Language of document : ECLI:EU:T:2024:33

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção Alargada)

24 de janeiro de 2024 (*)

«União Económica e Monetária — União Bancária — Mecanismo Único de Resolução das instituições de crédito e de certas empresas de investimento (MUR) — Fundo Único de Resolução Bancária (FUR) — Decisão do CUR sobre o cálculo das contribuições ex ante para 2021 — Dever de fundamentação — Igualdade de tratamento — Princípio da proporcionalidade — Margem de apreciação do CUR — Exceção de ilegalidade — Base jurídica do Regulamento (UE) n.o 806/2014 — Margem de apreciação da Comissão»

No processo T‑405/21,

Dexia Crédit Local, com sede em Paris (França), representada por H. Gilliams e J.‑M. Gollier, advogados,

recorrente,

contra

Conselho Único de Resolução (CUR), representado por J. Kerlin e C. De Falco, na qualidade de agentes, assistidos por H.‑G. Kamann, F. Louis, P. Gey e V. Del Pozo Espinosa de los Monteros, advogados,

recorrido,

apoiado pelo

Parlamento Europeu, representado por J. Etienne e O. Denkov, na qualidade de agentes,

pelo

Conselho da União Europeia, representado por E. d’Ursel e A. Westerhof Löfflerová, na qualidade de agentes,

e pela

Comissão Europeia, representada por D. Triantafyllou e A. Steiblytė, na qualidade de agentes,

intervenientes,

O TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção Alargada),

composto por: A. Kornezov, presidente, G. De Baere, D. Petrlík (relator), K. Kecsmár e S. Kingston, juízes,

secretário: L. Ramette, administrador,

vistos os autos,

após a audiência de 1 de março de 2023,

profere o presente

Acórdão (1)

1        Com o seu recurso interposto ao abrigo do artigo 263.o TFUE, a recorrente, Dexia Crédit Local, pede a anulação da Decisão SRB/ES/2021/22 do Conselho Único de Resolução (CUR), de 14 de abril de 2021, relativa ao cálculo das contribuições ex ante de 2021 para o Fundo Único de Resolução (a seguir «decisão impugnada»), na parte em que lhe diz respeito.

[Omissis]

III. Pedidos das partes

22      A recorrente conclui pedindo, em substância, que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão impugnada na parte em que lhe diz respeito;

–        condenar o CUR nas despesas.

23      O CUR conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        julgar improcedente o recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas;

–        a título subsidiário, em caso de anulação da decisão impugnada, manter os efeitos desta última até à sua substituição ou, pelo menos, durante um período de seis meses a contar da data em que o acórdão se tornar definitivo.

24      O Parlamento Europeu conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        negar provimento ao recurso na parte em que se baseia na exceção de ilegalidade do Regulamento n.o 806/2014 suscitada nos fundamentos quinto e sexto;

–        condenar a recorrente nas despesas.

25      O Conselho da União Europeia conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        julgar improcedente o recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

26      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        julgar improcedente o recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

IV.    Questão de direito

[Omissis]

A.      Quanto às exceções de ilegalidade do Regulamento n.o 806/2014 e do Regulamento Delegado 2015/63

1.      Quanto aos fundamentos quinto e sexto, relativos a exceções de ilegalidade de disposições do Regulamento n.o 806/2014 à luz dos Tratados

29      Em primeiro lugar, a recorrente alega que os artigos 5.o, 69.o e 70.o do Regulamento n.o 806/2014, com base nos quais o nível‑alvo anual e a sua contribuição ex ante foram determinados pelo CUR, são ilegais. Estas disposições foram adotadas com base no artigo 114.o TFUE, embora substituam as ANR competentes para a determinação do nível‑alvo anual e das contribuições ex ante por uma agência europeia independente, o CUR, instituída por esse regulamento.

30      Em segundo lugar, de acordo com a recorrente, as disposições cuja legalidade é contestada ao abrigo do sexto fundamento, ou seja, os artigos 69.o e 70.o do Regulamento n.o 806/2014, como esta última especificou na sua resposta às questões escritas que o Tribunal Geral lhe submeteu, constituem «disposições fiscais» na aceção do artigo 114.o, n.o 2, TFUE, pelo que não podiam ser adotadas com base no n.o 1 deste artigo. Com efeito, dado que preveem a imposição da obrigação de pagar contribuições ex ante, essas contribuições têm natureza fiscal, uma vez que não constituem a remuneração real e proporcional de um serviço determinado. Com efeito, a recorrente não podia esperar nenhuma contrapartida pelo seu pagamento, tendo em conta o facto, confirmado pela Comissão e pelo CUR, de a sua situação ser regida pelas disposições em vigor no momento da sua resolução, antes da entrada em vigor da Diretiva 2014/59, e de nenhum instrumento de resolução poder ser utilizado a seu respeito em caso de insolvência.

31      Do mesmo modo, as contribuições ex ante prosseguem apenas objetivos de interesse público, como o Tribunal Geral declarou no Acórdão de 20 de janeiro de 2021, ABLV Bank/CUR (T‑758/18, EU:T:2021:28, n.os 70 e 71). Ora, o objetivo de interesse público que consiste em assegurar a estabilidade financeira do sistema bancário não beneficia apenas as instituições sujeitas à obrigação de pagamento das contribuições ex ante, mas todos os agentes económicos da União.

32      Daqui resulta que só o artigo 352.o TFUE poderia constituir uma base legal para a adoção dos artigos 5.o, 69.o e 70.o do Regulamento n.o 806/2014.

33      O CUR, o Parlamento, o Conselho e a Comissão contestam esta argumentação.

34      A título preliminar, há que recordar que a escolha da base jurídica de um ato da União deve assentar em elementos objetivos suscetíveis de ser objeto de fiscalização jurisdicional, entre os quais figuram a finalidade e o conteúdo do ato [v. Parecer 1/15 (Acordo PNR UE‑Canadá), de 26 de julho de 2017, EU:C:2017:592, n.o 76 e jurisprudência referida; Acórdão de 4 de setembro de 2018, Comissão/Conselho (Acordo com o Cazaquistão), C‑244/17, EU:C:2018:662, n.o 36].

35      Os atos legislativos adotados com base no artigo 114.o, n.º1, TFUE devem, por um lado, incluir medidas relativas à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros e, por outro, ter como objeto o estabelecimento e o funcionamento do mercado interno (Acórdão de 22 de janeiro de 2014, Reino Unido/Parlamento e Conselho, C‑270/12, EU:C:2014:18, n.o 100).

36      Num primeiro momento, para apreciar se os artigos 5.o, 69.o e 70.o do Regulamento n.o 806/2014 podiam ser adotados com base no artigo 114.o, n.o 1, TFUE, há que analisar se essas disposições preenchem os dois requisitos acima mencionados no n.o 35.

37      Em primeiro lugar, importa recordar que o artigo 114.o TFUE só é utilizado como base jurídica quando resulte objetiva e efetivamente de um ato jurídico que o seu objeto consiste na melhoria das condições de estabelecimento e de funcionamento do mercado interno (v. Acórdão de 22 de janeiro de 2014, Reino Unido/Parlamento e Conselho, C‑270/12, EU:C:2014:18, n.o 113 e jurisprudência referida).

38      No caso em apreço, decorre, nomeadamente, dos considerandos 1 e 3 do Regulamento n.o 806/2014 e do considerando 1 da Diretiva 2014/59 que este regulamento foi adotado num contexto de crise económica e financeira, o qual revelou, no caso da União, a falta de instrumentos que permitem fazer face eficazmente ao risco que as instituições com dificuldades financeiras representam, o que obrigava os Estados‑Membros a utilizarem os meios financeiros públicos para apoiar essas instituições.

39      Resulta também do considerando 1 do Regulamento n.o 806/2014 que esta crise demonstrou que o funcionamento do mercado interno dos serviços bancários está ameaçado, existindo um risco cada vez maior de fragmentação financeira. Esse cenário suscitava preocupação no mercado interno, no qual os bancos deveriam ter estado em condições de desenvolver atividades transfronteiriças significativas, apesar de estas atividades estarem a diminuir devido ao receio de contágio.

40      Por outro lado, o legislador da União sublinhou, nos considerandos 2 a 4 e 12 do Regulamento n.o 806/2014, que as divergências entre as regras nacionais de resolução e as correspondentes práticas administrativas, bem como a falta de um processo de tomada de decisões unificado para a resolução na União Bancária contribuíam para uma falta de confiança dos sistemas bancários nacionais em relação aos dos outros Estados‑Membros, incluindo os Estados‑Membros que não participam no MUR, e contribuíam para a instabilidade dos mercados, uma vez que não garantem previsibilidade quanto ao eventual resultado da situação de insolvência de um banco. Estas divergências podiam também conduzir certos bancos e os seus clientes a suportarem custos superiores pelos empréstimos obtidos apenas devido ao seu local de estabelecimento e independentemente da sua verdadeira fiabilidade creditícia.

41      Por último, o legislador da União salientou, nos considerandos 9 e 19 do Regulamento n.o 806/2014, que, enquanto as regras, práticas e abordagens em matéria de resolução para a repartição de encargos permanecerem ao nível nacional e os recursos financeiros necessários para o financiamento dos processos de resolução forem mobilizados e gastos ao nível nacional, o vínculo entre os Estados‑Membros e o setor bancário não seria completamente quebrado e o mercado interno manter‑se‑ia fragmentado. Tal restringiria as atividades transfronteiriças dos bancos, criando assim obstáculos ao exercício das liberdades fundamentais e falseando a concorrência no mercado interno.

42      É à luz destas considerações que o Regulamento n.o 806/2014 se destina a limitar o vínculo existente entre a situação orçamental de cada Estado‑Membro e os custos de financiamento dos bancos e das empresas que aí operam, bem como a fazer recair a responsabilidade pelo financiamento da estabilização do sistema financeiro no setor financeiro no seu conjunto.

43      Assim, como previsto no seu artigo 1.o, o Regulamento n.o 806/2014 estabelece, nomeadamente, regras uniformes e um processo uniforme para a resolução das instituições, que devem ser aplicados pelo CUR para fazer face às ameaças acima referidas nos n.os 38 a 41.

44      Um elemento essencial dessas regras e desse processo é o FUR, que permite, como resulta dos artigos 67.o e 76.o do Regulamento n.o 806/2014 e do considerando 107 deste regulamento, assegurar a eficiente aplicação dos poderes de resolução e contribuir para o financiamento dos instrumentos de resolução, assegurando a sua aplicação eficaz.

45      Para garantir meios financeiros suficientes no FUR, este é financiado, à luz das considerações enunciadas nos n.os 38 a 41, supra, pelas contribuições ex ante pagas pelas instituições e cujo montante depende do nível‑alvo final e das principais modalidades de cálculo estabelecidas nos artigos 69.o e 70.o do Regulamento n.o 806/2014.

46      Por conseguinte, o pagamento dessas contribuições, determinado em conformidade com os artigos 69.o e 70.o do Regulamento n.o 806/2014, assegura a aplicação eficiente das regras uniformes e do processo uniforme de resolução de instituições. As regras que fixam as referidas contribuições permitem, por sua vez, como resulta dos considerandos 12 e 19 do mesmo regulamento, evitar a criação de obstáculos ao exercício das liberdades fundamentais ou a distorção da concorrência no mercado interno devido a práticas nacionais divergentes.

47      Por outro lado, o legislador da União sublinhou, nos considerandos 11, 31 e 39 do Regulamento n.o 806/2014, que a aplicação uniforme do regime de resolução nos Estados‑Membros participantes será reforçada graças às competências confiadas ao CUR, que foi especificamente concebido para garantir um processo de decisão rápido e eficaz em matéria de resoluções, e deverá atender de forma adequada à estabilidade financeira nacional, à estabilidade financeira da União e ao mercado interno. Neste contexto, o artigo 5.o desse regulamento prevê que o CUR deve ser considerado uma ANR, na aceção da Diretiva 2014/59, quando exerce as competências e os poderes conferidos a essa ANR. Esta disposição permite assim ao CUR agir plenamente como órgão decisório no domínio da resolução no âmbito da União Bancária e destina‑se, por conseguinte, tendo em conta também as considerações acima expostas nos n.os 38 a 41, a melhorar o funcionamento do mercado interno.

48      Atendendo às considerações precedentes, há que concluir que o Regulamento n.o 806/2014, nomeadamente os seus artigos 5.o, 69.o e 70.o, tem por objetivo melhorar as condições de estabelecimento e de funcionamento do mercado interno.

49      Em segundo lugar, importa recordar que, com a expressão «medidas relativas à aproximação» que figura no artigo 114.o TFUE, os autores do Tratado FUE quiseram conferir ao legislador da União, em função do contexto geral e das circunstâncias específicas da matéria a harmonizar, uma margem de apreciação quanto à técnica de aproximação mais adequada para alcançar o resultado pretendido, especialmente em domínios que se caracterizam por particularidades técnicas complexas (v. Acórdão de 22 de janeiro de 2014, Reino Unido/Parlamento e Conselho, C‑270/12, EU:C:2014:18, n.o 102 e jurisprudência referida).

50      Por conseguinte, na sua escolha da técnica de aproximação e tendo em conta a margem de apreciação de que beneficia quanto às medidas previstas no artigo 114.o TFUE, o legislador da União pode delegar num órgão ou num organismo da União as competências destinadas a implementar a harmonização pretendida. É o que acontece quando as medidas a tomar se devam apoiar numa competência profissional e técnica particular, bem como numa capacidade de reação dessa entidade (Acórdão de 22 de janeiro de 2014, Reino Unido/Parlamento e Conselho, C‑270/12, EU:C:2014:18, n.o 105).

51      Neste contexto, por um lado, há que salientar que, como resulta dos n.os 38 a 42, supra, as medidas a tomar no domínio da resolução devem apoiar‑se numa competência profissional e técnica particular. Por outro lado, como decorre das considerações acima enunciadas no n.o 47, o CUR foi instituído para garantir e reforçar a aplicação das regras uniformes e do processo uniforme de resolução de instituições. Nestas condições, o legislador da União podia prever, no artigo 5.o do Regulamento n.o 806/2014, que o CUR devia ser considerado uma ANR, na aceção da Diretiva 2014/59, quando exercesse as competências e os poderes conferidos a essa ANR e podia confiar‑lhe as competências para fixar, nos termos dos artigos 69.o e 70.o desse regulamento, o montante das contribuições ex ante e para gerir os meios financeiros do FUR em conformidade com o artigo 67.o, n.os 2 e 3, do referido regulamento.

52      Além disso, como resulta dos n.os 45 e 46, supra, os artigos 69.o e 70.o do Regulamento n.o 806/2014 constituem um elemento essencial das regras e do processo de resolução de instituições, que contribui para evitar a criação de obstáculos ao exercício das liberdades fundamentais ou a distorção da concorrência no mercado interno devido a práticas nacionais divergentes.

53      Do mesmo modo, como resulta do n.o 47, supra, o artigo 5.o do Regulamento n.o 806/2014 contém uma medida relativa à aproximação das legislações em matéria de resolução que reforça a aplicação uniforme das regras e do processo de resolução de instituições.

54      Nestas condições, os artigos 5.o, 69.o e 70.o do Regulamento n.o 806/2014 podem ser considerados disposições relativas à aproximação das disposições dos Estados‑Membros em matéria de resolução de instituições na União Bancária.

55      Esta conclusão não é posta em causa pelo argumento da recorrente de que a criação do CUR pelo Regulamento n.o 806/2014 não cumpre os requisitos enunciados no Acórdão de 2 de maio de 2006, Reino Unido/Parlamento e Conselho (C‑217/04, EU:C:2006:279, n.os 44 e 45).

56      No Acórdão de 2 de maio de 2006, Reino Unido/Parlamento e Conselho (C‑217/04, EU:C:2006:279), o Tribunal de Justiça salientou que as missões confiadas a um organismo encarregado de contribuir para a realização de um processo de harmonização devem estar estreitamente ligadas às matérias objeto dos atos de aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros, sendo esse, «nomeadamente», o caso quando o organismo assim criado efetuava prestações às autoridades nacionais ou aos operadores que tinham influência na execução homogénea dos instrumentos de harmonização e eram suscetíveis de facilitar a aplicação destes (Acórdão de 2 de maio de 2006, Reino Unido/Parlamento e Conselho, C‑217/04, EU:C:2006:279, n.o 45).

57      Ao fazer estas últimas precisões, o Tribunal de Justiça destacou as características do processo que lhe foi submetido, que permitiam, nas circunstâncias desse processo, considerar que as missões do organismo em causa estavam estreitamente ligadas às matérias objeto do ato de aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros em causa nesse processo.

58      Essa estreita ligação entre as missões conferidas ao CUR e a matéria objeto do Regulamento n.o 806/2014 também existe no presente processo. Com efeito, as missões confiadas ao CUR por este regulamento, conforme acima descritas no n.o 51, inserem‑se no contexto da criação da União Bancária, que exigia um conjunto único de regras exaustivo e pormenorizado relativo aos serviços financeiros, como indicou o legislador da União no considerando 5 desse regulamento. Neste contexto, como resulta do considerando 35 desse regulamento, o CUR desempenha um papel importante na garantia da coerência entre as práticas de supervisão e resolução em toda a União. Além disso, em conformidade com o artigo 31.o, n.o 1, e com o artigo 70.o, n.o 2, desse mesmo regulamento, no exercício das suas funções, o CUR colabora estreitamente com as ANR, incluindo para efeitos do cálculo das contribuições ex ante. Por conseguinte, as missões que são conferidas ao CUR pelo Regulamento n.o 806/2014 têm um impacto na execução homogénea dos instrumentos de harmonização e são suscetíveis de facilitar a sua aplicação.

59      Nestas circunstâncias, a recorrente não pode alegar que as missões confiadas ao CUR não estão estreitamente ligadas às matérias objeto dos atos de aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros na matéria em causa.

60      Decorre de todas as considerações precedentes que os artigos 5.o, 69.o e 70.o do Regulamento n.o 806/2014 preenchem os requisitos enunciados no artigo 114.o, n.o 1, TFUE.

61      Num segundo momento, a recorrente sustenta que os artigos 69.o e 70.o do Regulamento n.o 806/2014, uma vez que preveem a obrigação de pagar contribuições ex ante, têm natureza fiscal na aceção do artigo 114.o, n.o 2, TFUE e não podem, por conseguinte, ser adotados com base no artigo 114.o, n.o 1, TFUE.

62      O artigo 114.o, n.o 2, TFUE prevê que o n.o 1 desta disposição não se aplica às «disposições fiscais».

63      No que respeita à interpretação da expressão «disposições fiscais», há que observar que o Tratado FUE não contém uma definição desta última (v., neste sentido, Acórdão de 29 de abril de 2004, Comissão/Conselho, C‑338/01, EU:C:2004:253, n.o 63).

64      Não obstante, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que uma taxa paga pelos operadores económicos de um setor determinado não tem natureza fiscal numa situação em que, em particular, é direta e unicamente afeta ao financiamento das despesas desse setor e em que essas despesas são necessárias ao funcionamento deste último para, nomeadamente, o estabilizar (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 11 de julho de 1989, Schräder HS Kraftfutter, 265/87, EU:C:1989:303, n.os 9 e 10).

65      Ora, este raciocínio também é válido no caso das contribuições ex ante, que seguem uma lógica baseada na garantia e que são pagas pelos operadores económicos de um setor determinado com vista a financiar exclusivamente as despesas desse setor.

66      Assim, no que se refere à natureza das contribuições ex ante, já foi salientado no n.o 38, supra, que o Regulamento n.o 806/2014 foi adotado num contexto de crise económica e financeira, o qual revelou, no caso da União, a falta de instrumentos que permitem fazer face eficazmente ao risco que as instituições com dificuldades financeiras representam, o que obrigava os Estados‑Membros a utilizar os meios financeiros públicos para apoiar essas instituições. O MUR destina‑se a evitar os danos resultantes de situações de insolvência de instituições durante essas crises, uma vez que a insolvência de instituições num único Estado‑Membro pode afetar a estabilidade dos mercados financeiros como um todo, como decorre dos considerandos 8 e 12 deste regulamento.

67      Neste contexto, o legislador da União considerou que incumbia ao setor financeiro no seu conjunto financiar a estabilização do sistema financeiro, como resulta, nomeadamente, do considerando 100 do Regulamento n.o 806/2014.

68      Nesta ótica, a natureza específica das contribuições ex ante consiste, como confirmam os considerandos 105 a 107 da Diretiva 2014/59 e o considerando 41 do Regulamento n.o 806/2014, em assegurar, numa lógica baseada na garantia, que o setor financeiro fornece recursos financeiros suficientes ao MUR para que este possa desempenhar as suas funções (Acórdão de 15 de julho de 2021, Comissão/Landesbank Baden‑Württemberg e CUR, C‑584/20 P e C‑621/20 P, EU:C:2021:601, n.o 113).

69      Por conseguinte, em conformidade com o artigo 67.o, n.os 2 e 4, e com o considerando 61 do Regulamento n.o 806/2014, as contribuições ex ante são cobradas aos operadores económicos do setor financeiro para alimentar o FUR, ao qual é permitido recorrer unicamente para assegurar a eficiente aplicação dos instrumentos de resolução e o eficiente exercício dos poderes de resolução, sempre que tais medidas sejam necessárias para alcançar o objetivo de estabilidade financeira desse setor.

70      A este respeito, há que salientar que, como decorre do artigo 1.o do Regulamento n.o 806/2014, as medidas acima mencionadas no n.o 69 só são aplicadas em benefício das instituições que são obrigadas a pagar as contribuições ex ante.

71      É certo que o Regulamento n.o 806/2014 não estabelece nenhuma relação automática entre o pagamento da contribuição ex ante e a resolução da instituição em causa. É por esta razão que as contribuições ex ante não podem ser consideradas prémios de seguro cuja mensalidade e reembolso são possíveis (v., neste sentido, Acórdão de 20 de janeiro de 2021, ABLV Bank/CUR, T‑758/18, EU:T:2021:28, n.os 70 e 73).

72      Não deixa de ser verdade que as instituições beneficiam duplamente do FUR, que é financiado precisamente pelas suas contribuições ex ante.

73      Por um lado, quando as instituições estão em situação ou em risco de insolvência, a sua situação financeira pode ser regularizada no âmbito de um processo de resolução que pode ser iniciado a seu favor se os outros requisitos previstos no artigo 18.o do Regulamento n.o 806/2014 também estiverem preenchidos. Tal procedimento permite, assim, utilizar meios financeiros do FUR a favor dessas instituições, entendendo‑se que esses meios foram alimentados pelas contribuições destas últimas.

74      Por outro lado, todas as instituições beneficiam das suas contribuições ex ante através da estabilidade do sistema financeiro, que é assegurada pelo FUR.

75      Com efeito, o risco coberto pelo FUR é aquele que o conjunto do setor financeiro constitui para a estabilidade do sistema financeiro (Acórdão de 20 de janeiro de 2021, ABLV Bank/CUR, T‑758/18, EU:T:2021:28, n.o 72).

76      Daqui resulta que o FUR visa, não numa perspetiva fiscal, mas de garantia, assegurar a estabilidade do setor financeiro no seu conjunto, tendo por objetivo garantir uma proteção contra a sua própria crise em benefício de todas as instituições.

77      Esta finalidade baseada na garantia reflete‑se também, aliás, no cálculo das contribuições ex ante, dado que estas não resultam da aplicação de uma taxa determinada a uma base, mas, nos termos dos artigos 102.o e 103.o da Diretiva 2014/59 e dos artigos 69.o e 70.o do Regulamento n.o 806/2014, da definição de um nível‑alvo final e depois de um nível‑alvo anual, que é seguidamente repartido entre as instituições (v., a este respeito, Acórdão de 15 de julho de 2021, Comissão/Landesbank Baden‑Württemberg e CUR, C‑584/20 P e C‑621/20 P, EU:C:2021:601, n.o 113). Esta repartição do nível‑alvo anual baseia‑se, nomeadamente, como resulta também do considerando 109 do Regulamento n.o 806/2014, no risco que cada instituição representa para a estabilidade do sistema financeiro, o que incentiva as instituições a adotarem modos de funcionamento de menor risco.

78      Decorre do que precede que as instituições pagam as contribuições ex ante numa lógica baseada na garantia, entendendo‑se que estas contribuições são direta e unicamente afetas ao financiamento das despesas do setor financeiro a que pertencem essas instituições e que essas despesas se revelam necessárias para o funcionamento deste setor, para, nomeadamente, o estabilizar em caso de situação de insolvência de certas instituições e de limitar efeitos de contágio.

79      Por conseguinte, as disposições do Regulamento n.o 806/2014 que obrigam as instituições a pagar contribuições ex ante e especificam as modalidades do seu cálculo, designadamente os seus artigos 69.o e 70.o, não constituem «disposições fiscais» na aceção do artigo 114.o, n.o 2, TFUE.

80      Esta conclusão não é contrariada pela argumentação da recorrente.

81      Por um lado, pelos motivos enunciados nos n.os 72 a 74, supra, há que rejeitar o argumento da recorrente segundo o qual não recebe nenhuma contrapartida na sequência do pagamento das contribuições ex ante.

82      Por outro lado, o argumento da recorrente segundo o qual a estabilidade financeira é um objetivo de interesse público que não beneficia apenas as pessoas sujeitas à obrigação de pagamento das contribuições ex ante também não pode ser acolhido. Com efeito, tal circunstância não tem impacto na lógica baseada na garantia das contribuições ex ante, entendendo‑se que essas contribuições pagas pelas instituições direta e unicamente afetas ao financiamento das despesas do setor financeiro, a que esses estabelecimentos pertencem, e que essas despesas se revelam necessárias para o funcionamento desse setor.

83      Num terceiro momento, a recorrente sustenta que o Regulamento n.o 806/2014 deveria ter sido adotado com fundamento no artigo 352.o TFUE, que é uma disposição equivalente ao artigo 127.o, n.o 6, TFUE, que constituía a base jurídica do Regulamento (UE) n.o 1024/2013 do Conselho, de 15 de outubro de 2013, que confere ao BCE atribuições específicas no que diz respeito às políticas relativas à supervisão prudencial das instituições de crédito (JO 2013, L 287, p. 63).

84      O artigo 352.o TFUE visa suprir a falta de poderes para agir, conferidos expressa ou implicitamente às instituições da União por disposições específicas dos Tratados, nos casos em que tais poderes se revelam, porém, necessários para que a União possa exercer as suas funções para atingir um dos objetivos fixados por esses Tratados [Parecer 2/94 (Adesão da Comunidade à CEDH), de 28 de março de 1996, EU:C:1996:140, n.o 29; v., igualmente, Acórdão de 3 de setembro de 2009, Parlamento/Conselho, C‑166/07, EU:C:2009:499, n.o 41 e jurisprudência referida].

85      Daqui resulta que, quando existe uma base jurídica específica para a adoção de um ato da União, o recurso ao artigo 352.o TFUE está excluído.

86      Ora, por um lado, decorre dos n.os 38 a 54, supra, que as disposições cuja legalidade é contestada, a saber, os artigos 5.o, 69.o e 70.o do Regulamento n.o 806/2014, preenchem os requisitos previstos no artigo 114.o, n.o 1, TFUE, uma vez que contêm uma medida relativa à aproximação das legislações e das regras em matéria de resolução e porque têm por objeto melhorar o funcionamento do mercado interno. Por outro lado, resulta dos n.os 62 a 79, supra, que os artigos 69.o e 70.o deste regulamento, cuja legalidade é contestada, não constituem «disposições fiscais» na aceção do artigo 114.o, n.o 2, TFUE.

87      Por conseguinte, tais medidas podem ser associadas às competências atribuídas às instituições da União para legislar com base no artigo 114.o TFUE, para melhorar o funcionamento do mercado interno.

88      Nestas condições, o artigo 352.o TFUE não constitui uma base jurídica adequada para a adoção dos artigos 5.o, 69.o e 70.o do Regulamento n.o 806/2014.

89      Atendendo ao que precede, os fundamentos quinto e sexto devem ser julgados improcedentes.

[Omissis]

B.      Quanto aos fundamentos relativos à legalidade da decisão impugnada

[Omissis]

1.      Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do artigo 69.o, n.o 2, do Regulamento n.o 806/2014 pela decisão impugnada

[Omissis]

207    Para apreciar se o CUR violou o artigo 69.o, n.o 2, do Regulamento n.o 806/2014 quando determinou o nível‑alvo anual na decisão impugnada, o Tribunal Geral deve começar por examinar oficiosamente se essa decisão está fundamentada o bastante no que se refere à determinação desse nível.

208    A este respeito, importa recordar que a falta ou insuficiência de fundamentação constitui um fundamento de ordem pública que pode, ou mesmo deve, ser conhecido oficiosamente pelo juiz da União (v. Acórdão de 2 de dezembro de 2009, Comissão/Irlanda e o., C‑89/08 P, EU:C:2009:742, n.o 34 e jurisprudência referida). Por conseguinte, o Tribunal Geral pode, ou mesmo deve, ter também em conta outras faltas de fundamentação além das invocadas pela recorrente, nomeadamente quando estas se manifestam no decurso do processo.

209    Para o efeito, as partes foram ouvidas, através de uma medida de organização do processo e durante a audiência, sobre todas as eventuais faltas de fundamentação de que estaria viciada a decisão impugnada no que respeita à determinação do nível‑alvo anual.

210    Feita esta precisão, importa recordar que, em conformidade com o artigo 69.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014, no termo do período inicial, os meios financeiros disponíveis no FUR devem atingir o nível‑alvo final, que corresponde a pelo menos 1 % do montante dos depósitos cobertos de todas as instituições autorizadas no território de todos os Estados‑Membros participantes.

211    Nos termos do artigo 69.o, n.o 2, do Regulamento n.o 806/2014, durante o período inicial, as contribuições ex ante devem ser escalonadas ao longo do tempo da forma mais equilibrada possível até que seja atingido o nível‑alvo final referido no n.o 210, supra, mas tendo devidamente em conta a fase do ciclo económico e o impacto que as contribuições pró‑cíclicas podem ter na posição financeira das instituições.

212    O artigo 70.o, n.o 2, do Regulamento n.o 806/2014 especifica que, todos os anos, as contribuições devidas por todas as instituições autorizadas no território de todos os Estados‑Membros participantes não excedem 12,5 % do nível‑alvo final.

213    No que respeita ao método de cálculo das contribuições ex ante, o artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento Delegado 2015/63 prevê que o CUR determina o seu montante com base no nível‑alvo anual, tendo em conta o nível‑alvo final, e com base no valor médio dos depósitos cobertos registados no ano precedente, calculado trimestralmente, de todas as instituições autorizadas no território de todos os Estados‑Membros participantes.

214    Do mesmo modo, segundo o artigo 4.o do Regulamento de Execução 2015/81, o CUR calcula a contribuição ex ante para cada instituição com base no nível‑alvo anual, que deve ser estabelecido tendo em conta o nível‑alvo final e de acordo com a metodologia prevista no Regulamento Delegado 2015/63.

215    No caso em apreço, como resulta do considerando 48 da decisão impugnada, o CUR fixou, para o período de contribuição de 2021, o montante do nível‑alvo anual em 11 287 677 212,56 euros.

216    Nos considerandos 36 e 37 da decisão impugnada, o CUR explicou, em substância, que o nível‑alvo anual devia ser determinado com base numa análise sobre a evolução dos depósitos cobertos nos anos anteriores, em toda a evolução pertinente da situação económica, bem como numa análise sobre os indicadores relativos à fase do ciclo de atividades e nos efeitos que as contribuições pró‑cíclicas teriam na situação financeira das instituições. Posteriormente, o CUR considerou adequado fixar um coeficiente que se baseava nesta análise e nos meios financeiros disponíveis no FUR (a seguir «coeficiente»). O CUR aplicou esse coeficiente a um oitavo do montante médio dos depósitos cobertos em 2020, para obter o nível‑alvo anual.

217    O CUR expôs o procedimento seguido para fixar o coeficiente nos considerandos 38 a 47 da decisão impugnada.

218    No considerando 38 da decisão impugnada, o CUR constatou uma tendência constante para o aumento dos depósitos cobertos para todas as instituições dos Estados‑Membros participantes. Em especial, o montante médio desses depósitos, calculado trimestralmente, ascendia, para 2020, a 6,689 biliões de euros.

219    Nos considerandos 40 e 41 da decisão impugnada, o CUR apresentou a evolução previsível dos depósitos cobertos para os restantes três anos do período inicial, a saber, de 2021 a 2023. Considerou que as taxas anuais de crescimento dos depósitos cobertos até ao final do período inicial se situariam entre 4 % e 7 %.

220    Nos considerandos 42 a 45 da decisão impugnada, o CUR apresentou uma avaliação da fase do ciclo de atividades e do potencial efeito pró‑cíclico que as contribuições ex ante poderiam ter na situação financeira das instituições. Para o efeito, indicou ter tido em conta vários indicadores, como a previsão de crescimento do produto interno bruto da Comissão e as projeções do Banco Central Europeu (BCE) a este respeito ou o fluxo de crédito do setor privado em percentagem do produto interno bruto.

221    No considerando 46 da decisão impugnada, o CUR concluiu que, embora fosse razoável esperar a continuação do crescimento dos depósitos cobertos na União Bancária, o ritmo deste crescimento seria inferior ao de 2020. A esse respeito, o CUR indicou, no considerando 47 da decisão impugnada, ter adotado uma «abordagem prudente» no que respeita às taxas de crescimento dos depósitos cobertos para os próximos anos até 2023.

222    À luz destas considerações, o CUR fixou, no considerando 48 da decisão impugnada, o valor do coeficiente em 1,35 %. Em seguida, calculou o montante do nível‑alvo anual, multiplicando o montante médio dos depósitos cobertos em 2020 por este coeficiente e dividindo o resultado deste cálculo por oito, em conformidade com a seguinte fórmula matemática, que figura no considerando 48 da referida decisão:

«Alvo0 [montante do nível‑alvo anual] = Total depósitos cobertos2020 * 0,0135 * ⅛ = 11 287 677 212,56 euros»

223    Em substância, resulta das explicações do CUR na audiência, que este determinou o nível‑alvo anual para o período de contribuição de 2021 do seguinte modo.

224    Primeiro, com base numa análise prospetiva, o CUR fixou o montante dos depósitos cobertos de todas as instituições autorizadas no território de todos os Estados‑Membros participantes, previsto até ao final do período inicial, em cerca de 7,5 biliões de euros. Para chegar a esse montante, o CUR teve em conta o montante médio dos depósitos cobertos em 2020, ou seja, 6,689 biliões de euros, uma taxa de crescimento anual dos depósitos cobertos de 4 % e o número de períodos de contribuição restantes até ao final do período inicial, a saber, três.

225    Segundo, em conformidade com o artigo 69.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014, o CUR calculou 1 % desses 7,5 biliões de euros para obter o montante estimado do nível‑alvo final que devia ser atingido em 31 de dezembro de 2023, ou seja, cerca de 75 mil milhões de euros.

226    Terceiro, o CUR deduziu deste último montante os recursos financeiros já disponíveis no FUR em 2021, isto é, cerca de 42 mil milhões de euros, para obter o montante que faltava receber durante os períodos de contribuição restantes antes do final do período inicial, a saber, de 2021 a 2023. Este montante ascendia a cerca de 33 mil milhões de euros.

227    Quarto, o CUR dividiu este último montante por três para o repartir uniformemente entre os três períodos de contribuição restantes. O nível‑alvo anual para o período de contribuição de 2021 foi assim fixado no montante mencionado no n.o 215, supra, ou seja, cerca de 11,287 mil milhões de euros.

228    O CUR afirmou também, na audiência, que tinha tornado públicas as informações em que se tinha baseado o método descrito nos n.os 224 a 227, supra, e que teriam permitido à recorrente compreender o método de determinação do nível‑alvo anual. Em particular, especificou que tinha publicado no seu sítio Internet, em maio de 2021, ou seja, após a adoção da decisão impugnada, mas antes da interposição do presente recurso, uma ficha descritiva denominada «Fact Sheet 2021» (a seguir «ficha descritiva»), que indicava o montante estimado do nível‑alvo final. Do mesmo modo, o CUR afirmou que o montante dos meios financeiros disponíveis no FUR também estava disponível no seu sítio Internet, bem como através de outras fontes públicas, muito antes da adoção da decisão impugnada.

229    Para analisar se o CUR respeitou o seu dever de fundamentação no que respeita à determinação do nível‑alvo anual, há que recordar que, no que respeita ao conteúdo do dever de fundamentação, resulta da jurisprudência que a fundamentação de uma decisão adotada por uma instituição ou um órgão da União deve ser, nomeadamente, desprovida de contradições, para permitir aos interessados conhecer os fundamentos reais dessa decisão, com vista a defender os seus direitos perante o órgão jurisdicional competente, e a este último exercer a sua fiscalização (v., neste sentido, Acórdãos de 10 de julho de 2008, Bertelsmann e Sony Corporation of America/Impala, C‑413/06 P, EU:C:2008:392, n.o 169 e jurisprudência referida; de 22 de setembro de 2005, Suproco/Comissão, T‑101/03, EU:T:2005:336, n.os 20 e 45 a 47, e de 16 de dezembro de 2015, Grécia/Comissão, T‑241/13, EU:T:2015:982, n.o 56).

230    Do mesmo modo, quando o autor da decisão impugnada fornece determinadas explicações relativas aos seus fundamentos no decurso do processo perante o juiz da União, essas explicações devem ser coerentes com as considerações expostas nessa decisão (v., neste sentido, Acórdãos de 22 de setembro de 2005, Suproco/Comissão, T‑101/03, EU:T:2005:336, n.os 45 a 47, e de 13 de dezembro de 2016, Printeos e o./Comissão, T‑95/15, EU:T:2016:722, n.os 54 e 55).

231    Com efeito, embora as considerações expostas na decisão impugnada não sejam coerentes com essas explicações fornecidas durante o processo judicial, a fundamentação da decisão em causa não cumpre as funções recordadas nos n.os 181 a 182, supra. Em especial, tal incoerência impede, por um lado, os interessados de conhecerem os fundamentos reais da decisão impugnada, antes da interposição do recurso, e de prepararem a sua defesa e, por outro, o juiz da União de identificar os fundamentos que serviram de base jurídica efetiva dessa decisão e de examinar a sua conformidade com as regras aplicáveis.

232    Por último, há que recordar que, quando o CUR adota uma decisão que fixa as contribuições ex ante, deve dar a conhecer às instituições em causa o método de cálculo dessas contribuições (v. Acórdão de 15 de julho de 2021, Comissão/Landesbank Baden‑Württemberg e CUR, C‑584/20 P e C‑621/20 P, EU:C:2021:601, n.o 122).

233    O mesmo se aplica ao método de determinação do nível‑alvo anual, revestindo este montante uma importância essencial na sistemática de tal decisão. Com efeito, como resulta do artigo 4.o do Regulamento de Execução 2015/81, o método de cálculo das contribuições ex ante consiste na repartição do referido montante entre todas as instituições em causa, pelo que um aumento ou uma redução desse mesmo montante implica um aumento ou uma redução correspondente da contribuição ex ante de cada uma dessas instituições.

234    Resulta do exposto que, embora o CUR seja obrigado a fornecer às instituições, através da decisão impugnada, explicações sobre o método de determinação do nível‑alvo anual, estas explicações devem ser coerentes com as explicações fornecidas pelo CUR durante o processo judicial e relativas ao método efetivamente aplicado.

235    Ora, não é o que sucede no presente processo.

236    Com efeito, importa, antes de mais, salientar que a decisão impugnada expôs, no considerando 48, uma fórmula matemática que apresentou como base da determinação do nível‑alvo anual. Ora, verifica‑se que essa fórmula não integra os elementos do método efetivamente aplicado pelo CUR, tal como explicitado na audiência. Com efeito, como acima resulta dos n.os 224 a 227, o CUR obteve o montante do nível‑alvo anual, no âmbito desse método, deduzindo do nível‑alvo final os meios financeiros disponíveis no FUR, com vista a calcular o montante que faltava cobrar até ao final do período inicial e dividindo este último montante por três. Ora, estas duas etapas do cálculo não estão expressas na referida fórmula matemática.

237    Por outro lado, esta conclusão não pode ser posta em causa pela afirmação do CUR de que publicou, em maio de 2021, a ficha descritiva, que continha um intervalo que indicava os eventuais montantes do nível‑alvo final e, no seu sítio Internet, o montante dos meios financeiros disponíveis no FUR. Com efeito, independentemente da questão de saber se a recorrente tinha efetivamente conhecimento desses montantes, estes não eram, por si só, suscetíveis de lhe permitir compreender que as duas operações acima mencionadas no n.o 236 tinham sido, com efeito, aplicadas pelo CUR, precisando‑se, além disso, que a fórmula matemática prevista no considerando 48 da decisão impugnada nem sequer as mencionava.

238    Incoerências semelhantes afetam também a forma como foi fixado o coeficiente de 1,35 %, que desempenha, no entanto, um papel primordial na fórmula matemática referida no n.o 237, supra. Com efeito, esse coeficiente pode ser entendido no sentido de que se baseia, entre outros parâmetros, no crescimento previsível dos depósitos cobertos durante os restantes anos do período inicial. Ora, isso é incoerente com as explicações fornecidas pelo CUR na audiência, das quais resulta que este coeficiente foi fixado para poder justificar o resultado do cálculo do montante do nível‑alvo anual, ou seja, depois de o CUR ter calculado este montante em aplicação das quatro etapas acima expostas nos n.os 224 a 227 e, nomeadamente, dividindo por três o montante resultante da dedução dos meios financeiros disponíveis no FUR do nível‑alvo final. Ora, esta diligência não resulta de modo algum da decisão impugnada.

239    Além disso, importa recordar que, segundo a ficha descritiva, o montante do nível‑alvo final estimado se situava num intervalo compreendido entre 70 e 75 mil milhões de euros. Ora, este intervalo é incoerente com o intervalo da taxa de crescimento dos depósitos cobertos compreendido entre 4 % e 7 % que figura no considerando 41 da decisão impugnada. Com efeito, o CUR indicou na audiência que, para efeitos da determinação do nível‑alvo anual, tinha tido em conta a taxa de crescimento dos depósitos cobertos de 4 % — que era a taxa mais baixa do segundo intervalo — e que tinha assim obtido o nível‑alvo final estimado de 75 mil milhões de euros — que constituía o valor mais elevado do primeiro intervalo. Assim, verifica‑se que existe uma discordância entre estes dois intervalos. Com efeito, por um lado, o intervalo relativo à taxa de evolução dos depósitos cobertos inclui também valores superiores à taxa de 4 %, cuja aplicação conduziu, contudo, a um montante estimado do nível‑alvo final superior aos incluídos no intervalo relativo a esse nível‑alvo. Por outro lado, é impossível para a recorrente compreender a razão pela qual o CUR incluiu no intervalo relativo ao referido nível‑alvo montantes inferiores a 75 mil milhões de euros. Efetivamente, para o atingir, teria sido necessário aplicar uma taxa inferior a 4 %, que, todavia, não está incluída no intervalo relativo à taxa de crescimento dos depósitos cobertos. Nestas condições, a recorrente não estava em condições de determinar a forma como o CUR tinha utilizado o intervalo relativo à taxa de evolução desses depósitos para o cálculo do nível‑alvo final estimado.

240    Daqui resulta que, no que respeita à determinação do nível‑alvo anual, o método efetivamente aplicado pelo CUR, tal como explicitado na audiência, não corresponde ao descrito na decisão impugnada, pelo que os fundamentos reais, à luz dos quais foi fixado este nível‑alvo, não podiam ser identificados com base na decisão impugnada nem pelas instituições nem pelo Tribunal Geral.

241    Atendendo ao que precede, há que concluir que a decisão impugnada enferma de vícios de fundamentação no que respeita à determinação do nível‑alvo anual.

242    Por conseguinte, há que anular a decisão impugnada com base neste fundamento, uma vez que essa falta de fundamentação impede o Tribunal Geral de examinar a procedência do primeiro fundamento.

[Omissis]

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção Alargada)

decide:

1)      A Decisão SRB/ES/2021/22 do Conselho Único de Resolução (CUR), de 14 de abril de 2021, relativa ao cálculo das contribuições ex ante de 2021 para o Fundo Único de Resolução é anulada na parte em que diz respeito à Dexia Crédit Local.

2)      Os efeitos da Decisão SRB/ES/2021/22, na parte em que diz respeito à Dexia Crédit Local, devem ser mantidos até à entrada em vigor, num prazo razoável que não deverá exceder seis meses a contar da data da prolação do presente acórdão, de uma nova decisão do CUR que fixe a contribuição ex ante para o Fundo Único de Resolução desta instituição para o período de contribuição de 2021.

3)      O CUR suportará, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pela Dexia Crédit Local.

4)      O Parlamento Europeu, o Conselho da União Europeia e a Comissão Europeia suportarão as suas próprias despesas.

Kornezov

De Baere

Petrlík

Kecsmár

 

      Kingston

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 24 de janeiro de 2024.

Assinaturas


*      Língua do processo: francês.


1      Apenas são reproduzidos os números do presente acórdão cuja publicação o Tribunal Geral considera útil.