Language of document : ECLI:EU:T:2003:123

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção)

30 de Abril de 2003 (1)

«Marca comunitária - Marcas tridimensionais - Forma de cigarro de cor castanha e forma de lingote de ouro - Motivos absolutos de recusa - Carácter distintivo - Artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento (CE) n.° 40/94»

Nos processos apensos T-324/01 e T-110/02,

Axions SA, com sede em Genebra (Suíça),

Christian Belce, residente em Veyrier (Suíça),

representados por C. Eckhartt, advogado,

recorrentes,

contra

Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI), representado por G. Schneider, na qualidade de agente,

recorrido,

que têm por objecto um recurso de duas decisões da Terceira Secção de Recurso do Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) de 26 de Setembro de 2001 (processo R 599/2001-3) e de 16 de Janeiro de 2002 (processo R 538/2001-3), relativas, respectivamente, ao registo de uma forma tridimensional representando um cigarro de cor castanha (processo T-324/01) e de uma forma tridimensional representando um lingote de ouro (processo T-110/02) como marcas comunitárias,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quarta Secção),

composto por: V. Tiili, presidente, P. Mengozzi e M. Vilaras, juízes,

secretária: D. Christensen, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 15 de Janeiro de 2003,

profere o presente

Acórdão

Factos subjacentes ao litígio

1.
    Em 20 de Março de 2000 e 3 de Dezembro de 1999, os recorrentes apresentaram no Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI) dois pedidos de marcas comunitárias registados respectivamente sob os números 1 565 589 e 1 408 889, ao abrigo do Regulamento (CE) n.° 40/94 do Conselho, de 20 de Dezembro de 1993, sobre a marca comunitária (JO 1994, L 11, p. 1), alterado.

2.
    As marcas cujo registo foi pedido são, por um lado, uma forma tridimensional representando um cigarro de cor castanha (pedido de marca n.° 1 565 589) e, por outro, uma forma tridimensional representando um lingote de ouro (pedido de marca n.° 1 408 889). As reproduções gráficas das marcas tridimensionais pedidas, tal como figuram no anexo aos pedidos de marca, são as seguintes:

image: cigare~1

Pedido de marca n.° 1 565 589

image: lingot~1

Pedido de marca n.° 1 408 889

3.
    Os produtos para os quais foi pedido o registo das marcas enquadram-se na classe 30 (pedido de marca n.° 1 565 589) e nas classes 16 e 30 (pedido de marca n.° 1 408 889) do Acordo de Nice relativo à classificação internacional dos produtos e serviços para efeitos do registo de marcas, de 15 de Junho de 1957, tal como revisto e alterado, e correspondem, respectivamente, à seguinte descrição:

-    «Chocolate, produtos de chocolate; pastelaria e confeitaria», da classe 30;

-    «Chocolate, produtos de chocolate» (classe 30); embalagens de cartão para chocolate e produtos de chocolate sob a forma de um lingote de ouro», da classe 16.

4.
    Por decisões de 12 de Abril e 23 de Março de 2001, o examinador recusou, respectivamente, os pedidos de marca n.os 1 565 589 e 1 408 889, com base no artigo 38.° do Regulamento n.° 40/94, com fundamento no facto de as marcas requeridas serem desprovidas de carácter distintivo na acepção do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94.

5.
    Em 12 de Junho e 22 de Maio de 2001, os recorrentes interpuseram recursos para o IHMI, ao abrigo do artigo 59.° do Regulamento n.° 40/94, contra as referidas decisões do examinador de 12 de Abril e 23 de Março de 2001.

6.
    Por decisões de 26 de Setembro de 2001 (processo R 599/2001-3) (a seguir «decisão impugnada no processo T-324/01») e de 16 de Janeiro de 2002 (processo R 538/2001-3) (a seguir «decisão impugnada no processo T-110/02»), notificadas aos recorrentes em 11 de Outubro de 2001 e 7 de Abril de 2001, respectivamente, a Terceira Câmara de Recurso negou provimento aos recursos. No essencial, a Câmara de Recurso entendeu que o registo das marcas pedidas devia ser recusado por força do disposto no artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94. A este respeito, considerou que formas comparáveis às apresentadas pelas marcas pedidas eram frequentes no mercado dos produtos em causa e que as marcas pedidas se distinguiam muito pouco dessas formas para se poder considerar, sem outros elementos como, por exemplo, elementos verbais ou gráficos, que dispunham do mínimo de carácter distintivo requerido. Neste contexto, a Terceira Câmara de Recurso explicou que o consumidor médio não procede a uma análise detalhada da forma e da cor dos produtos em causa, dado que só lhes presta pouca atenção.

Tramitação processual e pedidos das partes

7.
    Por requerimentos apresentados na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 11 de Dezembro de 2001 e 5 de Abril de 2002 e que foram registados sob os números T-324/01 e T-110/02, respectivamente, os recorrentes interpuseram os presentes recursos.

8.
    O IHMI apresentou as suas alegações na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 5 de Abril e 5 de Julho de 2002.

9.
    Por despacho do presidente da Quarta Secção de 18 de Novembro de 2002, os processos T-324/01 e T-110/02 foram apensos para efeitos da fase oral e do acórdão, ao abrigo do artigo 50.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância.

10.
    Com base no relatório preliminar do juiz-relator, o Tribunal (Quarta Secção) decidiu dar início à fase oral.

11.
    As partes apresentaram alegações e responderam às perguntas do Tribunal na audiência de 15 de Janeiro de 2003.

12.
    Os recorrentes pedem que o Tribunal se digne:

-    no processo T-324/01, anular a decisão da Câmara de Recurso de 26 de Setembro de 2001 (processo R 599/2001-3) e condenar o IHMI nas despesas;

-    no processo T-110/02, anular a decisão da Câmara de Recurso de 16 de Janeiro de 2002 (processo R 538/2001-3) e condenar o IHMI nas despesas.

13.
    Nos processos T-324/01 e T-110/02, o IHMI conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    negar provimento aos recursos;

-    condenar os recorrentes nas despesas.

Questão de direito

14.
    Nos seus recursos, os recorrentes invocam dois fundamentos, o primeiro consistente em violação do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94, e o segundo, em violação do princípio da igualdade de tratamento.

Quanto ao primeiro fundamento consistente em violação do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94

Argumentos das partes

15.
    Os recorrentes começam por alegar, referindo-se ao n.° 44 do acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 19 de Setembro de 2001, Henkel/IHMI (Pastilha rectangular vermelha e branca) (T-335/99, Colect., p. II-2581), que uma marca só precisa de possuir um mínimo de carácter distintivo para poder ser registada. Além disso, segundo os recorrentes, o artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94 não distingue entre as diferentes categorias de marcas, de modo que os critérios de apreciação do carácter distintivo das marcas tridimensionais compostas pela forma do próprio produto não são diferentes dos aplicáveis às outras categorias de marcas.

16.
    Para os recorrentes, a Câmara de Recurso não teve razão ao considerar, no n.° 21 da decisão impugnada no processo T-110/02, que uma marca tridimensional, para não ser alvo de uma recusa de registo nos termos do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94, deve apresentar características suficientemente originais e discricionárias diferentes das que resultem da natureza dos produtos ou da sua comercialização e da forma habitual dos produtos ou da sua embalagem. Ao contrário do que entendeu a Câmara de Recurso, o Tribunal de Primeira Instância não fixou esses critérios, de modo geral, para apreciação do carácter distintivo das marcas tridimensionais no seu acórdão de 19 de Setembro de 2001, Procter & Gamble/IHMI (Pastilha quadrada branca e verde claro) (T-117/00, Colect., p. II-2723, publicação sumária). A este respeito, o facto de o Tribunal ter considerado, no n.° 73 deste acórdão, que a Câmara de Recurso tinha tido razão ao aplicar nesse caso esses critérios não implica que as marcas tridimensionais devam apresentar, de modo geral, e em relação aos produtos concorrentes, uma forma particular e marcante.

17.
    No que diz respeito à definição do público-alvo dos produtos a que se referem as marcas pedidas, os recorrentes afirmam que este é constituído por consumidores finais em geral. Na sua opinião, esta afirmação não justifica, porém, a conclusão da Câmara de Recurso de que o consumidor final atende mais à rotulagem do produto na embalagem e ao nome ou à imagem que aí figuram do que à «pura» forma do produto. Segundo os recorrentes, deve, ao invés, entender-se que, relativamente aos produtos simples de chocolate e pastelaria, o consumidor final médio também atribui significado, quanto à sua origem comercial, à forma dos produtos em causa e orienta a sua escolha em função da «pura» forma desses produtos.

18.
    No que toca à marca tridimensional representando a forma de um cigarro de cor castanha (processo T-324/01), os recorrentes sustentam, que esta constitui uma forma muito especial, individual e fora do comum que se distingue claramente das formas existentes e que também não é uma variante típica das formas existentes no mercado.

19.
    Explicam a este respeito que a marca pedida é uma representação tridimensional de uma forma redonda e cilíndrica que, devido à sua cor castanha, pela impressão geral que dá, se liga fortemente à forma de um cigarro. Ora, esta forma, segundo os recorrentes, é desconhecida no mercado relevante. Os exemplos de produtos de chocolate e de pastelaria mencionados pela Câmara de Recurso distinguem-se fundamentalmente dos visados pela marca pedida, porque só representam grosseiramente a forma de um cigarro e porque o público-alvo está consciente disso mesmo. É o que acontece, segundo os recorrentes, com os produtos designados pelas marcas 25 Nefles (da empresa Rifacli) Cigarettes russes (da empresa Delacre), Waffeletten e Picadilly (da empresa Bahlsen) e Finger (da empresa Cadbury).

20.
    Finalmente, a respeito da forma tridimensional representando a forma de um lingote de ouro (processo T-110/02), os recorrentes afirmam que esta se apresenta ao público-alvo como uma forma totalmente fora do comum e original para produtos de chocolate. Com efeito, esta forma concreta de lingote de ouro invertido não está presente no mercado relevante e, portanto, possui o mínimo de carácter distintivo requerido.

21.
    Mais precisamente, os recorrentes alegam que a marca pedida consiste na representação quase fiel, pelo seu tamanho, do original de um lingote de ouro, com a única diferença de que está invertido. Ora, a forma em questão é fundamentalmente distinta das outras formas de lingote propostas no mercado para o chocolate e os produtos de chocolate. Segundo os recorrentes, só foi pedida protecção para esta forma de lingote de ouro invertido que se distingue, de modo claro e consciente, da forma clássica «em bloco». Os recorrentes sustentam ainda que as dimensões da forma em causa (25 cm por 8 cm) saem fora do quadro habitual de apresentação dos produtos de chocolate existentes no mercado.

22.
    Ao contrário do que afirma a Câmara de Recurso, os recorrentes consideram que este elemento distintivo não pode ser apreendido apenas por uma observação precisa e analítica. Os recorrentes acrescentam que, neste contexto, os produtos de chocolate e as formas de embalagens do tipo em causa não são vendidos aos consumidores finais a preços inferiores a 8 ou a 9 euros. Por conseguinte, no seu entender, o grau de atenção do público-alvo é, em relação à forma em questão, nitidamente superior ao prestado a produtos de chocolate e de pastelaria propostos a preços mais baixos.

23.
    O IHMI explica que os critérios de apreciação do carácter distintivo de uma marca tridimensional, constituída pela forma de um produto, não são diferentes dos que se aplicam a outros tipos de marcas. Defende, no entanto, que a forma de um produto não informa o público sobre a sua origem do mesmo modo que elementos verbais ou figurativos apostos no produto ou na embalagem. Com efeito, segundo o IHMI, em relação aos produtos de consumo corrente, o público não é geralmente levado a estabelecer um nexo entre a forma do produto e a sua origem. O IHMI julga, por isso, que, para que a forma de um produto possa ser apreendida como uma indicação da sua origem, é preciso que apresente características especiais aptas a chamar a atenção do público. O IHMI sustenta, referindo-se ao n.° 37 do acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 7 de Fevereiro de 2002, Mag Instrument/IHMI (Forma de lanternas de bolso) (T-88/00, Colect., p. II-467), que não é isso que acontece quando o público está habituado a ver formas análogas às que estão em causa, apresentando uma grande variedade de design.

24.
    Em relação à forma tridimensional representando um cigarro de cor castanha, o IHMI sustenta que a Câmara de Recurso não cometeu qualquer erro de apreciação ao considerar que formas inspiradas nas formas dos charutos ou dos cigarros são muito vulgares no mercado dos produtos em causa e que a marca pedida se distingue muito pouco de outras formas existentes no mercado para se poder considerar, sem outros elementos como, por exemplo, elementos verbais ou gráficos, que dispõe do mínimo de carácter distintivo requerido. Neste contexto, explica que o consumidor médio não procede a uma análise detalhada dos produtos em causa, dado que só lhes presta pouca atenção.

25.
    No que toca à forma tridimensional representando um lingote de ouro, o IHMI afirma, antes de mais, que o consumidor médio só presta pouca atenção à forma dos produtos em causa. Na sua opinião, circunstâncias como o preço do produto em causa, relativamente às quais o pedido de marca não fornece nenhuma indicação e que não são objecto de registo, não podem ser tidas em conta na apreciação do carácter distintivo de uma marca.

26.
    O IHMI sustenta, a seguir, que a Câmara de Recurso não cometeu qualquer erro de apreciação ao considerar que embalagens sob a forma de um lingote de ouro são muito vulgares no mercado dos produtos em causa e que a marca pedida se distingue muito pouco de outras formas existentes no mercado para se poder considerar, sem outros elementos como, por exemplo elementos, verbais ou gráficos, que dispõe do mínimo de carácter distintivo requerido.

27.
    Finalmente, segundo o IHMI, esta análise não pode ser infirmada pela alegação dos recorrentes de que a marca pedida é constituída pela forma de um lingote de ouro invertido. Explica a este propósito que a reprodução gráfica desta marca, como figura no pedido de marca, não permite saber se os produtos comercializados sob a marca pedida serão apresentados aos consumidores numa posição bem específica.

Apreciação do Tribunal

28.
    Nos termos do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94, deve ser recusado o registo «de marcas desprovidas de carácter distintivo».

29.
    Recorde-se, em primeiro lugar, que, segundo a jurisprudência, as marcas a que o artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94 se refere são designadamente aquelas que, do ponto de vista do público-alvo, são comummente utilizadas, no comércio, para a apresentação dos produtos ou dos serviços em causa ou a respeito das quais existem, pelo menos, indícios concretos que permitam concluir que são susceptíveis de ser utilizadas desta maneira [acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 20 de Novembro de 2002, Bosch/IHMI (Kit Pro e Kit Super Pro) (T-79/01 e T-86/01, p. II-4881, Colect., n.° 19]. Por outro lado, os sinais a que se refere este artigo são incapazes de exercer a função essencial da marca, isto é, identificar a origem do produto ou do serviço, para assim permitir ao consumidor que adquire o produto ou o serviço que a marca designa fazer, quando de uma aquisição posterior, a mesma escolha, se a experiência for positiva, ou outra escolha, se a experiência for negativa [acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 27 de Fevereiro de 2002, Rewe Zentral/IHMI (LITE), T-79/00, Colect., p. II-705, n.° 26, e Kit Pro e Kit Super Pro, já referido, n.° 19].

30.
    Portanto, o carácter distintivo de uma marca só pode ser apreciado, por um lado, em relação com os produtos ou os serviços para os quais é pedido o registo e, por outro, em relação com a percepção que deles tem o público-alvo (acórdãos LITE, n.° 27, e Kit Pro e Kit Super Pro, n.° 20, já referidos).

31.
    No presente caso, a Câmara de Recurso considerou provado, a respeito dos produtos das categorias designadas «chocolate, produtos de chocolate» e «pastelaria e confeitaria» (classe 30), que o público-alvo é composto por consumidores finais em geral (n.os 23 e 24 da decisão impugnada no processo T-324/01 e n.os 24 e 25 da decisão impugnada no processo T-110/02). Os recorrentes não contestam esta conclusão. Como esses produtos se destinam ao consumo corrente, esta análise deve considerar-se correcta. Além disso, é suposto que este público esteja normalmente informado e razoavelmente atento e avisado [acórdãos do Tribunal de Justiça de 22 de Junho de 1999, Lloyd Schuhfabrik Meyer, C-342/97, Colect., p. I-3819, n.° 26, e do Tribunal de Primeira Instância de 7 de Junho de 2001, DKV/IHMI (EuroHealth), T-359/99, Colect., p. II-1645, n.° 27]. Relativamente aos produtos das categorias designadas «embalagens de cartão para chocolate e produtos de chocolate sob a forma de um lingote de ouro» (classe 16), a Câmara de Recurso observou que o público-alvo é constituído por fabricantes de chocolate, mas também por pequenas e médias empresas nos domínios da confeitaria e da padaria (n.os 35 e 36 da decisão impugnada no processo T-110/02). Porém, esta diferença não tem incidência na apreciação do carácter distintivo da marca pedida no processo T-110/02. Com efeito, deve considerar-se que, ainda que em princípio sejam as pessoas referidas pela Câmara de Recurso e não os consumidores finais em geral que adquirem estes produtos, essa aquisição é normalmente feita na perspectiva de uma venda ulterior de produtos embalados aos consumidores finais.

32.
    Importa referir, em segundo lugar, que o artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94 não faz qualquer distinção entre as várias categorias de marcas. Por conseguinte, na apreciação do carácter distintivo de marcas tridimensionais constituídas pela forma dos próprios produtos, como as pedidas no presente caso, não há que aplicar critérios mais rigorosos do que os aplicáveis a outras categorias de marcas (acórdão Forma de lanternas de bolso, já referido, n.° 32).

33.
    No presente caso e, em primeiro lugar, no que toca à marca tridimensional com a forma de um cigarro de cor castanha (processo T-324/01), a Câmara de Recurso verificou que formas inspiradas nas dos charutos ou dos cigarros são muito vulgares no mercado dos produtos em causa (n.° 27 da decisão impugnada no processo T-324/01). Com efeito, como o IHMI provou de modo bastante na sua contestação, existem no mercado, além dos produtos de chocolate sob a forma de cigarro referidos na decisão impugnada, outros produtos com formas semelhantes, como os cigarros em chocolate fabricados pelas empresas Godiva, Niederegger e Hauser, dos quais alguns se parecem bastante com um verdadeiro cigarro.

34.
    Acresce que, como foi observado, e bem, nos n.os 29 e 30 da decisão impugnada no processo T-324/01, a forma e a cor que constituem a marca pedida se distinguem demasiado pouco da forma e da cor de outros produtos existentes no mercado para se poder considerar, sem outros elementos como, por exemplo, elementos verbais ou gráficos, que esta marca tem o mínimo de carácter distintivo requerido.

35.
    Estas considerações não podem ser postas em causa pelo argumento dos recorrentes baseado na existência de diferenças alegadamente consideráveis entre a forma e a cor que constituem a marca pedida (forma redonda e cilíndrica que se aparenta, devido à sua cor castanha, à forma de um cigarro) e a forma e a cor de outros produtos de chocolate e de pastelaria referidos na decisão impugnada no processo T-324/01. Assinale-se a este propósito que, como explica o IHMI de modo pertinente, o consumidor médio não procede a uma análise detalhada da forma e da cor dos produtos em causa e só lhes presta pouca atenção. Por conseguinte, as alegadas diferenças na forma e na cor invocadas pelos recorrentes neste caso não podem infirmar a conclusão de que a marca pedida não se distingue substancialmente de uma das formas de base dos produtos em causa habitualmente utilizada no comércio.

36.
    Em seguida, a respeito da marca tridimensional sob a forma de um lingote de ouro (processo T-110/02), o IHMI afirma igualmente, com razão, que o consumidor médio só presta pouca atenção à forma e à cor dos produtos em causa. O argumento dos recorrentes a este propósito de que, atendendo ao preço elevado a que estes produtos são comercializados, o grau de atenção dos consumidores é mais elevado, não merece acolhimento. Como decorre da jurisprudência do Tribunal de Primeira Instância, para a apreciação da viabilidade de registo de um sinal em relação a uma categoria determinada de produtos e/ou serviços é irrelevante a questão de saber se o requerente da marca em causa tem a intenção de aplicar ou aplica um determinado conceito de comercialização. Com efeito, a existência de um conceito de comercialização é um factor extrínseco ao direito conferido pela marca comunitária. Além disso, um conceito de comercialização que depende apenas da escolha da empresa em causa pode ser modificado posteriormente ao registo da marca comunitária e não pode, portanto, ter qualquer incidência na apreciação da viabilidade do seu registo [acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 22 de Março de 2002, DaimlerChrysler/IHMI (TELE AID), T-355/00, Colect., p. II-1939, n.° 42]. O IHMI tem, pois razão, quando sustenta que circunstâncias como o preço do produto em causa, que não são objecto de registo, não podem ser tidas em conta na apreciação do carácter distintivo de uma marca.

37.
    A Câmara de Recurso demonstrou de forma bastante, nos n.os 28 e 31 da decisão impugnada no processo T-110/02, que as embalagens em forma de lingote de ouro são muito vulgares no mercado dos produtos em causa. Com efeito, como foi exposto pelo IHMI na sua contestação, há outras empresas, para além das referidas na decisão impugnada, como a Feodora, a Lebkuchen-Schmidt e a Café Tasse, que também comercializam produtos concorrentes sob formas e cores semelhantes.

38.
    É igualmente pertinente a observação da Câmara de Recurso, constante dos n.os 32 e 33 da decisão impugnada no processo T-110/02, de que a forma e a cor que constituem a marca pedida se distinguem muito pouco da forma e da cor de outros produtos existentes no mercado para se poder considerar, sem outros elementos como, por exemplo, elementos verbais ou gráficos, que esta marca tem o mínimo de carácter distintivo requerido.

39.
    Esta apreciação não é posta em causa pela alegação dos recorrentes de que a marca pedida é constituída por um lingote de ouro invertido de 2 cm por 8 cm.

40.
    Com efeito, por um lado, como foi salientado pelo IHMI na sua contestação, para se apreciar o carácter distintivo de uma marca tridimensional, só há que ter em conta uma orientação espacial específica do produto, cuja forma constitui a marca, se esse produto se apresentar habitualmente com essa orientação, como acontece, por exemplo, com as garrafas. Ora, no presente caso, as barras de chocolate não se apresentam habitualmente com uma orientação espacial específica. O facto de os produtos comercializados pelos recorrentes sob a forma em questão apresentarem um elemento gráfico na face mais larga da embalagem não é suficiente para comprovar uma orientação espacial específica desses produtos. O elemento gráfico em questão refere-se a um determinado conceito de comercialização seguido pelo requerente da marca que pode ser modificado e cuja existência, como foi observado no n.° 36 supra, não é relevante para efeitos da apreciação da viabilidade do registo de um sinal enquanto marca.

41.
    No que toca, por outro lado, às dimensões da forma em questão, estas não podem ser determinantes, por si só, na apreciação do carácter distintivo desta forma, visto que se referem a um aspecto dos produtos em causa que está ligado à quantidade de chocolate contida na embalagem. Não se pode, pois, considerar que o público-alvo apreenderá a forma de lingote de ouro, mesmo combinada com as dimensões invocadas pelos recorrentes, como uma indicação da origem comercial dos produtos em causa.

42.
    Finalmente, no formulário do pedido de marca comunitária, os recorrentes indicaram, assinalando com uma cruz a quadrícula correspondente, que a marca pedida era efectivamente uma marca tridimensional. Porém, a menção «representação de uma pirâmide truncada invertida com base rectangular com uma dimensão aproximada de 25 cm x 8 cm, com as faces laterais biseladas» figura na rubrica cujo título é «Especificação do outro tipo de marca» constante do formulário do pedido. Ora, resulta da estrutura deste formulário e da parte intitulada «Representação da marca» das «Notas sobre o formulário de pedido» editadas pelo IHMI que as «outras marcas» são as que não cabem numa das categorias expressamente referidas, entre as quais figura a marca tridimensional. Portanto, as marcas tridimensionais são consideradas um tipo de marca não incluído na categoria «outras marcas».

43.
    Por conseguinte, se a marca pedida fosse registada, as indicações respeitantes à orientação espacial e às dimensões da forma em questão não seriam objecto de registo e decorreriam apenas de um mero conceito de comercialização.

44.
    Tendo em conta quanto precede, há que concluir que as marcas pedidas não se distinguem, em termos substanciais, de certas formas de base dos produtos em causa que são comummente utilizadas no comércio, apresentando-se antes como uma variante destas formas. Este facto constitui um indício concreto, na acepção da jurisprudência citada no n.° 29 supra, que permite concluir que são susceptíveis de ser comummente utilizadas, no comércio, para a apresentação dos produtos a que se referem os pedidos de marca.

45.
    Assim, as marcas requeridas não podem, tal como são apreendidas por um consumidor médio, normalmente informado e razoavelmente atento e avisado, individualizar os produtos em causa e distingui-los dos que têm outra origem comercial. São, pois, desprovidas de carácter distintivo em relação a estes produtos.

46.
    De onde se conclui que o fundamento consistente em violação do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94 não procede.

Quanto ao segundo fundamento consistente em violação do princípio da igualdade de tratamento

Argumentos das partes

47.
    Os recorrentes alegam que a Câmara de Recurso violou o princípio da igualdade de tratamento ao recusar o pedido de registo das marcas.

48.
    Invocam, a este propósito, as decisões das Câmaras de Recurso que admitem o registo das seguintes marcas tridimensionais: marca sob a forma de fivela de cinto, nomeadamente para as categorias de produtos designadas «couro e imitações do couro, produtos nestas matérias» (processo R 272/1999 3); marca sob a forma de um sinal representando uma filhó, designadamente para as categorias de produtos designadas «pastelaria e confeitaria» (processo R 565/1999 1); marca sob a forma de um aperitivo representando uma flor para as categorias de produtos designadas «produtos à base de batata, com ou sem aromatizantes; aperitivos» (processo R 467/1999 3); marca sob a forma de uma representação tridimensional de um regulador de jacto para a categoria de produtos designada «reguladores de jacto» (processo R 104/1999 3) e marca sob a forma de um distribuidor de comprimidos para a categoria de produtos designada «preparados antidiabéticos» (processo R 275/2000 1).

49.
    Segundo os recorrentes, estas marcas não apresentam nem um grau de originalidade nem um acréscimo de fantasia superiores aos das marcas pedidas.

50.
    O IHMI respondeu, referindo-se ao n.° 66 do acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 27 de Fevereiro de 2002, Streamserve/IHMI (STREAMSERVE) (T-106/00, Colect., p. II-723), que este fundamento é impertinente, dado que a legalidade das decisões das Câmaras de Recurso deve ser apreciada unicamente com base no Regulamento n.° 40/94, tal como interpretado pelo juiz comunitário, e não com base na prática decisória anterior, eventualmente ilegal, dessas mesmas Câmaras de Recurso. Além disso, o IHMI afirma que as marcas que foram objecto das decisões das Câmaras de Recurso citadas pelos recorrentes não são comparáveis às marcas pedidas.

Apreciação do Tribunal

51.
    Como resulta da jurisprudência, as decisões relativas ao registo de um sinal enquanto marca comunitária, que as Câmaras de Recurso são chamadas a tomar por força do Regulamento n.° 40/94, resultam de uma competência vinculada e não de um poder discricionário. Por conseguinte, a viabilidade do registo de um sinal enquanto marca comunitária só deve ser apreciada com base nesse regulamento, tal como interpretado pelo juiz comunitário, e não com base na prática anterior das Câmaras de Recurso (v., neste sentido, acórdãos STREAMSERVE, já referido, n.° 66, e Kit Pro e Kit Super Pro, já referido, n.° 32). O segundo fundamento deve, pois, ser julgado ineficaz.

52.
    De qualquer modo, note-se que se é certo que se pode admitir que fundamentos de facto ou de direito constantes de uma decisão anterior podem constituir argumentos em apoio de um fundamento baseado em violação de uma disposição do Regulamento n.° 40/94 (v., neste sentido, acórdãos STREAMSERVE, já referido, n.° 69, e Kit Pro e Kit Super Pro, já referidos, n.° 33), há que reconhecer que, no caso vertente, os recorrentes não invocaram a existência, nas decisões anteriores das Câmaras de Recurso de que se prevalecem, de fundamentos susceptíveis de pôr em causa a apreciação acima feita acerca do fundamento baseado em violação do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94.

53.
    Resulta de quanto precede que deve ser negado provimento aos recursos no seu todo.

Quanto às despesas

54.
    Nos termos do disposto no n.° 2 do artigo 87.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, a parte vencida deve ser condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo os recorrentes sido vencidos, há que condená-los nas despesas do IHMI, nos termos do pedido deste.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção)

decide:

1)    Negar provimento aos recursos.

2)    Condenar os recorrentes nas despesas.

Tiili
Mengozzi
Vilaras

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 30 de Abril de 2003.

O secretário

O presidente

H. Jung

V. Tiili


1: Língua do processo: alemão.