Language of document : ECLI:EU:T:2014:628

Processo T‑541/08

Sasol e o.

contra

Comissão Europeia

«Concorrência ― Acordos, decisões e práticas concertadas ― Mercado das ceras de parafina ― Mercado da parafina bruta ― Decisão que declara a existência de uma infração ao artigo 81.° CE ― Fixação dos preços e repartição dos mercados ― Responsabilidade de uma sociedade‑mãe pelas infrações às regras da concorrência cometidas pelas suas filiais e por uma empresa comum detida parcialmente por si ― Influência determinante exercida pela sociedade‑mãe ― Presunção em caso de detenção de uma participação de 100% ― Sucessão de empresas ― Proporcionalidade ― Igualdade de tratamento ― Orientações para o cálculo do montante das coimas de 2006 ― Circunstâncias agravantes ― Papel de líder ― Fixação do limite máximo da coima ― Competência de plena jurisdição»

Sumário ― Acórdão do Tribunal Geral (Terceira Secção) de 11 de julho de 2014

1.      Concorrência ― Normas da União ― Infrações ― Imputação ― Sociedade‑mãe e filiais ― Unidade económica ― Critérios de apreciação ― Presunção de uma influência determinante exercida pela sociedade‑mãe sobre filiais detidas a 100% por esta ― Presunção ilidível ― Ónus da prova da sociedade que pretenda elidir essa presunção ― Elementos insuficientes para ilidir a presunção ― Violação do princípio da presunção da inocência ― Inexistência ― Violação do princípio da responsabilidade pessoal ― Inexistência

(Artigo 81.° CE; Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 23.°, n.° 2)

2.      Concorrência ― Normas da União ― Infrações ― Imputação ― Sociedade‑mãe e filiais ― Unidade económica ― Critérios de apreciação ― Aplicabilidade à imputação da responsabilidade às sociedades‑mãe pela infração cometida pela sua empresa comum

(Artigo 81.° CE; Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 23.°, n.° 2)

3.      Concorrência ― Normas da União ― Infrações ― Imputação ― Sociedade‑mãe e filiais ― Unidade económica ― Critérios de apreciação ― Imputação do comportamento anticoncorrencial de uma empresa comum a uma só das suas sociedades‑mãe ― Requisitos ― Influência determinante exercida unilateralmente por essa sociedade‑mãe ― Ónus da prova da Comissão

(Artigo 81.° CE; Regulamento n.° 139/2004 do Conselho)

4.      Concorrência ― Normas da União ― Infrações ― Imputação ― Sociedade‑mãe e filiais ― Unidade económica ― Responsabilidade solidária das sociedades‑mãe atuais da sociedade diretamente envolvida na infração ― Ilibação das antigas sociedades‑mãe dessa sociedade ― Desigualdade de tratamento

(Artigo 81.° CE; Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigos 20.° e 21.°; Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 23.°, n.° 2)

5.      Concorrência ― Coimas ― Montante ― Determinação ― Poder de apreciação conferido à Comissão pelo artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003 ― Violação do princípio da legalidade das penas ― Inexistência ― Previsibilidade das alterações introduzidas pelas novas orientações ― Violação do princípio da irretroatividade ― Inexistência

(Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigo 49.°, n.° 1; Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 23.°, n.° 2; Comunicações da Comissão 98/C 9/03 e 2006/C 210/02)

6.      Concorrência ― Procedimento administrativo ― Decisão da Comissão que declara a existência de uma infração ― Prova ― Prova constituída por um certo número manifestações diferentes da infração ― Admissibilidade ― Recurso a um conjunto de indícios ― Grau de força probatória exigido tratando‑se dos indícios individualmente considerados ― Provas documentais ― Critérios ― Credibilidade das provas apresentadas ― Ónus probatório das empresas que contestam a realidade da infração

(Artigo 81.°, n.° 1, CE)

7.      Concorrência ― Coimas ― Montante ― Determinação ― Critérios ― Gravidade da infração ― Fixação da coima proporcionalmente aos elementos de apreciação da gravidade da infração

(Artigo 81.°, n.° 1, CE: Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 23.°, n.os 2 e 3; Comunicação 2006/C 210/02 da Comissão)

8.      Concorrência ― Coimas ― Montante ― Determinação ― Critérios ― Gravidade da infração ― Circunstâncias agravantes ― Papel de líder da infração ― Conceito ― Critérios de apreciação

(Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 23, n.os 2 e 3; Comunicação 2006/C 210/02 da Comissão)

9.      Concorrência ― Coimas ― Montante ― Determinação ― Poder de apreciação da Comissão ― Fiscalização jurisdicional ― Competência de plena jurisdição do juiz da União ― Alcance ― Limite máximo do montante da coima

(Artigo 261.° TFUE; Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 31.°)

1.      V. texto da decisão.

(cf. n.os 29‑32, 36, 134‑141, 145‑150, 153, 154, 163)

2.      Em matéria de concorrência, o comportamento de uma filial pode ser imputado à sociedade‑mãe, em razão da sua pertença à mesma empresa, quando essa filial não define de forma independente o seu comportamento no mercado, por se encontrar sob a influência determinante da sociedade‑mãe a esse respeito.

O comportamento da filial no mercado encontra‑se sob a influência determinante da sociedade‑mãe designadamente no caso de a filial, no essencial, aplicar as instruções que lhe são dadas pela sociedade‑mãe.

O comportamento no mercado da filial encontra‑se, em princípio, igualmente sob a influência determinante da sociedade‑mãe quando esta tem unicamente o poder de definir ou de aprovar determinadas decisões comerciais estratégicas, sendo caso disso, através dos seus representantes nos órgãos da filial, ao passo que o poder de definir a política comercial stricto sensu da filial é delegado aos dirigentes responsáveis pela gestão operacional da mesma, escolhidos pela sociedade‑mãe e que representam e promovem os seus interesses comerciais.

Esses princípios são igualmente aplicáveis à imputação da responsabilidade a uma ou a várias sociedades‑mãe por uma infração cometida pela sua empresa comum.

(cf. n.os 33‑35, 37)

3.      Em matéria de concorrência, a Comissão não pode, para imputar o comportamento anticoncorrencial de uma empresa comum a uma só das suas sociedades‑mãe que detêm dois terços do seu capital, em aplicação do artigo 81.° CE, basear‑se na simples capacidade de influência determinante da referida sociedade‑mãe, tal como esta é determinada no âmbito de aplicação do Regulamento n.° 139/2004, relativo ao controlo das concentrações de empresas, no momento da realização do controlo, dispensando‑se de verificar se essa influência foi efetivamente exercida. Pelo contrário, incumbe‑lhe, em princípio, demonstrar essa influência determinante com base num conjunto de elementos factuais. Figuram entre esses elementos o cúmulo de lugares, pelas mesmas pessoas singulares, na direção da sociedade‑mãe e da sua filial ou empresa comum, ou o facto de as referidas sociedades serem obrigadas a seguir as diretrizes emitidas pela sua direção única, sem poderem adotar um comportamento independente no mercado.

Além disso, o exercício efetivo de uma influência determinante por uma ou mais das sociedades‑mãe no comportamento comercial da empresa comum pode igualmente ser demonstrado pelo exame das modalidades de decisão nesta última. Embora o poder ou a possibilidade de determinar as decisões comerciais da empresa comum, por si só, apenas se insira na mera capacidade do exercício de uma influência determinante no seu comportamento comercial e, assim, no conceito de controlo na aceção do Regulamento n.° 139/2004, a Comissão e o juiz da União podem presumir que as disposições legislativas e as estipulações dos acordos relativos ao funcionamento da empresa comum, em particular as do contrato que cria a empresa comum e do acordo parassocial no que respeita às votações, foram executadas e respeitadas. Nessa medida, o exame do exercício efetivo de uma influência determinante no comportamento comercial da empresa comum pode consistir numa análise abstrata dos documentos assinados antes do início do seu funcionamento.

Porém, uma vez que o exame relativo ao exercício efetivo de uma influência determinante é retrospetivo e pode, pois, assentar em elementos concretos, tanto a Comissão como as partes interessadas podem aduzir a prova de que as decisões comerciais da empresa comum foram determinadas segundo modalidades diferentes das que decorriam do simples exame abstrato dos acordos relativos ao funcionamento da empresa comum.

Por outro lado, quando analisa o exercício efetivo de uma influência determinante por uma sociedade‑mãe no comportamento comercial de uma empresa comum, deve tomar em consideração, de modo imparcial, todos os elementos pertinentes, de direito e de facto, que lhe sejam apresentados. Ao contrário da situação em que uma única sociedade‑mãe detém todo o capital da filial, no caso de uma empresa comum, continua a ser pertinente a questão de saber se a sociedade‑mãe exerceu uma influência efetiva na gestão operacional. Com efeito, nesse caso, existe uma pluralidade de acionistas e as decisões dos órgãos da empresa comum são tomadas pelos membros que representam os interesses comerciais das diversas sociedades‑mãe, os quais podem coincidir, mas também podem divergir.

A esse respeito, o exame dos vínculos organizacionais entre a empresa comum e a sociedade‑mãe não abrange necessariamente a questão da representação da sociedade‑mãe que decorra de um mandato formal que esta tenha dado ao dirigente da empresa comum. Com efeito, é mais pertinente tomar em consideração a representação, em sentido lato, dos interesses comerciais da sociedade‑mãe e a influência nas decisões dos órgãos da empresa comum com o objetivo de alinhar a política comercial da referida empresa pela da sociedade‑mãe, demonstrada, nomeadamente, pelo cúmulo de cargos na direção da sociedade‑mãe e da empresa comum, bem como pela detenção de uma parte do capital da sociedade‑mãe por um dirigente da empresa comum.

Caso a Comissão impute a responsabilidade pela infração cometida por uma empresa comum apenas a uma das suas sociedades‑mãe, incumbe‑lhe demonstrar que a influência determinante no comportamento comercial da empresa comum era exercida unilateralmente por essa sociedade‑mãe.

(cf. n.os 43, 44, 49, 50, 54, 76, 85, 112)

4.      Em matéria de concorrência, quando a Comissão responsabiliza solidariamente as atuais sociedades‑mãe da sociedade diretamente envolvida numa infração ao artigo 81.°, n.° 1, CE, pelo período posterior à aquisição da totalidade do capital dessa sociedade pelas atuais sociedades‑mãe, e, simultaneamente, exonera da responsabilidade solidária a antiga sociedade‑mãe que deteve a totalidade do capital da sociedade diretamente envolvida durante um período anterior da mesma infração, trata duas situações comparáveis de modo diferente.

Contudo, o respeito do princípio da igualdade de tratamento consagrado nos artigos 20.° e 21.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia deve ser conciliado com o do princípio da legalidade, o que implica que ninguém pode invocar, em seu benefício, uma ilegalidade cometida a favor de outrem. Além disso, quando uma empresa, pelo seu próprio comportamento, violou o artigo 81.°, n.° 1, CE, não pode escapar a uma sanção com o fundamento de que não foi aplicada nenhuma coima a outros operadores económicos, quando a situação desses últimos não foi submetida à apreciação do juiz da União.

Assim, quando não cometeu qualquer erro ao imputar às sociedades‑mãe atuais a responsabilidade pela infração cometida pela sociedade diretamente envolvida durante o período posterior à aquisição da totalidade do capital por estas, a Comissão pode considerá‑las solidariamente responsáveis no que respeita ao referido período.

(cf. n.os 181, 185‑187, 194, 196)

5.      V. texto da decisão.

(cf. n.os 202‑214)

6.      V. texto da decisão.

(cf. n.os 218‑239, 265, 291, 427)

7.      V. texto da decisão.

(cf. n.os 315‑319, 405)

8.      V. texto da decisão.

(cf. n.os 355‑360, 375, 384, 393‑396, 400)

9.      A fiscalização da legalidade das decisões adotadas pela Comissão é completada pela competência de plena jurisdição, reconhecida ao juiz da União pelo artigo 31.° do Regulamento n.° 1/2003, em conformidade com o artigo 229.° CE e, atualmente, como o artigo 261.° TFUE. Esta competência habilita o juiz, para além da simples fiscalização da legalidade da punição, a substituir a apreciação da Comissão pela sua própria apreciação e, consequentemente, a suprimir, reduzir ou aumentar o montante da coima ou da sanção pecuniária compulsória aplicada. A fiscalização prevista nos Tratados implica, pois, de acordo com as exigências do princípio da proteção jurisdicional efetiva constante do artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, que o juiz da União exerce uma fiscalização tanto de direito como de facto e que tem competência para apreciar as provas, para anular a decisão impugnada e para modificar o montante das coimas. Contudo, o exercício da competência de plena jurisdição não equivale a uma fiscalização oficiosa e o processo nos órgãos jurisdicionais da União obedece ao princípio do contraditório.

Consequentemente, a desigualdade de tratamento operada pela Comissão, quando responsabiliza solidariamente as atuais sociedades‑mãe da sociedade diretamente envolvida numa infração ao artigo 81.°, n.° 1, CE, pelo período posterior à aquisição da totalidade do capital dessa sociedade pelas atuais sociedades‑mãe, e, ao mesmo tempo, exonera as antigas sociedades‑mãe que detiveram a totalidade do capital da sociedade diretamente envolvida durante um período anterior da mesma infração, conjugada com a inexistência de uma fixação separada do limite da coima para a parte desta relativa a esse período, pode agravar a responsabilidade financeira das atuais sociedades‑mãe pela infração cometida pela sociedade diretamente envolvida, é adequado fixar o limite da parte da coima aplicada a esta sociedade pela infração cometida durante o referido período em 10% do seu volume de negócios do ano de referência.

Do mesmo modo, na medida em que os erros de apreciação da Comissão sobre a imputação do comportamento anticoncorrencial de uma empresa comum a uma única das sociedades‑mãe, conjugados com a falta de fixação de um limite para a fração da coima relativo ao período de empresa comum, podem agravar as consequências financeiras da infração cometida diretamente pela referida empresa comum para essa sociedade‑mãe, é adequado limitar a parte da parte da coima aplicada a essa empresa pela infração cometida durante esse período a 10% do seu volume de negócios do ano de referência.

(cf. n.os 437, 439, 452, 453, 461, 462)