ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quinta Secção
Alargada)
30 de Março de 2000 (1)
«Concorrência - Despachantes alfandegários - Conceito de empresa e de
associação de empresas - Decisão de associação de empresas - Fixação de
tabelas de preços - Regulamentação estatal - Aplicabilidade do artigo 85.°,
n.° 1, do Tratado CE (actual artigo 81.° CE)»
No processo T-513/93,
Consiglio Nazionale degli Spedizionieri Doganali, com sede em Roma (Itália),
representado por A. Pappalardo, advogado no foro de Trapani, A. Marzano,
advogado no foro de Roma, e A. Tizzano, advogado no foro de Nápoles, com
domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório de A. Lorang, 51, rue Albert 1er,
contra
Comissão das Comunidades Europeias, representada inicialmente por M. Mensi
e E. Traversa, seguidamente G. Marenco e E. Traversa, membros do serviço
jurídico, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no gabinete de C.
Gómez de la Cruz, membro do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,
apoiada por
Associazione Italiana dei Corrieri Aerei Internazionali, com sede em Milão (Itália),
representada por L. Magrone Furlotti e C. Osti, advogados no foro de Roma, com
domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório de M. Loesch, 11, rue Goethe,
que tem por objecto um pedido de anulação da Decisão 93/438/CEE da Comissão,
de 30 de Junho de 1993, relativa a um processo de aplicação do artigo 85.° do
Tratado CE (IV/33.407 - CNSD) (JO L 203, p. 27),
O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quinta Secção Alargada),
composto por: J. D. Cooke, presidente, R. García-Valdecasas, P. Lindh, J. Pirrung
e M. Vilaras, juízes,
secretário: J. Palacio González, administrador
vistos os autos e após a audiência de 17 de Junho de 1999,
profere o presente
Acórdão
Enquadramento jurídico
- 1.
- Em Itália, a actividade dos despachantes alfandegários independentes rege-se pela
Lei n.° 1612, de 22 de Dezembro de 1960, relativa ao reconhecimento jurídico da
profissão de despachante alfandegário e à instituição dos registos e do fundo de
previdência dos despachantes alfandegários (GURI n.° 4, de 5 de Janeiro de 1961,
a seguir «Lei n.° 1612/1960»), e por normas de execução, designadamente pelo
decreto do Ministro das Finanças de 10 de Março de 1964 relativa a regras de
aplicação da lei n.° 1612/1960 (GURI, supplemento ordinario, n.° 102, de 26 de
Abril de 1964, a seguir «decreto de 10 de Março de 1964»).
- 2.
- Esta actividade inclui, nomeadamente, o tratamento de formalidades ligadas às
operações de desalfandegamento (artigo 1.° da Lei n.° 1612/1960). O seu exercício
está dependente da posse de uma licença e da inscrição no registo nacional de
despachantes alfandegários. Este registo resulta do conjunto dos registos regionais
mantidos pelos Consigli compartimentali (conselhos regionais de despachantesalfandegários), estabelecidos em todas as regiões alfandegárias (artigos 2.° e 4.° a
12.° da Lei n.° 1612/1960).
- 3.
- A fiscalização da actividade dos despachantes alfandegários é exercida pelos
conselhos regionais de despachantes alfandegários. Os membros destes conselhos
são eleitos por voto secreto pelos despachantes inscritos no registo das diferentes
direcções regionais, por um período de dois anos, renovável; a presidência é
exercida pelo inspector geral, chefe da região alfandegária (artigo 10.° da Lei
n.° 1612/1960).
- 4.
- Os conselhos regionais dos despachantes alfandegários são encabeçados pelo
Consiglio Nazionale degli Spedizioneri Dogalani (a seguir «CNSD»), um organismo
de direito público, composto por nove membros eleitos por voto secreto pelos
membros dos conselhos regionais por um período de três anos, renovável (artigo
13.°, n.° 2, da Lei n.° 1612/1960). Até 1992, o CNSD era presidido pelo
director-geral das alfândegas e dos impostos indirectos que era seu membro por
inerência.
- 5.
- Nos termos do artigo 32.° do Decreto-Lei n.° 331, de 30 de Agosto de 1992, os
presidentes dos conselhos regionais e o presidente do CNSD são membros desses
órgãos, eleitos pelos seus pares.
- 6.
- Só podem ser eleitos membros dos conselhos regionais ou do CNSD os
despachantes alfandegários inscritos nos registos (artigos 8.°, n.° 2, e 22.°, n.° 2, do
decreto do ministro das Finanças de 10 de Março de 1964).
- 7.
- Nos termos do artigo 11.° da Lei 1612/1960
«Cada conselho regional decide sobre o montante das retribuições devidas pelos
serviços dos despachantes alfandegários, montante a propor ao [CNSD] para
efeitos da fixação da tabela de preços.
Não poderão ser exigidas pelos serviços dos despachantes alfandegários retribuições
que sejam, sob qualquer forma, inferiores ou superiores às aprovadas pelo [CNSD].
Os eventuais litígios emergentes da aplicação da tabela de preços dos serviços
profissionais serão decididos pelo conselho regional.»
- 8.
- O artigo 14.°, alínea d), da Lei n.° 1612/1960 dispõe:
«O [CNSD]:
...
d) fixa a tabela de preços dos serviços profissionais prestados pelos despachantes
alfandegários, com base nas propostas dos conselhos regionais.»
- 9.
- Nos termos dos artigos 38.° a 40.° do decreto de 10 de março de 1964, os
despachantes alfandegários que não respeitem as tabelas de preços fixadas pelo
CNSD sujeitam-se a medidas disciplinares, que vão desde a repreensão até à
suspensão temporária do registo em caso de reincidência, ou mesmo até à exclusão
definitiva do registo em caso de duas suspensões em cinco anos decididas pelo
conselho regional.
- 10.
- Em reunião realizada em 21 de Março de 1988, o CNSD aprovou a tabela de
preços dos serviços profissionais prestados pelos despachantes alfandegários (a
seguir «tabela controvertida»), nos seguintes termos:
«Artigo 1.°
A presente tabela fixa os preços mínimos e máximos a aplicar em todos os casos
de operações aduaneiras e à prestação de serviços de natureza monetária,
comercial ou fiscal, incluindo o contencioso fiscal.
A fixação concreta do preço entre o limite mínimo e máximo terá em consideração
as características, a natureza e a importância da prestação
Artigo 2.°
Os preços fixados pela presente tabela serão sempre imputados ou discriminados
de forma a se distinguirem de qualquer outra rubrica ou despesa efectuada na
execução do mandato.
...
Artigo 3.°
Os preços fixados pela presente tabela consideram-se calculados por referência a
cada operação alfandegária ou serviço profissional individual.
Considera-se operação alfandegária a adequada a dar um destino alfandegário a
mercadorias estrangeiras ou nacionais, qualquer que seja o documento que as
acompanhe.
...
Artigo 5.°
Nos termos do disposto no artigo 1.°, é proibida qualquer derrogação, perante o
mandante, da presente tabela, a qual anula qualquer convenção em contrário aindaque, por razões práticas, intervenham duas ou mais pessoas, de acordo com os
artigos 1708 e 1709 do código civil [italiano].
...
Artigo 6.°
O [CNSD] pode fixar derrogações especiais e/ou temporárias aos limites mínimos
previstos pela presente tabela.
Artigo 7.°
O [CNSD] procederá à actualização da presente tabela, em conformidade com os
índices [fornecidos pelo] ISTAT (Instituto Central de Estatística) - sector industrial
- a partir da data da decisão correspondente.»
- 11.
- Em seguida, nos artigos 8.° a 12.°, a tabela controvertida estabelece escalões a
aplicar em função do valor ou do peso da mercadoria a desalfandegar e, para cada
escalão, indica em certos casos um preço fixo e, na maioria dos casos, um intervalo
com um preço mínimo e um preço máximo para o preço a pagar pelo serviço de
cumprimento das formalidades alfandegárias prestado pelo despachante
alfandegário. A tabela controvertida introduz um aumento substancial dos preços
mínimos fixados pela tabela anterior, atingindo nalguns casos mais de 400%.
- 12.
- A tabela controvertida foi aprovada pelo ministro das Finanças italiano por decreto
de 6 de Julho de 1988 (GURI n.° 168, de 19 de Julho de 1988, p. 19) ao qual se
encontra anexa, que tem por epígrafe «Conselho Nacional dos Despachantes
Alfandegários. Retribuição pela execução de operações de alfândega e pelos
serviços profissionais em matéria monetária, comercial e fiscal, incluindo
contencioso fiscal».
- 13.
- Nos termos do artigo 6.° acima referido, o CNSD permitiu um determinado
número de derrogações à tabela controvertida, nomeadamente, por decisão de 12
de Junho de 1990, a favor da Associazione Italiana dei Corrieri Aerei Internazionali
(a seguir «AICAI»), associação italiana criada por operadores de correios rápidos
internacionais cujo objecto consiste na representação a aconselhamento dos seus
membros sobre a generalidade dos problemas relativos à prestação de serviços
internacionais de correio.
Factos na origem do litígio
- 14.
- Em 21 de Julho de 1989, a AICAI apresentou à Comissão uma denúncia da
decisão do CNSD de 21 de Março de 1988 que fixava a tabela controvertida.
Afirmava que esta tabela, em primeiro lugar, eliminava, quanto aos valores das
mercadorias mais baixas, a progressividade dos escalões, que antes existia, eaumentava os preços em proporções anormais, em segundo lugar, tinha por efeito
impor a facturação separada de cada operação alfandegária, a fim de permitir a
fiscalização da sua efectiva aplicação, o que seria incompatível com o sistema
aplicado à escala mundial e, em terceiro lugar, proibia qualquer derrogação.
- 15.
- Em 1 de Fevereiro e 28 de Março de 1990, a Comissão solicitou ao CNSD
informações sobre a sua estrutura e o seu funcionamento, bem como dos conselhos
regionais, com base no artigo 11.° do Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de
Fevereiro de 1962, Primeiro Regulamento de execução dos artigos 85.° e 86.° do
Tratado (JO 1962, 13, p. 204).
- 16.
- Em 30 de Junho de 1993, a Comissão adoptou a Decisão n.° 93/438/CEE relativa
a um processo em aplicação do artigo 85.° do Tratado CEE (Processo IV/33.407
- CNSD) (JO L 203, p. 27, a seguir a «decisão») objecto do presente recurso. Na
decisão, concluiu-se que «os expedidores na alfândega constitu[e]m empresas que
exercem uma actividade económica» (considerando 40); que o CNSD é «uma
associação de empresas»; que «as decisões do CNSD... são decisões de uma
associação de empresas, cujo objectivo é regular a actividade económica dos seus
membros» (considerando 41). De acordo com o considerando 45, as restrições da
concorrência resultantes da tabela controvertida são as seguintes: «a fixação de
uma tarifa mínima e máxima fixa, que não pode ser objecto de derrogação
individual, para cada operação efectuada pelos expedidores na alfândega» e «a
imposição de normas obrigatórias para a facturação desta tarifa, como a facturação
individual.» Segundo o considerando 49, «a tabela fixada pelo CNSD é susceptível
de afectar o comércio entre os Estados-Membros, na medida em que fixa
precisamente o preço de todas as operações alfandegárias relativas às importações
para a Itália e às exportações da Itália.» No artigo 1.° da decisão, a Comissão
conclui que «a tabela para as prestações profissionais dos expedidores na alfândega
adoptada pelo [CNSD] na sessão de 21 de Março de 1988 e que entrou em vigor
em 20 de Julho de 1988 constitui uma infracção ao n.° 1 do artigo 85.° do Tratado
CEE.» No artigo 2.°, a Comissão intima o CNSD a tomar todas as medidasnecessárias para pôr imediatamente termo a essa infracção.
Processo e pedidos das partes
- 17.
- Por petição que deu entrada na secretaria do Tribunal de Primeira Instância em
16 de Setembro de 1993, o recorrente interpôs o presente recurso.
- 18.
- Em 7 de Fevereiro de 1994, a AICAI apresentou um requerimento de intervenção
em apoio das conclusões da recorrida. Por despacho de 17 de Outubro de 1994, o
Presidente da quarta secção do Tribunal de Primeira Instância admitiu a
intervenção da AICAI.
- 19.
- Em 28 de Novembro de 1994, a AICAI apresentou as suas alegações. Em 16 de
Janeiro de 1995, o recorrente pronunciou-se sobre as alegações da AICAI.
- 20.
- Em 19 de Dezembro de 1995, o Tribunal de Primeira Instância convidou as partes
a responder a determinadas questões. Isso foi feito pela AICAI e pelo recorrente
em 15 de Janeiro de 1996 e pela Comissão em 17 de Janeiro de 1996.
- 21.
- Por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 9 de Fevereiro de
1996, a Comissão das Comunidades Europeias intentou, nos termos do artigo 169.°
do Tratado CE, uma acção destinada a obter a declaração de que a República
Italiana, ao adoptar e ao manter em vigor uma lei que impõe ao CNSD, através
da atribuição do correspondente poder de decisão, a adopção de uma decisão de
associação de empresas contrária ao artigo 85.° do Tratado CE (actual artigo 81.°
CE), na medida em que fixa uma tabela obrigatória para todos os despachantes
alfandegários, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos
5.° do Tratado CE (actual artigo 10.° CE) e 85.° do mesmo Tratado (processo
C-35/96).
- 22.
- Em 8 de Março de 1996, o recorrente requereu a suspensão da instância até ao
acórdão do Tribunal de Justiça no processo C-35/96. Em 29 de Março de 1996, a
Comissão deu o seu acordo a essa suspensão.
- 23.
- Por despacho de 6 de Maio de 1996 da Quinta Secção Alargada do Tribunal de
Primeira Instância, a instância foi suspensa aguardando os presentes autos o
acórdão do Tribunal de Justiça no processo C-35/96.
- 24.
- Em 18 de Junho de 1998, o Tribunal de Justiça proferiu o seu acórdão
Comissão/Itália (C-35/95, Colect. p. I-3851, a seguir «acórdão de 18 de Junho de
1998») no qual considerou que «a República Italiana, ao adoptar e ao manter em
vigor uma lei que impõe ao CNSD, através da atribuição do correspondente poder
de decisão, a adopção de uma decisão de associação de empresas contrária ao
artigo 85.° do Tratado, consistente na fixação de uma tabela obrigatória para todos
os despachantes alfandegários, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por
força dos artigos 5.° e 85.° do mesmo Tratado.»
- 25.
- Em 2 de Julho de 1998, o Tribunal de Primeira Instância, a título de medidas de
organização do processo previstas no artigo 64.° do Regulamento de Processo,
convidou as partes a comunicarem a sua posição sobre as consequências a extrair
do acórdão de 18 de Junho de 1998 para efeitos dos presente autos.
- 26.
- Deram resposta a esse convite a AICAI em 21 de Julho e o recorrente e a
Comissão em 22 de Julho de 1998.
- 27.
- Com base no relatório do juiz relator, o Tribunal decidiu abrir a fase oral.
- 28.
- Na audiência em 17 de Junho de 1999, foram ouvidas as alegações das partes, bem
como as suas respostas às questões escritas do Tribunal.
- 29.
- O recorrente pede que o Tribunal se digne:
- anular a decisão
- condenar a Comissão nas despesas.
- 30.
- A Comissão pede que o Tribunal se digne:
- julgar o recurso improcedente por infundado;
- condenar o recorrente nas despesas.
- 31.
- A interveniente pede que o Tribunal se digne:
- julgar o recurso improcedente por infundado;
- condenar o recorrente nas despesas.
Quanto ao mérito
- 32.
- O recorrente invoca um único fundamento, violação do artigo 85.° do Tratado pela
Comissão, na medida em que esta, na decisão, desrespeitou as condições de
aplicação dessa disposição. Este fundamento pode dividir-se em três partes. Numa
primeira parte, o recorrente alega, por um lado, que os despachantes alfandegários
não são empresas na acepção do artigo 85.° do Tratado e, por outro, que a ordem
profissional dos despachantes alfandegários, o CNSD, não constitui uma associação
de empresas na acepção desse mesmo artigo. Numa segunda parte, alega que as
decisões do CNSD foram erradamente qualificadas como decisões de associações
de empresas e que a tabela controvertida não contém qualquer elemento restritivo
da concorrência na acepção do artigo 85.° do Tratado. Por último, numa terceira
parte, afirma que a tabela controvertida não é susceptível de afectar o comércio
intracomunitário.
Primeira parte: quanto à qualificação dos despachantes alfandegários como empresas
e do CNSD como associação de empresas na acepção do artigo 85.° do Tratado
Argumentos das partes
- 33.
- O recorrente defende que os membros de uma profissão liberal e, em especial, os
despachantes alfandegários, não são empresas na acepção do artigo 85.° do Tratado
visto que, por um lado, revestindo a sua actividade um carácter intelectual, não
actuam através de uma estrutura organizada de produção e, por outro, não
exercem uma actividade económica correndo os seus próprios riscos. Por outro
lado, o exercício da actividade de despachante alfandegário estaria sujeita a uma
regulamentação que impõe condições de acesso à profissão.
- 34.
- Conclui que, não sendo os despachantes alfandegários empresas, as ordens
profissionais que os agrupam não são associações de empresas. Por outro lado,
uma vez que essas ordens profissionais são pessoas colectivas de direito público
dotadas de poderes normativos sobre organização e fiscalização, não podem ser
qualificadas como associações de empresas na acepção do artigo 85.° do Tratado.
- 35.
- A Comissão alega que, segundo a jurisprudência, a actividade económica exercida
é o único critério que permite definir uma empresa.
Apreciação do Tribunal
- 36.
- Segundo jurisprudência constante, o conceito de empresa abrange qualquer
entidade que exerça uma actividade económica, independentemente do seu estatuto
jurídico e modo de financiamento (acórdãos de 23 de Abril de 1991, Höfner e
Elser, C-41/90, Colect., p. I-1979, n.° 21; de 16 de Novembro de 1995, Fédération
française des sociétés d'assurances e o., C-244/94, Colect., p. I-4013, n.° 14, e de 11
de Dezembro de 1997, Job Centre, C-55/96, Colect., p. I-7119, n.° 21) e que
qualquer actividade consistente na oferta de bens ou serviços num determinado
mercado constitui uma actividade económica (acórdão de 18 de Junho de 1998,
n.° 36).
- 37.
- Ora, tal como decidiu o Tribunal de Justiça no acórdão de 18 de Junho de 1998
(n.° 37), a actividade exercida pelos despachantes alfandegários tem natureza
económica. Com efeito, estes prestam, contra remuneração, serviços consistentes
no cumprimento de formalidades aduaneiras, essencialmente formalidades
relacionadas com a importação, a exportação e o trânsito de mercadorias, bem
como outros serviços complementares, como serviços nos domínios monetário,
comercial e fiscal. Assumem, além disso, os riscos financeiros inerentes ao exercício
dessa actividade (acórdão de 16 de Dezembro de 1975. Suiker Unie e o./Comissão,
40/73 a 48/73, 50/73, 54/73 a 56/73, 111/73, 113/73 e 114/73, Colect., p. 563, n.° 541).
Em caso de desequilíbrio entre as despesas e as receitas, o despachante
alfandegário tem que suportar ele próprio os défices.
- 38.
- No acórdão de 18 de Junho de 1998 (n.° 38), o Tribunal de Justiça igualmente
considerou que «nestas condições, o facto de a actividade do despachante
alfandegário ser uma actividade intelectual, necessitar de uma licença e poder ser
prosseguida sem a conjunção de elementos materiais, incorpóreos e humanos não
é susceptível de a excluir do âmbito de aplicação dos artigos 85.° e 86.° do Tratado
CE».
- 39.
- Quanto à qualificação do recorrente como associação de empresas na acepção do
artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, e uma vez que a actividade dos despachantes
alfandegários é uma actividade económica e que, por isso, os despachantes
alfandegários são considerados empresas na acepção do referido artigo 85.°, há que
concluir que o CNSD é uma associação de empresas na acepção desse artigo. Alémdisso, o Tribunal de Justiça decidiu, no acórdão de 18 de Junho de 1998 (n.° 40),
que o estatuto de direito público de um organismo nacional como o CNSD não
obsta à aplicação do artigo 85.° do Tratado. Segundo os seus próprios termos, este
artigo aplica-se a acordos entre empresas e a decisões de associações de empresas.
Em consequência, o quadro jurídico em que esses acordos são celebrados e em que
são tomadas essas decisões, tal como a qualificação jurídica dada a esse quadro
pelas diferentes ordens jurídicas nacionais, não relevam para efeitos da
aplicabilidade das regras comunitárias da concorrência e, designadamente, do artigo
85.° do Tratado (acórdão do Tribunal de Justiça de 30 de Janeiro de 1985, BNIC,
123/83, Recueil, p. 391, n.° 17).
- 40.
- Por conseguinte, a primeira parte do fundamento único deve ser julgada
improcedente.
Segunda parte: quanto à qualificação das decisões do CNSD como decisões da
associações de empresas e quanto ao carácter restritivo da concorrência da tabela
controvertida, na acepção do artigo 85.° do Tratado
Argumentos das partes
- 41.
- Em primeiro lugar, o recorrente alega que o CNSD tem a natureza de organismo
público dotado de poderes normativos. Desse modo, as decisões do CNSD, como
a de adopção da tabela controvertida, constituem decisões estatais por meio das
quais esse organismo desempenha funções públicas. Em apoio desta tese, o
recorrente alega que as decisões do CNSD têm a natureza de regulamentos no
direito italiano e que é obrigatório pertencer ao CNSD. Por último, o recorrente
afirma que a fixação da tabela controvertida constitui em si mesma um acto estatal,
independentemente do decreto ministerial que a aprove, e que não pode ser
separada das suas outras funções públicas.
- 42.
- Em segundo lugar, o recorrente lembra que, de acordo com a jurisprudência, as
regras comunitárias da concorrência não se aplicam aos comportamentos das
empresas quando esses comportamentos são imputáveis às autoridades nacionais
ou por elas impostos (acórdãos do Tribunal de Justiça de 13 de Dezembro de 1991,
GB-Inno-BM, C-18/88, Colect. p. I-5941, n.° 20, e de 19 de Maio de 1993, Corbeau,
C-320/91, Colect. p. I-2533, n.° 10). Acrescenta que, segundo os termos do acórdão
do Tribunal de Justiça de 11 de Novembro de 1997, Comissão e França/Ladbroke
Racing (C-359/95 P e C-379/95 P, Colect. p. I-6265, n.° 33), «se às empresas é
imposto por uma legislação nacional um comportamento contrário à concorrência,
ou se esta legislação cria um quadro jurídico que, por si só, elimina qualquer
possibilidade de comportamento concorrencial da sua parte, os artigos 85.° e 86.°
[do Tratado] não são aplicáveis. Numa situação deste tipo, como resulta das
referidas disposições, a limitação da concorrência não é causada por
comportamentos autónomos das empresas».
- 43.
- A este respeito, o recorrente alega que, no caso, o comportamento
anticoncorrencial que lhe é imputado lhe foi imposto pela legislação nacional. O
próprio Tribunal de Justiça o teria reconhecido no acórdão de 18 de Junho de
1998, segundo o qual, uma lei emanada do Estado italiano «[impunha] ao CNSD,
através da atribuição do correspondente poder de decisão, a adopção de uma
decisão de associação de empresas contrária ao artigo 85.° do Tratado, consistente
na fixação de uma tabela obrigatória para todos os despachantes alfandegários»
sem lhes deixar a menor liberdade de decisão. Daí extrai o recorrente que, nesse
acórdão, ficou excluída qualquer responsabilidade da sua parte, pelo Tribunal de
Justiça que, com razão, a atribuiu ao Estado italiano.
- 44.
- O recorrente afirma que a própria Comissão parece partilhar a sua posição sobre
esta importante questão na medida em que reconheceu, na audiência, que o
recorrente não dispunha de qualquer margem de manobra no que se refere à
aplicação da Lei n.° 1612/1960 e que o seu comportamento era imposto pelo
Estado Italiano.
- 45.
- Por último, o recorrente afirma que, de qualquer forma, a fixação de uma tabela
mínima por uma ordem profissional não pode ser considerada uma restrição da
concorrência na acepção do artigo 85.° do Tratado. Desse modo, a exigência da
Comissão de dispensar os despachantes alfandegários da aplicação dessa tabela
seria incompatível com os objectivos prosseguidos pela regulamentação de uma
profissão liberal. Existiria uma diferença entre a noção de concorrência entre
empresas e a noção de concorrência entre membros de uma profissão liberal na
medida em que a segunda assenta nas qualidades intelectuais e profissionais dos
que prestam o respectivo serviço. A considerar-se que a fixação duma tabela
mínima dos despachantes alfandegários é uma restrição da concorrência na
acepção do artigo 85.° do Tratado, essa conclusão aplicar-se-ia em todos os casos
em que as ordens profissionais fixam preços mínimos e máximos.
- 46.
- A Comissão alega que a natureza do CNSD e das suas funções é irrelevante para
efeitos da aplicação do artigo 85.° do Tratado. Afirma que a decisão que fixa a
tabela controvertida contém os elementos essenciais de um acordo entre empresas,
uma vez que se apresenta sob a forma específica de decisão de uma associação de
empresas à qual em seguida acresce um acto de um Estado-Membro.
- 47.
- A Comissão salienta que o próprio Tribunal de Justiça, no acórdão de 18 de Junho
de 1998 (n.° 51), ao referir que «o CNSD infringiu o artigo 85.°, n.° 1, do Tratado»
destacou a questão da aplicação dessa norma ao comportamento do recorrente. De
acordo com a Comissão, esta afirmação seria incompatível com a inaplicabilidade
do artigo 85.° do Tratado impedindo, portanto, no caso presente, a aplicação da
jurisprudência fixada no acórdão Comissão e França/Ladbroke Racing, já referido
(n.° 33).
- 48.
- A Comissão entende que, nos presentes autos, o acordo constitui um
comportamento autónomo das empresas envolvidas. Lembrando que a aprovação
por decreto não é obrigatória, alega que a fixação da tabela controvertida não é
um acto de autoridade pública, mas sim uma decisão tomada pelo CNSD no
âmbito do seu poder autónomo, o que é confirmado pelo facto de a derrogação
permitida à AICAI não ter sido objecto de qualquer acto público de fiscalização.
- 49.
- Na audiência, a Comissão salientou que, mesmo que o CNSD estivesse obrigado
pela legislação nacional a adoptar a tabela controvertida, não é menos verdade que
o artigo 85.° do Tratado se aplica e que a tabela constitui uma infracção a essa
disposição. A esse respeito, a Comissão alega que defender que a existência da lei
nacional impede a aplicação do artigo 85.° equivaleria a inverter a relação entre os
ordenamentos jurídicos comunitário e nacional e a afirmar o primado do direito
nacional sobre o direito comunitário. As infracções das empresas ao artigo 85.° do
Tratado, mesmo em presença de uma obrigação legal, decorrem do primado do
direito comunitário sobre o direito nacional. Outra questão seria a de saber se a
existência da lei nacional pode atenuar a responsabilidade do CNSD.
- 50.
- Por último, a Comissão afirma que os efeitos manifestamente restritivos da
concorrência da tabela controvertida decorrem da fixação nessa tabela de um limite
de preços mínimos, por um lado, e de modalidades obrigatórias de facturação, por
outro. Sobre estas, a Comissão esclarece que a obrigação imposta pelo artigo 3.°
da tabela controvertida, segundo a qual os montantes a pagar aos despachantes
alfandegários devem ser calculados por cada operação aduaneira e por cada serviço
profissional individual, é contrária ao artigo 85.° do Tratado na medida em que
proíbe a aplicação de uma tarifa por prestação global de serviços.
- 51.
- A AICAI alega que a responsabilidade imputada no acórdão de 18 de Junho de
1998 à República Italiana não exclui a responsabilidade solidária do recorrente. A
esse respeito, alega que, de acordo com a jurisprudência, a existência de um acto
de autoridade pública, destinado a conferir um efeito obrigatório a um acordo
relativamente a todos os operadores económicos em causa, não pode ter como
efeito excluí-lo da aplicação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado (acórdão BNIC, já
referido, n.° 23).
- 52.
- A AICAI acrescenta que, após a adopção da Decisão, o CNSD continuou a aplicar
a tabela controvertida. Com efeito, por nota de 15 de Setembro de 1997, dirigida
a todos os conselhos regionais dos despachantes alfandegários, o CNSD teria
confirmado que a referida tabela estava plenamente em vigor. Entendendo que os
pressupostos que teriam levado à Decisão tinham mudado, o CNSD teria pedido
à Comissão uma derrogação à aplicação do artigo 85.° do Tratado. Não tendo
recebido resposta, o CNSD teria concluído que a tabela controvertida continuava
aplicável. A AICAI tinha desse modo apresentado nova denúncia à Comissão em
1 de Agosto de 1997.
Apreciação do Tribunal
- 53.
- Os argumentos invocados pelo recorrente assentes no alegado carácter público do
CNSD e das suas decisões não podem ser aceites. Com efeito, tal como já referido
a propósito da apreciação da primeira parte (v. n.° 39, supra), o Tribunal de Justiça
decidiu, no acórdão de 18 de Junho de 1998 (n.° 40), no sentido de que o estatuto
de direito público de um organismo nacional como o CNSD não obsta à aplicação
do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado.
- 54.
- Sobre essa questão, há que acrescentar que, como o Tribunal de Justiça verificou
no acórdão de 18 de Junho de 1998 (n.os 41 a 43), os membros do CNSD são
representantes dos despachantes alfandegários, aos quais nada na legislação
nacional em causa impede de agir no interesse exclusivo da profissão. Por um lado,
os membros do CNSD só podem ser despachantes alfandegários inscritos nos
registos, visto que são eleitos de entre os membros dos conselhos regionais, dos
quais só fazem parte despachantes alfandegários (artigos 13.° da Lei n.° 1612/1960,
8.°, segundo parágrafo, e 22.°, segundo parágrafo, do decreto do ministro das
Finanças de 10 de Março de 1964). Importa sublinhar a este respeito que, desde
a alteração efectuada pelo Decreto-Lei n.° 331/1992, o director-geral das alfândegas
deixou de participar no CNSD na qualidade de presidente. Além disso, o ministro
das Finanças italiano, ao qual compete a supervisão da organização profissional em
causa, não pode intervir na designação dos membros dos conselhos regionais e do
CNSD. Por outro lado, o CNSD está incumbido de elaborar a tabela de preços das
prestações profissionais dos despachantes alfandegários com base nas propostas dos
conselhos regionais [artigo 14.°, alínea d), da Lei n.° 1612/1960] e nenhuma regra
da legislação nacional em causa obriga ou sequer incentiva os membros do CNSD
ou dos conselhos regionais a ter em conta critérios de interesse público.
- 55.
- Daí resulta que os membros do CNSD não podem ser qualificados como peritos
independentes (v. neste sentido os acórdãos de 17 de Novembro de 1993, Reiff,
C-185/91, Colect., p. I-5801, n.os 17 e 19; de 9 de Junho de 1994, Delta
Schiffahrts- und Speditionsgesellschaft, C-153/93, Colect., p. I-2517, n.os 16 e 18, e
de 17 de Outubro de 1995, DIP e o., C-140/94 a C-142/94, Colect., p. I-3257, n.os 18
e 19) e que não estão legalmente obrigados a fixar as tabelas tomando em
consideração não apenas os interesses das empresas ou das associações de
empresas do sector que os designou, mas igualmente o interesse geral e os
interesses das empresas dos outros sectores ou dos utentes dos serviços em causa
(acórdãos Reiff, n.os 18 e 24; Delta Schiffahrts- und Speditionsgesellschaft, n.° 17
e DIP e o., n.° 18, já referidos, e acórdão de 18 de Junho de 1998, n.° 41).
- 56.
- Consequentemente, as decisões do CNSD não constituem decisões estatais por
meio das quais este organismo desempenhe funções públicas pelo que o argumento
do recorrente assente na inaplicabilidade do artigo 85.° do Tratado por força do
carácter público do CNSD e das respectivas decisões é infundado.
- 57.
- Não obstante fica a questão de se saber se, como afirma o recorrente, o artigo 85.°,
n.° 1, do Tratado foi, de alguma forma, erradamente aplicado na Decisão, namedida em que, na falta de comportamento autónomo por parte do CNSD e dos
seus membros, a adopção da tabela controvertida não constituiria uma decisão de
uma associação de empresas na acepção do referido artigo. Esta questão não foi
objecto de uma análise específica do Tribunal de Justiça no acórdão de 18 de
Junho de 1998.
- 58.
- Resulta da jurisprudência que os artigos 85.° e 86.° do Tratado referem-se apenas
a comportamentos contrários à concorrência adoptados pelas empresas por sua
própria iniciativa (acórdãos do Tribunal de Justiça de 20 de Março de 1985,
Itália/Comissão, 41/83, Recueil, p. 873, n.os 18 a 20; de 19 de Março de 1991,
França/Comissão, C-202/88, Colect., p. I-1223, n.° 55, GB-Inno-BM, já referido,
n.° 20, e Comissão e França/Ladbroke Racing, já referido, n.° 33). Se às empresas
é imposto por uma legislação nacional um comportamento contrário à
concorrência, ou se esta legislação cria um quadro jurídico que, por si só, elimina
qualquer possibilidade de comportamento concorrencial da sua parte, os artigos
85.° do Tratado e 86.° do Tratado CE (actual artigo 82.° CE) não são aplicáveis.
Numa situação deste tipo, como resulta das referidas disposições, a limitação da
concorrência não é causada por comportamentos autónomos das empresas
(acórdão Comissão e França/Ladbroke Racing, já referido, n.° 33, e acórdão do
Tribunal de Primeira Instância de 7 de Outubro de 1999, Irish Sugar/Comissão,
T-228/97, ainda não publicado na Colectânea, n.° 130).
- 59.
- Em contrapartida, os artigos 85.° e 86.° do Tratado podem ser aplicados se se
revelar que a legislação nacional deixa subsistir a possibilidade de existência de
concorrência susceptível de ser entravada, limitada ou falseada por
comportamentos autónomos das empresas (acórdãos de 29 de Outubro de 1980,
Van Landewyck e o./Comissão, 209/78 a 215/78 e 218/78, Recueil, p. 3125, n.° 126;
e Comissão e França/Ladbroke Racing, já referido, n.° 34, e Irish Sugar/Comissão,
já referido, n.° 130).
- 60.
- Por outro lado, há que lembrar que a possibilidade de excluir um determinado
comportamento anticoncorrencial do âmbito de aplicação do artigo 85.°, n.° 1, do
Tratado, pelo facto de ter sido imposto às empresas em causa pela legislação
nacional existente ou de esta ter eliminado qualquer comportamento concorrencial
da sua parte, foi aplicada restritivamente pelas jurisdições comunitárias (acórdãos
Van Landewyck e.o./Comissão, já referido, n.os 130 e 133, Itália/Comissão, járeferido, n.° 19, acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de Dezembro de 1985,
Stichting Sigarettenindustrie e.o./Comissão, 240/82 a 242/82, 261/82, 262/82, 268/82
e 269/82, Recueil p. 3831, n.os 27 a 29, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância
de 18 de Setembro de 1996, Asia Motor France e.o./Comissão, T-387/94, Colect.
p. II-961, n.os 60 e 65).
- 61.
- Deste modo, há que apurar se os efeitos restritivos da concorrência imputados pela
Comissão e dados por provados pelo Tribunal de Justiça encontram a sua origem
unicamente na lei nacional ou, pelo menos em parte, no comportamento dorecorrente. Assim, há que analisar se o quadro jurídico aplicável ao caso elimina
qualquer possibilidade de comportamento concorrencial por parte do CNSD.
- 62.
- É ponto assente que o artigo 14.° da Lei n.° 1612/1960 impunha ao CNSD a
adopção de uma tabela, tal como reconhecido pelo Tribunal de Justiça no acórdão
de 18 de Junho de 1998 (n.° 60). Contudo, nem a lei nem as normas de execução
prevêem determinados níveis ou limites de preços que o CNSD devesse
necessariamente ter em consideração na fixação da tabela. A legislação nacional
também não define critérios com base nos quais o CNSD deve elaborar a tabela.
- 63.
- A esse respeito, note-se que, quando o recorrente adoptou a tabela controvertida,
introduziu um aumento substancial dos preços mínimos em relação aos que
vigoravam, o qual nalguns casos atingia 400%. Conclui-se que o CNSD dispunha
de um amplo poder de decisão sobre a fixação dos preços mínimos. Além disso, a
consequência desse aumento foi, como reconhece o próprio recorrente na petição
(p. 22), que os despachantes alfandegários, desde a entrada em vigor da tabela
controvertida, começaram a aplicar os preços mínimos enquanto que, até 1988,
tinham facturado os seus serviços pelos preços máximos. Daí resulta que o CNSD
tinha fixado a anterior tabela do modo a deixar subsistir a possibilidade de alguma
concorrência susceptível de ser entravada, limitada ou falseada por
comportamentos autónomos dos despachantes alfandegários. Assim, embora com
a tabela anterior existisse um certo nível de concorrência, ao aumentar os preços
mínimos dessa forma, o CNSD ainda restringiu a concorrência que subsistia, de
forma contrária ao artigo 85.° do Tratado.
- 64.
- Está também assente que nem a lei nem as normas de execução tentam impor aos
despachantes alfandegários modalidades particulares de facturação dos seus
serviços aos seus clientes nem incumbem o CNSD de lhes impor tal obrigação.
Sobretudo, não prevê a facturação obrigatória de forma individualizada para cada
serviço profissional ou operação aduaneira concreta.
- 65.
- Ora, o CNSD decidiu fixar modalidades obrigatórias de facturação a fim de
preservar o efeito útil da tabela controvertida. Mais concretamente, o artigo 3.° da
referida tabela dispõe que os montantes a pagar aos despachantes alfandegários
devem ser calculados por cada operação aduaneira ou serviço profissional concreto,
proibindo assim a aplicação de uma tarifa global. Uma tal obrigação limita a
liberdade dos despachantes alfandegários na sua organização interna, impede-os
de reduzir os custos de facturação e exclui a eventual aplicação de reduções
tarifárias aos seu clientes. Esta disposição constitui, assim, uma restrição da
concorrência na acepção do artigo 85.° do Tratado.
- 66.
- Por último, apesar de a legislação nacional não prever expressamente a
possibilidade de estabelecer derrogações à tabela, há que dizer que o CNSD, no
momento da adopção da tabela controvertida, se atribuiu o poder de conceder
derrogações aos preços mínimos nela previstos (artigo 6.°) e de criar, assim, umaconcorrência de preços nos sectores em causa. Esta faculdade foi posta em prática
por diversas vezes.
- 67.
- Com efeito, por decisão de 16 de Dezembro de 1988, em primeiro lugar, o CNSD
permitiu aos despachantes alfandegários a possibilidade de agruparem diariamente,
na aplicação da tabela, por cada importação e secção aduaneira, todos os boletins
de importação, com «dette ad valorem», em função da secção correspondente, com
um suplemento de 15.000 liras italianas (ITL) por cada boletim suplementar. Em
segundo lugar, o CNSD permitiu às empresas e grupos industriais que, durante o
ano, efectuassem pelo menos 8.000 operações de desalfandegamento relativas a
certas mercadorias uma redução das retribuições mínimas correspondentes. Em
terceiro lugar, permitiu uma redução de 50% sobre certas majorações previstas
para os serviços prestados a certos navios. Por último, o CNSD eliminou os preços
mínimos previstos para as operações aduaneiras relativas a jornais diários.
- 68.
- Em seguida, por decisão de 18 de Abril de 1989, o CNSD decidiu, por um lado,
dar aos despachantes alfandegários a possibilidade de aplicação de uma redução
de 15% sobre todas as retribuições quando actuassem por conta de um mandante
ou de um intermediário. O CNSD previu, por outro lado, que essa redução
atingisse os 30% quando os despachantes alfandegários prestassem determinados
serviços aos agentes consignatários dos navios e aos correspondentes.
- 69.
- Depois, por decisão de 11 de Julho de 1989, o CNSD excluiu do âmbito de
aplicação da tabela controvertida, sem limite no tempo, certas categorias de
serviços aduaneiros, ou seja, a assistência aos navios militares, aos hydrofoil e aos
barcos de pesca com motor; os sobrescritos, a correspondência, os objectos de uso
pessoal e o mobiliário, as notas de banco com curso legal, os selos postais e papéis
estampilhados; a imprensa diária e periódica; as amostras de mercadoria de valor
não superior a 350.000 ITL, deduzidos os custos de transporte e despesas
acessórias.
- 70.
- Por último, por decisão de 12 de Junho de 1990, o CNSD autorizou uma
derrogação específica à tabela controvertida e às respectivas modalidades de
facturação à AICAI, permitindo-lhe excluir do âmbito de aplicação da tabela as
mercadorias transportadas pelos correios rápidos, de valor não superior a 350.000
ITL, deduzidos os custos de transporte e despesas acessórias, e aceitar uma
redução dos preços mínimos podendo atingir 70% para as operações relativas a
mercadorias de valor não superior a 2.500.000 ITL. Por outro lado, a AICAI ficou
isenta da obrigação de facturação individualizada, quer ao expedidor quer ao
destinatário, do montante devido pela declaração aduaneira.
- 71.
- Impõe-se concluir que, através de algumas destas derrogações, o CNSD revogou
a própria essência da tabela controvertida ao suprimir esses preços mínimos e ao
conceder verdadeiras isenções ou liberalizações de preços, com carácter geral ou
particular, sem qualquer limite no tempo. Estas circunstâncias demonstram que o
CNSD dispunha de uma margem de apreciação na execução da legislação nacionalde tal forma que a natureza e o alcance da concorrência neste sector de actividade
dependia na prática das suas próprias decisões.
- 72.
- Decorre que exposto que, por um lado, embora a legislação italiana incluísse
significativas limitações à concorrência e dificultasse a prática, por parte dos
despachantes alfandegários, de uma verdadeira concorrência em termos de preços,
não impedia, só por si, a subsistência de uma certa concorrência, susceptível de ser
entravada, limitada ou falseada por comportamentos autónomos dos despachantes
alfandegários e que, por outro lado, o CNSD dispunha de margem de manobra
para cumprir as obrigações que lhe impunha a legislação nacional acima referida,
nos termos da qual podia ter agido de forma a não restringir a concorrência
existente. Assim, foi acertadamente que a Comissão considerou, na Decisão, que
a tabela controvertida constituía uma decisão de uma associação de empresas
produtora de efeitos restritivos da concorrência, tomada pelo CNSD por sua
própria iniciativa.
- 73.
- Não contradiz esta conclusão o facto de o Tribunal de Justiça ter considerado no
acórdão de 18 de Junho de 1998 (n.° 60) que a República Italiana impôs ao CNSD
a adopção de uma decisão de associação de empresas contrária ao artigo 85.° do
Tratado. A esse respeito, basta verificar que o alcance dessa afirmação é
claramente limitado pela expressão «através da atribuição do correspondente poder
de decisão», que confirma que o CNSD dispunha de um poder autónomo de
decisão que, como acima demonstrado, deveria ter utilizado para aplicar a
legislação italiana, sempre preservando o nível de concorrência que a respectiva
aplicação podia deixar subsistir.
- 74.
- Por último, a aplicação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado ao comportamento do
recorrente não é posto em causa pela posição assumida pela Comissão na
audiência, segundo a qual este não dispunha de qualquer margem de manobra
quanto à execução da Lei n.° 1612/1960 e o seu comportamento tinha sido imposto
pelo Estado. Basta verificar que, no caso, cabe ao Tribunal fiscalizar a legalidade
do acto recorrido, devendo essa fiscalização ter em conta a fundamentação do acto
na acepção do artigo 190.° do Tratado CE (actual artigo 253.° CE). Ora, segundo
a Decisão (considerando 42), foi precisamente pelo facto de o CNSD decidir
autonomamente a tabela, o seu nível e as suas modalidades de aplicação que a
Comissão considerou que o comportamento do recorrente não era uma medida
estatal, mas sim uma decisão de uma associação de empresas susceptível de
integrar o âmbito de aplicação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado. Por outro lado e
de qualquer forma, a questão de saber se o CNSD dispunha ou não de margem de
manobra na aplicação da legislação italiana deve ser considerada, no caso, como
uma questão de facto que cabe exclusivamente ao Tribunal apreciar.
- 75.
- Em consequência, deve a segunda parte do fundamento único ser julgada
improcedente
Terceira parte: quanto à questão de saber se o comércio entre Estados-Membros pode
ser afectado
Argumentos das partes
- 76.
- O recorrente afirma que, não sendo obrigatório o recurso aos despachantes
alfandegários, a afirmação contida na Decisão, segundo a qual a «tabela constitui
um obstáculo ao comércio entre o mercado italiano e os outros mercados
comunitários, ao tornar mais onerosas e mais complexas as operações
alfandegárias», é totalmente infundada. Além disso, alega que, com a criação do
mercado interno, já não existem operações aduaneiras nas trocas entre
Estados-Membros e, tal como resulta do Regulamento (CEE) n° 3904/92 do
Conselho, de 17 de Dezembro de 1992, relativo a medidas de adaptação da
profissão de despachante alfandegário ao mercado interno (JO L 394, p. 1), os
despachantes alfandegários já não efectuam qualquer operação que dê lugar ao
pagamento de retribuição por aplicação da tabela de serviços profissionais. Não
seria, pois, causado qualquer prejuízo ao comércio entre Estados-Membros.
- 77.
- A Comissão afirma que o obstáculo às trocas não é removido pelo carácter não
obrigatório do recurso aos despachantes alfandegários, pois o facto de um operador
económico poder dispensar os seus serviços não elimina o carácter restritivo do
comportamento susceptível de dificultar as trocas.
Apreciação do Tribunal
- 78.
- Os argumentos do recorrente segundo os quais a tabela controvertida não é
susceptível de afectar o comércio entre Estados-Membros não podem proceder.
- 79.
- No que toca ao período anterior à criação do mercado interno, isto é, antes de 31
de Dezembro de 1992, basta verificar que a tabela controvertida fixa os preços das
operações aduaneiras relativas às importações para Itália e às exportações de Itália,
o que necessariamente afecta o comércio entre Estados-Membros.
- 80.
- No que toca ao período a partir de 31 de Dezembro de 1992, o CNSD alega que
já não existem operações aduaneiras nas trocas entre Estados-Membros.
- 81.
- A esse respeito, tal como o Tribunal de Justiça referiu no acórdão de 18 de Junho
de 1998 (n.os 49 e 50), diversos tipos de operações de importação ou de exportação
de mercadorias no interior da Comunidade, bem como operações efectuadas entre
operadores comunitários, exigem o cumprimento de formalidades aduaneiras e
podem, por conseguinte, tornar necessária a intervenção de um despachante
alfandegário independente inscrito no registo. É o caso das operações denominadas
de «trânsito interno», que abrangem o envio de mercadorias de Itália para um
Estado-Membro, quer dizer, de um ponto para outro do território aduaneiro da
Comunidade, através do trânsito por um país terceiro (por exemplo, a Suíça). Este
tipo de operações reveste uma particular importância em Itália, dado que umagrande parte das mercadorias expedidas das regiões do noroeste do país em
direcção da Alemanha e dos Países Baixos transita pela Suíça.
- 82.
- Quanto ao argumento do recorrente sobre a inexistência de carácter obrigatório
do recurso aos despachantes alfandegários profissionais, há que referir que o
proprietário da mercadoria pode fazer a declaração aduaneira por si mesmo ou
fazer-se representar, quer por um despachante alfandegário independente, quer por
um despachante alfandegário assalariado. Não obstante, para o cumprimento das
formalidades ligadas às operações de desalfandegamento e ao controlo aduaneiro,
em todos os casos em que o operador económico que importa para Itália ou
exporta de Itália decidir fazer-se representar por um despachante alfandegário e
não disponha de um despachante alfandegário assalariado ou quando o seu
despachante alfandegário assalariado não está habilitado a exercer na região onde
deve ser efectuado o desalfandegamento, terá que recorrer aos serviços dos
despachantes alfandegários profissionais, para os quais é obrigatória a tabela
controvertida. Seja como for e tal como resulta do 12.° considerando da Decisão,
o mercado a tomar em consideração na demonstração da existência de uma
infracção ao artigo 85.° do Tratado é o dos serviços fornecidos pelos despachantes
alfandegários profissionais e, nesse mercado, a existência de uma tabela obrigatória
constitui uma restrição susceptível de dificultar as trocas entre Estados-Membros.
- 83.
- Por último, há que lembrar que o Tribunal de Justiça deu por provado, no acórdão
de 18 de Junho de 1998 (n.° 45), que as decisões através das quais o CNSD fixou
uma tabela uniforme e obrigatória para todos os despachantes alfandegários
restringem a concorrência na acepção do artigo 85.° do Tratado e que são
susceptíveis de afectar o comércio intracomunitário.
- 84.
- Em face do exposto, cabe julgar improcedente a terceira parte do fundamento
único.
- 85.
- Em consequência improcede o recurso na íntegra.
Quanto às despesas
- 86.
- Por força do disposto no n.° 2 do artigo 87.° do Regulamento de Processo, a parte
vencida deve ser condenada nas despesas, se tal for pedido. Tendo o recorrente
sido vencido e tendo a Comissão feito um pedido nesse sentido, há que condená-lo
nas despesas efectuadas pela Comissão. Tendo a interveniente pedido a
condenação do recorrente nas despesas relativas à sua intervenção e dadas as
circunstâncias do caso, há que condenar o recorrente a suportar também as
despesas por ela efectuadas.
Pelos fundamentos expostos,
O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quinta Secção Alargada),
decide:
- 1.
- O recurso é julgado improcedente
- 2.
- O recorrente suportará as suas próprias despesas bem como as despesas
efectuadas pela Comissão e pela interveniente Associazione Italiana dei
Corrieri Aerei Internazionali.
CookeGarcía-Valdecasas
Lindh
Pirrung Vilaras
|
Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 30 de Março de 2000.
O secretário
O presidente
H. Jung
J. D. Cooke