Language of document : ECLI:EU:T:2023:650

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção Alargada)

18 de outubro de 2023 (*)

«Concorrência — Acordos, decisões e práticas concertadas — Mercado do etileno — Decisão que declara uma infração ao artigo 101.° TFUE — Coordenação sobre uma componente do preço de compra — Procedimento de transação — Coima — Ajustamento do montante de base da coima — Ponto 37 das Orientações para o cálculo das coimas — Reincidência — Ponto 28 das Orientações para o cálculo das coimas — Competência de plena jurisdição — Pedido reconvencional de aumento do montante da coima»

No processo T‑590/20,

Clariant AG, com sede em Muttenz (Suíça),

Clariant International AG, com sede em Muttenz,

representadas por F. Montag e M. Dreher, advogados,

recorrentes,

contra

Comissão Europeia, representada por A. Boitos, I. Rogalski e J. Szczodrowski, na qualidade de agentes,

recorrida,

O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção Alargada),

composto, na deliberação, por: M. van der Woude, presidente, G. De Baere (relator), G. Steinfatt, K. Kecsmár e S. Kingston, juízes,

secretário: I. Kurme, administradora,

vistos os autos,

após a audiência de 24 de novembro de 2022,

profere o presente

Acórdão

1        No recurso que interpuseram ao abrigo do artigo 263.° TFUE, as recorrentes, Clariant AG e Clariant International AG, pedem, a título principal, a anulação parcial da Decisão C (2020) 4817 final da Comissão, de 14 de julho de 2020, relativa a um processo nos termos do artigo 101.° TFUE (AT.40410) — Etileno) (a seguir «decisão impugnada») e, a título subsidiário, a redução do montante da coima que lhes foi aplicada «solidariamente» na referida decisão. A Comissão Europeia pede, a título reconvencional, o aumento do montante da coima mencionada.

I.      Antecedentes do litígio

A.      Procedimento administrativo

2        Em 29 de junho de 2016, uma das quatro empresas que participaram em contactos colusórios ligados às compras de etileno pediu imunidade em matéria de coimas ao abrigo da Comunicação da Comissão [r]elativa à imunidade em matéria de coimas e à redução do seu montante nos processos relativos a cartéis (JO 2006, C 298, p. 17; a seguir «Comunicação sobre a clemência»).

3        Entre 23 de maio e 3 de julho de 2017, as restantes três empresas que participaram nesses contactos colusórios pediram igualmente imunidade em matéria de coimas ou, a título subsidiário, a possibilidade de beneficiarem de uma redução do montante da coima ao abrigo da Comunicação sobre a clemência.

4        Em 10 de julho de 2018, a Comissão deu início à tramitação processual prevista no artigo 11.°, n.° 6, do Regulamento (CE) n.° 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos [101.° e 102.° TFUE] (JO 2003, L 1, p. 1), contra as quatro empresas visadas no processo (a seguir, conjuntamente, «participantes no cartel») com vista a encetar conversações de transação, em conformidade com a Comunicação da Comissão relativa à condução de procedimentos de transação para efeitos da adoção de decisões nos termos do artigo 7.° e do artigo 23.° do Regulamento n.° 1/2003 nos processos de cartéis (JO 2008, C 167, p. 1; a seguir «Comunicação sobre a transação»).

5        Por carta de 23 de julho de 2018, as recorrentes confirmaram à Comissão a sua vontade de encetar conversações com vista a uma transação.

6        Nessas conversações, a Comissão informou as recorrentes das objeções que tencionava apresentar a seu respeito e divulgou‑lhes os elementos de prova fundamentais do processo, nos quais se tinha baseado para firmar essas objeções. Comunicou‑lhes igualmente uma estimativa do intervalo contendo o mínimo e o máximo da coima que tencionava aplicar‑lhes.

7        Em 20 de novembro de 2019, as recorrentes apresentaram a sua proposta de transação nos termos do artigo 10.°‑A, n.° 2, terceiro parágrafo, do Regulamento (CE) n.° 773/2004 da Comissão, de 7 de abril de 2004, relativo à instrução de processos pela Comissão para efeitos dos artigos [101.° e 102.° TFUE] (JO 2004, L 123, p. 18), através da qual reconheciam a sua responsabilidade «solidária» pela participação na infração. Indicaram igualmente o montante máximo da coima que aceitariam no âmbito do procedimento de transação, a saber, 159 663 000 euros.

8        Em 7 de fevereiro de 2020, a Comissão adotou uma comunicação de objeções. Em 24 de fevereiro de 2020, as recorrentes confirmaram que esta refletia devidamente a sua proposta de transação e que continuavam totalmente empenhadas em prosseguir com o procedimento de transação.

B.      Decisão impugnada

9        Em 14 de julho de 2020, a Comissão adotou a decisão impugnada.

1.      Descrição da infração

10      A Comissão considerou que as recorrentes tinham participado numa infração única e continuada, a qual consistiu no intercâmbio de informações sensíveis do ponto de vista comercial e relacionadas com preços, e na fixação de uma componente do preço relacionado com as compras de etileno, nos territórios belga, alemão, francês e neerlandês, no período compreendido entre 26 de dezembro de 2011 e 29 de março de 2017 [artigo 1.°, alínea c), da decisão impugnada].

11      O comportamento imputado dizia respeito à aquisição de etileno no mercado livre, com exclusão do etileno produzido para utilização cativa, ou seja, o produzido e utilizado pelos produtores para consumo próprio.

12      O etileno era geralmente comprado com base em acordos de fornecimento a longo prazo. Para refletir o risco de volatilidade dos preços de compra do etileno, estes acordos de fornecimento remetiam frequentemente para o preço de contrato mensal (a seguir «PCM»). A fim de estabelecer o PCM para um determinado mês, tinham de ser celebrados dois acordos bilaterais separados, mas idênticos, também denominados «transações», entre dois pares diferentes de fornecedores e de compradores. Uma vez celebrada a primeira transação, as partes podiam notificar o seu acordo a um organismo de notificação privado e independente, que publicava esta primeira transação no mercado. Assim que outro par de fornecedores e compradores tivesse concluído uma transação a um preço idêntico, esse preço era publicado pelos organismos de notificação como PCM para o mês seguinte.

13      A Comissão sublinhou que o PCM não era um preço líquido, mas uma componente variável das fórmulas de fixação de preços utilizadas em certos contratos de fornecimento. O PCM tinha, portanto, um impacto direto no preço de compra efetivo do etileno acordado no âmbito desses acordos de fornecimento e no âmbito de certas transações no mercado à vista.

14      A Comissão considerou que os participantes no cartel tinham coordenado o seu comportamento no mercado através de contactos bilaterais relacionados com o PCM, chegando a acordo, por um lado, sobre os preços‑alvo que pretendiam utilizar nos procedimentos de negociação do PCM com os vendedores de etileno e, por outro, sobre os PCM definitivos que pretendiam obter e que se baseavam numa avaliação comum dos fatores de fixação de preços e das análises públicas. Os referidos participantes também se concertavam sobre as suas futuras posições nos processos de negociação de transações com os vendedores de etileno. Por último, trocavam informações sobre as tendências do mercado.

15      O objetivo do comportamento em causa consistia em influenciar as negociações do PCM para obter o preço de compra mais baixo possível no âmbito dos processos de transação com os vendedores de etileno.

16      A Comissão concluiu que o comportamento em causa apresentava as características de um acordo ou de uma prática concertada na aceção do artigo 101.° TFUE, que tinha por objetivo restringir a concorrência no mercado de compra de etileno. Não era, portanto, necessário examinar os efeitos desse comportamento nesse mercado nem verificar se os participantes no cartel tinham finalmente conseguido obter o PCM pretendido.

17      Quanto à participação das recorrentes na infração, a Comissão salientou, por um lado, que a segunda recorrente, a Clariant International, tinha aceitado sem reservas a sua responsabilidade pela participação direta na infração cometida no período entre 26 de dezembro de 2011 e 29 de março de 2017 e, por outro, que a primeira recorrente, a Clariant, tinha aceitado sem reservas a sua responsabilidade «solidária» pela participação da sua filial, detida a 100 %, na infração cometida no período entre 26 de dezembro de 2011 e 29 de março de 2017. Declarou, assim, a responsabilidade «solidária» da segunda recorrente, pela sua participação direta, e a da primeira recorrente, enquanto sociedade‑mãe da segunda recorrente, na infração relativamente ao período em causa.

2.      Cálculo do montante da coima aplicada às recorrentes

18      Foi «solidariamente» aplicada às recorrentes uma coima no montante de 155 769 000 euros [artigo 2.°, alínea c), da decisão impugnada].

19      A este respeito, primeiro, a Comissão teve em consideração, para efeitos do cálculo do montante de base da coima, o valor das compras de etileno durante o período que abrange o último ano completo de participação das recorrentes na infração, a saber, o ano de 2016.

20      Entende a Comissão que não era adequado utilizar o valor das vendas dos produtos a jusante como ponto de partida para o cálculo do montante de base da coima, na medida em que a infração dizia respeito a um cartel em matéria de compras e que nem todas as partes estavam presentes no(s) mesmo(s) mercado(s) a jusante.

21      Além disso, a Comissão considerou que havia apenas a ter em conta, por um lado, o valor das compras efetuadas ao abrigo dos acordos de fornecimento de etileno que utilizam uma fórmula de fixação de preços baseada no PCM e, por outro, o valor das compras realizadas no mercado à vista do etileno e baseadas no PCM.

22      Segundo, para a determinação do montante de base da coima, a Comissão teve em conta a gravidade da infração e a sua duração, bem como a necessidade de dissuasão.

23      Dado que a infração consistia numa fixação horizontal de preços que, pela sua própria natureza, está incluída nas restrições de concorrência mais graves, a Comissão começou por fixar o coeficiente de gravidade em 15 %.

24      Em seguida, a Comissão teve em conta o facto de as recorrentes terem participado na infração entre 26 de dezembro de 2011 e 29 de março de 2017, ou seja, durante 1 921 dias, o que correspondia a um coeficiente multiplicador de 5,25 pela duração.

25      Por último, a Comissão fixou um montante adicional de 15 %, aplicado para efeitos dissuasivos, tendo em conta a gravidade da infração.

26      Terceiro, a Comissão procedeu a ajustamentos ao montante de base da coima.

27      Por um lado, com base no ponto 28 das Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do artigo 23.°, n.° 2, alínea a), do Regulamento (CE) n.° 1/2003 (JO 2006, C 210, p. 2; a seguir «Orientações para o cálculo das coimas»), a Comissão aumentou em 50 % o montante de base da coima pelo facto de as recorrentes já terem cometido uma infração semelhante ao artigo 101.° TFUE. A Comissão referiu‑se, a este respeito, à sua Decisão C(2004) 4876 final, de 19 de janeiro de 2005, relativa um processo nos termos do artigo [101.° TFUE] e do artigo 53.° do Acordo EEE (COMP/E‑1/37.773 – AMCA; a seguir «decisão AMCA»), na qual a primeira recorrente e a sua filial Clariant GmbH foram declaradas responsáveis por um cartel no mercado do ácido monocloroacético (a seguir «cartel AMCA»).

28      A Comissão entendeu igualmente que não existiam circunstâncias atenuantes que justificassem uma redução do montante de base da coima.

29      Por outro lado, em conformidade com o ponto 37 das Orientações para o cálculo das coimas, a fim de ter em conta as especificidades do caso e a necessidade de atingir um montante suficientemente dissuasivo da coima, a Comissão aplicou um aumento de 10 % ao montante de base da coima.

30      Quarto, a Comissão certificou‑se de que a coima não ultrapassava 10 % do volume de negócios total das recorrentes em 2019, em conformidade com o artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003.

31      Quinto, a Comissão procedeu ainda a uma redução da coima a título da clemência. Foi assim concedida às recorrentes uma redução de 30 % ao abrigo da Comunicação sobre a clemência.

32      Sexto, o montante da coima foi reduzido em 10 % para recompensar as recorrentes pela sua cooperação no âmbito do procedimento de transação.

II.    Pedidos das partes

33      As recorrentes solicitam que o Tribunal Geral se digne:

–        anular o artigo 2.°, alínea c), da decisão impugnada, na medida em que prevê a aplicação de uma coima de montante superior a 94 405 800 euros;

–        a título subsidiário, reduzir a um montante proporcionado a coima que lhes foi aplicada nos termos do artigo 2.°, alínea c), da referida decisão;

–        julgar improcedente o pedido da Comissão para que o montante da coima que lhes foi aplicada seja elevado para 181 731 000 euros;

–        condenar a Comissão nas despesas.

34      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        fixar o montante da coima aplicada às recorrentes no artigo 2.°, alínea c), da decisão impugnada em 181 731 000 euros;

–        condenar as recorrentes nas despesas.

III. Questão de direito

A.      Quanto aos pedidos de anulação e de redução do montante da coima

35      As recorrentes invocam três fundamentos de recurso, sendo os dois primeiros em apoio do pedido de anulação e, o terceiro, em apoio do pedido de redução do montante da coima. No primeiro fundamento, alegam que a Comissão aplicou erradamente um aumento do montante de base da coima ao abrigo do ponto 28 das Orientações para o cálculo das coimas. No segundo fundamento, alegam que a Comissão aplicou erradamente um aumento do montante de base da coima ao abrigo do ponto 37 das referidas orientações. O terceiro fundamento é relativo ao caráter desproporcionado do montante da coima em relação à gravidade da infração cometida.

1.      Quanto ao primeiro fundamento, relativo ao facto de a Comissão ter erradamente aplicado um aumento do montante de base da coima ao abrigo do ponto 28 das Orientações para o cálculo das coimas

36      A título preliminar, importa recordar que resulta dos n.os 107 a 113 da decisão impugnada que a coima foi aplicada às recorrentes ao abrigo do artigo 23.°, n.os 2 e 3, do Regulamento n.° 1/2003, em conformidade com o artigo 10.°‑A, n.° 3, do Regulamento n.° 773/2004.

37      O artigo 23.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1/2003 dispõe que, quando se determinar o montante da coima, deve tomar‑se em consideração a gravidade e a duração da infração.

38      A este respeito, uma eventual reincidência figura entre os elementos a tomar em consideração na análise da gravidade da infração em causa (Acórdãos de 17 de junho de 2010, Lafarge/Comissão, C‑413/08 P, EU:C:2010:346, n.° 63, e de 12 de dezembro de 2014, Eni/Comissão, T‑558/08, EU:T:2014:1080, n.° 276; v., igualmente, neste sentido, Acórdão de 7 de janeiro de 2004, Aalborg Portland e o./Comissão, C‑204/00 P, C‑205/00 P, C‑211/00 P, C‑213/00 P, C‑217/00 P e C‑219/00 P, EU:C:2004:6, n.° 91).

39      A circunstância agravante da reincidência é definida no ponto 28, primeiro travessão, das Orientações para o cálculo das coimas como aquela em que uma empresa prossegue ou reincide numa infração idêntica ou similar depois de a Comissão ou uma autoridade nacional de concorrência ter verificado que essa empresa infringiu as disposições do artigo 101.° TFUE ou do artigo 102.° TFUE. Nesse caso, o montante de base da coima será aumentado até 100 % por infração verificada.

40      O primeiro fundamento articula‑se em três partes relativas, a primeira, à violação do artigo 23.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1/2003 e dos princípios da proporcionalidade e da boa administração, na medida em que a Comissão não cumpriu o seu dever de apreciação; a segunda, à violação do artigo 23.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1/2003 e do princípio da proporcionalidade, na medida em que a Comissão qualificou erradamente as recorrentes como reincidentes e, a terceira, à violação do dever de fundamentação.

a)      Quanto à primeira parte do primeiro fundamento, relativa ao não exercício, pela Comissão, do seu poder de apreciação

41      As recorrentes acusam a Comissão de não ter tido suficientemente em conta as circunstâncias particulares que levaram à declaração da existência de uma infração no âmbito do cartel AMCA. A Comissão, no considerando 138 da decisão recorrida, limitou‑se a declarar que as circunstâncias que justificaram a não aplicação de uma coima no âmbito do referido cartel não eram pertinentes no caso em apreço.

42      As recorrentes destacam várias circunstâncias que a Comissão devia ter examinado. Alegam que a decisão relativa ao cartel AMCA foi dirigida contra a primeira recorrente com base na sua responsabilidade enquanto sociedade‑mãe. O referido cartel foi criado, designadamente, por uma sociedade que a primeira recorrente adquiriu posteriormente. No momento da aquisição, este cartel já tinha sido criado havia, pelo menos, catorze anos. Além disso, os dois empregados da sociedade acima mencionada, adquirida pela primeira recorrente, que eram responsáveis pelas atividades em causa no referido cartel, continuaram a participar nele em segredo, não tendo estado implicada nenhuma outra pessoa no seio da primeira recorrente. Esta última descobriu o cartel em questão através de medidas internas de conformidade e denunciou‑o, razão pela qual lhe foi concedida imunidade total em matéria de coimas pela Comissão. Quanto à infração em causa no caso em apreço, só nela participou um empregado isoladamente, sem o conhecimento de todos os outros empregados ou dos quadros das recorrentes. Ora, essa pessoa não era empregada da primeira recorrente no momento das práticas controvertidas no mercado do ácido monocloroacético e agiu apesar das medidas tomadas pela primeira recorrente em matéria de conformidade.

43      Além disso, as recorrentes alegam que a Comissão violou o princípio da proporcionalidade quando fixou a percentagem de aumento da coima. Uma vez que o ponto 28 das Orientações para o cálculo das coimas prevê um intervalo para o aumento entre 0 e 100 % a este respeito, a Comissão tem o dever, por força do princípio da proporcionalidade, de apreciar onde se situa nesse intervalo a gravidade de uma infração reiterada. No entanto, segundo as recorrentes, a decisão recorrida não explica a razão pela qual a gravidade da infração repetida justificava um aumento de 50 %.

44      As recorrentes consideram que a Comissão utilizou os mesmos critérios para justificar simultaneamente a constatação de uma infração reiterada e a escolha da percentagem de aumento da coima, quando se trata de aspetos distintos que necessitam de uma avaliação distinta. Além disso, os critérios aplicados pela Comissão são comuns a todos os casos de reincidência e não podem ser invocados para justificar um aumento específico num determinado caso de reincidência.

45      Por outro lado, resulta da prática decisória da Comissão que, por um lado, o único fator tido em conta para determinar o aumento da coima por reincidência é o número de infrações anteriores e, por outro, não é tida em conta a metade inferior do intervalo para o aumento. Assim, a Comissão violou a sua obrigação de aplicar uma sanção adequada que reflita a gravidade de uma infração específica.

46      Ao não ter em conta a primeira metade do intervalo para o aumento das coimas, previsto no ponto 28 das Orientações para o cálculo das coimas, e ao aplicar o mesmo aumento geral de 50 % a todos os casos de primeira reincidência, a Comissão violou os princípios da igualdade de tratamento, da proteção da confiança legítima e da segurança jurídica.

47      A Comissão contesta a argumentação das recorrentes.

48      Importa recordar que a Comissão dispõe de poder de apreciação no que respeita à escolha dos elementos a tomar em consideração para a determinação do montante das coimas, tais como, designadamente, as circunstâncias específicas do caso, o contexto deste e o âmbito dissuasivo das coimas, sem que seja necessário atender a uma lista vinculativa ou exaustiva de critérios que devam ser obrigatoriamente tomados em consideração. O apuramento e a apreciação das características específicas da reincidência fazem parte do referido poder da Comissão (v., neste sentido, Acórdãos de 8 de fevereiro de 2007, Groupe Danone/Comissão, C‑3/06 P, EU:C:2007:88, n.os 37 e 38, e de 29 de setembro de 2021, Nec/Comissão, T‑341/18, EU:T:2021:634, n.os 103 e 104).

49      A tomada em consideração da reincidência visa persuadir as empresas que tenham manifestado uma propensão para violarem as regras da concorrência a alterarem o seu comportamento. A Comissão pode assim, de forma casuística, tomar em consideração os indícios que possam confirmar essa tendência, incluindo, por exemplo, o tempo que decorreu entre as infrações em causa (Acórdãos de 7 de junho de 2011, Arkema France e o./Comissão, T‑217/06, EU:T:2011:251, n.° 294, e de 29 de setembro de 2021, Nec/Comissão, T‑341/18, EU:T:2021:634, n.os 77 e 104).

50      No que se refere ao caráter proporcionado de um aumento da coima por reincidência, importa recordar que o Tribunal Geral pode ser chamado a verificar se a Comissão respeitou o princípio da proporcionalidade quando aumentou, a título da reincidência, a coima aplicada e, em particular, se esse aumento se impunha, nomeadamente, face ao tempo decorrido entre a infração em causa e o anterior incumprimento das regras da concorrência (Acórdãos de 17 de junho de 2010, Lafarge/Comissão, C‑413/08 P, EU:C:2010:346, n.° 70, e de 29 de setembro de 2021, Nec/Comissão, T‑341/18, EU:T:2021:634, n.° 117).

51      No caso em apreço, a Comissão aplicou às recorrentes um aumento de 50 % do montante da coima por reincidência. Declarou que, no momento em que a infração em causa foi cometida, a primeira recorrente já tinha sido considerada responsável por um comportamento anticoncorrencial na decisão relativa ao cartel AMCA.

52      Mais precisamente, no considerando 138 da decisão impugnada, a Comissão referiu os elementos que tomou em consideração na sua apreciação sobre a existência de reincidência. Salientou que:

–        o comportamento imputado no caso em apreço tinha começado, no que respeita às recorrentes, em 26 de dezembro de 2011, ou seja, após a adoção da decisão relativa ao cartel AMCA, em 19 de janeiro de 2005;

–        tinha decorrido um período limitado entre a adoção da referida decisão e o início do comportamento imputado no caso em apreço;

–        as duas infrações deviam ser consideradas «semelhantes» na aceção do ponto 28 das Orientações para o cálculo das coimas, na medida em que ambas constituíam violações do artigo 101.° TFUE;

–        a primeira recorrente era a sociedade‑mãe da Clariant GmbH, que tinha participado diretamente na infração, e formava com esta uma única empresa durante o período da infração; a atuação passada da empresa devia ser tomada em consideração e não apenas a da Clariant GmbH;

–        as circunstâncias específicas da infração apurada nesta decisão e que justificaram que as recorrentes tenham sido isentas de coima não eram pertinentes para a análise do incumprimento das regras da concorrência pelas recorrentes após a adoção da decisão em questão.

53      Resulta desse considerando que a Comissão, no exercício do seu poder de apreciação, identificou os indícios que lhe permitiam apreciar a reincidência das recorrentes.

54      Em especial, a Comissão teve em conta o facto de a primeira recorrente ter cometido duas infrações constitutivas de uma violação do artigo 101.° TFUE, separadas por um lapso de tempo relativamente curto, o que basta para demonstrar uma propensão para violar as regras da concorrência (v., neste sentido, Acórdão de 8 de fevereiro de 2007, Groupe Danone/Comissão, C‑3/06 P, EU:C:2007:88, n.° 40).

55      No que respeita à escolha da percentagem de aumento da coima, as recorrentes não têm razão quando alegam que a Comissão não podia justificar a escolha dessa taxa com base nos mesmos elementos mencionados para apreciar a existência de reincidência. Com efeito, para escolher a percentagem de aumento por reincidência, a Comissão deve apreciar os indícios que permitem caracterizar essa reincidência e, em especial, o tempo decorrido entre a infração em causa e o anterior incumprimento das regras da concorrência, em conformidade com a jurisprudência acima referida no n.° 50.

56      Embora a Comissão possa ter em conta outros indícios para a análise da reincidência e da escolha da percentagem de aumento da coima, essa tomada em consideração insere‑se no seu poder de apreciação, em conformidade com a jurisprudência referida nos n.os 48 a 50, supra. Ao considerar, no caso em apreço, que as circunstâncias específicas da infração objeto da decisão relativa ao cartel AMCA, salientadas pelas recorrentes, não eram pertinentes, a Comissão exerceu, portanto, o seu poder de apreciação.

57      Por outro lado, as recorrentes não podem utilmente invocar o facto de a Comissão não ter determinado a percentagem de aumento da coima de 50 % em função da especial gravidade da infração. Com efeito, esta última teve precisamente em conta o período limitado que decorreu entre a adoção da decisão relativa ao cartel AMCA e o início do comportamento imputado no caso em apreço. Ora, a apreciação do tempo decorrido entre a declaração de uma infração anterior e a nova infração depende da situação em apreço, pelo que este indício permite à Comissão analisar a específica gravidade da reincidência em cada caso concreto.

58      Na medida em que as recorrentes alegam que o considerando 138 da decisão impugnada não contém expressamente o raciocínio justificativo das razões pelas quais a Comissão considerou irrelevantes certas circunstâncias que envolveram a infração cometida no âmbito do cartel AMCA, importa observar, à semelhança da Comissão, que este argumento visa invocar a falta de fundamentação da decisão impugnada. Tal argumento será, portanto, analisado no âmbito da terceira parte do primeiro fundamento.

59      As recorrentes alegam ainda, em substância, que a Comissão viola os princípios da proporcionalidade, da igualdade de tratamento, da proteção da confiança legítima e da segurança jurídica, na medida em que resulta da sua prática decisória relativa à reincidência que aquela apenas tem em conta o número de infrações anteriores e aplica uma percentagem de aumento da coima de 50 % a todos os casos de primeira reincidência, sem ter em consideração a primeira metade do intervalo do aumento previsto no ponto 28 das Orientações para o cálculo das coimas. A linha de conduta da Comissão não permite uma avaliação casuística da especial gravidade de uma infração.

60      Todavia, deve observar‑se que esta argumentação se baseia numa análise da prática decisória da Comissão. Ora, o Tribunal de Justiça tem declarado repetidamente que a prática decisória anterior da Comissão não serve de enquadramento jurídico às coimas em matéria de concorrência e que as decisões relativas a outros processos têm caráter meramente indicativo no que diz respeito à existência de discriminações (Acórdão de 26 de janeiro de 2017, Zucchetti Rubinetteria/Comissão, C‑618/13 P, EU:C:2017:48, n.° 38).

61      Em todo o caso, primeiro, verificou‑se que, embora não esteja excluída a tomada em consideração de outros indícios, o tempo decorrido entre duas infrações idênticas ou semelhantes permite à Comissão apreciar a reincidência de uma empresa num dado caso e, assim, determinar a percentagem de aumento da coima adequada, em conformidade com o princípio da proporcionalidade.

62      Segundo, relativamente à violação do princípio da igualdade de tratamento, importa recordar que este princípio exige que situações comparáveis não sejam tratadas de maneira diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de maneira igual, a menos que esse tratamento seja objetivamente justificado. (v. Acórdão de 24 de setembro de 2020, Prysmian e Prysmian Cavi e Sistemi/Comissão, C‑601/18 P, EU:C:2020:751, n.° 101 e jurisprudência referida). Dado que as recorrentes invocam a violação do referido princípio, devem precisar e demonstrar qual a situação comparável a outra situação que foi tratada de maneira diferente ou qual é a situação diferente em relação a outra que foi tratada de maneira idêntica [Acórdão de 12 de abril de 2013, Du Pont de Nemours (France) e o./Comissão, T‑31/07, não publicado, EU:T:2013:167, n.° 311; v., igualmente, neste sentido, Acórdão de 28 de maio de 2020, Agrochem‑Maks/Comissão, T‑574/18, EU:T:2020:226, n.° 105 (não publicado)]. Ora, as recorrentes referem‑se a decisões da Comissão sem explicar se as circunstâncias desses processos eram semelhantes às do presente processo ou se eram diferentes.

63      Terceiro, quanto à violação dos princípios da proteção da confiança legítima e da segurança jurídica, basta realçar que essas alegações não estão fundamentadas.

64      Tendo em conta o que precede, deve salientar‑se que a Comissão exerceu o seu poder de apreciação quando declarou a reincidência e decidiu agravar o montante de base da coima em 50 %. Além disso, no âmbito desse exercício, não violou os princípios da proporcionalidade, da igualdade de tratamento, da proteção da confiança legítima e da segurança jurídica.

65      Por conseguinte, há que julgar improcedente a primeira parte do primeiro fundamento.

b)      Quanto à segunda parte do primeiro fundamento, relativa à errada qualificação das recorrentes como reincidentes

66      As recorrentes alegam que a apreciação da Comissão relativa à existência de uma reincidência padece de erros de direito, e apresentam a este respeito, em substância, quatro alegações, que a Comissão contesta.

1)      Quanto à primeira alegação, relativa à inexistência de semelhança entre a infração cometida no âmbito do cartel AMCA e a infração em causa no caso em apreço

67      As recorrentes alegam que a Comissão cometeu um erro de direito quando declarou que a infração cometida no âmbito do cartel AMCA e a infração em causa no caso em apreço constituíam infrações idênticas ou semelhantes, na aceção do ponto 28 das Orientações para o cálculo das coimas.

68      Segundo as recorrentes, a Comissão devia ter procedido a uma comparação detalhada das duas infrações em causa, cuja natureza e características são sensivelmente diferentes. O cartel AMCA consistiu num cartel em matéria de vendas, destinado a aplicar aumentos de preços de venda a jusante, através de anúncios concertados do preço de venda final. O objetivo principal do referido cartel era manter as quotas de mercado dos respetivos participantes através de um sistema de repartição dos volumes e dos clientes, acompanhado por um mecanismo de compensação para garantir o respeito, na prática, das quotas de volume acordadas. A troca de informações sobre os preços de venda era acessória relativamente ao objetivo principal desse cartel.

69      Em contrapartida, o acordo em causa no caso em apreço tem por objeto a compra a montante de uma matéria‑prima. Contrariamente ao cartel AMCA, a compra de etileno estava sujeita a um processo de negociação no mercado livre, durante o qual os vendedores podiam escolher entre um número elevado de compradores. O comportamento imputado não incluiu nenhum elemento de repartição do mercado ou dos clientes, e os participantes no cartel não tiveram qualquer contacto sobre as respetivas atividades de venda a jusante. Além disso, o comportamento ilícito em causa no caso em apreço nasceu de circunstâncias únicas, diferentes das do cartel AMCA. Por exemplo, esse comportamento decorreu de uma cooperação lícita em matéria de compra que existia entre três dos referidos participantes devido a vínculos estruturais e contratuais.

70      Na decisão impugnada, a Comissão declarou que as duas infrações em causa pelas quais a primeira recorrente e as suas filiais foram consideradas responsáveis constituíam violações do artigo 101.° TFUE, pelo que deviam ser consideradas semelhantes, na aceção do ponto 28 das Orientações para o cálculo das coimas.

71      Esta apreciação está isenta de erro. Com efeito, segundo a jurisprudência, as infrações são semelhantes, ou do mesmo tipo, para efeitos da determinação da reincidência, desde que consistam numa violação do artigo 101.° TFUE (v., neste sentido, Acórdãos de 12 de dezembro de 2007, BASF e UCB/Comissão, T‑101/05 e T‑111/05, EU:T:2007:380, n.° 64, e de 30 de setembro de 2009, Hoechst/Comissão, T‑161/05, EU:T:2009:366, n.° 147).

72      É certo que a infração cometida no âmbito do cartel AMCA consistia num cartel em matéria de vendas destinado a aplicar aumentos dos preços de venda a jusante, ao passo que a infração em causa no caso em apreço consistia num cartel em matéria de compras destinado a obter um nível baixo do preço de compra de uma matéria‑prima, a saber, o etileno. Todavia, basta observar que, em ambos os casos, a primeira recorrente e as suas filiais participaram num cartel proibido pelo artigo 101.° TFUE.

73      Além disso, conforme a Comissão alega, as duas infrações em causa apresentavam efetivamente características comuns. Com efeito, o dispositivo da decisão relativa ao cartel AMCA enuncia que a primeira recorrente é considerada responsável por uma violação do artigo 101.° TFUE, nomeadamente, ao ter aumentado os preços de forma concertada e ao ter trocado informações sobre os volumes de vendas e os preços. O dispositivo da decisão impugnada menciona que as recorrentes infringiram o artigo 101.° TFUE pela sua participação numa infração que consistia, nomeadamente, na fixação de uma componente do preço e na troca de informações comercialmente sensíveis e relativas à fixação de preços. Resulta igualmente desta última decisão que o objetivo do comportamento ilícito era influenciar as negociações para as transações sobre o PCM a fim de obter o preço de compra mais baixo possível do etileno. Daí resulta que as práticas de fixação de preços ou de uma componente do preço de forma concertada e de troca de informações sobre os preços se encontram nos dois acordos em que a primeira recorrente e as suas filiais participaram.

74      Por outro lado, à luz da jurisprudência acima referida no n.° 71, o facto de o comportamento imputado no caso em apreço ter nascido de circunstâncias únicas e, nomeadamente, de uma cooperação lícita entre certos participantes é irrelevante para a apreciação da reiteração de infrações semelhantes.

75      Por conseguinte, a Comissão não cometeu qualquer erro quando declarou a reiteração de uma infração semelhante, na aceção do ponto 28 das Orientações para o cálculo das coimas.

2)      Quanto à segunda alegação, relativa ao lapso de tempo que separa as duas infrações

76      As recorrentes consideram que o ponto de partida a considerar para determinar o tempo decorrido entre a infração em causa no caso em apreço e a infração anterior é o momento em que a Clariant GmbH pôs termo, ativamente e por sua própria iniciativa, à infração cometida no âmbito do cartel AMCA e pediu clemência. Segundo esta lógica, decorreram mais de doze anos entre as duas infrações, pelo que as recorrentes não mostraram uma especial tendência para infringir as regras da concorrência.

77      Resulta, nomeadamente, do Acórdão de 17 de junho de 2010, Lafarge/Comissão (C‑413/08 P, EU:C:2010:346), que a Comissão deve ter em conta o momento da infração efetiva como ponto de partida para determinar o tempo decorrido entre as duas infrações, em vez do momento em que a primeira infração foi declarada. Por razões de equidade e proporcionalidade, a duração do procedimento administrativo relativo à infração anterior não deve ser tida em conta.

78      Na decisão impugnada, a Comissão declarou que o comportamento ilícito das recorrentes tinha começado em 26 de dezembro de 2011, isto é, após a adoção da Decisão AMCA em 19 de janeiro de 2005, e que, assim, decorreu um período de tempo limitado entre essas duas datas.

79      Esta apreciação está isenta de erro. Com efeito, segundo a jurisprudência referida no n.° 49, supra, a Comissão pode tomar em consideração, por exemplo, o tempo decorrido entre as infrações como indício da reincidência.

80      Em especial, foi declarado que um lapso de tempo de menos de dez anos entre as infrações demonstra a propensão de uma empresa para não retirar as devidas consequências da declaração de que cometeu uma infração às regras da concorrência (v., neste sentido, Acórdãos de 8 de fevereiro de 2007, Groupe Danone/Comissão, C‑3/06 P, EU:C:2007:88, n.° 40, e de 29 de setembro de 2021, Nec/Comissão, T‑341/18, EU:T:2021:634, n.o 105).

81      Dado que o comportamento das recorrentes, no que respeita ao cartel em causa no caso em apreço, teve início quase sete anos após a adoção da decisão AMCA, foi com razão que a Comissão concluiu que esse lapso de tempo, bastante curto, demonstrava uma propensão das recorrentes para não retirar as devidas consequências da declaração da infração às regras de concorrência que figuram na referida decisão.

82      As recorrentes alegam que o ponto de partida a considerar para determinar o tempo decorrido entre as duas infrações em causa devia ser o momento em que a Clariant GmbH pôs termo, ativamente e por sua própria iniciativa, à infração cometida no âmbito do cartel AMCA e pediu clemência, e não o momento em que a infração foi declarada na decisão relativa ao referido cartel.

83      Todavia, importa recordar que a tomada em consideração da reincidência se justifica pela necessidade de uma dissuasão adicional, testemunhada pelo facto de a verificação de infração anteriores não ter bastado para impedir a reiteração de uma infração. Assim, a reincidência constitui‑se necessariamente depois da declaração e da sanção da primeira infração, uma vez que se explica pelo facto de essa sanção não ter sido suficientemente dissuasiva (v., neste sentido, Acórdãos de 8 de julho de 2008, BPB/Comissão, T‑53/03, EU:T:2008:254, n.° 392, e de 7 de junho de 2011, Arkema France e o./Comissão, T‑217/06, EU:T:2011:251, n.° 299).

84      Além disso, resulta da redação do ponto 28 das Orientações para o cálculo das coimas que a reincidência é constituída pelo facto de uma empresa prosseguir ou reincidir numa infração idêntica ou semelhante depois de a Comissão ou uma autoridade nacional de concorrência ter «verificado» que a empresa em causa infringiu as disposições do artigo 101.° ou 102.° TFUE. Embora seja verdade que as orientações não constituem o fundamento jurídico de uma decisão que aplica coimas, baseando‑se esta no Regulamento n.° 1/2003, determinam, de maneira geral e abstrata, a metodologia que a Comissão impôs a si própria para efeitos da fixação do montante das coimas aplicadas por esta decisão e asseguram, por conseguinte, a segurança jurídica das empresas (v. Acórdão de 5 de outubro de 2011, Romana Tabacchi/Comissão, T‑11/06, EU:T:2011:560, n.° 71 e jurisprudência referida).

85      A Comissão não cometeu, portanto, nenhum erro ao ter em conta a data da decisão AMCA, na qual declarou que a primeira recorrente e a Clariant GmbH tinham cometido uma infração às regras da concorrência, como ponto de partida para apreciar o tempo decorrido desde a verificação da primeira infração.

86      Importa ainda salientar que, para sustentar a sua alegação, as recorrentes se baseiam numa leitura errada do n.° 70 do Acórdão de 17 de junho de 2010, Lafarge/Comissão (C‑413/08 P, EU:C:2010:346). O Tribunal de Justiça declarou, nesse número, que o juiz da União podia ser chamado «a verificar se a Comissão [tinha] respeit[ado] [o] princípio [da proporcionalidade] quando majorou a coima aplicada a título da reincidência e se, em particular, essa majoração se impunha, nomeadamente, face ao tempo decorrido entre a infração em causa e a precedente infração às regras de concorrência». Ora, as recorrentes não têm razão quando deduzem dos termos «precedente infração às regras de concorrência» o ensinamento segundo o qual o ponto de partida a considerar para determinar o tempo decorrido entre duas infrações é o momento da execução do comportamento ilícito anterior. Com efeito, no n.° 86 do referido acórdão, o Tribunal de Justiça declarou que «[a] conclusão do Tribunal [Geral] segundo a qual, para que a Comissão [pudesse] ter em conta a reincidência, basta[va] que a empresa [tivesse] sido previamente considerada autora de uma infração do mesmo tipo, mesmo que a decisão em causa ainda [estivesse] sujeita a fiscalização jurisdicional, [tinha], portanto, fundamento jurídico». Resulta deste último número que é a constatação da responsabilidade de uma empresa por uma infração anterior que é determinante para a análise da reincidência.

87      Por outro lado, não se pode considerar que o momento em que a Clariant GmbH pôs termo à infração cometida no âmbito do cartel AMCA e pediu clemência equivale a uma declaração de infração anterior, na medida em que a Comissão ainda não se tinha pronunciado, nessa fase, sobre o caráter anticoncorrencial do comportamento em causa nem sobre a responsabilidade da primeira recorrente e da Clariant GmbH. Com efeito, um pedido de imunidade mais não faz do que permitir a declaração de uma infração ao artigo 101.° TFUE, pela Comissão, na sua decisão final (v. n.os 8 e 11 da Comunicação sobre a clemência) [v., neste sentido, Acórdão de 20 de janeiro de 2016, DHL Express (Italy) e DHL Global Forwarding (Italy), C‑428/14, EU:C:2016:27, n.° 54].

88      Por último, a circunstância de o procedimento administrativo relativo à infração anterior ter durado vários anos é irrelevante no que respeita à constatação da reincidência no caso em apreço, na medida em que o ponto de partida que importa considerar para esta constatação é o da decisão relativa ao cartel AMCA.

89      A Comissão teve, portanto, razão em concluir que tinha decorrido um período de tempo limitado entre a adoção da decisão relativa ao cartel AMCA e o início do comportamento imputado no caso em apreço.

3)      Quanto à terceira alegação, relativa à não aplicação de uma sanção pecuniária anterior

90      As recorrentes alegam que a razão de ser de um aumento da coima por reincidência está intrinsecamente ligada ao fracasso do efeito dissuasivo de uma sanção pecuniária anterior. Daqui resulta que a inexistência de uma coima anterior deve ser tida em conta na análise das circunstâncias particulares de um processo e do nível de dissuasão necessário. As recorrentes não são empresas às quais foi aplicada uma sanção pecuniária. O montante de base da coima aplicada é, em si mesmo, suficientemente dissuasivo, não se justificando um aumento do mesmo.

91      A este respeito, basta observar que, segundo a jurisprudência, o conceito de reincidência não implica necessariamente a aplicação de uma sanção pecuniária prévia, mas apenas a declaração de uma infração anterior ao direito da concorrência da União (Acórdãos de 25 de outubro de 2005, Groupe Danone/Comissão, T‑38/02, EU:T:2005:367, n.° 363, e de 8 de julho de 2008, BPB/Comissão, T‑53/03, EU:T:2008:254, n.° 387).

92      Com efeito, a tomada em consideração da reincidência destina‑se a incitar as empresas que manifestaram uma propensão para se afastarem das regras de concorrência a modificar o seu comportamento, uma vez que se verifica que uma anterior declaração da infração por parte desta não foi suficiente para prevenir a reiteração do comportamento infrator. Assim, o elemento determinante da reincidência não é a aplicação prévia de uma coima e, a fortiori, o montante desta, mas a declaração anterior de uma infração (Acórdão de 8 de julho de 2008, BPB/Comissão, T‑53/03, EU:T:2008:254, n.° 388).

93      Por conseguinte, o facto de não ter sido aplicada às recorrentes uma coima na decisão relativa ao cartel AMCA não é suscetível de pôr em causa a aplicação do ponto 28 das Orientações para o cálculo das coimas a seu respeito.

4)      Quanto à quarta alegação, relativa à não tomada em consideração de outras circunstâncias

94      As recorrentes alegam que a Comissão e os órgãos jurisdicionais da União já tiveram em conta outras circunstâncias no âmbito da avaliação global da propensão de uma empresa para infringir as regras da concorrência. Em sua opinião, se essas circunstâncias tivessem sido tidas em conta pela Comissão, esta não as teria qualificado como reincidentes.

95      Todavia, conforme resulta da análise da primeira parte do primeiro fundamento, a constatação e a apreciação das características específicas de uma reincidência fazem parte do poder de apreciação da Comissão. Esta última tinha o direito de declarar que as recorrentes tinham cometido duas infrações, constitutivas de uma violação do artigo 101.° TFUE e separadas por um lapso de tempo relativamente curto, e considerar que as circunstâncias assinaladas pelas recorrentes não eram pertinentes.

96      Uma vez que as alegações das recorrentes devem ser julgadas improcedentes, a segunda parte do primeiro fundamento não pode ser acolhida.

c)      Quanto à terceira parte do primeiro fundamento, relativa a falta de fundamentação

97      As recorrentes alegam que a Comissão aplicou um aumento padrão de 50 % do montante de base da coima sem fundamentar a escolha dessa percentagem e ignorando os argumentos que detalhadamente apresentaram durante o procedimento administrativo.

98      As recorrentes referem‑se aos Acórdãos de 13 de dezembro de 2016, Printeos e o./Comissão (T‑95/15, EU:T:2016:722, n.° 55), e de 24 de setembro de 2019, HSBC Holdings e o./Comissão (T‑105/17, EU:T:2019:675, n.° 351), nos quais o Tribunal Geral ordenou à Comissão que fundamentasse o montante preciso dos ajustamentos que havia efetuado.

99      A Comissão refuta os argumentos das recorrentes.

100    Segundo jurisprudência constante, a fundamentação exigida pelo artigo 296.° TFUE deve ser adaptada à natureza do ato em causa e revelar clara e inequivocamente o raciocínio da instituição, autora do ato, de modo a permitir aos interessados conhecer as justificações da medida tomada e ao juiz da União exercer a sua fiscalização. Não se exige que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um ato satisfaz as exigências do artigo 296.° TFUE deve ser apreciada tendo em conta não apenas o seu teor, mas também o seu contexto e o conjunto das regras jurídicas que regulam a matéria em causa (Acórdãos de 2 de abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink’s France, C‑367/95 P, EU:C:1998:154, n.° 63; e 10 de julho de 2019, Commissão/Icap e o., C‑39/18 P, EU:C:2019:584, n.° 23, e de 16 de junho de 2022, Sony Optiarc e Sony Optiarc America/Comissão, C‑698/19 P, EU:C:2022:480, n.° 79).

101    No caso em apreço, não se pode deixar de observar que a Comissão expôs detalhadamente, no considerando 138 da decisão impugnada, as razões que a levaram a considerar a reincidência no que respeita às recorrentes (v. n.° 52, supra).

102    De resto, estas considerações permitiram que as recorrentes conhecessem o raciocínio da Comissão e o contestassem no Tribunal Geral, bem como permitiu que este último verificasse o seu mérito.

103    Além disso, ao contrário do que as recorrentes alegam, a Comissão não tinha de explicar, por dever de fundamentação, na decisão recorrida, a razão pela qual, entre as diferentes percentagens de aumento da coima possíveis, optou por uma percentagem de 50 % por reincidência (v., neste sentido, Acórdão de 23 de janeiro de 2014, Evonik Degussa e AlzChem/Comissão, T‑391/09, não publicado, EU:T:2014:22, n.° 164 e jurisprudência referida).

104    Por outro lado, como a Comissão acertadamente salienta, os Acórdãos de 13 de dezembro de 2016, Printeos e o./Comissão (T‑95/15, EU:T:2016:722), e de 24 de setembro de 2019, HSBC Holdings e o./Comissão (T‑105/17, EU:T:2019:675), não são pertinentes. Com efeito, no primeiro desses acórdãos, o Tribunal Geral constatou haver falta de fundamentação em torno da aplicação da percentagem de redução do montante de base das coimas, que diferiam consoante as empresas em causa, tendo salientado que a Comissão se tinha afastado da sua metodologia geral exposta nas Orientações para o cálculo das coimas e que o dever de fundamentação se impunha, portanto, com maior vigor. No segundo desses acórdãos, constatou haver falta de fundamentação no que respeita à determinação de um fator de redução, sublinhando que, embora sem se afastar da metodologia geral, a Comissão tinha escolhido um valor de substituição específico para determinar o valor das vendas, na medida em que as empresas não geravam vendas na aceção usual do termo.

105    Ora, no caso em apreço, a Comissão aplicou o ponto 28 das Orientações para o cálculo das coimas sem se afastar dos critérios aí previstos, tendo aplicado uma percentagem de aumento da coima situada dentro do intervalo expressamente mencionado no referido ponto. Por conseguinte, não se pode extrair qualquer analogia pertinente com os acórdãos referidos no n.° 104, supra.

106    Importa, pois, julgar improcedente a terceira parte do primeiro fundamento e, por conseguinte, este fundamento na sua totalidade.

2.      Quanto ao segundo fundamento, relativo ao facto de a Comissão ter erradamente aplicado um aumento do montante de base da coima ao abrigo do ponto 37 das Orientações para o cálculo das coimas

107    A título preliminar, importa salientar que, segundo os n.os 9 a 12 e 19 das Orientações para o cálculo das coimas, «[s]em prejuízo do ponto 37 [das referidas Orientações], a Comissão utilizará a metodologia seguinte, comportando duas etapas, para a fixação da coima a aplicar às empresas». Em «primeiro lugar, a Comissão determinará um montante de base para cada empresa» e, em «segundo lugar, poderá ajustar este montante de base, para cima ou para baixo», precisando‑se que o montante de base da coima deve estar «ligado a uma proporção do valor das vendas, determinado em função do grau de gravidade da infração».

108    O ponto 13 das Orientações para o cálculo das coimas prevê que, «[p]ara determinar o montante de base da coima a aplicar, a Comissão utilizará o valor das vendas de bens ou serviços, realizadas pela empresa, relacionadas direta ou indiretamente com a infração, na área geográfica em causa no território do Espaço Económico Europeu (EEE)]».

109    O n.° 13 das Orientações para o cálculo das coimas tem por objetivo fixar, em princípio, como ponto de partida para o cálculo do montante da coima aplicada a uma empresa, um montante que reflita a importância económica da infração e o peso relativo desta empresa na mesma (v., neste sentido, Acórdãos de 22 de outubro de 2015, AC‑Treuhand/Comissão, C‑194/14 P, EU:C:2015:717, n.° 64, e de 26 de janeiro de 2017, Zucchetti Rubinetteria/Comissão, C‑618/13 P, EU:C:2017:48, n.° 57).

110    Segundo o ponto 37 das Orientações para o cálculo das coimas, «[e]mbora as [referidas] orientações exponham a metodologia geral para a fixação de coimas, as especificidades de um dado processo ou a necessidade de atingir um nível dissuasivo num caso particular podem justificar que a Comissão se afaste dessa metodologia».

111    O segundo fundamento articula‑se em três partes relativas, a primeira, à violação do artigo 23.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1/2003 e dos princípios da proporcionalidade e da boa administração, pelo facto de a Comissão não ter exercido o seu poder de apreciação na aplicação do ponto 37 das Orientações para o cálculo das coimas; a segunda, à violação do artigo 23.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1/2003 e dos princípios da proporcionalidade, da proteção da confiança legítima e da segurança jurídica através da aplicação errada de um aumento da coima nos termos do referido número e, a terceira, à violação do dever de fundamentação.

a)      Quanto à primeira parte do segundo fundamento, relativa ao não exercício, pela Comissão, do seu poder de apreciação

112    As recorrentes acusam, em substância, a Comissão de ter aplicado o ponto 37 das Orientações para o cálculo das coimas de forma mecânica, sem exercer o seu poder discricionário.

113    As recorrentes sustentam que, na decisão impugnada, a Comissão se baseou numa hipótese geral e não provada segundo a qual é pouco provável que o valor das compras reflita o impacto económico dos cartéis de compras. Afirmam que, no decurso do procedimento administrativo, apresentaram, no entanto, vários elementos de prova que demonstram que, devido às circunstâncias específicas do processo e do mercado em causa, nunca tinha havido uma perspetiva plausível de que o comportamento imputado tivesse o menor impacto significativo nesse mercado. Todavia, a Comissão não teve em conta estes elementos.

114    Além disso, as recorrentes acusam a Comissão de se ter limitado a fazer referência à sua prática anterior, ao passo que o ponto 37 das Orientações para o cálculo das coimas só foi aplicado num único caso relativo a uma infração num mercado de compra, cujos factos diferem sensivelmente dos do presente processo. Por conseguinte, a Comissão não agiu com o cuidado e a imparcialidade conformes ao princípio da boa administração e não exerceu o seu poder discricionário.

115    As recorrentes alegam que a falta de apreciação pela Comissão se estende igualmente à escolha da percentagem de aumento da coima, na medida em que não explicou essa escolha e se limitou a mencionar, na decisão impugnada, que um aumento de 10 % era conforme com a sua prática anterior, sem ter em conta as particularidades do caso em apreço.

116    A Comissão contesta a argumentação das recorrentes.

117    Importa recordar que a Comissão beneficia de um amplo poder de apreciação no que respeita à metodologia de cálculo das coimas em caso de violação das regras da União em matéria de concorrência. Esta metodologia contém diferentes elementos de flexibilidade que permitem à Comissão exercer o seu poder de apreciação em conformidade com o disposto no artigo 23.°, n.os 2 e 3, do Regulamento n.° 1/2003. [v. Acórdão de 1 de agosto de 2022, Daimler (Acordos, decisões e práticas concertadas — Camiões de lixo doméstico), C‑588/20, EU:C:2022:607, n.° 58 e jurisprudência referida].

118    Embora o artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003 deixe uma margem de apreciação à Comissão, limita, no entanto, o seu exercício, instituindo critérios objetivos que esta deve respeitar. Assim, nomeadamente, o exercício desse poder de apreciação é limitado por normas de conduta que a Comissão impôs a si própria [v., neste sentido, Acórdão de 1 de agosto de 2022, Daimler (Acordos, decisões e práticas concertadas — Camiões de lixo doméstico), C‑588/20, EU:C:2022:607, n.° 59 e jurisprudência referida].

119    Neste contexto, resulta dos n.os 107 a 110, supra, que, no âmbito da metodologia geral fixada pelas Orientações para o cálculo das coimas, a Comissão utiliza o valor das vendas como ponto de partida para o cálculo do montante da coima aplicada a uma empresa, a fim de fixar, em princípio, um montante que reflita a importância económica da infração e o peso relativo dessa empresa na mesma. No entanto, o n.° 37 das referidas Orientações permite‑lhe afastar‑se da metodologia geral quando as especificidades de um dado processo ou a necessidade de atingir um nível dissuasivo num caso particular o justifiquem.

120    No caso em apreço, nos considerandos 116 a 118 da decisão impugnada, a Comissão declarou que, tendo em conta o facto de a infração relativa ao etileno constituir um cartel em matéria de compras e de os participantes não estarem todos presentes no(s) mesmo(s) mercado(s) a jusante, importava, em seu entender, calcular o montante de base da coima a partir do valor das compras e, não, a partir do valor das vendas dos produtos nos mercados a jusante.

121    Nos considerandos 141 a 148 da decisão recorrida, a Comissão entendeu que se justificava um aumento do montante de base da coima ao abrigo do ponto 37 das Orientações para o cálculo das coimas. Referiu o seguinte:

–        segundo o ponto 5 das Orientações para o cálculo das coimas, a fim de atingir os objetivos de efeito dissuasivo específico e de efeito dissuasivo geral, é adequado ter em consideração, para a determinação das coimas, o valor das vendas de bens ou serviços ligados à infração (considerando 141 da decisão impugnada);

–        o mecanismo previsto na metodologia geral para a fixação do montante das coimas faz com que, quanto mais bem‑sucedido for um cartel em matéria de vendas, mais elevado será o valor das vendas e, por conseguinte, o montante da coima. Segundo o ponto 6 das referidas Orientações, a combinação do valor das vendas objeto da infração com a sua duração é considerada um valor de substituição adequado para refletir a importância económica da infração, bem como o peso relativo de cada empresa que nela participa (considerando 142 da decisão impugnada);

–        ora, a infração em causa no caso em apreço não diz respeito a um acordo sobre os preços de venda, mas sobre os preços de compra. O objetivo inerente a tal acordo não é obter um aumento do preço (de compra), mas, pelo contrário, obter uma redução deste ou impedir o seu aumento; a fixação do montante de base da coima, ao tomar em consideração o valor das compras, conduz a uma situação em que o montante da coima é inversamente proporcional ao objetivo do cartel: quanto mais bem‑sucedido for esse cartel, menos elevado será o montante do valor das compras e, por conseguinte, o montante da coima (considerando 143 da decisão impugnada). É, portanto, inerente ao facto de o cartel em causa ser um cartel em matéria de compras que o valor das compras não é, por si só, suscetível de constituir um valor de substituição adequado para refletir a importância económica da infração; esta circunstância deve‑se igualmente ao facto de, normalmente, no caso de uma empresa em atividade, as aquisições serem menos elevadas do que as vendas em termos de valor, o que implica um ponto de partida sistematicamente inferior para a determinação do montante de base da coima (considerando 144 da decisão impugnada);

–        por conseguinte, a aplicação da metodologia geral prevista nessas Orientações sem o mínimo ajustamento não permite assegurar um efeito dissuasivo suficiente, que não só é necessário para punir as empresas abrangidas pela decisão impugnada (dissuasão específica) mas também para impedir que outras empresas adotem o mesmo tipo de comportamento (dissuasão geral) (considerando 145 da decisão impugnada);

–        para ter em conta esta especificidade e assegurar um efeito dissuasivo suficiente, é adequado aplicar, em conformidade com a prática anterior, um aumento da coima de 10 % a todas as empresas abrangidas (considerando 146 da decisão impugnada);

–        de acordo com a jurisprudência, o aumento da coima ao abrigo do ponto 37 das mesmas Orientações não está subordinado à demonstração prévia de eventuais efeitos reais do comportamento imputado no mercado (considerando 147 de decisão impugnada);

–        a posição específica de cada parte foi tida em conta tanto na determinação do montante de base, uma vez que o valor das compras é diferente para cada uma das partes, como no cálculo da duração da sua participação (considerando 148 da decisão impugnada).

122    Por conseguinte, a Comissão exerceu devidamente o seu poder de apreciação. Com efeito, resulta das considerações expostas nos n.os 120 e 121, supra, que a Comissão considerou necessário, ao abrigo desse poder, aplicar o ponto 37 das Orientações no cálculo das coimas no caso em apreço e aumentar o montante de base da coima em 10 %.

123    A este respeito, a Comissão teve em conta as especificidades do processo, a saber, o facto de o cartel em causa ser um cartel em matéria de compras e de o valor das compras, considerado em vez do valor das vendas, não ser, por si só, suscetível de constituir um valor de substituição adequado para refletir a importância económica da infração. Teve igualmente em conta a necessidade de atingir um montante de coima dissuasivo quando declarou que, se a metodologia geral fosse aplicada sem o mínimo ajustamento, o efeito dissuasivo não seria assegurado.

124    As recorrentes alegam que a Comissão não fez uso do seu poder discricionário, na medida em que não teve em conta a ausência de efeitos do comportamento imputado no mercado.

125    Todavia, basta observar que a Comissão recordou, com razão, que o aumento da coima ao abrigo do ponto 37 das Orientações para o cálculo das coimas não estava sujeito à demonstração prévia de eventuais efeitos reais do comportamento imputado no mercado (Acórdão de 7 de novembro de 2019, Campine e Campine Recycling/Comissão, T‑240/17, não publicado, EU:T:2019:778, n.° 345).

126    Com efeito, o n.° 37 das Orientações para o cálculo das coimas tem por objetivo permitir que a Comissão se afasta da metodologia geral, que pode não ser adaptada às circunstâncias particulares de um determinado caso (v., neste sentido, Acórdãos de 22 de outubro de 2015, AC‑Treuhand/Comissão, C‑194/14 P, EU:C:2015:717, n.os 65 a 67, e de 10 de julho de 2019, Comissão/Icap e o., C‑39/18 P, EU:C:2019:584, n.° 27). Para a sua aplicação, o referido ponto prevê que as especificidades de um dado processo ou a necessidade de atingir um efeito dissuasivo suficiente justificam um afastamento da metodologia geral. Ora, estes critérios não assentam necessariamente numa análise dos efeitos da infração no mercado.

127    As recorrentes não podem, portanto, validamente acusar a Comissão de não ter feito uso do seu poder discricionário ao não proceder à análise dos efeitos do comportamento ilícito dos participantes no cartel sobre o preço do etileno.

128    Por outro lado, o facto de a Comissão ter adotado a mesma abordagem seguida na Decisão C (2017) 900 final da Comissão, de 8 de fevereiro de 2017, relativa a um processo nos termos do artigo 101.° TFUE (processo AT.40018) — Reciclagem de baterias para automóveis) (a seguir «Decisão relativa à reciclagem de baterias para automóveis»), examinada pelo Tribunal Geral nos Acórdãos de 23 de maio de 2019, Recylex e o./Comissão (T‑222/17, EU:T:2019:356), e de 7 de novembro de 2019, Campine e Campine Recycling/Comissão (T‑240/17, não publicado, EU:T:2019:778), não constitui um não exercício do seu poder discricionário nem uma violação do princípio da boa administração. Com efeito, a Comissão não se limitou a fazer referência a essa decisão ou a esses acórdãos, mas expôs quais eram as particularidades do caso concreto e em que medida essas particularidades não permitiam atingir um efeito dissuasivo suficiente.

129    O mesmo sucede quanto à escolha da percentagem de aumento aplicada. Com efeito, a Comissão não se limitou a constatar que o aumento de 10 % estava em conformidade com a sua prática anterior, mas expôs as especificidades do processo e a necessidade de atingir um efeito dissuasivo suficiente, o que a levou a ajustar o montante de base da coima aumentando‑o em 10 % em aplicação do ponto 37 das Orientações para o cálculo das coimas. Fez, assim, uso do seu poder discricionário.

130    Na medida em que as recorrentes consideram que a Comissão não explicitou suficientemente a escolha da percentagem de aumento da coima, importa declarar que este argumento visa invocar a falta de fundamentação da decisão impugnada e deve ser julgado improcedente pelas razões expostas no âmbito da terceira parte do segundo fundamento.

131    Com base no exposto, há que julgar improcedente a primeira parte do segundo fundamento.

b)      Quanto à segunda parte do segundo fundamento, relativa à errada aplicação do aumento da coima ao abrigo do ponto 37 das Orientações para o cálculo das coimas

132    Importa recordar que, nos domínios em que a Comissão manteve uma margem de apreciação, a fiscalização da legalidade dessas apreciações limita‑se à verificação da inexistência de erros manifestos de apreciação (Acórdãos de 18 de julho de 2005, Scandinavian Airlines System/Comissão, T‑241/01, EU:T:2005:296, n.os 64 e 79, e de 19 de maio de 2010, IMI e o./Comissão, T‑18/05, EU:T:2010:202, n.° 120).

133    As recorrentes sustentam que a apreciação relativa ao ajustamento do montante de base da coima ao abrigo do ponto 37 das Orientações para o cálculo das coimas, exposta nos considerandos 141 a 148 da decisão impugnada, enferma de erros e apresentam, a este respeito, cinco alegações, que a Comissão contesta.

1)      Quanto à primeira alegação, relativa ao facto de o valor das compras não comportar uma subavaliação da importância económica da infração no presente processo

134    As recorrentes alegam que nunca houve uma perspetiva plausível de que o comportamento ilícito em causa pudesse ter o menor impacto significativo no valor de compra do etileno, o que é demonstrado por uma análise económica fornecida à Comissão no decurso do procedimento administrativo.

135    Resulta, nomeadamente, da análise económica em causa, antes de mais, que, dado o maior número de compradores do que de fornecedores no mercado do etileno, um pequeno grupo de compradores não está em condições de controlar o resultado das transações sobre o PCM. Em seguida, o preço do etileno não seguiu simplesmente o da nafta, que constitui o principal fator de custo do etileno, mas foi aumentando constantemente ao longo dos anos, inclusivamente durante o período da infração. Por último, as transações sobre o PCM seguiram geralmente as previsões publicadas por um dos organismos de notificação privado e independente. O facto de as transações finais sobre o PCM se situarem quase sempre no intervalo previsto por este organismo demonstra que essas transações foram realizadas em montantes objetivamente adequados e conformes com os dados do mercado.

136    Tendo em conta estes elementos, as recorrentes põem em causa o fundamento do raciocínio da Comissão, na medida em que esta concluiu que o valor das compras continha uma subavaliação da importância económica da infração em causa no caso em apreço.

137    Todavia, a presente alegação resulta de uma leitura errada da decisão impugnada.

138    Com efeito, como resulta do n.° 120, supra, a Comissão considerou que a infração em causa no caso em apreço constituía um cartel em matéria de compras e que havia que calcular o montante de base da coima a partir do valor das compras, o que as recorrentes não contestam.

139    Como resulta, em substância, do n.° 121, supra, a Comissão declarou, em seguida, que era pouco provável que o valor das compras constituísse, em si mesmo, um valor de substituição adequado que refletisse a importância económica da infração. A este respeito, explicou, por um lado, que o objetivo de um cartel em matéria de compras era obter uma redução do preço de compra ou impedir o aumento deste, de modo que a tomada em consideração do valor das compras teria resultado numa situação em que o montante da coima seria inversamente proporcional ao objetivo do cartel. Por outro lado, concluiu que, no caso de uma empresa em atividade, as compras eram, em princípio, menos elevadas do que as vendas em termos de valor, o que implicava um ponto de partida sistematicamente inferior para a determinação do montante de base da coima.

140    Por conseguinte, o raciocínio da Comissão não se baseia no facto de o cartel em causa ter sido frutífero e ter permitido reduzir o preço de compra do etileno, pelo que a tomada em consideração do valor das compras não constituiu um parâmetro adequado para o cálculo do montante da coima. Baseia‑se sim no facto de, independentemente dos efeitos da infração no mercado, ser inerente aos cartéis em matéria de compras que a tomada em consideração do valor das compras não pode constituir, em si mesma, um valor que permite refletir a importância económica da infração. A conclusão segundo a qual o valor das compras continha uma subavaliação da importância económica da infração em causa no caso em apreço não assenta, portanto, nos efeitos do comportamento ilícito no mercado, mas no caráter imperfeito do valor das compras, tido em conta para efeitos do cálculo do montante da coima.

141    Esta apreciação está em conformidade com a jurisprudência segundo a qual a Comissão, na aplicação do ponto 37 das Orientações para o cálculo das coimas, não é obrigada a ter em conta os eventuais efeitos reais do comportamento imputado no mercado (v. n.°125, supra). A análise económica fornecida pelas recorrentes, destinada a constatar que o cartel em causa não foi eficaz e que os participantes no cartel não conseguiram influenciar as transações sobre o PCM, não pode, portanto, pôr em causa a conclusão da Comissão de que o valor das compras implica uma subavaliação da importância económica da infração. Os argumentos das recorrentes devem, assim, ser considerados inoperantes.

2)      Quanto à segunda alegação, relativa ao facto de o aumento do montante da coima não ser necessário para assegurar um efeito dissuasivo

142    As recorrentes alegam que, uma vez que as práticas em causa não poderiam ter gerado lucros, a coima que lhes foi aplicada, sem o aumento de 10 % efetuado nos termos do ponto 37 das Orientações para o cálculo das coimas, já atinge um montante superior ao dos ganhos hipotéticos que poderiam razoavelmente esperar com a infração. Além disso, uma vez que a Comissão já tinha aumentado em 15 % a coima ao abrigo do ponto 25 destas Orientações, não pode aplicar, de forma mecânica, um aumento adicional de 10 % nos termos do ponto 37 das mesmas orientações.

143    Como resulta do n.° 121, supra, a Comissão concluiu que, se fosse aplicada a metodologia geral prevista nas Orientações para o cálculo das coimas com base no valor das vendas, sem se proceder ao mínimo ajustamento, isso não permitiria assegurar um efeito dissuasivo suficiente da coima. Este efeito dissuasivo era, no entanto, necessário para punir as empresas abrangidas pela decisão impugnada (dissuasão específica) e também para impedir que outras empresas adotassem o mesmo tipo de comportamento (dissuasão geral), em conformidade com o ponto 4 das referidas Orientações. Esta conclusão decorre, em substância, do caráter imperfeito do valor das compras para refletir a importância económica da infração.

144    Contrariamente ao que sugerem as recorrentes, o raciocínio da Comissão não assenta, portanto, na hipótese de que o cartel em causa foi frutífero e gerou lucros para as recorrentes, mas na constatação de que o valor das compras, em si mesmo, não permitiria assegurar um efeito dissuasivo suficiente.

145    Daqui resulta que os eventuais benefícios que as recorrentes podiam retirar do cartel não são pertinentes. A este respeito, importa igualmente recordar que a Comissão pode ter em conta a ineficácia do cartel e, portanto, a inexistência de lucros obtidos pelos seus participantes noutra fase do cálculo do montante da coima, nomeadamente no momento da fixação dos coeficientes de gravidade. Com efeito, segundo a jurisprudência, entre os elementos que podem ser incluídos na apreciação da gravidade das infrações figuram o comportamento de cada uma das empresas, o papel desempenhado por cada uma delas na criação do cartel, o lucro dele retirado, a sua dimensão, o valor das mercadorias em causa e o risco que as infrações desse tipo representam para os objetivos da União (v. Acórdão de 26 de janeiro de 2017, Roca Sanitario/Comissão, C‑636/13 P, EU:C:2017:56, n.° 49 e jurisprudência referida).

146    No que respeita ao argumento segundo o qual a Comissão já aplicou uma percentagem para efeitos de dissuasão ao abrigo do ponto 25 das Orientações para o cálculo das coimas, pelo que não existe justificação para a aplicação de um aumento suplementar ao abrigo do ponto 37 dessas orientações, importa recordar que estes dois pontos têm finalidades diferentes e podem ser aplicados concomitantemente.

147    Com efeito, o ponto 25 das Orientações para o cálculo das coimas prevê a possibilidade de a Comissão aplicar um montante adicional para dissuadir as empresas de participarem em acordos horizontais de fixação de preços, de repartição de mercado e de limitação de produção, ou mesmo em outras infrações, independentemente da duração da sua participação na infração. Este mecanismo visa dissuadir as empresas de violar o direito da concorrência, ainda que apenas por um breve período. Quanto ao ponto 37 das referidas Orientações, este tem por objetivo dar à Comissão uma certa flexibilidade para garantir que o montante global da coima é suficientemente elevado para ser dissuasivo à luz das particularidades do caso em apreço (Acórdão de 7 de novembro de 2019, Campine e Campine Recycling/Comissão, T‑240/17, não publicado, EU:T:2019:778, n.° 346).

3)      Quanto à terceira acusação, relativa ao facto de um aumento de coima aplicado a todos os cartéis em matéria de compras provocar uma dissuasão excessiva sistemática

148    As recorrentes alegam que, no âmbito de cartéis em matéria de vendas, a metodologia aplicada pela Comissão conduz a uma situação em que a coima aplicada a cartéis ineficazes é automaticamente inferior à aplicada a cartéis eficazes. Segundo as recorrentes, este mecanismo garante que os cartéis ineficazes não são punidos com coimas desproporcionadas. Sustentam que o mesmo mecanismo deve ser aplicado aos cartéis em matéria de compras ineficazes. Ora, a abordagem da Comissão que consiste em aplicar um aumento da coima em 10 % aos cartéis em matéria de compras conduz a uma situação em que os cartéis em matéria de compras ineficazes são sistematicamente menos bem tratados do que os cartéis em matéria de vendas ineficazes.

149    Importa observar que a comparação com os cartéis em matéria de vendas ineficazes não é pertinente. É certo que, no que respeita aos cartéis em matéria de vendas, estes conduzem, em princípio, à determinação de um montante de base da coima que está associado à concretização do objetivo da infração.

150    No entanto, deve concluir‑se que, ao contrário do que sucede com um cartel em matéria de vendas, a realização do objetivo de um cartel em matéria de compras implicaria um valor das compras inferior ao que seria aplicado se a infração não existisse, pelo que a coima não teria um efeito dissuasivo (v., neste sentido, Acórdão de 7 de novembro de 2019, Campine e Campine Recycling/Comissão, T‑240/17, não publicado, EU:T:2019:778, n.° 345). Com efeito, como a Comissão salientou na decisão impugnada, quanto mais bem‑sucedido for esse cartel, menos elevado será o montante do valor das compras e, por conseguinte, o montante da coima. Assim, o valor das compras não é um ponto de partida suscetível de refletir a importância económica da infração na aceção da jurisprudência referida no n.° 109, supra.

151    Por outro lado, a tomada em consideração do valor das compras, mesmo quando o cartel tenha sido ineficaz, não reflete geralmente a importância económica da infração. A este respeito, como salientou a Comissão na decisão impugnada, no caso de uma empresa em atividade, as compras são, em princípio, menos elevadas do que as vendas em termos de valor. Em resposta a uma medida de organização do processo, a Comissão precisou, com razão, que um operador económico racional fixa geralmente o preço de venda de um produto a um nível mais elevado do que o respetivo preço de compra ou do que o preço de compra da matéria‑prima utilizada no caso da venda de um produto integrado. Assim, o valor das compras é, em princípio, mecanicamente inferior ao das vendas, o que justifica a eventual aplicação de um ajustamento nos termos do ponto 37 das Orientações para o cálculo das coimas.

4)      Quanto à quarta alegação, atinente à irrelevância da decisão relativa à reciclagem de baterias para automóveis pelo facto de o cartel em causa respeitar apenas a uma componente menor do preço

152    As recorrentes acusam a Comissão de ter feito referência à decisão relativa à reciclagem de baterias para automóveis para justificar a aplicação de um aumento de 10 % do montante da coima ao abrigo do ponto 37 das Orientações para o cálculo das coimas, quando as circunstâncias desse processo diferem sensivelmente das do caso em apreço. O comportamento em causa diz apenas respeito a uma parte extremamente reduzida do valor global das compras de etileno, ao passo que, no processo que foi objeto da decisão relativa à reciclagem de baterias para automóveis, as empresas em causa determinaram em conjunto os preços de compra reais pagos aos fornecedores. Além disso, a Comissão verificou, neste último processo, que os compradores eram compostos por um número restrito de empresas com poder de mercado significativo, ao passo que, no caso em apreço, o poder de mercado e a influência na fixação dos preços só existiram do lado dos vendedores. Segundo as recorrentes, o facto de o mesmo aumento de 10 % ter sido aplicado nos dois processos, que são, no entanto, diferentes, demonstra que a coima que lhes foi aplicada não é proporcional à infração.

153    Importa observar que, na decisão relativa à reciclagem de baterias para automóveis, que foi objeto dos Acórdãos de 23 de maio de 2019, Recylex e o./Comissão (T‑222/17, EU:T:2019:356), e de 7 de novembro de 2019, Campine e Campine Recycling/Comissão (T‑240/17, não publicado, EU:T:2019:778), a Comissão tinha tido em conta, para efeitos do cálculo do montante de base da coima, o valor das compras, em vez do valor das vendas, e tinha aplicado um aumento de 10 % do montante de base da coima ao abrigo do ponto 37 das Orientações para o cálculo das coimas. Para fundamentar esse aumento, teceu, por um lado, considerações relativas às especificidades do processo, a saber, que se tratava de um cartel em matéria de compras, no âmbito do qual os participantes tinham por objetivo manter os preços de compra o mais baixo possível e relativamente ao qual o valor das compras devia ser tido em conta para o cálculo do montante da coima, bem como, por outro, considerações relativas à necessidade de assegurar um efeito dissuasivo.

154    Daqui resulta que o processo que foi objeto da decisão relativa à reciclagem de baterias para automóveis e o presente processo apresentam características comuns. Foi, portanto, pertinente a referência que lhe foi feita pela Comissão na decisão impugnada.

155    Além disso, as recorrentes não podem argumentar com base numa comparação da parte real do preço que os participantes puderam influenciar no processo que foi objeto da decisão relativa à reciclagem de baterias para automóveis e no presente processo. Com efeito, esta comparação não é pertinente, uma vez que não é necessário examinar os efeitos reais da infração no mercado para a aplicação do ponto 37 das Orientações para o cálculo das coimas (v. n.°125, supra).

5)      Quanto à quinta alegação, relativa ao facto de os potenciais ganhos dos cartéis em matéria de compras serem menos significativos do que os dos cartéis em matéria de vendas

156    As recorrentes alegam que a necessidade de dissuasão está intrinsecamente ligada às potenciais vantagens que uma empresa pode esperar da sua participação numa infração. Em seu entender, os potenciais ganhos que uma empresa pode hipoteticamente retirar da sua participação num cartel em matéria de compras são, por definição, menores do que nos cartéis em matéria de vendas e não podem justificar um aumento adicional da coima com fins dissuasivos. Criticam a lógica da Comissão segundo a qual todas as coimas aplicadas, incluindo aos cartéis em matéria de vendas, devem ser ajustadas nos termos do ponto 37 das Orientações para o cálculo das coimas, a fim de evitar uma dissuasão excessiva ou insuficiente em função do valor dos produtos tomado em consideração.

157    Todavia, como resulta do n.° 144, supra, o raciocínio da Comissão não assenta no facto de o cartel em causa foi frutífero e ter gerado lucros para as recorrentes, mas na constatação de que o valor das compras, em si mesmo, não permitia assegurar um efeito dissuasivo suficiente. A comparação dos ganhos potenciais que as partes num cartel em matéria de compras, por um lado, e as partes num cartel em matéria de vendas, por outro, poderiam eventualmente retirar dos referidos cartéis não é, portanto, relevante.

158    Além disso, o argumento das recorrentes segundo o qual, seguindo a lógica da Comissão, qualquer coima, incluindo a aplicada no âmbito de cartéis em matéria de vendas, deve ser sistematicamente ajustada nos termos do ponto 37 das Orientações para o cálculo das coimas, não merece acolhimento. Com efeito, não se pode deixar de observar que o referido número não é aplicável quando não há lugar a um afastamento da metodologia geral prevista nas referidas Orientações, nomeadamente quando é tido em conta o valor das vendas no âmbito de um cartel em matéria de vendas, em conformidade com o ponto 13 dessas Orientações. O ponto 37 das referidas Orientações só é aplicável quando se verifique que a metodologia geral é inadequada e deve ser afastada, na medida em que as especificidades de um dado processo ou a necessidade de atingir um nível dissuasivo num caso particular o exijam. Por conseguinte, não se pode concluir que a Comissão deva sistematicamente ajustar o montante da coima a esse respeito.

159    Resulta do exposto que as alegações que visam invocar erros manifestos de apreciação na aplicação do ponto 37 das Orientações para o cálculo das coimas devem ser julgadas improcedentes. Estes argumentos também não demonstram que o aumento da coima em 10 % era desproporcionado face ao efeito dissuasivo pretendido.

160    As recorrentes, desenvolvendo a sua argumentação mais detalhadamente, alegam ainda que a aplicação de um aumento padrão da coima aos cartéis em matéria de compras, nos termos do ponto 37 das Orientações para o cálculo das coimas, é contrária ao objetivo e à redação do referido ponto, sendo, portanto, contrária aos princípios da proteção da confiança legítima e da segurança jurídica. No entanto, não se pode deixar de observar que estas alegações não foram fundamentadas.

161    A segunda parte do segundo fundamento deve, portanto, ser julgada improcedente.

c)      Quanto à terceira parte do segundo fundamento, relativa à violação do dever de fundamentação

162    As recorrentes alegam que a Comissão violou o dever de fundamentação que sobre ela impende ao não ter explicado, na decisão impugnada, por que razão as especificidades do presente processo justificam um aumento da coima ao abrigo do ponto 37 das Orientações para o cálculo das coimas, nem por que razão a percentagem desse aumento deve ser fixada em 10 %.

163    A este respeito, primeiro, as recorrentes alegam que o considerando 146 da decisão recorrida se refere apenas à alegada necessidade geral de aplicar um aumento nos termos do ponto 37 das Orientações para o cálculo das coimas a fim de atingir um montante dissuasivo da coima sem dar explicação sobre a percentagem específica de aumento alegadamente necessária para o atingir.

164    Segundo, a referência feita pela Comissão, no considerando 146 da decisão recorrida, à sua prática anterior não é pertinente, uma vez que, por um lado, a Comissão não está vinculada por essa prática anterior e, por outro, um outro processo, cujos factos divergem dos do presente processo, não pode constituir um fundamento válido para justificar um aumento da coima, que deve ser proporcional à gravidade da infração em causa no caso em apreço.

165    Terceiro, o raciocínio que figura no considerando 146 da decisão impugnada viola o dever de fundamentação, na medida em que a Comissão devia ter explicado com precisão de que forma exerceu o seu poder discricionário, tanto mais que decidiu afastar‑se da sua metodologia geral e ajustar a coima ao abrigo do ponto 37 das Orientações para o cálculo das coimas. Este raciocínio preciso é imperativo, na medida em que o referido número não prevê um intervalo de ajustamento específico que limite o poder discricionário da Comissão. Esta última devia ter apresentado razões claras e precisas que explicassem a razão pela qual a percentagem de aumento escolhida era necessária perante as especificidades do processo e para atingir um montante dissuasivo da coima, e a razão pela qual uma percentagem inferior não teria sido suficiente.

166    A Comissão contesta a argumentação das recorrentes.

167    Além dos princípios recordados no n.° 100, supra, importa salientar que, quando a Comissão invoca o ponto 37 das Orientações para o cálculo das coimas, é obrigada a expor as razões que lhe permitem considerar que as particularidades do processo que lhe está submetido ou a necessidade de alcançar um nível dissuasivo justificam que se afaste da metodologia indicada nas referidas Orientações (Acórdão de 10 de julho de 2019, Comissão/Icap e o., C‑39/18 P, EU:C:2019:584, n.° 30). A este respeito, a exigência de fundamentação impõe‑se ainda com mais [vigor] (Acórdãos de 13 de dezembro de 2016, Printeos e o./Comissão, T‑95/15, EU:T:2016:722, n.° 48, e de 12 de julho de 2019, Hitachi‑LG Data Storage e Hitachi‑LG Data Storage Korea/Comissão, T‑1/16, EU:T:2019:514, n.° 80).

168    No caso em apreço, a Comissão expôs detalhadamente, nos considerandos 141 a 148 da decisão impugnada, as razões que a levaram a considerar que as especificidades do processo e a necessidade de atingir um montante dissuasivo da coima justificavam que se afastasse da metodologia geral e aumentasse esse montante de base em 10 % ao abrigo do ponto 37 das Orientações para o cálculo das coimas. Como resulta do n.° 121, supra, salientou que o processo dizia respeito a um cartel em matéria de compras que necessitava da tomada em consideração do valor das compras para efeitos do cálculo do montante de base da coima, tendo este valor, no entanto, um caráter imperfeito para efeitos do cálculo de um montante de base que reflete a importância económica da infração.

169    De resto, deve observar‑se que estas considerações permitiram às recorrentes compreender o raciocínio da Comissão e contestá‑lo no Tribunal Geral, bem como a este último verificar o mérito desse raciocínio.

170    Além disso, contrariamente ao que as recorrentes sugerem, tais considerações não constituem «preocupações gerais», mas sim considerações específicas ao caso concreto, relacionadas com a natureza do cartel em causa, ou seja, um cartel em matéria de compras.

171    Como a Comissão precisou, com razão, na sua resposta a uma medida de organização do processo e na audiência, as especificidades de um dado processo, na aceção do ponto 37 das Orientações para o cálculo das coimas, podem ser especificidades ligadas ao tipo de cartel em causa e não têm necessariamente de ser circunstâncias únicas do caso em apreço.

172    Sendo estas considerações suficientemente específicas e circunstanciadas, são, portanto, conformes com o dever de fundamentação reforçado que incumbe à Comissão para a aplicação do ponto 37 das Orientações para o cálculo das coimas.

173    No que diz respeito à fundamentação da escolha da percentagem de aumento de 10 %, aplicada ao abrigo do ponto 37 das Orientações para o cálculo das coimas, resulta, em substância, do considerando 146 da decisão recorrida que, para ter em conta as especificidades do processo e assegurar um efeito dissuasivo suficiente, era adequado que a Comissão aplicasse, em conformidade com a sua prática decisória anterior e, nomeadamente, com a decisão relativa à reciclagem de baterias para automóveis, um aumento do montante da coima de 10 % ao abrigo do referido número.

174    A este respeito, a Comissão esclareceu, em resposta a uma medida de organização do processo e na audiência, que, no caso em apreço, tinha considerado adequado um aumento de 10 %, à semelhança do que tinha decidido na decisão relativa à reciclagem de baterias para automóveis, dado que a aplicação do ponto 37 das Orientações para o cálculo das coimas a um cartel em matéria de compras era uma prática bastante recente, constituindo o caso em apreço apenas a segunda aplicação após a referida decisão.

175    Estes esclarecimentos não podem, todavia, ser tidos em conta pelo Tribunal Geral no âmbito da fiscalização que efetua ao cumprimento do dever de fundamentação, na medida em que não figuram na decisão impugnada. Com efeito, o cumprimento do dever de fundamentação deve ser apreciado em função dos elementos de informação de que a recorrente dispõe no momento da interposição do recurso e a fundamentação não pode ser explicitada, pela primeira vez e a posteriori perante o juiz, salvo em circunstâncias excecionais [v., neste sentido, Acórdão de 19 de maio de 2021, Ryanair/Comissão (KLM; Covid‑19), T‑643/20, EU:T:2021:286, n.° 66 e jurisprudência referida].

176    A falta de tais precisões não pode, todavia, implicar a falta de fundamentação da escolha da percentagem de aumento.

177    A este respeito, importa salientar que, ao contrário do que as recorrentes sugerem, no considerando 146 da decisão recorrida, a Comissão não se limitou a fazer uma referência sumária à decisão relativa à reciclagem de baterias automóveis para justificar a escolha da percentagem de aumento, mas referiu‑se igualmente, e sobretudo, às especificidades do processo e à necessidade de atingir um nível dissuasivo.

178    A este respeito, segundo a jurisprudência, a Comissão dá cumprimento ao seu dever de fundamentação quando expõe, na decisão, os elementos de apreciação que lhe permitiram medir a gravidade e a duração da infração. Ainda que não seja obrigada a indicar todos os elementos quantitativos relativos a cada uma das etapas intermédias do modo de cálculo da coima adotado, cabe‑lhe, no entanto, explicar a ponderação e a avaliação por ela feitas dos elementos tidos em consideração (v. Acórdão de 10 de julho de 2019, Comissão/Icap e o., C‑39/18 P, EU:C:2019:584, n.° 31 e jurisprudência referida). Como resulta do n.° 168, supra, a Comissão explicou devidamente os elementos que tomou em consideração para determinar que um aumento de 10 % do montante de base da coima era adequado nos termos do ponto 37 das Orientações para o cálculo das coimas. Contrariamente ao que sugerem as recorrentes, dado que a Comissão não é obrigada a indicar os elementos quantitativos relativos a cada uma das etapas do modo de cálculo, não era obrigada a fornecer explicações suplementares sobre a percentagem de aumento da coima especificamente escolhida.

179    Por outro lado, importa referir que, durante o procedimento administrativo, a Comissão tinha comunicado às recorrentes a sua intenção de aumentar o montante de base ao abrigo do ponto 37 das Orientações para o cálculo das coimas. Resulta nomeadamente da última reunião de transação de 29 de outubro de 2019 que a Comissão indicou claramente às recorrentes que a aplicação da metodologia geral a um cartel em matéria de compras levava a subestimar a importância económica da infração e a tornar a coima pouco dissuasora, pelo que contava aplicar, para esse efeito, um aumento de 10 % ao abrigo do referido número. Em conformidade com a jurisprudência referida no n.° 100, supra, estes elementos fazem parte do contexto em que a decisão impugnada se insere e à luz do qual o seu caráter suficientemente fundamentado deve ser apreciado.

180    Em face do exposto, há que julgar improcedente a terceira parte do segundo fundamento e, por conseguinte, este fundamento na sua totalidade.

181    Atendendo a que o primeiro e segundo fundamentos não podem ser acolhidos, os pedidos de anulação devem ser julgados improcedentes. Importa agora analisar os pedidos de redução do montante da coima, apresentados a título subsidiário, em apoio dos quais é invocado o terceiro fundamento.

3.      Quanto ao terceiro fundamento, relativo ao caráter desproporcionado do montante da coima

182    As recorrentes alegam que, ainda que o Tribunal Geral venha a julgar improcedentes os dois primeiros fundamentos, há que considerar que a coima que lhes foi aplicada não é proporcional à gravidade da infração cometida. Consideram que, se as circunstâncias do caso justificassem algum aumento da coima, este se deve situar numa percentagem claramente inferior a 50 % no que respeita à infração reiterada, no termos do ponto 28 das Orientações para o cálculo das coimas, e a uma percentagem sensivelmente mais baixa no que respeita ao aumento nos termos do ponto 37 das mesmas Orientações.

183    A este respeito, as recorrentes enumeram vários elementos que o Tribunal Geral deve ter em conta ao abrigo da sua própria competência de plena jurisdição e solicitam‑lhe, à luz desses elementos, que reduza o montante da coima que lhes foi aplicada.

184    A Comissão contesta os elementos invocados e alega que o pedido das recorrentes não tem fundamento.

185    Importa recordar que a fiscalização da legalidade é completada pela competência de plena jurisdição que é reconhecida ao juiz da União pelo artigo 31.° do Regulamento n.° 1/2003, em conformidade com o artigo 261.° TFUE. Esta competência habilita o juiz da União, além da simples fiscalização da legalidade da punição, a substituir a apreciação da Comissão pela sua própria apreciação e, deste modo, a suprimir, reduzir ou aumentar a coima ou a sanção pecuniária compulsória aplicada (Acórdãos de 8 de dezembro de 2011, Chalkor/Comissão, C‑386/10 P, EU:C:2011:815, n.° 63, e de 16 de julho de 2020, Nexans France e Nexans/Comissão, C‑606/18 P, EU:C:2020:571, n.° 96).

186    Para determinar o montante da coima aplicada, cabe ao juiz da União apreciar as circunstâncias do caso em apreço e o tipo de infração em causa. Este exercício pressupõe, em aplicação do artigo 23.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1/2003, que seja tomada em consideração, para cada empresa punida, a gravidade da infração em causa, bem como a sua duração, respeitando os princípios, designadamente, da fundamentação, da proporcionalidade, da individualização das sanções e da igualdade de tratamento, sem que o Tribunal Geral esteja vinculado pelas regras indicativas definidas pela Comissão nas suas Orientações (v., neste sentido, Acórdãos de 21 de janeiro de 2016, Galp Energía España e o./Comissão, C‑603/13 P, EU:C:2016:38, n.os 89 e 90, e de 16 de junho de 2022, Sony Optiarc e Sony Optiarc America/Comissão, C‑698/19 P, EU:C:2022:480, n.os 173 e 174).

a)      Quanto ao pedido de redução da percentagem de aumento da coima ao abrigo do ponto 28 das Orientações para o cálculo das coimas

187    As recorrentes alegam, primeiro, que puseram termo ao cartel AMCA e que o denunciaram mais de doze anos antes do início da infração em causa no caso em apreço; segundo, que a infração cometida no âmbito do referido cartel e a infração em causa no caso em apreço são de natureza diferente, dizem respeito a produtos diferentes e envolveram entidades diferentes; terceiro, que esse cartel foi descoberto através das medidas internas de adequação que adotaram; quarto, que a própria Clariant GmbH não esteve implicada na criação e no funcionamento do mesmo cartel; quinto, que o comportamento ilícito em causa provinha de uma cooperação lícita anterior com outros participantes no cartel em questão; sexto, que as infrações relativas aos preços de compra são geralmente menos suscetíveis de produzir efeitos prejudiciais para a concorrência e, em especial, para os consumidores do que os cartéis em matéria de vendas e, sétimo, que um aumento de 50 % do montante de base da coima por reincidência é desproporcionado em relação a outros processos em que foi aplicado um aumento na mesma percentagem, nos quais a reincidência era muito mais grave do que a do presente processo.

188    Há que começar por observar que as recorrentes se limitam a reiterar as circunstâncias já salientadas no âmbito do primeiro fundamento, a fim de pedirem uma redução da coima. Ora, em conformidade com a jurisprudência referida no n.° 50, supra, o Tribunal Geral considera que, independentemente dessas circunstâncias, a aplicação de uma percentagem de aumento da coima de 50 % não se afigura desproporcionada face ao lapso de tempo relativamente breve que decorreu entre a declaração da primeira infração ao artigo 101.° TFUE na decisão relativa ao cartel AMCA e o início da infração ao mesmo artigo a que se refere a decisão impugnada.

189    Em seguida, o argumento das recorrentes, segundo o qual a percentagem de aumento da coima de 50 % é desproporcionada em relação a outros processos em que foi aplicado um aumento da mesma percentagem a casos de reincidência mais graves, não pode conduzir a uma redução da coima. Basta salientar, a este respeito, que as recorrentes se referiram, no n.° 60 da réplica, a 28 decisões nas quais a Comissão tinha aplicado um aumento de 50 % em casos de primeira reincidência, como no caso em apreço.

190    Por último, o argumento das recorrentes de que um cartel em matéria de compras é menos prejudicial ao normal jogo da concorrência do que um cartel em matéria de vendas não é uma circunstância pertinente para apreciar se o aumento de 50 % da coima no que respeita à infração reiterada, nos termos do ponto 28 das Orientações para o cálculo das coimas, é proporcional à gravidade da infração cometida. Em todo o caso, a esse respeito, deve salientar‑se que o primeiro exemplo de cartel previsto no artigo 101.°, n.° 1, alínea a), TFUE, expressamente declarado incompatível com o mercado interno, é precisamente o de «fixar, de forma direta ou indireta, os preços de compra ou de venda, ou quaisquer outras condições de transação». A prática objeto do cartel, a saber, uma coordenação sobre uma componente do preço do etileno, é, assim, expressamente proibida pelo artigo 101.°, n.° 1, TFUE, uma vez que comporta restrições intrínsecas à concorrência no mercado interno (v., neste sentido, Acórdão de 7 de novembro de 2019, Campine e Campine Recycling/Comissão, T‑240/17, não publicado, EU:T:2019:778, n.° 297 e jurisprudência referida).

b)      Quanto ao pedido de redução da percentagem de aumento da coima ao abrigo do ponto 37 das Orientações para o cálculo das coimas

191    As recorrentes alegam, por um lado, que a análise económica que forneceram à Comissão no decurso do procedimento administrativo demonstrava que o comportamento em causa não era suscetível de ter o menor impacto significativo no preço de compra do etileno e, por outro, que a tese desenvolvida pela Comissão no âmbito do processo relativo à reciclagem de baterias para automóveis, segundo a qual o valor das compras não constitui um fundamento adequado para o montante de base da coima, não é aplicável no caso em apreço.

192    Contudo, basta referir, por um lado, que, de acordo com a jurisprudência referida no n.° 125, o aumento do montante de base da coima ao abrigo do ponto 37 das Orientações para o cálculo das coimas não está subordinado à demonstração prévia de eventuais efeitos reais do comportamento imputado no mercado, pelo que a análise económica que visa demonstrar a inexistência de impacto do comportamento imputado no preço de compra do etileno não é pertinente e não pode conduzir à redução do montante da coima. Por outro lado, a aplicação de uma percentagem de 10 % para remediar o caráter imperfeito do valor das compras, tomado em consideração para efeitos do cálculo do montante de base da coima, não se afigura desproporcionada. As recorrentes não invocam qualquer outro elemento pertinente suscetível de justificar uma redução dessa percentagem.

193    Consequentemente, o terceiro fundamento deve ser julgado improcedente.

194    Resulta do exposto que o pedido de redução do montante da coima deve ser julgado improcedente e que, por conseguinte, deve ser integralmente negado provimento ao recurso.

B.      Quanto ao pedido reconvencional da Comissão

195    A Comissão pede ao Tribunal Geral que aumente a coima, no âmbito do exercício da sua competência de plena jurisdição, ao não conceder uma redução de 10 % pela cooperação das recorrentes durante o procedimento administrativo ao abrigo do ponto 32 da Comunicação sobre a transação.

196    A Comissão alega que, no presente recurso, as recorrentes contestam o montante da coima, mas que este constituía um elemento essencial da sua proposta de transação e tinha sido objeto de uma posição comum.

197    A este respeito, a Comissão refere que as recorrentes não se retiraram do procedimento de transação, embora estivessem em desacordo com a aplicação dos pontos 28 e 37 das Orientações para o cálculo das coimas. Pelo contrário, as recorrentes comprometeram‑se a prosseguir com o procedimento de transação apresentando a sua proposta de transação e reconhecendo que a comunicação de objeções refletia devidamente o conteúdo dessas propostas.

198    A Comissão acrescenta que é a existência de uma «posição comum» quanto ao alcance das eventuais objeções e da estimativa do intervalo provável das coimas a aplicar que a leva a convidar uma empresa a apresentar uma proposta de transação. Este intervalo deve constar das propostas de transação. Em seu entender, enquanto o montante da coima indicado na decisão final não exceder o montante máximo do intervalo que foi objeto das conversações que conduziram à proposta de transação, deve considerar‑se que a decisão final reflete a proposta de transação a este respeito.

199    Ora, a contestação, pelas recorrentes, de um elemento essencial da proposta de transação compromete a finalidade do procedimento de transação.

200    A este respeito, primeiro, a Comissão alega que o procedimento de transação é sinalagmático por natureza. As partes dispõem da possibilidade, e têm mesmo a obrigação, de assinalar qualquer obstáculo que impeça a que se chegue a uma apreciação comum. Em seu entender, a abordagem adotada pelas recorrentes durante o procedimento administrativo era puramente estratégica e apenas um meio de obterem uma redução do montante da coima, para seguidamente contestarem a decisão com base nos mesmos elementos que foram objeto da posição comum, de forma a obterem novas reduções por parte do juiz da União.

201    Segundo, a Comissão alega que os ganhos de eficiência pretendidos com o procedimento de transação já não são globalmente realizados no caso em apreço. O objetivo do procedimento de transação consiste em permitir‑lhe, por um lado, tratar os processos de cartel mais rapidamente e, por outro, tratar um maior número de processos de cartel com os mesmos recursos. Ora, na medida em que os recursos da Comissão foram mobilizados tanto para a fase administrativa como para a fase contenciosa do presente processo, provocando assim um acréscimo de trabalho, não está em condições de tratar um maior número de processos.

202    Embora a Comissão reconheça ter beneficiado do facto de as recorrentes não terem contestado certos elementos relacionados com a sua responsabilidade e com a infração e de não terem pedido acesso aos documentos do processo, sublinha, no entanto, que investiu recursos suplementares na organização de várias reuniões com as partes sobre os dois aumentos controvertidos. Por outro lado, não poupou recursos quanto à fundamentação e à justificação do cálculo do montante da coima que figura na comunicação de objeções e na decisão final.

203    A Comissão sublinha que não é possível quantificar a posteriori o grau de cooperação de uma parte no procedimento de transação. Indica que lhe é assim difícil determinar se se teria comprometido num procedimento de transação se a cooperação das empresas tivesse sido limitada, ou mesmo inexistente, mas que, ainda assim, pudessem ter sido realizados alguns ganhos de eficiência.

204    Terceiro, a Comissão refere que o Tribunal Geral reconheceu, no Acórdão de 29 de abril de 2004, Tokai Carbon e o./Comissão (T‑236/01, T‑244/01 a T‑246/01, T‑251/01 e T‑252/01, EU:T:2004:118), que a redução de coimas a título de clemência pode ser retirada e a coima pode, assim, ser aumentada quando a atitude do recorrente se altera e que este último contesta, pela primeira vez perante o Tribunal Geral, elementos que não foram contestados ou que foram reconhecidos durante o procedimento administrativo. Além do referido acórdão, o Tribunal Geral examinou, noutros processos, ao abrigo da sua competência de plena jurisdição, se havia que retirar a redução que as partes no litígio tinham obtido em troca da sua cooperação durante o procedimento administrativo, mesmo que não estivessem reunidas as condições para essa retirada.

205    Quarto, a Comissão considera que o direito das recorrentes a uma fiscalização jurisdicional está plenamente respeitado. Em seu entender, o exercício desse direito não significa que o recurso não tenha nenhuma consequência sobre a coima. A retirada da redução de 10 % no âmbito do procedimento de transação não constitui uma sanção das recorrentes por terem exercido o seu direito a uma fiscalização jurisdicional, mas é a mera consequência do facto de as recorrentes porem em causa elementos que tinham reconhecido e confirmado durante o procedimento administrativo.

206    Consequentemente, a Comissão sustenta que a redução da coima que tinha sido concedida às recorrentes para as recompensar pela sua cooperação deve ser retirada. Pede, portanto, ao Tribunal Geral que aumente a coima aplicada às recorrentes e fixe o respetivo montante em 181 731 000 euros.

207    As recorrentes contestam os argumentos da Comissão.

1.      Considerações preliminares sobre o procedimento de transação

208    O procedimento de transação foi instituído pelo Regulamento (CE) n.° 622/2008 da Comissão, de 30 de junho de 2008, que altera o Regulamento (CE) n.° 773/2004, no que se refere à condução de procedimentos de transação nos processos de cartéis (JO 2008, L 171, p. 3). Este procedimento foi objeto de precisão na Comunicação sobre a transação.

209    Nos termos do considerando 4 do Regulamento n.° 622/2008, o procedimento de transação permite à Comissão tratar os processos de cartéis de uma forma mais rápida e eficiente. O objetivo deste novo procedimento é, portanto, o de simplificar e acelerar os procedimentos administrativos, para permitir à Comissão tratar mais processos com os mesmos recursos (v., neste sentido, Acórdão de 20 de maio de 2015, Timab Industries e CFPR/Comissão, T‑456/10, EU:T:2015:296, n.° 60).

210    Em substância, o procedimento de transação prevê que as empresas objeto de inquéritos, face a provas incriminatórias e tendo decidido transigir, reconheçam a sua participação na infração, renunciem, sob certas condições, ao seu direito de acesso ao dossiê administrativo e ao seu direito de ser ouvidas e aceitem receber a comunicação de objeções e a decisão final numa língua oficial acordada da União (Comunicação sobre a transação, ponto 20). Além disso, se a comunicação de objeções refletir as suas propostas de transação, as referidas empresas são obrigadas a dar‑lhe resposta no prazo fixado confirmando que a referida comunicação corresponde ao teor das suas propostas e que o seu compromisso em seguir o procedimento de transação não é, pois, posto em causa (Comunicação sobre a transação, ponto 26). Em contrapartida, a Comissão concede‑lhes uma redução de 10 % do montante da coima que lhes teria sido imposta no termo de um procedimento ordinário aplicando as suas orientações sobre as coimas e a comunicação sobre a cooperação (Comunicação sobre a transação, pontos 30 a 33) (v., neste sentido, Acórdão de 20 de maio de 2015, Timab Industries e CFPR/Comissão, T‑456/10, EU:T:2015:296, n.os 61 e 62).

211    Resulta do considerando 4 do Regulamento n.° 622/2008 e do n.° 5 da Comunicação sobre a transação que a Comissão deve ter em conta a probabilidade de chegar, num prazo razoável, a uma posição comum com as partes em causa sobre o alcance das eventuais acusações, tomando em consideração fatores como o número de partes em questão, as divergências de pontos de vista previsíveis quanto à atribuição das responsabilidades e o alcance da contestação dos factos. Resulta igualmente desse considerando que a Comissão pode ter em conta outras considerações diferentes das relativas a eventuais ganhos de eficiência, como a possibilidade de criar um precedente. Daqui decorre que a Comissão conserva uma ampla margem de apreciação quanto à identificação das causas que podem prestar‑se a um acordo de transação (v., neste sentido, Acórdão de 20 de maio de 2015, Timab Industries e CFPR/Comissão, T‑456/10, EU:T:2015:296, n.° 64).

212    O procedimento de transação desenrola‑se, essencialmente, da seguinte forma. O procedimento é iniciado pela Comissão com o acordo das empresas envolvidas (Comunicação sobre a transação, pontos 5, 6 e 11). Logo que o procedimento é lançado, as empresas objeto de um inquérito e que participam no procedimento de transação são informadas pela Comissão, nas discussões bilaterais, dos elementos essenciais «como os factos alegados, a qualificação de tais factos, a gravidade e a duração do alegado cartel, a atribuição das responsabilidades e uma estimativa do intervalo provável das coimas a aplicar, bem como dos elementos de prova utilizados na elaboração das objeções potenciais» (Comunicação sobre a transação, ponto 16). Este dispositivo permitirá às partes definir a sua posição sobre as objeções que a Comissão podia formular a seu respeito e decidir, com conhecimento de causa, se pretendem ou não participar num procedimento de transação (comunicação sobre a transação, ponto 16) (Acórdão de 20 de maio de 2015, Timab Industries e CFPR/Comissão, T‑456/10, EU:T:2015:296, n.os 66 e 67).

213    É na sequência da comunicação dessas informações que as empresas em causa podem optar pelo procedimento de transação e apresentar uma proposta de transação. Esta proposta de transação deve conter, nomeadamente, um reconhecimento, em termos claros e inequívocos, pelas partes da sua responsabilidade na infração, uma indicação do montante máximo das coimas que as partes esperam que a Comissão lhes aplique e que aceitariam no âmbito de um procedimento de transação e uma confirmação de que não equacionam a possibilidade de solicitar o acesso ao dossiê ou de serem ouvidas de novo, aquando de uma audição, a menos que a comunicação de objeções e a decisão da Comissão não repercutam a sua proposta de transação (Comunicação sobre a transação, ponto 20) (v., neste sentido, Acórdão de 20 de maio de 2015, Timab Industries e CFPR/Comissão, T‑456/10, EU:T:2015:296, n.° 68).

214    Na sequência desse reconhecimento de responsabilidade e das confirmações fornecidas pelas empresas em causa, a Comissão transmite‑lhes a comunicação de objeções e adota, seguidamente, uma decisão final. Esta baseia‑se, no essencial, no facto de as partes terem inequivocamente reconhecido a sua responsabilidade, não terem contestado a comunicação de objeções e terem mantido o seu compromisso de chegar a uma transação (Comunicação sobre a transação, pontos 23 a 28) (Acórdão de 20 de maio de 2015, Timab Industries e CFPR/Comissão, T‑456/10, EU:T:2015:296, n.° 69).

215    Se a empresa em causa decidir não transigir, o procedimento que conduz à decisão final é regulado pelas disposições gerais do Regulamento n.° 773/2004, e não pelas que regulam o procedimento de transação. O mesmo sucede se a Comissão toma a iniciativa de pôr termo ao procedimento de transação (Comunicação sobre a transação, pontos 19, 27 e 29) (Acórdão de 20 de maio de 2015, Timab Industries e CFPR/Comissão, T‑456/10, EU:T:2015:296, n.° 70).

216    As decisões finais adotadas no final de um procedimento de transação, tomadas nos termos dos artigos 7.° e 23.° do Regulamento n.° 1/2003, são objeto de controlo judicial em conformidade com o artigo 263.° TFUE (Comunicação sobre a transação, n.° 41).

2.      Quanto à tramitação do procedimento de transação

217    Durante as conversações mantidas entre a Comissão e as recorrentes, entre 18 de setembro de 2018 e 29 de outubro de 2019, a Comissão referiu as acusações que tencionava formular a seu respeito, bem como a sua intenção de aumentar a coima ao abrigo dos pontos 28 e 37 das Orientações para o cálculo das coimas, respetivamente, em 50 % e 10 %. As recorrentes tiveram a oportunidade de apresentar observações.

218    Em 20 de novembro de 2019, as recorrentes apresentaram uma proposta de transação através da qual reconheceram, nomeadamente, a sua responsabilidade pela participação no cartel em causa no presente processo e declararam estar de acordo com a aplicação de uma coima não superior a 159 663 000 euros.

219    A Comissão adotou a comunicação de objeções, na qual indicou, nomeadamente, os aumentos do montante de base da coima nos termos dos pontos 28 e 37 das Orientações para o cálculo das coimas, sem, no entanto, indicar as percentagens de aumento precisas que tinha previsto. Em resposta à referida comunicação, as recorrentes confirmaram que esta refletia devidamente o conteúdo da sua proposta de transação e que continuavam plenamente empenhadas em prosseguir com o procedimento de transação.

3.      Quanto à procedência do pedido reconvencional da Comissão

220    Como foi recordado no n.° 185, supra, o juiz da União pode, além da simples fiscalização da legalidade da punição, suprimir, reduzir ou aumentar a coima ou a sanção pecuniária compulsória aplicada, ao abrigo da sua competência de plena jurisdição.

221    Embora o exercício da competência de plena jurisdição seja solicitado mais frequentemente pelos recorrentes no sentido de obterem a redução do montante da coima, nada se opõe a que a Comissão possa igualmente submeter ao juiz da União a questão do montante da coima e formular um pedido de aumento desse montante (Acórdão de 8 de outubro de 2008, Schunk e Schunk Kohlenstoff‑Technik/Comissão, T‑69/04, EU:T:2008:415, n.° 244).

222    Por conseguinte, embora não esteja excluído que o Tribunal Geral decida aumentar a coima na sequência de um pedido reconvencional da Comissão, incumbe, todavia, a esta última demonstrar que o aumento do montante da coima pedido é adequado, nomeadamente à luz de factos e circunstâncias que surgiram no decurso da instância e de que não tinha conhecimento no momento em que adotou a sua decisão. Ora, importa observar que a Comissão não conseguiu demonstrar que esse aumento era adequado no caso em apreço.

223    Com efeito, a argumentação da Comissão relativa à redução de 10 % pela cooperação durante o procedimento administrativo assenta na premissa errada de que as recorrentes contestam, através do presente recurso, elementos que reconheceram na sua proposta de transação ou que aceitaram durante o referido procedimento.

224    A este respeito, importa recordar que o ponto 16 da Comunicação sobre a transação prevê que, durante as conversações conducentes à transação, as partes são informadas, nomeadamente, da «estimativa do intervalo provável das coimas a aplicar». Resulta do ponto 17 da referida Comunicação que este elemento deve ser objeto de uma «posição comum» na sequência das conversações bilaterais antes de a Comissão conceder às empresas um prazo para apresentarem uma proposta de transação. O n.° 20 desta comunicação prevê, quanto ao montante da coima, que as propostas de transações contêm «uma indicação do montante máximo da coima que os interessados diretos preveem que lhes será aplicada pela Comissão e que aceitariam no âmbito de um procedimento de transação».

225    Por conseguinte, não se exige às partes no procedimento de transação que aceitem o montante final da coima e todos os seus parâmetros, como os ajustamentos ao abrigo dos pontos 28 e 37 das Orientações para o cálculo das coimas, a fim de poderem transigir, mas apenas um intervalo provável ou um montante máximo da coima.

226    No caso em apreço, como resulta do n.° 218, supra, na sua proposta de transação, as recorrentes aceitaram apenas um montante máximo para a coima que a Comissão tencionava aplicar‑lhes. Os aumentos nos termos dos pontos 28 e 37 das Orientações para o cálculo das coimas não constituíam, portanto, um elemento essencial dessa proposta. Nesse seguimento, a confirmação das recorrentes de que a comunicação de objeções refletia devidamente a sua proposta de transação não pode ser interpretada como uma aceitação dos aumentos nos termos dos referidos números, tanto mais que a referida comunicação não indicava as percentagens de aumento que a Comissão tencionava aplicar.

227    O argumento da Comissão segundo o qual o montante máximo da coima incluía os aumentos previstos nos termos dos pontos 28 e 37 das Orientações para o cálculo das coimas não pode ser acolhido. Com efeito, como as recorrentes afirmam com razão em resposta a uma medida de organização do processo, o facto de terem aceitado um montante máximo para a coima na sua proposta de transação não pode ser equiparado a uma aceitação do seu montante final exato, das modalidades de cálculo e do raciocínio em que a Comissão se baseou para determinar esse montante final.

228    A este respeito, importa observar que, na decisão impugnada, a Comissão podia ter decidido não aumentar o montante da coima ao abrigo dos pontos 28 e 37 das Orientações para o cálculo das coimas ou ainda decidir aplicar percentagens de aumento da coima inferiores às que acabaram por ser aplicadas. Por conseguinte, só depois de ter tomado conhecimento da decisão impugnada, na qual a Comissão decidiu sobre o montante final da coima em conformidade com o ponto 30 da Comunicação sobre a transação, é que as recorrentes puderam contestar utilmente os parâmetros do cálculo desse montante, como alegam em resposta a uma medida de organização do processo.

229    Além disso, como a própria Comissão reconhece, importa recordar que as conversações bilaterais com vista a uma transação não tinham permitido chegar a um consenso entre a Comissão e as recorrentes sobre os aumentos aplicados nos termos dos pontos 28 e 37 das Orientações para o cálculo das coimas. Com efeito, resulta das observações finais da ata da última reunião de transação, datada de 29 de outubro de 2019, que o representante das recorrentes tinha reiterado o seu desacordo no que respeita à aplicação dos dois pontos acima referidos. Deste modo, não se pode concluir que esses aumentos foram objeto de uma posição comum entre a Comissão e as recorrentes.

230    Assim, contrariamente ao que sustenta a Comissão, os aumentos da coima aplicados nos termos dos pontos 28 e 37 das Orientações para o cálculo das coimas não foram expressamente aceites pelas recorrentes na sua proposta de transação e não foram objeto de uma posição comum. Dado que, com o presente recurso, as recorrentes contestam o montante da coima que lhes foi aplicada, alegando que a aplicação dos referidos pontos foi incorreta, a Comissão não conseguiu demonstrar que se justificava não lhes conceder a redução de 10 % para as recompensar pela sua cooperação durante o procedimento administrativo.

231    Os demais argumentos apresentados pela Comissão não são suscetíveis de infirmar esta conclusão.

232    Primeiro, a Comissão sustenta que as recorrentes não se retiraram do procedimento de transação e não lhe indicaram que, em seu entender, era impossível chegar a uma posição comum, quando tinham a obrigação de assinalar qualquer obstáculo que impedisse chegar a essa posição. Considera que a abordagem adotada pelas recorrentes no decurso do procedimento administrativo era puramente estratégica e apenas um meio de obterem uma redução do montante da coima através da cooperação, para depois tentarem obter novas reduções junto do juiz da União.

233    No entanto, como resulta do n.° 225, supra, não se exige às partes no procedimento de transação que aceitem o montante final da coima e todos os seus parâmetros, como os ajustamentos ao abrigo dos pontos 28 e 37 das Orientações para o cálculo das coimas, a fim de poderem transigir. De resto, basta observar, à semelhança do acima referido no n.° 229, que as recorrentes manifestaram o seu desacordo quanto à aplicação dos pontos 28 e 37 das Orientações para o cálculo das coimas durante as conversações bilaterais, pelo que, contrariamente ao que sugere a Comissão, esta última não foi induzida em erro pelas recorrentes.

234    Além disso, deve recordar‑se que, conforme já evocado no n.° 221, supra, segundo o ponto 5 da Comunicação sobre a transação, a Comissão conserva uma ampla margem discricionária para determinar quais os processos que se podem revelar adequados para explorar o interesse dos interessados diretos em realizar conversações de transação, bem como para decidir encetar esse procedimento, pôr‑lhe termo ou concluir um acordo final. A Comissão pode, portanto, decidir, em qualquer fase do procedimento, pôr termo às conversações encetadas com vista a uma transação. No caso em apreço, não considerou oportuno pôr termo às conversações, apesar de ter conhecimento do desacordo das recorrentes quanto à aplicação dos pontos 28 e 37 das Orientações para o cálculo das coimas.

235    Segundo, a Comissão alega que os ganhos de eficiência pretendidos com o procedimento de transação já não são globalmente realizados.

236    A este respeito, importa recordar que o procedimento de transação visa permitir à Comissão tratar de uma forma mais rápida e eficiente os processos de cartel e, assim, permitir‑lhe tratar mais processos com os mesmos recursos (v. n.° °209, supra).

237    Ora, como reconhece a Comissão, esta última retirou ganhos processuais da continuação do procedimento de transação com as recorrentes. A este respeito, por um lado, pôde estabelecer uma versão simplificada da comunicação de objeções e da decisão impugnada, numa única língua. Por outro lado, não foi obrigada a elaborar uma versão não confidencial da referida comunicação, a organizar uma audição nem a instituir um acesso ao processo para as recorrentes. Beneficiou, portanto, de ganhos de eficiência processuais que, como corretamente salientam as recorrentes, se mantêm, independentemente da interposição do presente recurso.

238    Quanto à mobilização de recursos suplementares para a organização de reuniões com as partes relativamente aos dois aumentos controvertidos, esta deve ser considerada uma mobilização de recursos inerente ao procedimento de transação.

239    Por outro lado, a impossibilidade de proceder a posteriori a uma quantificação dos ganhos que podem ou não ser conservados durante o procedimento administrativo não é pertinente. Resulta do ponto 17 da Comunicação sobre a transação que a Comissão só convidará a empresa a apresentar uma proposta de transação se «considerar a título preliminar que é possível obter eficiências processuais à luz dos progressos realizados em termos gerais». Deve, portanto, proceder a uma avaliação a priori da eficácia do procedimento relativamente às conversações iniciadas com as partes e decidir, nessa base, continuar ou não o procedimento de transação ao abrigo do seu poder de apreciação.

240    Terceiro, a Comissão sustenta que, embora reconheça às recorrentes o direito de interporem recurso da decisão impugnada, o exercício desse direito não significa que o recurso não tenha qualquer consequência sobre a coima. Faz nomeadamente referência ao Acórdão de 29 de abril de 2004, Tokai Carbon e o./Comissão (T‑236/01, T‑244/01 a T‑246/01, T‑251/01 e T‑252/01, EU:T:2004:118), proferido no contexto de reduções de coima ao abrigo da Comunicação da Comissão sobre a não aplicação ou a redução de coimas nos processos relativos a acordos, decisões e práticas concertadas (JO 1996, C 207, p. 4), no qual o Tribunal Geral considerou que essa redução podia ser retirada à recorrente.

241    É certo que, no acórdão referido no n.° 240, supra, o Tribunal Geral julgou procedente um pedido de aumento da coima apresentado pela Comissão, indicando que esta, contra todas as expectativas que podia razoavelmente basear na cooperação objetiva da recorrente durante o procedimento administrativo, foi obrigada a elaborar e a apresentar uma defesa no Tribunal Geral centrada na contestação de factos ilícitos que tinha considerado corretamente que a recorrente já não os poria em causa.

242    Todavia, basta salientar que, no caso em apreço, as recorrentes contestam os aumentos aplicados ao abrigo dos pontos 28 e 37 das Orientações para o cálculo das coimas, os quais não constavam da sua proposta de transação e não tinham aceitado durante o procedimento administrativo. A Comissão não podia, portanto, partir da premissa de que já não os poriam em causa no âmbito de um recurso.

243    Resulta de tudo o que precede que o pedido reconvencional da Comissão deve ser julgado improcedente.

IV.    Quanto às despesas

244    Nos termos do artigo 134.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Segundo o artigo 134.°, n.° 3, do mesmo regulamento, se as partes obtiverem vencimento parcial, cada uma das partes suporta as suas próprias despesas. No entanto, se tal se afigurar justificado tendo em conta as circunstâncias do caso, o Tribunal pode decidir que, além das suas próprias despesas, uma parte suporte uma fração das despesas da outra parte.

245    No presente processo, as recorrentes foram vencidas no recurso que interpuseram, ao passo que a Comissão foi vencida no seu pedido reconvencional. Dado que esta apenas marginalmente pretendia aumentar o montante das coimas, há que reconhecer que no essencial as recorrentes foram vencidas nos seus pedidos e nos seus fundamentos. Nestas circunstâncias, há que decidir que as recorrentes suportarão as suas próprias despesas e 90 % das despesas efetuadas pela Comissão, ao passo que a Comissão suportará 10 % das suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção Alargada)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      O pedido reconvencional apresentado pela Comissão Europeia é julgado improcedente.

3)      A Clariant AG e a Clariant International AG suportarão as suas próprias despesas e 90 % das despesas efetuadas pela Comissão.

4)      A Comissão suportará 10 % das suas próprias despesas.

Van der Woude

De Baere

Steinfatt

Kecsmár

 

      Kingston

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 18 de outubro de 2023.

Assinaturas


Índice


I. Antecedentes do litígio

A. Procedimento administrativo

B. Decisão impugnada

1. Descrição da infração

2. Cálculo do montante da coima aplicada às recorrentes

II. Pedidos das partes

III. Questão de direito

A. Quanto aos pedidos de anulação e de redução do montante da coima

1. Quanto ao primeiro fundamento, relativo ao facto de a Comissão ter erradamente aplicado um aumento do montante de base da coima ao abrigo do ponto 28 das Orientações para o cálculo das coimas

a) Quanto à primeira parte do primeiro fundamento, relativa ao não exercício, pela Comissão, do seu poder de apreciação

b) Quanto à segunda parte do primeiro fundamento, relativa à errada qualificação das recorrentes como reincidentes

1) Quanto à primeira alegação, relativa à inexistência de semelhança entre a infração cometida no âmbito do cartel AMCA e a infração em causa no caso em apreço

2) Quanto à segunda alegação, relativa ao lapso de tempo que separa as duas infrações

3) Quanto à terceira alegação, relativa à não aplicação de uma sanção pecuniária anterior

4) Quanto à quarta alegação, relativa à não tomada em consideração de outras circunstâncias

c) Quanto à terceira parte do primeiro fundamento, relativa a falta de fundamentação

2. Quanto ao segundo fundamento, relativo ao facto de a Comissão ter erradamente aplicado um aumento do montante de base da coima ao abrigo do ponto 37 das Orientações para o cálculo das coimas

a) Quanto à primeira parte do segundo fundamento, relativa ao não exercício, pela Comissão, do seu poder de apreciação

b) Quanto à segunda parte do segundo fundamento, relativa à errada aplicação do aumento da coima ao abrigo do ponto 37 das Orientações para o cálculo das coimas

1) Quanto à primeira alegação, relativa ao facto de o valor das compras não comportar uma subavaliação da importância económica da infração no presente processo

2) Quanto à segunda alegação, relativa ao facto de o aumento do montante da coima não ser necessário para assegurar um efeito dissuasivo

3) Quanto à terceira acusação, relativa ao facto de um aumento de coima aplicado a todos os cartéis em matéria de compras provocar uma dissuasão excessiva sistemática

4) Quanto à quarta alegação, atinente à irrelevância da decisão relativa à reciclagem de baterias para automóveis pelo facto de o cartel em causa respeitar apenas a uma componente menor do preço

5) Quanto à quinta alegação, relativa ao facto de os potenciais ganhos dos cartéis em matéria de compras serem menos significativos do que os dos cartéis em matéria de vendas

c) Quanto à terceira parte do segundo fundamento, relativa à violação do dever de fundamentação

3. Quanto ao terceiro fundamento, relativo ao caráter desproporcionado do montante da coima

a) Quanto ao pedido de redução da percentagem de aumento da coima ao abrigo do ponto 28 das Orientações para o cálculo das coimas

b) Quanto ao pedido de redução da percentagem de aumento da coima ao abrigo do ponto 37 das Orientações para o cálculo das coimas

B. Quanto ao pedido reconvencional da Comissão

1. Considerações preliminares sobre o procedimento de transação

2. Quanto à tramitação do procedimento de transação

3. Quanto à procedência do pedido reconvencional da Comissão

IV. Quanto às despesas


*      Língua do processo: inglês.