Language of document : ECLI:EU:C:2013:209

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

PEDRO CRUZ VILLALÓN

apresentadas em 21 de março de 2013 (1)

Processos C‑625/11 P e C‑626/11 P

Polyelectrolyte Producers Group GEIE (PPG),

SNF SAS

contra

Agência Europeia dos Produtos Químicos (ECHA)

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Recurso de anulação — Admissibilidade — Recurso prematuro — Recurso extemporâneo — Artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União — Direito a proteção judicial efetiva — Agência Europeia dos Produtos Químicos (ECHA) — Regulamento (CE) n.° 1907/2006 — Artigos 57.° e 59.° — Substâncias sujeitas a autorização — Identificação da acrilamida como substância que suscita grande preocupação — Inscrição na lista das substâncias candidatas — Publicação da lista no sítio Internet da ECHA — Prazo de recurso — Dies a quo — Artigo 102.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral — Caducidade»





1.        Através dos recursos interpostos nos dois processos em apreço, aos quais as presentes conclusões dedicam um tratamento conjunto, o Tribunal de Justiça é chamado a pronunciar‑se sobre uma situação verdadeiramente peculiar. Com efeito, dois recursos de anulação interpostos pelos mesmos autores contra uma única e mesma decisão da Agência Europeia dos Produtos Químicos (ECHA), que identifica uma substância, no caso concreto a acrilamida, como substância que suscita grande preocupação, levaram à adoção, pelo Tribunal Geral da União Europeia, de dois despachos de inadmissibilidade, a saber, os despachos do Tribunal Geral de 21 de setembro de 2011, PPG e SNF/ECHA (T‑1/10, a seguir «despacho recorrido no processo T‑1/10»), bem como PPG e SNF/ECHA (T‑268/10, a seguir «despacho recorrido no processo T‑268/10») (a seguir, conjuntamente, «despachos recorridos»), o primeiro julgando inadmissível um dos recursos por ser prematuro e o segundo julgando inadmissível o outro recurso por ser extemporâneo.

2.        Com dois recursos distintos, os recorrentes nos dois processos tramitados no Tribunal Geral pedem ao Tribunal de Justiça, alegando, nomeadamente, a violação do seu direito a proteção judicial efetiva, que anule os referidos despachos, considerando que tanto a declaração do caráter prematuro do primeiro recurso como a declaração do caráter extemporâneo do segundo estão feridas de erros de direito.

3.        A regulamentação pertinente nestes dois processos, a saber, o artigo 59.°, n.° 10, do Regulamento (CE) n.° 1907/2006 (2), prevê concretamente que a decisão da ECHA em questão é publicada no sítio Internet da ECHA.

4.        O Tribunal de Justiça deverá, assim, por um lado, examinar, antes de mais e pela primeira vez, um dos processos decisórios instituídos pelas disposições do Regulamento n.° 1907/2006, com vista a determinar se os atos adotados no âmbito do referido processo constituem atos impugnáveis pelos operadores económicos interessados, na aceção do artigo 263.° TFUE. Em seguida, deverá examinar a questão de saber se o artigo 263.° TFUE se opõe, como decidiu o Tribunal Geral no processo T‑1/10, a que um recorrente interponha recurso de anulação de um ato adotado na sequência do referido processo decisório e publicado na Internet, logo que tenha conhecimento do referido ato e, portanto, antes mesmo de este ter sido objeto das medidas de publicidade previstas pelo Regulamento n.° 1907/2006.

5.        Por outro lado, o Tribunal de Justiça está convidado a pronunciar‑se, igualmente pela primeira vez, sobre as modalidades da contagem dos prazos de recurso relativamente aos recursos interpostos contra atos publicados exclusivamente na Internet ou, mais exatamente, relativamente aos quais se prevê que sejam objeto, não de uma publicação, mas sim de uma medida de publicidade na Internet. Deverá, mais precisamente, responder à questão de saber se o artigo 102.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, o qual prevê que os prazos de recurso relativamente aos recursos interpostos contra os atos publicados no Jornal Oficial da União Europeia só começam a correr a partir do décimo quarto dia após esta publicação, é suscetível de ser aplicado à publicação dos atos na Internet.

I —    Tramitação processual no Tribunal Geral e despachos recorridos

A —    Antecedentes dos dois recursos interpostos no Tribunal Geral

6.        Os dois recursos de anulação que são objeto dos presentes recursos têm a sua origem comum numa decisão através da qual a ECHA, em aplicação do artigo 59.° do Regulamento n.° 1907/2006, colocou a acrilamida, substância tida como suscitando grande preocupação, na lista das substâncias identificadas para futura inclusão no anexo XIV do Regulamento n.° 1907/2006 (3).

7.        Resulta dos dois despachos recorridos que o Polyelectrolyte Producers Group GEIE é um agrupamento que representa os interesses das sociedades produtoras e/ou importadoras de polielectrólitos, de poliacrilamida e/ou de outros polímeros que contêm acrilamida, que inclui entre os seus membros a SNF SAS (4).

8.        Em 25 de agosto de 2009, o Reino dos Países Baixos transmitiu à ECHA um dossiê relativo à identificação da acrilamida como substância cancerígena e mutagénica, que preenche os critérios estabelecidos no artigo 57.°, alíneas a) e b), do Regulamento n.° 1907/2006, para integrar a lista de identificação das substâncias candidatas à inscrição no anexo XIV do referido regulamento, o qual contém a lista das substâncias sujeitas a autorização.

9.        Em 27 de novembro de 2009, o Comité dos Estados‑Membros encarregado do dossiê relativo à aplicação do artigo 59.°, n.° 7, do Regulamento n.° 1907/2006, emitiu um acordo unânime sobre a identificação da acrilamida como substância que suscita grande preocupação, na medida em que preenchia os critérios estabelecidos no artigo 57.°, alíneas a) e b), do referido regulamento.

10.      Em 7 de dezembro de 2009, a ECHA publicou um comunicado de imprensa anunciando o referido acordo unânime do Comité dos Estados‑Membros, bem como a atualização, no mês de janeiro de 2010, da lista de identificação das substâncias candidatas.

11.      Em 22 de dezembro de 2009, o diretor executivo da ECHA adotou a decisão ED/68/2009, que previa a publicação, em 13 de janeiro de 2010, da lista de identificação das substâncias candidatas atualizada e que menciona a acrilamida.

B —    Os dois litígios submetidos ao Tribunal Geral

12.      Foi nestas circunstâncias que os recorrentes decidiram interpor os dois recursos nos processos T‑1/10 e T‑268/10.

13.      Com uma primeira petição, apresentada em 4 de janeiro de 2010 no processo T‑1/10, objeto do presente recurso no processo C‑626/11 P, os recorrentes pediram «a anulação da decisão da ECHA que identificava a acrilamida como uma substância que preenche os critérios estabelecidos no artigo 57.° do Regulamento n.° 1907/2006, nos termos do artigo 59.° do mesmo regulamento» (5). Em 5 de janeiro de 2010, a SNF apresentou igualmente, por requerimento separado, um pedido de suspensão da execução da referida decisão, registado com o número T‑1/10 R.

14.      Por despacho de 11 de janeiro de 2010, o presidente do Tribunal Geral deferiu provisoriamente o pedido de suspensão da execução.

15.      Em 13 de janeiro de 2010, a ECHA publicou um novo comunicado de imprensa, para anunciar a inscrição de catorze substâncias na lista de identificação das substâncias candidatas e ressalvar o caso da acrilamida, em cumprimento do despacho de suspensão de 11 de janeiro de 2010.

16.      Em 18 de março de 2010, a ECHA suscitou uma exceção de inadmissibilidade do recurso no processo T‑1/10.

17.      Por despacho de 26 de março de 2010, o presidente do Tribunal Geral indeferiu o pedido de suspensão da execução formulado pela SNF e reservou para final a decisão quanto às despesas.

18.      Em 30 de março de 2010, a ECHA publicou no seu sítio Internet a lista de identificação das substâncias candidatas, atualizada e mencionando a acrilamida.

19.      Com uma segunda petição, apresentada em 10 de junho de 2010 no processo T‑268/10, objeto do presente recurso no processo C‑625/11 P, os recorrentes pediram «a anulação da decisão da ECHA, publicada em 30 de março de 2010, que identificava a acrilamida como uma substância que preenche os critérios referidos no artigo 57.° do Regulamento n.° 1907/2006, e que inclui a acrilamida na lista [de identificação] das substâncias candidatas» (6).

20.      Em 5 de novembro de 2010, a ECHA suscitou uma exceção de inadmissibilidade do recurso no processo T‑268/10. Em 18 de janeiro de 2011, a ECHA apresentou ainda um articulado complementar à sua exceção de admissibilidade.

C —    Despacho recorrido no processo T‑1/10 (recurso declarado prematuro)

21.      Com o seu despacho recorrido no processo T‑1/10, o Tribunal Geral julgou procedente a exceção de inadmissibilidade suscitada pela ECHA e, consequentemente, julgou inadmissível o recurso interposto pelos recorrentes. Além disso, por um lado, condenou estes últimos nas suas próprias despesas, bem como nas da ECHA e, por outro, decidiu que o Reino dos Países Baixos e a Comissão Europeia suportariam as suas próprias despesas. Por último, condenou a SNF a suportar as despesas inerentes ao processo de medidas provisórias.

22.      Concretamente, o Tribunal Geral considerou, no essencial, que, na data da apresentação da petição inicial, em 4 de janeiro de 2010, a acrilamida ainda não estava incluída na lista de identificação das substâncias candidatas. É certo que, nessa data, o Comité dos Estados‑Membros tinha já emitido o seu acordo unânime sobre a identificação da acrilamida como substância que suscita grande preocupação e o diretor executivo da ECHA tinha adotado a decisão de incluir aquela substância na lista das substâncias candidatas. Contudo, a entrada em vigor desta decisão só estava prevista para 13 de janeiro de 2010 (7). Consequentemente, a decisão impugnada pelos recorrentes à data da interposição do seu recurso não visava produzir efeitos jurídicos em relação a terceiros (8). De facto, dado que a lista de identificação das substâncias candidatas só existe no sítio Internet da ECHA, só com a inclusão na referida lista publicada no referido sítio Internet é que o ato de identificação de uma substância como suscitando grande preocupação visa produzir efeitos jurídicos (9).

D —    Despacho recorrido no processo T‑268/10 (recurso declarado extemporâneo)

23.      Com o seu despacho recorrido no processo T‑268/10, o Tribunal Geral julgou procedente o fundamento de inadmissibilidade suscitado a título principal pela ECHA na sua exceção de inadmissibilidade, relativo à inobservância do prazo de recurso, e, consequentemente, julgou inadmissível o recurso interposto pelos recorrentes. Além disso, por um lado, condenou estes últimos nas suas próprias despesas, bem como nas da ECHA e, por outro lado, decidiu que o Reino dos Países Baixos e a Comissão suportariam as suas próprias despesas.

24.      Concretamente, o Tribunal declarou que a decisão impugnada, a saber, a decisão que identificava a acrilamida como uma substância que preenche os critérios referidos no artigo 57.° do Regulamento n.° 1907/2006 e que incluiu a acrilamida na lista de identificação das substâncias candidatas (10), tinha sido publicada pela ECHA no seu sítio Internet em 30 de março de 2010, em conformidade com a obrigação que lhe incumbe por força do artigo 59.°, n.° 10, do Regulamento (CE) n.° 1907/2006 (11), e que o prazo de recurso relativamente a recursos interpostos contra esta decisão terminava em 9 de junho de 2010 (12). Visto que o recurso foi interposto em 10 de junho de 2010 foi, pois, interposto fora de prazo (13) e, posto que os recorrentes não invocaram a existência de um caso fortuito ou de força maior (14), o recurso foi, consequentemente, julgado inadmissível (15).

25.       O Tribunal Geral teve igualmente a preocupação de acrescentar, uma vez constatada a extemporaneidade do recurso, que os recorrentes não podiam invocar um eventual erro desculpável (16).

II — Tramitação processual no Tribunal de Justiça e pedidos das partes

26.      Os recorrentes nos dois processos tramitados no Tribunal Geral interpuseram recursos dos dois despachos recorridos, o primeiro, registado em 6 de dezembro de 2011 com o número C‑625/11 P, contra o despacho recorrido no processo T‑268/10, o qual declara o recurso extemporâneo, e o segundo, registado com o número C‑626/11 P, contra o despacho recorrido no processo T‑1/10, o qual declara o recurso prematuro.

27.      Por ofícios apresentados em 23 de dezembro de 2011, o Reino dos Países Baixos, que interveio em apoio da ECHA nos dois processos tramitados no Tribunal Geral, declarou que mantinha o seu apoio no âmbito dos dois presentes recursos, sem, contudo, pretender acrescentar novos elementos por escrito.

28.      Foram ouvidas as alegações orais dos recorrentes e da recorrida nos presentes recursos, bem como da Comissão, na audiência, comum aos dois processos, realizada em 14 de dezembro de 2012, durante a qual tinham sido convidadas a se pronunciarem sobre a pertinência do n.° 8 do acórdão do Tribunal de Justiça de 19 de setembro de 1985, Hoogovens Groep/Comissão (17), para efeitos do recurso no processo C‑626/11 P.

29.      No seu recurso no processo C‑625/11 P, os recorrentes concluem pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

–        anular o despacho do recorrido no processo T‑268/10;

–        anular a decisão impugnada; ou

–        a título subsidiário, remeter o processo ao Tribunal Geral, a fim de que este se pronuncie sobre os recursos de anulação dos recorrentes; e

–        condenar a recorrida nas despesas do processo no Tribunal de Justiça, bem como nas do processo no Tribunal Geral.

30.      A ECHA conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

–        julgar o recurso improcedente e

–        condenar os recorrentes nas despesas.

31.      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

–        julgar o recurso improcedente e

–        condenar os recorrentes nas despesas.

32.      No seu recurso no processo C‑626/11 P, os recorrentes concluem pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

–        anular o despacho recorrido no processo T‑1/10;

–        anular a decisão impugnada; ou

–        a título subsidiário, remeter o processo ao Tribunal Geral, a fim de que este se pronuncie sobre o recurso de anulação dos recorrentes, e

–        condenar a recorrida nas despesas efetuadas no processo tramitado no Tribunal de Justiça, bem como nas do processo tramitado no Tribunal Geral.

33.      A ECHA conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

–        julgar o recurso improcedente e

–        condenar os recorrentes nas despesas.

34.      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

–        julgar o recurso improcedente e

–        condenar os recorrentes nas despesas.

III — Quanto aos presentes recursos

A —    Observações prévias sobre a função da publicação dos atos das instituições, dos órgãos e dos organismos da União e, em especial, sobre a utilização da Internet para esse fim

35.      Há que começar por observar que a validade do artigo 59.°, n.° 10, do Regulamento n.° 1907/2006, na medida em que prevê que a lista de identificação das substâncias candidatas é «publicada» e «atualizada» no sítio Internet da ECHA, «logo que for tomada uma decisão sobre a inclusão de uma substância [na referida lista]», não foi posta em causa no âmbito do processo no Tribunal Geral, pelo que esta questão permanece à margem da discussão no âmbito do presente recurso.

36.      Contudo, a verdade é que esta disposição, que, como veremos, está necessariamente no cerne das questões colocadas pelos dois recursos, na medida em que define o acontecimento com base no qual o Tribunal Geral declarou os dois recursos inadmissíveis, suscita algumas questões que, na minha opinião e, pelo menos, em certa medida, não podem ser ignoradas.

37.      A este propósito, deve recordar‑se que a função da publicação de um ato das instituições, dos órgãos e dos organismos da União, que decorre do imperativo de segurança jurídica é, antes de mais, permitir aos interessados conhecer, com pormenor e exatidão, o âmbito das obrigações que lhes impõe (18), se for esse o caso, bem como o momento a partir do qual estas começam, normalmente (19), a produzir efeitos jurídicos, de forma, precisamente, a permitir‑lhes agir em conformidade (20) e exercer, se for o caso e em pleno conhecimento de causa, o seu direito de recurso contra o referido ato.

38.      De igual modo, a publicação, que satisfaz requisitos formais cuja observância é, ela própria, sujeita à fiscalização do Tribunal de Justiça (21), permite igualmente determinar, de forma segura, a data a partir da qual se presume que os interessados tomam conhecimento do conteúdo dos atos suscetíveis de afetá‑los e, por isso, salvo exceção (22), a data a partir da qual podem, de forma segura, e portanto devem, ser calculados os prazos para interpor recurso contra esses atos, no interesse da segurança das situações jurídicas, ainda que essa publicação não seja uma condição da sua aplicabilidade.

39.      O direito à proteção judicial efetiva garantido pelo artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União, impõe também, em meu entender, a apreciação das condições de admissibilidade dos recursos, em caso de dúvida ou de dificuldade, de modo a favorecer o seu exame de mérito e, portanto, um acesso ao próprio órgão jurisdicional, sempre sem prejuízo dos direitos e interesses das outras partes no processo. A referida abordagem deve, pois, levar a que o juiz que deve conhecer de um recurso se abstenha de interpretar as disposições relativas aos prazos de recurso com excessivo rigor e, em todo o caso, a afastar uma interpretação hostil à sua admissibilidade (23).

40.      É, de resto, por esta razão que, de acordo com jurisprudência assente, é normalmente a partir da data de publicação efetiva de um ato que se contam os prazos de recurso contra este último, mesmo quando o recorrente tenha tido conhecimento do seu conteúdo antes dessa publicação, tendo a data da tomada de conhecimento de um ato como ponto de partida para a cálculo do prazo caráter subsidiário relativamente às datas de publicação ou de notificação do ato (24).

41.      Uma vez isto esclarecido, importa agora examinar a formalidade específica de «publicidade» das «decisões» de inclusão das substâncias na lista de identificação das substâncias candidatas, através da atualização da referida lista no sítio Internet da ECHA, como previsto no artigo 59.°, n.° 10, do Regulamento n.° 1907/2006, a qual deve, inevitavelmente, ser confrontada com o conteúdo do «aviso legal» inserido pela ECHA no referido sítio Internet. Nos termos do que este aviso legal designa por «declaração de exoneração de responsabilidade», a ECHA declara, nomeadamente, que «não assume qualquer responsabilidade relativamente à informação contida [no seu sítio Internet]», especificando que não «é possível garantir que um documento disponível em linha reproduz exatamente um texto adotado oficialmente» (25). É, no mínimo, difícil não ter em conta esta declaração de exoneração de responsabilidade no quadro da apreciação do alcance e dos efeitos desta formalidade específica de publicidade.

42.      O artigo 59.°, n.° 10, do Regulamento n.° 1907/2006 pode ser lido como uma disposição que prevê que seja dada uma determinada «publicidade» ao conteúdo de uma «decisão», de resto, não identificada de forma suficientemente precisa. Em contrapartida, esta disposição não pode, na falta de qualquer legislação que regule esta publicidade na Internet (26) e que, permita, em especial, garantir, com segurança, as datas de colocação em linha (27), bem como a autenticidade, a integridade e a inalterabilidade das informações colocadas em linha (28), ser equiparada a uma verdadeira «publicação», com todas as consequências jurídicas daí decorrentes (29).

43.      Para que se possa considerar que um sítio Internet constitui uma resposta válida à assunção de uma obrigação de publicação no sentido estrito do termo, aquele deve poder assentar em fundamentos técnicos de modo a garantir que uma «declaração de exoneração de responsabilidade» como a que protege o sítio Internet da ECHA é, decididamente, desnecessária, pelo menos no tocante a uma parte do conteúdo do referido sítio (30).

44.      Por outro lado, deve salientar‑se que o facto de o artigo 59.°, n.° 10, do Regulamento n.° 1907/2006 prever esta publicidade para as decisões relativas à inclusão de uma substância na lista de identificação das substâncias candidatas não implica, necessariamente, que esteja excluída qualquer outra medida de publicação das referidas decisões, inclusive na Internet. O conselho de administração da ECHA podia perfeitamente, sem violar esta disposição, prever, no regulamento interno da ECHA, no uso das competências que lhe são atribuídas pelo artigo 78.° do Regulamento n.° 1907/2006, uma obrigação de publicação, propriamente dita, das referidas decisões.

45.      Não posso deixar de salientar, para concluir estas observações preliminares, que, não estando em discussão, no presente processo, a validade de uma modalidade de publicação como a prevista no artigo 59.°, n.° 10, do Regulamento n.° 1907/2006, não é com base em considerações desta natureza que os recursos dos recorrentes devem ser apreciados. Todavia, tendo em conta a importância que esta publicação reveste, bem como a data em que ocorreu nos dois litígios, entendo que estas considerações devem desempenhar um papel na apreciação conjunta de ambos os presentes recursos.

B —    Recurso no processo C‑626/11 P (despacho recorrido no processo T‑1/10, que declara o recurso prematuro)

1.      Síntese da argumentação das partes

46.      Os recorrentes invocam, no essencial, um único fundamento, relativo a um erro de interpretação do Regulamento n.° 1907/2006, o qual conduziu à violação do seu direito a proteção judicial efetiva.

47.      Mais precisamente, criticam ao Tribunal Geral ter decidido que era a «inclusão» efetiva da acrilamida na lista de identificação das substâncias candidatas, como publicada no sítio Internet da ECHA, que constituía o único ato destinado a produzir efeitos jurídicos em relação a terceiros no âmbito do processo previsto no artigo 59.° do Regulamento n.° 1907/2006, e não a sua identificação como substância que preenche os critérios estabelecidos no artigo 57.° do Regulamento n.° 1907/2006, como concretizada e divulgada através do comunicado de imprensa publicado pela ECHA em 7 de dezembro de 2009.

48.      Em contrapartida, a ECHA, apoiada pelo Reino dos Países Baixos e pela Comissão, sustenta que o Tribunal Geral decidiu corretamente que a decisão do Comité dos Estados‑Membros que identifica a acrilamida como substância que suscita grande preocupação constituía unicamente uma decisão preparatória que não se destinava a produzir efeitos jurídicos em relação a terceiros, uma vez que apenas a publicação da lista de identificação das substâncias candidatas atualizada no sítio Internet da ECHA era suscetível de produzir tais efeitos.

2.      Apreciação

49.      A título preliminar, deve sublinhar‑se que, nos termos do despacho recorrido no processo T‑1/10, o recurso dos recorrentes foi julgado inadmissível unicamente pela razão de que, na data em que foi interposto, a decisão impugnada não visava produzir efeitos jurídicos em relação a terceiros (31). De facto, o Tribunal Geral considerou, como resulta, em especial, do n.° 45 deste despacho, que a referida decisão não podia produzir efeitos antes da entrada em vigor, prevista para 13 de janeiro de 2010, da decisão do diretor executivo da ECHA, dando seguimento ao acordo unânime do Comité dos Estados‑Membros, de incluir a acrilamida na lista de identificação das substâncias candidatas publicada no sítio Internet da ECHA.

50.      Os fundamentos do despacho recorrido no processo T‑1/10 enfermam de vários erros de direito.

51.      A este propósito, deve, antes de mais, recordar‑se que o Tribunal de Justiça declarou já que as disposições do artigo 33.°, n.° 3, CA (32), as quais especificavam as formalidades, a saber, a publicação ou a notificação, a partir das quais os prazos para interposição de recursos de anulação começavam a correr, não obstavam a que um recorrente interpusesse um recurso contra um ato a partir da data em que este foi produzido, sem aguardar pela sua publicação ou pela sua notificação.

52.      Nada há nas disposições do artigo 263.°, sexto parágrafo, TFUE, que se oponha a que esta jurisprudência seja aplicada no caso em apreço.

53.      Pelo contrário, resulta de toda a jurisprudência do Tribunal de Justiça que o direito à proteção judicial efetiva impõe que se reconheça a qualquer pessoa o direito de interpor um recurso de anulação contra um ato, na medida em que o referido ato vise produzir efeitos jurídicos em relação a terceiros e seja, por isso, suscetível de a afetar, e que o interessado preencha os demais pressupostos da admissibilidade do recurso, a partir do momento em que tome conhecimento do autor, do conteúdo e dos fundamentos do referido ato, sem que lhe possa ser contraposto o caráter prematuro do referido recurso, mesmo quando o referido ato deva ser ainda objeto de publicação ou de notificação e, por isso, antes mesmo de estarem cumpridas essas eventuais formalidades.

54.      Com efeito, como resulta de jurisprudência assente, o recurso de anulação deve poder ser interposto contra todos os atos das instituições, dos órgãos e dos organismos da União que visem produzir efeitos jurídicos em relação a terceiros (33), ou seja, efeitos jurídicos obrigatórios de molde a afetar os seus interesses, modificando de forma caracterizada a sua situação jurídica (34), devendo os referidos efeitos ser apreciados em função de critérios objetivos respeitantes à própria substância do referido ato (35), tendo em conta, se for necessário, o contexto no qual foi adotado (36).

55.      Portanto, desde que um ato, atendendo ao seu conteúdo e às condições nas quais foi produzido, vise, de forma definitiva e inequívoca (37), produzir efeitos jurídicos em relação a terceiros, constitui um ato impugnável na aceção do artigo 263.° TFUE, independentemente da sua publicação ou da sua notificação.

56.      Como resulta de jurisprudência igualmente assente do Tribunal de Justiça, a publicação de um ato é uma condição da sua oponibilidade (38), que, por essa razão, dá início à contagem dos prazos de recurso contra esse ato. Se a publicação de um ato desencadeia a contagem dos prazos de recurso, findos os quais o referido ato se torna definitivo, em contrapartida, não constitui uma condição para o exercício do direito de recurso contra o referido ato.

57.      No caso concreto, o Tribunal Geral constatou, por um lado, que o ato de identificação de uma substância como suscitando grande preocupação, adotado em aplicação do procedimento previsto no artigo 59.° do Regulamento n.° 1907/2006, implicava obrigações jurídicas, nomeadamente as obrigações de informação previstas nos artigos 7.°, n.° 2, 31.°, n.° 1, alínea c), e n.° 3, alínea b), e 33.°, n.os 1 e 2, do Regulamento n.° 1907/2006 (39). Por outro lado, reconheceu que o órgão da ECHA responsável pela inclusão de uma substância na lista de identificação das substâncias candidatas não dispunha de qualquer margem de apreciação no que se refere a esta inclusão, uma vez que existia um acordo unânime do Comité dos Estados‑Membros (40).

58.      No entanto, o Tribunal Geral concluiu que o ato de identificação de uma substância como suscitando grande preocupação não visava produzir efeitos jurídicos em relação a terceiros antes da inclusão da referida substância na lista de identificação das substâncias candidatas publicada no sítio Internet da ECHA (41) e, mais precisamente, antes da data da entrada em vigor da decisão do diretor da ECHA que ordena a publicação da lista de identificação das substâncias candidatas (42). Daí concluiu formalmente que o prazo de «interposição de um recurso contra o ato de identificação de uma substância como suscitando grande preocupação […] só pode começar a correr a partir da ‘publicação’ da lista [de identificação] das substâncias candidatas contendo essa substância».

59.      Foi, pois, realmente a data efetiva da publicação da lista de identificação das substâncias candidatas no sítio Internet da ECHA e, mais precisamente, a data de atualização desta lista, que coincide com a data de entrada em vigor da referida decisão, que foi considerada pelo Tribunal Geral como constituindo o ponto de partida obrigatório dos prazos de recurso no caso em apreço (43) e com base na qual concluiu que o recurso dos recorrentes tinha caráter prematuro.

60.      Tendo decidido deste modo, o Tribunal Geral não apreciou corretamente nem o alcance e os efeitos da publicação dos atos do direito da União nem a interpretação do conceito de «ato impugnável» na aceção do artigo 263.° TFUE.

61.      Consequentemente, tendo concluído que o recurso de anulação dos recorrentes contra a decisão da ECHA relativa à inscrição da acrilamida na lista de identificação das substâncias candidatas era prematuro, na medida em que tinha sido interposto antes da publicação da referida lista no sítio Internet da ECHA, o Tribunal Geral cometeu um erro na interpretação das disposições do artigo 263.°, sexto parágrafo, TFUE.

62.      Deve acrescentar‑se, como, de resto, tinham alegado tanto o Reino dos Países Baixos como a Comissão no quadro do processo tramitado no Tribunal Geral, que é a decisão do diretor executivo da ECHA de incluir uma substância na lista de identificação das substâncias candidatas que deve ser considerada o ato definitivo que encerra o procedimento previsto no artigo 59.° do Regulamento n.° 1907/2006.

63.      A publicação da lista de identificação das substâncias candidatas atualizada no sítio Internet da ECHA não é mais do que a operação material que permite dar a conhecer aos interessados a decisão definitiva da ECHA (44), mesmo sendo esta operação que concretamente condiciona a oponibilidade da referida decisão a estes últimos e fixa a data a partir da qual começam a correr os prazos de caducidade dos recursos interpostos contra essa decisão.

64.      Por último, na falta de qualquer outra forma de informação oficial sobre a inclusão de uma substância na lista de identificação das substâncias candidatas, como a publicação da decisão do diretor executivo da ECHA ou ainda a sua notificação às partes interessadas que tenham apresentado observações, como previsto no artigo 59.°, n.° 4, do Regulamento n.° 1907/2006, está mais ainda justificada a admissibilidade de um recurso interposto por estas últimas a partir da data em que tenham conhecimento de tal inclusão.

65.      Consequentemente, o despacho recorrido no processo T‑1/10 deve ser anulado e o processo deve ser remetido ao Tribunal Geral para que se pronuncie sobre os demais fundamentos e argumentos suscitados pelas partes e, nomeadamente, sobre os demais fundamentos de inadmissibilidade suscitados pela ECHA na sua exceção de inadmissibilidade. Importa salientar, a este propósito, que, se o Tribunal Geral concluir pela admissibilidade do recurso dos recorrentes, essa conclusão acarretará, automaticamente, a inadmissibilidade, por litispendência, do recurso por eles interposto no âmbito do processo T‑268/10, o qual é objeto do recurso no processo C‑625/11 P, que analisarei em seguida, na medida em que seja dado provimento a este recurso e que o processo seja remetido ao Tribunal Geral.

C —    Recurso no processo C‑625/11 P (despacho recorrido no processo T‑268/10, que declara o recurso extemporâneo)

1.      Síntese da argumentação das partes

66.      Os recorrentes invocam, no essencial, um único fundamento, relativo ao facto de o Tribunal Geral ter cometido um erro de interpretação do artigo 102.°, n.° 1, do seu Regulamento de Processo, bem como da jurisprudência relativa aos prazos de recurso, conduzindo à violação do seu direito a proteção judicial efetiva. Alegam que o prazo de catorze dias previsto naquela disposição deve ser aplicado a qualquer ato publicado, seja qual for o modo de publicação, e não apenas aos atos publicados no Jornal Oficial da União Europeia.

67.      Em contrapartida, a ECHA, apoiada em todos os pontos pelo Reino dos Países Baixos, considera que o prazo de catorze dias previsto no artigo 102.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral não pode ser aplicado no caso da publicação de um ato na Internet. Uma vez que as regras da União relativas aos prazos de recurso são de aplicação estrita, o âmbito de aplicação desta disposição só poderia ser alargado através da alteração do referido regulamento, sob pena de se violar o princípio da segurança jurídica. A ECHA insiste igualmente, a este propósito, na diferença existente entre a publicação na Internet e a publicação no Jornal Oficial da União Europeia.

68.      A Comissão, por seu turno, realça que, no seu presente recurso, os recorrentes se limitam a denunciar o tratamento discriminatório ou arbitrário de que terão sido objeto. Ora, como o Tribunal Geral declarou no n.° 38 do despacho recorrido no processo T‑268/10, o prazo de prescrição aplicado aos recorrentes no caso em apreço, não tendo em conta o prazo de catorze dias previsto no artigo 102.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, aplica‑se indistintamente a qualquer parte que esteja na mesma situação que estes últimos.

2.      Apreciação

69.      A título preliminar, deve salientar‑se que, nos termos do despacho recorrido no processo T‑268/10, o Tribunal Geral julgou o recurso dos recorrentes inadmissível por caducidade, pela razão de que o prazo de catorze dias previsto no artigo 102.°, n.° 1, do seu Regulamento de Processo não podia ser aplicado, exorbitando dos termos da sua redação, aos atos que, como o ato impugnado no caso em apreço, são publicados, não no Jornal Oficial da União Europeia, mas exclusivamente na Internet (45), especificando que, no caso em preço, não podia ser reconhecida a existência de nenhum erro desculpável (46).

70.      Os fundamentos do despacho recorrido no processo T‑268/10 enfermam igualmente de erros de direito.

71.      Deve salientar‑se que o Regulamento de Processo do Tribunal Geral, como, de resto, o Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça (47), não contém disposições equivalentes às do seu artigo 102.°, n.° 1, no que respeita, especificamente, à publicação dos atos das instituições, dos órgãos e dos organismos da União na Internet.

72.      De um modo muito mais geral, há que constatar que a legislação da União relativa aos prazos de recurso não contém nenhuma disposição para reger a publicação na Internet dos atos das instituições, dos órgãos e dos organismos da União, pelo que cabe ao Tribunal de Justiça colmatar esta lacuna, assegurando o direito à proteção judicial efetiva (48), no respeito pelos princípios gerais do direito e, doravante, do artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União (49), como interpretado à luz dos artigos 6.°, n.° 1, e 13.° da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de novembro de 1950.

73.      A este propósito, é certo que resulta da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (50), como o Tribunal de Justiça teve já oportunidade de recordar (51), que o direito a um tribunal, do qual o direito de acesso a um tribunal constitui um aspeto específico, não é absoluto e presta‑se a limitações, nomeadamente quanto às condições de admissibilidade de um recurso, nas quais se inclui a fixação de um prazo de caducidade (52).

74.      Contudo, importa igualmente recordar que, embora os sujeitos jurídicos devam contar com que as regras de admissibilidade sejam aplicadas, estas últimas devem prosseguir um objetivo legítimo e ser proporcionais, não podendo, por isso, restringir o seu acesso a um tribunal de tal forma ou a tal ponto que o seu direito seja infringido na sua própria essência (53). A aplicação destas regras não deve impedi‑los de se prevalecerem de uma via de recurso disponível (54).

75.      É à luz destes princípios que importa verificar se o Tribunal Geral podia, de modo juridicamente correto, recusar tomar em consideração o prazo de catorze dias previsto no artigo 102.°, n.° 1, do seu Regulamento de Processo e, consequentemente, declarar a caducidade do recurso dos recorrentes, sem lhes conceder o benefício do erro desculpável.

a)      Quanto à questão de saber se o prazo de catorze dias se aplica aos atos publicados na Internet

76.      A este propósito, deve observar‑se, antes de mais, que a própria redação do artigo 102.º, n.º 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral não está isenta de ambiguidade, na medida em que esta disposição começa por evocar a publicação dos atos em geral para, em seguida, se referir, in fine, apenas à publicação no Jornal Oficial da União Europeia.

77.      Consequentemente, pode considerar‑se, em sentido oposto ao decidido pelo Tribunal Geral, que esta disposição não regula especificamente a contagem dos prazos de recurso relativamente aos recursos interpostos contra os «atos publicados no Jornal Oficial da União Europeia», mas sim, de um modo geral, a contagem dos prazos de recurso relativamente aos recursos interpostos contra os atos publicados, nomeadamente por oposição aos atos notificados. A especificação relativa à publicação no Jornal Oficial da União Europeia é, por assim dizer, contingente, constituindo uma reminiscência de um tempo no qual a Internet não existia e em que a publicação de um ato só se podia conceber, necessariamente, numa edição forçosamente impressa do Jornal Oficial da União Europeia.

78.      Todavia, uma mera análise textual, intrínseca, desta disposição do Regulamento de Processo do Tribunal Geral não pode, só por si, ser considerada suficiente para responder à questão de princípio deste modo suscitada pelo presente processo e importa, de acordo com a jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, interpretá‑la tendo em conta o contexto no qual se insere e os objetivos que prossegue (55).

79.      No caso concreto, o prazo de catorze dias previsto no artigo 102.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral tem a sua origem na necessidade de garantir que todos os sujeitos jurídicos da União Europeia beneficiam do mesmo prazo de recurso relativamente aos recursos interpostos contra os atos das instituições, dos órgãos e dos organismos da União publicados no Jornal Oficial da União Europeia, a contar, não da data da edição oficial do referido Jornal Oficial, como normalmente indicada em cada um dos seus números, mas da data em que se pode razoavelmente presumir que o referido Jornal Oficial da União Europeia está, de facto, disponível, pois que normalmente terá já chegado a todos os Estados‑Membros da União. O Tribunal de Justiça já teve, de resto, oportunidade de decidir que a publicação de uma versão eletrónica do referido Jornal Oficial da União Europeia não podia ser considerada uma forma de disponibilização da legislação comunitária que baste para assegurar a sua oponibilidade (56).

80.      Este prazo de catorze dias visava, assim, assegurar, tendo em consideração a própria função da publicação evocada supra, a igualdade de tratamento de todos os sujeitos jurídicos da União. Constitui, pois, de certo modo, um prazo de dilação fixo, que assegura o respeito pelo princípio geral da igualdade do direito da União no domínio do contencioso de anulação.

81.      Consequentemente, o mero facto de estar prevista a publicação de um ato na Internet não autoriza, nessa medida, que se «ignore» o prazo de catorze dias previsto no artigo 102.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral. Pelo contrário, na falta de uma disposição expressa para reger a publicação dos atos das instituições, dos órgãos e dos organismos da União na Internet, esta disposição deve ser interpretada no sentido de que o referido prazo, no respeito pelo princípio geral da igualdade e na falta de razões concludentes em contrário (57), deve ser considerado aplicável à contagem dos prazos de recurso relativamente aos recursos interpostos contra todos os atos publicados das instituições, dos órgãos e dos organismos da União, seja qual for o modo de publicação considerado.

b)      Quanto ao erro desculpável

82.      Em todo o caso, e para além desta interpretação pro actione das disposições do artigo 102.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, competia a este último apreciar o eventual erro desculpável dos recorrentes, levando em conta todas as circunstâncias do caso em apreço.

83.      Com efeito, se é verdade que o conceito de «erro desculpável» se refere a circunstâncias excecionais nas quais, nomeadamente, a instituição em causa adotou um comportamento suscetível de, por si só ou de forma decisiva, provocar uma confusão admissível no espírito de um sujeito jurídico de boa‑fé e que faça prova de toda a diligência exigida de um operador normalmente advertido (58), o Tribunal de Justiça teve, porém, igualmente o cuidado de especificar (59) que um erro desculpável não devia limitar‑se apenas a esta hipótese e podia resultar de qualquer tipo de circunstâncias excecionais (60).

84.      No caso concreto, o Tribunal Geral decidiu que o erro dos recorrentes «assentava numa má interpretação quer do artigo 102.°, n.° 2, quer do artigo 101.°, n.° 1, [do Regulamento de Processo do Tribunal Geral]», disposições que não suscitavam nenhuma dificuldade de interpretação.

85.      Ora, sendo embora verdade que o Tribunal de Justiça, no despacho referido pelo Tribunal Geral (61), declarou que a regulamentação relativa aos prazos de recurso não apresentava dificuldades de interpretação particulares, o Tribunal de Justiça referia‑se unicamente às modalidades de cálculo dos referidos prazos. Não podia deduzir‑se unicamente a partir deste despacho que a questão da contagem dos prazos de recurso relativamente aos recursos interpostos contra os atos das instituições, dos órgãos e dos organismos publicados exclusivamente na Internet era perfeitamente clara e não suscitava nenhuma dúvida razoável.

86.      A falta de qualquer disposição expressa e de qualquer jurisprudência específica sobre as modalidades de cálculo dos prazos de recurso relativamente aos recursos interpostos contra os atos das instituições, dos órgãos e dos organismos publicados exclusivamente na Internet devia, pelo contrário, ter levado o Tribunal Geral a ter em consideração todas as circunstâncias do caso em apreço para apreciar, à luz do direito à proteção judicial efetiva, as condições de verificação da existência de um erro desculpável.

87.      A ambiguidade da redação do artigo 102.°, n.° 1, do seu Regulamento de Processo, acrescida à circunstância de a diligência com a qual os recorrentes entenderam dever exercer o seu direito de recurso ter sido objeto de um despacho, proferido no mesmo dia, que declarou a inadmissibilidade do seu recurso por ser prematuro, deveria ter conduzido a que o Tribunal Geral admitisse o erro desculpável no caso em apreço.

88.      Por conseguinte, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito na interpretação dos artigos 263.°, sexto parágrafo, TFUE e 102.°, n.° 1, do seu Regulamento de Processo quando concluiu que o recurso de anulação interposto pelos recorrentes contra a decisão da ECHA relativa à inscrição da acrilamida na lista de identificação das substâncias candidatas era extemporâneo e que esta extemporaneidade não resultava de um erro desculpável.

89.      O despacho recorrido no processo T‑268/10 deve, pois, ser anulado e o processo deve ser remetido ao Tribunal Geral para que se pronuncie sobre os demais fundamentos e argumentos suscitados pelas partes, recordando‑se, porém, que o referido recurso deve ser julgado inadmissível por litispendência caso o recurso no processo T‑1/10, remetido ao Tribunal Geral, seja julgado admissível.

IV — Conclusão

90.      Consequentemente, proponho que o Tribunal de Justiça decida:

No processo C‑625/11 P:

1)      O despacho do Tribunal Geral da União Europeia de 21 de setembro de 2011, PPG e SNF/ ECHA (T‑268/10), é anulado.

2)      O processo é remetido ao Tribunal Geral da União Europeia.

3)      Reserva‑se para final a decisão quanto às despesas.

No processo C‑626/11 P:

1)      O despacho do Tribunal Geral da União Europeia de 21 de setembro de 2011, PPG e SNF/ ECHA (T‑1/10), é anulado.

2)      O processo é remetido ao Tribunal Geral da União Europeia.

3)      Reserva‑se para final a decisão quanto às despesas.


1 —      Língua original: francês.


2 —      Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de dezembro de 2006, relativo ao registo, avaliação, autorização e restrição dos produtos químicos (REACH), que cria a Agência Europeia dos Produtos Químicos, que altera a Diretiva 1999/45/CE e revoga o Regulamento (CEE) n.° 793/93 do Conselho e o Regulamento (CE) n.° 1488/94 da Comissão, bem como a Diretiva 76/769/CEE do Conselho e as Diretivas 91/155/CEE, 93/67/CEE, 93/105/CE e 2000/21/CE da Comissão (JO L 396, p. 1).


3—      A seguir «lista de identificação das substâncias candidatas».


4 —      A seguir «SNF».


5 —      N.° 8 do despacho recorrido no processo T‑1/10.


6 —      N.° 11 do despacho recorrido no processo T‑268/10.


7 —      N.° 45 do despacho recorrido no processo T‑1/10.


8 —      Ibidem (n.os 41 e 46).


9 —      Ibidem (n.° 50).


10 —      N.° 11 do despacho recorrido no processo T‑268/10.


11 —      Ibidem (n.° 31).


12 —      Ibidem (n.° 39).


13 —      Ibidem (n.° 40).


14 —      Ibidem (n.° 42).


15 —      Ibidem (n.° 43).


16 —      Ibidem (n.° 41).


17 —      172/83 e 226/03, Recueil, p. 2831.


18 —      V. acórdãos de 20 de maio de 2003, Consorzio del Prosciutto di Parma e Salumificio S. Rita (C‑108/01, Colet., p. I‑5121, n.° 95), e de 11 de dezembro de 2007, Skoma‑Lux (C‑161/06, Colet., p. I‑10841, n.° 38).


19 —      Quanto às exceções ao princípio da não retroatividade, v., nomeadamente, acórdãos de 25 de janeiro de 1979, Racke (98/78, Colet., p. 69, n.os 19 e 20), e de 9 de janeiro 1990, SAFA (C‑337/88, Colet., p. I‑1, n.° 13).


20 —      V. acórdão de 10 de março de 2009, Heinrich (C‑345/06, Colet., p. I‑1659, n.os 42 a 44).


21 —      V., nomeadamente, a este propósito, no que diz respeito às publicações no Jornal Oficial da União Europeia, acórdãos, já referidos, Racke (n.° 15), e SAFA (n.° 12); quanto a um caso de publicação na Internet, v. acórdão de 19 de setembro de 2002, Comissão/Bélgica (C‑221/01, Colet., p. I‑7835, n.os 44 e 45).


22 —      V. acórdãos de 26 de junho de 2012, Polónia/Comissão (C‑335/09 P), e Polónia/Comissão (C‑336/09 P).


23 —      V. sobre esta abordagem, bem conhecida, nomeadamente em Espanha, como princípio pro actione, Sáez Lara, C., «Tutela judicial efectiva y processo de trabajo», em Casas Baamonde, M. E., e Rodríguez‑Piñero y Bravo Ferrer, M., Comentarios a la Constitución española, Wolters Kluwer 2008, p. 603.


24 —      V., acórdão de 10 de março de 1998, Alemanha/Conselho (C‑122/95, Colet., p. I‑973, n.os 35 a 39), e despacho de 25 de novembro de 2008, TEA/Comissão, C‑500/07 P, n.os 21 a 23).


25 —      Este último, consultado na data da audiência, está acessível em permanência, através de um link colocado no rodapé de cada página do sítio (http://ECHA.europa.eu/pt/web/guest/legal‑notice).


26 —      V., a este propósito, acórdão Skoma‑Lux, já referido (n.° 48).


27 —      Diversamente, designadamente, do que prevê o artigo 58.°, n.° 4, do Regulamento n.° 1907/2006.


28 —      A título de comparação, é o Serviço das Publicações da União Europeia que garante a autenticidade do Jornal Oficial da União Europeia. V., artigo 3.°, n.° 1, alínea a), da Decisão 2009/496/CE, Euratom do Parlamento Europeu, do Conselho, da Comissão, do Tribunal de Justiça, do Tribunal de Contas, do Comité Económico e Social Europeu e do Comité das Regiões, de 26 de junho de 2009, relativa à organização e ao funcionamento do Serviço das Publicações da União Europeia (JO L 168, p. 41).


29 —      Estas exigências elementares estão na base do Regulamento (UE) n.° 216/2013 do Conselho, de 7 de março de 2013, relativo à publicação eletrónica do Jornal Oficial da União Europeia (JO L 69, p. 1); v., em especial, os seus considerandos 8 e 11, bem como os artigos 2,.°, n.° 1, e 4.°, n.° 1. V. igualmente proposta de Regulamento do Conselho relativo à publicação eletrónica do Jornal Oficial da União Europeia, apresentada pela Comissão em 4 de abril de 2011, COM(2011) 162 final, n.os 1.1 e 1.3 da exposição de motivos, considerando n.° 8 e artigos 1.°, n.° 2, e 2.°, n.os 1 e 2, da proposta.


30 —      O artigo 2.°, n.° 1, do Regulamento n.° 216/2013/UE, relativo à publicação eletrónica do Jornal Oficial da União Europeia prevê, nesta perspetiva, que os efeitos jurídicos desta publicação eletrónica assentam numa assinatura eletrónica baseada num certificado e criada por um dispositivo seguro de criação de assinaturas em conformidade com a Diretiva 1999/93/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 1999, relativa a um quadro legal comunitário para as assinaturas eletrónicas (JO 2000, L 13, p. 12).


31 —      V., em especial, n.os 41 e 46 do despacho recorrido no processo T‑1/10.


32 —      V. acórdão Hoogovens Groep/Comissão, já referido (n.° 8).


33 —      V. acórdãos de 31 de março de 1971, Comissão/Conselho (22/70, Colet., p. 263, n.os 39 e 42), bem como de 23 de abril de 1986, Les Verts/Parlamento (294/83, Colet., p. 1339, n.° 24).


34—      V. acórdão de 11 de novembro de 1981, IBM/Comissão (60/81, Recueil, p. 2639, n.° 9).


35 —      V., nomeadamente, acórdão de 19 de dezembro de 2012, Comissão/Planet (C‑314/11 P, n.os 94 e 95).


36 —      V., neste sentido, acórdão de 26 de janeiro de 2010, Internationaler Hilfsfonds/Comissão (C‑362/08 P, Colet., p. I‑669, n.° 58).


37 —      V. acórdão de 26 de maio de 1982, Alemanha e Bundesanstalt für Arbeit/Comissão (44/81, Colet., p. 1855, n.os 8 a 12).


38 —      V., nomeadamente, acórdãos de 29 de maio de 1974, König (185/73, Colet., p. 607, n.° 6), Racke, já referido (n.° 15), Skoma‑Lux, já referido (n.° 37), Heinrich, já referido (n.° 43), e de 12 de julho de 2012, Pimix (C‑146/11, n.° 33).


39 —      V. n.° 42 do despacho recorrido no processo T‑1/10.


40 —      V. n.° 46 do despacho recorrido no processo T‑1/10.


41 —      Ibidem (n.os 45 e 50).


42 —      V. n.os 7 e 45 do despacho recorrido no processo T‑1/10.


43 —      V., em especial, n.° 50 do despacho recorrido no processo T‑1/10.


44 —      V., no mesmo sentido, despacho de 28 de junho de 2011, Verein Deutsche Sprache/Conselho (C‑93/11 P, n.° 26).


45 —      V., em especial, n.° 34 do despacho recorrido no processo T‑268/10.


46 —      V., em especial, n.° 41 do despacho recorrido no processo T‑268/10.


47 —      V., a este propósito, artigo 50.° do novo Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, aprovado pelo Conselho da União Europeia em 24 de setembro de 2012, redigido em termos substancialmente idênticos aos do artigo 102.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral. V., igualmente, disposições idênticas do artigo 81.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, de 19 de junho de 1991 (JO L 176, p. 7).


48 —      V., acórdão de 28 de fevereiro de 2013, Réexamen Arango Jaramillo e o./BEI (C‑334/12 RX‑II, n.os 40 a 46).


49 —      V., nomeadamente, acórdão de 8 de dezembro de 2011, KME Germany e o./Comissão (C‑389/10 P, Colet., p. I‑13125, n.° 119).


50 —      V., nomeadamente, TEDH, acórdãos Pérez de Rada Cavanilles c. Espanha de 28 de outubro de 1998 (petição n.° 28090/95, Recueil des arrêts et décisions1998‑VIII, § 44), e Anastasakis c. Grécia de 6 de dezembro de 2011 (petição n.° 41959/08, ainda não publicado no Recueil des arrêts et décisions, § 24).


51 —      V., despacho de 16 de outubro de 2010, Internationale Fruchtimport Gesellschaft Weichert/Comissão (C‑73/10 P, Colet., p. I‑11535, n.° 53), e acórdão Réexamen Arango Jaramillo e o./BEI, já referido (n.° 43).


52 —      V., despachos de 17 de maio de 2002, Alemanha/Parlamento e Conselho (C‑406/01, Colet., p. I‑4561, n.° 20), bem como Internationale Fruchtimport Gesellschaft Weichert/Comissão, já referido (n.os 48 a 50).


53 —      V., nomeadamente, TEDH., acórdãos Brualla Gómez de la Torre c. Espanha de 19 de dezembro de 1997 (petição n.° 26737/95, Recueil des arrêts et décisions 1997‑VIII, p. 2955, § 33), e Pérez de Rada Cavanilles c. Espanha, já referido (§ 44).


54 —      V., nomeadamente, TEDH, acórdãos S. A. «Sotiris e Nikos Koutras ATTEE» c. Grécia de 16 de novembro de 2000 (petição n.° 39442/98, Recueil des arrêts et décisions 2000‑XII, § 20), e Anastasakis c. Grécia, já referido (§ 24).


55 —      V., nomeadamente, acórdãos de 24 de outubro de 1996, Eismann (C‑217/94, Colet., p. I‑5287, n.° 16); de 16 de janeiro de 2003, Maierhofer (C‑315/00, Colet., p. I‑563, n.° 27), e de 15 de julho de 2004, Harbs (C‑321/02, Colet., p. I‑7101, n.° 28).


56 —      V. acórdão Skoma‑Lux, já referido (n.° 47 a 50)


57 —      V. acórdão de 5 de abril de 1979, Orlandi/Comissão (117/78, Colet., p. 1613, n.os 10 e 11).


58 —      V., acórdãos de 15 de dezembro de 1994, Bayer/Comissão (C‑195/91 P, Colet., p. I‑5619, n.° 26); de 27 de novembro de 2007, Diy‑Mar Insaat Sanayi ve Ticaret e Akar/Comissão (C‑163/07 P, Colet., p. I‑10125, n.° 36); despachos de 14 de janeiro de 2010, SGAE/Comissão (C‑112/09 P, Colet., p. I‑351, n.° 20), e Internationale Fruchtimport Gesellschaft Weichert/Comissão, já referido (n.° 42).


59 —      V. acórdão Bayer/Comissão, já referido (n.° 26).


60 —      V. despacho SGAE/Comissão, já referido (n.° 29).


61 —      V. despacho Alemanha/Parlamento e Conselho, já referido (n.° 21).