão não pode invocar o poder que lhe é conferido de ordenar a uma empresa que ponha termo a uma infracção para justificar o facto de pôr a seu cargo as despesas relativas ao mandatário. A imposição de tal encargo pecuniário não tem qualquer fundamento jurídico, nem no Regulamento n.° 17, nem no Regulamento n.° 1/2003, nem em nenhum outro diploma.

1246 A título principal, a Comissão alega que os argumentos da Microsoft a propósito da questão do mandatário são inadmissíveis, na medida em que são prematuros, conjecturais e insuficientes para levar à anulação do artigo 7.° da decisão impugnada. Recorda que esse artigo impõe à Microsoft que apresente uma proposta sobre a instauração de um mecanismo de supervisão, reservando à Comissão o direito de impor esse mecanismo por decisão no caso de considerar que o proposto pela Microsoft não é adequado. Refere que os considerandos 1044 a 1048 da decisão impugnada enunciam os princípios que devem guiar a Microsoft na elaboração dessa proposta, mas que a maior parte desses princípios não lhe são impostos pelo artigo 7.° da decisão impugnada. Em particular, esse artigo não esclarece quais as funções exactas do mandatário independente nem a «fonte» da sua remuneração. A Microsoft pode, portanto, propor livremente que esse mandatário tenha um mandato com um âmbito de acção menos amplo do que o previsto na decisão impugnada, bem como modalidades de remuneração diferentes. A Comissão pode, em seguida rejeitar essas propostas e impor, por decisão, um mandato de teor diferente. Essa decisão não seria simplesmente confirmativa da decisão impugnada e constituiria um acto recorrível.

1247 A título subsidiário, a Comissão alega que os argumentos invocados pela Microsoft não têm fundamento.

1248 Em primeiro lugar, a Comissão sustenta que não resulta dos considerandos 1044 a 1048 da decisão impugnada que tenha delegado num particular os poderes de inquérito e de execução de que dispõe para efeitos da aplicação dos artigos 81.° CE e 82.° CE. Alega que, relativamente à «recolha de informações», a decisão impugnada apenas prevê um «mecanismo consensual» que permite resolver rapidamente muitas questões técnicas que podem surgir a propósito da execução das medidas correctivas. Admite que o considerando 1048 e a nota de rodapé n.° 1317 da decisão impugnada prevêem a possibilidade de o mandatário independente questionar a Microsoft e ter acesso a documentos e ao código fonte dos produtos relevantes, mas alega que nada a impede de especificar na sua proposta de mandato que pode recusar responder a essas questões ou facultar o acesso às informações pedidas. Perante essa recusa, a Comissão analisaria a oportunidade de agir nos termos do capítulo V do Regulamento n.° 1/2003 e conservaria assim uma liberdade total de apreciação no que diz respeito à utilização dos seus poderes de inquérito.

1249 Em resposta a uma pergunta escrita do Tribunal, a Comissão referiu que o artigo 7.° da decisão impugnada se baseava no artigo 3.° do Regulamento n.° 17 e que era uma «expressão» do poder que este último artigo lhe confere de adoptar decisões que ordenem às empresas que ponham termo a uma infracção.

1250 Em segundo lugar, a Comissão alega que o facto de pôr a cargo da Microsoft as despesas relativas à remuneração do mandatário não se inscreve, manifestamente, no âmbito das sanções previstas no Regulamento n.° 17 e no Regulamento n.° 1/2003. Alega que se o artigo 7.° da decisão impugnada devesse ser interpretado no sentido de que impõe uma obrigação no que diz respeito à remuneração do mandatário independente, essa obrigação teria por base jurídica o artigo 3.° do Regulamento n.° 17. Explica que uma decisão tomada com base nesse artigo pode compreender tanto a ordem de levar a cabo determinadas acções ou prestações, ilicitamente omitidas, como a proibição de continuar determinadas actividades, práticas ou situações, contrárias ao Tratado e que implica determinadas despesas para o respectivo destinatário. Remetendo para o considerando 1044 da decisão impugnada, refere que a execução das medidas correctivas impõe a fiscalização efectiva do cumprimento das obrigações que são impostas à Microsoft pela decisão impugnada.

3.     Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

1251 A Microsoft pretende obter a anulação do artigo 7.° da decisão impugnada alegando que, ao delegar ilegalmente os seus poderes de inquérito e de execução a um terceiro, a Comissão excedeu as competências que lhe são conferidas pelo artigo 82.° CE e pelo Regulamento n.° 17. Entende que a imposição, a uma empresa, de um mecanismo de supervisão como o previsto no artigo 7.° da decisão impugnada e o facto de pôr a cargo dessa empresa a remuneração de um terceiro designado pela Comissão para o assistir na sua tarefa de garantir o cumprimento das medidas correctivas ordenadas por uma decisão relativa a uma infracção não têm qualquer fundamento jurídico no direito comunitário.

1252 A Comissão considera que esse pedido de anulação é prematuro e, consequentemente, inadmissível, na medida em que o artigo 7.° da decisão impugnada não impõe nenhuma obrigação à Microsoft, antes se limitando a convidá‑la a apresentar uma proposta relativa à eventual instituição de um mecanismo de supervisão. De qualquer forma, esse artigo não implica nenhuma delegação dos seus poderes. A Comissão alega que esse mecanismo de supervisão e o facto de pôr a cargo da Microsoft a remuneração do mandatário independente têm fundamento no artigo 3.° do Regulamento n.° 17, que lhe permite ordenar às empresas interessadas que ponham termo à infracção verificada.

1253 Há que recordar que a legalidade do artigo 7.° da decisão impugnada deve ser apreciada em função dos elementos de facto e de direito existentes à data da sua adopção. A este respeito, nessa data, o Regulamento n.° 17 ainda estava em vigor, uma vez que o Regulamento n.° 1/2003, que o substituiu, passou a ser aplicável a partir de 1 de Maio de 2004.

1254 Deve recordar‑se igualmente que os poderes em matéria de inquérito e de execução de que a Comissão dispunha à data da adopção da decisão impugnada, na parte em que são relevantes para efeitos do pedido de anulação do artigo 7.° dessa decisão, eram o de obrigar as empresas interessadas a pôr termo à infracção verificada previsto no artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento n.° 17, o poder de fazer pedidos de esclarecimento previsto no artigo 11.° desse regulamento, o poder de verificação previsto no artigo 14.° do mesmo regulamento e o de aplicar às empresas sanções pecuniárias compulsórias para as obrigar a pôr termo à infracção, previsto no artigo 16.° do referido regulamento.

1255 Antes de mais, o Tribunal considera que há que rejeitar o argumento da Comissão segundo o qual o pedido de anulação do artigo 7.° é prematuro pelo facto de esta se limitar a convidar a Microsoft a apresentar uma proposta antes da adopção pela Comissão de uma decisão definitiva sobre a instauração de um mecanismo de supervisão. Com efeito, o facto de o artigo 7.° da decisão impugnada prever um convite a apresentar uma proposta não altera a natureza vinculativa desse artigo enquanto manifestação do exercício do poder de a Comissão ordenar que seja posto termo a uma infracção.

1256 Quando a Comissão declara, numa decisão, que uma empresa violou o artigo 82.° CE, esta última deve adoptar, sem demora, todas as medidas necessárias para adequar o seu comportamento a essa disposição, mesmo que a Comissão não tenha prescrito medidas específicas nessa decisão. Quando a referida decisão prevê medidas correctivas, a empresa em causa é obrigada a executá‑las – ficando a seu cargo todas as despesas ligadas a essa execução – sob pena de lhe serem aplicadas sanções pecuniárias compulsórias nos termos do artigo 16.° do Regulamento n.° 17 (v. n.° 1259, infra).

1257 Resulta do teor do artigo 7.° da decisão impugnada, nomeadamente do prazo de 30 dias que impõe à Microsoft, que essa disposição prevê precisamente uma dessas medidas vinculativas. Apesar de a primeira reacção prevista no caso de a Microsoft não fazer uma proposta adequada ser a prevista no segundo parágrafo do artigo 7.°, concretamente, a imposição do mecanismo de supervisão por decisão, não é menos certo que o incumprimento da obrigação de apresentar uma proposta também expõe a Microsoft ao risco de lhe serem aplicadas sanções pecuniárias. O carácter obrigatório da medida ordenada não pode ser posto em causa pelo simples facto de a Comissão se reservar o direito de ser ela própria a impor esse mecanismo se considerar a proposta da Microsoft inadequada. A não execução de uma medida específica ordenada numa decisão destinada a pôr termo a uma infracção ao artigo 82.° CE é uma infracção ao direito comunitário diferente, no caso vertente ao artigo 3.° do Regulamento n.° 17.

1258 Esta apreciação não é infirmada pelo argumento da Comissão segundo o qual a Microsoft podia apresentar uma proposta diferente que estivesse mais de acordo com a sua própria percepção do que a Comissão tinha o direito de a obrigar a fazer. Deve recordar‑se, a este respeito, que, de acordo com jurisprudência assente, o dispositivo de um acto é indissociável da sua fundamentação, de modo que deve ser interpretado, se necessário, tendo em conta os motivos que levaram à sua adopção (acórdãos do Tribunal de Justiça de 15 de Maio de 1997, TWD/Comissão, C‑355/95 P, Colect., p. I‑2549, n.° 21, e de 29 de Abril de 2004, Itália/Comissão, C‑91/01, Colect., p. I‑4355, n.° 49; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Outubro de 2004, Pollmeier Malchow/Comissão, T‑137/02, Colect., p. II‑3541, n.° 60).

1259 O Tribunal considera, com efeito, que, tendo em conta, nomeadamente, as funções que a Comissão pretende atribuir ao mandatário, resumidas no n.° 1261, infra, bem como os poderes que são conferidos à Comissão pelos artigos 3.° e 16.° do Regulamento n.° 17, o artigo 7.° da decisão impugnada tem a seguinte consequência: se a Microsoft, no prazo fixado de 30 dias, não apresentasse uma proposta conforme aos princípios enunciados, nomeadamente, nos considerandos 1045 a 1048 dessa decisão, violaria esta última e correria o risco de ser condenada ao pagamento de sanções pecuniárias compulsórias por força do artigo 16.° do Regulamento n.° 17. Por conseguinte, a situação jurídica da Microsoft foi directamente afectada pelo artigo 7.° da decisão impugnada, de modo que o pedido de anulação dessa disposição não pode ser qualificado de prematuro ou de especulativo como alega a Comissão.

1260 Em seguida, o Tribunal considera que há que examinar a questão de saber se pode ser encontrada uma base jurídica para o artigo 7.° da decisão impugnada no Regulamento n.° 17 ou se, como sustenta a Microsoft, a Comissão excedeu os seus poderes de inquérito e de execução na medida em que lhe ordenou que aceitasse a designação de um mandatário independente para desempenhar o papel e exercer os poderes em questão.

1261 A este respeito, há que referir que resulta dos considerandos 1043 a 1048 da decisão impugnada que as funções do mandatário independente incluem, nomeadamente, os seguintes elementos:

–        a sua «responsabilidade essencial» consiste em emitir pareceres sobre a questão de saber se a Microsoft, em determinados casos concretos, não cumpriu as suas obrigações decorrentes da decisão impugnada (nomeadamente a obrigação de proceder à correcta execução das medidas correctivas);

–        esses pareceres serão emitidos quer a pedido de um terceiro ou da Comissão, quer pelo mandatário por iniciativa própria;

–        a este respeito, prevê‑se que o mandatário não deve apenas ter uma atitude reactiva, mas desempenhar um papel proactivo na fiscalização do cumprimento pela Microsoft das suas obrigações (nota de rodapé n.° 1317 da decisão impugnada);

–        quanto à recusa abusiva em causa, o mandatário deve verificar se as informações divulgadas pela Microsoft são completas e exactas, se as condições mediante as quais faculta o acesso às especificações e autoriza a respectiva utilização são razoáveis e não discriminatórias e se a divulgação é feita em prazo razoável;

–        relativamente à venda ligada abusiva, compete ao mandatário aconselhar a Comissão sobre a questão de saber se as denúncias apresentadas por terceiros a respeito do cumprimento, pela Microsoft, das suas obrigações, têm fundamento do ponto de vista técnico, e, em particular, sobre a questão de saber se a versão do Windows sem o Windows Media Player tem um menor desempenho do que as versões do Windows acopladas com esse leitor que a Microsoft continua a comercializar. Compete também ao mandatário verificar se a Microsoft prejudica o desempenho dos leitores multimédia concorrentes pelo facto de proceder à divulgação selectiva, inadequada ou demasiado tardia dos API do Windows.

1262 No considerando 1048 da decisão impugnada, a Comissão enuncia os princípios que a Microsoft tem de levar em conta na sua proposta relativa ao mandatário independente nos termos do artigo 7.° dessa decisão. Esses princípios são, nomeadamente, os seguintes:

–        o mandatário será designado pela Comissão com base numa lista fornecida pela Microsoft [considerando 1048, alínea i)];

–        o mandatário deve ser independente da Microsoft e devem ser adoptadas todas as disposições necessárias para garantir que não está nem estará numa situação de conflito de interesses. O mandatário deve possuir as qualificações necessárias à correcta execução do seu mandato e ter a possibilidade de contratar peritos para levar a cabo determinadas tarefas, definidas pormenorizadamente, em seu nome [considerando 1048, alínea ii)];

–        devem ser adoptadas disposições para garantir que o mandatário terá acesso à assistência, às informações, aos documentos, aos locais e aos funcionários da Microsoft em toda a medida em que, razoavelmente, a execução do seu mandato o impuser [considerando 1048, alínea iii)];

–        o mandatário deve ter pleno acesso ao código fonte dos produtos relevantes da Microsoft (qualquer controvérsia relativamente à exactidão ou ao carácter exaustivo das especificações divulgadas pela Microsoft só pode ser resolvida através da verificação da documentação técnica relativa ao código fonte dos produtos da Microsoft) [considerando 1048, alínea iv)];

–        todas as despesas ligadas à designação do mandatário, incluindo uma remuneração justa das tarefas por ele executadas, ficam a cargo da Microsoft [considerando 1048, alínea v)].

1263 Resulta desta descrição que a Comissão considera que o papel do mandatário independente consiste em avaliar e verificar a execução das medidas correctivas, eventualmente tendo acesso aos recursos referidos no número anterior, terceiro e quarto travessões, agindo de modo independente, ou mesmo por iniciativa própria.

1264 A Comissão reconhece expressamente, nos seus articulados, que não pode delegar em terceiros os poderes de inquérito e de execução que lhe são conferidos pelo Regulamento n.° 17. Nega que o mecanismo de supervisão previsto na decisão impugnada envolva tal delegação de poderes.

1265 Em contrapartida, como reconhece a Microsoft, a Comissão pode vigiar a execução, pela empresa em causa, das medidas correctivas ordenadas por uma decisão relativa a uma infracção e assegurar‑se de que as outras medidas necessárias para pôr termo aos efeitos anticoncorrenciais da infracção são plenamente executadas em prazo razoável. Para este efeito, pode fazer uso dos poderes de inquérito previstos no artigo 14.° do Regulamento n.° 17 e recorrer, se se justificar, a um perito externo para, nomeadamente, obter esclarecimentos sobre questões de ordem técnica.

1266 Acresce que não se pode negar que a Comissão, no caso de decidir obter a assistência de um perito externo, pode transmitir‑lhe informações e documentos que obtenha no âmbito do exercício dos seus poderes de inquérito nos termos do artigo 14.° do Regulamento n.° 17.

1267 Por força do disposto no artigo 11.°, n.° 4, e no artigo 14.°, n.° 3, desse regulamento, as empresas são obrigadas a fornecer as informações pedidas pela Comissão e a sujeitar‑se às diligências de instrução que esta última tenha ordenado. Todavia, esses pedidos e essas diligências de instrução são submetidos, se for caso disso, à fiscalização do tribunal comunitário.

1268 O Tribunal considera que, ao instaurar um mecanismo de supervisão que implica a designação de um mandatário independente como aquele a que se refere o artigo 7.° da decisão impugnada, dotado das funções enunciadas, nomeadamente, no considerando 1048 dessa decisão, alíneas iii) e iv), a Comissão foi muito para além da situação em que designa o seu próprio perito externo para a aconselhar no âmbito de um inquérito quanto à execução das medidas correctivas previstas nos artigos 4.°, 5.° e 6.° da decisão impugnada.

1269 Com efeito, no artigo 7.° da decisão impugnada, a Comissão exige que seja designado um terceiro independente, na execução das suas funções, não só da Microsoft mas também da própria Comissão, na medida em que esse terceiro pode agir por iniciativa própria e a pedido de terceiros no exercício dos seus poderes. Como refere a Comissão no considerando 1043 da decisão impugnada, esta exigência é mais do que uma simples obrigação de lhe relatar as actuações da Microsoft.

1270 Por outro lado, o papel do mandatário independente não consiste apenas em questionar a Microsoft e em transmitir à Comissão respostas acompanhadas de conselhos relativos à execução das medidas correctivas. Relativamente à obrigação imposta à Microsoft de permitir ao mandatário, independentemente da Comissão, o acesso às informações, documentos, locais e trabalhadores, bem como ao código fonte dos seus produtos relevantes, o Tribunal refere que não foi previsto nenhum limite temporal para a intervenção contínua do mandatário na vigilância das actividades da Microsoft relativas às medidas correctivas. A este respeito, deve referir‑se que resulta do considerando 1002 da decisão impugnada que a Comissão considera que a obrigação de divulgar as informações relativas à interoperabilidade deve aplicar‑se «numa base prospectiva» às gerações futuras dos produtos da Microsoft.

1271 Por conseguinte, a Comissão não pode, no exercício dos poderes que lhe são conferidos pelo artigo 3.° do Regulamento n.° 17, obrigar a Microsoft a conceder a um mandatário independente poderes que ela própria não está autorizada a conferir a terceiros. Por conseguinte, o artigo 7.°, segundo parágrafo, da decisão impugnada não assenta em nenhuma base jurídica válida, nomeadamente, na medida em que implica a delegação num mandatário independente de poderes de inquérito que só ela pode exercer no âmbito do Regulamento n.° 17.

1272 Por outro lado, se, como sustenta a Comissão, a sua intenção era a de instituir um mecanismo puramente consensual, não era necessário que ordenasse a instituição desse mecanismo no artigo 7.° da decisão impugnada.

1273 Por último, a Comissão ultrapassou os seus poderes na medida em que o artigo 7.° da decisão impugnada, conjugado com o considerando 1048, alínea v), dessa decisão, põe a cargo da Microsoft todas as despesas relativas à designação do mandatário, incluindo a sua remuneração e as despesas relacionadas com a execução das suas tarefas.

1274 Nenhuma disposição do Regulamento n.° 17 permite à Comissão impor às empresas que suportem as despesas em que ela própria incorre em consequência da vigilância da execução de medidas correctivas.

1275 Com efeito, incumbe à Comissão, na sua qualidade de autoridade responsável pela aplicação das regras comunitárias da concorrência, acompanhar a execução das decisões relativas a infracções de modo independente, objectivo e imparcial. É incompatível com a sua responsabilidade nesta matéria que a execução efectiva do direito comunitário dependa ou seja influenciado pela vontade ou pela capacidade da empresa destinatária da decisão de suportar essas despesas.

1276 Além disso, resulta da jurisprudência que a Comissão não tem um poder discricionário ilimitado na formulação das medidas correctivas que impõe às empresas para pôr termo a uma infracção. No âmbito da aplicação do artigo 3.° do Regulamento n.° 17, o princípio da proporcionalidade impõe que os encargos impostos às empresas para porem termo a uma infracção não vão além dos limites do que é adequado e necessário para atingir a finalidade prosseguida, isto é, a reposição da legalidade em relação às regras que foram infringidas (acórdão Magill, referido no n.° 107, n.° 93).

1277 Se a Comissão não tem competência para adoptar decisões nos termos do artigo 3.° do Regulamento n.° 17 destinadas a impor medidas correctivas, bem como as despesas com elas relacionadas, a uma empresa que tenha violado o artigo 82.° CE, que ultrapassem o que é adequado e necessário, menos competência tem para pôr a cargo dessa empresa despesas que são da responsabilidade da Comissão na execução das suas próprias responsabilidades em matéria de inquérito e de execução.

1278 Resulta de todas as considerações precedentes que não se encontra qualquer base jurídica para o artigo 7.° da decisão impugnada no Regulamento n.° 17 e que essa disposição excede, portanto, as competências da Comissão em matéria de inquérito e de execução nos termos do Regulamento n.° 17, na medida em que ordena à Microsoft que apresente uma proposta sobre a instituição de um mecanismo que, por um lado, deve incluir a designação de um mandatário independente com poderes para aceder, independentemente da Comissão, à assistência, às informações, aos documentos, aos locais e aos trabalhadores da Microsoft, bem como ao código fonte dos seus produtos relevantes e, por outro, prevê que a Microsoft suporte todas as despesas relativas à designação do mandatário, incluindo a sua remuneração. Consequentemente, a Comissão não pode reservar‑se o direito de impor esse mecanismo por decisão no caso de considerar que a proposta da Microsoft não é adequada.

1279 Por conseguinte, há que anular o artigo 7.° da decisão impugnada na medida descrita no número anterior.

II –  Quanto aos pedidos de anulação da coima ou de redução do seu montante

A –  Decisão impugnada

1280 Os dois abusos identificados na decisão impugnada foram punidos através da aplicação de uma coima única no montante de 497 196 304 euros (artigo 3.° da decisão impugnada).

1281 A questão da coima é analisada pela Comissão nos considerandos 1054 a 1080 da decisão impugnada.

1282 Em primeiro lugar, a Comissão esclarece que levou em conta o disposto no artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 (considerando 1054 da decisão impugnada) e recorda que, para fixar o montante da coima, deve levar em consideração a gravidade e a duração da infracção, bem como eventuais circunstâncias agravantes ou atenuantes (considerando 1055 da decisão impugnada).

1283 Em segundo lugar, a Comissão rejeita os argumentos invocados pela Microsoft no procedimento administrativo para sustentar a sua tese de que não lhe devia ser aplicada nenhuma coima no caso em apreço (considerandos 1056 a 1058 da decisão impugnada).

1284 A este respeito, em primeiro lugar, refere que a decisão impugnada fez prova bastante de que a Microsoft infringiu intencionalmente, ou pelo menos por negligência, o artigo 82.° CE e o artigo 54.° do acordo EEE (considerando 1057 da decisão impugnada). Em segundo lugar, nega ter introduzido uma «regra jurídica nova» e considera que a Microsoft deveria ter tido consciência de que estava a infringir as referidas disposições (mesmo considerando). Em terceiro lugar, rejeita o argumento da Microsoft relativo ao facto de a venda ligada abusiva não poder ter tido início em 1999, uma vez que certas funcionalidades de leitura multimédia estão integradas no sistema operativo Windows desde 1992 (mesmo considerando).

1285 Em terceiro lugar, a Comissão expõe o método de cálculo da coima que utilizou (considerandos 1059 a 1079 da decisão impugnada).

1286 Em primeiro lugar, a Comissão determina o montante de base da coima em função da gravidade e da duração da infracção (considerandos 1059 a 1078 da decisão impugnada).

1287 Por um lado, relativamente à gravidade da infracção, recorda que, para avaliar esse factor, deve levar em conta a natureza dessa infracção, os seus efeitos no mercado e a dimensão do mercado geográfico em causa (considerando 1060 da decisão impugnada).

1288 No que diz respeito à natureza da infracção, a Comissão realça, nos considerandos 1061 a 1068 da decisão impugnada, os seguintes elementos:

–        o Tribunal de Justiça declarou várias vezes a ilicitude da recusa de fornecimento por parte de empresas em posição dominante e vendas ligadas por elas praticadas;

–        a Microsoft detém uma posição dominante no mercado dos sistemas operativos para PC clientes, com uma quota de mercado superior a 90%;

–        esse mercado bem como os dois outros mercados identificados na decisão impugnada caracterizam‑se pela existência de efeitos de rede directos e indirectos significativos;

–        nessas circunstâncias, a Microsoft adoptou uma estratégia de efeito de alavanca que constitui dois abusos distintos;

–        quanto à recusa abusiva de fornecimento, a Microsoft adoptou uma linha geral de conduta que se destina à criação e à exploração em seu proveito de um conjunto de ligações privilegiadas entre o seu sistema operativo para PC clientes e o seu sistema operativo para servidores de grupos de trabalho e que implica uma ruptura em relação a níveis de fornecimento anteriores mais elevados;

–        esta prática abusiva permite à Microsoft estender a sua posição dominante ao mercado dos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho, que tem um «valor significativo»;

–        a conquista deste último mercado pode ter outros efeitos nefastos sobre a concorrência;

–        relativamente à venda ligada abusiva, garante à Microsoft que a omnipresença do seu sistema operativo para PC clientes é partilhada pelo seu leitor Windows Media Player, o que desencoraja os fabricantes de equipamentos originais de pré‑instalarem nos PC clientes leitores multimédia terceiros e prejudica a concorrência no mercado dos leitores multimédia que permitem uma recepção contínua;

–        além disso, essa prática abusiva tem efeitos sensíveis sobre o estado da concorrência no sector do fornecimento de conteúdos pela Internet e no do software multimédia;

–        por último, o facto de dominar o mercado dos leitores multimédia que permitem uma recepção contínua pode constituir uma abertura estratégica para uma série de mercados conexos, permitindo alguns deles obter lucros elevados.

1289 Tendo em conta os elementos mencionados no número anterior, a Comissão considera que a infracção deve, pela sua própria natureza, ser qualificada de «muito grave» (considerando 1068 da decisão impugnada).

1290 No que diz respeito aos efeitos da infracção no mercado, a Comissão refere que «a linha de conduta adoptada pela Microsoft, que consiste em utilizar a alavanca que constitui a sua posição dominante no mercado dos sistemas operativos para PC clientes para eliminar a concorrência, tem efeitos significativos nos mercados dos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho e dos leitores multimédia que permitem uma recepção contínua» (considerando 1069 da decisão impugnada).

1291 Baseia essa conclusão nos seguintes elementos:

–        a recusa abusiva de fornecimento já permitiu à Microsoft adquirir uma posição dominante no mercado dos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho e cria o risco de eliminação da concorrência nesse mercado (considerando 1070 da decisão impugnada);

–        a venda ligada abusiva já permitiu à Microsoft obter o primeiro lugar no mercado dos leitores multimédia que permitem uma recepção contínua e resulta dos elementos de prova analisados na decisão impugnada que «é possível que o mercado já esteja a oscilar na direcção do [Windows Media Player]» (considerando 1071 da decisão impugnada).

1292 No que diz respeito à dimensão geográfica dos mercados dos produtos em causa, a Comissão refere que os três mercados identificados na decisão impugnada abrangem todo o EEE (considerando 1073 da decisão impugnada).

1293 No considerando 1074 da decisão impugnada, a Comissão conclui da análise anterior que a Microsoft cometeu uma infracção muito grave ao artigo 82.° CE e ao artigo 54.° do acordo EEE, passível de uma coima superior a 20 milhões de euros. No considerando seguinte, fixa em 165 732 101 euros o montante inicial pela gravidade, ponto de partida do montante de base da coima (a seguir «montante de base»).

1294 No considerando 1076 da decisão impugnada, a Comissão refere que, para exercer um efeito dissuasivo suficiente sobre a Microsoft, e tendo em conta a sua capacidade económica significativa, há que duplicar o montante de base, o que, nesta fase, eleva o montante da coima a 331 464 203 euros.

1295 Por outro, relativamente à duração da infracção, a Comissão refere que a recusa abusiva de fornecimento teve início em Outubro de 1998 e ainda não terminou, e que a venda ligada abusiva teve início em Maio de 1999 e também ainda não terminou (considerando 1077 da decisão impugnada). Considera que a duração total da infracção cometida pela Microsoft é, por conseguinte, de cinco anos e cinco meses, o que corresponde a uma infracção de longa duração (mesmo considerando). Consequentemente, acrescenta 50% ao montante referido no número anterior e fixa, assim, em 497 196 304 euros o montante de base da coima (considerando 1078 da decisão impugnada).

1296 Em segundo lugar, a Comissão considera que não existem quaisquer circunstâncias agravantes ou atenuantes pertinentes no caso em apreço (considerando 1079 da decisão impugnada). Assim, fixa em 497 196 304 euros o montante final da coima (considerando 1080 da decisão impugnada).

B –  Argumentos das partes

1297 A título principal, a Microsoft considera que a coima aplicada no artigo 3.° da decisão impugnada não tem qualquer fundamento tendo em conta que não infringiu o artigo 82.° CE.

1298 A título subsidiário, a Microsoft alega que essa coima é excessiva e desproporcionada e que, por conseguinte, deve ser anulada ou substancialmente reduzida.

1299 A este respeito, em primeiro lugar, considera que não se justifica que lhe seja aplicada uma coima uma vez que as infracções que lhe são imputadas resultam de uma «interpretação jurídica nova». Para sustentar essa alegação, invoca alguns extractos de comunicados de imprensa publicados pela Comissão relativos a processos de concorrência (comunicados de imprensa de 20 de Abril de 2001, IP/01/584, e de 2 de Junho de 2004, IP/04/705), bem como a sua prática que consiste em não aplicar coimas em processos que suscitem questões novas ou complexas. Refere igualmente que, em certos processos, a Comissão condenou apenas as empresas em causa numa coima simbólica tendo em conta o facto de não poderem concluir facilmente da sua prática decisória anterior que o comportamento que lhes era imputado violava as regras da concorrência.

1300 A Microsoft sustenta que os princípios aplicados pela Comissão no caso em apreço diferem sensivelmente dos consagrados pela jurisprudência e que são o resultado de uma «modificação substancial das teorias da Comissão à medida que o processo ia avançando ao longo dos cinco últimos anos».

1301 Assim, por um lado, quanto ao comportamento abusivo constituído pela recusa de fornecer aos seus concorrentes as informações relativas à interoperabilidade e de autorizar a respectiva utilização, a Microsoft alega que a Comissão nunca identificou com precisão as informações em questão. Repete, por outro lado, que a Sun não lhe solicitou uma licença sobre os seus direitos de propriedade intelectual para desenvolver sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho no EEE. Por último, afirma que a posição da Comissão é inédita na medida em que prevê uma obrigação de conceder uma licença sobre direitos de propriedade intelectual de grande valor para facilitar o desenvolvimento de produtos que são directamente concorrentes dos sistemas operativos Windows para servidores. A Microsoft alega que, tendo em conta esses diversos elementos, tinha boas razões para pensar que não se verificavam no presente caso as circunstâncias excepcionais exigidas pelo Tribunal de Justiça.

1302 Por outro lado, quanto ao comportamento abusivo constituído pelo facto de ter sujeitado o fornecimento do sistema operativo Windows para PC clientes à aquisição simultânea do Windows Media Player, a Microsoft refere, antes de mais, que a teoria da Comissão relativa às vendas ligadas não era sequer mencionada na primeira comunicação de acusações. Refere, em seguida, que foi a primeira vez que a Comissão considerou que o facto de aperfeiçoar um produto, integrando nesse produto uma funcionalidade «aperfeiçoada», no caso vertente uma funcionalidade multimédia com capacidade de difusão em contínuo, sem oferecer simultaneamente ao mesmo preço uma versão desse produto sem essa funcionalidade, podia constituir uma infracção ao artigo 82.° CE.

1303 Em segundo lugar, a Microsoft alega que o montante da coima que lhe foi aplicada é excessivo. Para sustentar essa alegação, apresenta três séries de argumentos.

1304 Em primeiro lugar, alega que o montante inicial da coima não se justifica. Sustenta, antes de mais, que a fixação desse montante em 165 732 101 euros é arbitrária e foi incorrectamente fundamentada. Em seguida, nega a correcção da afirmação da Comissão segundo a qual cometeu uma infracção «muito grave». A este propósito, refere que foram necessários mais de cinco anos para que a Comissão concluísse que o seu comportamento era repreensível, e ainda mais tempo para decidir que medidas correctivas eram adequadas. Por último, alega que não podia prever que se podia considerar que o seu comportamento constituía uma violação das regras da concorrência e ainda menos uma infracção «muito grave».

1305 Na réplica, a Microsoft contesta a alegação da Comissão segundo a qual os abusos em questão têm efeitos sensíveis sobre os mercados em causa.

1306 Ainda na réplica, a Microsoft alega que a Comissão não se limitou a levar em conta os «produtos objecto dos abusos» para fixar o montante inicial da coima. Com efeito, baseou‑se no volume de negócios realizado pela Microsoft no mercado dos sistemas operativos para servidores em geral. Ora, dos rendimentos que a Microsoft obtém com esses sistemas, a fracção que pode ser atribuída ao mercado dos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho tal como foi definido pela Comissão é de menos de um quarto.

1307 Em segundo lugar, a Microsoft considera que não era legítimo que a Comissão duplicasse o montante inicial alegando a sua «capacidade económica significativa» e a necessidade de garantir um efeito dissuasivo suficiente. Refere que a Comissão não a acusa de não querer cumprir a lei e que, pelo contrário, M. Monti, então membro da Comissão titular da pasta da concorrência, elogiou os esforços da Microsoft para alcançar uma acordo no caso em apreço, bem como o profissionalismo dos membros da sua equipa. Acrescenta que a Comissão também não pode invocar a necessidade de dissuadir outras empresas de cometer infracções semelhantes. Por último, alega que o montante inicial se baseia no volume de negócios e nos lucros que realizou a nível mundial e que os mesmos dados são utilizados para justificar o seu ajustamento em alta para garantir o respectivo efeito dissuasivo (nota de rodapé n.° 1342 da decisão impugnada), o que equivale a «levar em conta duas vezes o mesmo factor». Os outros factores mencionados na nota de rodapé n.° 1342 da decisão impugnada não justificam que o montante inicial seja duplicado.

1308 Em terceiro lugar, a Microsoft alega que a majoração de 50% do dobro do montante inicial, devido à duração da infracção, é excessiva. Critica, antes de mais, o facto de a Comissão não ter levado em consideração as medidas que adoptou para resolver os problemas invocados por ela invocados nas suas conversações e nas comunicações de acusações nem os compromissos que assumiu no âmbito da transacção americana. Em seguida, a Microsoft acusa a Comissão de não ter levado em conta a duração do procedimento administrativo e considera que não pode ser criticada pelo facto de ter tentado chegar a acordo com a Comissão. Acrescenta que não podia ter posto termo mais cedo aos alegados abusos, uma vez que «as teorias da Comissão evoluíram consideravelmente nos últimos seis anos».

1309 A Comissão considera que a tese principal da Microsoft não deve ser acolhida, uma vez que esta última não demonstrou que a primeira tinha erradamente concluído pela existência de uma violação do artigo 82.° CE.

1310 A Comissão também contesta a tese invocada a título subsidiário pela Microsoft.

1311 A este respeito, em primeiro lugar, a Comissão sustenta que a coima se justifica.

1312 Desde logo, alega que não aplicou nenhuma regra jurídica nova no caso em apreço.

1313 Assim, quanto à recusa abusiva em causa, alega que levou em consideração o facto de ser possível que «estivessem em causa direitos de propriedade intelectual». Consequentemente, baseando‑se em acórdãos como o acórdão Magill, referido no n.° 107, consagrou grande parte da decisão impugnada a demonstrar que, em determinadas circunstâncias excepcionais, a recusa de conceder licenças sobre direitos de propriedade intelectual podia constituir um abuso de posição dominante. Acrescenta que, uma vez que os considerandos da Directiva 91/250 referem expressamente que o facto de não fornecer informações relativas à interoperabilidade pode constituir um abuso de posição dominante, a Microsoft não pode sustentar seriamente que não tinha consciência de que estava a infringir o artigo 82.° CE.

1314 Por outro lado, a Comissão recorda que considera que já refutou os argumentos da Microsoft relativos ao alcance do pedido da Sun e que já referiu que a jurisprudência não excluía que os produtos do titular dos direitos de autor e os futuros produtos do beneficiário da licença fossem concorrentes. Na tréplica, acrescenta que identificou, logo na primeira comunicação de acusações, «uma certa quantidade de informações que eram injustamente retidas pela Microsoft» e reitera que esta última tinha plena consciência do facto de estar a recusar facultar aos seus concorrentes o acesso às informações relativas à interoperabilidade referidas na decisão impugnada.

1315 Relativamente à venda ligada abusiva, a Comissão admite que o presente processo possa diferir de processos anteriores relativos a vendas ligadas, na medida em que, na decisão impugnada, procedeu a uma apreciação dos efeitos reais desse comportamento. Considera no entanto que não se pode deduzir daí que elaborou uma teoria nova e insiste no facto de as suas conclusões se basearem em princípios jurídicos e económicos sobejamente conhecidos.

1316 Em segundo lugar, a Comissão alega que a Microsoft, tendo em conta os significativos recursos financeiros e jurídicos de que dispõe, podia prever que o seu comportamento correspondente à utilização da sua posição dominante num mercado para conquistar outro mercado seria qualificado como abusivo. Salienta que o juiz comunitário rejeitou sistematicamente o argumento de que não deve ser aplicada uma coima quando a empresa em causa não tinha a possibilidade de saber que estava a infringir as regras da concorrência. Por último, considera que a Microsoft não pode invocar a seu favor a circunstância de a Comissão não ter aplicado coimas a uma empresa noutro processo.

1317 Em segundo lugar, a Comissão sustenta que a coima não é excessiva, referindo, nomeadamente, que representa apenas 1,62% do volume de negócios mundial da Microsoft do exercício social encerrado em 30 de Junho de 2003.

1318 Em primeiro lugar, a Comissão refere que, na fixação do montante da coima, dispõe de uma margem de apreciação e que não é obrigada a aplicar fórmulas matemáticas precisas. Acrescenta que não lhe incumbe por força do dever de fundamentação indicar na decisão os elementos numéricos relativos ao modo de cálculo das coimas. Por outro lado, refere que, em conformidade com as Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° [CA] (JO 1998, C 9, p. 3, a seguir os «orientações»), apreciou a gravidade da infracção levando em conta a sua natureza, o seu impacto no mercado e a dimensão geográfica do mercado.

1319 A Comissão alega que fixou o montante inicial da coima baseando‑se no volume de negócios realizado pela Microsoft no EEE no mercado dos sistemas operativos para PC clientes e para servidores de grupos de trabalho, e não no seu volume de negócios mundial. Na nota de rodapé n.° 217 da resposta, esclarece que esse ponto de partida representa 7,5% desse volume de negócios. Conclui que a alegação da Microsoft segundo a qual a Comissão procedeu a uma dupla contagem não tem fundamento. Em resposta à alegação da Microsoft segundo a qual a Comissão levou em consideração o volume de negócios realizado no mercado dos sistemas operativos para servidores em geral, esta refere que se baseou nos números que lhe foram comunicados pela Microsoft na sequência de um pedido de esclarecimento que respeitava aos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho. Remete, a este propósito, para uma carta que a Microsoft lhe dirigiu em 9 de Março de 2004 (anexo D.16 da tréplica).

1320 Em segundo lugar, a Comissão alega que podia aplicar um factor multiplicador de 2 ao montante inicial da coima. Refere, a este respeito, que esse montante correspondia a menos de 1% do volume de negócios realizado pela Microsoft no último exercício social, o que não teria conferido à coima um carácter suficientemente dissuasivo. Observa que fixou esse factor multiplicador levando em conta o facto de as empresas de grande dimensão disporem, geralmente, de recursos que lhes permitem ter maior conhecimento das exigências e das consequências do direito da concorrência do que as empresas de menor dimensão.

1321 A Comissão refere igualmente que resulta da jurisprudência que o objectivo de dissuasão que tem o direito de prosseguir quando procede à fixação do montante de uma coima se destina a garantir que, na condução das suas actividades na Comunidade ou no EEE, as empresas respeitem as regras de concorrência previstas no Tratado (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 9 de Julho de 2003, Archer Daniels Midland e Archer Daniels Midland Ingredients/Comissão, T‑224/00, Colect., p. II‑2597, n.os 110 e 111). Por conseguinte, o carácter dissuasivo de uma coima aplicada devido a uma violação das regras da concorrência não pode ser apenas determinado em função da situação específica da empresa condenada. Há não só que dissuadir essa empresa de voltar a cometer a mesma infracção ou de cometer outras infracções às regras da concorrência, como também que dissuadir outras empresas «de dimensão e recursos semelhantes» de cometerem infracções equivalentes.

1322 Além disso, a Comissão salienta, por um lado, que não alegou que a Microsoft tinha criado obstáculos ao seu inquérito e, por outro, que não procedeu à aplicação de nenhuma circunstância agravante.

1323 Em terceiro lugar, a Comissão nega que a majoração de 50% que aplicou, devido à duração da infracção, ao montante fixado tendo em conta a gravidade da infracção seja excessiva. Alega que seguiu a prática corrente que consiste em aplicar, às infracções de longa duração, uma majoração de 10% por ano de participação na infracção.

1324 Considera que a Microsoft não pode invocar as medidas que adoptou para resolver os problemas invocados pela Comissão ou no âmbito da transacção americana, uma vez que essa medidas são irrelevantes para o cálculo da duração da infracção. Remetendo para os considerandos 241, 242 e 270 a 279 da decisão impugnada, acrescenta que essas medidas não puseram termo à infracção.

1325 Por último, contesta o argumento da Microsoft relativo à duração do procedimento administrativo, referindo, nomeadamente, que essa duração era objectivamente justificada pela complexidade do processo e pela necessidade de garantir a observância dos direitos de defesa da Microsoft.

C –  Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

1326 No âmbito das presentes conclusões, cabe ao Tribunal examinar a legalidade do artigo 3.° da decisão impugnada e, se for necessário, exercendo a sua competência de plena jurisdição, suprimir ou reduzir a coima aplicada à Microsoft por esse artigo.

1327 A Comissão aplicou uma coima única à Microsoft para os dois abusos cuja existência o artigo 2.° da decisão impugnada declarou. Resulta, nomeadamente, dos considerandos 1061 a 1069 dessa decisão que a Comissão, muito embora reconhecendo a existência de dois abusos distintos, considera que a Microsoft cometeu uma infracção única, concretamente, a aplicação de uma estratégia que consiste em utilizar através de um efeito de alavanca a posição dominante que detém no mercado dos sistemas operativos para PC clientes (v., em particular, considerando 1063 da decisão impugnada).

1328 Resulta dos considerandos 1054 a 1080 da decisão impugnada que – apesar de a decisão impugnada não o referir expressamente – a Comissão decidiu calcular o montante das coimas em conformidade com a metodologia prevista nas orientações.

1329 A título principal, a Microsoft alega que o artigo 3.° da decisão impugnada deve ser anulado, na medida em que, tendo em conta que não houve nenhuma infracção ao artigo 82.° CE, a coima aplicada não tem qualquer fundamento.

1330 Este argumento não deve ser acolhido. Resulta, com efeito, da apreciação efectuada no âmbito da problemática da recusa de fornecer as informações relativas à interoperabilidade e de autorizar a respectiva utilização, bem como da problemática da venda ligada do sistema operativo Windows para PC clientes e do Windows Media Player, que a Comissão decidiu correctamente que a Microsoft tinha infringido o artigo 82.° CE ao adoptar esses dois comportamentos.

1331 A título subsidiário, a Microsoft sustenta que a coima é excessiva e desproporcionada e que, por conseguinte, deve ser anulada ou substancialmente reduzida. Alega, nomeadamente, que os dois comportamentos mencionados no artigo 2.° da decisão impugnada constituem formas de abuso de posição dominante completamente novas e que não podia prever que a sua conduta, que consistiu, por um lado, em exercer os seus direitos de propriedade intelectual relativos a uma tecnologia de grande valor que desenvolveu e, por outro, em acrescentar um aperfeiçoamento de ordem tecnológica a um produto existente seria interpretada pela Comissão como uma violação do artigo 82.° CE.

1332 O Tribunal considera que os argumentos invocados a título subsidiário pela Microsoft não têm fundamento e, em particular, que esta última não demonstrou que a Comissão tenha apreciado erradamente a gravidade e a duração da infracção ou tenha cometido um erro na fixação do montante da coima.

1333 A este respeito, deve recordar‑se que, no âmbito da análise da primeira problemática, o Tribunal confirmou a correcção da apreciação da Comissão, segundo a qual a recusa imputada à Microsoft – partindo do pressuposto de que era possível que essa recusa representasse uma recusa de conceder a terceiros uma licença sobre direitos de propriedade intelectual – era abusiva, uma vez que, por um lado, estava rodeada de circunstâncias excepcionais como as referidas na jurisprudência que permitem, para protecção do interesse público da manutenção de uma concorrência efectiva no mercado, que se interfira com o direito exclusivo do titular do direito de propriedade intelectual, e, por outro, não era objectivamente justificada.

1334 Há que recordar igualmente que, no âmbito da análise da segunda problemática, o Tribunal verificou que a Comissão tinha feito prova bastante de que o facto de a Microsoft sujeitar o fornecimento do sistema operativo Windows para PC clientes à aquisição simultânea do software Windows Media Player preenchia os requisitos exigidos para que se possa concluir pela existência de uma venda ligada abusiva na acepção do artigo 82.° CE e não era objectivamente justificado.

1335 Em primeiro lugar, relativamente ao argumento da Microsoft segundo o qual os dois abusos declarados pelo artigo 2.° da decisão impugnada resultam de uma «interpretação jurídica nova» (v. n.os 1299 a 1302, supra), basta referir que o Tribunal, no âmbito da análise das duas primeiras problemáticas, já concluiu que esse argumento não tinha fundamento. Resulta dessa análise que a Comissão não aplicou qualquer regra jurídica nova no caso em apreço.

1336 Assim, no que diz respeito, em primeiro lugar, ao abuso dado por provado pelo artigo 2.°, alínea a), da decisão impugnada, já foi referido que, na altura dos factos, o Tribunal de Justiça já tinha decidido, no acórdão Magill, referido no n.° 107, que, embora a recusa de autorização, por parte do titular de um direito de propriedade intelectual e mesmo quando proveniente de uma empresa em posição dominante, não pudesse constituir em si mesma um abuso dessa posição, o exercício do direito exclusivo pelo titular podia, em circunstâncias excepcionais, dar lugar a um comportamento abusivo.

1337 A alegação da Microsoft de que não lhe era fácil tomar consciência de que o comportamento que lhe foi imputado violava as regras da concorrência é, além disso, dificilmente conciliável com a posição que defendeu no procedimento administrativo. A Microsoft, com efeito, alegou que se a Comissão concluísse que a recusa em causa constituía um abuso, isso poderia pôr em causa o «prudente equilíbrio entre os direitos de autor e a política da concorrência» atingido pela Directiva 91/250 (considerando 743 da decisão impugnada). Há que acrescentar que o vigésimo sexto considerando dessa directiva refere que as suas disposições «não prejudicam a aplicação das regras da concorrência fixadas nos artigos [81.° CE e 82.° CE] se um fornecedor importante recusar divulgar informações necessárias à interoperabilidade tal como é definida na presente directiva».

1338 Por conseguinte, a Comissão considerou correctamente que a Microsoft devia saber que a recusa em causa podia constituir uma infracção às regras da concorrência.

1339 O mesmo se diga, em segundo lugar, em relação ao abuso declarado pelo artigo 2.°, alínea b), da decisão impugnada, uma vez que os argumentos relativos à alegada aplicação de uma teoria nova já foram rejeitados no âmbito da análise da segunda problemática (v., nomeadamente, n.os 859 e 863 a 868, supra). Consequentemente, o Tribunal considera a Comissão afirma acertadamente, no considerando 1057 da decisão impugnada, que a análise a que procedeu da venda ligada em causa e a conclusão a que chegou quanto ao carácter abusivo desse comportamento se baseiam numa prática confirmada, nomeadamente pelos processos Hilti e Tetra Pak II.

1340 Quanto ao facto de a venda ligada abusiva não ser objecto da primeira comunicação de acusações, trata‑se de um facto irrelevante no que diz respeito à questão de saber se a Comissão aplicou uma teoria jurídica nova.

1341 A alegação de que a decisão impugnada é a primeira decisão em que a Comissão qualificou de abusivo o facto de aperfeiçoar um produto integrando no mesmo produto uma funcionalidade «aperfeiçoada» também não pode ser acolhida. Com efeito, como foi referido nos n.os 936, 937 e 1221, a integração em causa não foi ditada por razões de ordem técnica. Além disso, pelas razões expostas, nomeadamente, no n.° 935, essa alegação não desmente a apreciação da Comissão relativa à existência de dois produtos distintos, que é um dos critérios que permitem identificar uma venda ligada abusiva, segundo a jurisprudência referida no n.° 859, supra.

1342 Resulta das considerações precedentes que a alegação da Microsoft segundo a qual a Comissão não lhe devia ter aplicado uma coima ou que apenas lhe devia ter aplicado uma coima simbólica não procede.

1343 Em segundo lugar, relativamente ao argumento da Microsoft segundo o qual o montante da coima é excessivo, também não deve ser acolhido. O Tribunal considera, com efeito, que a Comissão fez uma correcta apreciação da gravidade e da duração da infracção.

1344 Em primeiro lugar, no que diz respeito à gravidade da infracção, há que recordar, a título preliminar, que os dois abusos em causa se inscrevem no âmbito de uma infracção que consistiu na aplicação, pela Microsoft, de uma estratégia de efeito de alavanca, concretamente, a utilização da posição dominante que detém no mercado dos sistemas operativos para PC clientes com o objectivo de a estender a dois outros mercados conexos, no caso vertente o dos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho e o dos leitores multimédia que permitem uma recepção contínua.

1345 Antes de mais, relativamente ao abuso considerado provado no artigo 2.°, alínea a), da decisão impugnada, a Comissão avalia a sua gravidade levando em consideração a sua natureza (considerandos 1064 e 1065 da decisão impugnada), o seu impacto concreto no mercado (considerandos 1069 e 1070 da decisão impugnada) e a dimensão do mercado geográfico em causa (considerando 1073 da decisão impugnada). Qualifica a infracção em que esse abuso se inscreve de «muito grave», o que tornaria possível a aplicação de uma coima superior a 20 milhões de euros.

1346 O Tribunal considera que os elementos levados em conta pela Comissão nos considerandos mencionados no número anterior justificam que a infracção seja qualificada de «muito grave». Esta apreciação não pode ser posta em causa pelos argumentos da Microsoft.

1347 O Tribunal faz questão de salientar, a este respeito, que vários documentos internos da Microsoft que constam dos autos confirmam que esta utilizou, através do exercício de um efeito de alavanca, a sua posição dominante no mercado dos sistemas operativos para PC clientes para reforçar a sua posição no mercado dos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho. Assim, no considerando 774 da decisão impugnada, a Comissão cita um extracto de uma mensagem de correio electrónico do Sr. Bayer, um alto responsável da Microsoft, ao Sr. Madigan, outro alto responsável da Microsoft, na qual o primeiro refere que «[a Microsoft] tem uma enorme vantagem no mercado da informática para empresas […] graças à alavanca que a posição dominante do Windows ‘desktop’ lhe proporciona».

1348 No considerando seguinte da decisão impugnada, a Comissão faz referência a uma passagem de outra mensagem electrónica trocada entre esses dois altos responsáveis da Microsoft que demonstra que a captura do mercado dos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho era considerada um meio de executar a mesma estratégia de efeito de alavanca relativamente à Internet. Essa passagem tem a seguinte redacção:

«[D]ominar a infra‑estrutura de servidor na Internet não será tarefa fácil, [mas] podemos conseguir através das redes das empresas se conseguirmos dominá‑las (o que, a meu ver, é possível).»

1349 Além disso, como a Comissão refere acertadamente no considerando 778 da decisão impugnada, resulta de um extracto de uma alocução proferida por B. Gates em Fevereiro de 1997 que os mais altos responsáveis da Microsoft consideravam a interoperabilidade um instrumento no âmbito dessa estratégia de efeito de alavanca. Esse extracto tem a seguinte redacção:

«Estamos a tentar utilizar o que temos sobre os servidores para conceber novos protocolos e excluir, especialmente, a Sun e a Oracle […] Não sei se vamos conseguir, mas, de qualquer forma, é o que estamos a tentar fazer.»

1350 Há que referir que a alocução de B. Gates foi proferida em Fevereiro de 1997, ou seja, muito antes da data em que a Microsoft deu resposta negativa ao pedido contido na carta de 15 de Setembro de 1998. Consequentemente, a Comissão considerou correctamente que a recusa em causa se inseria numa estratégia global que consistia na utilização, pela Microsoft, da sua posição dominante no mercado dos sistemas operativos para PC clientes para reforçar a sua posição concorrencial no mercado conexo dos sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho.

1351 Em seguida, relativamente à venda ligada do Windows Media Player com o Windows mencionada no artigo 2.°, alínea b), da decisão impugnada, o Tribunal considera que a Comissão fez igualmente uma apreciação correcta do critério da gravidade da infracção ao qualificá‑la de «muito grave».

1352 A este respeito, importa referir, em primeiro lugar, que resulta da mensagem de correio electrónico que B. Gates dirigiu ao Bay em Janeiro de 1999 (v. n.° 911, supra) que esse segundo abuso também se inscrevia numa estratégia de efeito de alavanca.

1353 Em segundo lugar, a Comissão afirmou acertadamente, no considerando 1068 da decisão impugnada, que o referido abuso constituía, pela sua própria natureza, uma infracção muito grave ao artigo 82.° CE e ao artigo 54.° do Acordo EEE.

1354 Com efeito, antes de mais, as práticas de vendas ligadas já tinham sido claramente declaradas ilícitas pelo juiz comunitário, nomeadamente, nos processos Hilti e Tetra Pak II, e o comportamento imputado à Microsoft preenche os requisitos enunciados nessa jurisprudência. Há que recordar, nomeadamente, que, como foi referido nos n.os 859 e 863 a 868, a Comissão não aplicou uma teoria jurídica nova no caso em apreço, em particular quando verificou se o requisito relativo à exclusão dos concorrentes do mercado se encontrava preenchido.

1355 Em seguida, a Comissão referiu muito acertadamente, no considerando 1066 da decisão impugnada, que a venda ligada em causa conferia ao Windows Media Player uma omnipresença mundial nos PC clientes, o que dissuadia os fabricantes de equipamentos originais de pré‑instalarem nos PC clientes leitores multimédia concorrentes e prejudicava a concorrência no mercado dos leitores multimédia de recepção contínua (v. n.os 1031 a 1058, supra).

1356 Por último, como acertadamente salienta a Comissão no considerando 1067 da decisão impugnada, a venda ligada abusiva em causa tem efeitos sensíveis sobre o estado da concorrência no sector do fornecimento de conteúdos pela Internet, bem como no sector do software multimédia, que são sectores importantes que são chamados a continuar o seu desenvolvimento. Como já foi referido nos n.os 1060 a 1075, a omnipresença que a referida venda ligada confere ao Windows Media Player incentiva, por um lado, os fornecedores de conteúdos a difundirem os seus conteúdos nos formatos Windows Media e, por outro, os criadores de aplicações a conceberem os seus produtos de maneira a que estes se apoiem em determinadas funcionalidades do Windows Media Player, apesar de os leitores multimédia concorrentes serem de qualidade semelhante, ou mesmo superior, à deste último leitor. Também já foi demonstrado no n.° 1076, supra, que a Comissão tinha concluído muito acertadamente, nos considerandos 897 a 899 da decisão impugnada, que a venda ligada abusiva também tinha efeitos sobre determinados mercados adjacentes.

1357 Em terceiro lugar, a Comissão refere correctamente, nos considerandos 1069 e 1071 da decisão impugnada, que a venda ligada abusiva em causa teve efeitos significativos no mercado dos leitores multimédia que permitem uma recepção contínua. Essa venda ligada, com efeito, permitiu à Microsoft, nomeadamente, conquistar o primeiro lugar nesse mercado com o seu leitor Windows Media Player.

1358 Em quarto lugar, é pacífico que o mercado dos leitores multimédia que permitem uma recepção contínua abrange todo o EEE (considerando 1073 da decisão impugnada).

1359 Resulta das considerações expostas nos n.os 1344 a 1358 que era legítimo que a Comissão tomasse como ponto de partida para a fixação da coima relativa à infracção o montante mínimo de 20 milhões de euros.

1360 No caso em apreço, a Comissão, depois de ter levado em consideração a natureza da infracção, o seu impacto sobre os mercados dos produtos em causa e a dimensão geográfica desses mercados, definiu um montante inicial único, que fixou em 165 732 101 euros para os dois abusos (considerando 1075 da decisão impugnada). Há que referir que, na decisão impugnada, a Comissão não explica a que é que corresponde esse montante nem como se reparte entre os dois abusos. Todavia, resulta de uma leitura conjunta da nota de rodapé n.° 217 da resposta e do conteúdo da carta da Microsoft de 9 de Março de 2004 (v. n.° 1319, supra), que esse montante representa 7,5% do volume de negócios acumulado realizado por esta última no EEE nos mercados dos sistemas operativos para PC clientes e para servidores de grupos de trabalho no exercício social encerrado em 30 de Junho de 2003. Contrariamente ao que alega a Microsoft, não se pode considerar, assim, que esse montante inicial foi fixado de modo arbitrário.

1361 Quanto à alegação da Microsoft segundo a qual a fixação do montante inicial da coima em 165 732 101 euros não está fundamentada, basta observar que, de acordo com jurisprudência assente, não cabe à Comissão, por força do dever de fundamentação, indicar na decisão os números relativos ao modo de cálculo das coimas (acórdãos do Tribunal de Justiça de 16 de Novembro de 2000, Sarrió/Comissão, C‑291/98 P, Colect., p. I‑9991, n.os 76 e 80, e Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão, referido no n.° 95, supra, n.° 464).

1362 A alegação da Microsoft segundo a qual a Comissão levou em consideração o volume de negócios realizado no mercado dos sistemas operativos para servidores em geral, ou seja, um mercado mais amplo do que o segundo mercado identificado na decisão impugnada, também não pode ser acolhida. A Comissão, com efeito, baseou‑se nos número que lhe foram comunicados pela Microsoft na sua carta de 9 de Março de 2004 (v. n.° 1319, supra) em resposta a um pedido de esclarecimento de 2 de Março de 2004 (anexo D.16 da tréplica) que tinha, expressamente, por objecto os sistemas operativos Windows para servidores de grupos de trabalho que a Microsoft ainda fornecia na altura.

1363 Por outro lado, o Tribunal considera que a Comissão aplicou correctamente um coeficiente multiplicador de 2 a esse montante inicial para assegurar que a coima teria um carácter dissuasivo suficiente e tendo em conta a capacidade económica significativa da Microsoft. Por um lado, uma vez que é muito provável que a posição dominante detida por esta última no mercado dos sistemas operativos para PC clientes se mantenha, pelo menos nos próximos anos, não se pode excluir que essa sociedade tenha outras ocasiões de recorrer à estratégia do efeito de alavanca relativamente a outros mercados vizinhos. Por outro, importa referir que a Microsoft já tinha sido objecto de processos judiciais nos Estados Unidos devido a uma pratica análoga à venda ligada abusiva em causa, concretamente, a venda ligada do seu browser Internet Explorer e do seu sistema operativo Windows para PC clientes, e que existe um risco de que cometa o mesmo tipo de infracção no futuro com outros aplicativos.

1364 Em segundo lugar, no que diz respeito à duração da infracção, o argumento da Microsoft segundo o qual a majoração de 50% do montante inicial da coima é excessiva não deve ser acolhido. Como o Tribunal já declarou no âmbito da análise da segunda parte da problemática da recusa de fornecer as informações relativas à interoperabilidade, a Comissão considerou acertadamente que a carta de 6 de Outubro de 1998 continha uma recusa de comunicar à Sun as informações por ela pedidas. Por conseguinte, era legítimo que a Comissão concluísse que, a partir desta última data, a Microsoft se tinha tornado culpada de uma violação do artigo 82.° CE. Está provado que essa violação prosseguiu até à adopção da decisão impugnada e que, a partir do mês de Maio de 1999, um segundo comportamento abusivo veio juntar‑se a essa violação.

1365 Em terceiro lugar, o Tribunal considera a Comissão considerou com razão que não havia que levar em conta circunstâncias agravantes ou atenuantes no caso em apreço.

1366 Resulta de todas as considerações precedentes que o argumento da Microsoft segundo o qual a coima é excessiva e desproporcionada não deve ser acolhido.

1367 Consequentemente, deve ser negado provimento ao recurso na parte em que pretende obter a anulação da coima ou a redução do seu montante.

 Quanto às despesas

1368 Por força do disposto no n.° 2 do artigo 87.° do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Nos termos do artigo 87.°, n.° 3, se cada parte obtiver vencimento parcial, ou perante circunstâncias excepcionais, o Tribunal pode determinar que as despesas sejam repartidas entre as partes ou que cada uma das partes suporte as suas próprias despesas.

1369 No caso em apreço, a Microsoft foi vencida relativamente aos seus pedidos de anulação da decisão impugnada na íntegra e de anulação da coima ou de redução do seu montante. Por sua vez, a Comissão foi vencida no seu pedido no sentido de que fosse negado provimento ao recurso na íntegra.

1370 Nestas circunstâncias, relativamente ao processo principal, há que repartir as despesas. A Microsoft suportará 80% das suas próprias despesas e 80% das despesas da Comissão, com excepção das despesas da Comissão relativas às intervenções da CompTIA, da ACT, da TeamSystem, da Mamut, da DMDsecure e o. e da Exor. A Comissão suportará 20% das suas próprias despesas e 20% das despesas da Microsoft, com excepção das despesas da Microsoft relativas às intervenções da SIIA, da FSFE, da Audiobanner.com e da ECIS.

1371 Relativamente ao processo de medidas provisórias, a Microsoft suportará as suas próprias despesas, bem como as da Comissão, com excepção das despesas da Comissão relativas às intervenções da CompTIA, da ACT, da TeamSystem, da Mamut, da DMDsecure e o. e da Exor.

1372 A CompTIA, a ACT, a TeamSystem, a Mamut, a DMDsecure e o. e a Exor suportarão as suas próprias despesas, incluindo as relativas ao processo de medidas provisórias. Uma vez que a Comissão não pediu a condenação destas partes intervenientes nas despesas relacionadas com a sua intervenção, estas apenas suportarão as suas próprias despesas.

1373 As despesas da SIIA, da FSFE, da Audiobanner.com e da ECIS, incluindo as relativas ao processo de medidas provisórias, serão suportadas pela Microsoft.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Grande Secção)

decide:

1)      O artigo 7.° da Decisão da Comissão, de 24 de Maio de 2006, relativa a um processo nos termos do artigo 82.° [CE] e do artigo 54.° do Acordo EEE contra a Microsoft Corporation (Processo COMP/C‑3/37.792 – Microsoft) é anulado na parte em que:

–        ordena a Microsoft que apresente uma proposta sobre a instituição de um mecanismo que deve incluir a designação de um mandatário independente com poderes para aceder, independentemente da Comissão, à assistência, às informações aos documentos, aos locais e aos trabalhadores da Microsoft, bem como ao «código fonte» dos produtos relevantes da Microsoft;

–        exige que a proposta sobre a instituição desse mecanismo preveja que todas as despesas relacionadas com a designação do mandatário, incluindo a sua remuneração, fiquem a cargo da Microsoft;

–        reserva à Comissão o direito de impor por decisão um mecanismo como o descrito nos travessões anteriores.

2)      É negado provimento ao recurso quanto ao demais.

3)      A Microsoft suportará 80% das suas próprias despesas e 80% das despesas da Comissão, com excepção das despesas desta última relativas às intervenções da The Computing Technology Industry Association, Inc., da Association for Competitive Technology, Inc., da TeamSystem SpA, da Mamut ASA, da DMDsecure.com BV, de MPS Broadband AB, da Pace Micro Technology plc, da Quantel Ltd, da Tandberg Television Ltd e da Exor AB.

4)      A Microsoft suportará as suas próprias despesas e as despesas da Comissão relativas ao processo de medidas provisórias T‑201/04 R, com excepção das despesas da Comissão relativas às intervenções da The Computing Technology Industry Association, da Association for Competitive Technology, da TeamSystem, da Mamut, da DMDsecure.com, da MPS Broadband, da Pace Micro Technology, da Quantel, da Tandberg Television e da Exor.

5)      A Microsoft suportará as despesas da Software & Informatoion Industry Association, da Free Software Foundation Europe, da Audiobanner.com e do European Committee for Interoperable Systems (ECIS), incluindo as relativas ao processo de medidas provisórias.

6)      A Comissão suportará 20% das suas próprias despesas e 20% das despesas da Microsoft, com excepção das despesas desta última relativas às intervenções da Software & Informatoion Industry Association, da Free Software Foundation Europe, da Audiobanner.com e da ECIS.

7)      A The Computing Technology Industry Association, a Association for Competitive Technology, a TeamSystem, a Mamut, a DMDsecure.com, a MPS Broadband, a Pace Micro Technology, a Quantel, a Tandberg Television e a Exor suportarão as suas próprias despesas, incluindo as relativas ao processo de medidas provisórias.

Vesterdorf

Jaeger

Pirrung

García‑Valdecasas

Tiili

Azizi

Cooke

Meij

Forwood

Martins Ribeiro

 

      Wiszniewska‑Białecka

Vadapalas

 

      Labucka

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 17 de Setembro de 2007.

O secretário

 

      O presidente

E. Coulon

 

      B. Vesterdorf

Índice


Antecedentes do litígio

Decisão impugnada

I –  Mercados de produtos e mercado geográfico em causa

II –  Posição dominante

III –  Abuso de posição dominante

A –  Recusa de fornecer as informações relativas à interoperabilidade e de autorizar a respectiva utilização

B –  Venda ligada do sistema operativo Windows para PC clientes e do Windows Media Player

IV –  Coima e medidas correctivas

Processo pela violação do direito antitrust americano

Tramitação do processo

Pedidos das partes

Questão de direito

I –  Quanto aos pedidos de anulação da decisão impugnada

A –  Questões preliminares

1.  Quanto à extensão da fiscalização do juiz comunitário

2.  Quanto à admissibilidade do conteúdo de determinados anexos

B –  Quanto à problemática da recusa de fornecer as informações relativas à interoperabilidade e de autorizar a respectiva utilização

1.  Quanto à primeira parte do primeiro fundamento, relativa ao facto de os critérios que permitem obrigar uma empresa em posição dominante a conceder uma licença, tais como especificados pelo juiz comunitário, não se encontrarem reunidos no caso em apreço

a)  Introdução

b)  Quanto aos diversos graus de interoperabilidade e ao alcance da medida correctiva prevista no artigo 5.° da decisão impugnada

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

–  Conclusões de ordem factual e técnica

–  Quanto à natureza das informações referidas na decisão impugnada

–  Quanto ao grau de interoperabilidade exigido pela Comissão na decisão impugnada

–  Quanto ao alcance do artigo 5.°, alínea a), da decisão impugnada

c)  Quanto à alegação de que os protocolos de comunicação da Microsoft estão protegidos por direitos de propriedade intelectual

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

d)  Quanto à argumentação propriamente dita invocada no âmbito da primeira parte do primeiro? fundamento

i) Quanto às circunstâncias à luz das quais o comportamento imputado à Microsoft deve ser analisado

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

ii)   Quanto ao carácter indispensável das informações relativas à interoperabilidade

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

–  Quanto ao alegado erro de direito

–  Quanto ao alegado erro de facto

iii) Quanto à eliminação da concorrência

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

–  Quanto à definição do mercado de produtos em causa

–  Quanto à metodologia aplicada para calcular as quotas de mercado

–  Quanto ao critério aplicável

–  Quanto à apreciação dos dados do mercado e da situação concorrencial

iv) Quanto ao produto novo

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

v) Quanto à inexistência de justificação objectiva

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

2.  Quanto à segunda parte do fundamento, relativa ao facto de a Sun não ter pedido à Microsoft para beneficiar da tecnologia que a Comissão lhe ordena que divulgue

a)  Argumentos das partes

b)  Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

Quanto ao alcance do pedido da Sun

Quanto ao alcance da carta de 6 de Outubro de 1998

Quanto ao alcance geográfico do pedido contido na carta de 15 de Setembro de 1998

3.  Quanto à terceira parte, relativa ao facto de a Comissão não levar devidamente em conta as obrigações impostas às Comunidades pelo acordo ADPIC

a)  Argumentos das partes

b)  Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

C –  Quanto à problemática da venda ligada do sistema operativo Windows para PC clientes e do Windows Media Player

1.  Dados de ordem factual a técnica

2.  Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do artigo 82.° CE

a)  Quanto aos requisitos exigidos para que se verifique a existência de uma venda ligada abusiva

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

b)  Quanto à existência de dois produtos distintos

Decisão impugnada

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

c)  Quanto ao facto de os consumidores não terem a opção de obter o produto que liga sem o produto ligado

Decisão impugnada

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

d)  Quanto à restrição da concorrência

Decisão impugnada

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

e)  Quanto à falta de justificação objectiva

Decisão impugnada

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

f)  Quanto à violação das obrigações impostas às Comunidades pelo Acordo ADPIC

Decisão impugnada

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

3.  Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do princípio da proporcionalidade

a)  Decisão impugnada

b)  Argumentos das partes

c)  Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

D –  Quanto à problemática do mandatário independente

1.  Decisão impugnada

2.  Argumentos das partes

3.  Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

II –  Quanto aos pedidos de anulação da coima ou de redução do seu montante

A –  Decisão impugnada

B –  Argumentos das partes

C –  Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

Quanto às despesas


* Língua do processo: inglês.