Language of document : ECLI:EU:T:2013:193

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Segunda Secção)

17 de abril de 2013 (*)

«Marca comunitária — Pedido de marca nominativa comunitária CONTINENTAL — Motivo absoluto de recusa — Caráter descritivo — Artigo 7.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento (CE) n.° 207/2009»

No processo T‑383/10,

Continental Bulldog Club Deutschland eV, com sede em Berlim (Alemanha), representado inicialmente por S. Vollmer, e em seguida por U. Rühl, advogados,

recorrente,

contra

Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI), representado inicialmente por S. Schäffner, e em seguida por D. Walicka, na qualidade de agentes,

recorrido,

que tem por objeto um recurso da decisão da Primeira Câmara de Recurso do IHMI de 23 de junho de 2010 (R 300/2010‑1), respeitante a um pedido de registo do sinal nominativo CONTINENTAL como marca comunitária,

O TRIBUNAL GERAL (Segunda Secção),

composto por: N. J. Forwood, presidente, F. Dehousse e J. Schwarcz (relator), juízes,

secretário: E. Coulon,

vista a petição entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 7 de setembro de 2010,

vista a resposta do IHMI apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 17 de dezembro de 2010,

vista a carta pela qual o recorrente renunciou ao pedido de realização de uma audiência e tendo então sido decidido, com base no relatório do juiz‑relator e ao abrigo do artigo 135.°‑A do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, julgar o recurso prescindindo da fase oral do processo,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        Em 7 de setembro de 2009, o recorrente, Continental Bulldog Club Deutschland eV, apresentou um pedido de registo de marca comunitária no Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI), nos termos do Regulamento (CE) n.° 207/2009 do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009, sobre a marca comunitária (JO L 78, p. 1).

2        A marca cujo registo foi pedido é o sinal nominativo CONTINENTAL.

3        Os produtos e os serviços para os quais o registo foi pedido pertencem às classes 31 e 44 na aceção do Acordo de Nice relativo à Classificação Internacional dos Produtos e dos Serviços para o registo de marcas, de 15 de junho de 1957, conforme revisto e alterado, e correspondem, para cada uma dessas classes, à seguinte descrição:

¾        classe 31: «Animais vivos, a saber cães»;

¾        classe 44: «Guarda e criação de cães, a saber cachorros e animais de criação».

4        Por decisão de 9 de fevereiro de 2010, o examinador recusou o registo da marca pedida para todos os produtos e serviços em causa, por força do artigo 7.° n.° 1, alíneas b) e c), do Regulamento n.° 207/2009.

5        Em 1 de março de 2010, o recorrente interpôs recurso no IHMI da decisão do examinador.

6        Por decisão de 23 de junho de 2010 (a seguir «decisão impugnada»), a Primeira Câmara de Recurso do IHMI negou provimento ao recurso com o fundamento de que o sinal nominativo CONTINENTAL era, para os produtos e serviços reivindicados, descritivo, na aceção do artigo 7.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 207/2009, bem como desprovido de caráter distintivo, na aceção do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), deste regulamento.

 Pedidos das partes

7        O recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

¾        anular a decisão impugnada;

¾        a título subsidiário, anular a decisão impugnada na medida em que esta tem por objeto «produtos e serviços» da classe 44;

¾        condenar o IHMI nas despesas.

8        O IHMI conclui pedindo que o Tribunal se digne:

¾        negar provimento ao recurso;

¾        condenar o recorrente nas despesas.

 Questão de direito 

9        Em apoio do seu recurso, o recorrente invoca dois fundamentos, relativos, respetivamente, à violação do artigo 7.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 207/2009 e do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), deste mesmo regulamento.

 Quanto ao primeiro fundamento

10      Segundo o recorrente, a Câmara de Recurso concluiu erradamente que o sinal nominativo CONTINENTAL era descritivo dos produtos e serviços em causa.

11      O IHMI contesta os argumentos do recorrente.

12      A este respeito, cumpre recordar que, nos termos do artigo 7.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 207/2009, será recusado o registo «[d]e marcas compostas exclusivamente por sinais ou indicações que possam servir, no comércio, para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica ou a época de fabrico do produto ou da prestação do serviço, ou outras características destes».

13      Segundo jurisprudência constante, o artigo 7.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 207/2009 prossegue um fim de interesse geral, que exige que as indicações ou os sinais descritivos das características de produtos ou serviços para os quais o registo é pedido possam ser livremente utilizados por todos [v. acórdão do Tribunal Geral de 12 de junho de 2007, MacLean‑Fogg/IHMI (LOKTHREAD), T‑339/05, não publicado na Coletânea, n.° 27 e jurisprudência referida].

14      Além disso, sinais ou indicações que possam servir, no comércio, para designar as características do produto ou do serviço para o qual o registo é pedido são, por força do artigo 7.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 207/2009, considerados inadequados para desempenhar a função essencial da marca, ou seja, identificar a origem comercial do produto ou do serviço, a fim de permitir ao consumidor que adquire o produto ou o serviço que a marca designa fazer a mesma escolha, aquando de uma aquisição ulterior, caso a experiência se revele positiva, ou fazer uma outra escolha, caso se revele negativa (v. acórdão LOKTHREAD, referido no n.° 13 supra, n.° 28 e jurisprudência referida).

15      Daqui resulta que, para que um sinal seja abrangido pela proibição enunciada pela referida disposição, é necessário que apresente, relativamente aos produtos ou serviços em causa, uma ligação suficientemente direta e concreta, suscetível de permitir ao público relevante perceber imediatamente e sem refletir uma descrição dos produtos ou serviços em causa ou de uma das suas características (v. acórdão LOKTHREAD, referido no n.° 13 supra, n.° 29 e jurisprudência referida).

16      Importa igualmente recordar que a apreciação do caráter descritivo de um sinal só pode ser feita, por um lado, em relação à perceção que dele tem o público relevante e, por outro, em relação aos produtos ou aos serviços em causa [v. acórdão LOKTHREAD, referido no n.° 13 supra, n.° 32 e jurisprudência referida).

17      É à luz destas considerações que importa examinar se, como alega o recorrente, o IHMI violou o artigo 7.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 207/2009 por ter concluído que a marca pedida seria percecionada, pelo público relevante, como sendo descritiva.

 Quanto ao público relevante e respetivo grau de atenção

18      Importa referir, à semelhança da Câmara de Recurso (n.° 12 da decisão impugnada), que os produtos e os serviços em causa se destinam tanto a consumidores médios em geral, como os apreciadores de animais que estão interessados nos serviços de guarda de cães, como aos meios profissionais, como os criadores de cães ou proprietários de lojas de animais. Quanto ao grau de atenção do público relevante, importa ter em conta a definição dada pela Câmara de Recurso no n.° 14 da decisão impugnada, segundo a qual este é «mais elevado», pois esse público presta uma atenção particular ao pedigree, ao método de criação assim como às características dos cães e, além disso, pelo facto de se tratar de «produtos» que não são comprados todos os dias ou de serviços aos quais não se recorre quotidianamente. Não obstante o recorrente fazer referência, na sua petição, unicamente a «consumidores médios normalmente informados, atentos e avisados», há que concluir que não apresenta nenhum argumento em apoio de tal limitação do público relevante, que, por conseguinte, deve ser rejeitada por não ter fundamento.

19      Por outro lado, o Tribunal Geral considera que, para avaliar se a Câmara de Recurso teve razão ao concluir que a marca pedida apresentava um caráter descritivo, há que ter em conta a sua perceção pelo público relevante em toda a União, uma vez que um pedido de marca comunitária deve ser recusado, em conformidade com o artigo 7.°, n.os 1 e 2, do Regulamento n.° 207/2009, se existir um motivo de recusa, pelo menos numa parte da mesma. Foi, por conseguinte, com razão que o examinador considerou que devia referir‑se a todos os consumidores relevantes na União, apreciação que é retomada pela Câmara de Recurso no n.° 3 da decisão impugnada.

 Quanto ao caráter descritivo da palavra «continental»

20      Cumpre verificar se foi com razão que a Câmara de Recurso considerou que, para um público relevante assim definido, existia uma ligação direta e concreta entre o sinal nominativo CONTINENTAL e os produtos e serviços abrangidos pelo pedido de marca.

21      Antes de mais, a este respeito, importa observar que o recorrente não contestou a apreciação da Câmara de Recurso, feita no n.° 16 da decisão impugnada, segundo a qual a palavra «continental» remetia «para adjetivos como ‘europeu, continental, não insular’».

22      Em seguida, resulta da decisão impugnada, designadamente dos seus n.os 17 e seguintes, que a Câmara de Recurso considerou decisivo, para constatar o caráter descritivo do termo visado pelo pedido de marca, o facto de o mesmo ser compreendido como designando uma raça de buldogues. A este propósito, apoiou‑se, designadamente, em vários sítios Internet incluindo os sítios do recorrente. No essencial, a Câmara de Recurso considerou que decorria suficientemente da expressão «continental bulldog» (mencionada em inglês nos referidos sítios) que esta se referia a uma raça canina, já reconhecida na Suíça pela Schweizerische Kynologische Gesellschaft (SKG), e cuja criação constituía o fim associativo do recorrente. A Câmara de Recurso baseou‑se igualmente nos sítios Internet do recorrente para afirmar, por um lado, que a expressão acima mencionada tinha sido escolhida para uma nova raça de cães a fim de a poder claramente distinguir da raça do «English bulldog» e, por outro, que daqui resultava que o recorrente pretendia, uma vez reunidas as diversas condições exigidas pela Federação Cinológica Internacional (FCI), apresentar um pedido de reconhecimento da nova raça a esta organização (n.os 20 e 23 da decisão impugnada).

23      Em seguida, a Câmara de Recurso concluiu que a palavra «continental» evocava o nome de uma criação canina, até mesmo de uma raça de buldogues. Em seu entender, uma vez que o criador de uma nova raça define um nome para esta última, esse nome torna‑se o desse tipo de cão. Considerou que essa situação apresentava algumas semelhanças com o domínio da designação das variedades vegetais. A Câmara de Recurso afirmou, além disso, que pouco importava que o recorrente tivesse pretendido praticar uma «criação fechada», na medida em que, em seu entender, de um ponto de vista biológico, mesmo cães não diretamente oriundos dessa criação podiam ser cães dessa «raça» ou «espécie». Por esta mesma razão, considerou que pouco importava que os sítios Internet de certos criadores de cães «continental bulldog» fizessem referência ao recorrente (n.os 24 a 27 da decisão impugnada).

24      Finalmente, a Câmara de Recurso considerou que devia igualmente ser recusado o registo da marca pedida, no que respeitava aos serviços de guarda e criação de cães, a saber de cachorros e de animais de criação, por se tratar de serviços especializados que são mais precisamente designados pelo nome da criação canina (n.° 28 da decisão impugnada).

25      O recorrente contesta as apreciações da Câmara de Recurso. Em primeiro lugar, alega, no essencial, que aquela cometeu um erro ao assimilar a marca pedida à expressão «continental bulldog». Em segundo lugar, o legislador pretendeu permitir aos titulares de marcas, através do seu registo, proteger as indicações de origem e previu mesmo expressamente que os «animais vivos» possam beneficiar da proteção conferida por uma marca. De resto, no passado, a Câmara de Recurso já tinha registado como marca comunitária uma raça de cães denominada «elo». Em terceiro lugar, a Câmara de Recurso teve em conta um motivo absoluto de recusa de registo não previsto pelo direito das marcas comunitárias, a saber, a utilização, antes do registo, do sinal pedido, para a opor ao registo por existir o risco de fundamentar, no futuro, um caráter descritivo do referido sinal. Em quarto lugar, o recorrente refere que não é possível aplicar por analogia o previsto no domínio da designação das variedades vegetais, baseando‑se a proteção destas em lex specialis. A Câmara de Recurso cometeu igualmente, neste âmbito, erros no plano da hierarquia dos conceitos. Por último, o recorrente alega que o seu pedido de registo não constitui uma tentativa de registo de uma marca relativa a uma raça existente.

26      A título liminar, o Tribunal Geral observa que resulta da petição que o recorrente não contestou a existência de uma certa ligação entre a expressão «continental bulldog» e uma raça de cães «em vias de reconhecimento», ou seja, uma raça cujo processo de reconhecimento ainda não terminou. A este respeito, cumpre designadamente referir a passagem da petição em que o recorrente alega que, se o público relevante quisesse designar uma raça de cães, não utilizaria o termo «continental», mas a expressão «continental bulldog», o que seria demonstrado, segundo o mesmo, pelos excertos de sítios Internet apresentados no processo no IHMI. Neste mesmo sentido, o recorrente sustenta, na petição, que o mencionado público se referia aos serviços abrangidos pelo pedido ao falar da «guarda e da criação do clube do ‘Continental Bulldog’». Estas afirmações são apenas confirmadas pela declaração do recorrente feita na petição, no quadro do seu segundo fundamento, segundo a qual, ao pedir o registo da marca em causa, teve por objetivo «distinguir‑se das demais associações de criadores de buldogues que visam, a longo prazo, criar uma raça», como é o caso, nomeadamente, do Allgemeiner Club für Englische Bulldogs eV, do Bulldog Club für American Bulldogs ou do Internationaler Klub für Französische Bulldoggen eV (IFKB).

27      Além disso, na petição, o recorrente utiliza a expressão «continental bulldog» para fazer referência ao pedigree particular de um cão, atestando que este provinha de uma «criação fechada». Segundo o recorrente, essa expressão permite assim indicar a origem e a genealogia do cão.

28      No entanto, o recorrente alega, no essencial, que um processo de reconhecimento de uma raça de cães por organismos como a FCI podia durar décadas sem ter, necessariamente, sucesso e, de qualquer modo, que era a palavra «continental» e não a expressão acima referida cujo registo era pedido enquanto marca comunitária.

29      A este respeito, em primeiro lugar, importa referir que resulta efetivamente dos diferentes excertos de páginas Internet, aos quais a Câmara de Recurso tinha feito referência na decisão impugnada, designadamente no n.° 3 e nos n.os 19 a 22 desta, que a expressão «continental bulldog» pode designar uma raça canina que era reconhecida pelo menos na Suíça, a saber, pela associação SKG. De resto, o referido reconhecimento, que datava já de 2004, é, até, aí qualificado de «oficial».

30      Em segundo lugar, resulta igualmente dos referidos excertos de páginas Internet que os criadores de cães denominados «continental bulldog» os consideravam representantes de uma raça «de pleno direito» que está, ou pelo menos tende a estar, em constante melhoria. Constam daqueles as características da nova raça canina assim como uma comparação com a raça reconhecida «English bulldog», apresentando a nova raça suíça, segundo as informações mencionadas nos ditos sítios Internet, «uma melhoria considerável em termos de saúde e resistência». Além disso, a expressão acima referida é utilizada, nos mencionados excertos, igualmente para designar os serviços «de criação» de cães.

31      Em terceiro lugar, há que constatar que os sítios Internet indicam, entre as diversas finalidades a alcançar pelos criadores referidos, «o reconhecimento [da raça] pela FCI» (n.° 3 da decisão impugnada, último sítio Internet citado, in fine).

32      Em seguida, importa recordar que já foi declarado, por um lado, que a análise dos pedidos de registo não devia ser minimalista, mas rigorosa e completa, a fim de evitar que sejam registadas marcas indevidamente e de garantir, por razões de segurança jurídica e de boa administração, que as marcas cuja utilização poderia ser contestada com êxito nos órgãos jurisdicionais não sejam registadas (v., por analogia, acórdão do Tribunal de Justiça de 6 de maio de 2003, Libertel, C‑104/01, Colet., p. I‑3793, n.os 58 e 59).

33      Por outro lado, para que o IHMI recuse o registo com fundamento no artigo 7.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 207/2009, não é necessário que os sinais e as indicações que constituem a marca, a que este artigo se refere, sejam efetivamente utilizados, no momento do pedido de registo, para fins descritivos de produtos ou serviços como aqueles para os quais o pedido foi apresentado ou das características desses produtos ou serviços. Basta, como resulta da própria letra dessa disposição, que esses sinais ou indicações possam ser utilizados para esses fins. Um sinal nominativo deve, assim, ser objeto de uma recusa de registo, em aplicação da referida disposição, se, em pelo menos um dos seus significados potenciais, designar uma característica dos produtos ou serviços em causa (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 23 de outubro de 2003, IHMI/Wrigley, C‑191/01 P, Colet., p. I‑12447, n.° 32).

34      No caso em apreço, para aplicar a jurisprudência acima referida, importa assinalar que dois dos cinco excertos de páginas Internet tomados em consideração pelo examinador, aos quais se refere igualmente a Câmara de Recurso, na sua apreciação da perceção da palavra «continental» pelo público relevante, são páginas que têm como terminação do nome de domínio a sigla «.ch», isto é, que visam, em primeiro lugar, o público suíço. Ora, na medida em que a Confederação Suíça não é membro da União nem membro do Espaço Económico Europeu (EEE), importa apreciar a pertinência dessas provas na análise do caráter descritivo da marca pedida na aceção do artigo 7.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 207/2009.

35      A este respeito, por um lado, há que sublinhar que o Regulamento n.° 207/2009, sendo um «texto relevante para efeitos do EEE», constitui, em conformidade com o seu considerando 2, um instrumento que visa promover um desenvolvimento harmonioso das atividades económicas «em toda a Comunidade», designadamente com o auxílio de marcas que permitam às empresas identificar os seus produtos ou serviços sem tomar as fronteiras em consideração. Prevê um regime comunitário de marcas «que gozem de proteção uniforme e produzam efeitos em todo o território da Comunidade».

36      Por outro lado, o artigo 7.°, n.° 2, do Regulamento n.° 207/2009 enuncia que o «n.° 1 é aplicável mesmo que os motivos de recusa apenas existam numa parte da Comunidade».

37      Assim, devendo o caráter eventualmente descritivo da marca pedida ser apreciado relativamente ao público relevante na União, as considerações relativas a elementos de prova que provêm de um Estado terceiro só são pertinentes na medida em que têm um impacto direto na perceção do referido público.

38      Nestas circunstâncias, o Tribunal Geral refere, em primeiro lugar, que mesmo os consumidores da União podem aceder aos sítios Internet que têm como terminação do nome de domínio a sigla «.ch», acima referidos no n.° 34, e isto, designadamente, quando de diversas pesquisas feitas através de motores de busca sobre raças de cães ou, mais especialmente, sobre os «bulldog». Assim, tais sítios não podem ser considerados desprovidos de pertinência na apreciação da compreensão, pelo público relevante, da aceção da palavra que constitui a marca pedida.

39      Em seguida, importa observar que, entre os sítios Internet tidos em consideração pelo examinador e, depois, pela Câmara de Recurso, três têm como terminação do nome de domínio a sigla «.de» e visam em primeiro lugar o público alemão. Uma análise desses três sítios permite concluir que contêm, no essencial, todas as referências pertinentes acima mencionadas nos n.os 29 a 31 e, em particular, indicam que a raça «continental bulldog» já era reconhecida na Suíça pela SKG, a propósito da qual é igualmente especificado que é membro da FCI. Além disso, a Câmara de Recurso refere‑se igualmente, no n.° 20 da decisão impugnada, a um excerto de uma página Internet do recorrente que tem como terminação do nome de domínio a sigla «.eu», isto é, dirigida, designadamente, a todo o público relevante da União. Este contém, no essencial, informações detalhadas a respeito das características específicas dos cães denominados «continental bulldog».

40      Assim, foi com razão que a Câmara de Recurso considerou, no quadro de um exame rigoroso e completo do pedido de registo em conformidade com o acórdão Libertel, referido no n.° 32 supra, que, quer na Alemanha quer no resto da União, a expressão «continental bulldog» podia ser utilizada, já na data do pedido de registo, pelo menos pela parte do público relevante constituída por profissionais, como os criadores de cães ou os proprietários de lojas de animais, como designação de uma raça de cães reconhecida na Suíça.

41      Com efeito, importa ter em conta, a este respeito, o grau mais elevado de atenção e de conhecimentos científicos e linguísticos desse público. Há que considerar que este último está a par dos novos desenvolvimentos no domínio do reconhecimento de novas raças de cães e dos processos em curso nos organismos competentes. Há que sublinhar igualmente que o reconhecimento «oficial» da raça canina na Suíça, a que se referem também os sítios Internet alemães e europeus em causa, teve lugar já em 2004, ou seja, cinco anos antes da data do pedido de registo da marca comunitária. Além disso, há que observar que os sítios Internet, nos quais se baseia a Câmara de Recurso, redigidos em alemão e, alguns, igualmente em inglês, contêm sempre fotos dos cães da nova raça canina, colocadas de forma adjacente ao nome dessa raça, o que facilita a perceção da ligação entre os referidos cães e a expressão «continental bulldog». Assim, é razoável considerar que a informação sobre a própria existência da raça «continental bulldog», bem como a relativa às atividades dos criadores visando um constante desenvolvimento das suas criações dos referidos cães, pôde ser largamente difundida nos meios profissionais em causa.

42      Em seguida, o Tribunal Geral considera que são inoperantes as alegações do recorrente segundo as quais o reconhecimento da nova raça pela FCI não era um «facto consumado» à data do pedido de registo da marca comunitária, que não estava, de resto, provado que um pedido feito, se fosse caso disso, com esse objetivo à referida federação iria necessariamente conduzir ao respetivo reconhecimento e, por último, que, em todo o caso, o processo que levava a um reconhecimento definitivo de uma raça podia levar vários anos. Com efeito, independentemente da questão de saber se a raça em causa será reconhecida pela FCI, os outros elementos factuais nos quais se baseou a Câmara de Recurso, e designadamente o reconhecimento pela SKG assim como as informações relativas à descrição das características dos cães «continental bulldog», resultantes dos sítios Internet citados, constituem, no caso em apreço, provas suficientes que permitem sustentar a conclusão de que pelo menos uma parte do público relevante perceciona a expressão «continental bulldog» como fazendo referência a uma raça canina (v. n.° 40 supra).

43      Em seguida, no que respeita à alegação do recorrente segundo a qual a raça canina seria designada, em todo o caso, pela expressão inteira acima referida e não unicamente pela primeira palavra desta, há que examinar o seu alcance tendo em conta a jurisprudência constante, no sentido da qual a apreciação do caráter descritivo de um sinal só pode ser feita, por um lado, em relação à compreensão que dele tem o público em causa e, por outro, em relação aos produtos ou aos serviços em causa (v. n.° 16 supra).

44      A este respeito, importa concluir que, na eventualidade de a marca pedida no caso em apreço ser registada, o público relevante iria percecioná‑la principalmente em circunstâncias em que esta designaria quer os produtos «animais vivos, a saber cães», quer os serviços de «guarda e criação de cães, a saber cachorros e animais de criação». Nesse contexto, para um público profissional informado, composto por conhecedores do domínio em causa, habituados aos sistemas de reconhecimento das raças caninas, o termo «continental» seria diretamente e sem outra reflexão percecionado como uma referência à raça «continental bulldog», isto é, como descrição dos produtos e dos serviços em causa ou suas características. Há, igualmente, que concluir que mesmo alguns apreciadores de animais compreenderiam a palavra «continental» nesse sentido, designadamente quando procurassem serviços de guarda para os seus cães dessa mesma raça ou quando quisessem comprar um «bulldog». Com efeito, como concluiu a Câmara de Recurso no n.° 35 da decisão impugnada, é razoável considerar que os apreciadores ou os potenciais compradores de cães conhecem geralmente os cães que pretendem adquirir.

45      Também não se pode considerar demonstrado, ao invés do que alega o recorrente, que o público relevante não compreende, sem indicação do «género», de que raças de cães se trata quando se encontra em presença de expressões como «jack russel terrier», «airedale terrier», «cocker spaniel» ou, como no caso em apreço, «continental bulldog». Com efeito, as circunstâncias acima referidas, em que as expressões e os termos «jack russel», «airedale», «cocker» ou «continental» seriam percecionadas, facilitam manifestamente ao referido público o estabelecimento de uma ligação suficientemente direta entre esses termos e as raças caninas em causa.

46      Importa ainda acrescentar que, embora a palavra «continental» tenha vários significados, como os acima recordados no n.° 21, não se pode considerar que esse facto torne impossível ou mais difícil, para o público relevante, estabelecer uma ligação entre um dos significados potenciais da referida palavra e a designação da raça em causa, «continental bulldog». Em especial, uma vez que resulta dos excertos de páginas Internet citadas na decisão impugnada que a nova raça era assim denominada precisamente para se distinguir da raça bem conhecida «English bulldog», pelo menos uma parte do público constituída por profissionais, cujos bons conhecimentos do domínio em causa, bem como os conhecimentos linguísticos, devem ser tomados em consideração, podia aperceber‑se desta oposição terminológica entre «continental» e «English» (inglês) e discernir ainda mais facilmente uma referência à nova raça canina na palavra que constitui a marca pedida que visa designar cães e serviços de criação ou de guarda destes. Nestas circunstâncias, importa igualmente rejeitar por não ser pertinente o argumento da recorrente de que a Câmara de Recurso não tinha aplicado corretamente a hierarquia dos conceitos que designam os animais, as suas espécies, géneros e raças ou que os tinha equiparado.

47      Também não se pode considerar fundada a alegação do recorrente de que a Câmara de Recurso cometeu um erro de direito ao equiparar as circunstâncias da determinação de um novo nome para uma raça canina, por um lado, e a designação de uma variedade de planta, por outro, sustentando o recorrente, designadamente, que o sistema de reconhecimento das raças de cães em que participam ou pretendem participar os criadores de cães provenientes da criação dos «continental bulldog» decorre de facto de atos de associações privadas que não têm nenhum efeito jurídico vinculativo, na falta de qualquer sistema de proteção ou de reconhecimento previsto pelo legislador nacional ou europeu.

48      Com efeito, sem que seja necessário pronunciar‑se a respeito das eventuais analogias existentes entre o sistema de proteção das variedades vegetais e o presente caso, basta constatar que resulta das alegações do recorrente e dos documentos justificativos em que se baseou a Câmara de Recurso na decisão impugnada que tanto certas federações cinológicas nacionais ou internacionais, como a SKG ou a FCI, como as raças caninas reconhecidas por esses organismos são respeitadas por muitos criadores de cães, profissionais ou amadores.

49      A este respeito, por um lado, o próprio recorrente refere‑se na petição a numerosas raças de cães reconhecidas pelos referidos organismos. Por outro lado, as páginas Internet nas quais se baseia a Câmara de Recurso na decisão impugnada permitem legitimamente concluir que os criadores de cães «continental bulldog» atribuíam uma certa importância ao reconhecimento dessa raça pelos organismos referidos, na medida em que, em primeiro lugar, se referiam ao reconhecimento pela SKG designando‑a como sendo «oficial», em segundo lugar, sublinhavam o facto de este organismo ser membro da FCI, em terceiro lugar, invocavam testes de aptidão para a reprodução realizados perante um «juiz ‘FCI’», a saber, o Sr. N., para que um cão possa ser considerado da raça em causa, e, por último, alegavam a importância «não despicienda» do reconhecimento da raça canina pela FCI.

50      Neste mesmo sentido, importa ainda sublinhar, enquanto elementos adicionais que indicam que os processos de reconhecimento das raças caninas pelas federações cinológicas são considerados, pelo público relevante, quer oficiais quer suficientemente oficializados para que lhes seja concedido um real valor, que o Tribunal Geral não pode ignorar no contexto da apreciação do caráter descritivo da marca pedida, as diversas referências do recorrente às «dificuldades» ligadas ao processo de reconhecimento, por parte da FCI, de uma raça que tem um táxon suficientemente estável, bem como ao lapso de tempo que pode decorrer antes que um pedido nesse sentido esteja concluído. Com efeito, essas referências revelam a importância dada aos referidos processos.

51      Nessas circunstâncias, seria puramente artificial apreciar os efeitos do reconhecimento de uma raça de cães por organismos como a SKG ou a FCI unicamente à luz de eventuais efeitos jurídicos «vinculativos» que lhe atribuam os diversos direitos nacionais ou o direito europeu, como parece propor o recorrente sem, por outro lado, demonstrar, no caso em apreço, a inexistência de tais efeitos jurídicos. Pelo contrário, compete à Câmara de Recurso e, em caso de recurso da sua decisão, ao Tribunal Geral, na aceção da jurisprudência acima referida no n.° 16, apreciar qual é a perceção real, pelo público em causa, da palavra «continental» pedida enquanto marca, necessitando tal análise de avaliar todos os elementos pertinentes a esse respeito, o que pode incluir a tomada em consideração de situações em que essa perceção é influenciada pelo facto de o referido público ter em conta circunstâncias ou informações mesmo oficiosas, sem se preocupar com os seus efeitos jurídicos. A este propósito, importa ainda sublinhar que, em especial no setor associativo ou no dos hobbies e dos desportos, não é invulgar dar‑se um certo reconhecimento aos atos de associações não estatais. Ora, no caso em apreço, os elementos recordados nos dois números precedentes, bem como no n.° 26 supra, bastam para demonstrar que os atos das diversas federações cinológicas em questão, como os relativos ao reconhecimento de raças caninas, podem ter efeitos reais na perceção do setor em causa pelo público relevante.

52      Assim, há que admitir que, terminado o processo de reconhecimento de uma raça de cães por uma ou várias das federações acima mencionadas, o nome dessa raça designa, de maneira genérica, os cães que a esta pertencem, pelo menos aos olhos de uma parte do público relevante.

53      Em face do exposto, e tendo em conta o acórdão IHMI/Wrigley, referido no n.° 33 supra, no sentido do qual basta que um sinal nominativo designe uma característica dos produtos ou serviços em causa em pelo menos um dos seus significados potenciais para ser recusado o registo em aplicação do artigo 7.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 207/2009, importa considerar que a Câmara de Recurso não cometeu um erro ao concluir que a marca pedida, constituída pela palavra «continental», seria diretamente compreendida pelo público relevante como uma descrição de uma raça de buldogues ou, quanto aos serviços referidos, como uma especificação no sentido de que dizem respeito aos cães dessa mesma raça.

54      As demais alegações do recorrente não invalidam essa conclusão.

55      Em primeiro lugar, nas circunstâncias do caso em apreço, importa rejeitar, por não ser pertinente, primeiro, a argumentação do recorrente segundo a qual o legislador pretendia, precisamente, permitir aos titulares de marcas registadas proteger em seu benefício as indicações de origem, segundo, a que consiste no facto de o legislador prever expressamente que os «animais vivos» podiam beneficiar da proteção conferida por uma marca e, terceiro, a relativa ao facto de uma marca registada que protege um animal só poder ser utilizada, em conformidade com o direito, para designar os animais provenientes da linhagem que é objeto da referida proteção e de ele próprio ter intenção de manter a sua criação canina «fechada».

56      Com efeito, primeiro, há que observar que o artigo 7.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 207/2009, lido em conjugação com o considerando 7 do referido regulamento, constitui precisamente uma exceção prevista pelo legislador ao fim visado pelo referido regulamento, que é, designadamente à luz dos seus considerandos 2, 3 e 8, o de permitir às empresas e a outros titulares identificar os seus produtos e serviços através de uma marca comunitária e garantir assim, designadamente, a sua origem.

57      Segundo, ainda que não se possa excluir, de maneira geral, que os «animais vivos» possam efetivamente, em certas condições, receber uma proteção através da marca comunitária, o que, aliás, o IHMI também não contesta, não deixa de ser verdade que a questão que se coloca, no caso em apreço, é unicamente a de saber se a Câmara de Recurso recusou com razão um pedido de registo que tinha por objeto um termo que designa uma raça canina existente. Ora, como foi acima apreciado nos n.os 20 a 53, nas circunstâncias particulares do caso em apreço, que consistem, designadamente, no facto de a raça de cães em causa já ter sido reconhecida na Suíça em 2004 e resultar de diferentes sítios Internet citados na decisão impugnada que os cães «continental bulldog» são apresentados ao público relevante como constituindo uma raça de pleno direito, a Câmara de Recurso não cometeu nenhum erro ao concluir pela existência de um caráter descritivo da palavra «continental» para os produtos e para os serviços em causa.

58      Terceiro, quanto à alegação do recorrente segundo a qual a sua criação continuava a ser uma criação «fechada», o que teria como consequência que só os cães com um pedigree que atestasse que provinham da referida criação teriam o direito de serem designados pela marca comunitária uma vez registada, importa notar que não pode prevalecer sobre as consequências tiradas pela Câmara de Recurso do facto de a raça de cães em causa ter sido reconhecida pela SKG e que vários sítios Internet se referiam aos cães designados «continental bulldog» como cães que pertencem a uma nova raça. Esses elementos permitem justificadamente concluir que pelo menos uma parte do público relevante percecionava uma ligação direta entre a expressão acima mencionada e a raça canina em causa, independentemente do caráter eventualmente «fechado» da criação do recorrente.

59      Além disso, na medida em que a decisão de manter uma criação «fechada» ou de a abrir continua a ser uma decisão dos próprios criadores, esta situação assemelha‑se à que respeita a condições particulares de comercialização que, segundo jurisprudência constante, não podem ser consideradas pertinentes no direito das marcas, uma vez que podem variar no tempo e segundo a vontade dos titulares dessas marcas [v., por analogia, acórdão do Tribunal Geral de 23 de setembro de 2009, Phildar/IHMI — Commercial Jacinto Parera (FILDOR), T‑99/06, não publicado na Coletânea, n.° 68 e jurisprudência referida].

60      Ainda que essa jurisprudência tenha sido adotada no contexto de processos sobre motivos relativos de recusa, é aplicável, por analogia, no quadro de motivos absolutos de recusa. Com efeito, a este respeito, importa observar que a jurisprudência acima mencionada foi adotada partindo do princípio de que o exame do risco de confusão que as instâncias do IHMI são chamadas a efetuar no âmbito do artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 207/2009 é um exame «prospetivo», que prossegue um objetivo de interesse geral, ou seja, o de o público relevante não poder correr o risco de ser induzido em erro a propósito da origem comercial dos produtos em causa. Assim, esse exame não pode depender das intenções comerciais, realizadas ou não, e por natureza subjetivas, dos titulares das marcas [v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 12 de janeiro de 2006, Devinlec/IHMI — TIME ART (QUANTUM), T‑147/03, Colet., p. II‑11, n.° 104].

61      Ora, o interesse geral prosseguido pelo artigo 7.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 207/2009, que exige que as indicações ou os sinais descritivos das características dos produtos ou dos serviços para os quais o registo é pedido possam ser livremente utilizados por todos (v. n.° 13 supra), dá igualmente lugar a um exame prospetivo, a respeito do caráter descritivo das indicações ou dos sinais pedidos enquanto marca, como resulta do acórdão IHMI/Wrigley, referido no n.° 33 supra. Impõe‑se concluir que esse exame não pode, também, depender das intenções comerciais, por natureza subjetivas, dos requerentes das marcas, como a intenção do recorrente de manter a sua criação «fechada».

62      Neste mesmo contexto, importa julgar improcedente o argumento do recorrente segundo o qual, ainda que se admita que existe um imperativo de disponibilidade do conceito de «continental», cada um continua livre de utilizar o referido termo para designar um cão como sendo um «continental bulldog», desde que esse cão pertença efetivamente a essa raça, isto é, desde que se trate de um cão com um pedigree que ateste que provém da criação «fechada» em causa. Com efeito, há que observar que o registo da marca pedida permitiria ao recorrente, mesmo quando a raça de cães em questão fosse reconhecida por um ou vários dos organismos competentes, beneficiar dos direitos exclusivos que o Regulamento n.° 207/2009 confere, e nomeadamente os seus artigos 9.° e seguintes, invocáveis contra terceiros que pretendessem utilizar, na falta do seu consentimento, a referida marca comunitária na vida comercial.

63      Em segundo lugar, quanto à alegação do recorrente segundo a qual qualquer utilização, antes do registo, de um sinal cujo registo enquanto marca comunitária seja pedido não pode ser oposta a esse registo nem fundamentar, designadamente para o futuro, um caráter descritivo do referido sinal, a mesma deve igualmente ser rejeitada. Com efeito, a apreciação da incidência que elementos anteriores ao pedido de marca podem ter, quer se trate de registos nacionais anteriores ou de outros elementos, na apreciação do caráter registável de uma marca pedida no que diz respeito aos motivos visados pelo artigo 7.° do Regulamento n.° 207/2009 depende das circunstâncias concretas do caso [v., por analogia, acórdão do Tribunal Geral de 23 de outubro de 2008, Adobe/IHMI (FLEX), T‑158/06, não publicado na Coletânea, n.° 52 e jurisprudência referida]. Ora, no caso em apreço, contrariamente à alegação do recorrente, não se trata de uma aplicação, pela Câmara de Recurso, de um novo motivo absoluto de recusa de registo, não previsto pelo direito comunitário das marcas, mas unicamente de uma tomada em consideração de todos os elementos pertinentes para efeitos de avaliar qual era a perceção do sinal em causa pelo público relevante à data do pedido de registo.

64      Em terceiro lugar, quanto à alegação do recorrente de que não tentava registar uma marca visando a proteção de uma raça existente, basta remeter para os n.os 40 e 41 supra, em que se constatou que, já à data do pedido de registo, alguns dos consumidores relevantes percecionavam a expressão «continental bulldog» e, consequentemente, o termo «continental» utilizado no contexto dos produtos e serviços em causa como uma referência à nova raça de cães.

65      Por último, em quarto lugar, quanto à alegação do recorrente de que o IHMI tinha seguido, no passado, outra prática de registo e, designadamente, já tinha registado uma marca comunitária para a raça de cães «elo», há que observar que, na verdade, o IHMI é obrigado a exercer as suas competências em conformidade com os princípios gerais do direito da União, como o princípio da igualdade de tratamento e o princípio da boa administração. Tendo em conta estes dois últimos princípios, o IHMI deve, no âmbito da instrução de um pedido de registo de uma marca comunitária, ter em conta as decisões já tomadas sobre pedidos similares e tratar com especial atenção a questão de saber se há ou não que decidir no mesmo sentido (acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de março de 2011, Agencja Wydawnicza Technopol/IHMI, C‑51/10 P, Colet., p. I‑1541, n.os 73 e 74).

66      Sendo assim, os princípios da igualdade de tratamento e da boa administração devem ser conciliados com o cumprimento da legalidade. Por este motivo, por razões de segurança jurídica e de boa administração, a apreciação de qualquer pedido de registo deve ser estrita e completa, a fim de evitar que se registem marcas indevidamente. Esta apreciação deve ser efetuada em cada caso concreto. Com efeito, o registo de um sinal como marca depende de critérios específicos, aplicáveis no âmbito das circunstâncias factuais do caso concreto, destinados a verificar se o sinal em causa não é abrangido por um motivo de recusa (v. acórdão Agencja Wydawnicza Technopol/IHMI, referido no n.° 65 supra, n.os 75, 77 e jurisprudência referida).

67      Ora, contrariamente a que aconteceu no caso em apreço, não foi demonstrado que, no processo referido pelo recorrente, a raça «elo» tenha sido reconhecida pela SKG ou por outra associação cinológica comparável nem que tenha sido levada ao conhecimento dos consumidores relevantes enquanto nova raça canina de pleno direito. Nestas circunstâncias, o recorrente não pode validamente apoiar‑se na decisão anterior acima mencionada do IHMI, que tem por objeto, de resto, um pedido de uma marca diferente, para demonstrar a ilegalidade da decisão impugnada.

68      Importa igualmente rejeitar, por não serem pertinentes, as referências feitas pelo recorrente a outras marcas que incluem a palavra «continental» ou são constituídas apenas por essa palavra, de que apresentou excertos em anexo à petição, e isto, designadamente, na medida em que visam outros produtos e serviços diferentes dos que estão em causa no caso concreto, ou mesmo, relativamente a algumas delas, em razão do facto de serem figurativas e, assim, não comparáveis ao caso concreto.

69      Em face do exposto, há que concluir que a Câmara de Recurso não cometeu qualquer erro ao considerar que a palavra «continental» era descritiva dos produtos e dos serviços em causa, na aceção do disposto no artigo 7.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 207/2009.

70      Assim, há que julgar improcedente o primeiro fundamento.

 Quanto ao segundo fundamento

71      Uma vez que resulta do artigo 7.°, n.° 1, do Regulamento n.° 207/2009 que basta que um dos motivos absolutos de recusa aí enumerados se aplique para que o sinal não possa ser registado como marca comunitária [v. acórdão do Tribunal Geral de 28 de junho de 2011, ReValue Immobilienberatung/IHMI (ReValue), T‑487/09, não publicado na Coletânea, n.° 80 e jurisprudência referida], não há que examinar, no caso em apreço, o segundo fundamento invocado pelo recorrente, relativo à violação do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do referido regulamento.

72      De resto, segundo jurisprudência constante, uma marca descritiva das características dos produtos ou dos serviços, na aceção do artigo 7.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 207/2009, é, por esse facto, necessariamente desprovida de caráter distintivo relativamente a esses mesmos produtos ou serviços, na aceção do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do mesmo regulamento (v. acórdão ReValue, referido no n.° 71 supra, n.° 81 e jurisprudência referida).

73      Nestas circunstâncias, o segundo fundamento, relativo à violação do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 207/2009, não pode, de qualquer forma, ser acolhido.

74      Assim, há que negar provimento ao recurso na sua totalidade.

 Quanto às despesas

75      Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo o recorrente sido vencido, há que condená‑lo nas despesas, em conformidade com os pedidos do IHMI.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Segunda Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      O Continental Bulldog Club Deutschland eV é condenado nas despesas.

Forwood

Dehousse

Schwarcz

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 17 de abril de 2013.

Assinaturas


** Língua do processo: alemão.