ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção
Alargada)
16 de Julho de 1998 (1)
«Intérpretes de conferência free-lance Legalidade da sua sujeição ao imposto
comunitário»
Nos processos apensos T-202/96 e T-204/96,
Andrea von Löwis e Marta Alvarez-Cotera, intérpretes de conferência, residentes
em Genebra (Suíça), representadas por Gerard van der Wal, advogado no Hoge
Raad der Nederlanden e no foro de Bruxelas, com domicílio escolhido no
Luxemburgo no escritório do advogado Aloyse May, 31, Grand-Rue,
sendo a segunda demandante apoiada por
República Federal da Alemanha, representada por E. Röder, Ministerialrat, na
qualidade de agente, Ministério Federal da Economia, Bona, Alemanha,
contra
Comissão das Comunidades Europeias, representada por Peter Oliver, membro do
Serviço Jurídico, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo
no gabinete de Carlos Gómez de la Cruz, membro do Serviço Jurídico, Centre
Wagner, Kirchberg,
que tem por objecto o reembolso do imposto comunitário descontado da
remuneração das demandantes desde 1 de Janeiro de 1989,
O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Terceira Secção Alargada),
composto por: V. Tiili, presidente, C. P. Briët, K. Lenaerts, A. Potocki e
J. D. Cooke, juízes,
secretário: A. Mair, administrador
vistos os autos e na sequência da audiência de 5 de Maio de 1998,
profere o presente
Acórdão
Enquadramento jurídico dos litígios
- 1.
- Nos termos do artigo 13.° do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades das
Comunidades Europeias, de 8 de Abril de 1965 (a seguir «protocolo»):
«Os funcionários e outros agentes das Comunidades ficam sujeitos a um imposto
que incidirá sobre os vencimentos, salários e emolumentos por elas pagos e que
reverterá em seu benefício, de acordo com as condições e o processo fixados pelo
Conselho, deliberando sob proposta da Comissão.
Os funcionários e outros agentes das Comunidades ficam isentos de impostos
nacionais que incidam sobre os vencimentos, salários e emolumentos pagos pelas
Comunidades.»
- 2.
- A partir de 1970, a Comissão celebrou com a Associação Internacional dos
Intérpretes de Conferência (a seguir «AIIC»), convenções-quadro quinquenais (a
seguir «convenções-quadro»), que estabelecem as condições laborais e o regime
pecuniário dos intérpretes de conferência free-lance contratados para satisfazer
necessidades das instituições comunitárias.
- 3.
- Nos termos do respectivo artigo 1.°, primeiro parágrafo, as convenções-quadro «são
aplicáveis, seja qual for o respectivo lugar de afectação, aos intérpretes de
conferência free-lance contratados pela Comissão nas condições estipuladas na
regulamentação relativa aos intérpretes de conferência aplicável pela instituição em
que efectuam as respectivas prestações».
- 4.
- No preâmbulo da convenção-quadro celebrada em 9 de Dezembro de 1988 (a
seguir «convenção-quadro de 1988»), os contraentes salientaram que o Parlamento
Europeu, na sequência da aplicação do artigo 78.° do Regime aplicável aos outros
Agentes das Comunidades Europeias (a seguir «RAA»), sujeitava a imposto
comunitário os intérpretes free-lance por ele contratados. Os signatários da
convenção-quadro de 1988 consideraram, por isso, desejável «referindo-se
exclusivamente às disposições fiscais decorrentes da aplicação do artigo 78.° do
RAA, assegurarem a igualdade de tratamento, em matéria fiscal, entre todos os
intérpretes free-lance».
- 5.
- Assim, ficou estipulado no artigo 8.° da convenção-quadro de 1988, que entrou em
vigor em 1 de Janeiro de 1989:
«Os intérpretes free-lance contratados pela Comissão por conta de todas as
instituições da Comunidade ficam sujeitos ao imposto em proveito das
Comunidades instituído pelo artigo 13.° do [protocolo].
Não será sujeito ao parágrafo anterior, excepto em caso de derrogação estabelecida
pela instituição, quem não for nacional dum Estado-Membro da Comunidade.»
- 6.
- A fim de atender ao caso específico dos intérpretes free-lance domiciliados em
Estados terceiros, foi aditado ao artigo 8.° da convenção-quadro celebrada em 15
de Setembro de 1994 para vigorar de 1 de Janeiro de 1994 a 31 de Dezembro de
1998 (a seguir «convenção-quadro de 1994»), um terceiro parágrafo com a seguinte
redacção:
«Caso a remuneração paga pela Comissão seja objecto de tributação num país
terceiro, e em derrogação do primeiro parágrafo, o montante do imposto
comunitário cobrado será restituído ao intérprete free-lance contra apresentação
dos documentos justificativos e até ao montante máximo correspondente ao
imposto nacional.»
- 7.
- No que se refere à resolução dos diferendos individuais, o artigo 23.° das referidas
convenções-quadro dispõe que, caso o litígio não possa ser solucionado no âmbito
do processo pre-contencioso estabelecido no artigo 22.°, o intérprete free-lance
pode recorrer para o Tribunal de Justiça, ao qual é atribuída competência nos
contratos individuais de prestação de serviços, nos termos dos artigos 42.° do
Tratado CECA, 181.° do Tratado CE e 153.° do Tratado CEEA.
- 8.
- O segundo parágrafo do artigo 23.° precisa que, sem prejuízo das disposições da
convenção-quadro e seus anexos e dos contratos individuais de prestação de
serviços, o direito belga será aplicável às relações contratuais entre os intérpretes
free-lance e as instituições.
- 9.
- Na prática, os intérpretes de conferência free-lance são contratados com pouca
antecedência por telefone ou fax, por um prazo habitualmente limitado a alguns
dias. O contrato é em seguida formalizado através de confirmação escrita assinada
por ambas as partes.
- 10.
- Tal confirmação precisa que o contrato se rege pela regulamentação relativa aos
intérpretes de conferência free-lance adoptada pela instituição a que o interessado
presta serviço, por um lado, e a convenção-quadro em vigor, por outro. A
confirmação remete também para a cláusula atributiva de competência contida no
artigo 23.° dessa convenção-quadro.
Factos na origem dos litígios
- 11.
- A. von Löwis é alemã e M. Alvarez-Cotera é espanhola e suíça. Ambas residem na
Suíça, respectivamente desde 1964 e 1970. Ambas exercem a actividade de
intérprete free-lance para as instituições da Comunidade, A. von Löwis desde 1973,
à média de 125 a 135 dias por ano, M. Alvarez-Cotera, desde Março de 1986, cerca
de 40 a 50 dias por ano.
- 12.
- Uma vez que a Comissão desconta o imposto comunitário das remunerações dos
intérpretes free-lance desde 1 de Janeiro de 1989, as demandantes estão
potencialmente sujeitas à dupla tributação dessa remuneração, em virtude da
possibilidade de sujeição ao imposto suíço sobre o rendimento.
- 13.
- Nos termos do artigo 22.° da convenção-quadro de 1994, M. Alvarez-Cotera e
A.von Löwis solicitaram à Comissão, respectivamente em 23 de Abril de 1996 e 8
de Julho de 1996, o reembolso do imposto comunitário que haviam pago desde
1989.
- 14.
- Tendo esses pedidos sido indeferidos pelo director da direcção «Conferências» do
serviço comum «Interpretação-Conferências», as recorrentes submeteram pedidos
idênticos aos directores-gerais competentes.
- 15.
- Esses pedidos foram igualmente indeferidos, por decisões de 25 de Setembro e de
21 de Outubro de 1996, com fundamento no facto de as recorrentes terem, antes
de 1994, prestado os respectivos serviços de intérprete com pleno conhecimento
das convenções-quadro celebradas com a AIIC e de o terceiro parágrafo do artigo
8.° da convenção-quadro de 1994 apenas poder ter efeitos sobre as prestações
efectuadas a partir de 1994. Para efeitos de restituição do imposto comunitário nos
termos desta última disposição, a Comissão solicitou a apresentação de documento
probatório dos pagamentos efectuados à administração fiscal helvética.
Processo
- 16.
- Por petições entradas na secretaria do Tribunal de Primeira Instância de 9 de
Dezembro de 1996, as demandantes intentaram as presentes acções para
reembolso do imposto comunitário.
- 17.
- Em 22 de Maio de 1997, a República Federal da Alemanha solicitou a sua
admissão como interveniente no processo T-204/96, em apoio das conclusões da
demandante. Esse pedido foi deferido por despacho de 11 de Julho de 1997.
- 18.
- Por despacho de 18 de Novembro de 1997, os processos T-202/97 e T-204/96 foram
apensos para efeitos de audiência e acórdão nos termos do artigo 50.° do
Regulamento de Processo.
- 19.
- Os processos, inicialmente atribuídos à terceira secção, foram deferidos à terceira
secção alargada, por decisão do Tribunal de Primeira Instância de 4 de Fevereiro
de 1998, proferida nos termos das disposições dos artigos 14.° e 51.° do
Regulamento de Processo.
- 20.
- Com base no relatório do juiz relator, o Tribunal de Primeira Instância (terceira
secção alargada) decidiu dar início à fase oral do processo. No âmbito das medidas
de organização do processo, convidou a Comissão a prestar determinadas
informações.
- 21.
- As partes apresentaram alegações e responderam às questões orais do Tribunal de
Primeira Instância na audiência de 5 de Maio de 1998.
Conclusões das partes
- 22.
- As demandantes concluem pedindo que o Tribunal se digne:
declarar as acções admissíveis;
anular, respectivamente, as decisões de 25 de Setembro e 21 de Outubro de
1996;
declarar ilegal a aplicação do imposto comunitário às demandantes e/ou
anular o artigo 8.° da convenção-quadro;
ordenar o reembolso do imposto comunitário descontado pela Comissão
e/ou pago pelas demandantes desde 1 de Janeiro de 1989 até prolação do
acórdão, acrescido de juros de mora à taxa de 8% ou à taxa legal;
condenar a Comissão nas despesas.
- 23.
- A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:
julgar as acções improcedentes;
condenar as demandantes nas despesas.
- 24.
- A interveniente no processo T-204/96 conclui pedindo que o Tribunal se digne
julgar procedente o pedido de reembolso do imposto comunitário.
Quanto à natureza jurídica do vínculo laboral das demandantes
- 25.
- É pacífico e não foi contestado pelas partes que, na respectiva qualidade de
intérpretes de apoio recrutadas nos termos de contratos de curta duração
frequentemente renovados todos os anos, as demandantes devem ser consideradas
não funcionárias ou agentes das Comunidades na acepção do RAA (acórdãos do
Tribunal de Justiça de 11 de Julho de 1985, Maag/Comissão, 43/84, Recueil,p. 2581, n.° 23, e Cantisani, 111/84, Recueil, p. 2671, n.° 13), mas como
co-contraentes, ligadas à Comissão por estipulações de direito privado, sendo
abrangidas pelo direito belga, nos termos do artigo 23.° das convenções-quadro, no
que se refere a todas as questões não regidas pelos contratos individuais de
prestação de serviços e pelas convenções-quadro.
- 26.
- Daqui se conclui que as presentes acções se baseiam em relações de natureza
contratual.
Quanto à admissibilidade
Quanto à excepção de incompetência do Tribunal de Primeira Instância
Argumentação das partes
- 27.
- A Comissão sustenta que o Tribunal não é competente para decidir sobre as
acções, na medida em que têm por objecto contratos celebrados antes de 1 de
Agosto de 1993, que deviam ter sido objecto de acção distinta perante o Tribunal
de Justiça. Com efeito, a Decisão 93/350/Euratom, CECA, CEE, do Conselho, de
8 de Junho de 1993, que altera a decisão do Conselho 88/591/CECA, CEE,
Euratom, que institui um Tribunal de Primeira Instância das Comunidades
Europeias (JO L 144, p. 21, a seguir «decisão do Conselho»), limitou, no segundo
parágrafo do artigo 3.°, a atribuição ao Tribunal de Primeira Instância de
competência para conhecer das acções intentadas, como sucede no caso vertente,
por pessoas singulares nos termos de uma cláusula atributiva de jurisdição,
exclusivamente aos litígios relativos à execução dos contratos celebrados após a sua
entrada em vigor, que ocorreu em 1 de Agosto de 1993.
- 28.
- As demandantes, sustentadas no essencial pela interveniente, objectam que o
Tribunal de Primeira Instância é competente para conhecer das acções, visto terem
sido intentadas após a entrada em vigor da convenção-quadro de 1994 e terem por
objecto uma relação jurídica contínua com a Comissão, composta por uma
multiplicidade de contratos de curta duração, que seria inadequado considerar de
forma separada.
Apreciação do Tribunal de Primeira Instância
- 29.
- As presentes acções põem em causa a legalidade da cobrança do imposto
comunitário, efectuada nos termos de disposições idênticas de duas
convenções-quadro, aplicáveis, respectivamente, de 1989 a 1994 e de 1994 a 1998,
por desconto nas remunerações pagas pela Comissão às demandantes, em execução
de uma sucessão de contratos individuais no essencial idênticos e celebrados depois
de 1 de Janeiro de 1989.
- 30.
- Nestas condições, é conforme com uma boa administração da justiça e com a
protecção jurisdicional das demandantes que o Tribunal de Primeira Instância
conheça da integralidade dos litígios, quer os contratos de prestação de serviços
individuais tenham sido celebrados antes ou após a entrada em vigor da decisão do
Conselho (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 1 de Julho de 1982,
Porta/Comissão, 109/82, Recueil, p. 2469, n.° 10).
- 31.
- Deve, pois, rejeitar-se a excepção de incompetência suscitada pela Comissão.
Quanto à questão prévia de inadmissibilidade baseada em confusão das vias de
recurso
- 32.
- No essencial, a Comissão acusa as demandantes de terem procurado desvalorizar
a distinção fundamental entre a acção de natureza contratual e o recurso de
anulação. Em especial, as demandantes não podem qualificar como decisões os
actos da Comissão de encerramento do processo pre-contencioso contratualmente
estabelecido, nem pedir a respectiva anulação.
- 33.
- As recorrentes objectam que os respectivos litígios não podem ser limitados à
categoria de litígios de natureza privada visto que, ao proceder ilegalmente à
cobrança do imposto comunitário, a Comissão se comportou, não como contraente,
mas como autoridade pública.
- 34.
- O Tribunal de Primeira Instância pode limitar-se a constatar que, como decorre
dos respectivos pedidos, as demandantes lhe pedem, em conformidade com a
natureza contratual dos presentes litígios, que condene a Comissão a
reembolsar-lhes o imposto comunitário, invocando falta de base legal para as
estipulações das convenções-quadro, nos termos das quais foram efectuadas as
retenções de imposto.
- 35.
- Daqui decorre que a questão prévia de inadmissibilidade da Comissão não pode
ser acolhida.
Quanto às questões prévias de inadmissibilidade baseadas em violação das normas
processuais
- 36.
- A Comissão observa, em primeiro lugar, que, violando o n.° 5-A do artigo 44.° do
Regulamento de Processo, as demandantes omitiram a junção aos respectivos
requerimentos iniciais dum exemplar de todos os contratos de recrutamento que
continham a cláusula atributiva de competência.
- 37.
- As demandantes respondem ter devidamente entregue, com as respectivas petições
iniciais, tanto as convenções-quadro aplicáveis, como um exemplar dos respectivos
contratos de prestação de serviços, nos termos da referida disposição.
- 38.
- O Tribunal de Primeira Instância verifica que as demandantes juntaram
regularmente às respectivas petições iniciais uma cópia do contrato de prestação
de serviços contendo a cláusula compromissória, na acepção do n.° 5-A do artigo
44.° do Regulamento de Processo, e que, em virtude da identidade material das
respectivas estipulações, não estavam de forma alguma obrigadas a apresentar
todos os contratos de prestação de serviços sucessivamente celebrados.
- 39.
- Em segundo lugar, a Comissão acusa as demandantes de não terem calculado com
precisão o montante do imposto comunitário descontado das respectivas
remunerações.
- 40.
- As recorrentes observam que contestam o próprio princípio de aplicação do
imposto comunitário às suas remunerações e que a falta de indicação do montante
preciso não é susceptível de implicar a inadmissibilidade das respectivas acções.
- 41.
- O Tribunal de Primeira Instância entende que lhe foi regularmente submetido o
pedido de decisão, tanto sobre o próprio princípio da legalidade da cobrança do
imposto comunitário feito pela Comissão, como sobre os pedidos de reembolso.
Com efeito, é pacífico que estes últimos têm por objecto somas que a própria
Comissão descontou, estando ela própria necessariamente em condições de
determinar o respectivo montante.
- 42.
- Em terceiro lugar, a Comissão alega que as demandantes nem sequer procuraram
indicar a norma jurídica que lhes permitia impugnar o artigo 8.° de ambas as
convenções-quadro pertinentes, em violação patente da obrigação de proceder a
uma «exposição sumária dos fundamentos do pedido», nos termos da alínea c), do
n.° 1, do artigo 44.° do Regulamento de Processo.
- 43.
- As demandantes entendem, pelo contrário, terem correctamente exposto as razões
pelas quais consideram que a Comissão lhes aplicou erradamente o artigo 8.° das
convenções-quadro.
- 44.
- O Tribunal de Primeira Instância verifica que as recorrentes expuseram claramente,
invocando disposições de direito comunitário pertinentes, que a Comissão não tinha
competência para proceder às retenções de imposto controvertidas.
- 45.
- Nestas condições, devem ser rejeitadas as questões prévias de inadmissibilidade
baseadas em violação das normas processuais.
Quanto à questão prévia de inadmissibilidade baseada no acordo das demandantes
quanto ao desconto do imposto comunitário
- 46.
- A Comissão observa que as demandantes aceitaram a sua sujeição ao imposto
comunitário a partir de 1989 e que tentam agora obter o reembolso do imposto
comunitário, após aguardarem vários anos antes de intentarem as respectivas
acções.
- 47.
- O Tribunal de Primeira Instância entende dever remeter a análise desta questão
para o exame do mérito, de que faz parte integrante.
Quanto ao mérito
Argumentação das partes
- 48.
- As recorrentes, apoiadas no essencial pela interveniente no processo T-204/96,
salientam que, com base no artigo 13.° do protocolo, o Conselho definiu, no
Regulamento (CEE, Euratom, CECA) n.° 260/68 do Conselho, de 29 de Fevereiro
de 1968, que fixa as condições e o processo de aplicação do imposto estabelecido
em proveito das Comunidades Europeias (JO L 56, p. 8; EE 01 F1, p. 136), as
condições e modalidades de aplicação do imposto comunitário às remunerações
pagas pelas comunidades aos respectivos funcionários e outros agentes.
- 49.
- Não sendo os intérpretes free-lance funcionários ou outros agentes das
Comunidades na acepção do RAA, a Comissão cometeu um erro de direito
manifesto ao deduzir o imposto comunitário das respectivas remunerações, com
base no artigo 8.° das convenções-quadro, dado que estas foram celebradas com
uma associação internacional de direito privado e relevam do direito civil.
- 50.
- A Comissão contesta que o fundamento da sujeição ao imposto comunitário dos
intérpretes free-lance é contratual, pelo que, por força do princípio pacta sunt
servanda, as demandantes não podem impugnar a legalidade dos respectivos
contratos excepto se existir dolo, erro, coacção ou circunstâncias idênticas. A
Comissão entende, além disso, que o artigo 8.° das convenções-quadro é
indissociável das suas outras disposições.
Apreciação do Tribunal de Primeira Instância
- 51.
- O primeiro parágrafo do artigo 13.° do protocolo instituiu, em benefício das
Comunidades, um imposto sobre as remunerações por elas pagas aos respectivos
funcionários e outros agentes.
- 52.
- Com base nessa disposição, o artigo 2.° do Regulamento n.° 260/68 sujeitou a esse
imposto comunitário as pessoas sujeitas ao Estatuto ou ao RAA, com excepção dos
agentes locais.
- 53.
- Dado que, na respectiva qualidade de intérpretes free-lance, as demandantes não
podem ser consideradas funcionários ou outros agentes na acepção do RAA, a
Comissão não podia legalmente descontar o imposto comunitário sobre as
remunerações que pagou às interessadas desde 1 de Janeiro de 1989.
- 54.
- Além disso, resulta da economia do artigo 13.° do protocolo que a sujeição, nos
termos do respectivo primeiro parágrafo, dos funcionários e outros agentes das
Comunidades ao imposto comunitário, relativamente às remunerações que lhes são
pagas pelas Comunidades, tem necessariamente por corolário, de acordo com o
segundo parágrafo da mesma disposição, a isenção de pagamento pelos
interessados de impostos nacionais relativamente a essas mesmas remunerações.
- 55.
- Esta princípio é precisado pela alínea a) do artigo 2.° do Regulamento (Euratom,
CECA, CEE) n.° 549/69 do Conselho, de 25 de Março de 1969, que fixa as
categorias dos funcionários e agentes das Comunidades Europeias aos quais são
aplicáveis determinadas disposições do protocolo (JO L 74, p. 1; EE 01 F1 p. 145),
com as alterações posteriores, nos termos da qual só as pessoas sujeitas ao Estatuto
ou ao RAA, com excepção dos agentes locais, beneficiam das disposições do
segundo parágrafo do artigo 13.° do protocolo.
- 56.
- Daqui decorre que as remunerações pagas pela Comissão às demandantes são do
âmbito da soberania fiscal dos Estados-Membros.
- 57.
- Nesta medida, a Comissão violou também a competência fiscal dos
Estados-Membros ao proceder à controvertida cobrança do imposto comunitário.
- 58.
- Devem, por conseguinte, julgar-se procedentes os pedidos de reembolso das
demandantes, sem que se deva atender às objecções deduzidas pela Comissão do
invocado consentimento das demandantes quanto ao desconto do imposto
comunitário e da indivisibilidade das estipulações das convenções-quadro (v. acima
n.° 50). Com efeito, nem a vontade das partes numa convenção, nem o equilíbrio
desta, podem ser validamente invocados para obter a execução ou a manutenção
de obrigações ilícitas.
- 59.
- Resulta do que precede que a Comissão deve ser condenada a reembolsar às
demandantes as somas qualificadas como imposto comunitário que descontou
ilegalmente das remunerações pagas desde 1 de Janeiro de 1989, acrescidas de
juros de mora à taxa legal belga, contados da data do primeiro pedido de
reembolso efectuado por cada uma das demandantes (v. acima n.° 13) e até
efectivo pagamento.
Quanto às despesas
- 60.
- Por força do disposto no n.° 2 do artigo 87.° do Regulamento de Processo, a parte
vencida deve ser condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.
Tendo a Comissão sido vencida, há que condená-la nas despesas, de acordo com
os pedidos das demandantes.
- 61.
- A República Federal da Alemanha, parte interveniente no processo T-204/96,
suportará as suas próprias despesas, por força do disposto no primeiro parágrafo
do n.° 4 do artigo 87.° do Regulamento de Processo.
Pelos fundamentos expostos,
O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção Alargada),
decide:
- 1.
- A Comissão é condenada a reembolsar às demandantes as somas
qualificadas como imposto comunitário que descontou ilegalmente das
remunerações pagas desde 1 de Janeiro de 1989, acrescidas de juros de
mora à taxa legal belga, contados da data do primeiro pedido de reembolso
efectuado por cada uma das demandantes e até efectivo pagamento.
- 2.
- Os pedidos das demandantes são julgados improcedentes quanto ao
restante.
- 3.
- A Comissão é condenada nas despesas.
- 4.
- A República Federal da Alemanha suportará as suas próprias despesas.
TiiliBriët
Lenaerts
Potocki Cooke
|
Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 16 de Julho de 1998.
O secretário
O presidente
H. Jung
V. Tiili