Language of document : ECLI:EU:C:2017:607

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MELCHIOR WATHELET

apresentadas em 26 de julho de 2017 (1)

Processo C442/16

Florea Gusa

contra

Minister for Social Protection,

Attorney General,

Irlanda

[pedido de decisão prejudicial apresentado Court of Appeal (Tribunal de Recurso, Irlanda)]

«Reenvio prejudicial — Regulamento (CE) n.° 883/2004 — Prestações pecuniárias especiais de caráter não contributivo — Subsídio para candidatos a emprego — Diretiva 2004/38/CE — Artigo 7.°, n.° 3, alínea b) — Cidadão da União que residiu e trabalhou como não assalariado no Estado‑Membro de acolhimento — Cessação do estatuto de trabalhador não assalariado»






I.      Introdução

1.        O presente pedido de decisão prejudicial suscita, a título principal, a questão de saber se um Estado‑Membro pode excluir do benefício de prestações de subsistência de caráter não contributivo, na aceção do Regulamento (CE) n.° 883/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativo à coordenação dos sistemas de segurança social(2), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.° 988/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de setembro de 2009 (3) (a seguir «Regulamento n.° 883/2004»), o nacional de outro Estado‑Membro que trabalhou durante mais de um ano, como não assalariado, no seu território ou se o nacional em causa mantém o estatuto de «trabalhador» (4) na aceção do artigo 7.°, n.° 3, alínea b), da Diretiva 2004/38/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros, que altera o Regulamento (CEE) n.° 1612/68 e que revoga as Diretivas 64/221/CEE, 68/360/CEE, 72/194/CEE, 73/148/CEE, 75/34/CEE, 75/35/CEE, 90/364/CEE, 90/365/CEE e 93/96/CEE (5).

2.        Mais fundamentalmente, através das suas várias questões, o órgão jurisdicional de reenvio dá ao Tribunal de Justiça a oportunidade de precisar o alcance da cidadania da União Europeia e de resolver as incertezas que os acórdãos de 11 de novembro de 2014, Dano (C‑333/13, EU:C:2014:2358), de 15 de setembro de 2015, Alimanovic (C‑67/14, EU:C:2015:597), de 25 de fevereiro de 2016, García‑Nieto e o. (C‑299/14, EU:C:2016:114), bem como de 14 de junho de 2016, Comissão/Reino Unido (C‑308/14, EU:C:2016:436) deixaram subsistir a este respeito.

II.    Quadro jurídico

A.      Direito da União

1.      Regulamento n.° 883/2004

3.        O artigo 3.° do Regulamento n.° 883/2004, intitulado «Âmbito de aplicação material», tem a seguinte redação:

«1.      O presente regulamento aplica‑se a todas as legislações relativas aos ramos da segurança social que digam respeito a:

[…]

h)      Prestações por desemprego;

[…]

2.      Salvo disposição em contrário no anexo XI, o presente regulamento aplica‑se aos regimes de segurança social, gerais e especiais, contributivos e não contributivos, assim como aos regimes relativos às obrigações do empregador ou do armador.

3.      O presente regulamento aplica‑se igualmente às prestações pecuniárias especiais de caráter não contributivo abrangidas pelo artigo 70.°

[…]»

4.        Nos termos do artigo 4.° do Regulamento n.° 883/2004, intitulado «Igualdade de tratamento»:

«Salvo disposição em contrário do presente regulamento, as pessoas a quem o presente regulamento se aplica beneficiam dos direitos e ficam sujeitas às obrigações da legislação de qualquer Estado‑Membro nas mesmas condições que os nacionais desse Estado‑Membro.»

5.        O capítulo 9, do título III, do Regulamento n.° 883/2004 é consagrado às «[p]restações pecuniárias especiais de caráter não contributivo». É constituído apenas pelo artigo 70.°, que se intitula «Disposições gerais» e prevê:

«1.      O presente artigo aplica‑se às prestações pecuniárias especiais de caráter não contributivo concedidas nos termos de uma legislação que, devido ao seu âmbito de aplicação pessoal, aos seus objetivos e/ou condições de aquisição de direito, tenha características tanto de legislação de segurança social referida no n.° 1 do artigo 3.°, como de legislação de assistência social.

2.      Para efeitos do presente capítulo, a expressão «prestações pecuniárias especiais de caráter não contributivo» designa as prestações:

a)      Que se destinem a:

i)      abranger a título complementar, supletivo ou acessório os riscos correspondentes aos ramos de segurança social referidos no n.° 1 do artigo 3.°, e que garantam aos interessados um rendimento mínimo de subsistência tendo em conta a situação económica e social no Estado‑Membro em causa; ou

ii)      apenas a garantir proteção específica dos deficientes, estando essas prestações em estreita relação com a situação social dessas pessoas no Estado‑Membro em causa;

e

b)      Cujo financiamento derive exclusivamente de uma tributação obrigatória destinada a cobrir a despesa pública geral, e cujas condições de concessão e de cálculo não dependam de qualquer contribuição por parte do beneficiário. No entanto, as prestações concedidas como complemento de uma prestação de caráter contributivo não são consideradas prestações de caráter contributivo só por esse motivo;

e

c)      Que sejam inscritas no anexo X.

3.      O artigo 7.° e os outros capítulos do título III não se aplicam às prestações referidas no n.° 2 do presente artigo.

4.      As prestações referidas no n.° 2 são concedidas exclusivamente no Estado‑Membro da residência do interessado e de acordo com a respetiva legislação. Essas prestações são concedidas pela instituição do lugar de residência e a seu cargo.»

6.        No anexo X do Regulamento n.° 883/2004, intitulado «Prestações pecuniárias especiais de caráter não contributivo», figura, na secção relativa à Irlanda, a alínea a), referente ao «[s]ubsídio para candidatos a emprego (Lei consolidada de 2005 relativa à segurança social, parte III, capítulo 2)».

2.      Diretiva 2004/38

7.        Nos termos dos considerandos 1 a 4 da Diretiva 2004/38:

«(1)      A cidadania da União confere a cada cidadão da União um direito fundamental e individual de circular e residir livremente no território dos Estados‑Membros, sujeito às limitações e condições estabelecidas no Tratado e às medidas adotadas em sua execução.

(2)      A livre circulação das pessoas constitui uma das liberdades fundamentais do mercado interno que compreende um espaço sem fronteiras internas, no qual a liberdade é assegurada de acordo com as disposições do Tratado.

(3)      A cidadania da União deverá ser o estatuto fundamental dos nacionais dos Estados‑Membros quando estes exercerem o seu direito de livre circulação e residência. É, pois, necessário codificar e rever os instrumentos comunitários em vigor que tratam separadamente a situação dos trabalhadores assalariados, dos trabalhadores não assalariados, assim como dos estudantes e de outras pessoas não ativas, a fim de simplificar e reforçar o direito de livre circulação e residência de todos os cidadãos da União.

(4)      Com vista a remediar esta abordagem setorial e fragmentada do direito de livre circulação e residência e a facilitar o exercício deste direito, é necessário aprovar um único ato legislativo que altere, em parte, o Regulamento (CEE) n.° 1612/68 do Conselho, de 15 de outubro de 1968, relativo à livre circulação dos trabalhadores na Comunidade, e que revogue os seguintes atos: a Diretiva 68/360/CEE do Conselho, de 15 de outubro de 1968, relativa à supressão das restrições à deslocação e permanência dos trabalhadores dos Estados‑Membros e suas famílias na Comunidade [JO 1968, L 257, p. 13; EE 05 F1 p. 88], a Diretiva 73/148/CEE do Conselho, de 21 de maio de 1973, relativa à supressão das restrições à deslocação e à permanência dos nacionais dos Estados‑Membros na Comunidade, em matéria de estabelecimento e de prestação de serviços [JO 1973, L 172, p. 14; EE 06 F1 p. 132], a Diretiva 90/364/CEE do Conselho, de 28 de junho de 1990, relativa ao direito de residência [JO 1990, L 180, p. 26], a Diretiva 90/365/CEE do Conselho, de 28 de junho de 1990, relativa ao direito de residência dos trabalhadores assalariados e não assalariados que cessaram a sua atividade profissional [JO 1990, L 180, p. 28], e a Diretiva 93/96/CEE do Conselho, de 29 de outubro de 1993, relativa ao direito de residência dos estudantes [JO 1993, L 317, p. 59].»

8.        O artigo 7.° da Diretiva 2004/38, intitulado «Direito de residência por mais de três meses», dispõe o seguinte:

«1.      Qualquer cidadão da União tem o direito de residir no território de outro Estado‑Membro por período superior a três meses, desde que:

a)      Exerça uma atividade assalariada ou não assalariada no Estado‑Membro de acolhimento; ou

b)      Disponha de recursos suficientes para si próprio e para os membros da sua família, a fim de não se tornar uma sobrecarga para o regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento durante o período de residência, e de uma cobertura extensa de seguro de doença no Estado‑Membro de acolhimento; ou,

[…]

d)      Seja membro da família que acompanha ou se reúne a um cidadão da União que preencha as condições a que se referem as alíneas a), b) ou c).

[…]

3.      Para os efeitos da alínea a) do n.° 1, o cidadão da União que tiver deixado de exercer uma atividade assalariada ou não assalariada mantém o estatuto de trabalhador assalariado ou não assalariado nos seguintes casos:

[…]

b)      Quando estiver em situação de desemprego involuntário devidamente registado depois de ter tido emprego durante mais de um ano e estiver inscrito no serviço de emprego como candidato a um emprego;

[…]»

9.        Nos termos do artigo 14.° da Diretiva 2004/38, intitulado «Conservação do direito de residência»:

«1.      Os cidadãos da União e os membros das suas famílias têm o direito de residência a que se refere o artigo 6.°, desde que não se tornem uma sobrecarga não razoável para o regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento.

[…]

4.      Em derrogação dos n.os 1 e 2 e sem prejuízo do disposto no capítulo VI, em caso algum pode ser tomada uma medida de afastamento contra cidadãos da União ou membros das suas famílias se:

a)      Os cidadãos da União forem trabalhadores assalariados ou não assalariados; ou

b)      Os cidadãos da União entraram no território do Estado‑Membro de acolhimento para procurar emprego. Neste caso, os cidadãos da União e os membros das suas famílias não podem ser afastados enquanto os cidadãos da União comprovarem que continuam a procurar emprego e que têm hipóteses genuínas de serem contratados.»

10.      O artigo 16.° da Diretiva 2004/38 define a regra geral relativa ao direito de residência permanente para os cidadãos da União e os membros das suas famílias. Nos termos do n.° 1 deste artigo, «[o]s cidadãos da União que tenham residido legalmente por um período de cinco anos consecutivos no território do Estado‑Membro de acolhimento, têm direito de residência permanente no mesmo. Este direito não está sujeito às condições previstas no capítulo III».

11.      Por último, o artigo 24.° desta diretiva, intitulado «Igualdade de tratamento», estabelece:

«1.      Sob reserva das disposições específicas previstas expressamente no Tratado e no direito secundário, todos os cidadãos da União que, nos termos da presente diretiva, residam no território do Estado‑Membro de acolhimento beneficiam de igualdade de tratamento em relação aos nacionais desse Estado‑Membro, no âmbito de aplicação do Tratado. O benefício desse direito é extensível aos membros da família que não tenham a nacionalidade de um Estado‑Membro e tenham direito de residência ou direito de residência permanente.

2.      Em derrogação do n.° 1, o Estado‑Membro de acolhimento pode não conceder o direito a prestações de assistência social durante os primeiros três meses de residência ou, quando pertinente, o período mais prolongado previsto na alínea b) do n.° 4 do artigo 14.°, assim como, antes de adquirido o direito de residência permanente, pode não conceder ajuda de subsistência, incluindo a formação profissional, constituída por bolsas de estudo ou empréstimos estudantis, a pessoas que não sejam trabalhadores assalariados ou trabalhadores não assalariados, que não conservem este estatuto ou que não sejam membros das famílias dos mesmos.»

B.      Direito nacional

1.      Regulamento de 2006

12.      A Diretiva 2004/38 foi transposta, para o direito irlandês, pelo Regulamento n.° 2 de 2006 relativo à livre circulação de pessoas no interior das Comunidades Europeias (6).

13.      Nos termos do artigo 6.°, n.° 2, do Regulamento de 2006:

«a)      Sem prejuízo do disposto no artigo 20.°, um cidadão da União pode residir no território do Estado por um período superior a três meses, desde que:

i)      Exerça uma atividade assalariada ou não assalariada no Estado;

[…]

c)      Sem prejuízo do disposto no artigo 20.°, uma pessoa à qual seja aplicável a alínea a), i), pode permanecer no Estado após ter cessado a atividade referida na mesma alínea a), i):

i)      Quando tiver uma incapacidade temporária para o trabalho, resultante de doença ou acidente;

ii)      Quando estiver em situação de desemprego involuntário devidamente registado depois de ter tido emprego durante mais de um ano e estiver inscrita como candidata a um emprego no serviço de emprego competente do Department of Social and Family Affairs[Ministério dos Assuntos Sociais e Familiares, Irlanda]e da FÁS[Foras Áiseanna Saothair, Autoridade responsável pela formação e pelo emprego, Irlanda].»

2.      Lei de 2005

14.      O subsídio para candidatos a emprego na Irlanda está previsto no artigo 139.° da Lei irlandesa consolidada de 2005 relativa à segurança social (conforme alterada) (7).

15.      O artigo 141.° da Lei de 2005, aplicável à data dos factos no processo principal, define os critérios de elegibilidade para a concessão do subsídio, entre os quais figuram a avaliação dos recursos do requerente e a verificação do caráter habitual da sua residência no território do Estado. No entanto, não é posto em causa que o trabalhador assalariado e o trabalhador não assalariado podem ambos beneficiar de um subsídio para candidatos a emprego (8).

16.      Nos termos do artigo 246.°, n.° 5, da Lei de 2005, uma pessoa que não tenha o direito de residir na Irlanda não é considerada residente habitual nesse Estado, para efeitos da aplicação da referida lei.

17.      O artigo 246.°, n.° 6, da Lei de 2005 precisa que, entre as pessoas a quem se reconhece o direito de residir na Irlanda, para efeitos da aplicação do n.° 5 do referido artigo, figuram as que têm o direito de entrar e de residir no território do Estado ao abrigo do Regulamento de 2006.

III. Matéria de facto do processo principal

18.      F. Gusa, nacional romeno, entrou na Irlanda no mês em outubro de 2007. Durante o seu primeiro ano de residência na Irlanda, os seus filhos, que também residiam na Irlanda, ajudaram‑no a fazer face às suas necessidades. Depois, a partir de outubro de 2008 até outubro de 2012, trabalhou por conta própria como estucador.

19.      Segundo a decisão de reenvio, F. Gusa teve que cessar a sua atividade, devido à falta de clientela causada pela recessão económica. Apresentou então um pedido de subsídio para candidatos a emprego, que foi indeferido por decisão de 22 de novembro de 2012.

20.      A decisão de indeferimento invocava como fundamento o facto de F. Gusa não ter residência habitual na Irlanda, dado que o estatuto de residente habitual estava subordinado à posse de um direito de residência nos termos do Regulamento de 2006. Ora, considerava‑se que ele tinha perdido este direito na sequência da cessação da sua atividade não assalariada. Além disso, F. Gusa não teria demonstrado que dispunha de recursos suficientes para assegurar a sua subsistência nem de uma cobertura extensa de seguro de doença. Por conseguinte, a decisão concluía que F. Gusa deixara de preencher as condições previstas na norma 6, n.° 2, alínea a), do Regulamento de 2006 (que transpõe para o direito nacional o artigo 7.°, n.° 1, da Diretiva 2004/38). Por outro lado, enquanto trabalhador não assalariado, também não tinha direito à proteção prevista na norma 6, n.° 2, alínea c), ponto (ii), do Regulamento de 2006 [que transpõe para o direito nacional o artigo 7.°, n.° 3, alínea b), da Diretiva 2004/38].

21.      F. Gusa foi autorizado a interpor recurso de anulação para a High Court (Tribunal Superior, Irlanda), que confirmou a decisão de indeferimento. A seguir, F. Gusa interpôs recurso dessa decisão para a Supreme Court (Supremo Tribunal, Irlanda).

22.      Em conformidade com o artigo 64.° da Constituição irlandesa, o recurso foi transferido para o órgão jurisdicional de reenvio que pretende que o Tribunal de Justiça se pronuncie, tendo em conta que as disposições aplicáveis transpõem várias disposições do direito da União. Por conseguinte, aquele decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial.

IV.    Pedido de decisão prejudicial e tramitação no Tribunal de Justiça

23.      Por decisão de 29 de julho de 2016, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 8 de agosto de 2016, a Court of Appeal (Tribunal de Recurso, Irlanda) decidiu, assim, submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1.      Um cidadão da União que: (1) é nacional de outro Estado‑Membro; (2) residiu legalmente e exerceu atividade como trabalhador não assalariado num Estado‑Membro de acolhimento durante aproximadamente quatro anos; (3) cessou a sua atividade laboral ou económica por falta de trabalho e (4) se inscreveu no serviço de emprego competente como candidato a emprego, mantém o estatuto de trabalhador não assalariado nos termos do artigo 7.°, n.° 1, alínea a), por força do artigo 7.°, n.° 3, alínea b), da Diretiva 2004/38 8/CE, ou de outra disposição?

2.      Em caso de resposta negativa, mantém o direito de residência no Estado‑Membro de acolhimento apesar de não preencher os critérios previstos no artigo 7.°, n.° 1, alíneas b) ou c), da Diretiva 2004/38/CE ou só está protegido contra o afastamento nos termos do artigo 14.°, n.° 4, alínea b), da Diretiva 2004/38/CE?

3.      Em caso de resposta negativa, o indeferimento do pedido apresentado por essa pessoa de um subsídio para candidatos a emprego (que é uma prestação pecuniária especial de caráter não contributivo na aceção do artigo 70.° do Regulamento n.° 883/2004/CE), por não ter demonstrado ser titular do direito de residência no Estado‑Membro de acolhimento, é compatível com o direito da União e, em especial, com o artigo 4.° do Regulamento n.° 883/2004/CE?»

24.      O recorrente no processo principal, os Governos irlandês, checo, dinamarquês, francês, húngaro, do Reino Unido, bem como a Comissão Europeia apresentaram observações escritas.

25.      Além disso, à exceção dos Governos dinamarquês e húngaro, todos intervieram na audiência, que teve lugar em 14 de junho de 2017. O Governo alemão, que não tinha apresentado observações escritas, pôde igualmente expor os seus argumentos nesta audiência.

V.      Análise

A.      Observações preliminares sobre a aplicabilidade do artigo 16.°, n.° 1, da Diretiva 2004/38

26.      No âmbito da repartição de competências que vigora entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros, é, em princípio, da competência do órgão jurisdicional nacional verificar se estão reunidos os pressupostos de facto da aplicação de uma norma do direito da União no processo aí pendente. Contudo, o Tribunal de Justiça admitiu que podia, sendo caso disso, quando o mesmo decide a título prejudicial, fornecer precisões destinadas a guiar o órgão jurisdicional nacional na sua interpretação (9).

27.      No caso em apreço, o órgão jurisdicional de reenvio pretende, essencialmente, saber de que modo devem ser interpretados os requisitos em que é autorizado, ao abrigo da Diretiva 2004/38, o direito de residência de um cidadão da União.

28.      Neste contexto, o mesmo parece excluir a possibilidade de F. Gusa ter adquirido um direito de residência permanente. Com efeito, o órgão jurisdicional de reenvio parte do princípio de que o recorrente no processo principal não sustentou que tinha direito a beneficiar de residência permanente no mês de novembro de 2012 (10). O próprio F. Gusa confirma, nas suas observações escritas, que não alega ter preenchido os requisitos previstos no artigo 7.° da Diretiva 2004/38 durante o período de residência anterior a outubro de 2008 (11). Esta posição foi confirmada na audiência de 14 de junho de 2017.

29.      Estas afirmações surpreendem‑me. De facto, nos termos do artigo 16.°, n.° 1, da Diretiva 2004/38, os cidadãos da União que tenham residido legalmente por um período de cinco anos consecutivos no território do Estado‑Membro de acolhimento, têm direito de residência permanente no mesmo.

30.      Nos termos do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), da Diretiva 2004/38, a residência de um cidadão da União é legal, para além dos primeiros três meses, desde que disponha de recursos suficientes a fim de não se tornar uma sobrecarga para o regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento durante o período de residência, e de uma cobertura extensa de seguro de doença no referido Estado.

31.      Essa disposição não contém a menor exigência quanto à proveniência desses recursos. Com efeito, o Tribunal de Justiça já declarou que a expressão «disponha de recursos suficientes», que consta desta disposição, deve ser interpretada no sentido de que «basta que os cidadãos da União disponham desses recursos, sem que esta disposição contenha a menor exigência quanto à sua proveniência, podendo estes recursos ser fornecidos, designadamente, pelo nacional de um Estado terceiro» (12). O mesmo deve acontecer, a fortiori, quando os recursos em causa provenham de um cidadão da União.

32.      Ora, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, foram os filhos de F. Gusa, que residiam legalmente na Irlanda, quem ajudou o pai durante o primeiro ano da sua residência na Irlanda (13). Longe de contestarem a informação, os recorridos no processo principal referem este elemento factual nas suas observações escritas(14).

33.      O facto de F. Gusa considerar que o apoio que recebia era limitado e insuficiente para efeitos da Diretiva 2004/38 (15) não se me afigura pertinente para apreciar a aplicação do artigo 16.°, n.° 1, desta diretiva.

34.      Com efeito, uma vez que F. Gusa não recorreu ao regime de segurança social da Irlanda para fazer face às suas necessidades durante o primeiro ano da sua residência, deve presumir‑se que os recursos de que dispunha foram suficientes. Estes não podem, a posteriori, ser considerados insuficientes na aceção da Diretiva 2004/38, dado que o cidadão da União não constituiu, nos termos desta diretiva, uma «sobrecarga para o regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento».

35.      Por conseguinte, considero que o primeiro ano de residência de F. Gusa em território irlandês era legal. Ora, se esse primeiro período preceder, sem interrupção, os quatro anos durante os quais F. Gusa trabalhou por conta própria como estucador, deve considerar‑se que este beneficia de um direito de residência permanente no território irlandês ao abrigo do artigo 16.°, n.° 1, da Diretiva 2004/38, desde o mês de outubro de 2012 (16).

36.      Neste caso, já não se coloca a questão de saber se F. Gusa manteve, ou não, o estatuto de trabalhador, na aceção do artigo 7.°, n.° 3, da Diretiva 2004/38, uma vez que os requisitos previstos no artigo 7.° não se aplicam ao direito de residência permanente. Com efeito, nos termos do artigo 16.°, n.° 1, da Diretiva 2004/38, este direito não está sujeito às condições previstas no capítulo III da diretiva.

37.      Todavia, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar esta verificação.

38.      Decorre do exposto que as questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio só mantêm a sua utilidade no caso de a análise dos factos do processo principal revelar uma interrupção do direito de residência de F. Gusa suscetível de tornar ineficaz o artigo 16.°, n.° 1, da Diretiva 2004/38. Ora, não resulta, de forma alguma, dos autos no Tribunal de Justiça, que tenha havido tal interrupção (17). Irei analisar as questões submetidas à apreciação do Tribunal de Justiça tendo em conta estas observações preliminares.

B.      Quanto à primeira questão prejudicial

1.      Quanto à circunscrição da questão ao artigo 7.°, n.° 3, da Diretiva 2004/38

39.      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta‑se se um cidadão da União, que residiu legalmente e exerceu atividade como trabalhador não assalariado num Estado‑Membro de acolhimento durante aproximadamente quatro anos, mantém o estatuto de trabalhador não assalariado ao abrigo do artigo 7.°, n.° 1, alínea a), do artigo 7.°, n.° 3, alínea b), da Diretiva 2004/38/CE, ou de outra disposição, após ter cessado a sua atividade laboral ou económica por falta de trabalho e se ter inscrito no serviço de emprego competente como candidato a emprego.

40.      Tendo em conta que a segunda questão prejudicial submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio também diz respeito à possibilidade de manutenção do direito de residência no caso de um cidadão da União, que se encontre na situação do recorrente no processo principal, não preencher os requisitos do artigo 7.°, n.° 3, alínea b), da Diretiva 2004/38 nem os requisitos do artigo 7.°, n.° 1, alínea a), da Diretiva 2004/38, no âmbito desta primeira questão só abordarei a interpretação do artigo 7.°, n.° 3, alínea b), da Diretiva 2004/38. De facto, a possibilidade de beneficiar de um direito de residência com fundamento no artigo 7.°, n.° 1, alínea a), da Diretiva 2004/38 está excluída, uma vez que não se contesta que, à data dos factos, F. Gusa já não era «trabalhador» na aceção desta disposição. A questão que se coloca é, precisamente, a de saber se ele pôde manter esse estatuto,embora tenha deixado de exercer uma atividade (assalariada ou não assalariada) como exigido pelo artigo 7.°, n.° 1, alínea a), da Diretiva 2004/38. Por outro lado, no âmbito da segunda questão prejudicial, irei analisar a possibilidade de beneficiar de um direito de residência com base noutro fundamento que não o artigo 7.°, n.° 3, alínea b), da Diretiva 2004/38.

2.      Interpretação proposta pelo órgão jurisdicional de reenvio

41.      Nos termos do artigo 7.°, n.° 3, alínea b), da Diretiva 2004/38, o cidadão da União mantém o estatuto de trabalhador — e, portanto, o direito de residência no território de um Estado‑Membro para além do período de três meses — «quando estiver em situação de desemprego involuntário devidamente registado depois de ter tido emprego durante mais de um ano e estiver inscrito no serviço de emprego como candidato a um emprego».

42.      O órgão jurisdicional de reenvio considera que, se devesse interpretar a disposição que transpõe o artigo 7.°, n.° 3, alínea b), da Diretiva 2004/38 para direito irlandês de acordo com o sentido habitual da expressão «ter tido emprego», esta não incluiria a situação de um trabalhador não assalariado. Não obstante, o órgão jurisdicional de reenvio mostra‑se igualmente sensível à argumentação que F. Gusa desenvolveu perante o mesmo. No seu entender, esta consequência não seria compatível com a intenção subjacente às disposições do Tratado FUE e da legislação adotada em aplicação das mesmas.

43.      Portanto, as dúvidas do órgão jurisdicional de reenvio são suscitadas pela eventual contradição que haveria entre a redação da disposição aplicável e o objetivo prosseguido pelo legislador da União.

44.      F. Gusa, os Governos dinamarquês e húngaro, bem como a Comissão entendem que, na aplicação do artigo 7.°, n.° 3, alínea b), da Diretiva 2004/38, não se pode fazer diferença entre trabalhadores assalariados e trabalhadores não assalariados. Por outro lado, os Governos irlandês, checo, francês e do Reino Unido consideram que só os trabalhadores assalariados são abrangidos por esta disposição.

3.      Quanto à interpretação literal

45.      Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, para efeitos da interpretação de uma disposição do direito da União, deve ter‑se em conta não só os seus termos mas também o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação em que se integra (18).

46.      Com efeito, embora «a letra de uma disposição constitu[a] sempre o ponto de partida e ao mesmo tempo o limite de qualquer interpretação» (19), a interpretação teleológica só se torna facultativa no caso de o texto em causa ser absolutamente claro e unívoco(20).

47.      Além disso, também não se deve esquecer a especificidade, decorrente do multilinguismo da União, da qual resulta que a formulação utilizada numa das versões linguísticas de uma disposição do direito da União não pode servir de base única à interpretação dessa disposição e não lhe pode ser atribuído caráter prioritário em relação às outras versões linguísticas. As disposições do direito da União devem ser interpretadas e aplicadas de maneira uniforme, à luz das versões redigidas em todas as línguas da União. Por conseguinte, em caso de disparidade entre as diferentes versões linguísticas de um diploma do direito da União, a disposição em causa deve ser interpretada em função da economia geral e da finalidade da regulamentação de que constitui um elemento (21).

48.      Ora, no caso em apreço, é forçoso constatar que as diferentes versões linguísticas do artigo 7.°, n.° 3, alínea b), da Diretiva 2004/38 não confirmam a ideia de que o legislador teria querido limitar a manutenção do estatuto de «trabalhador» unicamente aos cidadãos que exerceram uma atividade assalariada durante mais de um ano. Pelo contrário, de um exercício comparativo ressalta uma impressão de neutralidade no que diz respeito ao modo de exercício da atividade profissional.

49.      Em todo o caso, contrariamente ao que defendem vários Estados‑Membros intervenientes no processo, o certo é que a referência ao facto de «ter tido emprego» não aparece em todas as versões linguísticas. Com efeito, embora encontremos esta formulação nas versões em língua espanhola («haber estado empleado»), em língua inglesa («having been employed»), em língua francesa («avoir été employé») ou ainda em língua eslovena («ko je bil zaposlen»), nas outras versões linguísticas são utilizados termos ou expressões completamente neutros. É, nomeadamente, assim que as versões em língua neerlandesa («te hebben gewerkt») e em língua finlandesa («työskenneltyään») utilizam a expressão «depois de ter trabalhado», que a versão em língua grega («επαγγελ μ ατική δραστηριότητα») faz referência ao exercício de uma «atividade profissional», enquanto que a versão em língua italiana se contenta mesmo com o exercício de uma «atividade» em geral («aver esercitato un’attività»). Por último, tendo em conta o contexto da disposição em que estão inseridas, a palavra búlgara «zaet» e a palavra alemã «Beschäftigung» também podem ser traduzidas pelo termo geral «ocupação» sem estarem conotadas de outra forma.

50.      Esta disparidade entre as diferentes versões linguísticas do artigo 7.°, n.° 3, alínea b), da Diretiva 2004/38 impõe que se recorra à sistemática da disposição, bem como à finalidade da regulamentação. Ora, ambas confirmam que o artigo 7.°, n.° 3, alínea b), da Diretiva 2004/38 deve ser interpretado no sentido de que é indiferente à forma como o cidadão da União exerceu a atividade económica que lhe garantiu o estatuto de «trabalhador» na aceção do artigo 7.°, n.° 1, alínea a), da Diretiva 2004/38.

4.      Quanto à interpretação teleológica do artigo 7.°, n.° 3, alínea b), da Diretiva 2004/38

51.      Não nego que a Diretiva 2004/38 responde a diversos objetivos diferentes, mas estes inscrevem‑se numa hierarquia.

52.      Com efeito, resulta claramente dos quatro primeiros considerandos da Diretiva 2004/38 que esta visa, em primeiro lugar, «facilitar e reforçar o exercício do direito fundamental dos cidadãos da União a circular e residir livremente no território dos Estados‑Membros» (22). Aliás, o título da diretiva reflete isso. Um outro objetivo está expresso no considerando 10 da mesma diretiva. Segundo este, «[a]s pessoas que exercerem o seu direito de residência não deverão, contudo, tornar‑se uma sobrecarga não razoável para o regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento durante o período inicial de residência». Contudo, este segundo objetivo só existe devido ao primeiro: uma vez que a diretiva visa facilitar o exercício do direito de residência, os Estados‑Membros consideraram que era necessário assegurar que o encargo financeiro desta liberdade fosse controlado.

53.      A cidadania da União reflete esse compromisso. Com efeito, quando o Tribunal de Justiça utilizou pela primeira vez a fórmula segundo a qual «o estatuto de cidadão da União tende a ser o estatuto fundamental dos nacionais dos Estados‑Membros» (23), acrescentou que este estatuto permitia aos nacionais dos Estados‑Membros que se encontrassem na mesma situação obter, independentemente da sua nacionalidade, o mesmo tratamento jurídico, «sem prejuízo das exceções expressamente previstas a este respeito» (24). Ao fazê‑lo, o Tribunal de Justiça reconhecia a possibilidade de limitar o exercício da cidadania da União (25).

54.      É deste modo que devem ser entendidos os acórdãos de 11 de novembro de 2014, Dano (C‑333/13, EU:C:2014:2358), de 15 de setembro de 2015, Alimanovic (C‑67/14, EU:C:2015:597), e de 25 de fevereiro de 2016, García‑Nieto e o. (C‑299/14, EU:C:2016:114).

55.      É verdade que, no n.° 74 do acórdão de 11 de novembro de 2014, Dano (C‑333/13, EU:C:2014:2358), o Tribunal de Justiça considerou que «[a]dmitir que pessoas que não beneficiam de um direito de residência nos termos da Diretiva 2004/38 possam reclamar um direito a prestações sociais nas mesmas condições aplicáveis aos cidadãos nacionais iria contra o objetivo da referida diretiva, enunciado no seu considerando 10, que visa evitar que os cidadãos da União nacionais de outros Estados‑Membros se tornem uma sobrecarga não razoável para o regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento». Todavia, não se trata de forma alguma de uma inversão de perspetiva na interpretação da Diretiva 2004/38. Se o Tribunal de Justiça, nesse acórdão, atribui importância ao objetivo secundário da Diretiva 2004/38, é devido ao objeto do pedido de decisão prejudicial que lhe foi submetido. Com efeito, o objeto principal dos processos que deram origem aos três acórdãos referidos no número anterior das presentes conclusões dizia respeito não à questão do direito de residência, mas à questão, específica, do direito de beneficiar de prestações sociais no Estado‑Membro de acolhimento. Portanto, essa questão integrava‑se numa temporalidade posterior ao exercício da liberdade de circulação, mas que era indissociável da legalidade de residência.

56.      Por outro lado, no processo principal, a questão submetida ao Tribunal de Justiça visa, em primeiro lugar, a legalidade da residência uma vez que visa a disposição da diretiva que regulamenta a questão para além dos primeiros três meses até à aquisição do direito de residência permanente(26). Ora, o legislador quis expressamente tratar a matéria do direito de livre circulação e residência «remedi[ando a] abordagem setorial e fragmentada» (27) que existia anteriormente, e isso «[c]om vista […] a facilitar o exercício deste direito» (28). Por conseguinte, a ambição unificadora da diretiva, assente no conceito fundamental de cidadania da União, defende uma abordagem generalizada dos princípios, alcance e limites relativos à liberdade de circulação e ao direito de residência dos cidadãos da União(29).

57.      Acrescentarei ainda que, «[t]endo em conta o contexto e as finalidades prosseguidas pela Diretiva 2004/38, as suas disposições não podem ser interpretadas de modo restritivo […]» (30).

58.      Nesta perspetiva, distinguir as situações do assalariado e do não assalariado na aplicação do artigo 7.°, n.° 3, alínea b), da Diretiva 2004/38 equivaleria a negar a vontade do legislador da União que indicou expressamente, no considerando 3 que era «necessário codificar e rever os instrumentos comunitários em vigor que tratam separadamente a situação dos trabalhadores assalariados, dos trabalhadores não assalariados, assim como dos estudantes e de outras pessoas não ativas, a fim de simplificar e reforçar o direito de livre circulação e residência de todos os cidadãos da União» (31).

59.      Esse objetivo da diretiva foi ainda recentemente salientado pelo Tribunal de Justiça, no processo que deu origem ao acórdão de 19 de junho de 2014, Saint Prix (C‑507/12, EU:C:2014:2007, n.° 25). Nesse acórdão, o Tribunal de Justiça sintetiza, além disso, o alcance do artigo 7.°, n.° 3, da Diretiva 2004/38, enunciando os quatro casos que esta disposição prevê sem distinguir entre trabalhadores assalariados ou não assalariados. Pelo contrário, no entendimento do Tribunal de Justiça, «[o] artigo 7.°, n.° 3, da referida diretiva precisa que, para efeitos do artigo 7.°, n.° 1, alínea a), da mesma diretiva, o cidadão da União que tiver deixado de exercer uma atividade assalariada ou não assalariada mantém, não obstante, o estatuto de trabalhador em determinados casos, a saber, quando sofra de uma incapacidade temporária de trabalho, resultante de doença ou acidente, quando, em determinadas hipóteses, estiver em situação de desemprego involuntário, ou ainda quando seguir, em determinadas condições, uma formação profissional» (32).

5.      Quanto à estrutura do artigo 7.° da Diretiva 2004/38

60.      Esta interpretação do artigo 7.°, n.° 3, alínea b), da Diretiva 2004/38, que pretende eliminar a diferença, consoante o cidadão da União tenha exercido durante um ano a sua atividade profissional ao abrigo de um contrato de trabalho ou como trabalhador independente é corroborada pela estrutura do artigo.

61.      O artigo 7.° da Diretiva 2004/38 regula o direito de residência por mais de três meses. A sua estrutura é lógica. Em primeiro lugar, o n.° 1 estabelece o princípio, enunciando os três casos em que o cidadão da União tem o direito de residir no território de outro Estado‑Membro por período superior a três meses. O primeiro destes casos é o do «trabalhador assalariado ou não assalariado», o segundo caso diz respeito ao cidadão que disponha de recursos suficientes a fim de não se tornar uma sobrecarga para o regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento e de uma cobertura extensa de seguro de doença e o terceiro caso visa os estudantes. A seguir, o n.° 2 estende o benefício desse direito aos membros da família do cidadão que se encontrem numa das situações referidas no n.° 1 e que não tenham a nacionalidade de um Estado‑Membro (sob reserva das limitações introduzidas pelo n.° 4). Por último, o n.° 3 cria uma ficção jurídica mantendo os efeitos do primeiro caso previsto no n.° 1 — a saber, o do trabalhador assalariado ou não assalariado — em quatro situações limitativamente enumeradas.

62.      Não há dúvida de que o artigo 7.°, n.° 3, da Diretiva 2004/38, lido no seu conjunto, não faz distinção entre o cidadão que exerceu uma atividade assalariada e o que exerceu uma atividade não assalariada. Por um lado, o artigo 7.°, n.° 1, alínea a), da Diretiva 2004/38, para o qual aquele remete, abrange expressamente as duas situações. Por outro, os quatro casos previstos no n.° 3 do artigo 7.° têm todos a mesma primeira frase introdutória. Ora, esta abrange igualmente, não fazendo qualquer diferenciação, «o cidadão da União que tiver deixado de exercer uma atividade assalariada ou não assalariada». Além disso, precisa ainda, expressamente, que o cidadão «mant[erá] o estatuto de trabalhador assalariado ou não assalariado» (33) nos quatro casos que a disposição enumera sem fazer distinção.

63.      Esta interpretação do artigo 7.°, n.° 3, da Diretiva 2004/38 é, além disso, suportada pela economia geral da Diretiva 2004/38, que se baseia nos artigos 12.° e 18.° CE (atuais artigos 18.° e 21.° TFUE) relativos à proibição de discriminação em razão da nacionalidade, o direito do cidadão da União de circular e permanecer no território dos Estados‑Membros, no artigo 40.° CE (agora artigo 46.° TFUE) relativo à livre circulação dos trabalhadores, mas, também, nos artigos 44.° e 52.° CE (atuais artigos 50.° e 59.° TFUE) relativos à liberdade de estabelecimento e à livre prestação de serviços (34).

6.      Conclusão intercalar

64.      Tendo em conta a estrutura do artigo 7.°, n.° 3, da Diretiva 2004/38 e a principal finalidade prosseguida por esta, considero que a alínea b) desta disposição abrange o cidadão da União que exerceu uma atividade económica durante um ano, através de uma atividade assalariada ou de uma não assalariada.

65.      Em termos concretos, esta disposição é aplicável, por conseguinte, a um cidadão da União que, como F. Gusa, residiu legalmente e exerceu atividade como trabalhador não assalariado num Estado‑Membro de acolhimento durante cerca de quatro anos, que cessou a sua atividade laboral ou económica por falta de trabalho e que se inscreveu no serviço de emprego competente como candidato a emprego. Este cidadão da União mantém o estatuto de trabalhador não assalariado nos termos do artigo 7.°, n.° 1, alínea a), da Diretiva 2004/38.

66.      Uma interpretação contrária levaria a que o cidadão da União que exerceu uma atividade económica como trabalhador assalariado, durante um ano, estaria melhor «protegido» do que outro cidadão da União que exerceu uma atividade económica e contribuiu para o financiamento do regime fiscal e de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento durante quatro anos, mas como trabalhador não assalariado (podendo a atividade em causa, se for o caso, ser idêntica nas duas hipóteses).

C.      Quanto à segunda questão prejudicial

67.      A segunda questão coloca‑se apenas no caso de o artigo 7.°, n.° 3, alínea b), da Diretiva 2004/38 dever ser interpretado pelo Tribunal de Justiça no sentido de que exclui do seu âmbito de aplicação os trabalhadores não assalariados; portanto, apenas a irei examinar sucintamente, por uma questão de exaustividade.

68.      Com esta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se um cidadão da União, que residiu legalmente e exerceu atividade como trabalhador não assalariado num Estado‑Membro de acolhimento durante cerca de quatro anos e que cessou a sua atividade laboral ou económica por falta de trabalho mantém o direito de residência no Estado‑Membro de acolhimento apesar de não preencher os requisitos previstos no artigo 7.°, n.° 1, alíneas b) ou c), da Diretiva 2004/38/CE ou só está protegido contra o afastamento nos termos do artigo 14.°, n.° 4, alínea b), da mesma diretiva.

69.      A título preliminar, devo referir que partilho a interpretação do artigo 14.°, n.° 4, alínea b), da Diretiva 2004/38/CE prevista pelo órgão jurisdicional de reenvio no final da sua segunda questão. Com efeito, contrariamente ao que sugere o n.° 58 do acórdão de 15 de setembro de 2015, Alimanovic (C‑67/14, EU:C:2015:597) (35), a estrutura do artigo 14.° da Diretiva 2004/38 e a redação do artigo 14.°, n.° 4, alínea b), desta não permitem considerar que esta disposição constitui o fundamento do direito de residência.

70.      O artigo 14.° da Diretiva 2004/38 intitula‑se «Conservação do direito de residência». Esta situação está prevista nos dois primeiros números do artigo, que se referem a situações em que os cidadãos da União e os membros das suas famílias «têm o direito de residência», o que não acontece no artigo 14.°, n.° 4, desta diretiva. Além disso, o artigo 14.°, n.° 4, alínea b), da Diretiva 2004/38 contempla expressamente uma situação de «derrogação» dos dois primeiros números, ou seja, consequentemente, uma situação em que o direito de residência já não existe. Neste caso, o cidadão da União que entrou no território do Estado‑Membro de acolhimento para procurar emprego está, no entanto, protegido de um afastamento enquanto fizer prova que continua a procurar emprego e que tem hipóteses genuínas de ser contratado.

71.      Assim e para responder à questão submetida, considero que um cidadão da União que se encontra na situação descrita pelo órgão jurisdicional de reenvio beneficia de muito mais do que de uma simples proteção contra o afastamento.

72.      Na realidade, o problema suscitado pelo órgão jurisdicional de reenvio não é totalmente inédito. Com efeito, o Tribunal de Justiça já declarou que não resultava do artigo 7.° da Diretiva 2004/38 nem de outras disposições da mesma que um cidadão da União que não preenchia os requisitos previstos no referido artigo seja, por esse motivo, sistematicamente privado do estatuto de «trabalhador», na aceção do artigo 45.° TFUE. O Tribunal de Justiça concluiu daí que não se podia defender que o artigo 7.°, n.° 3, da Diretiva 2004/38 enumerava de forma exaustiva as circunstâncias em que um trabalhador migrante, que já não se encontrava numa relação de emprego, podia, apesar disso, continuar a beneficiar do referido estatuto (36).

73.      É forçoso concluir que esta análise da Diretiva 2004/38 e, em particular, do seu artigo 7.°, n.° 3, é igualmente aplicável à situação de um trabalhador não assalariado que tenha feito uso da liberdade de estabelecimento garantida pelo artigo 49.° TFUE. Com efeito, não se pode distinguir, neste contexto, consoante o modo como o cidadão da União exerceu a sua atividade económica — assalariada ou não assalariada — dado que «[a] totalidade das disposições do Tratado [FUE] relativas à livre circulação de pessoas visa facilitar aos [cidadãos da União], o exercício de atividades profissionais de qualquer natureza em todo o território da [União] e opõem‑se a medidas que possam desfavorecer esses nacionais quando desejem exercer uma atividade económica no território de outro Estado‑Membro» (37). Além disso, esta interpretação está em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça segundo a qual os artigos 45.° e 49.° TFUE asseguram a mesma proteção jurídica, sendo, deste modo, irrelevante a qualificação do modo de exercício da atividade económica (38).

74.      Faço também notar, a título suplementar, que é de forma geral e não diferenciada que o artigo 45.°, n.° 3, alínea c), TFUE confere ao cidadão da União o direito de «[r]esidir num dos Estados‑Membros a fim de nele exercer uma atividade laboral, em conformidade com as disposições legislativas, regulamentares e administrativas que regem o emprego dos trabalhadores nacionais» (39).

75.      Por conseguinte, se o artigo 7.°, n.° 3, da Diretiva 2004/38 foi interpretado no sentido de que não enumera de forma exaustiva as circunstâncias em que um trabalhador migrante, que já não exerça uma atividade assalariada, pode, apesar disso, continuar a beneficiar do referido estatuto, o mesmo é válido para o trabalhador migrante que já não exerce uma atividade não assalariada.

76.      Além disso, caso contrário, este seria tratado como um candidato ao primeiro emprego que nunca descontou, enquanto que, tal como os trabalhadores assalariados, o mesmo contribuiu para o regime fiscal e de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento.

77.      Por último, esta interpretação do artigo 7.°, n.° 3, da Diretiva 2004/38 inscreve‑se na jurisprudência do Tribunal de Justiça que estabelece que, depois do acórdão de 26 de fevereiro de 1991, Antonissen (C‑292/89, EU:C:1991:80, n.° 13), a livre circulação dos trabalhadores implica o direito de os nacionais dos Estados‑Membros circularem livremente no território dos outros Estados‑Membros e aí residirem para procurar emprego. Deste modo, com base nesta jurisprudência, o Tribunal de Justiça declarou que o facto de uma pessoa não estar presente temporariamente no mercado de emprego devido, por exemplo, a detenção (40) ou a licença de maternidade(41), não implicava que tivesse deixado de fazer parte do referido mercado durante este período, na condição de encontrar efetivamente outro emprego num prazo razoável.

78.      Esta solução está em conformidade com o objetivo prosseguido pelas disposições dos capítulos 1 a 3 do título IV do Tratado FUE que visam assegurar a livre circulação de pessoas e de serviços no interior da União. Com efeito, um cidadão da União ficaria dissuadido de exercer a sua liberdade de circulação se, no caso de a sua atividade económica vir a abrandar independentemente da sua vontade, ainda que por um curto período, corresse o risco de perder a qualidade de trabalhador nesse Estado (42).

79.      Consequentemente e tendo em conta as considerações precedentes, considero que um cidadão da União, que residiu legalmente e exerceu atividade como trabalhador não assalariado num Estado‑Membro de acolhimento durante aproximadamente quatro anos e que cessou a sua atividade laboral ou económica por falta de trabalho, mantém o estatuto de «trabalhador», e, portanto, o direito de residência no Estado‑Membro de acolhimento, desde que procure trabalho, retome a sua atividade económica ou encontre outro emprego, num prazo razoável após cessar a atividade não assalariada anteriormente exercida, e isto com base nos artigos 45.° e 49.° TFUE.

D.      Quanto à terceira questão prejudicial

80.      A terceira questão coloca‑se apenas no caso de o Tribunal de Justiça dar uma resposta negativa às duas primeiras questões. Com efeito, nesse caso, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta‑se se o indeferimento do pedido, apresentado por uma pessoa que se encontra numa situação análoga à do recorrente no processo principal, de um subsídio para candidatos a emprego (que é uma prestação pecuniária especial de caráter não contributivo na aceção do artigo 70.° do Regulamento n.° 883/2004/CE), por não ter demonstrado ser titular do direito de residência no Estado‑Membro de acolhimento, é compatível com o direito da União e, em especial, com o artigo 4.° do Regulamento n.° 883/2004/CE.

81.      Para responder a esta terceira questão, importa delimitar com precisão a situação em causa: trata‑se de um cidadão da União que já não beneficiaria do direito de residência no território do Estado‑Membro de acolhimento, mas que estaria protegido contra o afastamento do referido território nos termos do artigo 14.°, n.° 4, alínea b), da Diretiva 2004/38/CE.

82.      Além disso, é também necessário determinar a natureza da prestação solicitada. Esta qualificação compete ao órgão jurisdicional de reenvio. Ora, segundo o mesmo, parece que o subsídio para candidatos a emprego pedido é uma prestação pecuniária especial de caráter não contributivo na aceção do artigo 70.° do Regulamento n.° 883/2004, que constitui igualmente uma prestação de assistência social na aceção do artigo 24.°, n.° 2, da Diretiva 2004/38 (43).

83.      Neste caso específico e em presença de um subsídio que apresenta esta dupla natureza, o Tribunal de Justiça considerou que o artigo 24.° da Diretiva 2004/38 e o artigo 4.° do Regulamento n.° 883/2004 não se opunham à regulamentação de um Estado‑Membro que exclui do benefício deste tipo de prestações os nacionais de outros Estados‑Membros quando estas são garantidas aos nacionais do Estado‑Membro de acolhimento que se encontrem na mesma situação (44).

84.      Em contrapartida, se o órgão jurisdicional de reenvio considerar, em última análise, que a função preponderante das prestações em causa no processo principal é facilitar o acesso ao mercado de trabalho, não pode ser aplicado o mesmo raciocínio (45).

85.      Com efeito, o Tribunal de Justiça considera, de forma constante, que, «atendendo à instituição da cidadania da União e à interpretação jurisprudencial do direito à igualdade de tratamento de que gozam os cidadãos da União, deix[a] de ser possível excluir do âmbito de aplicação do artigo [45.°, n.° 2, TFUE], que é um enunciado do princípio fundamental da igualdade de tratamento garantido pelo artigo [18.° TFUE], uma prestação de natureza financeira destinada a facilitar o acesso ao emprego no mercado de trabalho de um Estado‑Membro» (46).

86.      Todavia, o Tribunal de Justiça precisou, no n.° 38 do acórdão de 4 de junho de 2009, Vatsouras e Koupatantze (C‑22/08 e C‑23/08, EU:C:2009:344), que é «legítimo que um Estado‑Membro só conceda esse subsídio depois de demonstrada a existência de uma ligação real daquele que procura emprego com o mercado de trabalho desse Estado».

87.      Se a existência dessa ligação pode ser verificada, nomeadamente, através da constatação de que a pessoa em causa, durante um período de tempo razoável, procurou efetiva e realmente um emprego no Estado‑Membro em questão (47), o mesmo é válido a fortiori quando a pessoa aí exerceu uma atividade — assalariada ou não assalariada — durante vários anos.

88.      Esta interpretação não é contrariada pelo acórdão de 14 de junho de 2016, Comissão/Reino Unido (C‑308/14, EU:C:2016:436). Com efeito, nesse acórdão, o Tribunal de Justiça considerou que nada se opõe a uma legislação nacional que sujeita a concessão de prestações sociais a cidadãos economicamente inativos à condição material de que estes obedeçam às exigências necessárias para poderem ter o direito de residência legal no Estado‑Membro de acolhimento. Todavia, o Tribunal de Justiça declarou, igualmente, que uma legislação desse tipo não deixa de ser uma discriminação indireta (48). Por conseguinte, para ser justificada, deve ser apta a garantir a realização de um objetivo legítimo e não ir além do necessário para o alcançar.

89.      Neste contexto, o Tribunal de Justiça considerou que só um controlo sistemático das condições fixadas na Diretiva 2004/38 quanto à existência do direito de residência seria contrário às exigências do artigo 14.°, n.° 2, da referida diretiva (49). Ora, a proibição de um controlo sistemático implica, necessariamente, uma certa individualização do controlo. Com efeito, no âmbito da legislação submetida à sua apreciação no processo que deu origem ao acórdão de 14 de junho de 2016, Comissão/Reino Unido (C‑308/14, EU:C:2016:436), o Tribunal de Justiça pôde constatar que «[s]ó em casos específicos devem os requerentes fazer prova de que gozam efetivamente do direito de residência regular» (50). Por conseguinte, se o cidadão da União em causa não tem possibilidade de demonstrar a legalidade da sua residência, seja com base na Diretiva 2004/38 ou noutra disposição do direito da União, a regulamentação nacional que subordina a concessão de prestações de segurança social à regularidade da residência não pode ser considerada proporcionada ao objetivo prosseguido.

90.      Nestas condições, se o subsídio para candidatos a emprego em causa no processo principal é uma prestação de segurança social na aceção do Regulamento n.° 883/2004, o artigo 45.°, n.° 2, TFUE e o artigo 4.° do referido regulamento devem ser interpretados no sentido de que se opõem à regulamentação de um Estado‑Membro que exclui do benefício de um subsídio para candidatos a emprego (que constitui uma prestação pecuniária especial de caráter não contributivo na aceção do artigo 70.° do Regulamento n.° 883/2004) os nacionais de outros Estados‑Membros que têm uma ligação real com o mercado de trabalho desse Estado e não têm a oportunidade de o demonstrar.

VI.    Conclusão

91.      Tendo em conta as considerações que precedem, proponho que o Tribunal de Justiça de responda às questões prejudiciais submetidas pela Court of Appel (Tribunal de Recurso, Irlanda) do seguinte modo:

«1)      O artigo 16.°, n.° 1, da Diretiva 2004/38/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros, que altera o Regulamento (CEE) n.° 1612/68 e que revoga as Diretivas 64/221/CEE, 68/360/CEE, 72/194/CEE, 73/148/CEE, 75/34/CEE, 75/35/CEE, 90/364/CEE, 90/365/CEE e 93/96/CEE deve ser interpretado no sentido de que confere um direito de residência permanente ao nacional de um Estado‑Membro que tenha residido por um período de cinco anos consecutivos no território do Estado‑Membro de acolhimento sem recorrer ao regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento.

2)      O artigo 7.°, n.° 3, alínea b), da Diretiva 2004/38 deve ser interpretado no sentido de que abrange o cidadão da União Europeia que exerceu uma atividade económica durante um ano, no Estado‑Membro de acolhimento, quer através de uma atividade assalariada ou não assalariada.

3)      Os artigos 45.° e 49.° TFUE devem ser interpretados no sentido de que um cidadão da União, que residiu legalmente e exerceu atividade como trabalhador não assalariado num Estado‑Membro de acolhimento durante aproximadamente quatro anos e que cessou a sua atividade laboral ou económica por falta de trabalho, mantém o estatuto de “trabalhador”, e, portanto, o direito de residência no Estado‑Membro de acolhimento, desde que procure trabalho, retome a sua atividade económica ou encontre outro emprego, num prazo razoável após cessar a atividade não assalariada anteriormente exercida.

4)      O artigo 24.° da Diretiva 2004/38 e o artigo 4.° do Regulamento (CE) n.° 883/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativo à coordenação dos sistemas de segurança social, conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.° 988/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de setembro de 2009, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem à regulamentação de um Estado‑Membro que exclui do benefício de determinadas “prestações pecuniárias especiais de caráter não contributivo”, na aceção do artigo 70.° do Regulamento n.° 883/2004, que constituem igualmente uma “prestação de assistência social”, na aceção do artigo 24.°, n.° 2, da Diretiva 2004/38, os nacionais de outros Estados‑Membros que se encontrem numa situação como a prevista no artigo 14.°, n.° 4, alínea b), da referida diretiva, quando estas prestações são garantidas aos nacionais desse Estado‑Membro que se encontrem na mesma situação.

Pelo contrário, o artigo 45.°, n.° 2, TFUE e o artigo 4.° do Regulamento n.° 883/2004, conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.° 988/2009, devem ser interpretados no sentido de que se opõem à regulamentação de um Estado‑Membro que exclui do benefício de um subsídio para candidatos a emprego (o qual constitui uma “prestação pecuniária especial de caráter não contributivo”, na aceção do artigo 70.° do Regulamento n.° 883/2004, sem corresponder à definição de “prestação de assistência social”, na aceção do artigo 24.°, n.° 2, da Diretiva 2004/38) os nacionais de outros Estados‑Membros que têm uma ligação real com o mercado de trabalho desse Estado e não têm a oportunidade de o demonstrar.»


1      Língua original: francês.


2      JO 2004, L 166, p. 1; retificação no JO 2004, L 200, p. 1.


3      JO 2009, L 284, p. 43.


4      No âmbito das presentes conclusões, a palavra «trabalhador» usada sem qualquer outra precisão refere, de forma geral, a pessoa que exerce uma atividade económica, quer seja assalariada ou não assalariada.


5      JO 2004, L 158, p. 77; retificações no JO 2004, L 229, p. 35, e no JO 2005, L 197, p. 34.


6      European Communities (Free Movement of Persons) (n.° 2) Regulations 2006, SI 2006, n.° 656, a seguir «Regulamento de 2006».


7      Social Welfare Consolidation Act 2005 (as amended), a seguir «Lei de 2005».


8      V. pedido de decisão prejudicial, n.° 16.


9      V., neste sentido, acórdão de 4 de junho de 2009, Vatsouras e Koupatantze (C‑22/08 e C‑23/08, EU:C:2009:344, n.° 23).


10      V. n.° 5 do pedido de decisão prejudicial.


11      V. n.° 9 das observações escritas apresentadas por F. Gusa.


12      Acórdão de 16 de julho de 2015, Singh e o. (C‑218/14, EU:C:2015:476, n.° 74), o sublinhado é meu. Para uma confirmação recente, v. acórdão de 30 de junho de 2016, NA (C‑115/15, EU:C:2016:487, n.° 77).


13      V. n.° 2 do pedido de decisão prejudicial.


14      V. n.° 3 das observações escritas apresentadas pelo Minister for Social Protection (Ministro da Segurança Social, Irlanda), pelo Attorney General e pela Irlanda.


15      V. nota de pé de página 1 das observações escritas apresentadas por F. Gusa.


16      Faço notar que a República Francesa e a Comissão desenvolvem uma argumentação semelhante nas suas observações escritas. V. n.os 42 a 50 das observações escritas apresentadas pela República Francesa e n.° 18 das observações escritas apresentadas pela Comissão.


17      Na audiência de 14 de junho de 2017, o representante de F. Gusa evocou uma interrupção da atividade como trabalhador não assalariado de F. Gusa entre o mês de outubro do ano de 2008 e o mês de outubro do ano de 2012, durante um período de quatro meses. Contudo, essa interrupção não se afigura ter afetado a legalidade ou a regularidade da residência de F. Gusa, se este tiver trabalhado como assalariado durante esse período (e mesmo se não tivesse em absoluto trabalhado, uma vez que não recorreu ao regime de segurança social).


18      V., designadamente, acórdãos de 16 de julho de 2015, Lanigan (C‑237/15 PPU, EU:C:2015:474, n.° 35); de 25 de janeiro de 2017, Vilkas (C‑640/15, EU:C:2017:39, n.° 30); e de 15 de março de 2017, Flibtravel International e Leonard Travel International (C‑253/16, EU:C:2017:211, n.° 18).


19      Conclusões da advogada‑geral V. Trstenjak no processo Agrana Zucker (C‑33/08, EU:C:2009:99, n.° 37), o sublinhado é meu.


20      V., neste sentido, conclusões do advogado‑geral P. Léger no processo Schulte (C‑350/03, EU:C:2004:568, n.° 88).


21      V., para uma invocação recente, acórdão de 1 de março de 2016, Alo e Osso (C‑443/14 e C‑444/14, EU:C:2016:127, n.° 27).


22      Acórdão de 19 de setembro de 2013, Brey (C‑140/12, EU:C:2013:565, n.° 71). V., igualmente, neste sentido, acórdão de 25 de julho de 2008, Metock e o. (C‑127/08, EU:C:2008:449, n.° 82).


23      Acórdão de 20 de setembro de 2001, Grzelczyk (C‑184/99, EU:C:2001:458, n.° 31).


24      Acórdão de 20 de setembro de 2001, Grzelczyk (C‑184/99, EU:C:2001:458, n.° 31). V. igualmente, neste sentido, acórdãos de 11 de julho de 2002, D’Hoop (C‑224/98, EU:C:2002:432, n.° 28), e de 11 de novembro de 2014, Dano (C‑333/13, EU:C:2014:2358, n.° 58).


25      V., neste sentido, Thym, D., «When Union Citizens Turn into Illegal Migrants: The Dano Case», European Law Review, vol. 40, 2015, pp. 249 a 262, especialmente p. 255.


26      No que diz respeito à questão do direito de residência permanente após cinco anos, v. supra, título A. Observações preliminares.


27      Considerando 4 da Diretiva 2004/38.


28      Considerando 4 da Diretiva 2004/38.


29      V., neste sentido, Iliopoulou‑Penot, A., «Deconstructing the former edifice of Union citizenship? The Alimanovic judgment» Common Market Law Review, vol. 53, 2016, pp. 1007 a 1036, especialmente p. 1024; Thym, D., «The Elusive Limits of Solidarity: Residence Rights of and Social Benefits for Economically Inative Union Citizens», Common Market Law Review, vol. 52, 2015, pp. 17 a 50, especialmente p. 18.


30      Acórdão de 25 de julho de 2008, Metock e o. (C‑127/08, EU:C:2008:449, n.° 84).


31      O sublinhado é meu.


32      Acórdão de 19 de junho de 2014, Saint Prix (C‑507/12, EU:C:2014:2007, n.° 27). O sublinhado é meu.


33      O sublinhado é meu.


34      Quanto à incidência da base jurídica no conceito de «empregado», v. acórdão de 6 de setembro de 2012, Czop e Punakova (C‑147/11 e C‑148/11, EU:C:2012:538, n.° 31).


35      Segundo o n.° 58 do acórdão de 15 de setembro de 2015, Alimanovic (C‑67/14, EU:C:2015:597), «resulta expressamente da remissão feita pelo artigo 24.°, n.° 2, da Diretiva 2004/38 para o artigo 14.°, n.° 4, alínea b), desta que o Estado‑Membro de acolhimento pode recusar, apenas com base nesta última disposição, uma prestação de assistência social a um cidadão da União que beneficia de um direito de residência» (o sublinhado é meu).


36      V., neste sentido, acórdão de 19 de junho de 2014, Saint Prix (C‑507/12, EU:C:2014:2007, n.os 31 e 38).


37      Acórdão de 18 de janeiro de 2007, Comissão/Suécia (C‑104/06, EU:C:2007:40, n.° 17). O sublinhado é meu.


38      V., neste sentido, acórdãos de 5 de fevereiro de 1991, Roux (C‑363/89, EU:C:1991:41, n.° 23), bem como de 15 de dezembro de 2005, Nadin e Nadin‑Lux (C‑151/04 e C‑152/04, EU:C:2005:775, n.° 47).


39      O sublinhado é meu.


40      V., neste sentido, acórdão de 29 de abril de 2004, Orfanopoulos e Oliveri (C‑482/01 e C‑493/01, EU:C:2004:262).


41      V., neste sentido, acórdão de 19 de junho de 2014, Saint Prix (C‑507/12, EU:C:2014:2007).


42      V., neste sentido, acórdão de 19 de junho de 2014, Saint Prix (C‑507/12, EU:C:2014:2007, n.° 44).


43      V. n.° 36 do pedido de decisão prejudicial.


44      V. acórdão de 15 de setembro de 2015, Alimanovic (C‑67/14, EU:C:2015:597, n.° 63 e dispositivo).


45      V., a contrario, acórdão de 15 de setembro de 2015, Alimanovic (C‑67/14, EU:C:2015:597, n.os 45 e 46).


46      Acórdão de 25 de outubro de 2012, Prete (C‑367/11, EU:C:2012:668, n.° 25). V., igualmente, neste sentido, n.° 49 do mesmo acórdão e acórdãos de 23 de março de 2004, Collins (C‑138/02, EU:C:2004:172, n.° 63); de 15 de setembro de 2005, Ioannidis (C‑258/04, EU:C:2005:559, n.° 22); e de 4 de junho de 2009, Vatsouras e Koupatantze (C‑22/08 e C‑23/08, EU:C:2009:344, n.° 37).


47      V., neste sentido, acórdãos de 23 de março de 2004, Collins (C‑138/02, EU:C:2004:172, n.° 70); de 4 de junho de 2009, Vatsouras e Koupatantze (C‑22/08 e C‑23/08, EU:C:2009:344, n.° 39); e de 25 de outubro de 2012, Prete (C‑367/11, EU:C:2012:668, n.° 46).


48      V. n.° 76 deste acórdão.


49      V. n.° 84 deste acórdão.


50      N.° 83 deste acórdão, o sublinhado é meu.