Language of document : ECLI:EU:T:1998:199

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção Alargada)

15 de Setembro de 1998 (1)

«Auxílios Estatais - Recurso de anulação - Prazo - Pessoas individualmente interessadas - Princípio do investidor privado numa economia de mercado - Instauração do procedimento previsto no artigo 93.°, n.° 2, do Tratado»

No processo T-11/95,

BP Chemicals Ltd, sociedade de direito inglês, estabelecida em Londres, representada por James Flynn, barrister, do foro de Inglaterra e do País de Gales, e Alec Burnside, solicitor, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório dos advogados Loesch e Wolter, 11, rue Goethe,

recorrente,

apoiada por

Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, representado por Lindsey Nicoll, do Treasury Solicitor's Department, na qualidade de agente, assistida por Kenneth Parker, QC, e Rhodri Thompson, barrister, do foro de Inglaterra e do País de Gales, com domicílio escolhido no Luxemburgo na Embaixada do Reino Unido, 14, boulevard Roosevelt,

interveniente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada inicialmente por Jean-Paul Keppenne e Paul Nemitz, membros do Serviço Jurídico, depois por Paul Nemitz e Nicholas Khan, membros do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Carlos Gómez de la Cruz, membro do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,

recorrida,

apoiada por

República Italiana, representada pelo professor Umberto Leanza, chefe do serviço do contencioso diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente, assistido por Maurizio Fiorilli, advogado do estado, com domicílio escolhido no Luxemburgo na Embaixada de Itália, 5, rue Marie-Adélaïde,

ENI SpA, sociedade de direito italiano, estabelecida em Roma,

EniChem SpA, sociedade de direito italiano, estabelecida em Milão (Roma),

representadas por Mario Siragusa, advogado no foro de Roma, e Giuseppe Scassellati-Sforzolini, advogado no foro de Bolonha, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório dos advogados Elvinger e Hoss, 15, Côte d'Eich,

intervenientes,

que tem por objecto um pedido de anulação da Decisão da Comissão, de 27 de Julho de 1994, relativa aos auxílios que a Itália decidiu conceder à empresa EniChem SpA (JO C 330, p. 7),

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Segunda Secção Alargada),

composto por: C. W. Bellamy, presidente, C. P. Briët, R. García-Valdecasas, A. Kalogeropoulos e A. Potocki, juízes,

secretário: J. Palacio González, administrador,

vistos os autos e após as audiências de 23 de Setembro de 1997 e 17 de Março de 1998,

profere o presente

Acórdão

     Factos na origem da acção

1.
    ENI SpA (a seguir «ENI») é uma sociedade gestora de participações sociais criada em Julho de 1992 pela transformação da Ente Nazionale Idrocarburi, entidade pública italiana, em sociedade por acções de responsabilidade limitada. Até Novembro de 1995, o Ministério do Tesouro italiano era o único accionista da ENI. A EniChem SpA (a seguir «EniChem») é uma filial quase a 100% da ENI, que produz e comercializa uma vasta gama de produtos químicos. A EniChem tem as suas origens na sociedade Enimont SpA (a seguir «Enimont»), empresa comum criada em Maio de 1989 pela Ente Nazionale Idrocarburi e pela Montedison SpA.

2.
    Em 1 de Outubro de 1992, a ENI efectuou uma primeira injecção de 1 bilião LIT no capital da EniChem. Em Dezembro de 1993, efectuou uma segunda injecção de 794 mil milhões LIT no capital da EniChem. Estas injecções de capital (a seguir «duas primeiras injecções de capital») não foram previamente comunicadas à Comissão, nos termos do artigo 93.°, n.° 3, do Tratado CE.

3.
    Em 16 de Fevereiro de 1994, a Comissão decidiu dar início ao procedimento previsto no artigo 93.°, n.° 2, do Tratado, relativamente a essas duas primeiras injecções. Por carta de 16 de Março de 1994, informou o governo italiano da sua decisão, instando-o a apresentar as suas observações.

4.
    Após uma reunião realizada em 15 de Abril de 1994 entre a Direcção-Geral da Concorrência (DG IV) da Comissão, a ENI e a EniChem, o presidente da EniChem apresentou um plano de reestruturação a pôr em prática durante o período corrente de 1994 a 1997. Este plano previa uma nova injecção por parte da ENI no capital da EniChem no montante de 3 biliões LIT (a seguir «terceira injecção de capital»).

5.
    Por carta de 18 de Maio de 1994, as autoridades italianas apresentaram uma resposta oficial à carta da Comissão de 16 de Março de 1994. Em anexo a esta resposta constavam extractos do plano de reestruturação onde se mencionava essa terceira injecção de capital.

6.
    Em de 2 de Junho de 1994, a Comissão publicou no Jornal Oficial das Comunidades Europeias o texto da sua carta de 16 de Março de 1994 enviada ao governo italiano, sob a forma de uma comunicação «dirigida aos outros Estados-Membros e terceiros interessados, respeitante a um auxílio que a Itália decidiu conceder à EniChem SpA» (JO C 151, p. 3), convidando-os a apresentarem as suas observações no prazo de 30 dias. Esta comunicação não fazia qualquer referência à terceira injecção de capital.

7.
    Por carta de 6 de Junho de 1994, o governo italiano chamou a atenção da Comissão para o facto de que o plano de reestruturação da EniChem, bem comoas suas observações de 18 de Maio de 1994, se referiam não só às injecções de capital objecto do procedimento iniciado com a carta da Comissão de 16 de Março de 1994, mas também à terceira injecção de capital. O governo esperava que o procedimento de exame fosse rapidamente concluído no que respeita a esta última injecção.

8.
    Na sequência de discussões levadas a cabo no âmbito de um grupo de trabalho constituído por representantes da indústria e do Department of Trade and Industry (a seguir «DTI»), o governo do Reino-Unido submeteu à Comissão, em 1 de Julho de 1994, observações em resposta à comunicação de 2 de Junho de 1994, nas quais exprimia as suas dúvidas acerca da justificação das duas primeiras injecções de capital. O Reino-Unido chamou igualmente a atenção da Comissão para certos artigos da imprensa relativos à terceira injecção de capital, e pediu, nomeadamente, que esta última fosse objecto de exame separado e minucioso.

9.
    Em 27 de Julho de 1994, a Comissão publicou um comunicado de imprensa IP/94/728 (a seguir «o comunicado de imprensa da Comissão») informando que tinha decidido, nessa mesma data, dar por encerrado o procedimento instaurado nos termos do artigo 93.°, n.° 2, do Tratado, a respeito das duas primeiras injecções de capital, mediante aprovação do auxílio concedido, e considerar que a terceira injecção de capital não constituía um auxílio estatal.

10.
    A terceira injecção de capital foi efectuada por fases entre Agosto e Outubro de 1994.

11.
Em 1 de Agosto de 1994, a sociedade americana Union Carbide Corporation (a seguir «UCC») publicou um comunicado de imprensa anunciando a sua intenção de criar com a EniChem uma empresa comum para a produção e comercialização de polietileno na Europa.

12.
    A recorrente tomou conhecimento da aprovação da recapitalização da EniChem por parte da Comissão através da leitura do comunicado de imprensa da UCC. Contactou então a DTI, que obteve uma cópia da versão inglesa do comunicado de imprensa da Comissão através do intermediário da representação permanente do Reino-Unido junto das Comunidades Europeias. Essa cópia foi enviada à recorrente a 3 de Agosto de 1994.

13.
    A decisão tomada pela Comissão em 27 de Julho de 1994 (a seguir «decisão litigiosa») foi notificada ao governo italiano por carta de 9 de Agosto de 1994.

14.
    A Comissão considera no n.° 4 da decisão litigiosa que a terceira injecção de 3 biliões LIT não constitui um auxílio estatal na acepção do artigo 92.°, n.° 1, do Tratado, uma vez que poderia ter sido efectuada por um investidor privado numa economia de mercado.

15.
    Explica, no n.° 5 da decisão litigiosa, que as duas primeiras injecções de capital, no valor global de 1 794 biliões LIT, «não receberão qualquer remuneração» e «nenhum investidor privado teria efectuado um investimento deste montante sem a elaboração prévia de um plano de reestruturação global». Acrescenta que «estas injecções devem ser consideradas auxílios destinados a cobrir as perdas da EniChem, que resultaram principalmente do encerramento parcial e integral de instalações de produção» de que a decisão litigiosa apresenta uma panorâmica geral. Em todo o caso, no n.° 6 da decisão litigiosa, a Comissão considera que, atendendo ao número significativo de encerramentos e à consequente redução da capacidade produtiva, as duas primeiras injecções de capital são compatíveis com o mercado comum, nos termos do artigo 92.°, n.° 3, alínea c), do Tratado.

16.
    No decurso de uma reunião de 11 de Novembro de 1994, a Comissão entregou às autoridades britânicas e à recorrente um documento que qualifica de texto integral da decisão litigiosa nos seus articulados.

17.
    A decisão litigiosa foi publicada no Jornal Oficial das Comunidades Europeias de 26 de Novembro de 1994 (Comunicação da Comissão nos termos do artigo 93.°, n.° 2, do Tratado CE, dirigida aos outros Estados-Membros e terceiros interessados, relativa aos auxílios que a Itália decidiu conceder à EniChem SpA, JO C 330, p. 7).

Tramitação processual

18.
    Por petição entregue na Secretaria do Tribunal em 20 de Janeiro de 1995, a recorrente interpôs o presente recurso.

19.
    Por despachos de 13 de Outubro de 1995, o Tribunal de Primeira Instância (Segunda Secção Alargada) admitiu as intervenções do Reino-Unido e da República Italiana no presente processo, em apoio respectivamente dos pedidos da recorrente e da Comissão. Por despacho de 19 de Outubro de 1995, a ENI e a EniChem foram admitidas a intervir, em apoio do pedido da Comissão.

20.
    Por despacho de 26 de Junho de 1996 (BP Chemicals/Comissão, T-11/95, Colect., p. II-599), o Tribunal de Primeira Instância (Segunda Secção Alargada) indeferiu um pedido apresentado pela ENI e pela Enichem destinado a obter uma derrogação, ao abrigo do artigo 35.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, à obrigação de tradução na língua do processo dos documentos em língua italiana anexos à sua intervenção.

21.
    Com base no relatório preliminar do juiz-relator, o Tribunal de Primeira Instância (Segunda Secção Alargada) decidiu iniciar a fase oral do processo. No âmbito das medidas de organização do processo, a Comissão, a República Italiana, a ENI e a EniChem foram convidadas a responder por escrito a certas questões e a apresentarem determinados documentos antes da audiência. O Tribunal solicitou, nomeadamente, à Comissão que apresentasse os cálculos que constam do seuprocedimento relativos à questão de saber se a terceira injecção de capital teria sido aceitável para um investidor privado numa economia de mercado.

22.
    A Comissão, a ENI e a EniChem responderam a essas questões, e apresentaram determinados documentos, em 30 de Junho de 1997. A Comissão, em particular,apresentou um cálculo do rendimento da terceira injecção de capital datado de 1 de Julho de 1994 (a seguir «Quadro QI/1»). A República Italiana apresentou as suas observações em 30 de Julho de 1997.

23.
    As partes foram ouvidas nas suas alegações e nas suas respostas às questões colocadas pelo Tribunal na audiência de 23 de Setembro de 1997. No final desta audiência, o Tribunal, decidiu, todavia, não dar por encerrada a fase oral.

24.
    Por carta de 26 de Setembro de 1997, a recorrente solicitou autorização para apresentar por escrito as suas observações aos cálculos constantes do quadro QI/1.

25.
    Por carta de 26 de Setembro de 1997, os representantes da Comissão deram conhecimento ao Tribunal de que os cálculos do quadro QI/1, com data de 1 de Julho de 1994, não tinham sido efectuados antes da adopção da decisão litigiosa de 27 de Julho de 1994, mas constituía uma reconstituição do trabalho realizado aquando da preparação dessa decisão.

26.
    Por carta de 13 de Outubro de 1997, o Tribunal convidou a Comissão a informar se os cálculos constantes do quadro QI/1 continuavam a ser invocados como suporte à afirmação da decisão litigiosa, segundo a qual a terceira injecção de capital poderia ter sido efectuada por um investidor privado numa economia de mercado. Em caso negativo, a Comissão era convidada a indicar, a partir do fundamento da decisão litigiosa e dos seus articulados, os cálculos ou outros elementos que invocava para justificar a sua conclusão acerca destas questões.

27.
    Por carta de 16 de Outubro de 1997, a Comissão deu conhecimento ao Tribunal de que os documentos apresentados como anexos QI/2 e QI/4 às suas observações de 30 de Junho de 1997 (a seguir «Quadros QI/2 e QI/4») eram cópias de documentos originais que figuravam no seu procedimento aquando da adopção da decisão litigiosa, mas que o anexo QI/3 (a seguir «quadro QI/3») tinha sido reconstituido, posteriormente à adopção da decisão litigiosa, para melhor compreensão, com base num quadro existente à data.

28.
    Por observações datadas de 11 de Novembro de 1997, a Comissão respondeu à questão do Tribunal de 13 de Outubro de 1997, submetendo-lhe cálculos (a seguir «quadro A» e «quadro B») contendo alguns elementos novos relativamente aos cálculos do quadro QI/1.

29.
    Por carta de 24 de Novembro de 1994, o Tribunal convidou a recorrente e os intervenientes a pronunciarem-se por escrito acerca das cartas e observações daComissão, de 30 de Junho de 1997, 26 de Setembro de 1997, 16 de Outubro de 1997 e 11 de Novembro de 1997.

30.
    Em 19 de Janeiro de 1997, a recorrente, o Reino-Unido, a ENI e a EniChem apresentaram as suas observações em resposta a este convite.

31.
    As partes foram ouvidas nas suas alegações e nas suas respostas às questões colocadas pelo Tribunal na audiência de 17 de Março de 1998, no termo da qual a fase oral foi dada por encerrada.

Pedidos das partes

32.
    A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    anular a decisão litigiosa;

-    condenar a Comissão nas despesas;

-    condenar a República Italiana, a ENI e a EniChem nas despesas decorrentes das respectivas intervenções.

33.
    O Reino-Unido conclui pedindo que o Tribunal se digne anular a decisão litigiosa.

34.
    A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-     julgar o recurso improcedente;

-    condenar a recorrente nas despesas;

-    condenar o Reino-Unido nas despesas.

35.
    A ENI e a EniChem concluem pedindo que o Tribunal se digne:

-    julgar o recurso inadmissível;

-    subsidiariamente, julgar o recurso improcedente por falta de fundamento;

-    condenar a recorrente nas despesas da ENI e da EniChem.

36.
    A República Italiana apoia as conclusões da Comissão.

Quanto à inadmissibilidade

37.
    A Comissão, a República Italiana, a ENI e a EniChem alegam que o recurso é inadmissível, por um lado, porque a recorrente teria interposto o recurso fora doprazo e, por outro lado, porque ela não seria individualmente interessada na decisão litigiosa na acepção do artigo 173.°, parágrafo quarto, do Tratado.

Quanto ao prazo do recurso

Argumentos das partes

38.
    A Comissão alega que a petição, entregue em 20 de Janeiro de 1995, foi apresentada fora do prazo previsto no artigo 173.°, parágrafo quinto, do Tratado. Com efeito, o prazo do recurso teria começado a correr em 3 de Agosto de 1994, data em que a recorrente tomou conhecimento do acto litigioso através da leitura do comunicado de imprensa da Comissão.

39.
    Segundo a Comissão, resulta quer da redacção do artigo 173.°, parágrafo quinto, do Tratado, quer de Jurisprudência do Tribunal de Justiça, que a ocorrência em primeiro lugar de um dos três factos previstos por aquela disposição, a saber a publicação do acto litigioso, a sua notificação ao recorrente, ou o conhecimento do referido acto por parte deste, faz começar a correr o prazo do recurso (ver nomeadamente os acórdãos do Tribunal de Justiça de 5 de Março de 1986, Tezi Textiel/Comissão, 59/84, Colect., p. 887, n.os 9 a 12, e de 23 de Maio de 1989, Top Hip Holzvertrieb/Comissão, 387/87, Colect., p. 1359, n.os 12 a 15).

40.
    No caso vertente, o comunicado de imprensa da Comissão teria dado à recorrente um conhecimento exacto do conteúdo e dos fundamentos do acto em causa de forma a poder exercer o seu direito de recurso. Mesmo supondo que a recorrente não tivesse tido um conhecimento suficientemente pormenorizado do conteúdo e dos fundamentos do acto litigioso, na acepção do artigo 173.°, parágrafo quinto, do Tratado, à data de 3 de Agosto de 1994, o prazo do recurso só teria começado a correr a partir da notificação do acto, isto é em 11 de Novembro de 1994, se a recorrente tivesse, dentro de um prazo razoável, solicitado à Comissão o texto integral do acto. No caso vertente, todavia, tal condição não estaria satisfeita.

41.
    Por fim, a Comissão contesta a afirmação da recorrente segundo a qual o texto da decisão litigiosa lhe foi entregue aquando da reunião de 11 de Novembro de 1994, na estrita condição de não fazer uso dela uso antes da respectiva publicação no Jornal Oficial, mas admite que a reunião tinha caráter confidencial e que os seus funcionários submeteram o documento a embargo até publicação, pensando, erradamente, que lhes cabia impedir a sua divulgação antes dessa data.

42.
    A República Italiana, a ENI e a EniChem sustentam os fundamentos da Comissão.

43.
    A ENI e a EniChem sublinham que, nos termos do artigo 193.°, n.° 3, do Tratado, a publicação da decisão litigiosa não era condição para que se tornasse eficaz. Nestas circunstâncias, tal como os advogados-gerais Reischl e Mancini teriam declarado respectivamente nos acórdãos do Tribunal de Justiça de 5 de Março de 1980, Könecke/Comissão (76/79, Recueil p. 665) e de 22 de Setembro de 1988,França/Parlamento (358/85 e 51/86, Colect., p. 4821), a recorrente não tinha que esperar pela publicação do acto para interpor recurso. Por maioria de razão o mesmo se aplica no que respeita à terceira injecção de capital, uma vez que as decisões da Comissão que declaram a não existência de um auxílio estatal com base no artigo 93.°, n.° 3, do Tratado, nunca são publicadas.

44.
    A recorrente, apoiada pelo Reino-Unido, defende que o prazo do recurso previsto no artigo 173.°, parágrafo quinto, do Tratado, começou a correr na data da publicação da decisão litigiosa no Jornal Oficial, a saber em 26 de Novembro de 1994. O critério da tomada de conhecimento do acto litigioso seria subsidiário e só se aplicaria na ausência de publicação ou de notificação do referido acto. (acórdão Könecke/Comissão, já referido, e acórdão do Tribunal de Justiça de 6 de Julho de 1988, Dillinger Hütenweke/Comissão, 236/86, Colect., p. 3761, n.° 14).

45.
    Nem o comunicado de imprensa da Comissão, nem a entrega de uma cópia confidencial da decisão litigiosa no decurso da reunião de 11 de Novembro de 1194 constituiriam uma notificação. Por outro lado, aquando dessa reunião, a decisão litigiosa teria sido entregue à recorrente na estrita condição de não fazer uso dela antes da respectiva publicação, tendo como consequência que o prazo não deveria começar a correr a partir da data da reunião. Em qualquer dos casos, o comunicado de imprensa da Comissão não teria dado à recorrente um conhecimento suficiente do acto em causa. Por outro lado, ela teria agido com toda a diligência necessária para obter uma cópia da decisão litigiosa.

Apreciação do Tribunal

46.
    Por força do artigo 173.°, parágrafo quinto, do Tratado, os recursos previstos neste artigo devem ser interpostos no prazo de dois meses a contar, conforme o caso, da publicação do acto, da sua notificação ao recorrente ou, na falta desta, do dia em que este tenha tomado conhecimento dele.

47.
    Decorre da redacção desta mesma disposição que o critério da data de tomada de conhecimento do acto como ponto de partida do prazo de recurso apresenta um carácter subsidiário relativamente aos da publicação ou da notificação do acto (acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de Março de 1998, Alemanha/Conselho, C-122/95, Colect., p. I-973, n.° 35; ver igualmente em matéria de auxílios estatais, as conclusões do advogado-geral Capotorti no acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Setembro de 1980, Philip Morris/Comissão, 730/79, Recueil, pp. 2671, 2693, 2695).

48.
    No caso vertente, a decisão litigiosa foi publicada em 26 de Novembro de 1994. Na hipótese em que não tivesse sido anteriormente notificada à recorrente, haveria portanto lugar a declarar que o presente recurso, apresentado em 20 de Janeirode 1995, foi interposto dentro do prazo previsto no artigo 173.°, parágrafo quinto, do Tratado.

49.
    Esta conclusão impõe-se tanto mais no caso vertente quanto é prática corrente que as decisões da Comissão que põem termo a um procedimento de exame aos auxílios nos termos do artigo 93.°, n.° 2, do Tratado serem publicadas no Jornal Oficial das Comunidades Europeias (ver nomeadamente a carta da Comissão aos Estados-Membros de 27 de Janeiro de 1989, publicada pela Comissão em o Direito da Concorrência nas Comunidades Europeias, Volume IIA, "Regras aplicáveis aos auxílios de Estado", 1995, p. 107, bem como o Vigésimo Relatório sobre a política de concorrência, 1990, n.° 170).

50.
    No caso vertente, a decisão litigiosa pôs termo não só ao procedimento de exame instaurado nos termos do artigo 93.°, n.° 2, do Tratado, relativamente às duas primeiras injecções de capital, mas também ao exame preliminar, instaurado ao abrigo do artigo 93.°, n.° 3, do Tratado, relativamente à terceira injecção de capital. Todavia, a Comissão não negou que sempre teve intenção de publicar a decisão litigiosa sobre as três injecções de capital na sua versão integral. Não contesta além disso que informou o Reino-Unido de que a decisão litigiosa seria publicada, o que resulta aliás da parte restante do fax que enviou à representação permanente do Reino-Unido em 29 de Setembro de 1994, confirmando que a decisão litigiosa seria publicada nas semanas seguintes.

51.
    Nestas circunstâncias, a recorrente podia legitimamente esperar que a decisão litigiosa fosse objecto de uma publicação no Jornal Oficial das ComunidadesEuropeias.

52.
    Em contrapartida, na hipótese em que a entrega à recorrente, aquando da reunião de 11 de Novembro de 1994, do documento qualificado pela Comissão como texto integral da decisão litigiosa pudesse ser considerada como uma «notificação» na acepção do artigo 173.°, parágrafo quinto, do Tratado, haveria igualmente lugar a considerar que o recurso foi interposto no prazo requerido. Com efeito, nestas circunstâncias o prazo do recurso só teria expirado na segunda-feira 23 de Janeiro de 1995, tendo em conta o prazo de dois meses previsto no artigo 173.°, parágrafo quinto, do Tratado, acrescido da dilação de dez dias em razão da distância prevista para o Reino-Unido, nos termos do disposto no artigo 102.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, bem como o disposto no artigo 101.°, n.° 2, alínea a), do mesmo regulamento, aplicável quando o prazo termina num sábado, domingo ou dia feriado.

53.
    Os argumentos assentes na intempestividade do recurso devem pois ser julgados improcedentes.

Quanto à questão de saber se a recorrente é directa e individualmente interessada na decisão litigiosa

Argumentos das partes

54.
    A Comissão, apoiada pela República Italiana, a ENI e a EniChem alega que o recurso não é admissível na parte relativa às duas primeiras injecções de capital, uma vez que a recorrente não é individualmente afectada, a este respeito, pela decisão litigiosa, na acepção do artigo 173.°, parágrafo quarto, do Tratado.

55.
    Com efeito, a recorrente não preencheria nenhuma das três condições cumulativas previstas a este respeito pela jurisprudência; não teria participado no procedimento administrativo na qualidade de queixoso nem de terceiro interessado que apresenta observações na sequência de uma comunicação de instauração de um procedimento nos termos do artigo 93.°, n.° 2, do Tratado; o desenvolvimento do procedimento não teria sido consideravelmente determinado pelas suas observações; finalmente, a sua posição no mercado não seria substancialmente afectada pelo auxílio em causa (acórdãos do Tribunal de Justiça de 20 de Março de 1985, Timex/Conselho e Comissão, 264/82, Recueil p. 849; e de 28 de Janeiro de 1986, Cofaz/Comissão, 169/84, Recueil p. 391, n.° 25, e conclusões do advogado-geral VerLoren Themaat acerca desse mesmo acórdão, Recueil pp. 392, 405).

56.
    Em contrapartida, a Comissão não contesta que o recurso seja admissível na parte que respeita à sua apreciação da terceira injecção de capital, em aplicação dos acórdãos do Tribunal de Justiça de 19 de Maio de 1993, Cook/Comissão (C-189/91, Colect., p. I-2487) e de 15 de Junho de 1993, Matra/Comissão (C-225/91, Colect., p. I-3203).

57.
    Demarcando-se da Comissão acerca desta questão, a ENI e a EniChem defendem que o recurso é igualmente inadmissível na parte que respeita à apreciação da terceira injecção de capital. Com efeito, a jurisprudência Cook/Comissão, já referida, não seria aplicável a uma decisão que declara a ausência de auxílio, por força do artigo 93.°, n.° 3, do Tratado. A anulação de decisão deste tipo, contrariamente à anulação de uma decisão que declara que um auxílio é compatível com o mercado comum, não acarretaria automaticamente a instauração de um procedimento formal de exame nos termos do artigo 93.°, n.° 2, do Tratado. Com efeito, a Comissão procederia em vez disso a um segundo exame nos termos do artigo 93.°, n.° 3, do Tratado, destinado a verificar se a terceira injecção de capital, que agora se presume conter um elemento de auxílio, é pelo menos compatível com o mercado comum. A intervenção de terceiros interessados, como a recorrente, não estaria prevista nesta fase do procedimento. Somente na hipótese de a Comissão instaurar o procedimento de exame nos termos do artigo 93.°, n.° 2, a recorrente teria possibilidade de apresentar as suas observações no que respeita à terceira injecção de capital. A decisão litigiosa não diria pois respeito à recorrente de forma directa.

58.
    A ENI e a EniChem alegam também que o recurso é inadmissível na parte que respeita à terceira injecção de capital porque não está dirigido contra uma decisãoadoptada nos termos dos artigos 92.°, n.° 1 e 93.°, n.° 3, do Tratado. Tendo a decisão litigiosa sido adoptada unicamente com base nos artigos 92.°, n.° 3, alínea c), e 93.°, n.° 2, do Tratado e não tendo a Comissão estendido o seu exame, a esse título, à terceira injecção de capital, o recurso seria inadmissível uma vez que a recorrente não pediu, nas suas conclusões, a anulação da decisão «distinta» relativa à terceira injecção de capital.

59.
    A República Italiana alega que o recurso é inadmissível na parte que respeita à terceira injecção de capital porque a recorrente não conseguiu provar que a ENI, uma empresa pública, tinha agido na qualidade de autoridade pública, ao basear-se em interesses de ordem pública ou social em vez de interesses egoístas ou comerciais.

60.
    A recorrente, apoiada pelo Reino-Unido, defende que é directa e individualmente afectada pelo decisão litigiosa no seu conjunto.

61.
    Entende que, como concorrente da EniChem e na falta de uma comunicação acerca da instauração de um procedimento nos termos do artigo 92.°, n.° 2, do Tratado, relativo à terceira injecção de capital, não teve oportunidade de apresentar as suas observações, daí resultando que a sua impugnação da terceira injecção referida é admissível (acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Novembro de 1984, Intermills/Comissão, 323/82, Recueil p. 3809, acórdão Cook/Comissão, já referido, n.° 23 a 25, e acórdão do Tribunal de Justiça de 24 de Março de 1993, CIRFS e o./Comissão, C-313/90, Colect., p. I-1125). Contrariamente à argumentação da ENI e da EniChem, o acórdão Cook/Comissão, já referido, seria aplicável a uma situação em que se tenha adoptado a decisão de não instaurar o procedimento previsto no artigo 93.°, n.° 2, do Tratado, em virtude de a medida em causa não constituir um auxílio estatal.

62.
    O recurso seria igualmente admissível, nos termos do acórdão Cook/Comissão, já referido, na parte que respeita às duas primeiras injecções de capital, as quais se encontravam inextrincavelmente ligadas à terceira injecção. Com efeito, ao não estender o procedimento nos termos do artigo 93.°, n.° 2, do Tratado, através de uma nova comunicação, a Comissão teria privado os interessados da possibilidade de se exprimirem acerca da totalidade da reestruturação da EniChem, bem como sobre o financiamento desta última. O raciocínio que estava na base do acórdão Cook/Comissão aplicar-se-ia a uma tal situação, uma vez que se não era permitido aos interessados contestar a decisão da Comissão perante o Tribunal, as garantias processuais do artigo 93.°, n.° 2, do Tratado não poderiam ser respeitadas.

63.
    A título subsidiário, para o caso de o Tribunal entender que a admissibilidade do recurso, quanto às duas primeiras injecções de capital, devesse ser apreciada separadamente, a recorrente alega que uma empresa pode ser individualmente interessada em virtude do simples efeito produzido pelo auxílio na sua posição no mercado (ver os acórdãos do Tribunal de Justiça de 27 de Abril de 1995, ASPECe o./Comissão, T-435/93, Colect., p. II-1281, n.° 64, e AAC e o./Comissão, T-442/93, Colect., p. II-1329, n.° 49).

64.
    Existiria uma concorrência substancial na Europa entre a recorrente e a EniChem, nomeadamente, nos mercados de etileno e de polietileno, mas também quanto a outros produtos. A EniChem seria o maior produtor de etileno na Europa, representando 11% da capacidade total contra 7% da recorrente. Por outro lado, a Comissão teria indicado, na comunicação de 2 de Junho de 1994, que a EniChem dispunha de uma posição de líder no mercado da Europa Ocidental das olefinas, categoria de produtos a que pertence o polietileno.

65.
    Em 1993, a recorrente teria sofrido uma perda de exploração em todos os seus produtos vendidos na Europa, de 95 milhões UKL, e principalmente devido às vendas de etileno e polietileno. Nesse mesmo ano, a sociedade-mãe da recorrente teria inscrito nas suas contas uma despesa de 200 milhões UKL a fim de cobrir a reestruturação fundamental das suas operações petroquímicas europeias e nomeadamente o encerramento permanente das instalações de craqueamento de etileno em Baglan Bay. O encerramento destas instalações, com uma capacidade de 360 Kt/a, teria coincidido com a construção, anunciada em 1998, de uma fábrica mais rentável, com capacidade de 330 Kt/a, em Grangemouth.

66.
    A recorrente entende, por consequência, que a sua posição no mercado foi seriamente afectada pela concessão das duas primeiras injecções de capital à EniChem.

67.
    Além disso, a recorrente teria participado activamente no procedimento administrativo, desempenhando nessa medida um papel comparável ao de um queixoso, na acepção do acórdão Cofaz, já referido. Em 24 de Maio de 1994, teria apresentado ao grupo de trabalho constituído por representantes da indústria e do DTI um estudo relativo aos auxílios concedidos á EniChem. Aquando de uma reunião desse grupo de trabalho em 13 de Junho de 1994, teria completado esse estudo com novos valores e argumentos e, seguidamente, teria escrito ao ministério para se munir de informações complementares. A recorrente teria participado nas discussões do grupo de trabalho acerca das grandes linhas das observações do Reino-Unido, fornecendo a maior parte dos elementos de facto, e teria, nomeadamente, formulado reparos ao projecto de observações distribuído pelo DT

68.
    A recorrente teria hesitado em apresentar as observações em seu nome próprio, com receio de causar prejuízo às relações comerciais que mantinha com a EniChem no âmbito de empresas comuns, às negociações em curso sobre contratos de concessão de tecnologia, bem como à cooperação no quadro de associações profissionais nas quais as duas empresas estavam filiadas. Embora um Estado-Membro não actue «por conta» de uma empresa à semelhança de uma associação profissional, as autoridades britânicas teriam querido fazer de maneira a que os interesses da recorrente fossem plenamente considerados pela Comissão.Seria de um excessivo formalismo pretender que a recorrente tivesse submetido as mesmas observações em seu nome próprio.

Apreciação do Tribunal

- Quanto à admissibilidade do recurso na parte que respeita às duas primeiras injecções de capital

69.
    De acordo com o artigo 173.°, parágrafo quarto, do Tratado, uma pessoa singular ou colectiva só pode interpor recurso de uma decisão dirigida a outra pessoa se essa decisão lhe disser directa e individualmente respeito

70.
    Não é contestado que a recorrente é directamente afectada pela decisão litigiosa, uma vez que esta declara os auxílios já concedidos compatíveis com o mercado comum (ver, por último, o acórdão do Tribunal de Justiça de 5 de Novembro de 1997, Ducros/Comissão, T-149/95, Colect., p. II-2031, n.° 32).

71.
    Por outro lado, é jurisprudência constante que os sujeitos que não são os destinatários de uma decisão só podem pretender ser individualmente afectados se essa decisão os afectar em razão de certas qualidades que lhes são próprias ou de uma situação de facto que os caracterize em relação a qualquer outra pessoa e, nessa medida, os individualiza de modo análogo ao do destinatário (acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Setembro de 1963, Plaumann/Comissão, 25/62, Colect., pp. 197, 223; acórdão Ducros/Comissão, já referido, n.° 33).

72.
    Resulta igualmente da jurisprudência que, no domínio do controlo dos auxílios estatais, uma decisão que encerra um procedimento instaurado nos termos doartigo 93.°, n.° 2, do Tratado, diz individualmente respeito às empresas que estiveram na origem da denúncia que deu lugar à instauração do procedimento, que foram ouvidas nas suas observações, e que determinaram o desenvolvimento desse procedimento, desde que, no entanto, a sua posição no mercado tenha sido substancialmente afectada pela medida de auxílio objecto da referida decisão (acórdão Cofaz/Comissão, já referido, n.os 24 e 25). Desta jurisprudência não decorre, no entanto, que uma empresa não possa demonstrar de outro modo, remetendo para circunstâncias especiais que a individualizem de modo análogo ao do destinatário, que é individualmente afectada (acórdãos ASPEC e o./Comissão, já referido, n.° 64 e Ducros/Comissão, já referido, n.° 34).

73.
    No caso vertente, a recorrente não apresentou qualquer denúncia à Comissão. Também, após publicação da comunicação de 2 de Junho de 1994, não interveio junto da Comissão a fim de lhe apresentar as suas observações como interessada na acepção do artigo 93.°, n.° 2, do tratado. Por outro lado, o facto de a recorrente

possuir a qualidade de interessada na acepção dessa disposição não é suficiente, por si só, para individualizá-la de modo análogo ao do destinatário da decisão.

74.
    O Tribunal considera que a participação da recorrente, como membro de um grupo de trabalho constituído por representantes da indústria e do DTI, na preparação das observações submetidas à Comissão pelo Reino-Unido, em 1 de Julho de 1994, também não é de natureza a individualizá-la na acepção da jurisprudência já referida. Com efeito, as observações apresentadas pelo Reino-Unido foram-no em seu nome próprio e na sua qualidade de Estado-Membro. Além disso, só exprimem o ponto de vista do governo do Reino-Unido acerca dos auxílios propostos no quadro da situação geral da indústria petroquímica europeia, sem abordar de alguma forma a situação particular da recorrente.

75.
    Por outro lado, a simples participação da recorrente num grupo de trabalho criado pelas autoridades britânicas não é equiparável ao exercício, por um interessado na acepção do artigo 93.°, n.° 2, do Tratado, do direito de apresentar observações no âmbito do procedimento que essa disposição prevê. Com efeito, neste contexto, considerações de segurança jurídica e de boa administração exigem que, na medida do possível, a Comissão conheça a situação particular de cada um dos operadores económicos que se considera serem afectados pela concessão dos auxílios propostos. No caso vertente, a Comissão não tinha conhecimento, aquando do procedimento administrativo, quer das objecções específicas da recorrente, quer do papel eventualmente desempenhado por esta na preparação das observações do Reino-Unido.

76.
    Quanto à questão de saber se a recorrente conseguiu provar, de outra forma, a existência de circunstâncias específicas que a individualizam de modo análogo ao do destinatário, há que recordar que o simples facto de um acto ser susceptível de exercer uma influência nas relações de concorrência existentes no mercado em causa não basta para que qualquer operador económico que se encontre em qualquer relação de concorrência com o beneficiário do acto possa ser considerado como visado directa e individualmente por este último (acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de Dezembro de 1969, Eridania e o./Comissão, 10/68 e 18/68, Colect., p. 459, n.° 7; acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de Outubro de 1996, Skibsværftsforeningen e o./Comissão, T-266/94, Colect., p. II-1390, n.° 47).

77.
    O Tribunal entende, com efeito, que, num caso como o vertente, em que a recorrente não fez prevalecer o seu direito de apresentar observações no âmbito do procedimento previsto no artigo 93.°, n.° 2, do Tratado, incumbe-lhe provar a existência de uma situação concorrencial particular que a caracterize relativamente a qualquer outro operador económico, a propósito do auxílio estatal em questão (acórdão ASPEC e o./Comissão, já referido, n.° 70; acórdão Skibsværftsforeningen e o./Comissão, já referido, n.° 47).

78.
    Além de ser uma concorrente da EniChem nos mercados de etileno e polietileno, a recorrente invoca o facto de a capacidade de produção de etileno da EniChem constituir 11% da capacidade total de produção na Europa, contra os 7% que elamesma detém. Invoca, assim, a afirmação feita pela Comissão na sua comunicação de 2 de Junho de 1994, segundo a qual a EniChem dispõe de uma posição de "market leader" no mercado da Europa Ocidental das olefinas. Por fim, invoca a perda de exploração que sofreu em 1993, devida nomeadamente às suas vendas de etileno e de polietileno, bem como a reestruturação que levou a cabo, incluindo o encerramento das suas instalações de craqueamento de etileno em Baglan Bay.

79.
    O Tribunal entende que estes elementos não constituem circunstâncias específicas suficientes para individualizar a recorrente de modo análogo ao do destinatário da decisão litigiosa.

80.
    Resulta com efeito do processo que, à data dos factos, uma vintena de operadores económicos estavam activos no sector do etileno, ao qual pertencem a EniChem e a recorrente, dispondo no seu conjunto de cerca de cinquenta fábricas (ver, por exemplo, o quadro que figura na página 14 do «Petrochemical Market Outlook», Maio 1994, entregue na Secretaria do Tribunal pela recorrente, e o «1994 Olefins Report Product Preview» apresentado pela EniChem no anexo 4 das suas alegações). Ora, embora a recorrente dispusesse de facto, naquela época, da maior capacidade de produção da Europa, resulta do quadro da página 16 da petição que cinco outros produtores tinham uma capacidade maior que a da recorrente, figurando esta última só em sétima posição. No que respeita à perda de exploração sofrida pela recorrente em 1993, resulta do processo que a indústria petroquímica passava, na altura, por um período de recessão, e que, em consequência, a maioria dos operadores económicos afectados registaram perdas ou realizaram margens fracas. De igual modo, o encerramento das instalações de "craqueamento" de etileno em Baglan Bay parece não ter ligação com as duas primeiras injecções de capital, mas, antes, com a sua própria decisão, anunciada em 1998, de construir uma fábrica mais rentável em Grangemouth.

81.
    A situação da recorrente é portanto nitidamente daquela em que se encontravam as três recorrentes no processo que deu lugar ao acórdão ASPEC e o./Comissão, já referido, as quais detinham quase a totalidade dos sectores de mercado em causa (ver n.os 65 a 71). De igual modo, enquanto que nesse processo, o auxílio em questão destinava-se especificamente a aumentar a capacidade de produção do beneficiário em mercados já excedentários, no caso vertente, as duas primeiras injecções de capital foram feitas no contexto do encerramento de instalações referido no n.° 5 da decisão litigiosa.

82.
    Por fim, o fundamento da recorrente segundo o qual o seu recurso seria admissível, por analogia à solução adoptada no acórdão Cook/Comissão, já referido, em virtude da omissão, na comunicação de 2 de Junho de 1994, de qualquer menção à terceira injecção de capital a ter privado da possibilidade de se expressar acerca da totalidade da reestruturação da EniChem, não pode ser acolhido. Com efeito, nesse acórdão, o Tribunal de Justiça considerou que da não instauração do procedimento do artigo 93.°, n.° 2, do Tratado resultava a privação dos interessados, na acepção dessa disposição, das garantias processuais a cujo respeito

tinham direito. Ora, há que reconhecer que, no caso vertente, a Comissão instaurou o procedimento do artigo 93.°, n.° 2, a propósito das duas primeiras injecções de capital. Mesmo supondo que exista uma ligação entre as três injecções de capital no contexto da reestruturação da EniChem, e que a comunicação de 2 de Junho de 1994 esteja incompleta, o simples facto de esta não mencionar a terceira injecção de capital não privou a recorrente da possibilidade de apresentar as suas observações acerca das duas primeiras injecções no âmbito do procedimento instaurado a seu respeito pela Comissão.

83.
    Há pois que julgar o recurso inadmissível na parte que respeita às duas primeiras injecções de capital.

    - Quanto à admissibilidade do recurso na parte que respeita à terceira injecção de capital

84.
A recorrida, baseando-se nos acórdão Cook/Comissão e Matra/Comissão, já referidos, não contesta a admissibilidade do recurso na parte que respeita à terceira injecção de capital.

85.
    De acordo com o artigo 37.°, parágrafo quarto, do Estatuto (CE) do Tribunal de Justiça , aplicável ao processo no Tribunal de Primeira Instância por força do artigo 46.°, parágrafo primeiro, do referido estatuto, as conclusões do pedido de intervenção devem limitar-se a sustentar as conclusões de uma das partes. Por outro lado, nos termos do artigo 116.°, n.° 3 do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, o interveniente aceita o processo no estado em que este se encontra no momento da sua intervenção.

86.
    Daqui resulta que o interveniente não tem legitimidade para contestar a admissibilidade do recurso na parte que respeita à terceira injecção de capital e que o Tribunal não é, portanto, obrigado a examinar os fundamentos de inadmissibilidade que aquele invoca a esse respeito (acórdão do Tribunal de Justiça de 27 de Novembro de 1197, Kayserberg/Comissão, T-290/94, Colect., p. II-2137, n.° 76)

87.
    Todavia, por força do artigo 113.°, do Regulamento de Processo, há que examinar oficiosamente a admissibilidade do recurso na parte que respeita à terceira injecção de capital (ver acórdão CIRFS e o./Comissão, já referido, n.° 23 acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Dezembro de 1996, Leclerc/Comissão, T-19/92, Colect., p. II-1851, n.° 51).

88.
    A Comissão concluiu, na decisão litigiosa, que a terceira injecção de capital poderia ter sido efectuada por um investidor privado numa economia de mercado, e que, portanto, não constituía auxílio estatal. Face a esta conclusão, no termo do seu exame preliminar da terceira injecção de capital nos termos do artigo 93.°, n.° 3, do Tratado, a Comissão recusou implicitamente instaurar o procedimento previstopelo artigo 93.°, n.° 2, do Tratado (ver acórdão do Tribunal de Justiça de 2 de Abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink's France, C-367/95, Colect., p. I-1719, n.° 47).

89.
    Em tal situação, os beneficiários das garantias processuais previstas no artigo 93.°, n.° 2, do tratado só podem obter o respeito das mesmas se tiverem a possibilidade de impugnar no órgão jurisdicional comunitário a decisão litigiosa (acórdão Cook/Comissão, já referido, n.° 23, e Matra/Comissão, já referido, n.° 17. Este princípio aplica-se tanto no caso de a decisão ser tomada com fundamento em que a Comissão considera o auxílio compatível com o mercado comum como quando entende que a própria existência de um auxílio deve ser posta de lado (acórdão Comissão/Sytraval e Brink's France, já referido, n.° 47). Daqui resulta que a recorrente, na qualidade de interessada na acepção do artigo 93.°, n.° 2, do Tratado, é individualmente afectada pela decisão litigiosa na parte que esta respeita à terceira injecção de capital.

90.
    Nesta medida, a recorrente é de igual modo directamente afectada pela decisão litigiosa, uma vez que a terceira injecção de capital foi efectuada antes da interposição do recurso (acórdão Ducros/Comissão, já referido, n.° 32).

91.
    Quanto ao argumento da ENI e da EniChem, segundo o qual o recurso seriainadmissível pelo facto de, nas suas conclusões, a recorrente não ter pedido a anulação de uma decisão «distinta» relativa à terceira injecção de capital adoptada com base no artigo 92.°, n.° 1, e do artigo 93.°n.° 3, do Tratado, uma vez que a decisão litigiosa foi adoptada unicamente com base nos artigos 92.°, n.° 3, alínea c) e 93.°, n.° 2, do Tratado, basta verificar que as conclusões da recorrente visam a decisão litigiosa no seu conjunto, incluindo as conclusões da Comissão segundo as quais a terceira injecção de capital não constitui um auxílio estatal.

92.
    Há que rejeitar igualmente o fundamento da República Italiana segundo o qual a recorrente tem de provar que a ENI agiu mais na qualidade de autoridade pública do que na base dos seus interesses comerciais para que o seu recurso seja admissível na parte que respeita à terceira injecção de capital. Com efeito, essa observação não diz respeito à admissibilidade do recurso.

93.
    O recurso deve pois ser julgado admissível na parte que respeita à terceira injecção de capital.

Quanto ao mérito

I - Exposição sumária dos argumentos das partes

94.
    Relativamente à terceira injecção de capital, a recorrente alega (i) que a Comissão violou o artigo 92.°, n.° 1, do Tratado ao ignorar a relação existente entre as três injecções de capital, que fazia com que a terceira injecção de capital não pudesse ser apreciada independentemente das duas primeiras; (ii) que, em qualquer das hipóteses, a Comissão violou o artigo 92.°, n.° 1, do Tratado uma vez que uminvestidor privado numa economia de mercado não teria efectuado a terceira injecção de capital; e (iii) que daí resulta que a Comissão violou os direitos da recorrente, como pessoa interessada, ao não instaurar o procedimento previsto no artigo 93.°, n.° 2, do Tratado, relativamente à terceira injecção de capital.

Argumentos apresentados durante a fase escrita

95.
    Em primeiro lugar, quanto à relação existente entre as duas primeiras injecções de capital e a terceira, a recorrente alega que esta deve ser considerada como parte integrante de um processo único de reestruturação da EniChem, no âmbito do qual as duas primeiras injecções de capital e a terceira estariam inextricavelmente ligadas. Nestas circunstâncias, o raciocínio da Comissão, nos termos do qual as duas primeiras injecções de capital constituem auxílios estatais enquanto a terceira injecção de capital o não é, seria artificial. Existiria, na realidade, um único auxílio estatal no montante global de 4 794 biliões LIT.

96.
    A recorrente apoia-se nomeadamente no facto de que a Comissão não estava em condições de aprovar as duas primeiras injecções de capital ao abrigo do artigo 923.°, n.° 3, alínea c), do Tratado, sem que fosse estabelecido um plano de reestruturação que permitisse à empresa restaurar a sua viabilidade a longo prazo num prazo razoável (ver ponto 3.2.2.i) das orientações comunitárias relativas aos auxílios estatais de emergência e à reestruturação de empresas em dificuldade, adoptadas em 27 de Julho de 1994, JO C 368 de 23 de dezembro de 1994, p. 12, a seguir «orientações comunitárias», e o acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Setembro de 1994, Espanha/Comissão, C-278/92, 279/92 e 280/92, a seguir «acórdão Hytasa»). Ora, no caso vertente, só existiria um plano único de reestruturação, o que foi submetido à Comissão em resposta à carta de notificação de 16 de Março, cujo elemento essencial seria a terceira injecção de capital. A relação entre as duas primeiras injecções de capital e a terceira decorreria igualmente da carta do governo italiano à Comissão de 6 de Junho de 1994.

97.
    Em segundo lugar, e mesmo supondo que a terceira injecção de capital pudesse ser apreciada independentemente das duas primeiras, a recorrente invoca que, a Comissão não aplicou correctamente o critério bastante restrito do investidor privado numa economia de mercado na apreciação daquela (acórdãos do Tribunal de Justiça de 21 de Março de 1991, Itália/Comissão, C-303/88, Colect., p. I-1433, a seguir «acórdão ENI-Lanerossi», Itália/Comissão, C-305/89, Colect., p. I-1613, a seguir «acórdão Alfa Romeo» e acórdão Hytasa, já referido).

98.
    Segundo a recorrente, nenhum investidor privado numa economia de mercado teria despendido 3 biliões LIT para a reestruturação da EniChem. Mais particularmente, nenhum investidor privado teria financiado o plano de reestruturação da EniChem sem associar esse financiamento à prossecução de objectivos concretos em prazos definidos. Não teria procedido à terceira injecção de capital sem encarar a alternativa de liquidação da EniChem; nunca teria aceitado fazer um investimentocujo actual valor da futura capacidade de autofinanciamento atingiria exactamente o montante do investimento, tal como foi referido na decisão litigiosa; e, em qualquer das hipóteses, não teria tomado a sua decisão com base na menos pessimista das duas previsões financeiras, opção essa que foi adoptada no caso vertente segundo a contestação da Comissão.

99.
    Em terceiro lugar, a recorrente defende que, ao não instaurar o procedimento previsto no artigo 93.°, n.° 2, do Tratado, relativamente à terceira injecção de capital, a Comissão cometeu uma irregularidade de processo que a privou dos direitos de que é beneficiária segundo essa disposição (acórdão Cook/Comissão, já referido, n.° 23). Com efeito, a Comissão deveria ou ter alargado o procedimento já instaurado à terceira injecção de capital, ou instaurar um novo procedimento, para ficar completamente esclarecida, antes de tomar a sua decisão, acerca do conjunto de dados existentes sobre o processo (ver acórdão do Tribunal de Justiça de 20 de março de 1984, Alemanha/Comissão, 84/82, Recueil, p. 1451, n.° 13, e acórdão Cook/Comissão, já referido, n.° 29).

100.
    O Reino-Unido acrescenta que a Comissão deveria ter seguido a percepção das autoridades italianas, segundo a qual existia uma relação necessária e indissolúvel entre as três injecções de capital. Aliás, as autoridades italianas teriam sido obrigadas a apresentar as três injecções de capital como um todo pois a condição necessária em direito para a aprovação de um auxílio à reestruturação seria a de que esta restaurasse a viabilidade do beneficiário, tal como a própria Comissão teria sublinhado no ponto 3.2.2.i) das orientações comunitárias.

101.
    A Comissão salienta, a título liminar, a natureza limitada do controlo jurisdicional das decisões da Comissão no âmbito do seu controlo preventivo em matéria de auxílios estatais, bem como o poder discricionário necessariamente amplo de que goza nas apreciações de ordem económica e social efectuadas num contexto comunitário (ver, nomeadamente, os acórdãos Philip Morris/Comissão, já referido, n.° 24, Matra/Comissão, já referido, n.° 24, e Hytasa, já referido, n.° 51).

102.
    A Comissão entende não existir uma relação tal, entre as duas primeiras injecções de capital e a terceira, que levasse a que as três fossem apreciadas no seu conjunto. As duas primeiras injecções de capital teriam sido analisadas em completa independência da terceira, uma vez que o seu objectivo era essencialmente o de cobrir as perdas decorrentes de encerramentos anteriores e que a sua eficácia não dependia de modo algum daquela.

103.
    Em especial, a Comissão sublinha que o critério do investidor privado numa economia de mercado teve de ser aplicado às duas primeiras injecções de capital atendendo às circunstâncias existentes na altura em que estas foram efectuadas (1992 e 1993), ao passo que a terceira injecção de capital teve de ser apreciada à vista da situação existente à data da decisão litigiosa (1994). Alega que as duas primeiras injecções de capital não eram supostas receber qualquer rendimento, na medida em que se destinavam a compensar perdas anteriores, incluindo asdecorrentes de determinadas medidas de reestruturação que não se situavam no quadro de um plano de reestruturação detalhado. Em contrapartida, a intenção subjacente à injecção de 3 biliões LIT teria sido baseada num plano de reestruturação detalhado e realista para os anos de 1994 a 1997, destinado a restabelecer um nível de rendimento anual adequado a partir de 1997. O facto de, no plano de reestruturação, terem sido propostas medidas de natureza idêntica a outras implementadas anteriormente não bastava para estabelecer entre as duas primeiras injecções de capital e a terceira uma relação tal que impedisse a avaliação daquelas sem se alargar o procedimento a esta.

104.
    A Comissão considerava que as duas primeiras injecções e a reestruturação que as acompanhou haviam restaurado a viabilidade da EniChem a um nível em que era possível obter capitais privados no mercado de capitais, sem contudo terem conferido plenamente a esta empresa um nível de rentabilidade que permitisse que esses capitais pudessem gerar rendimentos a longo prazo. Para que um auxílio à reestruturação fosse compatível com o mercado comum, bastaria que restaurasse a viabilidade do beneficiário a um nível que lhe permitisse atrair no mercado de capitais os capitais privados necessários à recuperação da rentabilidade, eventualmente com base num plano de reestruturação mais detalhado. Tinha sido este o resultado das duas primeiras injecções de capital, uma vez que se esperava uma taxa de rendimento normal no mercado da terceira injecção de 3 biliões LIT.

105.
    Segundo a Comissão, embora não existisse um plano detalhado de reestruturação da EniChem na altura em que foram efectuadas as duas primeiras injecções de capital, sabia que estava a ser elaborado um plano global de reestruturação do grupo no contexto de uma vasta operação de reestruturação das empresas públicas italianas, a qual foi discutida com a Comissão no âmbito do processo EFIM (JO 1993, C 349, p. 2), que levou ao acórdão Andreatta-Van Miert. Uma explicação geral do plano de reestruturação e de privatização da EniChem tinha sido apresentada em dois documentos oficiais publicados pelo Ministério do Tesouro italiano em Novembro de 1992 e em Abril de 1993. Tornara-se evidente no decurso do procedimento nos termos do artigo 93.°, n.° 2, do Tratado que as injecções de capital eram utilizadas para financiar medidas de reestruturação com vista à recuperação da rentabilidade, no quadro da abordagem geral feita pelo governo italiano nos documentos supra mencionados. Atendendo a que essas medidas seguiam uma direcção coerente, finalmente apresentada em detalhe no plano de reestruturação submetido à Comissão em 1994, e que a execução de um plano de reestruturação não é um exercício estático, a Comissão tinha entendido que as referidas medidas estavam «associadas a um plano de reestruturação que visava reduzir ou reorientar as actividades da EniChem», no sentido do acórdão Hytasa, já referido.

106.
    Segundo a Comissão, o retorno à «viabilidade» na sequência de um auxílio à reestruturação deve ser entendido no sentido referido no ponto 3.2.2.i) das orientações comunitárias, a saber, que a empresa deve ser capaz de «cobrir todosos seus custos, incluindo as amortizações e os encargos financeiros, bem como obter uma rendibilidade mínima do capital». Tinha sido esta a situação da EniChem após as duas primeiras injecções de capital: era capaz de sobreviver no mercado, sem necessidade de qualquer auxílio suplementar.

107.
    Em segundo lugar, quanto ao comportamento de um investidor privado numa economia de mercado, a Comissão sublinha, a título liminar, que o Tribunal de Justiça reconheceu no n.° 21 do acórdão ENI-Lanerossi, já referido, que a aplicação do critério do investidor privado numa economia de mercado pode ter em conta a situação particular de uma sociedade gestora de participações. Precisa, todavia, nos seus articulados (por exemplo tréplica, ponto D.8) que não teve de basear-se no acórdão ENI/Lanerossi uma vez que a rentabilidade da terceirainjecção de capital não lhe oferecia qualquer dúvida.

108.
    O plano de reestruturação apresentado ao abrigo da carta do governo italiano de 18 de Maio de 1994 continha informações exaustivas sobre todos os assuntos, e nomeadamente, previsões financeiras sob a forma de mapas de receitas, balanços e mapas dos fluxos de tesouraria para os anos de 1993-1198. Dessas previsões financeiras constava igualmente uma segunda versão menos pessimista tendo em conta um nível mais elevado dos preços das matérias plásticas e um nível ligeiramente superior da produção de polietileno.

109.
    A Comissão alega ter verificado a coerência, o carácter racional e a exequibilidade do plano de reestruturação. Daí tinha concluído que ambas as versões das previsões financeiras contidas nesse plano eram realistas e prudentes. Seguidamente, a Comissão tinha apreciado os valores indicados nas previsões financeiras a fim de verificar se o rendimento da injecção de capital de 3 biliões LIT era suficiente para tornar essa injecção aceitável para um investidor privado que operasse em condições de economia de mercado.

110.
    Aquando da terceira injecção de capital, a ENI ter-se-ia deparado com uma alternativa: ou recapitalisar e reestruturar, ou nada fazer e deixar a EniChem ir automaticamente à falência. Embora não existisse o risco imediato de a EniChem ser declarada falida, sem a injecção de 3 biliões LIT e a subsequente reestruturação, as perdas normalmente registadas pela EniChem nessa época teriam absorvido os seus fundos próprios no espaço de um a dois anos e conduzido a novas injecções de capital ou, na falta delas, à liquidação da sociedade.

111.
    A avaliação do aumento dos fluxos de tesouraria decorrente da opção a favor da reestruturação devia por conseguinte partir da comparação entra a avaliação financeira da EniChem na hipótese da liquidação e as previsões financeiras da EniChem na hipótese da reestruturação. A Comissão tinha efectuado tal comparação.

112.
    Na altura em que a ENI preferiu investir em vez de liquidar a sua sucursal EniChem, os seus fundos próprios elevavam-se a 1 950 biliões LIT. Este montantetinha sido apurado pela dedução a 2 952 biliões LIT, valor dos fundos próprios calculado no final de 1993, de 1 001 biliões LIT, correspondente à parte proporcional para o período de Janeiro a Julho (ou seja 7/12) do valor da perda total prevista para 1994.

113.
    Na análise do efeito financeiro da opção a favor da reestruturação, pareceu por conseguinte prudente partir-se do pressuposto que o investimento da ENI na EniChem (1 950 biliões LIT) era já nulo uma vez que a liquidação teria certamente acarretado a perda total do actual nível de capital bem como perdas suplementares decorrentes do custo da liquidação.

114.
    A Comissão entendeu, portanto, que a opção a favor da liquidação teria suprimido o restante investimento da ENI na sua filial EniChem. De igual modo, a análise da remuneração do investimento de 3 biliões LIT tinha assentado na totalidade dos valores do plano financeiro fornecidos pela EniChem. Desta forma, tinham sido considerados todos os fluxos positivos e negativos decorrentes da execução do plano de reestruturação, uma vez que acresciam à solução alternativa da liquidação.

115.
    A injecção de 3 biliões LIT tinha portanto constituído o investimento inicial para efeitos da aplicação do critério do investidor privado. Sendo o investidor accionista a 100% da EniChem, a remuneração da terceira injecção de capital traduzia-se pela totalidade dos fluxos de lucros líquidos que a EniChem daria à ENI.

116.
    Ao basear-se na versão menos pessimista das previsões sobre a situação financeira da EniChem, o fluxo de lucros líquidos que reverteria para a ENI durante um período de dez anos tinha sido actualizado à taxa anual de 12%. Nesta base, o actual valor da futura capacidade de autofinanciamento tinha correspondido exactamente ao investimento de 3 biliões LIT, como refere a decisão litigiosa. O investimento teria sido nessa medida aceitável para um investidor prudente que operasse em condições normais de mercado e não constituía por conseguinte um auxílio estatal.

117.
    Por fim, quanto à questão de saber se a Comissão deveria ter instaurado o procedimento previsto no artigo 93.°, n.° 2, do Tratado, a recorrida admite que se, numa primeira análise da terceira injecção de capital, tivesse tido dúvidas acerca da questão de saber se tratava de um auxílio, teria sido obrigada ou a instaurar um procedimento formal de exame, ou a exigir informações complementares ao governo italiano (ver os acórdãos do Tribunal de Justiça de 20 de Março de 1984 Alemanha/Comissão, já referido, de 14 de Fevereiro de 1990, França/Comissão, C-301/87, Colect., p. I-307, a seguir «acórdão Boussac», e de 13 de Abril de 1994, Alemanha e Pleuger Worthington/Comissão, C-324/90 e C-342/90, Colect., p. I-1173). Não se lhe oferecendo tais dúvidas, a Comissão não tinha tido nem a obrigação nem o direito de instaurar o referido procedimento.

118.
    A República Italiana, a ENI e a EniChem apóiam os fundamentos da Comissão. A República Italiana, além disso, sublinha que a transformação da Ente Nazionale Idrocarburi em sociedade por acções de responsabilidade limitada ocorreu em 1992, no âmbito de um programa de privatização de grande envergadura que implicava o abandono definitivo da utilização da empresa pública como instrumento de política geral. Desde 11 de Julho de 1992, ENI estava sujeita, por conseguinte, às disposições do Código Civil italiano aplicáveis às sociedades por acções de responsabilidade limitada, e todos os poderes de injunção do Estado sobre a ENI tinham sido suprimidos. Cabia à sociedade operar segundo critérios de eficácia e de rentabilidade económica. O Estado não tinha realizado qualquer injecção de capital à Ente Nazionale Idrocarburi antes da sua transformação em sociedade por acções de responsabilidade limitada, ou à ENI, após essa transformação. As decisões de gestão tomadas pela ENI eram de sua exclusiva responsabilidade e não do Estado, o qual assumia os riscos de accionista e não atuava como autoridade pública.

119.
    Segundo o governo italiano, a terceira injecção de capital fazia parte de um vasto plano de reestruturação aprovado pelo conselho de administração da ENI em 27 de Janeiro de 1994, que previa nomeadamente uma redução do excesso de capacidade produtiva, destinada a completar a política de racionalização da produção e da redução dos custos fixos, o reposicionamento das actividades em sectores que correspondessem mais estritamente às actividades principais da accionista, uma redução sensível do endividamento e seu saneamento financeiro, o retorno a uma situação de equilíbrio em 1997 e a uma rentabilidade que permitisse remunerar adequadamente os accionistas. Este plano era parcialmente financiado por fundos próprios da EniChem provenientes da redução das suas actividades não estratégicas e tinha como finalidade o seu regresso a um elevado nível de competitividade num lapso de tempo relativamente curto, com efeitos positivos quer directos (lucros) quer indirectos (sinergias) para os accionistas.

120.
    A ENI e a EniChem alegam que a Comissão poderia ter constatado que nenhuma das três injecções de capital tinha sido feita «através de recursos estatais» na medida em que a ENI utilizou recursos próprios sem reduzir a hipótese de recuperação, ou o valor, do investimento do Ministério do Tesouro nessa sociedade. Sem essas injecções de capital, a ENI arriscava-se nomeadamente a perder o seu investimento considerável na EniChem, bem como as sinergias entre a EniChem e as actividades da ENI no sector da energia, e o programa do governo italiano de privatização da ENI teria sido colocado em perigo. Por outro lado, nessa época, a ENI já não era uma entidade pública nem estava sujeita às directivas do governo italiano. Além disso, o contributo das duas primeiras injecções de capital não era mais do que a execução de uma decisão, tomada conjuntamente pela Ente Nazionale Idrocarburi e a Montedison SpA em Maio de 1989, de aumentar o capital da Enimont em 2 biliões LIT uma vez que os lucros da sociedade não alcançariam esse montante durante o período de 1989 a 1991.

121.
    No que respeita à avaliação da terceira injecção de capital do ponto de vista de um investidor privado numa economia de mercado, a ENI e a EniChem salientam que a política da Comissão, em conformidade com o artigo 222.° do Tratado e os acórdãos ENI-Lanerossi e Alfa Romeo, já referidos, é de tomar em consideração a importante margem de apreciação do investidor e as perspectivas a longo prazo das empresas que controlam grandes grupos (ver n.os 27 a 31 da Comunicação da Comissão aos Estados-Membros relativa à aplicação dos artigos 92.° e 93.° do Tratado CEE e do n.° 5 da Directiva 80/723/CEE da Comissão às empresas públicas do sector produtivo, JO 1993, C 307, p. 3, a seguir «comunicação sobre as empresas públicas»). No caso vertente, a Comissão tinha podido constatar que se esperava um rendimento adequado mesmo sem ter em conta essas perspectivas. Considerando que a vida normal do investimento era de dez anos, a Comissão tinha descontado os resultados futuros previstos a uma taxa de 12%. Ora, esta taxa era nitidamente mais elevada que o custo do financiamento da ENI (a média ponderada das taxas de juro da sua dívida a longo prazo era de 8,5% em 1994) e que a recuperação média do investimento na indústria química (9,3% em 1992). Se tivesse sido utilizada uma taxa menos elevada, o que segundo as intervenientes se justificava, o actual valor da futura capacidade de autofinanciamento teria ultrapassado o investimento inicial.

122.
    A ENI e a EniChem consideram que o valor do investimento da ENI na EniChem antes da terceira injecção de capital estava razoavelmente estimado em 1 950 biliões LIT. Todavia, na hipótese de uma liquidação, a ENI teria sido obrigada a resgatar a dívida da EniChem (8 6776 biliões LIT), atendendo às consequências que adviriam para o grupo ENI da falência daquela. A ENI tinha igualmente considerado, em conformidade com o n.° 36 da comunicação sobre as empresas públicas, já referida, o efeito da liquidação no grupo ENI, incluindo a perda de sinergias, o prejuízo para a imagem e para a reputação de solvabilidade (credit rating) do grupo e a derrapagem da privatização da ENI. As intervenientes acrescentam que as actividades alienadas pela EniChem foram-no a preços mais favoráveis do que se a sua venda tivesse tido lugar sob a ameaça de uma liquidação

(ver n.° 20 da comunicação sobre as empresas públicas, já referido). Por fim, a ENI e a EniChem alegam que o plano de reestruturação 1994-1997 foi manifestamente bem sucedido, e apresentam em detalhe as estatísticas financeiras da EniChem para demonstrar que os resultados previstos para 1997 já tinham sido atingidos em 1995.

Argumentos apresentados após encerramento da fase escrita

123.
    No quadro das medidas de organização do processo, o Tribunal pediu à Comissão, por carta de 21 de Maio de 1997, que apresentasse os cálculos que figuram no seu processo, relativos à questão de saber se a terceira injecção de 3 biliões LIT teria sido aceitável para um investidor privado numa economia de mercado, enomeadamente os cálculos relativos ao «actual valor económico líquido da futura capacidade de autofinanciamento» da EniChem nas duas versões (uma menos pessimista que outra) a que fazia referência na sua contestação e na tréplica. Os fundamentos apresentados pelas partes após encerramento da fase escrita dizem unicamente respeito aos cálculos apresentados pela Comissão.

- Observações da Comissão de 30 de Junho de 1997

124.
    Em anexo às suas observações de 30 de Junho de 1997, a Comissão apresentou os quadros QI/1, QI/2, QI/3 e QI/4, como sendo os documentos pedidos pelo Tribunal.

125.
    Segundo essas observações, o quadro QI/1, com data de 1 de Julho de 1994, corresponde ao cálculo do rendimento da injecção de 3 biliões LIT efectuado pelaComissão. «O actual valor líquido da capacidade de autofinanciamento» da EniChem estava representado pela linha 5 do quadro, intitulada «Valor acumulado dos fundos próprios» («Cumulated equity value»), de onde resulta que, no ano 2005, o valor acumulado dos fundos próprios da EniChem seria de 2 966 biliões LIT.

126.
    De acordo com essas mesmas observações, o quadro QI/2 fornece o cálculo do custo de financiamento da ENI efectuado pela Comissão. O quadro QI/3 continha o cálculo do rendimento médio dos fundos próprios das principais empresas químicas, utilizado como base de comparação. O quadro QI/4 continha as previsões da evolução das actividades e da situação financeira que serviram de base ao cálculo do rendimento da injecção de capital. Trata-se de um documento intitulado «Analisi di sensivitá (Ipotesi migliorative di scenario)», preparado em 13 de Abril de 1994, que o governo italiano forneceu durante o procedimento administrativo.

- Audiência de 23 de Setembro de 1997

127.
    Na audiência de 23 de Setembro de 1997, a recorrente e o Reino-Unido criticaram a diversos títulos os cálculos que constam do quadro QI/1. Em particular, A Comissão tinha baseado os seus cálculos na capacidade de financiamento no sentido estrito do termo, e não nos lucros contabilísticos. A linha 4, intitulada «Lucros actualizados acumulados» («Cumulated discounted flow»), devia incluir, como elemento negativo, o investimento inicial de 3 biliões LIT: daí resultava que o actual valor líquido da capacidade de auto financiamento era, não de 34 mil milhões LIT negativos, mas sim de 3 034 biliões LIT negativos. A linha 5, onde os lucros actualizados acumulados acrescem aos 3 biliões LIT de investimento inicial, estava viciada de um erro fundamental, uma vez que era certo que, na realidade, a soma de 3 biliões LIT foi paga aos credores da EniChem a fim de reduzir as suas dívidas, e de melhorar os resultados líquidos; esta soma não estaria por conseguinte disponível no termo da duração de vida do investimento em 2005. Por outro lado, a linha 5 não é mais do que um prognóstico: segundo a metodologia da Comissão, o valor residual da EniChem corresponderia sempre ao valor da injecção de capital inicial, quer se considerasse um investimento de 2 biliões LIT ou de 10 biliões LIT.

128.
    A Comissão replica, nomeadamente, que a linha 4 do quadro QI/1 mostra a quanto deviam elevar-se os fluxos de resultados para que, a uma taxa de desconto de 12%, o investidor possa recuperar o capital que investiu, no termo da duração normal de vida do investimento. A linha 5 mostra em seguida que o valor dos resultados é tal que permite ao investidor recuperar o seu investimento inicial no termo desse período (2 966 biliões LIT), tendo entretanto obtido um rendimento de 12%.

129.
    Em resposta às questões colocadas pelo Tribunal na audiência, Spagnolli, responsável pelo processo na DG IV, confirmou que tinha contribuído de maneira substancial para a preparação do quadro QI/1. Explicou que, uma vez que a EniChem dispunha de 1 950 biliões LIT de fundos próprios aquando da terceira injecção de capital, os resultados que figuravam no quadro QI/1 provinham dos 4 950 biliões LIT de fundos próprios disponíveis após a realização da terceira injecção. Todavia, a fim de tomar a decisão de injectar ou não 3 biliões LIT na EniChem, um accionista tinha necessidade de saber qual o rendimento preciso que poderia obter com essa injecção de capital. Era por conseguinte necessário examinar em que medida a terceira injecção de capital alterava a situação da empresa. Ora, a terceira injecção de capital tinha permitido evitar a falência da EniChem, falência essa que teria absorvido os 1 950 biliões LIT de fundos próprios existentes na altura. Nestas circunstâncias, os cálculos que constavam do quadro QI/1 tinham sido feitos sem tomar em conta esses fundos próprios existentes.

130.
    Spagnolli acrescentou que, se adoptar a posição da recorrente, segundo a qual a linha 4 do Quadro QI/1 devia conter os 3 biliões LIT, havia que contrabalançar esse valor negativo acrescentando o valor residual da empresa como valor positivo no ano de 2005. Com efeito, a linha 5 do quadro demonstra que, durante o período de Julho de 1994 até 2005, os fundos próprios da EniChem aumentariam e diminuiriam conforme os resultados da empresa. Mas no início esses fundos próprios eram de 3 biliões LIT, e em 2005 continuariam a ser de 3 biliões LIT, tendo o fluxo de resultados sido descontado a uma taxa de 12%.

131.
    A ENI e a EniChem alegam, em particular, que o rigor da Comissão estava provado pelo facto de ter tomado em consideração, no quadro QI/1, as perdas da EniChem previstas para os anos de 1994 a 1996 após ter invocado essas mesmas perdas para afastar do cálculo o valor inicial dos fundos próprios da EniChem em Julho de 1994. Segundo a ENI e a EniChem, trata-se de uma operação de duplo cálculo, na medida em que as perdas da EniChem são contabilizadas duas vezes.

132.
    A ENI e a EniChem acrescentam, a fim de demonstrar que existem diversas maneiras de proceder aos cálculos, ter feito os seus próprios cálculos das taxas de autofinanciamento que se esperava obter com a terceira injecção de capital. De acordo com estes cálculos, o actual valor da futura capacidade de autofinanciamento é de 7 195 biliões LIT.

- Cartas da Comissão de 26 de Setembro e de 16 de Outubro de 1997

133.
    Por carta de 26 de Setembro de 1997, a Comissão informou o Tribunal que o quadro QI/1, embora tivesse sido apresentado como fazendo parte do seu processo, não existia, na realidade, aquando da adopção da decisão litigiosa. Nesta carta, a Comissão afirma que, não obstante o facto de estar datado de 1 de Julho de 1994, o quadro QI/1 é uma reconstituição, preparada pelo responsável do processo, Spagnolli, dos cálculos que este efectuou na época. A Comissão precisa que não pode ter a certeza de que os cálculos apresentados no quadro QI/1 correspondem exactamente aos que tinham sido efectuados antes da adopção da decisão litigiosa, mas que esse tipo de cálculos tinha efectivamente servido de base a esta decisão. Os cálculos originais haviam sido feitos num computador entretanto substituído, em virtude de a direcção dos auxílios estatais ter mudado de sistema informático, e não tinha sido possível encontrar uma cópia em papel. Estes factos podiam ser confirmados por Spagnolli e pelo seu chefe de divisão na altura, Feltkamp, os quais estavam presentes na audiência de 23 de Setembro de 1997.

134.
    Por carta de 16 de outubro de 1997, a Comissão confirmou ao Tribunal que os quadros QI/2 e QI/4 são cópias dos documentos originais que constavam do seu dossier aquando da adopção da decisão litigiosa. Segundo a Comissão, o quadro QI/3 não era o que figurava no seu processo naquela época. Contudo, a Comissão apresentou ao tribunal um documento que, segundo ela, era a versão original do quadro QI/3, explicando que o quadro QI/3 fornecido ao Tribunal em 30 de Junho de 1997, tinha sido reconstituido em computador, após adopção da decisão litigiosa, para melhor compreensão.

135.
    Nesta mesma carta, a Comissão acrescenta que os factos podem ser atestados por Spagnolli. O chefe da divisão deste, Feltkamp, podia confirmar que tinham sido utilizados quadros do tipo dos quadros QI/2, QI/3 e QI/4 aquando da preparação da decisão litigiosa, embora não se recorde mais do seu conteúdo exacto. Um outro funcionário da DG IV, Owen, podia testemunhar encontrar-se presente no gabinete de Spagnolli em Julho de 1994 quando este tinha preparado uma folha cálculo para verificar a capacidade de autofinanciamento no que respeita à terceira injecção de capital. Os resultados tinham indicado ausência de elementos de auxílio estatal, mas Owen não se recorda dos valores em detalhe.

- Questão escrita do Tribunal de 13 de Outubro de 1997 e observações da Comissão de 11 de Novembro de 1997

136.
    Por carta de 13 de Outubro de 1997, o Tribunal convidou a Comissão a indicar se os cálculos constantes do quadro QI/1 continuavam a ser invocados para sustentar a afirmação da decisão litigiosa, segundo qual terceira injecção de 3 biliões LIT poderia ter sido efectuada por um investidor privado numa economia de mercado, nomeadamente a parte em que «o actual valor líquido dos futuros fluxos financeiros corresponde exactamente a este investimento de três biliões de liras italianas». Em caso negativo, a Comissão era convidada a indicar, a partir da fundamentação da decisão litigiosa e dos seus articulados, os cálculos ou outros elementos que invocava para justificar a sua conclusão acerca destas questões.

137.
    Nas suas observações de 11 de Novembro de 1997, a Comissão apresentou em anexo dois quadros (quadro A e quadro B). Explicou que continuava a apoiar-se nos cálculos do quadro QI/1, mas com as alterações indicadas no quadro A. Spagnolli, Feltkamp e Owen podiam testemunhar que Spagnolli tinha feito em computador uma folha de cálculo do tipo do quadro QI/1, que esta tinha sido utilizada para verificar o valor actual dos resultados da terceira injecção de capital, e que demonstrava não existirem elementos de auxílio estatal nessa injecção.

138.
    O quadro A constituía o fruto do esforço realizado com vista a reconstituir de maneira mais concreta, a partir da memória das pessoas envolvidas, os cálculos efectuados na época da decisão litigiosa. O novo quadro A acrescentava essencialmente dois elementos que, segundo a Comissão, faziam parte dos cálculos então efectuados e reconstituidos a partir da memória das pessoas envolvidas.

139.
    Em primeiro lugar, os fundos próprios da EniChem de 1 950 biliões LIT existentes em 31 de Julho de 1994 tinham sido utilizados para compensar as perdas da EniChem durante os três primeiros anos do plano. Com efeito, a soma de 1 950 biliões LIT tinha permanecido na contabilidade da EniChem e, perante a opção pela realização da terceira injecção de capital, devia ser tomada em consideração no cálculo.

140.
    Em segundo lugar, o valor residual da EniChem em 2005 tinha sido incluído no cálculo, a um valor actualizado de 1 531 biliões LIT. Esse valor resultava do facto de que a EniChem continuaria a exercer a sua actividade para além do período de previsão. Segundo a Comissão, embora tenha sido certamente calculado um valor residual, conforme prática constante da Comissão no sector de auxílios estatais, Feltkamp e Spagnolli não se recordam mais do cálculo exacto efectuado na época da decisão litigiosa. Não obstante, era norma empregar o método, simples mas correntemente utilizado, que consistia em multiplicar a margem bruta de exploração, ou seja a diferença entre os rendimentos de exploração e os encargos de exploração, por um factor que varia em função da situação específica da empresa envolvida. No sector dos produtos químicos, o parâmetro normal era de quatro a seis, sendo que no quadro A figurava o factor 3.

141.
    Os elementos acrescentados pelo quadro A não estavam explicitamente indicados no quadro QI/1 mas podiam facilmente ser deduzidos dos valores constantes deste quadro e dos valores do plano de reestruturação (quadro QI/4). A dupla contabilização das perdas e a omissão dos fundos próprios deviam-se à negligência do funcionário encarregado de preparar o quadro QI/1 e só tinham sido detectados após a audiência. As três testemunhas confirmariam que este erro não tinha sido cometido no momento da elaboração da decisão litigiosa. De igual modo, não tinha havido dupla contabilização na contestação.

142.
    De uma forma mais geral, a Comissão salienta que o seu cálculo foi baseado nos resultados líquidos (após imposto) da EniChem. Apresenta ao Tribunal, no quadroB, um cálculo efectuado de acordo com o método DCF (discounted cash flow) preconizado pela recorrente, que revela uma capacidade de autofinanciamento que ultrapassa em cerca de 2 biliões LIT a entrada inicial de fundos de 3 biliões LIT.

143.
    Contudo, a conclusão de que a injecção de 3 biliões LIT poderia ter sido efectuada por um investidor privado numa economia de mercado não era baseada unicamente no seu cálculo do rendimento previsto mas também, tal como consta dos articulados da Comissão, no valor e importância, para a ENI, da prossecução das actividades da EniChem no contexto da sociedade gestora de participações sociais ENI, e em outros elementos indicados no n.° 4 da decisão litigiosa.

- Observações escritas das partes após a carta da Comissão de 17 de Novembro de 1997

144.
    Nas suas observações escritas de 19 de Janeiro de 1998, a recorrente chama a atenção para o facto de a Comissão não ter explicado o motivo pelo qual o quadro QI/1 foi indevidamente datado de 1 de Julho de 1994. Todavia, atendendo a que este quadro, embora erroneamente, é mais compatível com o fundamento do n.° 4 da decisão litigiosa do que o novo quadro A, era verossímil que o quadro QI/1 corresponda ao trabalho feito naquela altura, tendo o novo quadro A sido preparado ex post facto para corrigir os erros então cometidos. Além disso, o quadro QI/3 diferia em vários aspectos do documento apresentado pela Comissão com as suas observações de 16 de Outubro de 1997.

145.
    Nestas circunstâncias, a recorrente solicitou ao Tribunal que adoptasse medidas de instrução destinadas a estabelecer como e quando os quadros QI/1, QI/3 e o quadro A tinham sido criados, e ouvisse, na qualidade de testemunhas, Feltkamp, Spagnolli e Owen.

146.
    Quanto ao fundamento, a recorrente entende que a Comissão deixou de basear-se no quadro QI/1. O quadro A respondia a uma óptica essencialmente diferente, que, aliás, não era susceptível de ser deduzida quer da decisão litigiosa, quer dos articulados da Comissão. Não tendo esta podido apresentar cálculos provenientes do seu processo para sustentar a conclusão adoptada na decisão litigiosa, segundo a qual o actual valor da futura capacidade de autofinanciamento era exactamente igual a 3 biliões LIT, a decisão litigiosa devia ser anulada.

147.
    Com efeito, a Comissão tinha implicitamente reconhecido como convincente a crítica formulada pela recorrente aquando da audiência de 23 de Setembro de 1997, segundo a qual, por um lado, a futura capacidade de autofinanciamento da EniChem, tal como surgia na linha 4 do quadro QI/1 não era de 34 mil milhões LIT negativos, mas sim de 3 034 biliões LIT e, por outro lado, o valor acumulado dos fundos próprios da EniChem, tal com resulta da linha 5 do quadro QI/1, não tinha qualquer utilidade para o cálculo do actual valor da capacidade de autofinanciamento da EniChem. No quadro A, a linha 4 mostrava o valor correctode 3 034 biliões LIT negativos, e a antiga linha 5, ainda que se mantivesse no quadro, não é de todo considerada no cálculo do rendimento para o investidor.

148.
    Nestas circunstâncias, para obter, por outras vias, mais de 3 034 biliões LIT em termos de valor actual, a Comissão tinha introduzido no quadro A dois elementos novos, a saber a utilização nos cálculos «do nível existente de fundos próprios» e a atribuição de um valor residual à EniChem no final da duração de vida do investimento. Todavia, esta forma de abordar o problema era incompatível com a decisão litigiosa e com os articulados da Comissão.

149.
    Em qualquer dos casos, a utilização do quadro A dos fundos próprios existentes da EniChem para compensar as suas perdas até 1996, era um absurdo financeiro que confunde duas disciplinas absolutamente distintas, como são a apreciação de um investimento numa empresa com a compatibilidade dessa empresa. Nenhum perito independente estaria disposto a comprovar que este método é geralmente aceite para efeitos de cálculo do valor actual. Quanto ao método utilizado no quadro A que consiste em calcular o valor residual da EniChem, não se trata de um método nem usual nem tradicional.

150.
    A recorrente alega por outro lado que o cálculo dos resultados líquidos no quadro A está viciado de vários erros graves relativos aos pormenores desse cálculo. Critica igualmente o quadro B, recordando que a Comissão admitiu que, na época da decisão litigiosa, não tinha sido efectuada qualquer análise em conformidade com esse quadro.

151.
    Nas suas observações de 19 de Janeiro de 1998, o Reino-Unido defende nomeadamente que a decisão litigiosa deve ser anulada em virtude de não existirem certezas acerca dos eventuais cálculos que a Comissão tinha efectivamente realizado para justificar a sua conclusão segundo a qual o investimento teria sido feito por um investidor no mercado.

152.
    Nas suas observações de 19 de Janeiro de 1998, a ENI e a EniChem defendem que a legalidade de um acto de uma instituição deve ser apreciado em função da informação e da situação concreta e jurídica existentes à data da sua adopção (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 22 de Janeiro de 1997, Opel Áustria/Conselho, T-115/94, Colect., p. II-39, n.° 87). Daqui resultava que todo o incumprimento por parte das instituições comunitárias da obrigação de conservar uma cópia integral do processo existente nos seus arquivos após adopção da decisão contestada, ou a sua incapacidade de apresentar os documentos justificativos originais a pedido do Tribunal, não era motivo de anulação da referida decisão. Em qualquer dos casos, nas suas observações de 11 de Novembro de 1997, a Comissão tinha rectificado a situação apresentando uma reconstituição clara, fiável e convincente da análise realizada e da fundamentação desenvolvida à data da decisão litigiosa. A sua incapacidade de apresentar ao Tribunal determinadosdocumentos originais nos quais se tinha baseado para preparar a decisão litigiosa não tinha por conseguinte a menor repercussão na legalidade dessa decisão.

153.
    Em particular, o novo quadro A afastava o risco de uma dupla contabilização assinalada pela ENI na audiência de 23 de Setembro de 1997. Tendo em conta o facto de que as perdas dos três primeiros anos eram compensadas pelo capital existente de 1 950 biliões LIT, já não eram deduzidas da injecção de 3 biliões LIT. Além disso, o quadro A completava o quadro QI/1 ao acrescentar um valor residual bastante moderado. Atendendo à complexidade das questões suscitadas, a Comissão devia dispor de um amplo poder de apreciação quanto à escolha do método e dos parâmetros de cálculo a utilizar.

154.
    Mesmo supondo que a escolha do método utilizado no quadro A fosse contra-indicada, isso não era suficiente para ferir de ilegalidade a decisão litigiosa, uma vez que o segundo método indicado no quadro B demonstra que a injecção de capital não é equiparável a um auxílio estatal. Outros métodos ainda podiam confirmar a correcta fundamentação dos motivos pelos quais a Comissão proferiu a decisão litigiosa, pois estabelecem igualmente que a injecção de capital não era um auxílio. A ENI e a EniChem submetem ao Tribunal cálculos, baseados no método de actualização da capacidade de autofinanciamento utilizado no quadro B, mas baseiam-se em hipóteses ligeiramente diferentes das que foram usadas nesse quadro. Esses cálculos mostravam que a terceira injecção de capital gerava um rendimento sensível.

- Audiência de 17 de Março de 1998

155.
    Na audiência de 17 de Março de 1998, a Comissão informou o Tribunal de que era possível que o documento apresentado em anexo à sua carta de 16 de Outubro de 1997 como sendo a versão original do quadro QI/3 existente à data da decisão litigiosa não o fosse. Todavia, tal não afectava a razoabilidade da taxa de 12% que a Comissão utilizou nos seus cálculos.

156.
    Quanto ao fundamento, a Comissão sublinhou nomeadamente que a referência à futura capacidade de autofinanciamento feita no n.° 4 da decisão litigiosa, devia ser entendida à luz do n.° 35 da comunicação sobre as empresas públicas, já referida, onde é indicado que a margem bruta de autofinanciamento pode compreender «a remuneração auferida pelo investidor sob a forma de dividendos e de mais-valias sobre o capital». Atendendo a que, na opção alternativa da liquidação da EniChem, os activos existentes se perdiam face aos custos de liquidação, os 1 950 biliões LIT em causa equivaliam a «mais-valias de capital» na acepção dessa comunicação. O princípio do investidor privado numa economia de mercado exigia aliás que se tivesse em conta o valor de 1 950 biliões LIT, enquanto que na alternativa de uma liquidação, esse valor era dado como perdido. Ainda que esse parte precisa do cálculo não estivesse explícita na decisão litigiosa, segundojurisprudência constante não é necessário expor todos os detalhes da fundamentação tida em consideração.

157.
    Mesmo que o valor residual também não fosse explicitamente mencionado na decisão litigiosa, era normal que se procedesse ao seu cálculo no contexto de uma análise como a do caso vertente, tal como resultava por outro lado das diversas obras citadas pelas partes. Atendendo a que existem pelo menos quatro métodos para calcular o valor residual, a Comissão não tinha cometido um erro manifesto de apreciação ao utilizar um desses métodos, ainda que a recorrente proponha outro.

158.
    A Comissão acrescenta que o n.° 4 da decisão litigiosa refere que, a partir de 1998, os rendimentos anuais previstos para o plano de reestruturação deviam atingir um nível ligeiramente mais elevado do que a remuneração mínima aceitável para um accionista privado. Com base nesta única afirmação, a decisão litigiosa podia ser considerada fundamentada na acepção da jurisprudência ENI-Lanerossi, já referida. Havia igualmente que ter em conta a estratégia a longo prazo da ENI, a sua futura privatização, e as sinergias do grupo. Por outro lado, os acontecimentos posteriores à decisão litigiosa podiam ser tomados em consideração, pelo menos para provar que a Comissão não cometeu um erro manifesto de apreciação (acórdãos do Tribunal de Justiça de 10 de Julho de 1986, Bélgica/Comissão, 234/84, Recueil, p. 2263, n.° 12, a seguir «acórdão Meura», e de 24 de Outubro de 1996, Alemanha e o./Comissão, C-329/93, C-62/95 e C-63/95, Colect., p. I-5151, n.° 34, a seguir «acórdão Bremer Vulkan».

159.
    Por fim, a Comissão convida o Tribunal a basear-se no quadro A, e não no quadro QI/1, para efeitos do acórdão a proferir no presente processo. Afirma que o cálculo feito à data da decisão litigiosa é o que figura no quadro A que inclui os fundos próprios existentes e o valor residual, e não o que figura na linha 5 do quadro QI/1.

II - Apreciação do Tribunal

160.
    No n.° 4 da decisão litigiosa, a Comissão declarou que a terceira injecção de 3 biliões LIT não constituía um auxílio estatal na acepção do artigo 92.°, n.° 1, do Tratado, pelo motivo que podia ter sido efectuada por um investidor privado numa economia de mercado.

161.
    Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o princípio segundo o qual uma injecção de capital não pode ser considerada como um auxílio na acepção do artigo 92.°, n.° 1, do Tratado, se, em circunstâncias comparáveis, um investidor privado numa economia de mercado tivesse realizado tal injecção de capital, constitui um critério pertinente que visa, entre outros, evitar que uma injecção de capital seja considerada um auxílio pelo simples facto de ter sido efectuada pelos poderes públicos (acórdãos do Tribunal de Justiça Meura, já referido, n.os 9 a 18, Boussac, já referido, n.os 38 e 39, de 21 de Março de 1990, Bélgica/Comissão,C-142/87, Colect., p. I-959, a seguir «acórdão Tubemeuse», n.os 23 a 29, Alfa Romeo, já referido, n.os 17 a 24, ENI-Lanerossi, já referido, n.os 16 a 24, Hytasa, já referido, n.os 20 a 26, e Bremer Vulkan, já referido, n.os 23 a 26).

162.
    Decorre da conclusão a que chegou a Comissão, no que respeita à terceira injecção de capital, que o regime do controlo dos auxílios estatais previsto nos artigos 92.° a 94.° do Tratado não é aplicável a essa injecção, tendo como consequência não ter sido examinada sob o ângulo da sua compatibilidade com o mercado comum, nos termos do artigo 92.°, n.° 2 e 3 , do Tratado. Efectivamente, só as duas primeiras injecções, que representam um valor de 1 794 biliões LIT numa soma total de 4 794 biliões LIT pagos a título das três injecções de capital, foram examinadas do ponto de vista da sua compatibilidade com o mercado comum.

163.
    Nas circunstâncias do caso vertente, o Tribunal considera que deve para já examinar-se o terceiro fundamento da recorrente, baseado na violação do artigo93.°, n.° 2, do Tratado, na parte que respeita ao facto de o procedimento previsto por esta disposição não ter sido instaurado relativamente à terceira injecção de capital.

Quanto ao fundamento baseado na violação do artigo 93.°, n.° 2, do Tratado, na parte que respeita ao facto de o procedimento previsto por esta disposição não ter sido instaurado relativamente à terceira injecção de capital

164.
    Segundo jurisprudência do Tribunal de Justiça, o procedimento do artigo 93.°, n.° 2, do Tratado reveste um carácter indispensável quando a Comissão se depara com dificuldades sérias na apreciação da compatibilidade de um auxílio com o mercado comum. A Comissão só pode, por conseguinte, ater-se à fase preliminar do artigo 93.°, n.° 3 do Tratado para tomar uma decisão favorável a um auxílio estatal se existirem condições que lhe permitam obter a convicção, no final de um primeiro exame, de que esse auxílio é compatível com o mercado comum. Em contrapartida, se esse primeiro exame a conduziu à convicção contrária, ou não lhe permitiu ultrapassar as dificuldades suscitadas pela apreciação da compatibilidade desse auxílio com o mercado comum, a Comissão tem a obrigação de rodear-se de todas as informações necessárias e instaurar, para esse efeito, o procedimento do artigo 93.°, n.° 2 (ver, nomeadamente, os acórdãos do Tribunal de Justiça de 20 de março de 1984, Alemanha/Comissão, já referido, n.° 13, Cook/Comissão, já referido, n.° 29, Matra/Comissão, já referido, n.° 33, e Comissão/Sytraval e Brink's France, já referido, n.° 39).

165.
    O princípio, segundo o qual os beneficiários das garantias processuais previstas pelo artigo 93.°, n.° 2, do Tratado só podem obter o respeito destas se tiverem a possibilidade de contestar no órgão jurisdicional comunitário uma decisão de não dar início a esse procedimento, aplica-se igualmente no caso em que a Comissão é de opinião que a própria existência de um auxílio deve ser posta de lado (acórdão Comissão/Sytraval e Brink's France, já referido, n.° 47).

166.
    O Tribunal entende que decorre dessa jurisprudência, e nomeadamente do acórdão Comissão/Sytraval e Brink's France, já referido, que a Comissão pode ser obrigada a instaurar o procedimento previsto pelo artigo 93.°, n.° 2, do Tratado se um primeiro exame não lhe tiver permitido ultrapassar todas as dificuldades suscitadas pela questão de saber se a medida em causa constitui um auxílio na acepção do artigo 92.°, n.° 1, do Tratado, ou, na hipótese de constituir um auxílio, se não puder conduzi-la à convicção de que a medida em apreço é, em qualquer dos casos, compatível com o mercado comum.

167.
    A situação do caso vertente respeita a uma série de três injecções de capital no montante respectivo de 1 bilião LIT, 794 mil milhões LIT e 3 biliões LIT, efectuadas ao longo de um período de dois anos pela mesma empresa pública (ENI) a uma das suas filiais (EniChem). Segundo a decisão litigiosa, as duas primeiras injecções de capital constituem auxílios, enquanto que a terceira injecção de capital é qualificada como um investimento que poderia ter sido efectuado por um investidor privado.

168.
    Está demonstrado que a conclusão da Comissão, de que um investidor privado teria procedido à terceira injecção de capital se baseia, essencialmente, na declaração feita no n.° 4 da decisão litigiosa, segundo a qual:

«Se tivermos em consideração o pagamento desta última injecção num montante de três biliões de liras italianas ao longo de um período de tempo suficientemente longo, o actual valor líquido dos futuros fluxos financeiros corresponde basicamente a este investimento de três biliões de liras italianas».

169.
    Há que verificar se , no caso vertente, as apreciações levadas a cabo pela Comissão apresentam sérias dificuldades de natureza a justificar a instauração do procedimento previsto pelo artigo 93.°, n.° 2, do Tratado (acórdão Matra/Comissão, já referido, n.° 34). A título de dificuldades sérias com que a Comissão teria deparado, a recorrente invoca, em primeiro lugar, a questão de saber se havia motivos para analisar o rendimento previsto da terceira injecção independentemente do rendimento das duas primeiras injecções de capital, e, em segundo lugar, a questão de saber se o actual valor da futura capacidade de autofinanciamento era tal que um investidor privado teria efectuado essa injecção.

170.
    Quanto à primeira questão, é certo que o simples facto de uma empresa pública já ter efectuado injecções de capital classificadas de «auxílios» à sua filial não exclui, a priori, a possibilidade de uma posterior injecção de capital ser classificada como investimento capaz de satisfazer o critério do investidor privado numa economia de mercado. Todavia, o Tribunal entende que, num caso como o vertente, que diz respeito a três injecções de capital efectuadas pelo mesmo investidor durante um período de dois anos, as primeiras das quais não geravam qualquer rendimento, cabia à Comissão verificar se era razoável dissociar a terceirainjecção das duas primeiras e considerá-la como um investimento autónomo, para efeitos do critério do investidor privado.

171.
    O Tribunal entende que, entre os elementos pertinentes para apreciar se, neste caso, era razoável dissociar a terceira injecção de capital das duas primeiras e considerá-la como um investimento autónomo, à luz do critério do investidor privado, figuram nomeadamente, a cronologia das injecções de capital em questão, a sua finalidade e a situação da empresa filial à data em que foram tomadas as decisões de efectuar cada uma das injecções em causa.

172.
    No que respeita à cronologia das três injecções de capital em apreço, resulta do processo que:

a)    A primeira injecção de 1 bilião LIT foi efectuada em 1 de Outubro de 1992.

b)    A segunda injecção de 794 mil milhões LIT foi aprovada pela ENI numa reunião de 2 de dezembro de 1993 (v. a carta da ENI ao governo italiano, de 23 de Dezembro de 1993, anexo 21 do pedido de intervenção da ENI e da EniChem) e efectuada em Dezembro de 1993.

c)    Aquando dessa mesma reunião de 2 de Dezembro de 1993, o conselho de administração da ENI examinou um plano de reestruturação da EniChem, cujas grandes linhas já tinham sido traçadas em 20 de Outubro de 1993. Esse plano previa, entre outros, o «reequilíbrio da estrutura financeira» através de «intervenções...da accionista» (v. a carta da ENI ao governo italiano, de 23 de Dezembro de 1993, anexo 21 do pedido de intervenção da ENI e da EniChem). Foi referido que «Os detalhes do plano estão em vias de ser concluídos e estaremos preparados para apresentá-lo á Comissão no início de 1994».

d)    O plano de reestruturação 1994-1997 foi aprovado pelo conselho de administração da ENI em 27 de Janeiro de 1994. Está indicado no ponto 2.2 do referido plano que:

    «A intervenção dos accionistas na conta de capital está avaliada em 3 biliões LIT, que é um montante adequado para reconstituir quase integralmente o capital da EniChem ao nível previsto no acto de constituição da sociedade (4 250 biliões LIT) o qual foi reduzido por sucessivas perdas não compensadas. A concretização do aumento de capital está prevista para Junho de 1994.»

e)    Segundo o governo italiano, a Comissão foi informada da sua intenção de efectuar a terceira injecção de capital em Fevereiro de 1994, no âmbito do acordo Andreatta-Van Miert relativo à reestruturação de determinadas empresas italianas.

f)    O plano de reestruturação foi apresentado à DG IV da Comissão numa reunião de 15 de Abril de 1994, e formalmente notificado por carta do governo italiano de 18 de Maio de 1994.

g)    Por carta de 6 de Junho de 1994, o governo italiano confirmou à Comissão que o plano de reestruturação da EniChem fazia referência não só às duas injecções de capital objecto do inquérito instaurado por carta da Comissão de 16 de Março de 1994, mas também à terceira injecção de capital. O governo italiano precisou igualmente que as suas observações de 18 de Maio de 1994 diziam respeito a todas as operações relativas ao capital da EniChem, incluindo a terceira injecção de capital.

h)    Segundo a ENI, a terceira injecção de capital foi formalmente aprovada na assembleia geral dos accionistas da EniChem de 29 de Junho de 1994, e efectuada nos três meses que se seguiram à decisão litigiosa de 27 de Julho de 1994.

173.
    Quanto à finalidade das três injecções de capital em questão, a decisão litigiosa indica que as duas primeiras tinham por objectivo compensar as perdas decorrentes das medidas de reestruturação por elas visadas, e, nomeadamente, os encerramentos totais ou parciais de instalações. Segundo a ENI e a EniChem, as duas primeiras injecções de capital tinham igualmente por objectivo repor o capital da EniChem ao nível inicialmente previsto pelo acordo entra a Ente Nazionale Carburi e a Montedison SpA em 1989 (n.° 120 supra). Quanto à terceira injecção de capital, resulta do plano de reestruturação que também tinha por objectivo repor o capital da EniChem, debilitado pelas suas perdas, ao nível existente aquando da sua criação, bem como financiar as medidas de reestruturação [n.° 172, alínea d) supra].

174.
    Segundo os articulados da Comissão e do governo italiano, cada umas das três injecções de capital foi efectuada no quadro de uma vasta operação de reestruturação das empresas públicas italianas, discutida com a Comissão no âmbito do processo EFIM, já referido, de que resultou o acordo Andreatta-Van Miert. A abordagem geral do governo italiano acerca da reestruturação e da privatização da EniChem foi apresentada em dois documentos pelas autoridades italianas em Novembro de 1992 e Abril de 1993. Neste contexto, a Comissão explicou ao Tribunal, nomeadamente, que as medidas de reestruturação financiadas pelas duas primeiras injecções de capital seguiam uma direcção coerente, detalhada no plano de reestruturação submetido à Comissão em 1994, plano esse que estabelecia as medidas de reestruturação ainda necessárias para reduzir ou reorientar as actividades da EniChem. Ora, a terceira injecção de capital estava precisamente prevista no quadro desse plano de reestruturação.

175.
    Esta apreciação por parte da Comissão é confirmada pela carta do governo italiano de 6 de Junho de 1994, segundo a qual o plano de reestruturação da EniChem,bem como as observações do governo italiano de 18 de Maio de 1994, se referiam não só às duas primeiras injecções de capital, mas também à terceira.

176.
    Por fim, quanto à situação da EniChem à data das três injecções de capital em questão, resulta dos seus relatórios anuais que as perdas totais se elevavam a 1 542 biliões LIT no ano que termina a 31 de Dezembro de 1992, a 2 677 biliões LIT no ano que termina a 31 de Dezembro de 1993. Do mesmo modo, segundo as previsões mais optimistas da ENI, as perdas acumuladas previstas para os quatro anos de 1994 a 1997 ascendiam a 2 452 biliões LIT, mesmo após a terceira injecção de capital de 3 biliões LIT e as medidas de reestruturação que a acompanhavam [v. «Analisi di sensivitá (Ipotesi migliorative di scenario)», elaborada em 13 de Abril de 1994]. Daí resulta que as actuais perdas da EniChem e as previstas naquela altura para os seis anos de 1992 a 1997 se elevavam a 6 671 biliões LIT, mesmo após as três injecções de capital num total de 4 794 biliões LIT.

177.
    De acordo com as alegações da Comissão, a EniChem não tinha outra alternativa além da falência depois das duas primeiras injecções de capital. A Comissão indica que «à data da injecção de 3 biliões LIT, a accionista da EniChem, a ENI, deparava-se com duas hipóteses de uma alternativa: ou recapitalizar e reestruturar, ou nada fazer e deixar a EniChem ir automaticamente à falência» (contestação, ponto A.I.4), e que «sem a terceira injecção de capital e a reestruturaçãosubsequente, as perdas normalmente registadas pela empresa nessa altura teriam absorvido os seus fundos próprios num espaço de um a dois anos e conduzido a novas injecções de capital ou, na falta delas, à liquidação da sociedade» (tréplica, ponto D.15).

178.
    Resulta do acima exposto que:

-    o conselho de administração da ENI decidiu efectuar cada uma das três injecções de capital num período relativamente curto, de Outubro de 1992 até Julho de 1994. Há que salientar, em particular, que a decisão do conselho de administração da ENI de efectuar a segunda injecção de capital, em Dezembro de 1993, e a de aprovar a terceira injecção de capital no quadro da aprovação do plano de reestruturação, em 27 de Janeiro de 1994, são bastante próximas em termos de tempo;

-    cada uma das três injecções de capital insere-se no âmbito de um programa contínuo que visa a reestruturação da EniChem, e nomeadamente o encerramento ou a reorientação de algumas das suas actividades, e a reconstituição do seu capital debilitado por perdas incorridas. Tal como a Comissão defendeu perante o Tribunal, a terceira injecção de capital não era mais do que a continuação lógica das medidas já financiadas pelas duas primeiras injecções, e o plano de reestruturação aprovado em 27 de Janeiro de 1994 não representava senão o estabelecimento de medidas de reestruturação ainda necessárias no quadro de um programa que datava de 1992. De igual modo, segundo a carta de 6 de Junho de 1994 do governoitaliano, accionista da ENI, o plano de reestruturação bem como as suas observações de 18 de Maio de 1994 visavam tanto as duas primeiras injecções de capital como a terceira;

-     após as duas primeiras injecções, a EniChem sofreu ainda perdas consideráveis. De acordo com a Comissão, não tinha mesmo condições para sobreviver no mercado unicamente com base nas duas primeiras injecções de capital, sendo a liquidação da EniChem inevitável sem a terceira injecção de capital (n.° 177 supra).

179.
De tudo isto o Tribunal conclui que à data existiam indícios sérios de natureza a

suscitarem dúvidas quanto à questão de saber se as três injecções de capital em causa, embora efectuadas em momentos diferentes no decurso de um período de tempo relativamente curto, compreendido entre Outubro de 1992 e Outubro de 1994, não deviam ser consideradas, na realidade, como uma série de injecções de capital ligadas entre si, concedidas no quadro de um processo contínuo de reestruturação iniciado em 1992, e cujo objecto comum era o de financiar as medidas de reestruturação necessárias e de reconstituir o capital da EniChem debilitado em virtude das perdas incorridas. De igual modo, as circunstâncias subjacentes deveriam ter levantado dúvidas quanto à questão de saber se era unicamente graças a esta série de injecções de capital, encaradas como um todo, que o plano de reestruturação tinha possibilidades de restabelecer a viabilidade da EniChem.

180.
    Nessas circunstâncias específicas do caso vertente, o Tribunal entende que a Comissão deveria ter tido dúvidas quanto à questão de saber se a terceira injecção de capital estava suficientemente dissociada das duas primeiras para que pudesse analisá-la independentemente destas. Não se encontrava por conseguinte em condições de apreciar se a decisão da ENI de efectuar essa terceira injecção de capital podia ser considerada como uma decisão que um investidor privado poderia ter tomado numa economia de mercado.

181.
    Seguidamente, no que respeita à questão de saber se, mesmo na hipótese da terceira injecção de capital poder ser apreciada separadamente das duas primeiras, o actual valor da futura capacidade de autofinanciamento era tal que um investidor privado teria efectuado essa injecção de capital, o Tribunal salienta desde já que a Comissão juntou às suas observações de 30 de Junho de 1997 um cálculo do actual valor da futura capacidade de autofinanciamento da EniChem. Esse cálculo figura no quadro QI/1, datado de 1 de Julho de 1994. Os lucros (ou perdas) acumulados da EniChem actualizados a uma taxa de 12% para o período de Agosto de 1994 na 2005 estão indicados, na linha 4 do quadro QI/1, pelo valor de 34 mil milhões LIT negativos. Segundo as observações da Comissão, o actual valor líquido da capacidade de autofinanciamento da EniChem está indicado, na linha 5 desse quadro, Valor acumulado dos fundos próprios («Cumulated equity value»), pelo montante de 2 966 biliões LIT. Esta interpretação do quadro QI/1 foiconfirmada na audiência de 23 de Setembro de 1997 pelo funcionário responsável pela sua preparação, Spagnolli.

182.
    Na sua carta de 26 de Setembro de 1997, pela qual informava o Tribunal de que, apesar do facto de se encontrar datado de 1 de julho de 1994, o quadro QI/1 não tinha sido preparado antes da decisão litigiosa, sendo antes uma reconstituição, feita pelo Sr. Spagnolli, dos cálculos que tinham sido efectuados à data, a Comissão afirmou que aquele quadro reproduzia o tipo de cálculos que tinham efectivamente servido de base à decisão litigiosa. Na sua carta ao Tribunal de 16 de Outubro de 1997, a Comissão afirmou nomeadamente que «(mantinha) integralmente que os métodos descritos ao Tribunal e relativos ao cálculo do rendimento da injecção de capital e do actual valor líquido da futura capacidade de autofinanciamento, (eram) aqueles que (tinham) sido utilizados para chegar até à decisão da Comissão e que esses métodos (tinham) conduzido aos resultados indicados na decisão e explicados ao Tribunal, incluindo os resultados que constavam do quadro QI/1, cujo original já não estava no processo.Os Senhores Spagnolli e Feltkamp, ambos presentes na audiência de 23 de Setembro de 1997, (podiam) confirmar esses factos».

183.
    Seguidamente, em resposta a uma nova questão do tribunal de 13 de Outubro de 1997, a Comissão, por carta de 11 de Novembro de 1997, apresenta novos cálculos do actual valor líquido da capacidade de autofinanciamento da EniChem. Esses cálculos constam nomeadamente do quadro A, que revela quatro diferenças relevantes comparativamente ao quadro QI/1.

184.
    Em primeiro lugar, os lucros (ou perdas) actualizados acumulados da EniChem para o período de 1994 a 2005 estão indicados na linha 4 do quadro A, pelo valor de 3 034 biliões LIT negativos, em vez do valor correspondente de 34 mil milhões LIT negativos do quadro QI/1.

185.
    Em segundo lugar, no quadro A essa perda de 3 304 biliões LIT está parcialmente contrabalançada pelo cálculo de um valor residual atribuído à EniChem em 2005, no valor de 1 531 biliões LIT (ver a nova coluna «valor residual»). Este cálculo não figura no quadro QI/1.

186.
    Em terceiro lugar, a perda acumulada da EniChem de 3 304 biliões LIT durante o período em curso até 2005 está de igual modo parcialmente contrabalançada pelo cômputo do valor dos fundos próprios da EniChem existentes em Julho de 1994. Com efeito, resulta da nova linha 6 do quadro A (Fundos próprios existentes em 31/7/94 «existing equity at 31/7/94») que esses fundos, no montante de 1 950 biliões LIT, foram tidos em conta para fazer desaparecer as perdas da EniChem nos anos de 1994 a 1996, indicadas na linha 3 do quadro QI/1 e do quadro A, que se elevam a 1 514 biliões LIT. Este cálculo não figura no quadro QI/1, o qual não atribuiu qualquer valor a esses fundos próprios (ver a nota 5 do quadro QI/1).

187.
    Em quarto lugar, o cálculo do valor acumulado dos fundos próprios que figura na linha 5 do quadro QI/1, e que segundo as observações da Comissão de 30 de Junhode 1997 representa o actual valor líquido da capacidade de autofinanciamento da EniChem a que se refere o n.° 4 da decisão litigiosa, deixou de ter qualquer expressão nos cálculos que figuram no quadro A.

188.
    Resulta além disso da carta da Comissão de 11 de Novembro de 1997 e das suas declarações na audiência de 17 de Março de 1998 que aquela considerou errados e, por conseguinte abandonou, os cálculos que constam do quadro QI/1, embora, segundo as explicações avançadas nas suas observações de 30 de Junho de 1997, na audiência de 23 de Setembro de 1997 e nas suas cartas de 26 de Setembro e de 16 de Outubro de 1997, sejam esses os cálculos que efectuara à data para sustentar a conclusão a que tinha chegado na decisão litigiosa, quanto à atitude de um investidor privado.

189.
    Quanto à afirmação da Comissão, nas suas observações de 11 de Novembro de 1997, segundo a qual não seriam os cálculos do quadro QI/1 mas sim os do quadro A que serviram de base à decisão litigiosa, o Tribunal não conseguiu encontrar, nos articulados da Comissão, qualquer indício da abordagem adoptada no quadro A. O Tribunal salienta, nomeadamente, que de acordo com o quadro A, a rentabilidade do investimento depende, entre outros, da tomada em consideração, para contrabalançar as perdas da EniChem durante o período de 1994 a 1996, do montante de 1 950 biliões LIT o qual, segundo esse quadro, representava o valor, à data, dos fundos próprios da EniChem. Ora, contrariamente à abordagem adoptada no quadro A, a Comissão afirmou, nos n.os 17 a 19 da sua contestação, que parecia prudente partir-se do pressuposto, para efeitos do seu cálculo, «que o investimento existente da ENI na EniChem em Julho de 1994 era já nulo». Esta hipótese está igualmente na base do quadro QI/1, como o demonstra a sua nota 5. De igual modo, a abordagem do quadro A não foi invocada nem nas observações da Comissão de 30 de Junho de 1997, nem pelo funcionário responsável, à data, dos cálculos em questão, aquando da audiência de 23 de Setembro de 1997.

190.
    Há ainda que sublinhar que, segundo a Comissão, o quadro A não se baseia senão na «memória» dos funcionários envolvidos, a saber os Senhores Spagnolli, Feltkamp e Owen. Ora, o quadro A não é coerente com as explicações fornecidas por Sr. Spagnolli ao Tribunal na audiência de 23 de Setembro de 1997. A Comissão já tinha por outro lado afirmado, na sua carta de 16 de Outubro de 1997, que nem o Sr. Feltkamp nem o Sr. Owen se lembravam do conteúdo exacto dos quadros utilizados aquando da preparação da decisão litigiosa. Acresce ainda que, no n.° 8 das suas observações de 11 de Novembro de 1997, a Comissão confirmou que ninguém se recordava do cálculo exacto do valor residual da EniChem.

191.
    Resulta destes elementos que a Comissão não conseguiu provar que os cálculos reproduzidos no quadro A tinham efectivamente sido elaborados com vista à adopção da decisão litigiosa, a fim de justificar a conclusão segundo a qual o actual valor líquido da futura capacidade de autofinanciamento tal que a terceira injecçãode capital poderia ter sido efectuada por um investidor privado numa economia de mercado, Por outro lado, ficou estabelecido que a Comissão deixou de invocar os dados constantes do quadro QI/1 e que, nem os cálculos reproduzidos no quadro B, nem os invocados pela ENI e pela EniChem no decurso da instância foram utilizados aquando da adopção da decisão litigiosa.

192.
    O Tribunal não pode, por conseguinte, estabelecer quais os cálculos que a Comissão tinha efectuado na época para sustentar a sua conclusão segundo a qual um investidor privado teria efectuado a terceira injecção de capital.

193.
    Nestas condições, o Tribunal entende que o facto de a Comissão ter apresentado, no decurso da instância, cálculos contraditórios, sem ser capaz de demonstrar os cálculos que tinha efectuado na época e que lhe permitiram concluir, desde a fase preliminar de exame da terceira injecção de capital em causa, que «o actual valor líquido dos futuros fluxos financeiros corresponde basicamente a este investimento de três biliões de liras italianas» e que se trataria, por conseguinte, de uma injecção de capital «que teria sido empreendida por um investidor privado numa economia de mercado», confirma, no caso vertente, a existência de dificuldades sérias quanto à questão de saber se essa injecção de capital não constitui, à semelhança das duas primeiras injecções, um auxílio estatal na acepção do artigo 92.°, n.° 1, do Tratado.

194.
    Esta conclusão não fica infirmada pelo fundamento da ENI e da EniChem segundo o qual, de acordo com jurisprudência do Tribunal de Justiça (acórdãoENI-Lanerossi, já referido, n.° 21), a declaração, na decisão litigiosa, de que esta terceira injecção de 3 biliões LIT poderia ter sido efectuada por um investidor privado numa economia de mercado, pode fundamentar-se, para além da rentabilidade financeira da injecção de capital, em considerações específicas que são próprias das sociedades mães de um grupo que investe numa das suas filiais. A este respeito, basta, com efeito, verificar que, tal como foi admitido pela Comissão (ver supra, n.° 107), esta não se fundou naquelas considerações, para concluir, na sua decisão, que a terceira injecção de capital não continha qualquer elemento de auxílio, tendo em conta que a rentabilidade da referida injecção de capital não lhe oferecia dúvidas.

195.
    O mesmo se passa quanto ao fundamento apresentado pela Comissão na audiência de 17 de Março de 1998, segundo o qual um investidor privado teria efectuado a terceira injecção de capital unicamente com base no n.° 4, parágrafo terceiro, segundo período, da decisão litigiosa, nos termos do qual: «A partir de 1998, a rentabilidade deverá atingir o seu nível máximo, que deverá ser ligeiramente mais elevado do que a remuneração mínima aceitável para um accionista privado». Com efeito, há de novo que salientar que essa declaração só tem uma importância subsidiária na decisão litigiosa, em comparação com o cálculo a que se refere o n.° 4, parágrafo terceiro, terceiro período. Por outro lado, esta fundamentação não tomou em consideração as perdas da EniChem para os anos de 1994 a 1997, as quais se elevam a mais de 2 400 biliões LIT (ver n.° 176 supra).

196.
    Quanto ao fundamento apresentado pela República Italiana, a ENI e a EniChem segundo o qual, em qualquer das hipóteses, as três injecções de capital não foram efectuadas pelo Estado ou através de recursos estatais, na acepção dos artigo 92.°, n.° 1, do Tratado, basta constatar que a Comissão não considerou este fundamento na decisão litigiosa. Não podia por conseguinte ser invocado no quadro do controlo de legalidade efectuado pelo Tribunal.

197.
    Resulta do acima exposto que a Comissão não estava em condições, no final do primeiro exame nos termos do artigo 93.°, n.° 3, do Tratado, para ultrapassar todas as dificuldades relacionadas com a questão de saber se a terceira injecção de capital constituía um auxílio na acepção do artigo 92.°, n.° 1, do Tratado.

198.
    O Tribunal sublinha, por outro lado, que o procedimento previsto pelo artigo 93.°, n.° 2, do Tratado encontrava-se já em curso quanto às duas primeiras injecções de capital, as quais tinham sido consideradas auxílios estatais. As dúvidas sérias que a Comissão deveria ter tido acerca da terceira injecção de capital respeitam precisamente à questão de saber se esta devia ter sido apreciada conjuntamente com as duas primeiras a fim de se apurar se constituía auxílio estatal ou um investimento capaz de satisfazer o critério do investidor privado numa economia de mercado, Por outro lado, a terceira injecção de capital (de 3 biliões LIT) era de montante consideravelmente mais elevado que o das duas primeiras injecções juntas (1 794 biliões LIT), já estando estas, na altura, a ser objecto de exame.

199.
    Está demonstrado que, no caso vertente, a Comissão nunca examinou a terceira injecção de capital do ponto de vista da sua compatibilidade com o mercado comum.

200.
    Destas circunstâncias específicas, resulta que a Comissão, ao dar por encerrado o seu primeiro exame da terceira injecção de capital nos termos do artigo 93.°, n.° 3, do Tratado, embora não estivesse em condições de ultrapassar as dificuldades quanto à questão de saber se esta injecção de capital constituía um auxílio, e sem apreciar se ela era compatível com o mercado comum, violou os direitos da recorrente como pessoa interessada na acepção do artigo 93.°, n.° 2, do Tratado.

201.
    A decisão litigiosa deve pois ser anulada por este motivo, sem que seja necessário decidir sobre os restantes fundamentos e argumentos invocados pela recorrente.

Quanto às despesas

202.
    Por força do disposto no artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida deve ser condenada nas despesas, se a parte vencedora o tiver requerido. Nos termos do artigo 87.°, n.° 3, do Regulamento de Processo, o Tribunal pode determinar que as despesas sejam repartidas entre as partes ou decidir que cada uma das partes suporte as suas próprias despesas se cada parte obtiver vencimentoparcial, ou perante circunstâncias excepcionais. No caso vertente, a Comissão foi vencida nos seus fundamentos no que respeita à terceira injecção de capital, enquanto que a recorrente foi vencida nos seus fundamentos no que respeita às duas primeiras injecções de capital. Nestas circunstâncias, a Comissão deve ser condenada a suportar, para além das suas próprias despesas, os dois terços das despesas da recorrente.

203.
    Por força do artigo 87.°, n.° 4, do Regulamento de Processo, O Reino-Unido, a República Italiana, a ENI e a EniChem suportarão as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção Alargada),

decide:

1.
    A decisão da Comissão, de 27 de Julho de 1994, relativa aos auxílios que a Itália decidiu conceder à EniChem SpA, é anulada por ter dado como encerrado o procedimento de exame previsto pelo artigo 93.°, n.° 3, do Tratado na parte que respeita à injecção de 3 biliões LIT nela mencionada.

2.
    O recurso é julgado inadmissível quanto ao restante.

3.
    A Comissão é condenada a suportar as suas próprias despesas e os dois terços das despesas da recorrente. A recorrente suportará um terço das suas próprias despesas.

4.
    O Reino-Unido, a República Italiana, a ENI SpA e a EniChem SpA suportarão as suas próprias despesas.

Kalogeropoulos
Briët
García-Valdecasas

Bellamy

Potocki

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 15 de Setembro de 1998.

O secretário

O presidente

H. Jung

A. Kalogeropoulos


1: Língua do processo: inglês.