Language of document : ECLI:EU:T:2003:114

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

(Quinta Secção Alargada)

10 de Abril de 2003 (1)

«Recurso de anulação - Auxílio de Estado - Regulamento (CE) n.° 659/1999 - Artigo 15.° - Prazo de prescrição - Recuperação do auxílio - Acto que interrompe a prescrição»

No processo T-369/00,

Département du Loiret, representado por A. Carnelutti, advogado,

recorrente,

apoiado por

Scott SA, com sede em Saint-Cloud (França), representada por Sir Jeremy Lever, QC, G. Peretz, barrister, e R. Griffith, solicitor, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

interveniente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por G. Rozet e J. Flett, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida,

que tem por objecto um pedido de anulação parcial da Decisão 2002/14/CE da Comissão, de 12 de Julho de 2000, relativa ao auxílio estatal concedido pela França à Scott Paper SA/Kimberly-Clark (JO L 12, p. 1),

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quinta Secção Alargada),

composto por: J. D. Cooke, presidente, R. García-Valdecasas, P. Lindh, N. J. Forwood e H. Legal, juízes,

secretário: J. Palacio González, administrador principal,

vistos os autos e após a audiência de 26 de Setembro de 2002,

profere o presente

Acórdão

Enquadramento jurídico

Regulamento (CE) n.° 659/1999

1.
    O Regulamento (CE) n.° 659/1999 do Conselho, de 22 de Março de 1999, que estabelece as regras de execução do artigo [88.°] do Tratado CE (JO L 83, p. 1), fixa as regras processuais em matéria de auxílios de Estado.

2.
    O artigo 15.° do referido regulamento estabelece:

«Prazo de prescrição

1.    Os poderes da Comissão para recuperar o auxílio ficam sujeitos a um prazo de prescrição de dez anos.

2.    O prazo de prescrição começa a contar na data em que o auxílio ilegal tenha sido concedido ao beneficiário, quer como auxílio individual, quer como auxílio ao abrigo de um regime de auxílio. O prazo de prescrição é interrompido por quaisquer actos relativos ao auxílio ilegal praticados pela Comissão ou por um Estado-Membro a pedido desta. Cada interrupção inicia uma nova contagem de prazo. O prazo de prescrição será suspenso enquanto a decisão da Comissão for objecto de um processo no Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias.

3.    Qualquer auxílio cujo prazo de prescrição tenha caducado será considerado um auxílio existente.»

3.
    O artigo 30.° do Regulamento n.° 659/1999 prevê:

«Entrada em vigor

O presente regulamento entra em vigor no vigésimo dia seguinte à sua publicação no Jornal Oficial das Comunidades Europeias

Factos na origem do litígio

4.
    A cidade de Orleães, o recorrente e a sociedade Scott Paper Company (a seguir «Scott») celebraram um acordo em 31 de Agosto de 1987, na sequência de propostas feitas pela cidade de Orleães à Scott. Com base nesse acordo, a Scott decidiu instalar uma fábrica no departamento do Loiret, num terreno de 48 hectares da zona industrial da La Saussaye. Esse acordo era relativo, nomeadamente, à aquisição do referido terreno e à taxa de saneamento que devia ser calculada de acordo com uma taxa preferencial, correspondente a 25% da taxa mais baixa paga pelas outras indústrias. A cidade de Orleães também se comprometeu a arranjar o local gratuitamente.

5.
    Nesse acordo previa-se, além disso, que o recorrente e a cidade de Orleães contribuiriam com um montante máximo de 80 milhões de francos franceses (FRF) para os trabalhos de arranjo do local em favor da Scott. Por último, o preço de aquisição do terreno com os arranjos incluídos foi fixado em 31 milhões de FRF.

6.
    Em Novembro de 1996, o Tribunal de Contas francês publicou um relatório público intitulado «Les interventions des collectivités territoriales en faveur des entreprises» (relatório público especial do Tribunal de Contas, Novembro de 1996, Paris). Com esse relatório, pretendia chamar a atenção para um determinado número de auxílios eventuais concedidos pelas colectividades territoriais francesas a determinadas empresas, em especial para a transferência de um terreno de 48 hectares da zona industrial de La Saussaye para a Scott.

7.
    Na sequência da publicação desse relatório, a Comissão recebeu uma queixa, por carta datada de 23 de Dezembro de 1996, no que respeita às condições preferenciais em que a cidade de Orleães e o conselho geral do Loiret venderam esses 48 hectares de terreno à Scott e à taxa de saneamento aplicável a esta última.

8.
    Por ofício de 17 de Janeiro de 1997, a Comissão solicitou informações complementares às autoridades francesas. Seguiu-se uma troca de correspondência entre as autoridades francesas e a Comissão, entre Janeiro de 1997 e Abril de 1998, no quadro da qual as autoridades francesas forneceram parcialmente as informações e esclarecimentos solicitados, designadamente, por ofícios de 19 de Março, 21 de Abril e 29 de Maio de 1997. Em 8 de Agosto de 1997, a Comissão voltou a solicitar esclarecimentos às autoridades francesas. Foi em 3 de Novembro de 1997 que a Comissão recebeu destas autoridades as informações complementares que pedira e em 8 de Dezembro de 1997, 29 de Janeiro de 1998 e 1 de Abril de 1998 as do queixoso.

9.
    Por ofício de 10 de Julho de 1998, a Comissão informou as autoridades francesas da sua decisão de 20 de Maio de 1998 de dar início ao procedimento previsto no artigo 88.°, n.° 2, CE «tendo em atenção as dúvidas que subsistiam relativamente às condições em que as autoridades francesas procederam para com a [Scott] e à sua compatibilidade com o Tratado», convidou-as a apresentar as suas observações bem como a responder a determinadas questões (a seguir «decisão de dar início ao procedimento»). Nesse ofício, a Comissão também pediu às autoridades francesas que informassem a Scott do início do procedimento bem como do facto de que poderia ter de reembolsar qualquer auxílio recebido ilegalmente. As partes interessadas foram informadas do início do procedimento e foram convidadas a apresentar as suas eventuais observações sobre as medidas em causa, através da publicação do referido ofício no Jornal Oficial das Comunidades Europeias de 30 de Setembro de 1998 (JO C 301, p. 4).

10.
    Por ofício de 25 de Novembro de 1998, as autoridades francesas apresentaram observações sobre a decisão de dar início ao procedimento.

11.
    Após ter tomado conhecimento das observações das autoridades francesas e dos terceiros, a Comissão solicitou de novo às autoridades francesas informações complementares. Como estas só responderam parcialmente, a Comissão instou-as, em 8 de Julho de 1999, a fornecer-lhe as informações necessárias. As autoridades francesas satisfizeram parcialmente esse pedido, em 15 de Outubro de 1999.

12.
    Em 22 de Março de 1999, o Conselho adoptou o Regulamento n.° 659/1999, que, nos termos do artigo 30.°, entrou em vigor em 16 de Abril de 1999.

Decisão controvertida

13.
    Em 12 de Julho de 2000, a Comissão adoptou a Decisão 2002/14/CE, relativa ao auxílio estatal concedido pela França à Scott Paper SA/Kimberly-Clark (JO L 12, p. 1) (a seguir «decisão controvertida»), cujo artigo 1.° estabelece:

«O auxílio estatal sob a forma de preço preferencial de um terreno e de uma tarifa preferencial da taxa de saneamento que a França executou a favor da Scott, num montante de 39,58 milhões de francos franceses (6,03 milhões de euros) ou, em valor actualizado, de 80,77 milhões de francos franceses (12,3 milhões de euros), no que diz respeito ao preço preferencial do terreno [...] é incompatível com o mercado comum.»

14.
    O artigo 2.° da decisão controvertida estabelece:

«1.    A França adoptará todas as medidas necessárias para recuperar junto do beneficiário o auxílio referido no artigo 1.° e já ilegalmente colocado à sua disposição.

2.    A recuperação deve ter lugar de imediato e em conformidade com os procedimentos de direito normal, desde que estes permitam uma execução imediata e efectiva da presente decisão. O auxílio a recuperar inclui juros a partir da data em que foi colocado à disposição do beneficiário até à data da sua recuperação. Os juros são calculados com base na taxa de referência utilizada para o cálculo do equivalente subvenção líquido no âmbito dos auxílios com finalidade regional.»

15.
    Na decisão controvertida, a Comissão considerou que o prazo de prescrição a que, nos termos do artigo 15.° do Regulamento n.° 659/1999, estava sujeito o seu poder em matéria de recuperação de auxílios ilegalmente concedidos foi, no caso em apreço, interrompido. Com efeito, qualquer medida adoptada pela Comissão relativamente ao auxílio ilegal interrompe o prazo de prescrição (v. considerando 219 da decisão controvertida).

16.
    A Comissão apurou que o auxílio controvertido tinha sido concedido em 31 de Agosto de 1987. A primeira medida da Comissão adoptada sob a forma de pedido formal de informações às autoridades francesas estava datada de 17 de Janeiro de 1997. Assim, o prazo de prescrição foi interrompido antes do termo do período de dez anos previsto, pelo que a Comissão podia exigir a recuperação do auxílio em causa (v. considerando 220 da decisão controvertida).

17.
    Além disso, na decisão controvertida, a Comissão refutou o argumento da Scott segundo o qual o prazo de prescrição se destinava a proteger o beneficiário do auxílio e que, por conseguinte, só era interrompido quando este último fosse informado de que a Comissão estava a realizar um inquérito sobre o auxílio. Com efeito, segundo a Comissão, a questão de saber quem, definitivamente, beneficia do prazo de prescrição é independente do seu modo de cálculo. Além disso, indica que o artigo 15.° do Regulamento n.° 659/1999 não se refere a terceiros, limitando-se à relação entre ela própria e os Estados-Membros. Assim, a Comissão não estava sujeita a uma obrigação de informar terceiros. O artigo 15.° do referido regulamento não confere qualquer direito específico a estes últimos. Num procedimento relativo aos auxílios de Estado, os terceiros apenas beneficiam de direitos processuais decorrentes do artigo 88.°, n.° 2, CE (v. considerandos 221 a 223 da decisão controvertida).

18.
    O artigo 15.° do Regulamento n.° 659/1999 só menciona o beneficiário do auxílio a fim de determinar a data a contar da qual o prazo de prescrição começa a correr, ou seja, «o dia em que o auxílio ilegal foi concedido ao beneficiário» (v. considerando 223 da decisão controvertida).

19.
    A Comissão também recorda que o beneficiário de um auxílio deve verificar se o auxílio que lhe foi concedido foi notificado. Sem tal notificação e na ausência de uma autorização não existe qualquer segurança jurídica (v. considerando 224 da decisão impugnada).

Tramitação processual e pedidos das partes

20.
    Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 4 de Dezembro de 2000, o recorrente interpôs o presente recurso. Solicitou, na sua petição, a apensação imediata do presente processo ao processo T-366/00, que a Scott instaurara, no que respeita à decisão controvertida, em 30 de Novembro de 2000.

21.
    Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal em 19 de Março de 2001, a Scott solicitou autorização para intervir no presente processo em apoio do recorrente.

22.
    Em 25 de Abril de 2001, o Tribunal organizou uma reunião informal comum ao presente processo e ao processo T-366/00, ao abrigo do artigo 64.°, n.° 3, alínea e), do seu Regulamento de Processo, na qual se discutiram o pedido de apensação desses dois processos, apresentado pelo recorrente no presente processo, e a possibilidade de a questão da prescrição ser decidida antes da discussão sobre o mérito da causa, pedido que foi apresentado pela Scott no processo T-366/00.

23.
    Com base no relatório preliminar do juiz-relator e à luz das perspectivas expostas na reunião informal, o Tribunal (Quinta Secção Alargada) decidiu dar início à fase oral do processo, limitando-a aos fundamentos de anulação assentes numa eventual prescrição do poder da Comissão de ordenar a recuperação do auxílio estatal concedido pela França sob a forma de preço preferencial de um terreno de 48 hectares em La Saussaye.

24.
    Por despacho do presidente da Quinta Secção Alargada, de 10 de Maio de 2001, a Scott foi autorizada a intervir no presente processo em apoio dos pedidos do recorrente.

25.
    As partes foram ouvidas em alegações e nas suas respostas às questões do Tribunal na audiência de 26 de Setembro de 2002.

26.
    No presente acórdão, o Tribunal limita-se, portanto, a examinar o pedido de anulação do artigo 2.° da decisão controvertida, na parte relativa ao fundamento assente na violação do artigo 15.° do Regulamento n.° 659/1999.

27.
    Neste contexto, o recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    anular o artigo 2.° da decisão controvertida, na parte em que declara ilegal o auxílio estatal concedido sob a forma de preço preferencial de um terreno e ordena o reembolso de um montante de 39,58 milhões de FRF (6,03 milhões de euros) ou, em valores actualizados, de 80,77 milhões de FRF (12,3 milhões de euros);

-    condenar a Comissão nas despesas.

28.
    A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    negar provimento ao recurso;

-    condenar o recorrente nas despesas.

29.
    A Scott, interveniente em apoio do recorrente, conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    declarar o recurso procedente;

-    condenar a Comissão nas despesas.

Questão de direito

30.
    Em apoio do seu pedido de anulação com base em prescrição, o recorrente suscita um único fundamento assente em violação do artigo 15.° do Regulamento n.° 659/1999. Este fundamento divide-se em duas vertentes. A primeira vertente é assente em aplicação do Regulamento n.° 659/1999 ao presente caso, e a segunda no facto de apenas um «acto de autoridade» adoptado pela Comissão, e não simples pedidos de informação enviados às autoridades francesas, poder interromper o prazo de prescrição.

Quanto à primeira vertente do fundamento, assente em aplicação do Regulamento n.° 659/1999 ao presente caso

Argumentos das partes

31.
    O recorrente alega que a intervenção da Comissão no que respeita à recuperação do auxílio relativo ao terreno em La Saussaye, junto do seu beneficiário, ou seja, a Scott, prescreveu em conformidade com o disposto no artigo 15.° do Regulamento n.° 659/1999.

32.
    Contesta o argumento da Comissão segundo o qual o Regulamento n.° 659/1999 não é aplicável no caso em apreço. Considera que a Comissão reconheceu a aplicabilidade do Regulamento n.° 659/1999 na decisão controvertida, pois, após ter recordado o seu conteúdo, concluiu que houvera interrupção do prazo de prescrição devido ao envio às autoridades francesas de pedidos de informação, designadamente em 17 de Janeiro de 1997. Ora, o controlo jurisdicional da legalidade da decisão controvertida devia incidir sobre o seu conteúdo, tal como resulta dos seus próprios termos. A este propósito, o recorrente sustenta que a Comissão modificou, na sua contestação, a sua própria fundamentação da decisão controvertida, pois passou a afirmar que interrupção do prazo de prescrição se justificava pela decisão de dar início ao procedimento de 20 de Maio de 1998. Esta argumentação, apresentada pela primeira vez da contestação e que não figurava na fundamentação da decisão controvertida, não devia, portanto, ser aceite a posteriori.

33.
    O recorrente alega que o Regulamento n.° 659/1999, cuja natureza processual não suscita dúvidas, se aplica aos procedimentos relativos aos auxílios de Estado em curso e que não foram objecto de decisão definitiva antes da sua entrada em vigor. Também sublinha que esse regulamento se caracteriza pelo facto de não conter disposições transitórias. Ora, o referido regulamento, que codifica e serve de apoio a uma prática constante na aplicação do artigo 88.° CE, constituía «um conjunto processual indissociável» destinado a aplicar-se imediatamente a todos os processos em curso, salvo excepção expressamente instituída no próprio corpo desse regulamento. Também observa que, segundo jurisprudência constante, as regras processuais aplicam-se geralmente a todos os litígios pendentes no momento da sua entrada em vigor (acórdão do Tribunal de Justiça de 12 de Novembro de 1981, Salumi e o., 212/80 a 217/80, Recueil, p. 2735, n.° 9). Sublinha ainda que a própria Comissão aplica desde Abril de 1999 o Regulamento n.° 659/1999 aos processos pendentes.

34.
    Além disso, o recorrente considera que o prazo de prescrição de dez anos, que figura no artigo 15.° do Regulamento n.° 659/1999, possui «carácter absoluto» e que os actos que interrompem a prescrição devem ser praticados no prazo de dez anos a contar da data em que o auxílio ilegal foi concedido. Se, entre a data de entrada em vigor do regulamento e a data de concessão de auxílio, tiver decorrido um prazo superior a dez anos sem ter sido praticado um qualquer acto de interrupção da prescrição, esta deve considerar-se adquirida. Por conseguinte, a inexistência de intimação para comunicar informações ou de decisão de dar início ao procedimento formal de exame antes do décimo aniversário da concessão do auxílio impediria, por força do artigo 15.° do Regulamento n.° 659/1999, a recuperação do auxílio.

35.
    O recorrente sustenta que o presente processo possui «natureza extrema» face ao período de tempo decorrido entre a data de concessão do auxílio, 31 de Agosto de 1987, e a data em que as autoridades francesas foram chamadas a responder às investigações da Comissão em 1997. Essa «natureza extrema» era tanto mais acentuada quanto foram necessários mais três anos e meio para ser adoptada a decisão controvertida. Considera que a responsabilidade por esses três anos e meio deve ser imputada tanto aos Estados-Membros como à Comissão. Esse período de tempo que decorreu causou dificuldades, para não dizer a impossibilidade, relativamente à reconstituição dos dados económicos de então. Com efeito, o decurso de um grande período de tempo tornava particularmente difícil a justificação de uma medida contestada à luz do regime dos auxílios de Estado. A este respeito, o recorrente considera que dez anos constituem o prazo de prescrição máximo aceitável.

36.
    Além disso, o recorrente insiste nos grandes inconvenientes que o processo «exclusivamente bilateral» relativo aos auxílios de Estado apresenta. Com efeito, esse processo caracteriza-se por um diálogo aprofundado e satisfatório entre a Comissão e os Estados-Membros quando se trata de auxílios concedidos pela Administração Central do Estado ou pelos seus departamentos. Todavia, não é isso o que necessariamente se verifica quando se trata de auxílios concedidos por colectividades territoriais. Nesse caso, as colectividades descentralizadas sofriam as consequências do comportamento da Administração Central quando esta não actua com diligência para responder à Comissão. Por conseguinte, o recorrente considera que o diálogo entre a Comissão e o Estado-Membro devia sistematicamente alargar-se à colectividade territorial, autora do acto contestado.

37.
    A Comissão sustenta que a alegação do recorrente segundo a qual a intervenção da Comissão, no caso em apreço, prescrevera é manifestamente improcedente. Observa que não é aqui necessário determinar se o Regulamento n.° 659/1999 constitui um conjunto de disposições processuais, que se aplica geralmente a todos os processos pendentes no momento da sua entrada em vigor, ou um conjunto de disposições de natureza substancial, que, nesse caso, só se aplicaria a situações anteriores na medida em que dos seus próprios termos, finalidade ou economia resultasse que tal deve ser-lhe atribuído.

38.
    A Comissão recorda que no momento em que o auxílio foi concedido, ou seja, em 31 de Agosto de 1987, bem como durante todo o ano de 1997, durante o qual enviou diversos pedidos de informações às autoridades francesas, o legislador comunitário ainda não tinha fixado nenhum prazo de prescrição em matéria de acção da Comissão no que respeita aos auxílios de Estado não notificados. Segundo afirma, nenhum fundamento jurídico específico permitia sustentar que as suas intervenções haviam prescrito. Ora, do acórdão do Tribunal de 15 de Setembro de 1998, BFM e EFIM/Comissão (T-126/96 e T-127/96, Colect, p. II-3437, n.° 68), resulta que o prazo de prescrição não pode ser aplicável por analogia. Assim, a Comissão considera que tanto as autoridades públicas, que concedem os auxílios de Estado, como os seus beneficiários não podiam alimentar expectativas legítimas de que a sua acção ficasse enquadrada por um prazo de prescrição.

39.
    A Comissão também observa que é pacífico que, no momento da adopção da sua decisão de dar início ao procedimento, ou seja, em 20 de Maio de 1998, não se encontrava previsto qualquer prazo de prescrição, pelo que a sua intervenção não estava prescrita. Do mesmo modo, a Comissão não estava sujeita ao prazo de prescrição quando notificou as autoridades francesas da sua decisão de dar início a um procedimento formal de exame, em 10 de Julho de 1998, e quando procedeu à publicação dessa mesma decisão no Jornal Oficial das Comunidades Europeias, em 30 de Setembro de 1998. A entrada em vigor, em 16 de Abril de 1999, do Regulamento n.° 659/1999 e do seu artigo 15.° não podia implicar uma modificação retroactiva dessa situação. Destas conclusões, a Comissão conclui que a sua intervenção não podia estar prescrita quando adoptou a decisão controvertida, em 12 de Julho de 2000. Considera que a entrada em vigor do Regulamento n.° 659/1999 e do seu artigo 15.° não a podiam impedir de tomar essa decisão ou de daí retirar todas as consequências jurídicas no que respeita a um auxílio concedido em violação da obrigação de notificação do artigo 88.°, n.° 3, CE.

40.
    Segundo a Comissão, a aplicação do Regulamento n.° 659/1999 e do prazo de prescrição previsto no seu artigo 15.° a um auxílio concedido antes da sua entrada em vigor depende de duas condições cujo preenchimento é cumulativo, ou seja, por um lado, o decurso de um prazo de dez anos a contar da data de concessão do auxílio e, por outro, a inexistência de medidas que interrompam a prescrição anteriores à data de entrada em vigor desse regulamento. A Comissão admite terem decorrido dez anos desde a data de concessão do auxílio em causa, mas considera terem sido tomadas diversas medidas de interrupção da prescrição antes da entrada em vigor do Regulamento n.° 659/1999. De qualquer modo, a decisão de dar início ao procedimento foi tomada num momento em que nenhum fundamento jurídico permitia considerar que a intervenção da Comissão estava prescrita.

41.
    A Comissão considera que o recorrente aplica retroactivamente o artigo 15.° do Regulamento n.° 659/1999. Ora, esse regulamento, que não incluía disposições transitórias e que, portanto, era de aplicação imediata, não podia ser aplicado retroactivamente. Segundo jurisprudência constante, uma regra de prescrição, para poder cumprir a sua função, devia ser fixada previamente (v. acórdãos do Tribunal de Justiça de 15 de Julho de 1970, ACF Chemiefarma/Comissão, 41/69, Colect. 1969-1970, p. 447, e de 14 de Julho de 1972, ICI/Comissão, 48/69, Colect., p. 205). A Comissão considera que o Regulamento n.° 659/1999 apenas fixa uma regra de prescrição no que respeita aos auxílios ilegalmente concedidos após a sua entrada em vigor. A regra de prescrição dizia respeito aos casos «novos» de auxílios concedidos ilegalmente e não aos casos «antigos» de auxílios concedidos antes da entrada em vigor do regulamento. Ora, as medidas comunitárias não eram de aplicação retroactiva, salvo em casos excepcionais, quando resultasse claramente dos seus termos e da sua economia ser essa a intenção do legislador, o que não se verificava relativamente ao artigo 15.° do Regulamento n.° 659/1999. A Comissão sublinha que a única forma de garantir uma aplicação imediata do artigo 15.° do Regulamento n.° 659/1999 no que respeita aos casos «antigos», sem se proceder a uma aplicação retroactiva ilegal, é a descrita no n.° 40 supra.

42.
    Na sua tréplica, a Comissão sustenta que o recorrente não provou nem que o presente processo tinha «natureza extrema» devido ao período de tempo compreendido entre a data de concessão do auxílio, em 31 de Agosto de 1987, e a data em que foi chamado a responder às suas investigações, em 1997, nem que a duração do processo do caso em apreço se caracterizou por uma dilação significativa. Sustenta, a este respeito, que os três anos e meio que decorreram após a recepção da queixa se ficaram igualmente a dever à falta de resposta das autoridades francesas, aos seus pedidos de prazos suplementares e à ocorrência de uma reunião informal.

43.
    A Comissão observa igualmente que qualquer decisão de dar início ao procedimento deve, em conformidade com as disposições do artigo 88.°, n.° 2, CE, ser precedida de um primeiro exame que a conduzirá a adquirir a convicção de que um auxílio de Estado é incompatível com o Tratado. Sublinha, a este respeito, que os elementos que obteve graças aos seus pedidos de informações conduziram à adopção da decisão de dar início ao procedimento em 20 de Maio de 1998, ou seja, menos de 17 meses após a apresentação da queixa.

44.
    A Comissão indica, além disso, que não podia ordenar que lhe fossem comunicadas informações no mês de Agosto de 1997, designadamente em virtude de as autoridades francesas não terem adoptado uma atitude de recusa manifesta de cooperação, que era a única que poderia justificar essa intimação. Assim, considera ter reagido com diligência ao dirigir-se, desde 17 de Janeiro de 1997, às autoridades francesas para lhes solicitar a transmissão de todas as informações úteis à instrução do processo.

45.
    Além disso, a Comissão alega que, embora o seu comportamento possa ser examinado na perspectiva do respeito do princípio da boa administração, a petição não contém qualquer fundamento decorrente de uma eventual inobservância desse princípio. Todavia, para o caso de se dever considerar que os argumentos que o recorrente apresentou na réplica e que foram reproduzidos no n.° 35 supra, relativos à «natureza extrema» do presente processo, suscitam tal fundamento, constituíam um fundamento novo e eram, por conseguinte, inadmissíveis.

46.
    A alegação do recorrente segundo a qual o diálogo entre a Comissão e as autoridades francesas não foi nem aprofundado nem satisfatório, no presente processo, do ponto de vista das colectividades territoriais que concederam os auxílios em causa, não era correcta, pois a cidade de Orleães, que também está envolvida na concessão desses auxílios, não interpôs qualquer recurso de anulação. De qualquer modo, os ofícios da autoridades francesas, em resposta aos pedidos de informação, referiam constantemente que as informações em causa tinham sido obtidas junto, designadamente, do recorrente. Além disso, este último não apresentou observações à Comissão na sequência da publicação no Jornal Oficial das Comunidades Europeias da sua decisão de dar início ao procedimento nos termos do artigo 88.°, n.° 2, CE.

47.
    A Comissão considera igualmente que o direito que o Tratado reconhece de lhe serem submetidas quaisquer observações sobre as medidas em causa no quadro do procedimento do artigo 88.°, n.° 2, CE é o «paliativo directo» das consequências que o comportamento não diligente do Estado-Membro pode ter tanto relativamente à colectividade territorial que concedeu o auxílio em causa como no que respeita ao seu beneficiário. Considera, por outro lado, que a colectividade territorial e o beneficiário do auxílio dispõem de uma solução jurídica nas vias de direito de que podem dispor nos órgãos jurisdicionais nacionais com vista a responsabilizar a Administração Central pela sua falta de diligência nos termos do seu dever de cooperação leal com a Comissão. Segundo afirma, não foi sem razão que o Tratado, no quadro do controlo dos auxílios de Estado, definiu a situação específica do Estado-Membro enquanto órgão de jure do poder público. As eventuais falhas das estruturas constitucionais ou administrativas de um Estado-Membro deviam fundamentalmente ser resolvidas em sede do ordenamento jurídico nacional.

Apreciação do Tribunal

48.
    Importa observar a título preliminar que, segundo jurisprudência constante, a legalidade de um acto comunitário deve ser apreciada em função dos elementos de facto e de direito existentes na data em que o acto foi adoptado (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Outubro de 1999, Salomon/Comissão, T-123/97, Colect., p. II-2925, n.° 48, e de 14 de Maio de 2002, Graphischer Maschinenbau/Comissão, T-126/99, Colect., p. II-2427, n.° 33).

49.
    Além disso, é jurisprudência constante que, embora geralmente se entenda que as regras processuais se aplicam a todos os litígios pendentes no momento da sua entrada em vigor, o mesmo não se passa relativamente às regras substantivas. Estas são habitualmente interpretadas no sentido de que apenas visam situações anteriores à sua entrada em vigor na medida em que resulte claramente dos seus termos, finalidades ou economia que esse efeito lhe deva ser atribuído. Esta interpretação garante o respeito dos princípios da segurança jurídica e da confiança legítima por força dos quais a legislação comunitária deve ser clara e previsível para os sujeitos de direito [v., nomeadamente, acórdãos do Tribunal de Justiça, Salumi e o., já referido, n.os 9 e 10, e de 6 de Julho de 1993, CT Control (Rotterdam) e JCT Benelux/Comissão, C-121/91 e C-122/91, Colect., p. I-3873, n.os 22 e 23].

50.
    O Regulamento n.° 659/1999, que é um regulamento processual relativo à aplicação do artigo 88.° CE, foi adoptado tendo em vista a prática desenvolvida pela Comissão nesse domínio a fim de, designadamente, assegurar a tramitação adequada e a eficácia dos processos previstos nesse artigo e de aumentar a transparência e a segurança jurídica na sua aplicação (v. considerandos 2 e 3 do regulamento). No seu capítulo III, intitulado «Processo aplicável aos auxílios ilegais», encontram-se descritos os poderes da Comissão relativos, designadamente, ao exame dos auxílios de Estado, ao pedido de informações, às injunções para prestação de informações e à recuperação de um auxílio ilegal. Há que declarar que da própria letra dessas disposições, incluindo o artigo 15.°, resulta que têm natureza processual e que se aplicam, portanto, ao abrigo da referida jurisprudência, a todos os procedimentos administrativos em matéria de auxílios de Estado que se encontravam pendentes na Comissão quando o Regulamento n.° 659/1999 entrou em vigor, ou seja, em 16 de Abril de 1999.

51.
    Além disso, o artigo 15.° do Regulamento n.° 659/1999 não contém qualquer disposição transitória no que respeita à sua aplicação no tempo, diferentemente do artigo 11.°, n.° 2, último parágrafo, do mesmo diploma, relativo ao poder da Comissão de ordenar a recuperação provisória de um auxílio pago ilegalmente, aplica-se a qualquer acção para recuperação definitiva de um auxílio empreendida após a data de entrada em vigor do regulamento, inclusive de um auxílio concedido antes dessa data.

52.
    Relativamente ao argumento da Comissão segundo o qual a aplicação do artigo 15.° do Regulamento n.° 659/1999 a um auxílio concedido antes da sua entrada em vigor depende de duas condições que aqui não se encontravam cumulativamente satisfeitas, há que observar, por mera cautela, que resulta dos termos da decisão controvertida, designadamente da análise da questão da aplicação do prazo de prescrição exposta nos considerandos 219 a 224, que, quando da adopção dessa decisão, a própria Comissão considerava que a sua actuação em matéria de recuperação do auxílio em causa integrava o âmbito de aplicação do artigo 15.° do Regulamento n.° 659/1999. Além disso, o facto de a Comissão ter enviado às autoridades francesas, em 8 de Julho de 1999, uma injunção para lhe prestarem informações ao abrigo do artigo 10.°, n.° 3, do referido regulamento revela que conduziu o processo em matéria de auxílios de Estado, iniciado ao abrigo do artigo 88.°, n.° 2, CE, em 20 de Maio de 1998, baseando-se desde a entrada em vigor do Regulamento n.° 659/1999, ou seja, em 16 de Abril de 1999, nas novas regras processuais.

53.
    Assim, tendo a Comissão explicitamente baseado a sua análise da prescrição da acção de recuperação do auxílio em causa no artigo 15.° do Regulamento n.° 659/1999 na decisão controvertida (v. considerandos 219 a 224), não podia invocar outros argumentos em detrimento do recorrente que pusessem em causa a sua própria análise, contida na decisão controvertida, no quadro do presente processo no Tribunal de Primeira Instância.

54.
    Segue-se que o poder da Comissão de ordenar a recuperação do auxílio em causa se regia pelo artigo 15.° do Regulamento n.° 659/1999.

55.
    Relativamente à argumentação do recorrente relativa à «natureza extrema» do presente processo, há que considerar que não tem fundamento, sem que seja necessário examinar se constitui um fundamento novo como pretende a Comissão no n.° 45 supra.

56.
    A este propósito, cabe observar que a questão de saber se a tramitação do procedimento administrativo relativo ao auxílio controvertido se caracterizou por um atraso excessivo não pode ser examinada tomando em consideração, como o recorrente pretende, o período de tempo decorrido entre a data de concessão do auxílio em causa e a da adopção da decisão controvertida. Com efeito, esse exame deve tomar como ponto de partida a data em que a Comissão teve conhecimento da concessão do auxílio em causa. É pacífico que a Comissão só foi informada da concessão do auxílio em causa em 23 de Dezembro de 1996, data em que, no caso em apreço, foi apresentada a queixa, ou, na melhor das hipóteses, em Novembro de 1996, data da publicação, pelo Tribunal de Contas francês, do relatório sobre «Les interventions des collectivités territoriales en faveur des entreprises». Da decisão controvertida resulta que a Comissão, actuando com base na queixa de 23 de Dezembro de 1996, pediu informações complementares às autoridades francesas em 17 de Janeiro de 1997. Seguiu-se uma troca de correspondência entre as autoridades francesas e a Comissão, no quadro da qual esta última tentou, com algumas dificuldades, completar o respectivo processo solicitando informações complementares até à sua decisão de dar início ao procedimento, em 20 de Maio de 1998. Assim, mesmo após o início do procedimento administrativo, as autoridades francesas mostraram-se reticentes em fornecer as informações solicitadas pela Comissão (v. n.os 8 a 11 supra). Perante a cronologia dos factos ocorridos entre Novembro de 1996 e a adopção da decisão controvertida (v. considerandos 2 a 11 da decisão controvertida), a Comissão não pode, no caso em apreço, ser acusada de um atraso excessivo ou de falta de diligência na tramitação do procedimento administrativo.

57.
    De qualquer forma, a recuperação dos auxílios ilegais, com vista ao restabelecimento da situação anterior, não pode constituir uma sanção não prevista pelo direito comunitário, ainda que aplicada muito tempo depois da concessão dos auxílios em causa (v. acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 29 de Setembro de 2000, CETM/Comissão, T-55/99, Colect., p. II-3207, n.° 164).

58.
    Quanto ao argumento do recorrente sobre os grandes inconvenientes que o processo «exclusivamente bilateral» relativo aos auxílios de Estado apresenta para as colectividades territoriais, cabe referir que o artigo 88.°, n.° 3, CE impõe ao Estado-Membro interessado uma obrigação de notificação dos projectos destinados a instituir ou modificar auxílios de Estado. Além disso, dado que, segundo jurisprudência constante, o beneficiário de um auxílio só pode, salvo em casos excepcionais, depositar a sua confiança legítima na regularidade de um auxílio se este for concedido no respeito das disposições do artigo 88.° CE (acórdãos do Tribunal de Justiça de 20 de Setembro de 1990, Comissão/Alemanha, C-5/89, Colect., p. I-3437, n.° 14, e de 14 de Janeiro de 1997, Espanha/Comissão, C-169/95, Colect., p. I-135, n.° 51) e que um operador económico diligente deve normalmente poder assegurar-se que esse procedimento foi respeitado, todas as partes terceiras, incluindo as colectividades territoriais, também não podem invocar essa confiança legítima nem criticar a Comissão pelo facto de o procedimento administrativo relativo ao auxílio não notificado se desenrolar principalmente entre esta última e o Estado-Membro em causa. Se a Administração Central de um Estado-Membro não respeitou a sua obrigação de notificação, em detrimento das colectividades territoriais ou do beneficiário de um auxílio concedido por estas, essas circunstâncias constituem um problema interno das próprias partes, que não pode ser imputado à Comissão. Decidir de outra forma conduz a impedir ou entravar injustificadamente o cumprimento, pela Comissão, da sua missão de velar pelo respeito dos artigos 87.° CE e 88.° CE.

59.
    Das considerações que precedem resulta que a primeira vertente do fundamento não pode ser acolhida.

Quanto à segunda vertente do fundamento, assente no facto de um pedido de informações não poder interromper o prazo de prescrição

Argumentos das partes

60.
    O recorrente considera que o pedido de informações da Comissão não pode interromper o prazo de prescrição, previsto no artigo 15.° do Regulamento n.° 659/1999, mesmo que aí figurem «diversos parágrafos-tipo que recordam as eventuais consequências jurídicas da concessão de um auxílio ilegal». O facto de um pedido de informações produzir tais efeitos sobre a prescrição contrariava o princípio da segurança jurídica.

61.
    Em apoio do que afirma, o recorrente indica que, na maior parte dos direitos nacionais dos Estados-Membros, no domínio do direito económico, «apenas um acto de autoridade, praticado ao abrigo de uma habilitação juridicamente consagrada num texto específico para o efeito, [é] susceptível de implicar uma interrupção da prescrição».

62.
    O recorrente sublinha igualmente que, em direito comunitário, o artigo 43.° do Estatuto do Tribunal de Justiça, que consagra a prescrição em matéria de responsabilidade extracontratual, indica claramente que a apresentação de um simples pedido à instituição competente apenas pode interromper o prazo de prescrição se for seguido da apresentação da petição no órgão jurisdicional comunitário. A este propósito, sustenta que a solução acolhida em matéria de aplicação dos artigos 81.° CE e 82.° CE no Regulamento (CEE) n.° 2988/74 do Conselho, de 26 de Novembro de 1974, relativo à prescrição quanto a procedimentos e execução de sanções no domínio do direito dos transportes e da concorrência da Comunidade Económica Europeia (JO L 319, p. 1; EE 08 F2 p. 41), constitui a excepção.

63.
    O recorrente observa que quando a queixa foi apresentada, em 23 de Dezembro de 1996, e até ao início do procedimento formal de exame, em Maio de 1998, a Comissão não podia invocar nenhum fundamento jurídico específico para os seus pedidos de informações. Com efeito, esses pedidos, que correspondiam à prática habitual e foram enviados às autoridades francesas em 1997, inscreviam-se, segundo o recorrente, na fase preliminar do exame dos eventuais auxílios de Estado, fase que pode ser puramente interna ou bilateral ou que pode terminar num simples arquivamento do processo. Além disso, a Comissão não adoptara, no procedimento em causa, «qualquer acto de autoridade de instrução» que era o único susceptível de interromper o prazo de prescrição.

64.
    O recorrente considera que, atendendo ao contexto e ao objectivo do artigo 15.° do Regulamento n.° 659/1999, a tese da Comissão segundo a qual todos os pedidos de informação interrompem o prazo de prescrição não podia conferir um efeito útil integral a esse artigo. Com efeito, essa interpretação conduziria a uma interrupção quase sistemática do prazo de prescrição na sequência de uma queixa.

65.
    Por conseguinte, o recorrente observa que a Comissão dispõe de meios «de autoridade» para permitir a interrupção do prazo de prescrição. Dispunha de dois meios legítimos. Por um lado, a Comissão podia tomar decisões que lhe permitiam, após ter dado ao Estado-Membro em causa a possibilidade de se exprimir, intimá-lo fornecer-lhe, no prazo por ela fixado, todos os documentos, informações e dados suplementares necessários à análise da compatibilidade do auxílio com o mercado comum (acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Fevereiro de 1990, França/Comissão, C-301/87, Colect, p. I-307). O recorrente sublinha, a este propósito, que a Comissão dera à França a oportunidade de se exprimir durante o primeiro trimestre de 1997, por duas vezes, mas que só decidira enviar-lhe uma injunção em 1999. Por outro lado, a Comissão poderia interromper o prazo de prescrição adoptando uma «decisão de início do procedimento formal de exame». Ora, o recorrente considera que a Comissão teve a possibilidade de proceder à abertura desse procedimento formal em Junho de 1997, ou seja, dois meses antes do termo do prazo de prescrição aplicável no caso em apreço.

66.
    Essa interpretação, que respeitava o princípio da segurança jurídica, não privava a Comissão dos seus meios de actuar, antes constituindo um incentivo importante ao aceleramento do tratamento dos processos no respeito do princípio da diligência e da boa administração, na acepção que lhe tem sido dada a partir do acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Dezembro de 1973, Lorenz (120/73, Colect., p. 553).

67.
    O recorrente conclui que a interpretação que confere ao mecanismo da prescrição o seu pleno efeito útil, ao mesmo tempo que preserva a capacidade de intervenção da Comissão, implica que se aceite que só um acto de autoridade, materializado na adopção de um acto qualificado de decisão que cause prejuízo, pode constituir um «acto» susceptível de interromper a prescrição.

68.
    Em apoio da sua interpretação do termo «acto», o recorrente refere-se igualmente aos direitos nacionais dos Estados-Membros. Considera assim que só a adopção de um instrumento jurídico com esse desígnio e adoptado ao abrigo da lei interna (lei, decreto, decreto regulamentar ou acto administrativo específico expressamente previsto) permitia interromper o prazo de prescrição. Inversamente, um pedido de informação, salvo casos específicos que são sempre objecto de disposições precisas e específicas, não podia constituir um acto susceptível de interromper o prazo de prescrição. Assim, no caso em apreço, a Comissão não interrompeu o prazo de prescrição antes do seu termo. Nessas condições, o auxílio em questão devia ser considerado um auxílio existente.

69.
    A Scott sustenta que a acção da Comissão não interrompe o prazo de prescrição relativamente ao beneficiário do auxílio, salvo se os pedidos de informações que enviou aos Estados-Membros lhe forem notificados.

70.
    A Scott também observa que o prazo de prescrição previsto no artigo 15.° do Regulamento n.° 659/1999 é particularmente longo. Considera que o Conselho, ao fixar, para os processos de auxílios de Estado, um prazo de prescrição tão longo e ao conferir um efeito tão dilatado a uma circunstância susceptível de interromper a prescrição devido à aplicação dessa disposição, não podia ter a intenção de permitir que o prazo de prescrição fosse facilmente interrompido.

71.
    A Comissão sustenta que os pedidos de informações enviados aos Estados-Membros são actos que têm por efeito interromper o prazo de prescrição. Com efeito, o legislador comunitário não podia ter utilizado, no artigo 15.° do Regulamento n.° 659/1999, o termo «acto», por acaso, num contexto como o desse regulamento adoptado tendo em vista aumentar a transparência e a segurança jurídica bem como codificar e servir de apoio à prática constante da Comissão e à jurisprudência do Tribunal de Justiça em matéria de auxílios de Estado. A Comissão sublinha que o Regulamento n.° 659/1999 esclarece as circunstâncias em que pode adoptar decisões e recomendações bem como os diferentes pedidos de informações e comunicações aos Estados-Membros. Além disso, os termos utilizados pelo legislador no quadro do Regulamento n.° 659/1999 integravam-se no contexto do controlo dos auxílios de Estado, cujo processo específico se centra no diálogo entre a Comissão e os Estados-Membros. Segundo jurisprudência constante, os Estados-Membros são os únicos destinatários das decisões da Comissão, o que é confirmado pelo Regulamento n.° 659/1999. Este processo contraditório entre o Estado-Membro e a Comissão não é contra os beneficiários do auxílio ilegalmente concedido. Aliás, estes últimos dispõem de direitos delimitados pelo disposto no artigo 88.°, n.° 2, CE e no Regulamento n.° 659/1999.

72.
    Segundo a Comissão, o facto do artigo 15.° do Regulamento n.° 659/1999 se referir a «quaisquer actos [...] praticados pela Comissão» significa que visa o conjunto dos meios colocados à disposição da Comissão pelo referido regulamento. Assim, os pedidos de informações que a Comissão envia aos Estados-Membros são «instrumentos absolutamente adequados para interromper o prazo de prescrição previsto no artigo 15.°» e informam os Estados-Membros, embora respeitando o princípio da segurança jurídica, de que a Comissão se encontra a instruir um processo sobre uma medida.

73.
    A Comissão alega igualmente que o argumento do recorrente segundo o qual só um «acto de autoridade» pode constituir uma medida susceptível de interromper a prescrição conduz a restringir de forma considerável a sua capacidade de intervenção. Com efeito, a adopção de «actos de autoridade» necessita da reunião de diversas condições. Assim, uma injunção para comunicar informações só podia ser adoptada na sequência de um pedido simples de informações seguido de uma carta de insistência (v. artigo 10.° do Regulamento n.° 659/1999). Do mesmo modo, para proceder ao início de um procedimento formal de exame, a Comissão deve ter previamente reunido e obtido as informações adequadas e procedido a um exame preliminar da medida em causa. A Comissão considera, portanto, que o recorrente interpretou de forma errada as disposições do artigo 15.° do Regulamento n.° 659/1999.

74.
    A Comissão sublinha que o recorrente, ao referir-se ao regime da prescrição instituído pelo Regulamento n.° 2988/74, alegou que esse regulamento constituía uma excepção entre os inúmeros exemplos que ilustravam, nos direitos nacionais, a ideia de que a prescrição da actuação de uma autoridade pública não pode ser interrompida por um pedido de informações. Ora, o recorrente, que de modo algum invocou a ilegalidade do Regulamento n.° 659/1999 ou do seu artigo 15.°, não tentou de modo algum demonstrar, nem provar, que os pedidos de informações que a Comissão enviou às autoridades francesas não podiam constituir uma medida válida de interrupção da prescrição no quadro do regime definido pelo legislador comunitário em sede do controlo dos auxílios de Estado.

75.
    O argumento da Scott segundo o qual o Conselho não tivera a intenção de permitir que o prazo de prescrição fosse facilmente interrompido, quando optou por fixar uma prazo prescrição de dez anos em matéria de recuperação de auxílios ilegalmente concedidos, só resulta da abordagem subjectiva da Scott. Com efeito, só o legislador comunitário pode adoptar discricionariamente uma norma em matéria de prescrição e aprovar as respectivas regras processuais.

Apreciação do Tribunal

76.
    Cabe sublinhar, antes de mais, que, como se observou no quadro do exame da primeira vertente do fundamento, o prazo de prescrição de dez anos estabelecido no artigo 15.° do Regulamento n.° 659/1999 é aplicável ao caso em apreço e que, por conseguinte, tendo o auxílio em causa sido concedido em 31 de Agosto de 1987 e a decisão controvertida adoptada em 12 de Julho de 2000, o referido prazo devia considerar-se ultrapassado. A Comissão baseou a sua decisão de ordenar a recuperação do auxílio em causa no facto de o prazo de prescrição ter sido interrompido por medidas que adoptara entre Janeiro e Agosto de 1997, designadamente o seu ofício de 17 de Janeiro de 1997, em que formalmente solicitara informações às autoridades francesas (v. considerando 220 da decisão controvertida).

77.
    O recorrente invoca exemplos retirados do direito nacional e do direito comunitário, designadamente o acórdão França/Comissão, já referido, n.° 19, para escorar a ideia de que um simples pedido de informação não pode interromper o prazo de prescrição. Considera que só um acto de autoridade, adoptado ao abrigo de uma habilitação juridicamente consagrada num texto específico para o efeito, como uma decisão de dar início ao procedimento previsto no artigo 88.°, n.° 2, CE ou uma injunção para fornecer informações enviada às autoridades francesas, podia constituir um acto susceptível de interromper a prescrição. Há que considerar que esta conclusão não pode ser retirada desse acórdão, que dizia respeito às medidas cautelares que a Comissão pode utilizar para contrariar qualquer violação ao artigo 88.°, n.° 3, CE. Essas medidas consistem no poder de intimar o Estado-Membro, através de uma decisão provisória, enquanto aguarda o resultado do exame do auxílio, a suspender imediatamente o pagamento deste e a fornecer à Comissão, no prazo que esta estabelece, todos os documentos, informações e dados necessários ao exame da compatibilidade do auxílio com o mercado comum.

78.
    No seu ofício de 17 de Janeiro de 1997, a Comissão solicitou às autoridades francesas informações «a fim de poder verificar a veracidade dos elementos alegados e determinar se as medidas em favor da sociedade Scott [constituíam] um auxílio na acepção do artigo [87.°, n.° 1, CE]». Além disso, nesse ofício, a Comissão chamou claramente a atenção das autoridades francesas para o ofício que enviara aos Estados-Membros em 3 de Novembro de 1983, a propósito das obrigações destes nos termos do artigo 88.°, n.° 3, CE, «bem como para a comunicação publicada no Jornal Oficial das Comunidades Europeias n.° C 318, p. 3, de 24 de Novembro de 1983, que insistia no facto de qualquer auxílio concedido ilegalmente era susceptível de ser objecto de um pedido de reembolso».

79.
    Daqui resulta que as autoridades francesas, tendo recebido o ofício de 17 de Janeiro de 1997, foram avisadas através deste de que a Comissão estava a proceder ao exame da legalidade do auxílio em causa e que este podia, eventualmente, ser objecto de um pedido de reembolso.

80.
    De qualquer forma, importa observar que, mesmo que o Regulamento n.° 659/1999 não fosse aplicado em 17 de Janeiro de 1997, não sendo, portanto, o prazo de prescrição interrompido pelo ofício então enviado às autoridades francesas, pois à época não se encontrava previsto qualquer prazo de prescrição, o efeito jurídico desse ofício deve, todavia, ser examinado no contexto do exercício, pela Comissão, após 16 de Abril de 1999, do seu poder de recuperação do auxílio em causa.

81.
    A este propósito, importa observar que o artigo 10.°, n.° 2, do Regulamento n.° 659/1999, bem como o artigo 15.° do referido regulamento, integra o capítulo III desse regulamento relativo às regras em matéria de processo aplicável aos auxílios ilegais. O artigo 10.°, n.° 2, prevê que a Comissão solicite ao Estado-Membro em causa informações. Resulta do artigo 10.°, n.° 2, do Regulamento n.° 659/1999, conjugado com os artigos 2.°, n.° 2, e 5.°, n.os 1 e 2, do mesmo diploma, que o Estado-Membro em causa, no seguimento de um pedido da Comissão, é obrigado a imediatamente fornecer todas as informações necessárias. Com efeito, a Comissão, ao enviar um pedido de informações a um Estado-Membro, informa este último de que está na posse de informações sobre um auxílio pretensamente ilegal e, eventualmente, que esse auxílio deverá ser reembolsado.

82.
    Assim, a simplicidade do pedido de informações não conduz a privá-lo de efeito jurídico enquanto medida susceptível de interromper o prazo de prescrição previsto no artigo 15.° do Regulamento n.° 659/1999. Esta interpretação não visa atribuir efeito retroactivo aos artigos 10.° e 15.° desse regulamento, mas apenas garantir a aplicação uniforme desses artigos a um conjunto de factos ou de acontecimentos passados e examinados a partir de 12 de Julho de 2000.

83.
    Relativamente ao argumento da Scott segundo o qual as medidas adoptadas pela Comissão entre Janeiro e Agosto de 1997 não podiam interromper o prazo de prescrição nos termos do artigo 15.° do Regulamento n.° 659/1999, pois não tivera então conhecimento dessas medidas, importa observar que o artigo 15.° estabeleceu um prazo de prescrição único para a recuperação de um auxílio que se aplica do mesmo modo ao Estado-Membro em causa, ao beneficiário do auxílio e às partes terceiras.

84.
    A este respeito, cabe recordar que o procedimento estabelecido no artigo 88.°, n.° 2, CE se desenrola principalmente entre a Comissão e o Estado-Membro em causa, tendo as pessoas interessadas, designadamente o beneficiário do auxílio, o direito de ser avisadas e de poder invocar os seus argumentos (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Novembro de 1984, Intermills/Comissão, 323/82, Recueil, p. 3809, n.os 16 e 17). Com efeito, segundo jurisprudência constante, os interessados têm fundamentalmente um papel de fontes de informação para a Comissão no quadro do procedimento administrativo iniciado ao abrigo do artigo 88.°, n.° 2, CE (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 22 de Outubro de 1996, Skibsvaerftsforeningen e o./Comissão, T-266/94, Colect., p. II-1399, n.° 256, e de 25 de Junho de 1998, British Airways e o./Comissão, T-371/94 e T-394/94, Colect., p. II-2405, n.° 59). Ora, a Comissão não é obrigada a avisar as pessoas potencialmente interessadas, incluindo o beneficiário do auxílio, das medidas que toma a respeito de um auxílio ilegal, antes do início do procedimento administrativo.

85.
    Daqui resulta que o simples facto de a Scott ignorar a existência dos pedidos de informações feitos pela Comissão às autoridades francesas a partir de 17 de Janeiro de 1997 não priva esses pedidos de efeitos jurídicos relativamente à Scott. Por conseguinte, o ofício de 17 de Janeiro de 1997, que a Comissão enviou antes do início do procedimento administrativo e em que solicitava informações complementares às autoridades francesas, constitui, nos termos do artigo 15.° do Regulamento n.° 659/1999, uma medida que interrompe o prazo de prescrição de dez anos, que começou a correr no caso em apreço em 31 de Agosto de 1987, antes do seu termo, embora o recorrente e a Scott ignorassem nessa época a existência dessa correspondência.

86.
    Tendo em atenção as considerações que precedem, não é possível acolher a segunda vertente do primeiro fundamento.

87.
    Nestas circunstâncias, há que julgar improcedente o pedido de anulação do artigo 2.° da decisão controvertida, na parte em que assenta na violação pela Comissão do artigo 15.° do Regulamento n.° 659/1999.

Quanto às despesas

88.
    Dado que o presente acórdão é limitado à questão da prescrição e que o processo vai continuar, importa na fase actual reservar para final a decisão quanto às despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quinta Secção Alargada)

decide:

1.
    O pedido de anulação do artigo 2.° da Decisão 2002/14/CE da Comissão, de 12 de Julho de 2000, relativa ao auxílio estatal concedido pela França à Scott Paper/Kimberly-Clark, é julgado improcedente, na parte em que assenta na violação pela Comissão do artigo 15.° do Regulamento (CE) n.° 659/1999 do Conselho, de 22 de Março de 1999, que estabelece as regras de execução do artigo [88.°] do Tratado CE.

2.
    O processo prossegue quanto ao mais.

3.
    Reserva-se para final a decisão quanto às despesas.

Cooke
García-Valdecasas
Lindh

Forwood

Legal

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 10 de Abril de 2003.

O secretário

O presidente

H. Jung

J. D. Cooke


1: Língua do processo: francês.