Language of document : ECLI:EU:C:2008:37

CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

VERICA TRSTENJAK

apresentadas em 24 de Janeiro de 2008 1(1)

Processo C‑520/06

C. Stringer

Sabriye Kilic

Michael Thwaites

Keith Ainsworth

Sabba Khan

contra

Her Majesty’s Revenue and Customs

[pedido de decisão prejudicial apresentado pela House of Lords (Reino Unido)]

«Directiva 2003/88/CE – Organização do tempo de trabalho – Artigo 7.° – Direito a um período mínimo de férias anuais remuneradas – Direito a remuneração compensatória por férias não gozadas – Direitos sociais fundamentais no direito comunitário – Concessão das férias anuais durante um período de baixa médica»






Índice


I –   Introdução

II – Quadro jurídico

A –   Direito comunitário

B –   Direito nacional

III – Matéria de facto, processo principal e questões prejudiciais

IV – Processo no Tribunal de Justiça

V –   Principais argumentos das partes

A –   Quanto à primeira questão

B –   Quanto à segunda questão

VI – Apreciação jurídica

A –   Quanto à primeira questão

1.     Observações preliminares

2.     O direito a férias anuais remuneradas como direito social fundamental

3.     O direito a um período mínimo de férias anuais remuneradas no direito comunitário

a)     Competência da Comunidade para determinar o âmbito de protecção da norma

b)     Nível de protecção garantido pela ordem jurídica comunitária

c)     Nível de protecção garantido pela Convenção n.° 132 da OIT

4.     A proibição jurídico‑laboral de sofrer prejuízos como limite do exercício do direito a férias anuais mínimas remuneradas

a)     A proibição jurídico‑laboral de sofrer prejuízos nos termos da Convenção n.° 132 da OIT

b)     Aplicabilidade dos princípios desenvolvidos pela jurisprudência

c)     Incompatibilidade com o espírito e com a finalidade do artigo 7.°, n.° 1, da Directiva 2003/88

5.     Conclusão

B –   Quanto à segunda questão

VII – Conclusão

I –    Introdução

1.        Por decisão de 13 de Dezembro de 2006, a House of Lords submeteu, nos termos do artigo 234.° CE, ao Tribunal de Justiça duas questões relativas à interpretação do artigo 7.°, n.os 1 e 2, da Directiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de Novembro de 2003, relativa a determinados aspectos da organização do tempo de trabalho (2) (a seguir «Directiva 2003/88»), para decisão a título prejudicial.

2.        As questões prejudiciais são colocadas no âmbito de um litígio entre trabalhadores antigos e trabalhadores que continuam ao serviço (a seguir «recorrentes») da administração fiscal e aduaneira britânica, a HM Revenue and Customs, e esta mesma autoridade (a seguir «recorrida»), no qual o mais alto tribunal de recurso em matéria civil do Reino Unido deve pronunciar‑se sobre a existência de um direito dos recorrentes, sobre a recorrida, a férias anuais remuneradas ou a uma remuneração compensatória por férias não gozadas.

3.        Com estas questões pretende‑se, no essencial, saber se um trabalhador que está ausente por doença tem direito às férias anuais remuneradas durante o período de baixa e em que medida, em caso de cessação da relação de trabalho, um trabalhador que esteve ausente por motivo de doença durante todo o ano em que as férias se vencem, ou durante uma parte deste, pode exigir uma retribuição financeira compensatória.

II – Quadro jurídico

A –    Direito comunitário

4.        Em 2 de Agosto de 2004, a Directiva 2003/88 substituiu a Directiva 93/104/CE, de 23 de Novembro de 1993, relativa a determinados aspectos da organização do tempo de trabalho (3). Tal como a directiva precedente, a Directiva 2003/88 tem por objectivo estabelecer determinadas prescrições mínimas de segurança e de saúde em matéria de organização do tempo de trabalho. O seu artigo 7.°, cuja redacção é idêntica à do artigo 7.° da directiva anterior, dispõe o seguinte:

«Férias anuais

1.      Os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para que todos os trabalhadores beneficiem de férias anuais remuneradas de pelo menos quatro semanas, de acordo com as condições de obtenção e de concessão previstas nas legislações e/ou práticas nacionais.

2.      O período mínimo de férias anuais remuneradas não pode ser substituído por retribuição financeira, excepto nos casos de cessação da relação de trabalho.»

5.        O artigo 17.° da Directiva 2003/88 prevê que os Estados‑Membros podem derrogar determinadas disposições. O artigo 7.° não pertence às disposições às quais a Directiva 2003/88 autoriza uma derrogação.

B –    Direito nacional

6.        As Regulations 13 e 16 das Working Time Regulations 1998 (SI 1998/1833) (regulamento sobre o tempo de trabalho, a seguir «WTR») transpuseram o artigo 7.°, n.° 1, e, em parte, também o artigo 7.°, n.° 2, da Directiva 2003/88 no Reino Unido. Prevêem, na sua versão alterada pelas Working Time (Amendment) Regulations 2001 (SI 2001/3256) (regulamento que altera o regulamento sobre o tempo de trabalho), na parte em que esta última é aplicável ao presente caso, o seguinte:

«Regulation 13

(1)      O trabalhador tem direito a quatro semanas de férias por cada ano, observado o disposto no paragraph (5).

[…]

(5)      No caso de a data de entrada em funções do trabalhador ser posterior à data do início do primeiro ano de vencimento das férias (em conformidade com o acordo aplicável), as férias a que o trabalhador tem direito nesse ano correspondem a uma proporção do período fixado no paragraph (1) equivalente à proporção do período remanescente do ano em causa, calculado a partir da data de entrada em funções.

[…]

(9)      As férias a que o trabalhador tem direito nos termos da presente Regulation podem ser gozadas de forma repartida, mas:

a)      só podem ser gozadas no ano em relação ao qual são devidas, e

b)      não podem ser substituídas por uma retribuição financeira, excepto no caso de cessação da relação de trabalho.

[…]

Regulation 16

(1)      O trabalhador tem direito à remuneração dos períodos de férias de que beneficie nos termos da Regulation 13, na proporção do valor da remuneração semanal por cada semana de férias.»

7.        O cálculo do montante da «remuneração semanal» é fixado por lei. Em termos gerais, equivale ao auferido semanalmente pelo trabalhador.

8.        Para que possa exercer o seu direito a férias anuais, estabelecido na Regulation 13 das WTR, o trabalhador é obrigado a comunicá‑las previamente ao seu empregador, em conformidade com a Regulation 15 das WTR. Esta Regulation dispõe o seguinte, na parte que importa ao presente caso:

«(1)      O trabalhador pode marcar as férias a que tem direito nos termos da Regulation 13 nos dias à sua escolha, mediante aviso a entregar ao empregador nos termos do paragraph (3), sem prejuízo das exigências que este estabeleça nos termos do paragraph (2).

(2)      O empregador pode exigir ao trabalhador

a)      que goze as férias a que tem direito nos termos da Regulation 13, ou

b)      que não goze essas férias

em dias determinados, mediante aviso prévio a entregar ao trabalhador, nos termos do paragraph (3).

(3)      O aviso a que se refere o paragraph (1) ou (2),

a)      pode ser relativo a todo ou parte do período de férias de que o trabalhador beneficia no ano em que as férias se vencem;

b)      deve especificar os dias em que as férias podem ou não ser gozadas (conforme o caso) e quando as férias de um determinado dia apenas respeitem a parte desse dia, a sua duração; e

c)      deve ser entregue ao empregador ou ao trabalhador, consoante o caso, antes da data pertinente.

(4)      A data pertinente, para efeitos do paragraph (3),

a)      no caso do aviso previsto no paragraph (1) ou (2)(a), é a data correspondente a um período de pré‑aviso igual ao dobro dos dias ou meios dias a que o aviso diz respeito, em relação ao dia mais próximo indicado no aviso,

b)      no caso do aviso previsto no paragraph (2)(b), é a data correspondente a um período de pré‑aviso igual ao mesmo número dias ou meios dias a que o aviso diz respeito, em relação ao dia mais próximo indicado no aviso.»

9.        A Regulation 14 das WTR regula a cessação da relação de trabalho. Prevê o seguinte, na parte relevante para o presente caso:

«(1)      Esta Regulation é aplicável quando

a)      a relação de trabalho cessa durante o ano em que as férias do trabalhador se vencem, e

b)      no dia em que a cessação produz efeitos («data da cessação»), a proporção do período de férias a que tem direito nesse ano, nos termos da Regulation 13, gozado pelo trabalhador difere da proporção desse ano que já tenha decorrido.

(2)      Quando a proporção das férias gozadas pelo trabalhador em relação àquelas a que tinha direito for inferior à proporção desse ano que já tenha decorrido, o empregador deve pagar‑lhe uma retribuição financeira pelas férias não gozadas, em conformidade com o estabelecido no paragraph (3).

3)      O pagamento devido por força do paragraph (2) deve consistir

a)      no montante que esteja previsto, para efeitos desta Regulation, num acordo aplicável, ou

b)      […] num montante equivalente ao que seria devido ao trabalhador, nos termos da Regulation 16, relativamente a um período de férias determinado de acordo com a fórmula

(A x B) – C

em que

A      é o período de férias a que o trabalhador tem direito nos termos da Regulation 13

B      é a proporção do ano em que as férias se vencem que já tenha decorrido antes da data da cessação; e

C      é o período de férias gozado pelo trabalhador entre o início do ano em que as férias se vencem e a data da cessação.»

III – Matéria de facto, processo principal e questões prejudiciais

10.      Os recorrentes no processo principal eram todos empregados da recorrida. Podem distinguir‑se duas categorias de trabalhadores (4).

11.      Da primeira categoria faz parte S. Khan, que esteve durante vários meses ausente por doença, por tempo indeterminado, e recebeu o subsídio de doença. Em 10 de Outubro de 2003, durante esse período de baixa médica, comunicou ao empregador que pretendia gozar 20 dias de férias anuais remuneradas, de 17 de Novembro a 11 de Dezembro de 2003. O empregador recusou este pedido. S. Khan intentou então uma acção no Employment Tribunal (tribunal do trabalho) com base na Regulation 13 das WTR, alegando ter direito a gozar férias anuais e a ser remunerada durante as mesmas, ao abrigo da Regulation 16 das WTR. O Employment Tribunal julgou o seu pedido procedente e condenou o empregador a pagar‑lhe o montante de 595,32 GBP.

12.      Da segunda categoria fazem parte K. Ainsworth, S. Kilic e M. Thwaites, que foram despedidos pelo empregador. Todos tinham estado de baixa médica por tempo prolongado e estiveram nessa situação durante todo o ano em que foram despedidos. Nenhum deles tinha gozado férias anuais durante esse ano. Cada um deles intentou uma acção no Employment Tribunal, pedindo que lhes fossem pagas retribuições ao abrigo da Regulation 14 das WTR, que regula a situação jurídica de trabalhador em caso de cessação da relação de trabalho. O Employment Tribunal julgou todos os pedidos procedentes e calculou os pagamentos compensatórios devidos de acordo com a fórmula estabelecida na Regulation 14(3) das WTR. Segundo esta, foram atribuídos 16,14 GBP a K. Ainsworth, 454,74 GBP a S. Kilic e 967,14 GBP a M. Thwaites.

13.      A recorrida interpôs recurso de cada uma dessas decisões para o Employment Appeals Tribunal. Este negou provimento aos recursos, tendo, contudo, admitido os recursos interpostos para a Court of Appeal.

14.      A Court of Appeal apensou os processos e concedeu provimento aos recursos interpostos pelo empregador. Decidiu o seguinte:

–        No processo de S. Khan, a Court of Appeal acolheu o argumento do empregador de que um trabalhador não pode gozar as férias anuais, na acepção da Regulation 13, durante um período em que se encontra ausente por doença e, por esse motivo, não está obrigado a trabalhar.

–        Nos processos de K. Ainsworth, S. Kilic e M. Thwaites, a Court of Appeal julgou procedente o argumento do empregador segundo o qual, para efeitos do cálculo da compensação devida no momento da cessação da relação de trabalho por força da Regulation 14, quando um trabalhador não tem direito a férias anuais nos termos da Regulation 13, porque esteve ausente por doença, também não tem direito ao pagamento da compensação prevista na Regulation 14.

15.      Em consequência disso, os trabalhadores interpuseram recurso para a House of Lords. Depois de ouvidas as partes, a House of Lords concluiu que a interpretação do artigo 7.°, n.os 1 e 2 da Directiva 2003/88 é controvertida. Considera que, embora as questões suscitadas no presente processo coincidam com as colocadas no processo C‑350/06 (Schultz‑Hoff), também se distinguem destas em alguns aspectos. Por conseguinte, é possível que as respostas dadas pelo Tribunal de Justiça no processo C‑350/06 (Schultz‑Hoff) não sejam decisivas para as questões suscitadas no presente recurso. A House of Lords decidiu, assim, submeter as seguintes questões ao Tribunal de Justiça para decisão a título prejudicial, a fim de poder decidir sobre os recursos:

«1.      O artigo 7.°, n.° 1, da Directiva 2003/88/CE deve ser interpretado no sentido de que um trabalhador que se encontre ausente por doença por tempo indeterminado tem direito i) a marcar um período futuro de férias anuais remuneradas e ii) a gozar férias anuais remuneradas, em ambos os casos durante um período que, de outro modo, seria um período de [baixa médica]?

2.      Quando um Estado‑Membro decide, ao abrigo do seu poder discricionário, substituir o período mínimo de férias anuais remuneradas por uma retribuição financeira no momento da cessação da relação de trabalho, nos termos do artigo 7.°, n.° 2, da Directiva 2003/88/CE, num caso em que um trabalhador esteve ausente, de baixa médica, ao longo de todo ou parte do ano em que devia gozar férias e durante o qual ocorreu a cessação da relação de trabalho, o artigo 7.°, n.° 2, estipula condições ou estabelece critérios para determinar se a retribuição deve ou não ser paga ou para o respectivo cálculo?»

IV – Processo no Tribunal de Justiça

16.      O despacho de reenvio deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 20 de Dezembro de 2006.

17.      Os recorrentes no processo principal, os Governos do Reino Unido, da República da Eslovénia, do Reino da Bélgica, da República Italiana, da República da Polónia e da República Checa e a Comissão das Comunidades Europeias apresentaram observações escritas dentro do prazo previsto no artigo 23.° do Estatuto do Tribunal de Justiça.

18.      Na audiência de 20 de Novembro de 2007, compareceram os representantes dos recorrentes no processo principal, dos Governos do Reino Unido e do Reino dos Países Baixos, e da Comissão, para apresentarem oralmente as suas alegações.

V –    Principais argumentos das partes

A –    Quanto à primeira questão

19.      Os recorrentes são de opinião de que o direito a férias anuais remuneradas, tal como está previsto no artigo 7.° da Directiva 2003/88, é um direito social fundamental, em relação ao qual não podem existir derrogações. O objectivo da Directiva 2003/88, que é melhorar as condições de vida e de trabalho dos trabalhadores através da aproximação das legislações nacionais relativas ao tempo de trabalho, não seria tido em conta se fosse negado a um trabalhador o direito de escolher um determinado período para gozar férias. Além disso, da jurisprudência do Tribunal de Justiça resulta que um direito a férias garantido pelo direito comunitário não pode prejudicar outro direito a férias com outra finalidade assegurado pelo direito comunitário. Por último, uma interpretação do artigo 7.° da Directiva 2003/88 no sentido de que uma ausência por doença origina a perda ou a redução do direito a férias anuais dificulta o exercício efectivo deste direito.

20.      Os Governos do Reino da Bélgica, da República Checa, da República da Eslovénia e do Reino Unido defendem outra posição.

21.      Segundo o Governo da Bélgica, a primeira questão deve ser respondida pela negativa, face ao objectivo da Directiva 2003/88. Este objectivo, nomeadamente a melhoria das condições de trabalho para protecção da saúde e da segurança dos trabalhadores, decorre, entre outros, dos considerandos da Directiva 2003/88 e da Directiva 93/104, que a antecedeu, da exposição de motivos do projecto de directiva, do artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 2003/88 e da sua base jurídica, o artigo 137.° CE. Este objectivo foi confirmado pela jurisprudência. Uma resposta positiva à primeira questão contraria este objectivo, uma vez que a possibilidade de gozar férias anuais durante um período de baixa por doença não contribui para a melhoria das condições de trabalho. Este objectivo só é alcançado de modo útil através do gozo de férias durante o exercício efectivo da actividade laboral ou do cumprimento das obrigações laborais. Para além disso, estas questões estão sujeitas à jurisprudência e à praxis nacionais.

22.      Também o Governo checo se pronuncia no sentido de ser dada resposta negativa à primeira questão. Observa que a Directiva 2003/88 não menciona expressamente o direito de os trabalhadores gozarem férias durante o período de doença, pelo que a resposta à primeira questão depende da intenção do legislador comunitário. A questão decisiva consiste em saber se o direito do trabalhador a férias anuais remuneradas deve ser respeitado em todos os Estados‑Membros de forma absoluta e independentemente do quadro jurídico existente. Tal questão deve obter uma resposta negativa. O direito a férias só é concedido no âmbito dos direitos nacionais concretos dos Estados‑Membros, uma vez que o objectivo geral da directiva pode ser alcançado de diversas formas. As questões suscitadas no presente litígio não dizem respeito à própria existência do direito a férias anuais remuneradas, mas às modalidades da sua concessão, que devem ser reguladas exclusivamente pelo direito nacional.

23.      Na opinião do Governo esloveno, a questão deve ser tratada à luz da finalidade das férias anuais, que é a preservação, a curto e a longo prazo, da saúde dos trabalhadores. O objectivo da Directiva 2003/88 resulta dos seus considerandos e também da jurisprudência do Tribunal de Justiça, segundo a qual o direito a férias anuais é um princípio do direito social com particular relevância, que só admite derrogações nos casos excepcionais previstos na directiva. O artigo 7.°, n.° 1, da Directiva 2003/88 não permite que um trabalhador, que está ausente por doença por tempo indeterminado, defina esta ausência prolongada como férias anuais e também não o autoriza a gozar as suas férias anuais durante o seu período de ausência por doença, dado que as férias anuais e a ausência por doença se excluem mutuamente em razão da sua finalidade.

24.      De acordo com o Governo do Reino Unido, o espírito e a finalidade do artigo 7.° da Directiva 2003/88 consistem em proteger a saúde de quem efectivamente trabalhou através da garantia de férias. Em última análise, para os trabalhadores que não tenham trabalhado, as férias não teriam qualquer utilidade, pelo que caberia colocar a seguinte questão: «férias de quê?».

25.      Na verdade, o que está em causa na questão das férias anuais durante o período de doença é a manutenção da remuneração, cujo montante é mais elevado no caso das férias anuais do que no de baixa por doença. Este aspecto financeiro é, porém, irrelevante em face da finalidade da directiva de protecção da saúde dos trabalhadores. O pagamento do subsídio de férias a um trabalhador que já se encontra ausente por doença representa um benefício injustificado para o trabalhador e um encargo financeiro injustificado para o empregador. Além disso, a obrigação de pagar uma tal compensação pode ter o efeito indesejado de, nos casos de doença prolongada, os empregadores rescindirem os contratos de trabalho para evitar esse risco de encargos.

26.      Os Governos da República Italiana e da República da Polónia e a Comissão têm um entendimento algo diferente.

27.      O Governo italiano alega que o artigo 7.° da Directiva 2003/88 deve ser entendido no sentido de que o trabalhador ausente por doença por tempo indeterminado também tem o direito de gozar férias anuais passado o ano em curso, na medida em que a extinção do direito a férias, não obstante a ausência do trabalhador estar justificada por razões de saúde, não é compatível com os princípios do direito comunitário. O Governo italiano remete para a jurisprudência do Tribunal de Justiça segundo a qual, em caso de cúmulo de diferentes períodos de férias garantidos pelo direito comunitário no fim do ano em curso, é inevitável que se proceda a uma transferência das férias para o ano civil seguinte. No entanto, a diferente finalidade prosseguida pelas férias anuais e pela baixa médica não permite que o trabalhador goze férias anuais durante o período de baixa médica.

28.      O Governo polaco é de opinião de que a primeira questão prejudicial deve ser examinada à luz dos objectivos e dos princípios da Directiva 2003/88. Assim, a finalidade de libertar o trabalhador do dever de trabalhar por razões de saúde é diferente da das férias anuais. No primeiro caso, trata‑se de uma libertação do dever de trabalhar para que o trabalhador, através da sua convalescença, recupere a sua capacidade de trabalho. No segundo caso, o trabalhador é dispensado do seu dever de trabalhar para recuperar fisicamente e poder prosseguir a sua actividade laboral habitual. O Governo polaco conclui daqui que o artigo 7.°, n.° 1, da Directiva 2003/88 deve ser interpretado no sentido de que um trabalhador que está de baixa médica não tem direito a férias anuais no mesmo período de tempo.

29.      Segundo o entendimento da Comissão, a interpretação da directiva deve ter em conta o objectivo desta de melhorar as condições de vida e de trabalho dos trabalhadores. Defende que uma resposta positiva à primeira questão prejudicial alberga determinados riscos para os direitos dos trabalhadores. Em vista do facto de a remuneração que continua a ser paga em caso de baixa médica ser inferior à remuneração média dos trabalhadores, não se pode excluir que o trabalhador doente, por motivos financeiros, esteja disposto a pedir férias anuais remuneradas.

30.      A Comissão considera, por outro lado, ilógico que se permita que um trabalhador goze férias anuais num momento em que deve primeiro recuperar de uma doença ou de um acidente. Além disso, a função de proporcionar descanso das férias anuais só pode ser assegurada se os períodos de baixa medica e de férias forem consecutivos, porque, de outra forma há o risco de o trabalhador, por exemplo sob pressão do empregador, substituir o período de baixa médica por férias anuais.

31.      O Governo neerlandês questiona, nas suas observações orais, a aplicabilidade de princípio da Directiva 2003/88 a casos de ausência por doença de trabalhadores, com base em que estes não constituem o objecto de regulação da norma. O âmbito de aplicação da Directiva 2003/88 restringe‑se exclusivamente aos trabalhadores activos, o que implica que no presente caso é apenas aplicável o direito nacional. No entanto, a diversidade das regulamentações dos Estados‑Membros não permite conclusões com validade geral relativamente aos direitos dos trabalhadores doentes.

B –    Quanto à segunda questão

32.      Os recorrentes entendem que o direito a uma remuneração compensatória por férias não gozadas, previsto no artigo 7.°, n.° 2, da Directiva 2003/88, não pode ser limitado quando o trabalhador esteve ausente por doença ao longo de parte ou de todo o ano em que cessou a relação de trabalho.

33.      Subsidiariamente, alegam que o artigo 7.°, n.° 2, da Directiva 2003/88 não faz depender o direito a uma remuneração compensatória por férias não gozadas do preenchimento de requisitos especiais.

34.      O Governo belga considera que, à semelhança da primeira questão, a resposta à segunda questão decorre do espírito e da finalidade da directiva, mais precisamente a melhoria das condições de trabalho para protecção da saúde e da segurança dos trabalhadores, condições estas que, após a cessação da relação de trabalho, deixam de estar em risco. O Governo belga propõe, por conseguinte, que seja dada uma resposta negativa à segunda questão, no sentido de que os requisitos e as modalidades de concessão de uma compensação financeira não são abrangidos pelo âmbito de aplicação da directiva, competindo antes ao legislador e à praxis nacionais a sua regulação.

35.      O Governo checo apoia‑se igualmente no objectivo da directiva para fundamentar uma resposta negativa à segunda questão. O artigo 2.° da Directiva 2003/88 define como «tempo de trabalho» o período durante o qual o trabalhador se encontra efectivamente à disposição da entidade patronal e como período de descanso o período que não seja tempo de trabalho. O facto de durante a ausência por doença, por exemplo, também não serem concedidos tempos de pausa diários, mostra que cada concessão de tempos de descanso depende do facto de o trabalhador trabalhar ou estar à disposição do empregador. Por este motivo, não se constitui durante o período de ausência por doença nenhum direito a férias relativo a este período e, deste modo, também não existe qualquer direito a compensação correspondente. Consequentemente, a directiva, ainda que não obste a uma regulamentação nacional correspondente, não estabelece os requisitos de um eventual direito a compensação por férias não gozadas por motivo de doença.

36.      O Governo esloveno também se pronuncia a favor de que seja dada uma resposta negativa à segunda questão. Remete para a sua argumentação relativa à primeira questão e acrescenta que a directiva não garante ao trabalhador qualquer direito a uma compensação financeira por férias não gozadas. Os Estados‑Membros podem certamente prevê‑la, revelando uma comparação das regulamentações nacionais entre a Eslovénia e o Reino Unido que os Estados‑Membros adoptaram nesta sede regulamentações diferentes. Contudo, caso um Estado‑Membro preveja uma tal compensação, o seu cálculo está unicamente sujeito ao direito nacional.

37.      O Governo do Reino Unido declara, em relação à segunda questão, que a resposta – negativa – à mesma resulta forçosamente da tese que defendeu quanto à primeira questão: Dado que no caso de ausência por doença durante todo o período de referência já não existe qualquer direito a férias, também não existe logicamente neste caso um direito a compensação. Além disso, não obstante o artigo 7.°, n.° 2, da Directiva 2003/88 autorizar os Estados‑Membros a prever uma compensação por férias não gozadas em caso de cessação da relação de trabalho, não os obriga, contudo, a fazê‑lo. Por conseguinte, os Estados‑Membros têm a competência exclusiva para regular as modalidades de concessão de uma compensação eventualmente prevista.

38.      Na opinião do Governo italiano, a resposta à segunda questão já decorre da sua argumentação relativamente à primeira questão. Assim, o trabalhador tem sempre direito a uma compensação a título de indemnização pelas férias anuais remuneradas que, por motivo de doença, não pôde gozar durante o ano em curso até ao momento da cessação da relação de trabalho. O cálculo do valor da compensação por férias não gozadas deve ter em conta o número de meses em que o trabalhador trabalhou a seguir aos períodos de ausência ao trabalho. Neste cálculo, os períodos de ausência por doença devem ser equiparados a tempo de serviço.

39.      O Governo polaco refere que o direito a compensação por férias não gozadas constitui um sucedâneo do direito a férias anuais. No momento da cessação da relação de trabalho, este metamorfoseia‑se num direito a uma indemnização pelas férias não gozadas. O artigo 7.°, n.° 2, da Directiva 2003/88 deve, por conseguinte, ser interpretado no sentido de que o trabalhador tem direito a uma indemnização relativa ao período pelo qual adquiriu um direito a férias anuais remuneradas.

40.      De acordo com o entendimento da Comissão, o artigo 7.°, n.° 2, da Directiva 2003/88 concede uma compensação financeira pela perda das férias anuais que o trabalhador não pôde gozar até ao momento da cessação do contrato. Os períodos de ausência por motivos não imputáveis ao trabalhador, como doença e acidentes, devem ser contados como tempo de serviço e, por conseguinte, ser tomados em consideração no cálculo do direito a férias anuais remuneradas. Além disso, a directiva não autoriza os Estados‑Membros a restringirem este direito dos trabalhadores ou a privá‑los dele. A Comissão pronuncia‑se, por isso, a favor de que seja concedido ao trabalhador um direito a compensação por férias não gozadas, não obstante a sua ausência por doença.

41.      Quanto ao valor da compensação por férias não gozadas no caso concreto, a Comissão defende que esta, na medida em que se tenha efectivamente constituído um direito a férias anuais remuneradas, deve ser calculado segundo a mesma taxa aplicável à remuneração devida ao trabalhador.

VI – Apreciação jurídica

A –    Quanto à primeira questão

1.      Observações preliminares

42.      Com a primeira questão prejudicial, a House of Lords coloca um problema de interpretação do artigo 7.°, n.° 1, da Directiva 2003/88 que diz respeito ao alcance normativo do direito do trabalhador a férias anuais remuneradas garantido por esta disposição. Concretamente, está em causa a questão de saber se os trabalhadores incapazes para o trabalho por motivo de doença têm, ao abrigo do direito comunitário, em princípio, direito a férias anuais remuneradas e se podem fazer valer este direito a férias durante um período em que estão de baixa médica.

43.      Estas questões dizem respeito a dois aspectos distintos do direito a férias anuais remuneradas que, a meu ver, devem ser nitidamente destrinçados. Estão em causa, por um lado, a existência do próprio direito e, por outro, as condições do seu exercício prático. Em prol da clareza, é recomendável que se tratem os dois aspectos de forma sucessiva.

44.      No presente processo, é solicitado ao Tribunal de Justiça que declare se o direito comunitário concede aos trabalhadores determinados direitos. No entanto, coloca‑se também implicitamente a questão de saber que exigências a Directiva 2003/88 impõe ao direito nacional para que esses direitos dos trabalhadores se possam concretizar. Consequentemente, a análise jurídica subsequente conduz, em última instância, a uma interpretação da expressão, contida no artigo 7.°, n.° 1, da Directiva 2003/88, «de acordo com as condições de obtenção e de concessão previstas nas legislações e/ou práticas nacionais».

45.      No que diz respeito à repartição das competências legislativas entre a Comunidade e os seus Estados‑Membros no âmbito da protecção do direito a férias anuais remuneradas, deve referir‑se, em primeiro lugar, que, com a adopção da Directiva 2003/88, o legislador comunitário utilizou um instrumento jurídico que, de facto, nos termos do artigo 249.°, n.° 3, CE, deixa às autoridades nacionais uma certa margem de manobra relativamente à escolha do meio e da forma de transposição, impondo‑lhes, porém, ao mesmo tempo, limites, na medida em que a directiva é obrigatória para todos os Estados‑Membros quanto ao objectivo a atingir (5). Assim, no âmbito da transposição do direito a férias anuais remuneradas, os ordenamentos nacionais possuem grandes, embora não ilimitadas, possibilidades de configuração (6). Ao darem cumprimento ao dever de transposição de carácter normativo previsto no artigo 7.°, os Estados‑Membros devem, por conseguinte, ter sempre em consideração os objectivos da Directiva 2003/88.

2.      O direito a férias anuais remuneradas como direito social fundamental

46.      Considero que, para responder adequadamente ao juiz nacional, há que ir muito atrás e começar por analisar o direito a férias anuais remuneradas tanto na sua expressão ao nível do direito comunitário derivado como no contexto mais geral dos direitos sociais fundamentais.

47.      No que respeita, por um lado, ao objectivo da Directiva 2003/88, resulta tanto do artigo 137.° CE, que constitui a base jurídica desta directiva, como dos primeiro, quarto, sétimo e oitavo considerandos da mesma, e ainda da redacção do seu artigo 1.°, n.° 1, que com ela se pretende adoptar prescrições mínimas destinadas a promover a melhoria das condições de vida e de trabalho dos trabalhadores através de uma harmonização das disposições nacionais relativas, nomeadamente, à duração do tempo de trabalho (7). A harmonização ao nível comunitário em matéria de organização do tempo de trabalho tem por finalidade garantir uma melhor protecção da segurança e da saúde dos trabalhadores, permitindo‑lhes beneficiar de períodos mínimos de descanso – nomeadamente diária, semanal e anualmente – e de períodos de pausa adequados, e estabelecendo a duração máxima do trabalho semanal (8).

48.      Na interpretação do artigo 7.° da Directiva 2003/88, deve, contudo, ter‑se em conta que não é na directiva sobre o tempo de trabalho que o direito a um período mínimo de férias anuais remuneradas encontra a sua primeira consagração, porque, na realidade, há muito que é considerado, independentemente da duração do período de férias garantido, um dos direitos sociais fundamentais reconhecidos pelo direito internacional. No plano internacional, este direito fundamental é referido, nomeadamente, no artigo 24.° da Declaração Universal dos Direitos do Homem (9), que concede a toda a pessoa «direito ao repouso e aos lazeres e, especialmente, a uma limitação razoável da duração do trabalho e a férias periódicas pagas». É também consagrado no artigo 2.°, ponto 3, da Carta Social do Conselho da Europa (10), bem como no artigo 7.°, alínea d), do Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais (11), como expressão do direito de cada pessoa a condições de trabalho justas.

49.      No âmbito da Organização Internacional do Trabalho (OIT) como organismo especializado das Nações Unidas, o direito a um período mínimo de férias anuais remuneradas foi, até à data, objecto de duas convenções multilaterais, sendo que a Convenção n.° 132 (12), em vigor desde 30 de Junho de 1973, alterou a Convenção n.° 52 (13) até então aplicável. Estas convenções contêm disposições imperativas para os Estados contratantes a respeito da concretização deste direito social fundamental no âmbito das suas ordens jurídicas nacionais.

50.      No entanto, estes múltiplos actos internacionais diferenciam‑se tanto em termos do seu conteúdo como ao nível do seu alcance normativo, uma vez que, em alguns casos, estão em causa tratados internacionais, enquanto noutros se trata simplesmente de declarações solenes sem efeitos jurídicos vinculativos (14). O âmbito de aplicação pessoal varia igualmente, pelo que o círculo dos beneficiários não é, em caso algum, idêntico. Além disso, normalmente, é concedida aos Estados signatários, na qualidade de destinatários destes actos, uma grande margem de manobra quanto à sua implementação, pelo que os indivíduos beneficiários não podem invocar directamente o direito aqui em causa. No entanto, é significativo que, em todos esses actos internacionais, o direito a um período de férias remuneradas seja reconhecido em termos inequívocos entre os direitos fundamentais dos trabalhadores.

51.      Em minha opinião, é ainda mais significativo o facto de esse direito ter sido objecto, mediante a sua inclusão na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (15), da mais qualificada e definitiva confirmação da sua natureza de direito fundamental (16). No seu artigo 31.°, n.° 2, a Carta declara, de facto, que «[t]odos os trabalhadores têm direito a uma limitação da duração máxima do trabalho e a períodos de descanso diário e semanal, bem como a um período anual de férias pagas». No que diz respeito à sua génese, esta disposição inspirou‑se no artigo 2.°, ponto 3, da Carta Social do Conselho da Europa, bem como no ponto 8 da Carta Comunitária dos Direitos Sociais dos Trabalhadores (17), e, de acordo com os esclarecimentos do Secretariado do Praesidium da Convenção, teve ainda amplamente em conta a Directiva 93/104, que antecedeu a actual Directiva 2003/88 (18).

52.      O artigo 31.°, n.° 2, da Carta dos Direitos Fundamentais consagra, assim, o direito a férias anuais remuneradas como um direito humano reconhecido a todas as pessoas (19). É verdade que não foi concedido à Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, como também a alguns instrumentos jurídicos internacionais anteriormente referidos, qualquer alcance normativo autêntico, pelo que deve ser vista, em primeira linha, como uma declaração política. No entanto, considero que seria errado negar‑lhe toda e qualquer importância na interpretação do direito comunitário (20). Sem prejuízo da questão, ainda a esclarecer no futuro, do estatuto jurídico definitivo da Carta na ordem jurídica da União Europeia, esta Carta já constitui actualmente uma concretização dos valores fundamentais comuns europeus (21).

53.      Além disso, esta Carta reflecte igualmente, em grande parte, as tradições constitucionais comuns dos Estados‑Membros. Tanto quanto posso observar, é inteiramente possível chegar a esta conclusão a respeito do direito a um período mínimo de férias anuais remuneradas, uma vez que o artigo 31.°, n.° 2, da Carta tem como modelos as Constituições de numerosos Estados‑Membros (22). Assim, num litígio sobre a natureza e alcance de um direito fundamental como o ora em apreço, é inteiramente legítimo ter em consideração a razão de ser do artigo 31.°, n.° 2, da Carta na interpretação do artigo 7.° da Directiva 2003/88 (23).

3.      O direito a um período mínimo de férias anuais remuneradas no direito comunitário

a)      Competência da Comunidade para determinar o âmbito de protecção da norma

54.      O Tribunal de Justiça reconheceu o alcance do direito a férias anuais remuneradas e declarou que «[o] direito de cada trabalhador a férias anuais remuneradas deve ser considerado um princípio do direito social comunitário que reveste uma importância especial, em relação ao qual não podem existir derrogações e cuja aplicação pelas autoridades nacionais competentes apenas pode ser feita dentro dos limites expressamente enunciados na própria directiva» (24). As disposições do artigo 7.° da Directiva 2003/88 consagram a regra segundo a qual um trabalhador deve poder beneficiar de descanso efectivo, a fim de garantir uma protecção eficaz da sua segurança e da sua saúde (25).

55.      De acordo com a jurisprudência, os Estados‑Membros têm um papel fundamental a desempenhar na concretização deste direito, uma vez que, ao cumprirem o dever de transposição previsto no artigo 7.°, n.° 1, da Directiva 2003/88, estão obrigados a fixar as modalidades de aplicação nacionais necessárias (26). Isto inclui a definição das condições de exercício e de execução do direito a férias anuais remuneradas, tendo os Estados‑Membros a possibilidade de indicar as circunstâncias concretas em que os trabalhadores podem fazer uso deste direito, do qual beneficiam por força da totalidade dos períodos de trabalho cumpridos (27).

56.      A remissão efectuada no artigo 7.°, n.° 1, da Directiva 2003/88 para a legislação nacional destina‑se, em particular, a permitir aos Estados‑Membros definir um quadro normativo que regule os aspectos organizativos e processuais para o gozo das férias, tais como a planificação do período de férias, a eventual obrigação para o trabalhador de comunicar antecipadamente à entidade patronal o período de férias que pretende gozar, a imposição de um período mínimo de trabalho antes de poder gozar férias, os critérios para o cálculo proporcional do direito a férias anuais quando a duração da relação de trabalho é inferior a um ano, e assim por diante (28). Contudo, trata‑se unicamente de medidas destinadas a estabelecer as condições de obtenção e de concessão do direito a férias, e, enquanto tais, autorizadas pela Directiva 2003/88.

57.      Como declarei nas minhas conclusões no processo C‑350/06 (Schultz‑Hoff) (29), também pendente, devem ser claramente distinguidas destas modalidades de aplicação nacionais as regulamentações dos Estados‑Membros respeitantes à própria existência do direito a um período mínimo de férias anuais remuneradas, na medida em que, por exemplo, fixam os pressupostos de constituição e de extinção do direito a férias. Diferentemente do dever do trabalhador, dado como exemplo dessas modalidades de aplicação, de comunicar ao empregador um período da sua eleição para o gozo das férias anuais, que cumpre apenas uma função de coordenação no âmbito do planeamento das férias na empresa, a questão controvertida no presente processo, de saber se um trabalhador incapaz para o trabalho por motivo de doença tem, em princípio, direito a férias anuais remuneradas, diz respeito à própria existência deste direito fundamental.

58.      Já não se trata aqui da decisão sobre as modalidades de execução das férias anuais remuneradas (30), isto é, da concreta aplicação deste direito, mas sim da definição do alcance de uma norma comunitária, nomeadamente do artigo 7.°, n.° 1, da Directiva 2003/88.

59.      Interpretar esta disposição no sentido de que os trabalhadores incapazes para o trabalho por motivo de doença não têm, de todo, direito a férias anuais remuneradas conduz a excluir certos trabalhadores da possibilidade de beneficiarem deste direito através da limitação do respectivo âmbito de protecção pessoal (31).

60.      No entanto, na sequência da harmonização nesse âmbito da legislação social relativa à protecção do trabalho, que é visada pelo artigo 137.°, n.° 2, alínea b), CE, a base jurídica da Directiva 2003/88, a competência para determinar o alcance desse direito pertence actualmente à Comunidade (32). Se esta competência estivesse à disposição dos Estados‑Membros, seria praticamente impossível assegurar um nível de protecção comparável em toda a Comunidade e, deste modo, o objectivo da harmonização. Por esta razão, há que rejeitar o argumento dos Governos belga e checo segundo o qual o direito a férias anuais de um trabalhador incapaz para o trabalho por motivo de doença faz parte das modalidades de concessão das férias e está sujeito ao poder regulamentar dos Estados‑Membros.

b)      Nível de protecção garantido pela ordem jurídica comunitária

61.      Para além disso, é importante recordar que a liberdade dos Estados‑Membros na fixação de medidas nacionais de execução é limitada pelo facto de o artigo 137.°, n.° 2, alínea b), CE pretender assegurar, mediante a adopção de prescrições mínimas, um determinado nível de protecção estabelecido pelo direito comunitário, aquém do qual os Estados‑Membros não podem ficar. Como o Tribunal de Justiça considerou no acórdão Reino Unido/Conselho (33) relativamente ao conceito de «prescrições mínimas», na acepção da anterior base jurídica do artigo 118.°‑A do Tratado CE, esta disposição não limita a intervenção comunitária ao mínimo denominador comum, nem mesmo ao nível de protecção mais baixo estabelecido pelos diferentes Estados‑Membros. Pelo contrário, este conceito deve ser entendido no sentido de que os Estados são livres de conceder uma protecção reforçada relativamente à protecção, eventualmente já de si elevada, que resulte do direito comunitário.

62.      Esta interpretação é confirmada pela redacção do artigo 136.° CE, que estabelece como objectivo da política social a «melhoria das condições de vida e de trabalho». Esse artigo refere expressamente que este objectivo deve ser alcançado através de uma harmonização «que assegure simultaneamente essa melhoria» (34). Para atingir esta finalidade decorrente do direito primário, o artigo 15.° da Directiva 2003/88 autoriza os Estados‑Membros a aplicarem ou a promoverem medidas mais favoráveis à protecção da segurança e da saúde dos trabalhadores. No mesmo sentido, o artigo 23.° da Directiva 2003/88 precisa, a respeito do nível de protecção dos trabalhadores, que, sem prejuízo de os Estados‑Membros poderem, respeitando as prescrições mínimas nela fixadas, prever medidas diferentes, a aplicação da directiva não é uma justificação válida para a regressão do nível geral de protecção dos trabalhadores (35).

63.      O nível mínimo de protecção fixado pelo legislador comunitário em matéria de direito a férias pode ser determinado com base na Directiva 2003/88. A este respeito, há que observar que o artigo 7.°, n.° 1, da Directiva 2003/88, contrariamente ao argumentado pelo Governo neerlandês, não contém qualquer limitação ao círculo de beneficiários e, por maioria de razão, não distingue entre trabalhadores «saudáveis com capacidade para o trabalho» e trabalhadores «incapazes para o trabalho por motivo de doença». Pelo contrário, da letra desta disposição resulta inequivocamente que os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para que «todos os trabalhadores» beneficiem de um período mínimo de férias anuais. Há que acrescentar que o artigo 7.°, n.° 1, não figura entre as disposições que o artigo 17.° da Directiva 2003/88 autoriza expressamente a derrogar (36).

c)      Nível de protecção garantido pela Convenção n.° 132 da OIT

64.      Desse modo, o legislador comunitário procura, em relação à situação jurídica dos trabalhadores incapazes para o trabalho por motivo de doença, alcançar, em qualquer caso, um nível mínimo de protecção comparável ao conferido pela Convenção n.° 132 da OIT (37). Assim, o artigo 3.°, n.° 1, desta Convenção prevê que «qualquer pessoa» a quem se aplicar a Convenção terá direito a férias anuais pagas.

65.      Do mesmo modo que o artigo 7.°, n.° 1, da Directiva 2003/88, também essa Convenção não contém disposições excepcionais que sejam desfavoráveis aos trabalhadores incapazes para o trabalho por motivo de doença. Esta circunstância permite concluir que a protecção que o direito comunitário procura garantir aos trabalhadores não pode, de acordo com a vontade do legislador comunitário, ser inferior ao nível de protecção conferido pelas normas laborais do direito internacional convencional. No entanto, dever‑se‑ia justamente temer que este nível mínimo de protecção não seria alcançado se a uma categoria determinada de trabalhadores não fosse, a priori, reconhecido um direito social fundamental.

66.      O facto de o direito a férias não poder, nos termos das disposições da Convenção n.° 132 da OIT, ser condicionado à capacidade para o trabalho do trabalhador é atestado pela redacção inequívoca do artigo 5.°, n.° 4, desta Convenção, em conformidade com o qual «as faltas ao trabalho por motivos independentes da vontade da pessoa empregada interessada, tais como as faltas por motivo de doença, de acidente ou de licença de maternidade, serão contadas no período de serviço». Por outro lado, o artigo 6.°, n.° 2, da mesma Convenção dispõe expressamente que «os períodos de incapacidade de trabalho resultantes de doenças ou acidentes não podem ser contados nas férias pagas anuais mínimas».

67.      Assim, em conformidade com os seus objectivos, essas disposições devem ser interpretadas no sentido de que a constituição do direito a férias não pode, por princípio, depender de circunstâncias cujas causas são exteriores ao âmbito de influência do trabalhador, porque resultam, por exemplo, de fenómenos naturais ou constituem casos de força maior.

68.      Por conseguinte, as normas da Convenção n.° 132 da OIT e da Directiva 2003/88 são, no essencial, coincidentes quanto ao seu teor jurídico no que diz respeito à constituição do direito a férias (38). Os Estados‑Membros estão obrigados a interpretar estas normas e a configurar as suas ordens jurídicas nacionais de modo a que a constituição do direito a um período mínimo de férias anuais remuneradas não dependa da capacidade para o trabalho do trabalhador.

69.      Das considerações precedentes decorre que um trabalhador adquire um direito a férias desde o seu primeiro dia de trabalho e não o perde em consequência de incapacidade para o trabalho resultante de doença (39). Por conseguinte, tem direito, durante um período em que, de outro modo, estaria de baixa médica, a solicitar férias anuais remuneradas para um período futuro.

4.      A proibição jurídico‑laboral de sofrer prejuízos como limite do exercício do direito a férias anuais mínimas remuneradas

70.      Ainda que, ao abrigo do artigo 7.°, n.° 1, da Directiva 2003/88, todos os trabalhadores tenham direito a um período mínimo de férias anuais remuneradas, tal não exclui que o seu exercício efectivo esteja, no caso concreto, vinculado a determinadas condições que, sem porem em causa a própria existência deste direito, se destinam a assegurar que os objectivos da directiva sejam atingidos.

a)      A proibição jurídico‑laboral de sofrer prejuízos nos termos da Convenção n.° 132 da OIT

71.      Do artigo 5.°, n.° 4, e do artigo 6.°, n.° 2, da Convenção n.° 132 da OIT é possível retirar outra declaração normativa relevante, mais precisamente a de que um período de baixa médica não pode prejudicar o direito a férias anuais mínimas remuneradas (40). Através da equiparação dos períodos de doença aos períodos de serviço e da proibição de contar nas férias anuais mínimas pagas os períodos de incapacidade de trabalho resultantes de doenças ou acidentes, pretende‑se impedir que as férias anuais coincidam com um período que, na realidade, está reservado ao período de baixa médica como tipo específico de «férias». Esta proibição de coincidência de períodos de férias e de períodos de baixa médica tem em conta a circunstância de a baixa médica e as férias anuais prosseguirem, cada uma, finalidades diferentes e, por isso, não poderem, em termos jurídicos, ser consideradas intercambiáveis.

b)      Aplicabilidade dos princípios desenvolvidos pela jurisprudência

72.      Esta lógica está novamente presente nos princípios em que o Tribunal de Justiça se baseou nos acórdãos Merino Gómez (41) e FNV (42).

73.      No processo Merino Gómez, o Tribunal de Justiça devia pronunciar‑se sobre a relação entre as férias anuais e a licença de maternidade no direito comunitário. Tratava‑se, concretamente, da questão de saber se, nos casos em que os acordos colectivos celebrados entre a empresa e os representantes dos trabalhadores estabelecem os períodos de férias para todo o pessoal e se demonstra que estes períodos são coincidentes com a sua licença de maternidade, uma trabalhadora tem o direito de gozar as suas férias anuais em período diferente do acordado e não coincidente com o da sua licença de maternidade, com base no artigo 7.°, n.° 1, da Directiva 2003/88, no artigo 11.°, n.° 2, alínea a), da Directiva 92/85/CEE (43) e no artigo 5.°, n.° 1, da Directiva 76/207/CEE (44). A este respeito, o Tribunal de Justiça afirmou que a finalidade do direito a férias anuais é diferente da finalidade do direito à licença de maternidade. Esta última visa, por um lado, a protecção da condição biológica da mulher no decurso da sua gravidez e na sequência desta e, por outro, a protecção das relações especiais entre a mulher e o seu filho durante o período que se segue à gravidez e ao parto (45). Por conseguinte, o Tribunal de Justiça declarou que uma trabalhadora deve poder gozar as suas férias anuais num período diferente do período de licença de maternidade (46).

74.      O Tribunal de Justiça confirmou o mesmo princípio no acórdão FNV e precisou‑o no sentido de que a cumulação, no final do ano, dos períodos de diferentes licenças ou férias garantidas pelo direito comunitário, pode tornar inevitável o reporte de todas ou parte das férias anuais para o ano subsequente (47), visto que uma licença garantida pelo direito comunitário não pode afectar o direito de gozar outra licença também garantida pelo direito comunitário (48).

75.      Apesar de uma gravidez não poder seguramente ser equiparada a um estado patológico, existem vários motivos para uma aplicação analógica desta jurisprudência à relação entre as férias anuais e as baixas por motivo de doença. À semelhança da licença de maternidade, as baixas por motivo de doença destinam‑se a preservar a integridade física e psicológica do trabalhador, sendo‑lhe dada a possibilidade de, através da isenção da obrigação de trabalhar e da concessão de um período de descanso, se recuperar fisicamente e de ser posteriormente reintegrado no seu posto trabalho. Diferentemente do que sucede com as férias anuais, destinadas ao descanso, ao afastamento do trabalho e ao repouso, as baixas por motivo de doença têm, portanto, por objectivo exclusivo a convalescença e a cura, isto é, ultrapassar um estado patológico cujas causas são, além disso, alheias ao domínio de influência do trabalhador (49).

76.      A este respeito, e seguindo o entendimento dos Governos italiano e polaco, deve observar‑se que, tendo em conta os princípios desenvolvidos pelo Tribunal de Justiça, não é possível concluir que os períodos da baixa por motivo de doença e das férias anuais podem coincidir, sem que se ponham em causa os diferentes objectivos das férias e da baixa por doença. Tomando por base os princípios subjacentes à jurisprudência acima referida, deve proibir‑se a concessão da baixa por doença por conta das férias anuais remuneradas, já que, de outro modo, este direito consagrado como um direito fundamental poderia ficar privado de conteúdo.

c)      Incompatibilidade com o espírito e com a finalidade do artigo 7.°, n.° 1, da Directiva 2003/88

77.      Para além das objecções já referidas a uma interpretação do artigo 7.°, n.° 1, da Directiva 2003/88, que concede ao trabalhador a possibilidade de gozar o seu direito a férias durante a sua ausência por motivo de doença, pode, além disso, invocar‑se, como argumento adicional, a incompatibilidade de tal regulamentação com a finalidade da Directiva 2003/88 de assegurar a melhoria da segurança e da protecção da saúde do trabalhador.

78.      À primeira vista, a concessão dessa possibilidade parece ser um alargamento da extensão dos seus direitos e, assim, juridicamente vantajosa. Acresce que, ao exercer o direito a férias anuais, o trabalhador não raramente é tratado mais favoravelmente em termos financeiros do que seria se estivesse de baixa médica, uma vez que durante o período das suas férias anuais beneficia, em conformidade com o artigo 7.°, n.° 1, da Directiva 2003/88, do direito à manutenção integral da sua remuneração, enquanto que o seu direito à manutenção da remuneração em caso de doença, de acordo com as respectivas regulamentações dos Estados‑Membros, abrange apenas uma fracção desta. Tal situação verifica‑se no processo principal, pois de acordo com as indicações do órgão jurisdicional de reenvio (50), a Regulation 16(1) das WTR impõe, por cada semana de férias, uma remuneração no valor da remuneração semanal. Em contrapartida, como o Governo do Reino Unido declarou na fase escrita do processo (51) e precisou na audiência a pedido do Tribunal de Justiça, as cláusulas do contrato celebrado com os recorrentes prevêem, em caso de doença, um período de baixa médica de seis meses com manutenção do pagamento integral da remuneração, seguido de mais seis meses nos quais apenas é paga metade da remuneração habitual.

79.      No entanto, uma análise jurídica mais profunda revela que o exercício deste direito pelo trabalhador equivale a uma renúncia a um direito fundamental (52) em troca da manutenção da sua remuneração habitual. Em razão da sua afectação a uma finalidade, os períodos de férias e de baixa por doença não são intercambiáveis e, por isso, como o Governo esloveno expõe acertadamente, excluem‑se mutuamente. A coincidência das férias anuais com o período de doença resultante do exercício do direito a férias teria, nesta medida, como consequência uma renúncia voluntária ao direito a férias, uma vez que ao exercer este direito, o trabalhador estaria a consentir numa utilização das férias anuais que não corresponde à sua verdadeira finalidade, em troca de uma prestação pecuniária.

80.      Em minha opinião esta renúncia não pode ser declarada compatível com o direito comunitário sem que se malogre a finalidade prosseguida pelo legislador com a adopção do artigo 7.° da Directiva 2003/88. Antes de mais, a pretendida função de proporcionar descanso do direito a férias anuais não se cumpriria se este direito fosse exercido durante os períodos de doença em violação da sua finalidade e configurando assim uma situação de abuso do direito (53). Além disso, há que concordar com a Comissão quando esta afirma que esta possibilidade de renúncia alberga determinados riscos para os direitos dos trabalhadores. A perspectiva de uma manutenção da remuneração de montante superior nos períodos de baixa médica seria adequada a criar um estímulo para o trabalhador aceitar a perda desta posição jurídica. Existiria ainda o perigo de o empregador poder impelir o trabalhador a efectuar esta renúncia (54). Porém, tal acordo entre as partes da relação de trabalho, que, no essencial, prevê a «compra» das férias anuais, viola claramente o disposto no artigo 7.°, n.° 2, da Directiva 2003/88, que dispõe expressamente que o período mínimo de férias anuais remuneradas não pode ser substituído por uma retribuição financeira. Tal acordo também seria contra os interesses do empregador, uma vez que este, não obstante pagar uma remuneração mais elevada, não poderia exigir ao trabalhador o uso efectivo das férias gozadas para a sua convalescença, a fim de restabelecer a sua capacidade de trabalho.

81.      Para proteger o trabalhador e o empregador, bem como para evitar que o direito fundamental a ferias mínimas anuais remuneradas consagrado no direito comunitário seja privado do seu conteúdo, deve considerar‑se que o trabalhador não pode, em princípio, dispor deste direito fundamental, não lhe sendo, por conseguinte, permitido renunciar validamente ao mesmo.

5.      Conclusão

82.      Das considerações antecedentes decorre, portanto, que a existência do direito a férias anuais remuneradas não pode ser condicionado à capacidade para o trabalho do trabalhador, pelo que um trabalhador incapaz para o trabalho por motivo de doença também tem, em princípio, direito a férias anuais nos termos do artigo 7.°, n.° 1, da Directiva 2003/88. No entanto, não pode gozar estas férias durante um período em que, de outro modo, estaria de baixa médica.

B –    Quanto à segunda questão

83.      O alcance normativo do direito a uma remuneração compensatória pelas férias não gozadas, previsto no artigo 7.°, n.° 2, da Directiva 2003/88, constitui o objecto da segunda questão prejudicial. A remuneração compensatória, ou seja, o pagamento de férias anuais não gozadas, substitui a concessão de tempo livre, sempre que as férias deixem de poder ser concedidas em consequência da cessação da relação de trabalho. Este direito constitui a única excepção ao princípio da proibição de pagamento previsto pela directiva, que, de resto, proíbe categoricamente as partes de um contrato de trabalho de substituírem as férias anuais – independentemente da questão de saber se deviam ser gozadas durante o ano em curso ou no período de transferência – por uma retribuição financeira.

84.      Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, essa proibição visa assegurar que o trabalhador possa normalmente beneficiar de descanso efectivo, a fim de garantir uma protecção eficaz da sua segurança e da sua saúde (55). Assim, deve evitar‑se a «compra» abusiva do direito a férias pela entidade patronal e a renúncia do trabalhador a esse direito motivada por considerações de índole meramente financeira (56).

85.      O artigo 7.°, n.° 2, da Directiva 2003/88 sublinha a função da manutenção do pagamento do salário durante o período de férias, que consiste em colocar o trabalhador, durante as referidas férias, numa situação, relativamente ao salário, comparável à dos períodos de trabalho (57). Por outras palavras, a exigência desse pagamento das férias garante que o trabalhador esteja economicamente em posição de gozar de forma efectiva as suas férias anuais (58). A remuneração compensatória por férias não gozadas tem o mesmo objectivo. Com efeito, a retribuição financeira paga em substituição deve, em princípio, permitir ao trabalhador, também após o termo da relação laboral, gozar de um período de férias remuneradas, antes de iniciar uma nova relação de trabalho (59). Por conseguinte, a supressão desta retribuição obstaria a que o objectivo de proporcionar descanso ao trabalhador prosseguido pela Directiva 2003/88 fosse alcançado.

86.      No acórdão Robinson‑Steele (60), o Tribunal de Justiça declarou que a Directiva 2003/88 regula o direito a férias anuais e ao pagamento do salário durante as férias como duas vertentes de um único direito. A meu ver, esta identidade de funções entre o direito a um salário e a uma remuneração compensatória constitui justamente um argumento a favor de que esta última seja igualmente tratada como uma parte inseparável do direito a um período mínimo de férias anuais remuneradas.

87.      Nesta medida, da resposta dada à primeira parte da primeira questão prejudicial decorre já a resposta à segunda questão. Além disso, desejo remeter neste contexto para os resultados a que cheguei nos n.os 77 e 78 das minhas conclusões no processo C‑350/06 (Schultz‑Hoff), também pendente. De acordo com esses resultados, o direito a férias anuais remuneradas não pode ser subordinado à capacidade para o trabalho do trabalhador. Mas isto não é tudo. Tanto de uma interpretação teleológica do artigo 7.° da Directiva 2003/88 , como dos princípios subjacentes ao artigo 5.°, n.° 4, da Convenção n.° 132 da OIT , decorre que o período de doença deve ser equiparado ao período de serviço, uma vez que está em causa uma ausência por motivos independentes da vontade da pessoa empregada e que está, por conseguinte, justificada.

88.      No mesmo período verifica‑se, por isso, a constituição de todos os direitos do trabalhador, incluindo o direito a férias anuais remuneradas, que podem ser gozadas quando tenha recuperado a capacidade para o trabalho, ou – em caso de cessação da relação de trabalho – ser substituídas pelo pagamento de uma remuneração compensatória, inclusivamente nos casos de incapacidade total.

89.      Por conseguinte, deve responder‑se à segunda questão que, no caso de cessação da relação de trabalho, os trabalhadores têm sempre, em conformidade com o artigo 7.°, n.° 2, da Directiva 2003/88, direito a uma retribuição financeira em substituição do direito a férias adquirido mas não gozado por motivo de doença. O mesmo se aplica quando o trabalhador, durante todo ou parte do ano em que as férias deviam ser gozadas, esteve ausente por doença.

90.      No que respeita à questão do cálculo desta retribuição financeira compensatória, há que responder que o artigo 7.°, n.° 2, da Directiva 2003/88 não impõe nenhum método de cálculo determinado, deixando antes ao legislador nacional a adopção de normas precisas. No entanto, na medida em que os trabalhadores têm, por princípio, direito a uma remuneração compensatória, no cálculo do valor desta remuneração deve tomar‑se em consideração o facto de o trabalhador ter adquirido originariamente um direito a uma remuneração durante as férias no valor da sua remuneração habitual. Daí decorre o dever de os Estados‑Membros assegurarem, ao abrigo do artigo 7.°, n.° 2, da Directiva 2003/88, que o valor da retribuição financeira compensatória recebida pelo trabalhador seja equivalente ao da sua remuneração habitual.

VII – Conclusão

91.      Tendo em conta as observações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que responda ao pedido de decisão prejudicial da House of Lords nos seguintes termos:

«1.      O artigo 7.°, n.° 1, da Directiva 2003/88/CE deve ser interpretado no sentido de que um trabalhador que se encontre de baixa médica por tempo indeterminado tem direito, durante um período em que, de outro modo, estaria de baixa médica, a solicitar férias anuais remuneradas para um período futuro.

No entanto, não pode gozar estas férias durante um período em que, de outro modo, estaria de baixa médica.

2.      O artigo 7.°, n.° 2, da Directiva 2003/88/CE deve ser interpretado no sentido de que, em caso de cessação da relação de trabalho, os trabalhadores têm sempre direito a uma retribuição financeira em substituição do direito a férias adquirido mas não gozado por motivo de doença (remuneração compensatória). O mesmo se aplica quando o trabalhador, durante todo ou parte do ano em que as férias deviam ser gozadas, esteve ausente por doença.

No cálculo do valor dessa remuneração deve assegurar‑se que o valor da retribuição financeira compensatória recebida pelo trabalhador seja equivalente ao da sua remuneração habitual.»


1 – Língua original: alemão.


2 – JO L 299, p. 9.


3 – JO L 307, p. 18.


4 – Com excepção de C. Stringer, todos os recorrentes no processo principal constituíram mandatário no presente recurso. Embora C. Stringer também não disponha de mandatário no processo perante a House of Lords, o seu nome permaneceu na designação do processo no tribunal nacional.


5 – V. acórdão fundamental de 8 de Abril de 1976, Royer (48/75, Colect., p. 221, n.os 69 e 73), segundo o qual «os Estados‑Membros são obrigados a escolher, no âmbito da liberdade que lhes é deixada pelo artigo [249.° CE], as formas e meios mais adequados a fim de assegurar o efeito útil das directivas, tendo em conta o respectivo objectivo».


6 – V. Stärker, L. – Kommentar zur EU‑Arbeitszeit‑Richtlinie, Viena, 2006, p. 81.


7 – Acórdãos de 26 de Junho de 2001, BECTU (C‑173/99, Colect., p. I‑4881, n.° 37); de 9 de Setembro de 2003, Jaeger (C‑151/02, Colect., p. I‑8389, n.os 45 e 47); de 5 de Outubro de 2004, Pfeiffer e o. (C‑397/01 a C‑403/01, Colect., p. I‑8835, n.° 91); e de 1 de Dezembro de 2005, Dellas e o. (C‑14/04, Colect., p. I‑10253, n.° 40).


8 – Acórdãos de 3 de Outubro de 2000, Simap (C‑303/98, Colect., p. I‑7963, n.° 49); BECTU (já referido na nota 7, n.° 38); Jaeger (já referido na nota 7, n.° 46); de 12 de Outubro de 2004, Wippel (C‑313/02, Colect., p. I‑9483, n.° 47); e Dellas e o. (já referido na nota 7, n.° 41).


9 – Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada em 10 de Dezembro de 1948 pela Resolução 217A (III) da Assembleia Geral das Nações Unidas.


10 – Carta Social Europeia, aberta à assinatura pelos Estados‑Membros do Conselho da Europa em Turim, em 18 de Outubro de 1961, e com entrada em vigor em 26 de Fevereiro de 1965. O seu artigo 2.°, ponto 3, dispõe que, com vista a assegurar o exercício efectivo do direito a condições de trabalho justas, as partes contratantes comprometem‑se a assegurar um período anual de férias pagas de, pelo menos, duas semanas.


11 – O Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais foi aprovado por unanimidade, em 19 de Dezembro de 1966, pela Assembleia Geral das Nações Unidas. O seu artigo 7.°, alínea d), dispõe que «[o]s Estados Partes no presente Pacto reconhecem o direito de todas as pessoas de gozar de condições de trabalho justas e favoráveis que assegurem, em especial[,] [r]epouso, lazer e limitação razoável das horas de trabalho e férias periódicas pagas, bem como remuneração nos dias de feriados públicos».


12 – Convenção n.° 132, sobre as férias anuais remuneradas (revista em 1970), adoptada no quadro da Conferência Geral da Organização Internacional do Trabalho, em 24 de Junho 1970, e que entrou em vigor em 30 de Junho de 1973.


13 – Convenção n.° 52, sobre as férias anuais pagas, adoptada pela Conferência Geral da Organização Internacional de Trabalho, em 24 de Junho de 1936, e que entrou em vigor em 22 de Setembro de 1939. Esta Convenção foi revista pela Convenção n.° 132, permanecendo, porém, aberta para ratificação.


14 – Zuleeg, M. – «Der Schutz sozialer Rechte in der Rechtsordnung der Europäischen Gemeinschaft», Europäische Grundrechte‑Zeitschrift, 1992, fasc. 15/16, p. 331, sublinha que os actos não juridicamente vinculativos, como a Carta Comunitária dos Direitos Sociais Fundamentais dos Trabalhadores se destinam, essencialmente, a ser uma orientação programática. Só obtêm relevância jurídica quando os órgãos jurisdicionais os consultam para interpretação ou desenvolvimento do direito. Balze, W. – «Überblick zum sozialen Arbeitsschutz in der EU», Europäisches Arbeits‑ und Sozialrecht, 38.° suplemento de 1998, n.° 4, observa correctamente que, apesar de a Carta Comunitária dos Direitos Sociais Fundamentais dos Trabalhadores não ter, em si mesma, enquanto declaração solene, efeitos jurídicos vinculativos, foi essencial para desencadear o programa de acção da Comissão adoptado no final de 1989 e destinado a aplicar a Carta Comunitária dos Direitos Fundamentais dos Trabalhadores, de 28 de Novembro de 1989. O programa de acção previa um total de 23 propostas concretas de directivas, designadamente em matéria de protecção da segurança e da saúde dos trabalhadores, que foram, no essencial, transpostas até 1993. Daqui decorre que também as declarações solenes, como fonte de inspiração para a actividade legislativa, podem, em última instância, adquirir importância na concretização dos direitos sociais fundamentais nelas proclamados.


15 – Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, proclamada em Nice em 7 de Dezembro de 2000 (JO C 364, p. 1).


16 – À mesma conclusão chegou o advogado‑geral A. Tizzano, nas suas conclusões apresentadas em 8 de Fevereiro de 2001 no processo BECTU (C‑173/99, Colect. 2001, pp. I‑4881, I‑4883, n.° 26).


17 – A Carta Comunitária dos Direitos Sociais dos Trabalhadores foi adoptada pelos Chefes de Estado e de Governo dos Estados‑Membros da Comunidade Europeia, em 9 de Dezembro de 1989, em Estrasburgo. O ponto 8 da Carta Comunitária prevê que «[t]odos os trabalhadores da Comunidade Europeia têm direito ao repouso semanal e a férias anuais pagas, cuja duração deve ser aproximada no progresso, de acordo com as práticas nacionais». Eichenhofer, E. – Handbuch des EU‑Wirtschaftsrechts (edição de Dauses, M. A.), Munique 2004, tomo 1, D. III., n.os 38 e 39, refere‑se expressamente, neste contexto, ao direito a férias remuneradas como um «direito social fundamental» previsto na Carta Comunitária.


18 – V., a este respeito, Rengeling, H.‑W. – Grundrechte in der Europäischen Union, Colónia 2004, n.° 1016, p. 812.


19 – Riedel, E. – Charta der Grundrechte der Europäischen Union (edição de Jürgen Meyer), 2.a edição, Baden‑Baden 2006, Art. 31.°, n.° 20, considera que a importância do artigo 31.°, n.° 2, da Carta dos Direitos Fundamentais consiste, essencialmente, em ter consagrado indiscutivelmente como direitos humanos reconhecidos a todas as pessoas, como mínimo social, os princípios da limitação da duração máxima do trabalho, do período de descanso diário e semanal, mesmo no caso de relações laborais com períodos de trabalho variáveis ou por turnos, e das férias anuais pagas.


20 – Pronunciei‑me neste sentido, em último lugar, nas minhas conclusões de 3 de Maio de 2007 no processo Zefeser (C‑62/06, n.° 54 e nota 43), no contexto do direito a um processo equitativo assegurado pelo artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais. Anteriormente, já se tinham pronunciado neste sentido o advogado‑geral A. Tizzano nas suas conclusões no processo BECTU (já referidas na nota 16, n.° 28), bem como o advogado‑geral P. Léger nas suas conclusões de 10 de Julho de 2001 no processo Rat/Hautala (C‑353/99 P, Colect. 2001, pp. I‑9565, I‑9567, n.os 73 a 86). Também o Tribunal de Justiça se refere de forma crescente às disposições da Carta dos Direitos Fundamentais. V, por último, acórdão de 27 de Junho de 2006, Parlamento/Conselho (C‑540/03, Colect., p. I‑5769, n.° 38), remetendo para a referência à Carta contida nos considerandos da directiva aqui em causa, bem como os acórdãos de 13 de Março de 2007, Unibet (C‑432/05, n.° 37), e de 3 de Maio de 2007, Advocaten voor de Wereld (C‑303/05, n.° 46).


21 – V., a este respeito, Poiares Maduro, M. – «The double constitutional life of the Charter of Fundamental Rights», Unión Europea y derechos fundamentales en perspectiva constitucional, Madrid 2004, p. 306; Schmitz, T. – «Die Charta der Grundrechte der Europäischen Union als Konkretisierung der gemeinsamen europäischen Werte», Die Europäische Union als Wertegemeinschaft, Berlim 2005, p. 85, bem como Beyer, U./Oehme, C./Karmrodt, F. – «Der Einfluss der Europäischen Grundrechtecharta auf die Verfahrensgarantien im Unionsrecht», Beiträge zum Transnationalen Wirtschaftsrecht, fasc. 34, Novembro de 2004, p. 14. García Perrote Escartín, I. – «Sobre el derecho de vacaciones», Scritti in memoria di Massimo D’Antona, tomo 4 (2004), p. 3586, presume que o direito a férias anuais remuneradas, como está consagrado no artigo 40.°, n.° 2, da Constituição espanhola, constitui o corolário de todos os instrumentos internacionais de protecção dos direitos fundamentais. Considera que estes instrumentos contribuíram, no seu todo, para a formação de uma consciência universal ou mesmo especificamente europeia relativamente à existência daquele direito social fundamental.


22 – Segundo o direito comunitário, incumbe, em primeira linha, aos Estados‑Membros regular a matéria das condições de trabalho. Diversos textos constitucionais contêm garantias relativamente às condições de trabalho que abrangem o direito dos trabalhadores ao descanso. Assim, o artigo 11.°, n.° 5, da Constituição luxemburguesa e o artigo 40.°, n.° 2, da Constituição espanhola obrigam o Estado a criar condições de trabalho saudáveis e a assegurar o descanso dos trabalhadores, e/ou a velar por isso (v. González Ortega, S. – «El disfrute efectivo de la vacaciones anuales retribuidas: una cuestión de derecho y de libertad personal, de seguridad en el trabajo y de igualdad», Revista española de derecho europeo, n.° 11 [2004], pp. 423 e segs.). Uma regulamentação muito mais pormenorizada, que corresponde de forma mais aproximada à formulação do artigo 31.° da Carta, encontra‑se no artigo 36.° da Constituição italiana, que prevê, designadamente, um direito a um dia de descanso semanal e a férias anuais remuneradas. A Constituição portuguesa parece ter sido um dos modelos das disposições da Carta, uma vez que o seu artigo 59.°, n.° 1, alínea d), estabelece o direito ao repouso e aos lazeres, a um limite máximo da jornada de trabalho, ao descanso semanal e a férias periódicas pagas (v. Vieira de Andrade, J. C. – «La protection des droits sociaux fondamentaux dans l’ordre juridique du Portugal», La protection des droits sociaux fondamentaux dans les États membres de l’Union européenne – Étude de droit comparé, Atenas/Bruxelas/Baden‑Baden 2000, p. 677). Na maioria dos antigos Estados‑Membros da União Europeia, o direito a um período mínimo de férias anuais remuneradas tem por base leis ordinárias que reproduzem as disposições de direito derivado relevantes previstas nas directivas, no que diz respeito aos domínios de aplicação do direito comunitário. Em contrapartida, os novos Estados‑Membros, com excepção do Chipre, apresentam uma codificação muito pormenorizada deste direito. Isto é válido, nomeadamente, para o artigo 36.°, alínea f), da Constituição eslovaca, o artigo 66.°, n.° 2, da Constituição polaca, o artigo 70.°/B, n.° 4, da Constituição húngara, o artigo 107.° da Constituição letã e o artigo 49.°, n.° 1, da Constituição lituana, que garantem um período mínimo de férias anuais remuneradas. As Constituições da Eslovénia (artigo 66.°), da República Checa (artigo 28.°) e da Estónia (artigo 29.°, n.° 4) fazem referência às condições de trabalho em geral (v. Riedel, E., já referido na nota 19, artigo 31.°, n.os 3 e 4).


23 – Segundo Smismans, S. – «The Open Method of Coordination and Fundamental Social Rights», Social Rights in Europe (edição de Gráinne de Búrca e Bruno de Witte), Oxford 2005, p. 229, em processos perante o Tribunal de Justiça, colocar‑se‑á, necessariamente, a questão da articulação entre o artigo 7.° da Directiva 2003/88 e os direitos fundamentais, em especial o artigo 31.°, n.° 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. De acordo com Krebber, S. – Kommentar zu EU‑Vertrag und EG‑Vertrag (edição de Christian Calliess/Matthias Ruffert), 1.ª edição, Neuwied 1999, artigo 136.° CE, n.° 35, p. 1365, a Carta Social Europeia e a Carta Comunitária fornecem elementos importantes para interpretar os conceitos de direito do trabalho no plano do direito comunitário. Stärker, L. – Kommentar zur EU‑Arbeitszeit‑Richtlinie, Viena 2006, p. 81, atribui, aparentemente, ao artigo 31.°, n.° 2, da Carta dos Direitos Fundamentais um carácter normativo, salientando que esta disposição impõe a previsão de férias anuais remuneradas. Segundo Benedetti, G. – «La rilevanza giuridica della Carta Europea innanzi alla Corte di Giustizia: il problema delle ferie annuali retribuite», Carta Europea e diritti dei privati, 2000, pp. 128 e 129, apesar de não ser juridicamente vinculativa, a Carta dos Direitos Fundamentais não pode ser ignorada num litígio sobre o alcance do direito a um período mínimo de férias anuais remuneradas, uma vez que esta contém declarações que reflectem as tradições constitucionais comuns dos Estados‑Membros. Por conseguinte, a mesma tem por função servir de ponto de referência ou de elemento auxiliar na interpretação do direito comunitário.


24 – Acórdãos de 6 de Abril de 2006, Federatie Nederlandse Vakbeweging (C‑124/05, Colect., p. I‑3423, n.° 28); Dellas e o. (já referido na nota 8, n.° 49); de 18 de Março de 2004, Merino Gómez (C‑342/01, Colect., p. I‑2605, n.° 29); e BECTU (já referido na nota 7, n.° 43).


25 – Acórdão BECTU (já referido na nota 7, n.° 44).


26 – Acórdão de 16 de Março de 2006, Robinson‑Steele (C‑131/04 e C‑257/04, Colect., p. I‑2531, n.° 57).


27 – Acórdão BECTU (já referido no nota 7, n.° 53).


28 – Nestes termos, as alegações da Comissão no processo BECTU, reproduzidas pelo advogado‑geral A. Tizzano nas conclusões que apresentou nesse processo (já referidas na nota 16, n.° 34).


29 – V. os n.os 45 a 49 das minhas conclusões no processo C‑350/06 (Schultz‑Hoff).


30 – No acórdão BECTU (já referido na nota 7, n.° 61), o Tribunal de Justiça declarou que a Directiva 93/104 não impede os Estados‑Membros «de ad[o]ptarem as modalidades de exercício do direito a férias anuais remuneradas através de uma regulamentação, por exemplo, do modo como os trabalhadores podem gozar as férias anuais a que têm direito durante as […] primeiras semanas de emprego».


31 – Contudo, é precisamente isso que não é permitido aos Estados‑Membros (v. acórdão BECTU, já referido na nota 7, n.° 52). Segundo este acórdão, a directiva obsta a que os Estados‑Membros limitem unilateralmente o direito a férias anuais remuneradas conferido a todos os trabalhadores, aplicando uma condição de concessão do referido direito que tem por efeito excluir certos trabalhadores da possibilidade de beneficiarem deste último.


32 – O artigo 137.° CE constitui a norma de habilitação mais importante para a aprovação de directivas em matéria política social. Esta norma exige que a harmonização tenha uma finalidade específica, que resulta da combinação dos seus n.os 1 e 2. Assim, a harmonização deve realizar‑se com o fim de promover a função auxiliar e complementar da actividade da Comunidade nos domínios mencionados no n.° 1, alíneas a) a i). Entre estes inclui‑se, nos termos do n.° 1, alínea a), a protecção da saúde e da segurança dos trabalhadores. A base jurídica anterior era o artigo 118.° do Tratado CE, que apresentava igualmente uma orientação primordialmente social e se diferenciava, neste aspecto, da outra norma de competência prevista no artigo 100.°‑A do Tratado CE (artigo 94.° CE), cuja finalidade era a aproximação das disposições relativas ao mercado interno (v. Krebber, S., já referido na nota 23, artigo 137.° CE, n.° 18, p. 1373).


33 – Acórdão de 12 de Novembro de 1996, Reino Unido/Conselho (C‑84/94, Colect., p. I‑5755, n.° 56).


34 – Balze, W., já referido na nota 14, suplemento n.° 38, 1998, n.° 3.


35 – Acórdão Reino Unido/Conselho (já referido na nota 33, n.° 42). Balze, W. – «Arbeitszeit, Urlaub und Teilzeitarbeit», Europäisches Arbeits‑ und Sozialrecht, suplemento n.° 79 (Outubro de 2002), B 3100, n.° 6, p. 9, considera as disposições da directiva relativa ao tempo de trabalho prescrições mínimas na acepção do artigo 137.° CE, pelo que os Estados‑Membros podem adoptar ou manter disposições mais rigorosas em matéria de tempo de trabalho. No entanto, nos termos do artigo 14.° da Directiva 2003/88, as normas comunitárias mais específicas afastam as disposições da directiva, independentemente de o seu nível de protecção ser inferior ao da directiva relativa ao tempo de trabalho.


36 – V. acórdãos Robinson‑Steele (já referido na nota 26, n.° 62) e BECTU (já referido na nota 7, n.° 41). Neste sentido, também Balze, W. – «Die Richtlinie über die Arbeitszeitgestaltung», Europäische Zeitschrift für Wirtschaftsrecht, n.° 7 (1994), p. 207, que não vê qualquer hipótese de derrogação do conteúdo desta disposição.


37 – A este respeito, há que recordar que, nos termos do sexto considerando da Directiva 2003/88, deve ter‑se em conta, relativamente à organização do tempo de trabalho, os princípios da OIT. A advogada‑geral J. Kokott faz igualmente referência a esta circunstância na nota 8 das suas conclusões apresentadas em 12 de Janeiro de 2006 no processo Federatie Nederlandse Vakbeweging (acórdão já referido na nota 24). Parece‑me indispensável uma interpretação da Directiva 2003/88 tendo em consideração os princípios essenciais da Convenção n.° 132 da OIT, dado que o regime da OIT estabeleceu padrões internacionais determinantes no domínio do direito do trabalho. De um exame breve resulta que existe um elevado grau de convergência entre ambos os instrumentos jurídicos. No entanto, numa análise mais aprofundada, não se pode ignorar que algumas disposições da Directiva 2003/88 ultrapassam aquilo que a Convenção n.° 132 da OIT impõe. Por esta razão, pode afirmar‑se, com razão, acerca da Directiva 2003/88 que esta consiste num desenvolvimento especificamente comunitário desta Convenção (v. Murray, J. – Transnational Labour Regulation: The ILO and EC Compared, Haia 2001, p. 185).


38 – Nestas condições, não é necessária uma análise da questão de saber em que medida os Estados‑Membros estão vinculados a obrigações materialmente distintas previstas pela Convenção n.° 132 da OIT e pela Directiva 2003/88. V., a este respeito, as observações do advogado‑geral A. Tesauro nas conclusões que apresentou em 24 de Janeiro de 1991 no processo Stöckel (C‑345/89, Colect., p. I‑4047, n.° 11).


39 – De modo semelhante, também se pronunciou aparentemente o advogado‑geral A. Tizzano, que, no n.° 50 das suas conclusões no processo BECTU (acórdão já referido na nota 7), expressa dúvidas quanto à compatibilidade com o direito comunitário de uma regulamentação nacional que priva os trabalhadores do direito de adquirir férias a partir do primeiro dia de trabalho.


40 – Neste sentido, v. também García Perrote Escartín, I., já referido na nota 22, p. 3584, em especial p. 3595.


41 – Acórdão Merino Gómez (já referido na nota 24).


42 – Acórdão Federatie Nederlandse Vakbeweging (já referido na nota 24).


43 – Directiva do Conselho, de 19 de Outubro de 1992, relativa à implementação de medidas destinadas a promover a melhoria da segurança e da saúde das trabalhadoras grávidas, puérperas ou lactantes (JO L 348, p.1).


44 – Directiva do Conselho, de 9 de Fevereiro de 1976, relativa à concretização do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção profissionais e às condições de trabalho (JO L 39, p. 40; EE 05 F2 p. 70).


45 – Acórdãos Merino Gómez (já referido na nota 24, n.° 32); de 27 de Outubro de 1998, Boyle e o. (C‑411/96, Colect., p. I‑6401, n.° 41); de 30 de Abril de 1998, Thibaut (C‑136/95, Colect., p. I‑2011, n.° 25); de 14 de Julho de 1994, Webb (C‑32/93, Colect., p. I‑3567, n.° 20); de 5 de Maio de 1994, Habermann‑Beltermann (C‑421/92, Colect., p. I‑1657, n.° 21); e de 12 de Julho de 1984, Hofmann (184/83, Recueil, p. 3047, n.° 25).


46 – Acórdão Merino Gómez (já referido na nota 24, n.° 38).


47 – Acórdãos Federatie Nederlandse Vakbeweging (já referido na nota 24, n.° 24) e de 14 de Abril de 2005, Comissão/Luxemburgo (C‑519/03, Colect., p. I‑3067, n.° 33).


48 – Acórdãos Federatie Nederlandse Vakbeweging (já referido na nota 24, n.° 24), Comissão/Luxemburgo (já referido na nota 47, n.° 33) e Merino Gómez (já referido na nota 24, n.° 41).


49 – González Ortega, S., já referido na nota 22, p. 432, considera que a primeira fase da licença de maternidade se destina à reabilitação física e à protecção biológica da mãe após o parto. Por conseguinte, prossegue um objectivo diferente do da outra fase desta licença, destinada a promover a assistência à criança, bem como o fomento da relação entre a mãe e a criança. O autor traça um paralelo entre a primeira fase da licença de maternidade e a baixa por motivo de doença e defende, por conseguinte, uma aplicação analógica da jurisprudência relativa à relação entre a licença de maternidade e as férias anuais à relação entre a baixa por motivo de doença e as férias anuais.


50 – N.° 13 do despacho de reenvio da House of Lords de 13 de Dezembro de 2006.


51 – N.° 22 das observações do Governo do Reino Unido de 13 de Abril de 2007.


52 – Segundo Fischinger, P. – «Der Grundrechtsverzicht» , Juristische Schulung (2007), fasc. 9, p. 808, deve entender‑se por renúncia a um direito fundamental o consentimento do titular de um direito fundamental em ingerências concretas nos seus direitos fundamentais e na lesão dos mesmos. Ao invés, não se deve entender por essa renúncia uma renúncia total e duradoura, na prática quase inimaginável, à protecção de um ou vários direitos fundamentais. A renúncia a direitos fundamentais assim entendida deve, em qualquer caso, ser estritamente distinguida do mero não uso fáctico do direito fundamental. Ao contrário do mero não uso fáctico de liberdades fundamentais, a esta renúncia é inerente um elemento jurídico, dado que a pessoa que dá o consentimento está de tal forma vinculado a este que posteriormente não pode invocar a ilicitude da ingerência no direito fundamental. Também se demarca claramente da renúncia a direitos fundamentais a designada dimensão negativa dos direitos fundamentais, que implica, designadamente, o direito dos indivíduos de não terem qualquer opinião ou de não pertencerem a nenhuma comunidade religiosa. No parecer de Adam, R. – «Der Grundrechtsverzicht des Arbeitnehmers» , Arbeit und Recht (2005), fasc. 4, p. 130, existe uma renúncia quando um direito fundamental do trabalhador é restringido por contrato ou através do poder de direcção do empregador sem cedências recíprocas, como ocorre numa transacção. No caso da utilização do direito a férias no período de doença não se pode falar de uma cedência do empregador, uma vez que este se obriga unicamente a pagar ao trabalhador a remuneração habitual, sem que este seja indemnizado pelo sacrifício das suas férias anuais.


53 – O abuso de direito é definido como o exercício de uma posição jurídica em violação da sua finalidade e restringe a possibilidade de exercer um direito existente. Tal significa que o exercício de um direito formalmente reconhecido está limitado pelo princípio da boa fé. Do mesmo modo, quem tem um direito formalmente exequível não o pode exercer abusivamente. De modo semelhante, Creifelds, Rechtswörterbuch (edição de Klaus Weber), 17ª edição, Munique 2002, p. 1109, para quem um direito sujectivo é exercido com abuso do direito quando o exercício do direito, embora respeitando formalmente a lei, viola a boa fé em virtude das circunstâncias particulares do caso concreto.


54 – No n.° 32 das suas conclusões no processo Federatie Nederlandse Vakbeweging (acórdão já referido no n.° 24), a advogada‑geral J. Kokott assinala a existência de um risco semelhante no caso de uma compensação financeira pelas férias anuais mínimas transferidas. Na sua opinião, esta possibilidade cria estímulos incompatíveis com os objectivos da directiva relativa ao tempo de trabalho para prescindir de períodos de descanso ou incitar os trabalhadores a fazê‑lo.


55 – Acórdãos BECTU (já referido na nota 7, n.° 44), Merino Gómez (já referido na nota 24, n.° 30) e Robinson‑Steele (já referido na nota 26, n.° 60).


56 – No acórdão Federatie Nederlandse Vakbeweging (já referido na nota 24, n.° 32), o Tribunal de Justiça declarou que a possibilidade de substituir as férias anuais mínimas por uma compensação financeira constituiria um estímulo, incompatível com os objectivos da directiva, para prescindir de períodos de descanso ou incitar os trabalhadores a fazê‑lo. Fenski, M. – «Urlaubsrecht im Umbruch?», Der Betrieb, fasc. 12 (2007), p. 688, bem como Jacobsen, K. – Münchener Anwaltshandbuch Arbeitsrecht (edição de Wilhelm Moll), 1.ª edição de 2005, § 25, n.° 102, referem‑se à prática intolerável de «comprar» as férias durante a existência da relação de trabalho.


57 – Acórdão Robinson‑Steele (já referido na nota 26, n.° 58).


58 – Bogg, A. L. – «The right to paid annual leave in the Court of Justice: the eclipse of functionalism», European Law Review, tomo 31 (2006), n.° 6, p. 899.


59 – Neste sentido, também as conclusões apresentadas pelo advogado‑geral A. Tizzano no processo BECTU (já referido na nota 7, n.° 38).


60 – Já referido na nota 26, n.° 58.