Language of document : ECLI:EU:T:2022:390

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Décima Secção alargada)

22 de junho de 2022 (*)

«Auxílios de Estado — Mercado finlandês do transporte aéreo — Auxílio concedido pela Finlândia à Finnair no contexto da pandemia de COVID‑19 — Recapitalização de uma companhia aérea efetuada pelos seus proprietários públicos e privados proporcionalmente à estrutura de propriedade preexistente — Decisão de não levantar objeções — Quadro temporário das medidas de auxílio de Estado — Medida destinada a sanar uma perturbação grave da economia de um Estado‑Membro — Derrogação de determinados requisitos do quadro temporário — Não ponderação dos efeitos benéficos do auxílio com os seus efeitos negativos nas condições das trocas comerciais e na manutenção de uma concorrência não falseada — Igualdade de tratamento — Liberdade de estabelecimento — Livre prestação de serviços — Dever de fundamentação»

No processo T‑657/20,

Ryanair DAC, com sede em Swords (Irlanda), representada por F.‑C. Laprévote, V. Blanc, E. Vahida, S. Rating e I.‑G. Metaxas‑Maranghidis, advogados,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por L. Flynn, S. Noë e F. Tomat, na qualidade de agentes,

recorrida,

apoiada por

República Francesa, representada por T. Stéhelin e P. Dodeller, na qualidade de agentes,

e por

República da Finlândia, representada por H. Leppo e A. Laine, na qualidade de agentes,

intervenientes,



O TRIBUNAL GERAL (Décima Secção alargada),

composto por: A. Kornezov, presidente, E. Buttigieg, K. Kowalik‑Bańczyk, G. Hesse (relator) e D. Petrlík, juízes,

secretário: I. Pollalis, administrador,

vistos os autos,

após a audiência de 8 de dezembro de 2021,

profere o presente

Acórdão

1        No seu recurso com base no artigo 263.o TFUE, a recorrente, Ryanair DAC, pede a anulação da Decisão C(2020) 3970 final da Comissão Europeia, de 9 de junho de 2020, relativa ao auxílio de Estado SA.57410 (2020/N) — Finlândia COVID‑19: Recapitalização da Finnair (a seguir «decisão impugnada»).

 Antecedentes do litígio

2        Em 3 de junho de 2020, a República da Finlândia notificou a Comissão, em conformidade com o artigo 108.o, n.o 3, TFUE, de uma medida de auxílio sob a forma de uma recapitalização (emissão de ações) num montante que, em função das condições definitivas de emissão das ações, podia oscilar entre 499 e 512 milhões de euros (a seguir «medida em causa»). As novas ações foram oferecidas a todos os acionistas da beneficiária, Finnair, Plc (a seguir «beneficiária» ou «Finnair»), na proporção das respetivas participações no seu capital.

3        A medida em causa tem por base o artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE. Foi adotada na sequência da concessão de uma garantia do Estado a favor da Finnair que a Comissão, na sua Decisão C(2020) 3387 final, de 18 de maio de 2020, relativa ao auxílio de Estado SA.56809 (2020/N) — Finlândia COVID‑19: Garantia de Estado concedida à Finnair (a seguir «decisão relativa à garantia do Estado»), declarou compatível com o mercado interno, à luz dos n.os 3.2 e 3.4 da Comunicação da Comissão de 19 de março de 2020, intitulada «Quadro temporário relativo a medidas de auxílio estatal em apoio da economia no atual contexto do surto de COVID‑19» (JO 2020, C 91 I, p. 1) e alterada em 3 de abril e 8 de maio de 2020 (a seguir «quadro temporário»). Essa garantia do Estado cobria 90 % de um empréstimo de 600 milhões de euros obtido pela Finnair junto de um fundo de pensões.

4        Em 9 de junho de 2020, a Comissão adotou a decisão impugnada, pela qual decidiu não levantar objeções à medida em causa, com o fundamento de que esta era compatível com o mercado interno nos termos do artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE. A Comissão apreciou a compatibilidade de cada uma das medidas que faziam parte da operação global, ou seja, a garantia do Estado e a recapitalização. Em especial, analisou se existiam efeitos decorrentes da cumulação das duas medidas e verificou se esses eventuais efeitos cumulativos eram compatíveis com o mercado interno.

 Pedidos das partes

5        A recorrente pede que o Tribunal Geral se digne:

—        anular a decisão impugnada;

—        condenar a Comissão nas despesas.

6        A Comissão pede que o Tribunal Geral se digne:

—        Julgar o recurso inadmissível ou, a título subsidiário, improcedente;

—        Condenar a recorrente nas despesas.

7        A República Francesa e a República da Finlândia pedem que o Tribunal Geral se digne julgar o recurso improcedente.

 Questão de direito

8        Em apoio do recurso, a recorrente invoca quatro fundamentos, relativos, o primeiro, à violação do artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE, o segundo, à violação dos princípios da não discriminação, da livre prestação de serviços e da liberdade de estabelecimento, o terceiro, à violação dos seus direitos processuais e, o quarto, à falta de fundamentação.

 Quanto à admissibilidade

9        A Comissão, apoiada pela República Francesa, contesta a admissibilidade dos três primeiros fundamentos. A Comissão alega que a recorrente não tem legitimidade para contestar o mérito da decisão impugnada dado que não demonstrou que a sua posição concorrencial no mercado do transporte aéreo finlandês tenha sido substancialmente afetada. A recorrente limitou‑se a referir que prestava serviços na ligação Helsínquia (Finlândia) — Viena (Áustria) durante o verão de 2020, mas afirmou que pôs termo a esses serviços. Por isso, a Comissão também duvida de que a recorrente tenha demonstrado ser parte interessada, na medida em que não apresentou nenhum elemento que permita demonstrar que estava a concorrer com a beneficiária do auxílio.

10      A recorrente contesta estes fundamentos de inadmissibilidade.

11      Há que recordar que, sempre que a Comissão adote uma decisão de não levantar objeções com fundamento no artigo 4.o, n.o 3, do Regulamento (UE) 2015/1589 do Conselho, de 13 de julho de 2015, que estabelece as regras de execução do artigo 108.o TFUE (JO 2015, L 248, p. 9), como no caso em apreço, não só declara as medidas em causa compatíveis com o mercado interno, mas também recusa implicitamente dar início ao procedimento formal de investigação previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE e no artigo 6.o, n.o 1, do referido regulamento (v., por analogia, Acórdão de 27 de outubro de 2011, Áustria/Scheucher‑Fleisch e o., C‑47/10 P, EU:C:2011:698, n.o 42 e jurisprudência referida). Se a Comissão concluir, após a análise preliminar, que a medida notificada suscita dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado interno, deve adotar, com fundamento no artigo 4.o, n.o 4, do Regulamento 2015/1589, uma decisão de dar início ao procedimento formal de investigação previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE e no artigo 6.o, n.o 1, do referido regulamento. Nos termos desta última disposição, tal decisão convida o Estado‑Membro em causa e as outras partes interessadas a apresentar as suas observações num prazo determinado, normalmente não superior a um mês (v., por analogia, Acórdão de 24 de maio de 2011, Comissão/Kronoply e Kronotex, C‑83/09 P, EU:C:2011:341, n.o 46).

12      No caso em apreço, a Comissão decidiu, após a análise preliminar, não levantar objeções à medida em causa, com o fundamento de que esta era compatível com o mercado interno nos termos do artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE. Na medida em que não foi dado início ao procedimento formal de investigação, as partes interessadas, que teriam podido apresentar observações durante essa fase, ficaram privadas dessa possibilidade. Para sanar essa situação, é‑lhes reconhecido o direito de impugnar, perante o juiz da União Europeia, a decisão tomada pela Comissão de não dar início ao procedimento formal de investigação. Assim, deve ser julgado admissível um recurso de anulação da decisão impugnada interposto por uma parte interessada na aceção do artigo 108.o, n.o 2, TFUE quando o autor desse recurso pretenda salvaguardar os direitos processuais que esta última disposição lhe confere (v., neste sentido, Acórdão de 18 de novembro de 2010, NDSHT/Comissão, C‑322/09 P, EU:C:2010:701, n.o 56 e jurisprudência referida).

13      À luz do artigo 1.o, alínea h), do Regulamento 2015/1589, uma empresa concorrente da beneficiária de uma medida de auxílio figura incontestavelmente entre os «interessados», na aceção do artigo 108.o, n.o 2, TFUE (Acórdão de 3 de setembro de 2020, Vereniging tot Behoud van Natuurmonumenten in Nederland e o./Comissão, C‑817/18 P, EU:C:2020:637, n.o 50; v., igualmente, neste sentido, Acórdão de 18 de novembro de 2010, NDSHT/Comissão, C‑322/09 P, EU:C:2010:701, n.o 59).

14      Contrariamente ao que sustentam a Comissão e a República Francesa, a recorrente fez prova bastante de que era concorrente da Finnair. Com efeito, a recorrente explicou que prestava serviços de transporte aéreo de passageiros com partida e destino na Finlândia há mais de 17 anos. É igualmente ponto assente que a recorrente detinha, antes do início da pandemia de COVID‑19, uma quota de mercado desses serviços, ainda que reduzida. A recorrente referiu igualmente que, em 2019, transportara mais de 100 000 passageiros desde e para a Finlândia e que o seu programa inicial, antes do início da pandemia de COVID‑19, para a temporada de verão de 2020 incluía seis linhas com partida em três aeroportos finlandeses. A recorrente explicou igualmente, sem que tal tenha sido contestado, que as suas atividades na Finlândia tinham sido mais afetadas pela pandemia do que as da beneficiária.

15      Contrariamente ao que alega a Comissão, esta conclusão não é posta em causa pelo facto de a recorrente ter cessado de prestar os seus serviços na Finlândia devido à pandemia de COVID‑19. Com efeito, tendo em conta os factos expostos no n.o 14, supra, e as circunstâncias que motivaram essa cessação de serviços, conclui‑se que esta era provavelmente temporária e que a relação concorrencial entre a recorrente e a beneficiária não terminara no momento da apresentação da petição inicial (v., neste sentido, Acórdão de 2 de setembro de 2021, NeXovation/Comissão, C‑665/19 P, EU:C:2021:667, n.o 63). De resto, a recorrente referiu na audiência que estava novamente a operar voos com partida e destino na Finlândia.

16      Daqui decorre que a recorrente, concorrente da beneficiária, demonstrou que era parte interessada na aceção do artigo 1.o, alínea h), do Regulamento 2015/1589 e que tinha interesse em garantir a salvaguarda dos direitos processuais que o artigo 108.o, n.o 2, TFUE lhe conferia.

17      No caso em apreço, decorre dos n.os 33 a 39 de petição inicial que, com o seu recurso, a recorrente pretende apenas que se respeite os direitos processuais de que dispõe ao abrigo do artigo 108.o, n.o 2, TFUE, ainda que o terceiro fundamento seja o único que refere expressamente a salvaguarda dos seus direitos. Deve, por isso, considerar‑se o recurso admissível na medida em que a recorrente invoca a violação dos seus direitos processuais. Consequentemente, importa determinar que fundamentos do recurso são admissíveis por visarem demonstrar a referida violação.

18      O terceiro fundamento, destinado a obter o respeito dos direitos processuais da recorrente, é admissível. Além disso, importa recordar que, para demonstrar a violação dos seus direitos processuais, a recorrente pode invocar argumentos que demonstrem que a conclusão pela compatibilidade da medida em causa com o mercado interno, a que a Comissão chegou, estava errada, o que, por maioria de razão, permite demonstrar que a Comissão devia ter tido dúvidas na apreciação da compatibilidade dessa medida com o mercado interno. Portanto, no caso em apreço, o Tribunal Geral está habilitado a analisar os argumentos de fundo apresentados pela recorrente no quadro dos dois primeiros fundamentos, para os quais esta remete no seu terceiro fundamento, para verificar se podem sustentar o fundamento por ela expressamente formulado, relativo à existência de dúvidas que justifiquem a abertura do procedimento previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE (v., neste sentido, Acórdãos de 13 de junho de 2013, Ryanair/Comissão, C‑287/12 P, não publicado, EU:C:2013:395, n.os 57 a 60, e de 6 de maio de 2019, Scor/Comissão, T‑135/17, não publicado, EU:T:2019:287, n.o 77).

19      Quanto ao quarto fundamento, relativo à falta de fundamentação da decisão impugnada, importa sublinhar que a violação do dever de fundamentação constitui uma violação de formalidades essenciais e um fundamento de ordem pública que deve ser conhecido oficiosamente pelo juiz da União e não diz respeito à legalidade em sede de mérito da decisão impugnada (v., neste sentido, Acórdão de 2 de abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink’s France, C‑367/95 P, EU:C:1998:154, n.os 67 a 72).

 Quanto ao mérito

20      A título preliminar, importa recordar que a legalidade de uma decisão, como a decisão impugnada, de não levantar objeções, baseada no artigo 4.o, n.o 3, do Regulamento 2015/1589, depende da questão de saber se a apreciação das informações e dos elementos de que a Comissão dispunha na fase preliminar de análise da medida notificada, devia objetivamente ter suscitado dúvidas quanto à compatibilidade dessa medida com o mercado interno, uma vez que tais dúvidas devem dar lugar ao início de um procedimento formal de investigação no qual podem participar as partes interessadas referidas no artigo 1.o, alínea h), do referido regulamento (v., por analogia, Acórdãos de 3 de setembro de 2020, Vereniging tot Behoud van Natuurmonumenten in Nederland e o./Comissão, C‑817/18 P, EU:C:2020:637, n.o 80, e de 2 de setembro de 2021, Comissão/Tempus Energy e Tempus Energy Technology, C‑57/19 P, EU:C:2021:663, n.o 38).

21      A legalidade de uma decisão de não levantar objeções tomada no termo do procedimento de análise preliminar deve ser apreciada pelo juiz da União em função não apenas dos elementos de informação de que a Comissão dispunha no momento em que a tomou, mas também dos elementos de que podia dispor (Acórdãos de 29 de abril de 2021, Achemos Grupė e Achema/Comissão, C‑847/19 P, não publicado, EU:C:2021:343, n.o 41, e de 2 de setembro de 2021, Comissão/Tempus Energy e Tempus Energy Technology, C‑57/19 P, EU:C:2021:663, n.o 42).

22      A prova da existência de dúvidas sobre a compatibilidade do auxílio em causa com o mercado interno, que deve ser procurada tanto nas circunstâncias em que a decisão de não levantar objeções foi adotada como no seu conteúdo, deve ser apresentada pelo requerente da anulação dessa decisão a partir de um conjunto de indícios concordantes (Acórdãos de 3 de setembro de 2020, Vereniging tot Behoud van Natuurmonumenten in Nederland e o./Comissão, C‑817/18 P, EU:C:2020:637, n.o 82, e de 2 de setembro de 2021, Comissão/Tempus Energy e Tempus Energy Technology, C‑57/19 P, EU:C:2021:663, n.o 40).

23      No caso em apreço, no âmbito da fiscalização da legalidade da decisão impugnada, compete ao Tribunal Geral analisar os argumentos apresentados pela recorrente para demonstrar que, após uma análise preliminar, a Comissão devia ter tido dúvidas quanto à compatibilidade da medida em causa com o mercado interno na aceção do artigo 4.o, n.os 3 e 4, do Regulamento 2015/1589.

 Quanto ao terceiro fundamento, relativo à violação dos direitos processuais da recorrente

24      O terceiro fundamento, no quadro do qual a recorrente remete igualmente para os seus primeiro e segundo fundamentos, divide‑se em seis partes, relativas a vários indícios que demonstram que a Comissão devia ter tido dúvidas na aceção dada a este conceito pelo artigo 4.o do Regulamento 2015/1589.

–       Quanto ao indício relativo à violação do artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE por a medida em causa não sanar uma perturbação grave da economia da Finlândia

25      No essencial, a recorrente acusa a Comissão de não ter demonstrado que a medida em causa se destinava a sanar uma perturbação grave da economia finlandesa.

26      A Comissão, apoiada pela República Francesa e pela República da Finlândia, contesta esta argumentação.

27      Há que recordar que, nos termos do artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE, os auxílios destinados a sanar uma perturbação grave da economia de um Estado‑Membro podem ser considerados compatíveis com o mercado interno.

28      O artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE constitui uma derrogação do princípio geral da incompatibilidade dos auxílios de Estado com o mercado interno, estabelecido no artigo 107.o, n.o 1, TFUE. Por isso, deve ser interpretado de forma estrita (v. Acórdão de 9 de abril de 2014, Grécia/Comissão, T‑150/12, não publicado, EU:T:2014:191, n.o 146 e jurisprudência referida). O artigo 107.o, n.o 1, TFUE estabelece que são compatíveis com o mercado interno os auxílios concedidos pelos Estados‑Membros ou provenientes de recursos estatais, «independentemente da forma que assumam». Por conseguinte, o artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE aplica‑se aos auxílios individuais [Acórdão de 14 de abril de 2021, Ryanair/Comissão (Finnair I; Covid‑19), T‑388/20, pendente de recurso, EU:T:2021:196, n.o 32].

29      De acordo com a jurisprudência, a Comissão só pode declarar um auxílio compatível com o artigo 107.o, n.o 3, TFUE se puder concluir que o referido auxílio contribui para a realização de um dos objetivos especificados, objetivos que a empresa beneficiária não poderia alcançar pelos seus próprios meios em condições normais de mercado. Por outras palavras, a medida em causa não pode ser declarada compatível com o mercado interno se conduzir a uma melhoria da situação financeira da empresa beneficiária sem que seja necessária para atingir o objetivo previsto no artigo 107.o, n.o 3, TFUE, ou seja, sanar a perturbação grave da economia finlandesa [v., neste sentido, Acórdão de 14 de janeiro de 2009, Kronoply/Comissão, T‑162/06, EU:T:2009:2, n.o 65 e jurisprudência referida; v., igualmente, neste sentido, Acórdão de 14 de abril de 2021, Ryanair/Comissão (Finnair I; Covid‑19), T‑388/20, em recurso, EU:T:2021:196, n.o 33].

30      Em primeiro lugar, há que salientar que, contrariamente ao que sustenta a recorrente, o artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE não exige que o auxílio seja, por si só, suscetível de sanar a perturbação grave da economia do Estado‑Membro em causa. De facto, após a Comissão declarar a existência de uma perturbação grave da economia de um Estado‑Membro, este último pode ser autorizado, se os outros requisitos previstos nesse artigo estiverem preenchidos, a conceder auxílios de Estado, sob a forma de regimes de auxílios ou de auxílios individuais, que contribuam para sanar a referida perturbação grave. Assim, pode tratar‑se de várias medidas de auxílio que, individualmente, contribuam para esse fim. Por conseguinte, não se pode exigir que, para se basear validamente no artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE, uma medida de auxílio sane, por si só, uma perturbação grave da economia de um Estado‑Membro [Acórdão de 14 de abril de 2021, Ryanair/Comissão (Finnair I; Covid‑19), T‑388/20, em recurso, EU:T:2021:196, n.o 41].

31      Nestas condições, a recorrente não pode criticar a Comissão por ter declarado que a medida em causa preenchia os requisitos previstos no artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE, com o único fundamento de que essa medida não podia sanar, por si só, a perturbação grave da economia da Finlândia originada pelo surto de COVID‑19.

32      Em segundo lugar, na medida em que a recorrente sustenta que a medida em causa não sana a perturbação grave da economia finlandesa, mas, pelo contrário, a agrava ao beneficiar apenas a Finnair, há que verificar se a Comissão declarou corretamente que essa medida contribuía para a realização desse objetivo previsto no artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE, em conformidade com a jurisprudência referida no n.o 29, supra.

33      No caso em apreço, a recorrente não contesta que a pandemia de COVID‑19 originou uma perturbação grave da economia finlandesa nem que todo o setor do transporte aéreo foi especialmente afetado pela crise causada por essa pandemia.

34      A recorrente também não contesta a conclusão de que a garantia do Estado e a medida em causa estão tão estreitamente ligadas que devem ser consideradas uma só intervenção.

35      O objetivo dessas duas medidas é, essencialmente, fornecer à Finnair liquidez suficiente para manter a sua viabilidade e os seus serviços de transporte aéreo durante o período em que a pandemia de COVID‑19 perturba gravemente toda a economia finlandesa e evitar que uma eventual falência da Finnair perturbe ainda mais a economia do Estado‑Membro em causa (n.o 41 da decisão impugnada).

36      A este respeito, na decisão impugnada, a Comissão considerou que a falência ou o atraso nos pagamentos da Finnair podiam perturbar gravemente a economia finlandesa devido ao papel relevante desta para a conectividade nacional e internacional do país, bem como ao seu peso económico e social para muitos fornecedores e trabalhadores da Finlândia, e concluiu, por isso, que as medidas a favor da Finnair contribuíam para a realização de um dos objetivos referidos no artigo 107.o, n.o 3, TFUE, ou seja, para sanar uma perturbação grave da economia desse país (n.os 84 a 86 da decisão impugnada).

37      A este respeito, por um lado, há que observar que a Finnair explorava uma rede interna e internacional que assegurava a conectividade da Finlândia. De facto, em 2019, a Finnair era a principal transportadora aérea da Finlândia, com quase 15 milhões de passageiros transportados, ou seja, 67 % da totalidade dos passageiros transportados nesse ano para, de e dentro da Finlândia. A Finnair operava na maioria dos aeroportos regionais finlandeses e dispunha de uma vasta rede internacional, de mais de 100 rotas, que ligava a Finlândia aos principais centros de negócios da Europa e a outras regiões do mundo [v., neste sentido, Acórdão de 14 de abril de 2021, Ryanair/Comissão (Finnair I; Covid‑19), T‑388/20, em recurso, EU:T:2021:196, n.os 45 e 57].

38      Além disso, a Finnair era o principal operador de transporte aéreo de mercadorias na Finlândia e dispunha de uma rede asiática alargada. Se esta rede era essencial para o comércio entre as empresas finlandesas e asiáticas, era ainda mais importante no contexto da crise provocada pela pandemia de COVID‑19. De facto, a Finnair explorava diariamente rotas de transporte aéreo de mercadorias para a Coreia do Sul, China e Japão a fim de responder à procura finlandesa de produtos farmacêuticos e equipamentos médicos necessários para fazer face ao vírus [Acórdão de 14 de abril de 2021, Ryanair/Comissão (Finnair I; Covid‑19), T‑388/20, pendente de recurso, EU:T:2021:196, n.o 47].

39      Por outro lado, há que salientar, à semelhança da Comissão na decisão impugnada, que a Finnair tinha um peso económico e social relevante na Finlândia. Com efeito, a Finnair era, em 2017, a décima sexta empresa mais importante da Finlândia, devido à sua contribuição para o produto interno bruto (PIB) deste país, com um valor acrescentado de 600 milhões de euros, e tinha, em 2019, cerca de 6 800 empregados.

40      A recorrente sustenta que esses valores são insuficientes, comparados com o PIB da Finlândia (cerca de 241 mil milhões de euros em 2019) ou com o número total de pessoas empregadas (2,5 milhões de pessoas), para justificar a medida em causa. Contudo, ainda que o valor acrescentado da Finnair constitua apenas uma parte do PIB finlandês e que os empregados da Finnair representem apenas uma fração do total das pessoas empregadas na Finlândia, tal não pode pôr em causa a importância da Finnair para essa economia. De facto, basta recordar que a Finnair transportava, por si só, 67 % da totalidade dos passageiros que viajavam para, de e dentro da Finlândia e que era a única companhia aérea que dispunha de serviços, com intervalos regulares, com destino à maioria dos aeroportos regionais finlandeses durante todo o ano. Dos passageiros transportados pela Finnair nesses voos domésticos, 50 % viajavam por motivos profissionais. Assim, a Finnair assegura um papel relevante no transporte aéreo de passageiros num país onde, devido ao clima e à situação geográfica, os outros meios de transporte nem sempre são uma alternativa satisfatória à aviação. Além disso, durante a pandemia, a Finnair cooperava com a Huoltovarmuuskeskus (Agência Nacional de Abastecimentos de Urgência, Finlândia) e utilizava a sua rede internacional para responder à procura finlandesa de equipamentos necessários para fazer face à pandemia de COVID‑19. Ora, a segurança do abastecimento de produtos farmacêuticos e médicos em questão é estratégica tanto para proteger a saúde das pessoas que residem na Finlândia como para limitar as medidas de confinamento e relançar rapidamente a economia finlandesa. Muitas empresas finlandesas contavam com os serviços de transporte de mercadorias prestados pela Finnair e algumas contavam igualmente com as compras da Finnair. De facto, as compras da Finnair aos seus fornecedores ascendiam, em 2019, a 1,9 mil milhões de euros, dos quais 40 % eram provenientes de empresas finlandesas [v., neste sentido, Acórdão de 14 de abril de 2021, Ryanair/Comissão (Finnair I; Covid‑19), T‑388/20, pendente de recurso, EU:T:2021:196, n.os 44 a 53].

41      Atendendo a estes elementos, a Comissão considerou corretamente que, devido ao papel relevante da Finnair para a conectividade nacional e internacional da Finlândia e ao seu peso económico e social para muitos fornecedores e trabalhadores finlandeses, a medida em causa contribuía para a realização de um objetivo referido no artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE, ou seja, sanar a perturbação grave da economia desse país, e em caso algum agravava a perturbação de economia finlandesa, ao contrário do que alega a recorrente.

42      Os demais argumentos aduzidos pela recorrente a este respeito não permitem alterar esta conclusão.

43      Em primeiro lugar, no que respeita às decisões anteriores tomadas pela Comissão nos termos do artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE, a recorrente alega que as que se referiam a empresas, consideradas individualmente, diziam respeito a bancos e a uma entidade gestora da rede ferroviária de um Estado‑Membro. Sustenta que, enquanto um banco pode ter uma importância sistémica para uma economia e uma rede ferroviária pode desempenhar um papel relevante para a economia e a população de um país, tal não é o caso da Finnair.

44      Ora, deve recordar‑se que a legalidade da decisão impugnada deve ser apreciada unicamente no quadro do artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE, e não à luz de uma alegada prática decisória anterior da Comissão (v., neste sentido, Acórdão de 27 de fevereiro de 2013, Nitrogénművek Vegyipari/Comissão, T‑387/11, não publicado, EU:T:2013:98, n.o 126 e jurisprudência referida). Em todo o caso, o mero facto de a Finnair não ser nem um banco nem uma entidade gestora de uma rede ferroviária não permite considerar que não é importante para a economia finlandesa. Este simples facto também não permite demonstrar que a medida em causa não contribuía para a realização do objetivo previsto no artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE e que a Comissão devia ter tido dúvidas na apreciação da compatibilidade dessa medida com o mercado interno.

45      Em segundo lugar, no que respeita às alegadas dificuldades financeiras da Finnair antes da pandemia de COVID‑19, por um lado, há que observar que a recorrente não contesta que essa companhia aérea não era, antes da pandemia de COVID‑19, uma empresa em dificuldade na aceção do artigo 2.o, n.o 18, do Regulamento (UE) n.o 651/2014 da Comissão, de 17 de junho de 2014, que declara certas categorias de auxílio compatíveis com o mercado interno, em aplicação dos artigos 107.o e 108.o [TFUE] (JO 2014, L 187, p. 1).

46      Por outro lado, o documento intitulado «Informações financeiras 2019, Finnair», apresentado em anexo à petição inicial, invocado pela recorrente em apoio do seu argumento, não revela a existência de dificuldades que afetassem a Finnair antes do início da pandemia de COVID‑19 e que pudessem ter suscitado dúvidas quanto à compatibilidade da medida em causa com o mercado interno. Pelo contrário, ainda que os lucros da Finnair tenham diminuído 25 % em 2019, relativamente aos de 2018, esse documento confirma que, apesar dessa diminuição, a Finnair continuava a ser uma empresa rentável antes da pandemia de COVID‑19.

47      Em terceiro lugar, quanto à importância da Finnair para a conectividade da Finlândia, a recorrente alega que a decisão impugnada exagera essa importância, na medida em que dois terços dos bilhetes vendidos por esta companhia aérea são bilhetes destinados a assegurar escalas aéreas. A este respeito, basta recordar que o número de passageiros transportados pela Finnair que não realizam escala aérea não é o único fator que a Comissão tomou em consideração para concluir que a medida em causa contribuía para a realização de um dos objetivos referidos no artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE. De facto, como decorre dos n.os 84 a 86 da decisão impugnada, a Comissão teve em conta, efetivamente, o transporte de passageiros, mas igualmente o transporte de mercadorias, os empregos, as compras a fornecedores finlandeses e a contribuição para o PIB. Mesmo admitindo que dois terços dos bilhetes vendidos pela Finnair se destinavam a assegurar escalas aéreas, não é menos verdade que, antes da pandemia de COVID‑19, a Finnair desempenhava um papel relevante na conectividade do país (v. n.os 37 a 40, supra). Nestas circunstâncias, o argumento da recorrente não permite demonstrar que a medida em causa não contribuía para sanar a perturbação grave da economia finlandesa e que a Comissão devia ter tido dúvidas na apreciação da compatibilidade dessa medida com o mercado interno.

48      Em quarto lugar, quanto ao argumento de que a Comissão não demonstrou que a falência da Finnair colocava necessariamente em perigo a economia e a conectividade finlandesas, a recorrente acusa mais concretamente a Comissão de não ter demonstrado, por um lado, que a Finnair teria necessariamente falido sem a medida em causa e, consequentemente, todas as suas atividades teriam cessado e, por outro, que nenhuma outra companhia aérea teria conseguido adaptar‑se e explorar as rotas anteriormente operadas pela Finnair. A recorrente considera que as falências das companhias aéreas Malev e Spanair mostram, a este respeito, que a falência de uma companhia nacional pode aumentar a conectividade de um país e fazer prosperar o seu principal aeroporto.

49      A este respeito, ainda que a Comissão tenha considerado, na decisão impugnada, que a falência ou o atraso nos pagamentos da Finnair podia provocar uma perturbação grave da economia finlandesa, a apreciação da compatibilidade da medida em causa não requeria que a Comissão se assegurasse de que, sem a intervenção do Estado, a Finnair teria necessariamente cessado todas as suas atividades. Bastava‑lhe concluir que a medida em causa era necessária face às graves dificuldades que a Finnair atravessava para manter as suas atividades devido aos riscos que afetavam a sua solvência.

50      Quanto a este aspeto, há que salientar que a procura de voos, quer domésticos quer internacionais, foi gravemente afetada pela propagação da COVID‑19 e pelas restrições de voos daí resultantes. É ponto assente que o colapso da procura teve um efeito negativo imediato e dramático no cash flow da Finnair. Na primavera de 2020, esta anulara uma grande parte dos seus voos e, consequentemente, tivera de reembolsar os passageiros (n.o 81 da decisão impugnada). A Finnair procurara então obter um financiamento nos mercados de crédito mas, devido à situação e às perspetivas incertas, não conseguira cobrir todas as suas necessidades de tesouraria. À data da adoção da decisão relativa à garantia do Estado, conseguira obter uma linha de crédito e negociara um acordo de venda e posterior locação financeira dos seus aviões não onerados com outros encargos, a fim de obter fundos suplementares. A Finnair implementara igualmente importantes medidas transversais de redução de custos para preservar a sua tesouraria.

51      Apesar destas medidas, com base nas projeções financeiras da Finnair para os anos 2020 a 2022, a Comissão declarou, na decisão impugnada, que os fundos próprios da empresa diminuiriam consideravelmente em comparação com a situação que se verificava antes da pandemia de COVID‑19. Tendo em conta estas projeções, a Comissão considerou que, apesar do empréstimo garantido pelo Estado obtido pela Finnair, a falta de um aumento de capital e a impossibilidade de se financiar no mercado de forma suficiente para cobrir todas as suas necessidades de liquidez podiam expor a Finnair a uma crise de liquidez e, consequentemente, ao risco de não poder cumprir as suas obrigações de pagamento e de ter de se sujeitar a um procedimento de insolvência (n.os 4, 80 e 81 da decisão impugnada).

52      Por outro lado, contrariamente ao que sustenta a recorrente, o facto de outra companhia aérea ter eventualmente encontrado «outras soluções de mercado» graças a uma operação de venda e posterior locação financeira ou à redução dos seus efetivos não é suscetível de pôr em causa as considerações precedentes.

53      De facto, há que observar que a Finnair procurou outras soluções de financiamento, semelhantes às que a recorrente menciona nos seus articulados, antes de endereçar um pedido de recapitalização, por escrito, à República da Finlândia, mas não conseguiu obter um financiamento no mercado que lhe permitisse cobrir todas as suas necessidades de liquidez. Além disso, a Comissão salientou que a recapitalização em causa tinha duas consequências principais para a Finnair. Por um lado, permitia aumentar os fundos próprios da Finnair e, assim, melhorar o seu ratio de endividamento e as suas perspetivas de recuperar o acesso aos mercados financeiros em condições acessíveis. Por outro lado, permitia injetar liquidez na Finnair. Por isso, as autoridades finlandesas e a Comissão consideraram que a liquidez obtida graças à recapitalização não teria sido possível por outros meios (n.o 42 da decisão impugnada). Inversamente, nenhum elemento dos autos, designadamente nenhum elemento fornecido pela recorrente, permite concluir que «outras soluções de financiamento» teriam permitido atingir o objetivo prosseguido pela medida em causa assegurando simultaneamente que o resultado pretendido seria obtido nas suas duas vertentes.

54      Por conseguinte, face ao exposto, cumpre considerar que a Comissão demonstrou que a medida em causa era necessária face às graves dificuldades que a Finnair atravessava para manter as suas atividades devido aos riscos que afetavam a sua solvência.

55      De resto, ainda que os exemplos da Malev e da Spanair, invocados pela recorrente, demonstrem que a falência de uma companhia aérea não implica necessariamente uma perda de conetividade para o Estado‑Membro em causa, basta recordar que a importância da Finnair para a conectividade do país não foi o único elemento tomado em consideração para avaliar a importância desta companhia aérea para a economia finlandesa (v. n.o 47, supra). Além disso, a recorrente não apresenta nenhum elemento que permita esclarecer o Tribunal Geral acerca das consequências dessas duas falências para o emprego, para os fornecedores e, in fine, para o valor acrescentado criado na economia dos dois Estados‑Membros em causa. Nestas condições, a analogia feita pela recorrente entre essas falências e o caso em apreço não pode ter qualquer incidência na conclusão de que a medida em causa visava sanar uma perturbação grave da economia finlandesa.

56      De igual modo, o argumento da recorrente de que dispõe de uma grande frota de aeronaves que podiam ter sido recolocadas rapidamente para substituir a Finnair em caso de cessação de atividades centra‑se na conectividade da Finlândia e ignora os outros fatores tidos em conta, como o emprego local, os fornecedores locais e o valor acrescentado criado por aquela na economia finlandesa.

57      Resulta de todas as considerações anteriores que, embora a medida em causa implique efetivamente uma melhoria da situação financeira da Finnair, ela é necessária para alcançar um dos objetivos previstos no artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE, ou seja, sanar a perturbação grave da economia finlandesa, em conformidade com a jurisprudência referida no n.o 29, supra. Consequentemente, há que concluir que, no quadro da primeira parte do terceiro fundamento, a recorrente não apresentou nenhum indício probatório da existência de dúvidas na aceção do artigo 4.o, n.os 3 e 4, do Regulamento 2015/1589.

58      A presente parte deve, por isso, ser julgada improcedente.

–       Quanto ao indício relativo à violação da secção 3.11 do quadro temporário

59      No essencial, a recorrente alega que a Comissão devia ter tido dúvidas, uma vez que a medida em causa se afastava de determinados requisitos previstos na secção 3.11 do Quadro temporário.

60      A Comissão, apoiada pela República da Finlândia, contesta esta argumentação.

61      É jurisprudência constante que, no âmbito da apreciação da compatibilidade de medidas de auxílio com o mercado interno, nos termos do artigo 107.o, n.o 3, TFUE, a Comissão beneficia de um poder de apreciação (v., neste sentido, Acórdão de 19 de julho de 2016, Kotnik e o., C‑526/14, EU:C:2016:570, n.o 38 e jurisprudência referida). No exercício deste poder de apreciação, a Comissão pode adotar orientações para estabelecer critérios com base nos quais pretende avaliar a compatibilidade com o mercado interno de medidas de auxílio projetadas pelos Estados‑Membros. Ao adotar tais regras e ao anunciar, através da sua publicação, que as aplicará no futuro aos casos a que essas regras dizem respeito, a Comissão autolimita‑se no exercício do referido poder de apreciação e não pode, em princípio, desrespeitar essas regras sob pena de poder ser sancionada, sendo caso disso, por violação de princípios gerais do direito, como a igualdade de tratamento ou a proteção da confiança legítima (v., neste sentido, Acórdãos de 8 de março de 2016, Grécia/Comissão, C‑431/14 P, EU:C:2016:145, n.o 69 e jurisprudência referida, e de 19 de julho de 2016, Kotnik e o., C‑526/14, EU:C:2016:570, n.os 39 e 40).

62      Embora, no domínio dos auxílios de Estado, a Comissão esteja vinculada pelas orientações que adota, a adoção de tais orientações não a dispensa do seu dever de analisar as circunstâncias específicas excecionais invocadas por um Estado‑Membro, num caso particular, para requerer a aplicação direta do artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE (v., neste sentido, Acórdãos de 8 de março de 2016, Grécia/Comissão, C‑431/14 P, EU:C:2016:145, n.os 70 a 72, e de 19 de julho de 2016, Kotnik e o., C‑526/14, EU:C:2016:570, n.o 41).

63      No caso em apreço, as autoridades finlandesas notificaram a Comissão da medida em causa nos termos do artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE. Na decisão impugnada, a Comissão analisou a medida em causa à luz da secção 3.11 do Quadro temporário. Contudo, abdicou de aplicar determinados requisitos desse Quadro a fim de ter em conta as especificidades dessa medida, designadamente a participação de investidores privados e o facto de o Estado, enquanto acionista histórico, não aumentar a sua participação no capital da beneficiária em relação à que tinha antes da pandemia. A Comissão esclareceu que, no futuro, aplicaria a mesma abordagem às situações comparáveis que apresentem as mesmas características e iniciaria o procedimento de alteração do Quadro temporário para integrar essa abordagem.

64      O desacordo entre as partes incide, assim, sobre os requisitos previstos na secção 3.11 do quadro temporário que a Comissão não aplicou. Trata‑se, antes de mais, do requisito de que as medidas individuais de recapitalização adotadas no contexto da COVID‑19 incluam um mecanismo de progressividade, que preveja o aumento da remuneração do Estado, a fim de incentivar o beneficiário a reembolsar o capital injetado pelo Estado, em seguida, da proibição de os beneficiários adquirirem uma participação superior a 10 % em empresas concorrentes enquanto, pelo menos, 75 % dessas medidas não tiverem sido reembolsadas e, por último, da proibição de as beneficiárias distribuírem dividendos enquanto as referidas medidas não tiverem sido totalmente reembolsadas. A recorrente alega que, ao atuar desse modo, a Comissão criou artificialmente uma exceção ao quadro temporário e violou os princípios da igualdade de tratamento, da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima. A Comissão e a República da Finlândia sustentam, pelo contrário, que existiam circunstâncias específicas que, em conformidade com a jurisprudência referida no n.o 62, supra, justificavam a aplicação direta do artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE aos factos do caso em apreço e, por isso, a não aplicação dos requisitos acima  referidos.

65      A este respeito, importa salientar, a título preliminar, que a medida em causa, por um lado, inseria‑se num quadro regulamentar marcado por circunstâncias excecionais provocadas pela pandemia de COVID‑19 e, por outro, caracterizava‑se por especificidades muito particulares que lhe eram próprias.

66      No que respeita ao quadro regulamentar no qual a medida em causa se inseria, há que salientar que a pandemia de COVID‑19 deu origem a circunstâncias excecionais. As várias medidas de confinamento adotadas pelos Estados‑Membros, como as medidas de distanciamento social, as restrições de deslocação, as colocações em quarentena e as medidas de isolamento, tiveram como consequência o colapso da procura de transporte aéreo e afetaram direta e gravemente as empresas com atividade neste setor.

67      As repercussões económicas dessas circunstâncias excecionais exigiam uma ação imediata quer ao nível dos Estados‑Membros quer ao nível da União. Para esse efeito, a Comissão adotou o quadro temporário em 19 de março de 2020, ou seja, alguns dias depois de as primeiras medidas de confinamento terem sido adotadas pelos Estados‑Membros, para que estes pudessem atuar com a urgência que a situação exigia. Nesta perspetiva, a Comissão indicou, no quadro temporário, as condições que as medidas de auxílio estatal temporárias deviam satisfazer para serem consideradas compatíveis com o mercado interno com base no artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE e para serem autorizadas muito rapidamente após a sua notificação pelo Estado‑Membro em causa. Atendendo às circunstâncias de extrema urgência que predominavam à data da sua adoção, esse Quadro não podia prever todas as medidas que os Estados‑Membros poderiam adotar a favor dos operadores económicos afetados pela crise causada pela pandemia de COVID‑19. Para ter em conta a evolução da situação e os diferentes tipos de medidas que os Estados‑Membros previam adotar para fazer face às consequências nefastas dessa pandemia, a Comissão procedeu à alteração do quadro temporário em várias ocasiões. Assim, nomeadamente à data da adoção da decisão impugnada, a Comissão preparava‑se para iniciar o procedimento de alteração do quadro temporário uma vez mais, para que este tivesse em conta o tipo de medidas de auxílio temporárias que está em causa. Essa alteração acabou por ocorrer em 29 de junho de 2020, ou seja, vinte dias após a adoção da decisão impugnada.

68      No que respeita às especificidades da medida em causa, há que observar que essa medida apresentava características muito específicas que a Comissão não previra à data da adoção do quadro temporário. De facto, por um lado, essa medida não tinha como objetivo aumentar a participação do Estado, acionista histórico, uma vez que este apenas subscrevia as novas ações na proporção da sua participação anterior. Por outro lado, a medida em causa previa uma participação privada significativa. De facto, a participação dos investidores privados na recapitalização da Finnair representava, pelo menos, 30 % dos novos fundos próprios injetados, tendo os bancos privados assumido o compromisso de subscrever as novas ações que não fossem adquiridas pelos investidores privados atuais ou potenciais. Como esclareceu a República da Finlândia, esse compromisso dos bancos privados garantia que a participação do Estado não aumentaria. A fórmula de recapitalização tinha, assim, como consequência que o montante do auxílio de Estado era muito inferior ao que teria sido necessário sem essa participação privada. Em suma, a recapitalização da Finnair implicava a participação simultânea e em idênticas condições de capitais públicos e de capitais privados, ficando claro que a proporção entre as ações detidas pelos acionistas públicos e as detidas pelos acionistas privados se mantinha inalterada.

69      À luz dessas circunstâncias excecionais e das características muito específicas da medida em causa, há que verificar se os elementos aduzidos pela recorrente no Tribunal Geral podiam suscitar dúvidas quanto à compatibilidade da medida em causa com o mercado interno.

70      Em primeiro lugar, no que respeita ao mecanismo de progressividade para incentivar a beneficiária a reembolsar o capital injetado pelo Estado, a recorrente alega que, por força do n.o 61 do quadro temporário, «qualquer» medida de recapitalização — sem exceção — deve incluir tal mecanismo. A Comissão dispensou, erradamente, a República da Finlândia de apresentar uma estratégia de revenda pelo Estado da sua participação no capital da Finnair resultante da medida em causa, pese embora tal estratégia seja exigida pela secção 3.11.7 do quadro temporário, intitulada «Estratégia de saída do Estado da participação resultante das obrigações de recapitalização e de comunicação de informações». A este respeito, por um lado, a recorrente sustenta que não se justifica que as empresas de que o Estado era acionista antes da pandemia de COVID‑19 sejam tratadas de modo diferente das empresas de que aquele não o era. Tratá‑las de modo diferente, como faz a Comissão, constitui uma derrogação da regra que visa reduzir as distorções da concorrência e viola o princípio da neutralidade entre propriedade pública e propriedade privada estabelecido no artigo 345.o TFUE. Por outro lado, a recorrente alega que é errado considerar, como faz a Comissão na decisão impugnada, que o nível relativamente elevado de diluição dos acionistas existentes justifica que se renuncie ao requisito de um mecanismo de progressividade.

71      Quanto a este aspeto, como sublinha corretamente a recorrente, o n.o 61 do quadro temporário prevê que «[q]ualquer medida de recapitalização deve incluir um mecanismo de progressividade que preveja o aumento da remuneração do Estado, a fim de incentivar o beneficiário a reembolsar o capital injetado pelo Estado». Contudo, nem a redação do n.o 61 nem o conteúdo da secção 3.11.7 desse Quadro, igualmente invocado pela recorrente, dispensa a Comissão do seu dever de verificar se tal mecanismo de progressividade se adequa ao caso concreto, tendo em conta as características muito específicas da medida em causa, e, se assim não for, de aplicar diretamente o artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE.

72      A este respeito, no n.o 74 da decisão impugnada, a Comissão declarou que os incentivos, previstos no quadro temporário, a que o Estado venda a parte dos fundos próprios adquirida a título de auxílio para responder à pandemia de COVID‑19 não se adequavam às recapitalizações das empresas já detidas parcialmente pelo Estado e nas quais este e os investidores privados subscreviam ações na proporção da sua participação anterior. Em seguida, nos n.os 92 e 93 dessa decisão, a Comissão referiu que, embora o quadro temporário previsse um mecanismo de progressividade do Estado em duas fases, a medida em causa indicava que as novas ações, subscritas nomeadamente pelo Estado, eram oferecidas a um preço inferior, pelo menos, 20 % inferior ao da cotação das ações da Finnair nos quinze dias anteriores ao pedido de recapitalização. Nestas condições, a Comissão considerou que essa diferença de preço bastava para que a República da Finlândia fosse suficientemente remunerada e concluiu que não eram necessários outros aumentos da remuneração do Estado, à luz dos n.os 60 a 62 do quadro temporário. Por último, no n.o 111 da referida decisão, a Comissão considerou que, devido ao facto de a participação do Estado no capital da Finnair não ter aumentado após a recapitalização, não era necessária uma estratégia de saída como a prevista na secção 3.11.7 do quadro temporário.

73      A recorrente não questiona as apreciações da Comissão de que, uma vez que as novas ações subscritas pelo Estado tinham um preço, pelo menos, 20 % inferior ao da cotação das ações da Finnair, essa diferença de preço bastava para que a República da Finlândia fosse suficientemente remunerada. Em contrapartida, critica a Comissão por ter considerado que o incentivo à revenda pelo Estado da participação no capital adquirida nos termos da medida em causa, resultante dos mecanismos de progressividade previstos no quadro temporário, não era adequado no caso em apreço.

74      A este respeito, há que salientar que o objetivo dos mecanismos de progressividade previstos nos n.os 61 e 62 do quadro temporário é o restabelecimento do statu quo ante.

75      Ora, num caso como o ora em apreço, em que o Estado compra novas ações na proporção da sua participação anterior, aplicar os n.os 61 e 62 do quadro temporário e exigir que esse Estado venda a participação no capital que adquiriu nos termos da medida em causa obrigá‑lo‑ia, na verdade, a reduzir a sua participação para um nível inferior ao existente antes da implementação da medida em causa, o que teria como consequência uma alteração da estrutura do capital da beneficiária. Em tal cenário, não está excluído que o Estado se visse obrigado a perder a posição de acionista maioritário que detinha antes da recapitalização. Tais consequências ultrapassariam o objetivo dos mecanismos de progressividade previstos nos n.os 61 e 62 do quadro temporário, como se explicou no n.o 74, supra.

76      Por conseguinte, tendo em conta as características muito específicas da medida em causa, há que concluir que o requisito de um mecanismo de progressividade, que incentiva a beneficiária a reembolsar a participação no capital adquirida pelo Estado, previsto nos n.os 61 e 62 do quadro temporário, era desadequado, como a Comissão corretamente declarou.

77      Os outros argumentos apresentados pela recorrente não põem em causa esta conclusão.

78      Com efeito, antes de mais, contrariamente ao que alega a recorrente, a prática da Comissão invocada a este respeito não demonstra que devia ter sido exigida uma redução da participação do Estado no capital da Finnair em relação à que tinha antes da pandemia de COVID‑19. Os exemplos referidos pela recorrente, ou seja, duas decisões anteriores da Comissão respeitantes ao Crédit Lyonnais e à Alstom, eram relativos, respetivamente, a uma situação na qual o objetivo da privatização era claramente atribuído ao banco em causa e a uma situação na qual o Estado entrava no capital da empresa em causa. Ora, essas situações distinguem‑se da que é referida no n.o 75, supra. De resto, de acordo com a jurisprudência referida no n.o 44, supra, a legalidade da decisão impugnada deve ser apreciada no quadro do artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE, e não à luz de uma alegada prática anterior.

79      Em seguida, deve considerar‑se improcedente o argumento da recorrente de que a Comissão criou uma diferença de tratamento entre as empresas nas quais o Estado já detinha uma participação no capital e as empresas nas quais o Estado não detinha uma participação no capital. De facto, uma medida que aumente a participação global do Estado numa empresa parcialmente detida por este antes da pandemia de COVID‑19 e que inclua um auxílio de Estado não é comparável com a medida em causa, tendo em conta as características específicas desta, pelo que não pode existir diferença de tratamento entre as empresas que beneficiam dessas duas categorias de medidas.

80      De igual modo, o argumento da recorrente de que a Comissão violou o artigo 345.o TFUE, que consagra o princípio da neutralidade dos Tratados no que toca ao regime de propriedade nos Estados‑Membros, não colhe. De facto, a medida em causa não diz respeito ao regime de propriedade nos Estados‑Membros enquanto tal.

81      Por último, no que respeita à eventual interação entre o nível de diluição dos acionistas existentes e o requisito de um mecanismo de progressividade referido na argumentação da recorrente (v. n.o 70, supra), basta salientar que, em todo o caso, pelas razões já expostas nos n.os 73 a 76, supra, um mecanismo de progressividade não era adequado nas circunstâncias específicas que caracterizavam a medida em causa.

82      Consequentemente, no caso concreto da Finnair — no qual a medida de auxílio é neutra para a estrutura do capital desta, a participação simultânea do setor privado é significativa, a remuneração do Estado é suficiente e, portanto, o risco de distorção da concorrência é mínimo —, há que considerar que, na decisão impugnada, a Comissão fez prova bastante, em conformidade com a jurisprudência referida no n.o 62, supra, de que o caso em apreço se distinguia das situações previstas no quadro temporário. Por conseguinte, o facto de a medida em causa não incluir uma estratégia de saída do Estado, nomeadamente um mecanismo de progressividade que incentive a beneficiária a reembolsar o capital injetado pelo Estado, não constitui um indício da existência de dúvidas na aceção do artigo 4.o, n.os 3 e 4, do Regulamento 2015/1589.

83      Em segundo lugar, no que respeita à proibição de a beneficiária adquirir uma participação superior a 10 % em empresas concorrentes ou que operem no mesmo ramo de atividade, prevista no n.o 74 do quadro temporário, a recorrente alega que a Comissão autorizou ilegalmente a República da Finlândia a aplicar esta proibição por um período de três anos. De facto, a Comissão considerou erradamente que tal requisito, previsto no n.o 74 do quadro temporário, tinha como objetivo incentivar os investidores privados a comprar as ações adquiridas pelo Estado nas empresas privadas que beneficiaram de auxílios durante a pandemia de COVID‑19 e, por isso, não era adequado para as situações em que o Estado era um acionista histórico. De acordo com a recorrente, esse requisito tinha como objetivo, na verdade, sanar as distorções de concorrência.

84      Há que recordar que, de acordo com o n.o 74 do quadro temporário, «[d]esde que, pelo menos, 75 % das medidas de recapitalização COVID‑19 não tenham sido reembolsadas, os beneficiários que não sejam PME devem ser impedidos de adquirir uma participação superior a 10 % em empresas concorrentes ou noutros operadores do mesmo ramo de atividade, incluindo as operações a montante e a jusante».

85      A este respeito, há que salientar que esta proibição de aquisição prossegue um duplo objetivo. Por um lado, limita as distorções indevidas da concorrência na medida em que impede os beneficiários de utilizar recursos públicos para financiar atividades que são suscetíveis de provocar distorções no mercado, como a aquisição de participações em empresas concorrentes ou que operem no mesmo ramo de atividade. Por outro lado, na medida em que o n.o 74 do quadro temporário vincula o levantamento da proibição ao reembolso de, pelo menos, 75 % da medida de auxílio, a referida proibição incentiva a beneficiária a reembolsar o quanto antes o capital injetado pelo Estado.

86      Contudo, no caso em apreço, como foi exposto n.os 73 a 76, supra, e como a Comissão explicou no n.o 104 da sua decisão, tal requisito, vinculado ao reembolso de 75 % da medida em causa, não é adequado, na medida em que tal reembolso teria como consequência obrigar o Estado‑Membro em causa a reduzir a sua participação no capital da beneficiária a um nível inferior ao que detinha antes da pandemia de COVID‑19. Nestas condições, a Comissão podia concluir com razão que a proibição de aquisição prevista no n.o 74 do quadro temporário não podia ser aplicada no caso em apreço.

87      Em vez disso, a República da Finlândia impôs à Finnair uma proibição de efetuar aquisições por um período de três anos a contar da data da injeção de capital (n.o 25 da decisão impugnada). A Comissão considerou que esse período era adequado e proporcional à necessidade de limitar qualquer distorção indevida da concorrência (n.o 105 da decisão impugnada).

88      A recorrente não contesta a duração da proibição, enquanto tal, proposta pela República da Finlândia e aceite pela Comissão. Limita‑se a criticar a Comissão por ter autorizado esse Estado‑Membro a derrogar a proibição de aquisição prevista no n.o 74 do quadro temporário, por considerar que as distorções de concorrência são mais limitadas sempre que a beneficiária do auxílio seja uma empresa pública.

89      Contudo, há que observar que a Comissão não se baseou na natureza pública ou privada da beneficiária. De facto, como decorre do n.o 105 da decisão impugnada, para justificar a derrogação da proibição de aquisição prevista no n.o 74 do quadro temporário pelas circunstâncias muito específicas do caso em apreço, a Comissão baseou‑se apenas no facto de o Estado não aumentar o nível da sua participação na empresa em causa, o que implicava que esse requisito não podia ser aplicado como tal, sem provocar uma alteração importante na estrutura do capital da beneficiária.

90      Tendo em conta o exposto, há que considerar que a Comissão fez prova bastante, na decisão impugnada, em conformidade com a jurisprudência referida no n.o 62, supra, de que o caso em apreço se distinguia das situações previstas no n.o 74 do quadro temporário. Por conseguinte, o facto de a Comissão ter aceitado uma proibição de aquisição por um período de três anos, em vez de vincular essa proibição ao reembolso de 75 % dos fundos próprios injetados pelo Estado, não constitui um indício da existência de dúvidas na aceção do artigo 4.o, n.os 3 e 4, do Regulamento 2015/1589.

91      Em terceiro lugar, quanto à proibição de distribuir dividendos, a recorrente alega que a Comissão abdicou dessa proibição porque esta reduzia o interesse dos investidores privados em participar na recapitalização da Finnair, ignorando que esta conclusão se aplicava igualmente às empresas privadas nas quais o Estado injetava, pela primeira vez, fundos próprios através de uma medida de auxílio. A proibição de distribuir dividendos deve garantir que a recapitalização de uma empresa pelo Estado não seja utilizada para enriquecer os seus acionistas. Ao abdicar da proibição de distribuir dividendos, a Comissão criou uma discriminação baseada na estrutura acionista da empresa em causa.

92      A este respeito, importa recordar que o quadro temporário prevê, no seu n.o 77, que a beneficiária de uma medida de recapitalização não pode distribuir dividendos enquanto a referida medida não tiver sido totalmente reembolsada.

93      Quanto a este aspeto, há que esclarecer que a proibição de distribuir dividendos visa garantir o caráter temporário da intervenção do Estado — incentivando a beneficiária a comprar a participação do Estado adquirida nos termos da medida de auxílio — e reforçar os fundos próprios da beneficiária.

94      No caso em apreço, por um lado, como foi especificado nos n.os 73 a 76, supra, a Comissão considerou corretamente que incentivar a beneficiária a comprar a participação do Estado adquirida por aplicação da medida em causa não era adequado, tendo em conta as características específicas da medida em causa.

95      Por outro lado, embora seja verdade que, como sustenta a recorrente, a perspetiva de não receber um dividendo reduz, em todo o caso, o interesse de um investidor privado em participar numa recapitalização, importa salientar que, como recordam os n.os 73 e 94 da decisão impugnada, a medida em causa assenta numa participação significativa do setor privado de modo que a participação do Estado no capital da Finnair permaneça inalterada.

96      Tendo em conta esta característica específica da medida em causa, era importante, no caso em apreço, permitir a distribuição de dividendos, pois tal constituía um incentivo a que os acionistas privados e os investidores privados subscrevessem novas ações e fornecessem, assim, à Finnair novos capitais privados. De facto, uma vez que a medida em causa foi concebida de forma a reduzir o mais possível o montante do auxílio, era coerente que, para assegurar uma contribuição significativa dos investidores privados, lhes fosse garantido o auferimento de dividendos sobre as novas ações que subscrevessem.

97      É tanto mais assim quanto as circunstâncias excecionais relacionadas com a pandemia de COVID‑19 tiveram como consequência inelutável a deterioração do clima de investimentos no setor aéreo. Assim, à data da adoção da decisão impugnada, a deterioração desse clima era tal que levara, como recorda o n.o 43 da decisão impugnada, a República da Finlândia a conceder uma garantia do Estado à Finnair para aumentar as hipóteses de os setores públicos e privados participarem em simultâneo na recapitalização da Finnair. A República da Finlândia não podia, portanto, esperar uma participação significativa dos acionistas privados e dos investidores privados sem criar incentivos.

98      Por conseguinte, há que concluir que a não proibição de distribuir dividendos se justifica pelo facto de o Estado não aumentar a sua participação em relação à que tinha antes da crise causada pela pandemia de COVID‑19 em virtude da participação em simultâneo de acionistas e de investidores privados na recapitalização da Finnair, o que reduzia o montante do auxílio. Assim, os dividendos distribuídos aos acionistas privados e aos investidores privados mais não são que a remuneração do seu investimento significativo na Finnair, em circunstâncias de crise e num clima desfavorável a investimentos.

99      De resto, a recorrente não apresenta nenhum elemento que permita demonstrar que a situação na qual o Estado entra no capital de uma empresa privada através de uma medida de auxílio, aumentando, por princípio, a participação do Estado no capital desta, é comparável à do presente caso, caracterizada por uma participação tanto de capitais públicos como de capitais privados, nas mesmas condições e na proporção da sua participação anterior. Acresce que, pelas razões expostas no n.o 95, supra, há que considerar que estas situações são diferentes e que a decisão impugnada não deu origem a qualquer discriminação. Consequentemente, esse argumento não colhe.

100    Tendo em conta o exposto, a decisão impugnada faz prova bastante, em conformidade com a jurisprudência referida no n.o 62, supra, de que o caso em apreço se distingue das situações previstas no quadro temporário. Por conseguinte, o facto de a Comissão ter revogado a proibição de distribuir dividendos não constitui um indício da existência de dúvidas na aceção do artigo 4.o, n.os 3 e 4, do Regulamento 2015/1589.

101    Nestas condições, o mero facto de a Comissão ter derrogado determinados requisitos do quadro temporário para ter em conta as circunstâncias específicas, na aceção da jurisprudência referida no n.o 62, supra, da medida em causa, ou seja, que o Estado era o acionista histórico maioritário da beneficiária e que apenas subscrevia as novas ações na proporção da sua participação anterior, não é suficiente para demonstrar que devia ter tido dúvidas quanto à compatibilidade dessa medida com o mercado interno, as quais deviam ter implicado a adoção de uma decisão de dar início a um procedimento formal de investigação.

102    Tendo em conta todas as considerações anteriores, há que concluir que, contrariamente ao que sustenta a recorrente, a Comissão também não violou os princípios da igualdade de tratamento, da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima.

103    Daqui decorre que, no quadro da segunda parte do terceiro fundamento, a recorrente não apresentou nenhum indício probatório da existência de dúvidas na aceção do artigo 4.o, n.os 3 e 4, do Regulamento 2015/1589. Esta parte deve, por isso, ser julgada improcedente.

–       Quanto ao indício relativo ao incumprimento da alegada obrigação de ponderar os efeitos benéficos do auxílio com os seus efeitos negativos nas condições das trocas comerciais e na manutenção de uma concorrência não falseada

104    No essencial, a recorrente alega que, sempre que a Comissão analise a compatibilidade de um auxílio, está obrigada a ponderar os efeitos positivos esperados atinentes à realização dos objetivos enunciados no artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE com os efeitos negativos quanto às distorções da concorrência e ao impacto do auxílio nas trocas comerciais entre Estados‑Membros. O quadro temporário, nomeadamente a secção 1.2, obriga, de resto, a Comissão a efetuar tal ponderação. A título subsidiário, a recorrente alega que, caso o Tribunal Geral decida que o quadro temporário dispensa a Comissão de assim proceder, pretende suscitar uma exceção de ilegalidade do quadro temporário, nos termos do artigo 277.o TFUE, na medida em que este Quadro viola a obrigação de efetuar uma ponderação.

105    A Comissão, apoiada pela República Francesa e pela República da Finlândia, contesta esta argumentação.

106    Nos termos do artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE, «[p]odem ser considerados compatíveis com o mercado interno […] [o]s auxílios destinados […] a sanar uma perturbação grave da economia de um Estado‑Membro». Decorre da redação desta disposição que os seus autores consideraram que era do interesse de toda a União que um ou outro dos seus Estados‑Membros estivesse em condições de superar uma crise grave, ou mesmo existencial, que só poderia ter consequências graves para a economia de todos ou de alguns dos outros Estados‑Membros e, por conseguinte, para a União enquanto tal. Esta interpretação textual da letra do artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE é confirmada através da sua comparação com o artigo 107.o, n.o 3, alínea c), TFUE, que diz respeito aos «auxílios destinados a facilitar o desenvolvimento de certas atividades ou regiões económicas, quando não alterem as condições das trocas comerciais de maneira que contrariem o interesse comum», na medida em que a redação desta última disposição contém um requisito, relativo à demonstração de que as condições das trocas comerciais não são afetadas numa medida contrária ao interesse comum, que não figura no artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE (v., neste sentido, Acórdão de 22 de setembro de 2020, Áustria/Comissão, C‑594/18 P, EU:C:2020:742, n.os 20 e 39).

107    Assim, desde que os requisitos impostos pelo artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE estejam preenchidos, ou seja, no caso em apreço, que o Estado‑Membro em causa seja efetivamente confrontado com uma perturbação grave da sua economia e que as medidas de auxílio adotadas para sanar essa perturbação sejam, por um lado, necessárias para esse efeito, e, por outro, adequadas e proporcionadas, presume‑se que essas medidas são adotadas no interesse da União, pelo que esta disposição não exige que a Comissão proceda a uma ponderação dos efeitos benéficos do auxílio com os seus efeitos negativos nas condições das trocas comerciais e na manutenção de uma concorrência não falseada, contrariamente ao que é exigido pelo artigo 107.o, n.o 3, alínea c), TFUE. Por outras palavras, essa ponderação não tem razão de ser no quadro do artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE, presumindo‑se que o seu resultado é positivo. O facto de um Estado‑Membro conseguir sanar uma perturbação grave da sua economia só pode, com efeito, beneficiar a União em geral e o mercado interno em particular (Acórdão de 17 de fevereiro de 2021, Ryanair/Comissão, T‑238/20, pendente de recurso, EU:T:2021:91, n.o 68).

108    Consequentemente, deve ser rejeitado o argumento da recorrente de que a obrigação de ponderação decorre do caráter excecional dos auxílios compatíveis, incluindo os auxílios declarados compatíveis nos termos do artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE. Pelas mesmas razões, a recorrente não tem fundamento para invocar os Acórdãos de 6 de julho de 1995, AITEC e o./Comissão (T‑447/93 a T‑449/93, EU:T:1995:130), e de 19 de setembro de 2018, HH Ferries e o./Comissão (T‑68/15, EU:T:2018:563, n.os 210 a 214) [v., neste sentido, Acórdãos de 17 de fevereiro de 2021, Ryanair/Comissão, T‑238/20, pendente de recurso, EU:T:2021:91, n.o 69, e de 14 de abril de 2021, Ryanair/Comissão (Finnair I; Covid‑19), T‑388/20, pendente de recurso, EU:T:2021:196, n.os 70 e 71].

109    A recorrente também não convence quando afirma que o caráter obrigatório de uma ponderação resulta do quadro temporário, uma vez que tal obrigação não consta deste. Em especial, a secção 1.2 desse quadro temporário a que a recorrente se refere, relativa à «necessidade de estreita coordenação europeia das medidas nacionais em matéria de auxílios estatais», contém apenas um ponto, o ponto 10, que não estabelece nenhuma exigência a esse respeito.

110    Daqui decorre que a Comissão não tinha a obrigação de proceder, na decisão impugnada, à ponderação exigida pela recorrente. Embora a recorrente invoque a ilegalidade do quadro temporário, o artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE não exige, como resulta do n.o 107, supra, que a Comissão proceda a uma ponderação dos efeitos benéficos do auxílio com os seus efeitos negativos nas condições das trocas comerciais e na manutenção de uma concorrência não falseada. Por conseguinte, o quadro temporário, que não prevê tal ponderação, não viola essa disposição.

111    Finda a análise dos argumentos apresentados pela recorrente no quadro da terceira parte do terceiro fundamento, há que concluir que esta não apresentou nenhum indício probatório da existência de dúvidas na aceção do artigo 4.o, n.os 3 e 4, do Regulamento 2015/1589. Consequentemente, esta parte deve ser considerada improcedente.

–       Quanto ao indício relativo a um erro de apreciação do caráter significativo do poder de mercado da Finnair

112    No essencial, a recorrente sustenta que a Comissão violou o quadro temporário na medida em que apenas analisou o mercado dos serviços aeroportuários na apreciação do caráter significativo do poder de mercado da Finnair. Para determinar esse caráter significativo, devia ser utilizada a «abordagem O & D», ou seja, analisar os mercados de serviços de transporte aéreo de passageiros definidos por pares de cidades entre um ponto de origem e um ponto de destino (a seguir «mercados O & D»). A recorrente invoca a este respeito a prática da Comissão em matéria de direito das concentrações. Para apreciar o poder de mercado significativo da Finnair nos mercados O & D, a recorrente invoca a quota global desta companhia aérea no transporte de passageiros com partida e destino no aeroporto de Helsínquia, que era de 68,4 % em 2019. A recorrente afirma igualmente que a Comissão não analisou as barreiras à entrada a não ser o congestionamento dos aeroportos.

113    A Comissão, apoiada pela República da Finlândia, contesta esta argumentação.

114    A título preliminar, há que recordar que, de acordo com o n.o 72 do quadro temporário, se a beneficiária de uma medida de recapitalização adotada no contexto da COVID‑19 de valor superior a 250 000 000 euros for uma empresa com poder de mercado significativo em, pelo menos, um dos mercados relevantes em que opera, os Estados‑Membros devem propor medidas adicionais para preservar a concorrência efetiva nesses mercados. O conceito de «poder de mercado significativo» não é definido no quadro temporário e este também não fornece indicações quanto à abordagem a seguir para definir os mercados relevantes.

115    No caso em apreço, importa recordar que a medida em causa visa sanar a perturbação grave da economia da Finlândia causada pela pandemia de COVID‑19 e que, para esse efeito, visa principalmente permitir à Finnair manter a sua viabilidade e os seus serviços de transporte aéreo.

116    Contudo, como salientou a Comissão no n.o 98 da decisão impugnada, ao manter a viabilidade da Finnair, a medida em causa permite‑lhe igualmente conservar faixas horárias e outros ativos que não poderia necessariamente conservar sem esse apoio. Essas faixas horárias e esses outros ativos podem ser utilizados em todas as rotas que tenham como destino e proveniência um aeroporto servido pela Finnair em função, por exemplo, da procura, mas também das diversas medidas de confinamento adotadas pelos Estados.

117    A este respeito, uma vez que a medida em causa visava manter, na medida do possível, todas as atividades da Finnair e não se centrava em rotas específicas, há que concluir que era suscetível de ter os mesmos efeitos em todas as combinações de rotas que a Finnair podia efetuar graças às faixas horárias e aos outros ativos que conseguia conservar. A Comissão concluiu, por isso, corretamente, no n.o 99 da decisão impugnada, que, para determinar o poder de mercado da Finnair, podia analisar a existência ou, pelo contrário, a inexistência de pressão concorrencial exercida sobre esta companhia aérea nos aeroportos onde esta detinha faixas horárias. A Comissão efetuou essa apreciação com base, nomeadamente, no nível de congestionamento do aeroporto em causa e na quota‑parte de faixas horárias detida pela Finnair nesse aeroporto.

118    No n.o 100 da decisão impugnada, a Comissão considerou que a Finnair prestava essencialmente serviços de transporte aéreo de passageiros com destino ou partida na sua principal base e plataforma (hub), ou seja, o aeroporto de Helsínquia.

119    A recorrente não identifica outros aeroportos, além do de Helsínquia, que a Comissão devesse ter analisado.

120    No referido aeroporto, a quota‑parte de faixas horárias detida pela Finnair em relação à totalidade das faixas horárias nesse aeroporto era inferior a 25 % em 2019 (n.o 100 da decisão impugnada). Além disso, como decorre da decisão impugnada, esse aeroporto não está congestionado, mesmo nas horas de ponta, o que a recorrente não contesta e o que a República da Finlândia confirmou nas suas alegações de intervenção. Estão disponíveis faixas horárias, a qualquer hora do dia, para os novos operadores, incluindo os que pretendam concorrer com a Finnair, numa rota ou noutra.

121    Por estas razões, a Comissão considerou que a Finnair não dispunha de um poder de mercado significativo no aeroporto de Helsínquia (n.o 101 da decisão impugnada).

122    Esta conclusão não é posta em causa pelo argumento da recorrente baseado no facto de a Finnair ter transportado, no total, 68,4 % de todos os passageiros com partida e destino no aeroporto de Helsínquia em 2019. De facto, este argumento apresentado pela recorrente não basta para demonstrar que a Finnair detinha um poder de mercado significativo nesse aeroporto, dado que este não estava congestionado e que aí estavam amplamente disponíveis faixas horárias para os concorrentes existentes e os novos operadores, a qualquer hora do dia, incluindo nas horas de ponta, pelo que estes podiam exercer uma pressão concorrencial efetiva sobre a Finnair em qualquer das rotas com partida e destino nesse aeroporto.

123    Para contestar esta conclusão, a recorrente limita‑se a sustentar que o nível de congestionamento do aeroporto de Helsínquia e o número de faixas horárias detidas pela Finnair nada dizem sobre a existência de um eventual poder de mercado significativo desta companhia aérea nos vários pares de cidades que serve.

124    Contudo, atendendo aos elementos expostos no n.o 120, supra, há que concluir que a quota‑parte de faixas horárias detida pela Finnair não lhe permite perturbar os diferentes mercados O & D com partida ou destino no aeroporto de Helsínquia, na medida em que um grande número de faixas horárias permanece disponível. De resto, a recorrente não apresenta nenhum elemento concreto que permita demonstrar a inexistência de uma pressão concorrencial exercida sobre as diferentes rotas operadas pela Finnair.

125    Além disso, e sem que seja necessário apreciar a questão de saber se a Comissão devia analisar a eventual existência de um poder de mercado significativo da Finnair igualmente em cada uma das rotas por esta operadas, há que recordar que, sempre que a Comissão seja acusada de não ter dado início ao procedimento formal de investigação, cabe ao recorrente demonstrar que a apreciação das informações e dos elementos de que a Comissão dispunha ou podia dispor na data em que adotou a decisão impugnada devia ter suscitado dúvidas quanto à compatibilidade da medida em causa com o mercado interno, em conformidade com a jurisprudência recordada nos n.os 20 a 22, supra. No caso em apreço, tal significa que a recorrente devia, pelo menos, identificar os mercados O & D em causa e descrever a situação concorrencial nesses mercados na data em que a Comissão adotou a decisão impugnada.

126    Ora, a recorrente não apresenta nenhum elemento concreto que permita esclarecer o Tribunal Geral sobre a eventual existência de um poder de mercado significativo da Finnair num qualquer mercado O & D em que esta opera.

127    As únicas barreiras suscetíveis de dissuadir um novo operador de concorrer com a beneficiária referidas pela recorrente são o controlo estatal sobre a Finnair e sobre a Finavia (entidade gestora do aeroporto de Helsínquia), a capacidade da Finnair para vender com prejuízo e o contexto da pandemia de COVID‑19. Contudo, nenhum destes argumentos está suficientemente fundamentado para proceder.

128    De facto, em apoio do primeiro argumento, a recorrente alega que o controlo estatal sobre a Finavia desencorajou esta última de cooperar com companhias aéreas de baixo custo no desenvolvimento dos aeroportos regionais. A recorrente alega igualmente que a Finnair foi favorecida no aeroporto de Helsínquia, na medida em que as suas taxas aeroportuárias eram inferiores às das outras companhias aéreas. Para fundamentar este argumento, a recorrente refere a Decisão da Comissão, de 25 de julho de 2012, relativa à medida SA.23324 — C 25/07 (ex NN 26/07) — Finlândia Finavia, Airpro e Ryanair no aeroporto de Tampere‑Pirkkala (JO 2013, L 309, p. 27), sem, contudo, indicar as razões pelas quais esta decisão, que não diz respeito ao aeroporto de Helsínquia, é suscetível de corroborar esse argumento. Em todo o caso, o argumento da recorrente diz respeito ao comportamento da entidade gestora do aeroporto de Helsínquia, a Finavia, e não ao da beneficiária. Mesmo admitindo que as alegações da recorrente tenham fundamento, as medidas corretivas que devem eventualmente ser adotadas dizem respeito à Finavia e não à Finnair, pelo que essas alegações vão além do objeto do presente litígio.

129    Em apoio do segundo argumento, a recorrente faz referência a um documento intitulado «Ryanair Holdings PLC — COVID‑19 Atualização de mercados», anexo à petição, datado de 1 de maio de 2020 e do qual é autora. Ora, este documento não contém nenhum elemento que permita demonstrar que a Finnair vende com prejuízo em virtude da medida em causa.

130    Em apoio do terceiro argumento, a recorrente limita‑se a alegar que o contexto da pandemia de COVID‑19 torna muito improvável qualquer nova entrada no mercado finlandês do transporte aéreo ou uma expansão desse mercado. Contudo, como assinala a Comissão, a recorrente não especifica de que forma as repercussões da pandemia podiam ter sido tidas em conta como barreiras à entrada. Este argumento entra igualmente em contradição com a afirmação da recorrente, no n.o 7 das suas observações sobre as alegações de intervenção da República da Finlândia, de que a sua recente expansão na Finlândia demonstra a capacidade de outras companhias aéreas, além da Finnair, para operar e se desenvolver na Finlândia durante a crise causada pela COVID‑19. Tendo em conta o exposto, este argumento deve ser rejeitado.

131    Atendendo a todas estas considerações e face à falta de provas ou de produção de prova que permita fundamentar as suas alegações, há que concluir que, no âmbito da quarta parte do terceiro fundamento, a recorrente não apresentou nenhum indício probatório da existência de dúvidas na aceção do artigo 4.o, n.os 3 e 4, do Regulamento 2015/1589. Esta parte deve, por isso, ser julgada improcedente.

–       Quanto ao indício relativo à violação do princípio da não discriminação

132    Para demonstrar a existência de dúvidas quanto à compatibilidade da medida em causa com o mercado interno, a recorrente sustenta que a referida medida viola o princípio da não discriminação. Em especial, a recorrente alega que a decisão impugnada tratou de modo diferente a situação comparável das companhias aéreas que exploram as rotas com partida e destino na Finlândia, favorecendo a Finnair sem qualquer justificação objetiva. A Comissão não demonstrou nem a necessidade de conceder o auxílio apenas à Finnair nem a proporcionalidade da diferença de tratamento entre a Finnair e as outras companhias aéreas. Acrescenta que, se o auxílio fosse atribuído a todas as companhias aéreas que operam na Finlândia, em função da sua quota de mercado, o objetivo da medida seria alcançado sem discriminação. Daqui a recorrente deduz que a medida em causa é um «instrumento de nacionalismo económico evidente», como confirma o comunicado de imprensa do Governo finlandês.

133    A Comissão, apoiada pela República Francesa e pela República da Finlândia, contesta esta argumentação.

134    O princípio da igualdade de tratamento exige que situações comparáveis não sejam tratadas de modo diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de modo igual, exceto se esse tratamento for objetivamente justificado (Acórdão de 15 de abril de 2008, Nuova Agricast, C‑390/06, EU:C:2008:224, n.o 66; v., igualmente, neste sentido, Acórdão de 5 de junho de 2018, Montero Mateos, C‑677/16, EU:C:2018:393, n.o 49).

135    Os elementos que caracterizam situações diferentes e, portanto, o seu caráter comparável devem ser determinados e apreciados à luz do objeto e do objetivo do ato da União que institui a distinção em causa. Além disso, devem ser tomados em consideração os princípios e os objetivos do domínio em que se integra o ato em questão (Acórdão de 16 de dezembro de 2008, Arcelor Atlantique et Lorraine e o., C‑127/07, EU:C:2008:728, n.o 26).

136    Por outro lado, importa recordar que o princípio da proporcionalidade, que faz parte dos princípios gerais do direito da União, exige que os atos das instituições da União não excedam os limites do que é adequado e necessário para alcançar os objetivos legítimos prosseguidos pela legislação em causa (Acórdão de 17 de maio de 1984, Denkavit Nederland, 15/83 EU:C:1984:183, n.o 25), entendendo‑se que, quando haja uma escolha entre várias medidas adequadas, se deve recorrer à menos restritiva e que os inconvenientes causados não devem ser desproporcionados relativamente aos objetivos prosseguidos [Acórdão de 30 de abril de 2019, Itália/Conselho (Quota de capturas de espadarte mediterrânico), C‑611/17, EU:C:2019:332, n.o 55].

137    É efetivamente verdade que as outras companhias aéreas contribuem, em certa medida, para a conectividade da Finlândia e são tão afetadas como a Finnair pela pandemia de COVID‑19 e pelas restrições de viagem daí decorrentes. Contudo, não é menos verdade que, como alega a Comissão, não existe qualquer obrigação de os Estados‑Membros concederem auxílios destinados a sanar a perturbação grave de uma economia na aceção do artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE [v., neste sentido, Acórdão de 14 de julho de 2021, Ryanair e Laudamotion/Comissão (Austrian Airlines; Covid‑19), T‑677/20, em recurso, EU:T:2021:465, n.o 54]. Além disso, como foi especificado nos n.os 30 e 31, supra, um auxílio pode destinar‑se a sanar a perturbação grave da economia de um Estado‑Membro, em conformidade com o artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE, independentemente do facto de não sanar, por si só, tal perturbação. Por conseguinte, a República da Finlândia não está obrigada a conceder um auxílio a todas as empresas que contribuem, numa medida ou noutra, para a conetividade do seu território.

138    Por outro lado, importa salientar que um auxílio individual, como a medida em causa, beneficia, por definição, apenas uma empresa, com exclusão de todas as outras, incluindo as que se encontram numa situação comparável à do beneficiário desse auxílio. Assim, pela sua própria natureza, esse auxílio individual cria uma diferença de tratamento, ou até uma discriminação, a qual é inerente ao caráter individual da referida medida. Ora, sustentar, como faz a recorrente, que o auxílio individual em causa é contrário ao princípio da não discriminação equivale, em substância, a pôr sistematicamente em causa a compatibilidade de todos os auxílios individuais com o mercado interno pelo simples facto de revestir um caráter intrinsecamente exclusivo e, como tal, discriminatório, quando o direito da União permite aos Estados‑Membros conceder esses auxílios desde que os requisitos previstos no artigo 107.o TFUE estejam preenchidos [Acórdão de 14 de abril de 2021, Ryanair/Comissão (Finnair I; Covid‑19), T‑388/20, pendente de recurso, EU:T:2021:196, n.o 81].

139    Em todo o caso, mesmo admitindo que, como afirma a recorrente, a diferença de tratamento instituída pela medida em causa, devido ao facto de beneficiar apenas a Finnair, possa ser equiparada a uma discriminação, é necessário verificar se se justifica por um objetivo legítimo e se é necessária, adequada e proporcionada para o alcançar. Do mesmo modo, na medida em que a recorrente refere o artigo 18.o, primeiro parágrafo, TFUE, importa sublinhar que, de acordo com esta disposição, é proibida toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade no âmbito de aplicação dos Tratados, «sem prejuízo das suas disposições especiais». Por conseguinte, importa verificar se essa diferença de tratamento é permitida ao abrigo do artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE, que constitui a base jurídica da decisão impugnada. Essa análise implica, por um lado, que o objetivo da medida em causa satisfaça os requisitos previstos por esta última disposição, e, por outro, que as modalidades de concessão da medida em causa, ou seja, no caso em apreço, o facto de beneficiar apenas a Finnair, sejam de molde a permitir que esse objetivo seja alcançado e não vão além do necessário para o alcançar [Acórdão de 14 de abril de 2021, Ryanair/Comissão (Finnair I; Covid‑19), T‑388/20, em recurso, EU:T:2021:196, n.o 82].

140    Quanto ao objetivo da medida em causa, é ponto assente que a pandemia de COVID‑19 perturbou gravemente a economia finlandesa e teve efeitos negativos consideráveis no mercado finlandês do transporte aéreo. Neste contexto, pelas razões expostas nos n.os 39 a 41, supra, o objetivo da medida em causa, ou seja, manter a viabilidade e os serviços de transporte aéreo da Finnair, era passível de sanar a perturbação grave da economia finlandesa.

141    Quanto às modalidades de concessão da medida em causa, como salientou a Comissão nos n.os 84 e 85 da decisão impugnada e como resulta dos n.os 37 a 41, supra, a Finnair contribuía de forma significativa para o desenvolvimento económico e o comércio externo da Finlândia, tanto pelo seu papel relevante na conectividade nacional e internacional do país como pelo seu peso económico e social para muito fornecedores e trabalhadores finlandeses.

142    De acordo com a recorrente, estas circunstâncias não permitem justificar a diferença de tratamento resultante da medida em causa. A medida em causa não é proporcionada dado que concede à Finnair a totalidade do auxílio pese embora a quota desta na conectividade da Finlândia se situe entre 45 % e 67 %.

143    Contudo, tendo em conta o seu papel relevante em matéria de conectividade nacional e internacional, bem como o seu peso económico e social na Finlândia, já demonstrados no quadro da primeira parte do terceiro fundamento, há que concluir que assegurar a continuidade das atividades económicas da Finnair contribuía mais para sanar a perturbação grave da economia finlandesa do que manter as atividades das outras companhias aéreas que operavam — em menor medida do que a Finnair — na Finlândia. Em especial, não decorre de nenhum elemento dos autos de que o Tribunal Geral dispõe que a recorrente ou outra companhia aérea, pelo seu papel na conectividade nacional e internacional da Finlândia, bem como pelo seu peso económico e social para esse país, tinha uma importância comparável com a da Finnair para a economia finlandesa e respetiva retoma.

144    Quanto à questão de saber se a medida em causa vai além do necessário para alcançar o objetivo em causa, a Comissão salientou, no n.o 89 da decisão impugnada, que o aumento de capital previsto, nomeadamente a participação do Estado, era inferior às perdas previstas. Daqui concluiu que a medida em causa não excedia o restabelecimento da estrutura de capital da Finnair existente em 31 de dezembro de 2019, ou seja, antes da pandemia de COVID‑19.

145    A recorrente não contesta estes factos. Limita‑se a alegar que a medida em causa é desproporcionada por dizer apenas respeito à Finnair e a sustentar que se trata de uma medida de «evidente nacionalismo económico».

146    A este respeito, por um lado, há que recordar que a Comissão não tem qualquer obrigação de analisar se, além da manutenção da Finnair, a República da Finlândia devia alargar o círculo de beneficiários do auxílio, uma vez que a decisão sobre a garantia do Estado e a decisão impugnada fazem prova bastante da necessidade de preservar a contribuição da Finnair para a economia finlandesa.

147    Por outro lado, importa recordar que um auxílio que preencha os requisitos previstos no artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE, como acontece no caso em apreço, pode ser concedido a uma empresa detida maioritariamente pelo Estado‑Membro em causa. Por conseguinte, ainda que o comunicado de imprensa do Governo finlandês, invocado pela recorrente e apresentado em anexo à petição, sublinhe que a República da Finlândia age como um «proprietário responsável», tal não é suficiente para demonstrar que a medida em causa é uma medida de «nacionalismo económico». Além disso, há que observar que o referido comunicado de imprensa refere a importância das ligações aéreas asseguradas pela Finnair para a segurança do abastecimento da Finlândia, para o transporte de mercadorias e para o transporte de passageiros, bem como a influência dessa empresa na economia nacional. Assim, o comunicado confirma as apreciações da Comissão quanto à importância da Finnair para sanar a perturbação grave da economia finlandesa.

148    Daqui decorre que, em todo o caso e na medida em que a diferença de tratamento instituída pela medida em causa possa ser equiparada a uma discriminação, se justificava a concessão do benefício da medida em causa apenas à Finnair.

149    Consequentemente, não ficou provado que a Comissão devia ter tido dúvidas, na aceção do artigo 4.o, n.os 3 e 4, do Regulamento 2015/1589, na apreciação da compatibilidade da medida em causa com o mercado interno. A mera invocação pela recorrente da alegada prática da Comissão nos termos do artigo 107.o, n.o 2, alínea b), TFUE não é suscetível de alterar esta conclusão.

–       Quanto ao indício relativo à violação da livre prestação de serviços e da liberdade de estabelecimento

150    No essencial, a recorrente alega que a medida em causa, dado que vai além do necessário para alcançar o objetivo declarado do auxílio, restringe de forma injustificada a livre prestação de serviços e a liberdade de estabelecimento, o que suscita dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado interno. A este respeito, a recorrente sustenta que conceder o auxílio em causa apenas à Finnair origina uma fragmentação do mercado interno e, no caso das companhias aéreas, restringe o seu direito de fornecer livremente serviços de transporte aéreo no mercado interno, reconhecido pelo regime de licenças europeias de exploração previsto no Regulamento (CE) n.o 1008/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de setembro de 2008, relativo a regras comuns de exploração dos serviços aéreos na Comunidade (JO 2008, L 293, p. 3).

151    A Comissão, apoiada pela República Francesa e pela República da Finlândia, contesta esta argumentação.

152    Importa recordar que a livre prestação de serviços se opõe à aplicação de qualquer legislação nacional que tenha como efeito tornar a prestação de serviços entre Estados‑Membros mais difícil do que a prestação de serviços puramente interna de um Estado‑Membro, independentemente da existência de discriminação em razão da nacionalidade ou da residência (Acórdão de 6 de fevereiro de 2003, Stylianakis, C‑92/01, EU:C:2003:72, n.o 25). Contudo, há que observar que, nos termos do artigo 58.o, n.o 1, TFUE, a livre prestação de serviços em matéria de transportes é regulada pelas disposições constantes do título relativo aos transportes, ou seja, o título VI do Tratado FUE. A livre prestação de serviços em matéria de transportes está, portanto, sujeita, no âmbito do direito primário, a um regime jurídico específico (Acórdão de 18 de março de 2014, International Jet Management, C‑628/11, EU:C:2014:171, n.o 36). Consequentemente, o artigo 56.o TFUE, que consagra a livre prestação de serviços, não é aplicável enquanto tal ao domínio dos transportes aéreos (Acórdão de 25 de janeiro de 2011, Neukirchinger, C‑382/08, EU:C:2011:27, n.o 22).

153    Por conseguinte, as medidas de liberalização para os transportes aéreos apenas podem ser adotadas com base no artigo 100.o, n.o 2, TFUE (Acórdão de 18 de março de 2014, International Jet Management, C‑628/11, EU:C:2014:171, n.o 38). O legislador da União adotou, de resto, o Regulamento n.o 1008/2008 com base nessa disposição, que tem precisamente por objeto definir, no setor do transporte aéreo, as condições de aplicação do princípio da livre prestação de serviços (v., por analogia, Acórdão de 6 de fevereiro de 2003, Stylianakis, C‑92/01, EU:C:2003:72, n.o 24).

154    No caso em apreço, importa salientar que a recorrente alega, no essencial, que a medida em causa constitui um entrave à liberdade de estabelecimento e à livre prestação de serviços, dado que beneficia apenas a Finnair.

155    Ora, embora seja verdade que a medida em causa diz respeito a um auxílio individual que beneficia apenas a Finnair, a recorrente não demonstra de que forma o caráter exclusivo da medida pode dissuadir transportadoras aéreas de se estabelecerem na Finlândia ou de efetuarem prestações de serviços com origem ou destino neste país. A recorrente continua, nomeadamente, a não identificar os elementos de facto ou de direito que fazem com que essa medida produza efeitos restritivos que vão além daqueles que desencadeiam a proibição prevista no artigo 107.o, n.o 1, TFUE. Pelo contrário, como foi declarado nos n.os 139 a 148 supra, esses efeitos são necessários e proporcionados para sanar a perturbação grave da economia finlandesa causada pela pandemia de COVID‑19, em conformidade com os requisitos estabelecidos no artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE.

156    Consequentemente, a medida em causa não pode constituir um entrave à liberdade de estabelecimento ou à livre prestação de serviços. Daqui decorre que a recorrente não tem fundamento para criticar a Comissão por não ter analisado a compatibilidade dessa medida com a liberdade de estabelecimento e a livre prestação de serviços, nem, por maioria de razão, para alegar que a Comissão devia ter tido dúvidas a este respeito.

157    Resulta de todas as considerações anteriores que, no quadro do terceiro fundamento do recurso, a recorrente não fez prova da existência de dúvidas na aceção do artigo 4.o, n.os 3 e 4, do Regulamento 2015/1589. Importa, por isso, julgar improcedente o terceiro fundamento na totalidade.

 Quanto ao quarto fundamento, relativo à falta de fundamentação

158    A recorrente alega que a Comissão não apreciou um determinado número de elementos essenciais para determinar a compatibilidade do auxílio com o artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE e o quadro temporário. Em primeiro lugar, a Comissão não determinou de que forma uma medida dirigida à Finnair poderia sanar, por si só, uma perturbação grave da economia finlandesa. Em segundo lugar, a Comissão não apresentou as razões pelas quais a Finnair não tinha nenhum meio de recapitalização à sua disposição a não ser a medida em causa. Em terceiro lugar, a Comissão não explicou de que forma um nível mais elevado de diluição dos acionistas existentes podia substituir o incentivo à compra da participação do Estado pela Finnair. Em quarto lugar, a Comissão não procedeu, nem sequer sucintamente, a um teste de ponderação dos efeitos positivos e dos efeitos negativos da medida em causa. Em quinto lugar, a Comissão não apresentou as razões pelas quais o poder de mercado da Finnair devia ser avaliado exclusivamente à luz do nível de congestionamento do aeroporto de Helsínquia, bem como as razões pelas quais esta não dispunha de tal poder. Em sexto lugar, a Comissão não apreciou se a medida em causa era não discriminatória e se respeitava os princípios da livre prestação de serviços e do livre estabelecimento.

159    A Comissão, apoiada pela República da Finlândia, contesta esta argumentação.

160    Há que recordar que, de acordo com jurisprudência constante, a fundamentação exigida pelo artigo 296.o TFUE deve ser adaptada à natureza do ato em causa e revelar, de forma clara e inequívoca, a argumentação da instituição autora do ato, por forma a permitir aos interessados conhecer as razões da medida adotada e ao órgão jurisdicional competente exercer a sua fiscalização. A exigência de fundamentação deve ser apreciada em função das circunstâncias do caso em apreço, designadamente do conteúdo do ato, da natureza dos fundamentos invocados e do interesse que os destinatários ou outras pessoas direta e individualmente afetadas pelo ato podem ter em obter explicações. Não é exigido que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um ato satisfaz as exigências previstas no referido artigo deve ser apreciada à luz não somente do seu teor mas também do seu contexto e do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa (Acórdãos de 15 de abril de 2008, Nuova Agricast, C‑390/06, EU:C:2008:224, n.o 79, e de 8 de setembro de 2011, Comissão/Países Baixos, C‑279/08 P, EU:C:2011:551, n.o 125).

161    Em primeiro lugar, quanto à fundamentação no que respeita à capacidade da medida em causa para sanar, por si só, a perturbação grave da economia finlandesa, importa recordar que o artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE não exige que o auxílio seja, por si só, suscetível de sanar a perturbação grave da economia do Estado‑Membro em causa. Portanto, a Comissão não tinha de apresentar fundamentos a este respeito.

162    Em segundo lugar, quanto à fundamentação da decisão impugnada no que respeita a outros meios de a Finnair aumentar os seus fundos próprios, a Comissão explicou de forma suficientemente clara e precisa, como resulta dos n.os 49, 51 e 53, supra, as razões pelas quais considerou que as autoridades finlandesas tinham demonstrado que não havia outras formas de encontrar fundos próprios a curto prazo.

163    Em terceiro lugar, quanto à fundamentação da decisão impugnada no que respeita à eventual interação entre o nível de diluição dos acionistas existentes e a compra da participação do Estado pela Finnair, há que observar que, em todo o caso, como resulta do n.o 72, supra, a Comissão referiu com força jurídica bastante, na decisão impugnada, as razões pelas quais a medida em causa preenchia os requisitos previstos no artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE, ainda que não incluísse um mecanismo de progressividade.

164    Em quarto lugar, quanto à fundamentação da decisão impugnada no que respeita à ponderação dos efeitos positivos e negativos da medida em causa, basta salientar que, como decorre dos n.os 106 a 110, supra, essa ponderação não é exigida pelo artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE nem pelo quadro temporário. Portanto, a Comissão não tinha de apresentar fundamentos a este respeito.

165    Em quinto lugar, quanto à fundamentação relativa ao poder de mercado significativo da Finnair, a leitura dos n.os 98 a 102 da decisão impugnada permite concluir que a Comissão apresentou de forma suficiente a sua abordagem quanto a esta questão, as razões pelas quais optara por essa abordagem e os fundamentos subjacentes à conclusão de que essa companhia aérea não dispunha de tal poder.

166    Em sexto lugar, quanto à fundamentação respeitante aos princípios da não discriminação, da livre prestação de serviços e do livre estabelecimento, cumpre referir que a decisão impugnada contém os elementos, referidos no n.o 36, supra, que permitem compreender a especial importância da Finnair para a conetividade e a economia da Finlândia, bem como as razões pelas quais a República da Finlândia escolheu essa companhia como única beneficiária da medida em causa.

167    Daqui decorre que a decisão impugnada está suficientemente fundamentada e que, por conseguinte, importa julgar improcedente o quarto fundamento.

168    Tendo em conta as considerações precedentes, há que negar provimento ao recurso na íntegra.

 Quanto às despesas

169    Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida, há que condená‑la a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pela Comissão, em conformidade com o pedido desta última.

170    Além disso, nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, os Estados‑Membros que intervieram no processo suportarão as suas próprias despesas. Assim, a República Francesa e a República da Finlândia suportarão as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Décima Secção alargada)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Ryanair DAC é condenada a suportar as suas próprias despesas e as da Comissão Europeia.

3)      A República Francesa e a República da Finlândia suportarão as suas próprias despesas.

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 22 de junho de 2022.

Assinaturas


*      Língua do processo: inglês.