Language of document : ECLI:EU:T:2023:529

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Grande Secção)

13 de setembro de 2023 (*)

«Política externa e de segurança comum — Medidas restritivas adotadas tendo em conta a situação na Venezuela — Proibição de venda, fornecimento, transferência ou exportação de determinados bens e serviços — Direito de ser ouvido — Dever de fundamentação — Inexatidão material dos factos — Erro manifesto de apreciação — Direito internacional público»

No processo T‑65/18 RENV,

República Bolivariana da Venezuela, representada por F. Di Gianni, P. Palchetti, C. Favilli e A. Scalini, advogados,

recorrente,

contra

Conselho da União Europeia, representado por M. Bishop e A. Antoniadis, na qualidade de agentes,

recorrido,

O TRIBUNAL GERAL (Grande Secção),

composto por: M. van der Woude, presidente, S. Papasavvas, D. Spielmann, A. Marcoulli, R. da Silva Passos, M. Jaeger, S. Frimodt Nielsen, H. Kanninen, S. Gervasoni, N. Półtorak, I. Reine (relatora), T. Pynnä, E. Tichy‑Fisslberger, W. Valasidis e S. Verschuur, juízes,

secretário: I. Kurme, administradora,

vistos os autos,

tendo em conta o Acórdão de 22 de junho de 2021, Venezuela/Conselho (Afetação de um Estado terceiro) (C‑872/19 P, EU:C:2021:507),

após a audiência de 3 de março de 2023,

profere o presente

Acórdão

1        Com o seu recurso baseado no artigo 263.o TFUE, a República Bolivariana da Venezuela pede a anulação, em primeiro lugar, dos artigos 2.o, 3.o, 6.o e 7.o do Regulamento (UE) 2017/2063 do Conselho, de 13 de novembro de 2017, que impõe medidas restritivas tendo em conta a situação na Venezuela (JO 2017, L 295, p. 21, a seguir «regulamento impugnado»), em segundo lugar, do Regulamento de Execução (UE) 2018/1653 do Conselho, de 6 de novembro de 2018, que dá execução ao regulamento impugnado (JO 2018, L 276, p. 1), na medida em que lhe diz respeito, e, em terceiro lugar, da Decisão (PESC) 2018/1656 do Conselho, de 6 de novembro de 2018, que altera a Decisão (PESC) 2017/2074 relativa a medidas restritivas tendo em conta a situação na Venezuela (JO 2018, L 276, p. 10), na medida em que lhe diz respeito.

 Antecedentes do litígio

2        Em 13 de novembro de 2017, o Conselho da União Europeia adotou a Decisão (PESC) 2017/2074, relativa a medidas restritivas tendo em conta a situação na Venezuela (JO 2017, L 295, p. 60). Em primeiro lugar, esta decisão contém, em substância, uma proibição de exportar para a Venezuela ou com destino a este país de armas, equipamento militar ou qualquer outro equipamento que possa ser utilizado para fins de repressão interna, bem como de equipamento, tecnologia ou software de vigilância. Em segundo lugar, contém uma proibição de prestar à Venezuela serviços financeiros, técnicos ou outros serviços relacionados com esses equipamentos e essas tecnologias. Em terceiro lugar, prevê a possibilidade de aplicar medidas de congelamento de fundos e de recursos económicos de pessoas, entidades e organismos. À data da sua adoção, a Decisão 2017/2074 ainda não incluía o nome de nenhuma pessoa ou entidade.

3        Nos termos do seu considerando 1, a Decisão 2017/2074 foi adotada devido à séria preocupação da União Europeia com a degradação contínua da democracia, do Estado de direito e dos direitos humanos na Venezuela.

4        Em 13 de novembro de 2017, o Conselho também adotou o regulamento impugnado, com base no artigo 215.o TFUE e na Decisão 2017/2074.

5        O artigo 2.o do regulamento impugnado enuncia:

«1. É proibido:

a)      Prestar, direta ou indiretamente, assistência técnica, serviços de corretagem e outros serviços relacionados com os produtos e as tecnologias enumerados na Lista Comum da [União] de Equipamento Militar (a seguir designada “Lista Militar Comum”) e com o fornecimento, o fabrico, a manutenção e a utilização dos produtos e as tecnologias enumerados na Lista Militar Comum a qualquer pessoa singular ou coletiva, entidade ou organismo na Venezuela ou para utilização nesse país;

b)      Financiar ou prestar, direta ou indiretamente, assistência financeira aos produtos e às tecnologias enumerados na Lista Militar Comum, incluindo, em particular, subvenções, empréstimos e seguros de crédito à exportação, bem como seguros e resseguros, para qualquer venda, fornecimento, transferência ou exportação de tais artigos, ou para a prestação de assistência técnica, serviços de corretagem e outros serviços conexos, direta ou indiretamente, a qualquer pessoa, entidade ou organismo na Venezuela ou para utilização nesse país.

[…]»

6        O artigo 3.o do regulamento impugnado dispõe:

«É proibido:

a)      Vender, fornecer, transferir ou exportar, direta ou indiretamente, equipamento suscetível de ser utilizado para fins de repressão interna, tal como enumerado no anexo I, originário ou não da União, a qualquer pessoa singular ou coletiva, entidade ou organismo na Venezuela, ou que se destinem a ser utilizados nesse país;

b)      Prestar assistência técnica, serviços de corretagem e outros serviços relacionados com o equipamento referido na alínea a), direta ou indiretamente, a qualquer pessoa singular ou coletiva, entidade ou organismo na Venezuela ou para utilização nesse país;

c)      Financiar ou prestar assistência financeira, incluindo, em particular, subvenções, empréstimos e seguros de crédito à exportação, bem como seguros e resseguros, relacionada com o equipamento referido na alínea a), direta ou indiretamente, a qualquer pessoa singular ou coletiva, entidade ou organismo na Venezuela ou para utilização nesse país.»

7        O artigo 4.o do regulamento impugnado prevê que, em derrogação dos artigos 2.o e 3.o deste regulamento, as autoridades competentes dos Estados‑Membros podem autorizar certas operações nas condições que considerem adequadas.

8        Nos termos do artigo 6.o do regulamento impugnado:

«1. É proibido vender, fornecer, transferir ou exportar, direta ou indiretamente, o equipamento, a tecnologia ou o software identificados no anexo II, originários ou não da União, a qualquer pessoa, entidade ou organismo na Venezuela ou para utilização nesse país, salvo se a autoridade competente do Estado‑Membro em causa, identificada nos sítios Web enumerados no anexo III, tiver autorizado previamente essa operação.

2. As autoridades competentes dos Estados‑Membros, identificadas nos sítios Web enumerados no anexo III, não podem conceder autorizações ao abrigo do n.o 1, se tiverem motivos razoáveis para determinar que o equipamento, a tecnologia ou o software em questão seriam utilizados para efeitos de repressão interna, pelo Governo, pelos organismos públicos, pelas empresas ou agências da Venezuela ou por qualquer pessoa ou entidade que atue em seu nome ou sob a sua direção.

3. O anexo II inclui o equipamento, a tecnologia ou o software destinado a ser utilizado principalmente para o controlo ou a interceção da Internet ou das comunicações telefónicas.

[…]»

9        O artigo 7.o, n.o 1, do regulamento impugnado enuncia:

«Salvo se a autoridade competente do Estado‑Membro em causa, identificada nos sítios Web enumerados no anexo III, tiver autorizado previamente essas atividades nos termos do artigo 6.o, n.o 2, é proibido:

a)      Prestar, direta ou indiretamente, assistência técnica ou serviços de corretagem relacionados com o equipamento, a tecnologia e o software identificados no anexo II, ou com a instalação, o fornecimento, o fabrico, a manutenção e a utilização do equipamento e da tecnologia identificados no anexo II, ou com o fornecimento, a instalação, o funcionamento ou a atualização do software identificado no anexo II, a qualquer pessoa, entidade ou organismo na Venezuela ou para utilização nesse país;

b)      Financiar ou prestar assistência financeira, direta ou indiretamente, relacionados com o equipamento, a tecnologia e o software identificados no anexo II, a qualquer pessoa, entidade ou organismo na Venezuela ou para utilização nesse país;

c)      Prestar qualquer tipo de serviços de controlo ou interceção de telecomunicações ou da Internet ao Governo, a organismos públicos, empresas e agências da Venezuela ou a quaisquer pessoas ou entidades que atuem em seu nome ou sob as suas orientações, ou em seu benefício direto ou indireto.»

10      O artigo 8.o do regulamento impugnado prevê, além disso, o congelamento dos ativos financeiros pertencentes a determinadas pessoas singulares ou coletivas, entidades ou organismos «que figurem nas listas constantes dos anexos IV e V [deste regulamento]». À data da adoção do regulamento impugnado, os referidos anexos não mencionavam o nome de nenhuma pessoa ou entidade.

11      Por força do artigo 20.o do regulamento impugnado, as medidas restritivas aplicam‑se:

«a)      No território da União, incluindo o seu espaço aéreo;

b)      A bordo de qualquer aeronave ou embarcação sob jurisdição de um Estado‑Membro;

c)      A todos os nacionais de qualquer Estado‑Membro, dentro ou fora do território da União;

d)      A todas as pessoas coletivas, entidades ou organismos, dentro ou fora do território da União, registados ou constituídos nos termos do direito de um Estado‑Membro;

e)      A todas as pessoas coletivas, entidades ou organismos para qualquer atividade económica exercida, total ou parcialmente, na União.»

12      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 6 de fevereiro de 2018, conforme adaptada por articulado apresentado em 17 de janeiro de 2019, a República Bolivariana da Venezuela interpôs um recurso destinado a obter a anulação pelo Tribunal Geral, em primeiro lugar, do regulamento impugnado, em segundo lugar, do Regulamento de Execução 2018/1653 e, em terceiro lugar, da Decisão 2018/1656, uma vez que as disposições destes atos lhe diziam respeito.

13      Por requerimento separado apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 3 de maio de 2018, o Conselho deduziu uma exceção de inadmissibilidade ao abrigo do artigo 130.o do Regulamento de Processo do Tribunal Geral.

14      Por Acórdão de 20 de setembro de 2019, Venezuela/Conselho (T‑65/18, a seguir «acórdão inicial», EU:T:2019:649), no que respeita ao regulamento impugnado, o Tribunal Geral declarou que, com o seu recurso, a República Bolivariana da Venezuela visava os artigos 2.o, 3.o, 6.o e 7.o deste regulamento. Em seguida, o Tribunal Geral julgou o recurso inadmissível nesta parte, com o fundamento de que o regulamento impugnado não dizia diretamente respeito à República Bolivariana da Venezuela e que, por conseguinte, esta não tinha legitimidade ativa. Consequentemente, o Tribunal Geral julgou o recurso inadmissível no que respeita ao Regulamento de Execução 2018/1653. No que se refere à Decisão 2018/1656, que altera a Decisão 2017/2074, o recurso foi julgado inadmissível com o fundamento de que a República Bolivariana da Venezuela não tinha pedido a anulação desta última decisão na sua petição inicial.

15      Por Acórdão de 22 de junho de 2021, Venezuela/Conselho (Afetação de um Estado terceiro) (C‑872/19 P, a seguir «acórdão proferido em sede de recurso», EU:C:2021:507), o Tribunal de Justiça, depois de ter considerado, a título preliminar, que o Tribunal Geral tinha decidido definitivamente sobre o recurso da República Bolivariana da Venezuela na parte em que se destinava à anulação do Regulamento de Execução 2018/1653 e da Decisão 2018/1656, anulou o acórdão inicial na medida em que este negou provimento a esse recurso na parte em que se destinava à anulação dos artigos 2.o, 3.o, 6.o e 7.o do regulamento impugnado.

16      O Tribunal de Justiça declarou que as medidas restritivas em causa produziam diretamente efeitos na situação jurídica da República Bolivariana da Venezuela. Assim, o Tribunal de Justiça julgou procedente o fundamento único do recurso interposto da decisão do Tribunal Geral e anulou o acórdão inicial quanto a este ponto.

17      Em conformidade com o artigo 61.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, o Tribunal de Justiça considerou que dispunha dos elementos necessários para decidir definitivamente sobre a admissibilidade do recurso da República Bolivariana da Venezuela.

18      Assim, por um lado, o Tribunal de Justiça declarou que a República Bolivariana da Venezuela tinha interesse em agir. Por outro lado, considerou que decorria da própria redação dos artigos 2.o, 3.o, 6.o e 7.o do regulamento impugnado que as proibições estabelecidas nessas disposições, sem prejuízo das medidas de derrogação ou de autorização que previam e que não estavam em causa no âmbito do litígio, não necessitavam de medidas de execução, na aceção do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE.

19      Por conseguinte, o Tribunal de Justiça declarou que «as condições previstas na terceira parte do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE [estavam] preenchidas» e que, por conseguinte, o recurso interposto pela República Bolivariana da Venezuela no Tribunal Geral era admissível na parte em que se destinava a obter a anulação dos artigos 2.o, 3.o, 6.o e 7.o do regulamento recorrido.

20      O Tribunal de Justiça, reservando para final a decisão quanto às despesas, remeteu o processo ao Tribunal Geral para que este decida quanto ao mérito.

 Pedidos das partes após remessa

21      A República Bolivariana da Venezuela conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular, em primeiro lugar, o regulamento impugnado, em segundo lugar, o Regulamento de Execução 2018/1653 e, em terceiro lugar, a Decisão 2018/1656, na parte em que as respetivas disposições lhe dizem respeito;

–        condenar o Conselho nas despesas.

22      O Conselho conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a República Bolivariana da Venezuela nas despesas.

 Questão de direito

23      Em apoio do seu recurso, a República Bolivariana da Venezuela invoca quatro fundamentos relativos, o primeiro, à violação do direito de ser ouvida, o segundo, à violação do dever de fundamentação, o terceiro, à inexatidão material dos factos e a um erro manifesto de apreciação da situação política na Venezuela e, o quarto, à imposição de contramedidas ilegais e à violação do direito internacional.

 Observações preliminares

 Quanto ao alcance do litígio

24      Cabe recordar que, por força do artigo 61.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, aplicável ao Tribunal Geral por força do artigo 53.o, primeiro parágrafo, do referido Estatuto, quando o recurso for julgado procedente e o processo for remetido ao Tribunal Geral para julgamento, este fica vinculado à solução dada às questões de direito na decisão do Tribunal de Justiça. Assim, na sequência da anulação pelo Tribunal de Justiça e da remessa do processo ao Tribunal Geral, este é chamado a pronunciar‑se, em aplicação do artigo 215.o do seu Regulamento de Processo, pelo acórdão do Tribunal de Justiça e deve pronunciar‑se sobre todos os fundamentos de anulação invocados pelo recorrente, com exclusão dos elementos do dispositivo não anulados pelo Tribunal de Justiça e das considerações que constituem o fundamento necessário dos referidos elementos, os quais transitaram em julgado (Acórdãos de 18 de novembro de 2020, H/Conselho, T‑271/10 RENV II, EU:T:2020:548, n.o 38, e de 21 de dezembro de 2021, Gmina Miasto Gdynia e Port Lotniczy Gdynia‑Kosakowo/Comissão, T‑263/15 RENV, não publicado, EU:T:2021:927, n.o 26).

25      No acórdão proferido em sede de recurso, o Tribunal de Justiça anulou o acórdão inicial na medida em que este julgou inadmissível o recurso da República Bolivariana da Venezuela destinado a obter a anulação dos artigos 2.o, 3.o, 6.o e 7.o do regulamento impugnado. Além disso, resulta dos n.os 75 e 76 do acórdão proferido em sede de recurso que o Tribunal de Justiça se pronunciou definitivamente sobre a admissibilidade do recurso na parte em que visa os referidos artigos deste regulamento.

26      Por outro lado, como o Tribunal de Justiça indicou no n.o 20 do acórdão proferido em sede de recurso, o acórdão inicial transitou em julgado em relação à inadmissibilidade do recurso no que diz respeito ao Regulamento de Execução 2018/1653 e à Decisão 2018/1656.

27      No n.o 82 da réplica, apresentada posteriormente à prolação do acórdão proferido em sede de recurso, a República Bolivariana da Venezuela reitera, no seu primeiro pedido, o pedido de anulação do Regulamento de Execução 2018/1653 e da Decisão 2018/1656. Ora, uma vez que a admissibilidade deste pedido, na parte em que visa a anulação dos atos acima referidos, foi definitivamente decidida no acórdão inicial, o pedido de anulação destes atos, na medida em que é reiterado na réplica, deve ser julgado inadmissível.

28      Daqui decorre que, no âmbito do presente processo, cabe ao Tribunal Geral pronunciar‑se unicamente sobre o mérito do conjunto dos fundamentos invocados pela República Bolivariana da Venezuela em apoio do seu pedido de anulação dos artigos 2.o, 3.o, 6.o e 7.o do regulamento impugnado.

 Quanto à natureza das medidas restritivas em causa

29      A título preliminar, importa salientar que o alcance, individual ou geral, das medidas restritivas previstas nos artigos 2.o, 3.o, 6.o e 7.o do regulamento impugnado tem uma incidência decisiva sobre o tipo e o alcance não só da fiscalização que deve ser exercida pelo Tribunal Geral mas também dos direitos de que a República Bolivariana da Venezuela poderia beneficiar. Por conseguinte, há que determinar se as referidas medidas restritivas revestem um alcance geral ou um alcance individual.

30      A este respeito, importa recordar que um regulamento que institui medidas restritivas pode comportar, por um lado, medidas restritivas de alcance geral, cujo âmbito de aplicação é determinado por referência a critérios objetivos, e, por outro, medidas restritivas individuais, dirigidas a pessoas singulares ou coletivas identificadas (v., neste sentido, Acórdão de 6 de setembro de 2018, Bank Mellat/Conselho, C‑430/16 P, EU:C:2018:668, n.os 55 e 56).

31      No caso em apreço, há que salientar que as medidas restritivas previstas nos artigos 2.o, 3.o, 6.o e 7.o do regulamento impugnado constituem, em conformidade com o artigo 215.o, n.o 1, TFUE, medidas que interrompem ou reduzem as relações económicas com um país terceiro no que respeita a determinados bens, a saber, equipamento suscetível de ser utilizado para fins de repressão interna e equipamento de comunicação cuja utilização pode ser desviada, bem como certos serviços. As referidas medidas não visam pessoas singulares ou coletivas identificadas, aplicando‑se antes a situações objetivamente determinadas e a uma categoria de pessoas consideradas de forma geral e abstrata.

32      Ao contrário do que a República Bolivariana da Venezuela sustenta, a simples menção ao «Governo […] da Venezuela» nos artigos 6.o, n.o 2, e 7.o, n.o 1, alínea c), do regulamento impugnado não pode pôr em causa esta conclusão. Com efeito, não se pode deixar de observar que estas disposições não visam a República Bolivariana da Venezuela, mas, no que respeita ao artigo 6.o, n.o 2, do referido regulamento, o «Governo, […] organismos públicos, […] empresas ou agências da Venezuela ou […] qualquer pessoa ou entidade que atue em seu nome ou sob a sua direção» e, no que respeita ao artigo 7.o, n.o 1, alínea c), do mesmo regulamento, o «Governo, […] organismos públicos, empresas e agências da Venezuela ou […] quaisquer pessoas ou entidades que atuem em seu nome ou sob as suas orientações, ou em seu benefício direto ou indireto», ou seja, categorias gerais e abstratas de pessoas ou entidades. Assim, a República Bolivariana da Venezuela não é nominalmente visada pelas disposições acima referidas.

33      Foi por esta razão que o Tribunal de Justiça declarou, no n.o 92 do acórdão proferido em sede de recurso, que o regulamento impugnado tem alcance geral «na medida em que contém disposições, como as dos seus artigos 2.o, 3.o, 6.o e 7.o, que proíbem categorias gerais e abstratas de destinatários de efetuarem certas transações com entidades igualmente visadas de forma geral e abstrata».

34      Daqui se conclui que as medidas restritivas previstas nos artigos 2.o, 3.o, 6.o e 7.o do regulamento impugnado constituem medidas restritivas de alcance geral.

35      É à luz destas considerações que importa examinar os fundamentos invocados pela República Bolivariana da Venezuela.

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do direito de ser ouvido

36      A República Bolivariana da Venezuela sustenta que beneficiava do direito de ser ouvida antes da adoção do regulamento impugnado, por força do direito internacional geral e dos princípios fundamentais da União, nomeadamente do artigo 41.o, n.o 2, alínea a), da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, tanto mais que tem legitimidade ativa. Uma vez que as medidas restritivas em causa a afetam, nenhuma razão poderia impedir a aplicação desse direito no caso em apreço.

37      Concretamente, a República Bolivariana da Venezuela lamenta o facto de o Conselho ter adotado o regulamento impugnado sem a informar nem a ouvir previamente, nomeadamente sobre as alegadas violações da Constituição venezuelana, dos princípios democráticos e dos direitos humanos.

38      O Conselho contesta a argumentação da República Bolivariana da Venezuela.

39      Há que salientar que, em conformidade com jurisprudência constante, o direito de ser ouvido no contexto de um procedimento administrativo que visa uma pessoa específica, o qual deve ser respeitado mesmo quando não exista regulamentação relativa ao procedimento, não pode ser transposto para o contexto do procedimento previsto no artigo 29.o TUE e do procedimento previsto no artigo 215.o TFUE que conduzem, como no caso em apreço, à adoção de medidas de alcance geral (v. Acórdão de 13 de setembro de 2018, Rosneft e o./Conselho, T‑715/14, não publicado, EU:T:2018:544, n.o 133 e jurisprudência referida). Com efeito, nenhuma disposição obriga o Conselho a informar qualquer pessoa potencialmente visada por um novo critério de alcance geral da adoção desse critério (Acórdão de 17 de fevereiro de 2017, Islamic Republic of Iran Shipping Lines e o./Conselho, T‑14/14 e T‑87/14, EU:T:2017:102, n.o 98).

40      A República Bolivariana da Venezuela invoca o artigo 41.o, n.o 2, alínea a), da Carta dos Direitos Fundamentais. Todavia, importa salientar que esta disposição se aplica a «medida[s] individual[ais]» tomadas contra uma pessoa, pelo que não pode ser invocada no âmbito da adoção de medidas de alcance geral, como no caso em apreço.

41      A República Bolivariana da Venezuela invoca também um Acórdão do Tribunal Internacional de Justiça de 25 de setembro de 1997 [Projeto Gabčíkovo‑Nagymaros (Hungria c. Eslováquia), Acórdão, TIJ Recueil 1997, p. 7, n.os 83 e 84]. Todavia, esse acórdão refere‑se unicamente ao contexto específico de imposição de contramedidas, o que será objeto de análise no âmbito do quarto fundamento.

42      Além disso, o regulamento impugnado é um ato de alcance geral que reflete uma escolha da União em matéria de política internacional. Com efeito, a interrupção ou a redução das relações económicas com um país terceiro, em aplicação do artigo 215.o, n.o 1, TFUE, faz parte da própria definição da política externa e de segurança comum (PESC), na aceção do artigo 24.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, na medida em que essa redução ou interrupção implica a adoção de medidas em reação a uma situação internacional particular, à discrição das autoridades da União, para influenciar essa situação. Ora, a audição do país terceiro em causa, antes da adoção de um regulamento que implementa essa escolha de política externa, equivaleria a obrigar o Conselho a conduzir conversações semelhantes a negociações internacionais com esse país, o que esvaziaria de conteúdo o efeito pretendido com a imposição de medidas económicas em relação ao referido país, a saber, exercer pressão sobre o mesmo a fim de provocar uma alteração do seu comportamento.

43      Por outro lado, o facto de os artigos 2.o, 3.o, 6.o, 7.o do regulamento impugnado dizerem diretamente respeito à República Bolivariana da Venezuela não pode, por si só, conferir‑lhe o benefício do direito de ser ouvida (v., neste sentido, Acórdãos de 14 de outubro de 1999, Atlanta/Comunidade Europeia, C‑104/97 P, EU:C:1999:498, n.os 34 e 35, e de 11 de setembro de 2002, Alpharma/Conselho, T‑70/99, EU:T:2002:210, n.o 388).

44      Por conseguinte, tendo em conta o que precede, há que concluir que, no caso em apreço, a República Bolivariana da Venezuela não pode invocar o direito de ser ouvida a respeito das medidas restritivas previstas nos artigos 2.o, 3.o, 6.o e 7.o do regulamento impugnado.

45      Consequentemente, há que julgar improcedente o primeiro fundamento.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do dever de fundamentação

46      Em primeiro lugar, a República Bolivariana da Venezuela sustenta que o regulamento impugnado não está suficientemente fundamentado. Afirma que, com efeito, o referido regulamento comporta considerandos vagos e gerais. Ora, segundo a República Bolivariana da Venezuela, tendo em conta a ingerência que as medidas restritivas representam nos seus assuntos internos, o Conselho deveria ter apresentado uma fundamentação mais elaborada.

47      Em segundo lugar, o regulamento impugnado, mesmo lido em conjugação com a Decisão 2017/2074, não enumera elementos de prova que justifiquem a imposição das medidas restritivas. Por conseguinte, a República Bolivariana da Venezuela não está em condições de apreciar o mérito das medidas restritivas e de lhes responder de forma adequada.

48      O Conselho contesta a argumentação da República Bolivariana da Venezuela.

49      É jurisprudência constante que o alcance do dever de fundamentação depende da natureza do ato em causa e que, tratando‑se de atos destinados a uma aplicação geral, a fundamentação se pode limitar a indicar, por um lado, a situação de conjunto que levou à sua adoção e, por outro, os objetivos gerais que se propõe alcançar (Acórdãos de 19 de novembro de 1998, Espanha/Conselho, C‑284/94, EU:C:1998:548, n.o 28; de 28 de março de 2017, Rosneft, C‑72/15, EU:C:2017:236, n.o 120; e de 17 de setembro de 2020, Rosneft e o./Conselho, C‑732/18 P, não publicado, EU:C:2020:727, n.o 68).

50      Importa recordar que o dever de fundamentar um ato constitui uma formalidade essencial que deve ser distinguida da questão do mérito da fundamentação, uma vez que este tem a ver com a legalidade material do ato controvertido [Acórdão de 14 de julho de 2021, Cabello Rondón/Conselho, T‑248/18, EU:T:2021:450, n.o 45 (não publicado)].

51      No caso em apreço, no que diz respeito à situação global que levou à adoção das medidas restritivas, decorre do considerando 1 do regulamento impugnado que, «[a]tendendo à deterioração contínua da democracia, do Estado de direito e dos direitos humanos na Venezuela, a União [Europeia] manifestou reiteradamente a sua preocupação e apelou a todos os intervenientes políticos e às instituições daquele país para que trabalhassem de forma construtiva com vista a encontrar uma solução [para a] crise no país, no pleno respeito do Estado de direito e dos direitos humanos, das instituições democráticas e da separação dos poderes».

52      Além disso, resulta do considerando 3 do regulamento impugnado que este foi adotado para aplicar, a nível da União, a Decisão 2017/2074. Adicionalmente, no considerando 2 do referido regulamento, são mencionadas as medidas restritivas que figuram na Decisão 2017/2074, reproduzidas nos artigos 2.o, 3.o, 6.o e 7.o do regulamento impugnado. Por conseguinte, os fundamentos invocados na Decisão 2017/2074 que sustentaram a implementação destas medidas constituem o contexto da sua adoção, o que a República Bolivariana da Venezuela podia inferir da leitura do regulamento impugnado.

53      Assim, resulta do considerando 1 da Decisão 2017/2074 que a União estava «seriamente preocupada com a deterioração contínua da democracia, do Estado de direito e dos direitos humanos na Venezuela», o que foi desenvolvido mais detalhadamente nos considerandos 2 a 7 desta decisão.

54      Acrescente‑se que decorre do considerando 8 da Decisão 2017/2074 que, «tendo em conta o risco de novos atos de violência, do uso excessivo da força e de violações dos direitos humanos, é apropriado impor medidas restritivas sob a forma de um embargo ao armamento, assim como medidas específicas destinadas a colocar restrições sobre equipamento suscetível de ser utilizado para fins de repressão interna e a prevenir a utilização abusiva de equipamento de comunicação».

55      Por conseguinte, a situação global que levou à adoção das medidas restritivas foi amplamente exposta pelo Conselho e não podia ser ignorada pela República Bolivariana da Venezuela.

56      Quanto aos objetivos que as medidas restritivas se propõem alcançar, decorre do considerando 8 da Decisão 2017/2074 que as medidas restritivas visam prevenir o risco de novos atos violência, do uso excessivo da força e de violações dos direitos humanos.

57      Por outro lado, importa salientar que o facto de a República Bolivariana da Venezuela estar em condições de compreender os fundamentos que justificaram a adoção das referidas medidas restritivas é corroborado pelo teor do terceiro fundamento do presente recurso, no qual pôde identificar os factos precisos que fundamentaram a adoção dessas medidas e contestar a sua exatidão, bem como a apreciação efetuada pelo Conselho a este respeito. Daqui decorre que a fundamentação que sustentou as medidas restritivas previstas nos artigos 2.o, 3.o, 6.o e 7.o do regulamento impugnado permitiu à República Bolivariana da Venezuela compreender e contestar os fundamentos das referidas medidas e ao Tribunal Geral exercer a sua fiscalização sobre a sua legalidade.

58      Consequentemente, o segundo fundamento deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao terceiro fundamento, relativo à inexatidão material dos factos e a um erro manifesto de apreciação da situação política na Venezuela

59      A República Bolivariana da Venezuela sublinha que as medidas restritivas em causa foram adotadas devido, em primeiro lugar, à violação, pelas autoridades venezuelanas, da Constituição venezuelana, do Estado de direito e da separação dos poderes, em segundo lugar, à prisão de opositores políticos na Venezuela e à violação de princípios democráticos e, em terceiro lugar, às violações dos direitos humanos pelas autoridades venezuelanas. Estas violações incluem o uso excessivo da força pela polícia e pelas forças armadas venezuelanas, bem como a restrição ao direito de se manifestar publicamente. A República Bolivariana da Venezuela contesta a apreciação do Conselho a respeito destes elementos.

60      Concretamente, por um lado, a República Bolivariana da Venezuela lamenta a inexatidão dos factos invocados pelo Conselho.

61      Por outro lado, contesta a apreciação desses factos pelo Conselho, em relação à situação política na Venezuela

62      O Conselho contesta a argumentação da República Bolivariana da Venezuela.

63      Segundo jurisprudência constante, no que respeita às regras gerais que definem as modalidades das medidas restritivas, o Conselho dispõe de um amplo poder de apreciação quanto aos elementos a tomar em consideração para a adoção de tais medidas de natureza económica e financeira com base no artigo 215.o TFUE, em conformidade com uma decisão adotada ao abrigo do capítulo 2 do título V do Tratado UE, especialmente do artigo 29.o TUE. Dado que o juiz da União não pode substituir a apreciação do Conselho pela sua própria apreciação dos elementos de prova, dos factos e das circunstâncias que justificam a adoção de tais medidas, a sua fiscalização deve limitar‑se a verificar o respeito das regras processuais e da fundamentação, a exatidão material dos factos e a inexistência de erro manifesto na apreciação dos factos e do desvio de poder. Esta fiscalização restrita aplica‑se, concretamente, à apreciação das considerações de oportunidade em que assentam tais medidas (v. Acórdão de 25 de janeiro de 2017, Almaz‑Antey Air and Space Defence/Conselho, T‑255/15, não publicado, EU:T:2017:25, n.o 95 e jurisprudência referida; v., também, neste sentido, Acórdão de 13 de setembro de 2018, Rosneft e o./Conselho, T‑715/14, não publicado, EU:T:2018:544, n.o 155).

64      Daqui resulta que a fiscalização do juiz da União sobre a apreciação dos factos se limita à fiscalização do erro manifesto de apreciação. Em contrapartida, no que se refere à fiscalização da exatidão material dos factos, esta exige a verificação dos factos alegados e a existência de uma base factual suficientemente sólida, de modo que a fiscalização jurisdicional a este respeito não se limite à apreciação da verosimilhança abstrata dos factos [v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 14 de julho de 2021, Cabello Rondón/Conselho, T‑248/18, EU:T:2021:450, n.o 64 (não publicado)].

65      A este respeito, cabe recordar que, no caso em apreço, os artigos 2.o, 3.o, 6.o e 7.o do regulamento impugnado retomam, em substância, a posição política da União expressa nos artigos 1.o, 3.o e 5.o da Decisão 2017/2074, a fim de a aplicar ao nível da União. Como indicado nos n.os 52 e 56 acima, para efeitos da análise das medidas restritivas impostas pelo regulamento impugnado, há que ter em conta os fundamentos da adoção das referidas medidas, expostos na Decisão 2017/2074, designadamente no seu considerando 8.

66      Assim, resulta dos considerandos 1 e 8 dessa decisão, reproduzidos nos n.os 53 e 54 acima, que as medidas restritivas previstas nos artigos 2.o, 3.o, 6.o e 7.o do regulamento impugnado, lidas à luz dos referidos considerandos da Decisão 2017/2074, se baseiam na deterioração contínua da democracia, do Estado de direito e dos direitos humanos na Venezuela e na ocorrência de atos de violência, uso excessivo da força e violações dos direitos humanos, cuja repetição importa evitar mediante a adoção das referidas medidas restritivas. Por conseguinte, importa fiscalizar a legalidade destas medidas neste contexto preciso.

67      Em primeiro lugar, quanto à exatidão material dos factos, na sua contestação, o Conselho apresenta alguns elementos de prova suscetíveis de demonstrar a exatidão dos factos que fundamentaram a adoção das medidas restritivas previstas nos artigos 2.o, 3.o, 6.o e 7.o do regulamento impugnado.

68      Primeiro, o Conselho invoca um apelo da Human Rights Watch, de 11 de setembro de 2017, a «medidas por parte da [União] em resposta às violações dos direitos humanos na Venezuela».

69      Segundo, cita um comunicado de imprensa, de 31 de agosto de 2017, da Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

70      Terceiro, baseia‑se num relatório da Organização dos Estados Americanos (OEA) de 19 de julho de 2017.

71      Quarto, o Conselho invoca um relatório da OEA de 25 de setembro de 2017.

72      Em substância, estes elementos de prova, provenientes de fontes credíveis, referem detalhadamente a repressão brutal levada a cabo pelo regime da República Bolivariana da Venezuela contra os dissidentes e os opositores ao regime. Concretamente, são aí relatadas detenções maciças de opositores, o julgamento de civis em tribunais militares, violências graves e numerosos homicídios cometidos contra manifestantes, abusos praticados sobre detidos que constituem atos de tortura, ataques perpetrados contra a Assembleia Nacional, a violação do direito de manifestação pacífica, do direito de voto e da liberdade de expressão, nomeadamente através de agressões e de detenções de jornalistas. Além disso, o Governo anunciou uma distribuição de armas a milícias civis, incitando‑as a defrontar manifestantes. Em seguida, resulta igualmente dos elementos de prova apresentados pelo Conselho que a Procuradora-Geral da Venezuela foi demitida em 5 de agosto de 2017, quando investigava, nomeadamente, as forças de segurança que alegadamente tinham disparado sobre manifestantes, foi proibida de sair da Venezuela e as suas contas foram congeladas. Além disso, a Assembleia Nacional Constituinte criou uma comissão que as organizações da sociedade civil consideraram um mecanismo de perseguição dos dissidentes. Por último, a OEA citou declarações do Presidente da República Bolivariana da Venezuela à época que, em 24 de junho de 2017, diante das forças armadas, perguntou «[O] que aconteceria se o [Partido Socialista Unido de Venezuela] apelasse a uma rebelião armada civil‑militar para prender os líderes da oposição e dissolver a Assembleia Nacional[?]». Acresce que, em 27 de junho de 2017, num evento de promoção da Assembleia Nacional Constituinte, o então Presidente declarou que «Se a Venezuela caísse no caos e na violência, e a Revolução Bolivariana fosse destruída, iríamos à luta [e] jamais desistiríamos, o que não conseguimos obter pelo voto, obteríamos com armas».

73      Na sua réplica, para contestar os factos descritos pelo Conselho, a República Bolivariana da Venezuela apresenta alguns elementos de prova, nomeadamente um relatório preparado no âmbito da Organização das Nações Unidas, uma decisão adotada pelo seu Conselho de Direitos Humanos e resoluções adotadas pela sua Assembleia Geral.

74      A este respeito, há que declarar que quase nenhum desses elementos de prova se refere à República Bolivariana da Venezuela e ainda menos aos acontecimentos neste país. O único elemento de prova invocado pela República Bolivariana da Venezuela que diz respeito a este país refere‑se à situação económica e humanitária na Venezuela em 2021. Por outro lado, a República Bolivariana da Venezuela não identificou as informações contidas nos referidos elementos de prova suscetíveis de pôr em causa a exatidão dos factos invocados pelo Conselho.

75      Além disso, para demonstrar que as instituições e autoridades judiciárias venezuelanas estiveram particularmente envolvidas na luta contra os abusos ou as infrações cometidas, a República Bolivariana da Venezuela invoca também dois relatórios internos ao regime que não são corroborados por nenhum outro elemento de prova proveniente de fontes externas a este regime e cujo valor probatório deve ser considerado, por esse facto, reduzido (v., neste sentido, Acórdão de 3 de fevereiro de 2021, Ilunga Luyoyo/Conselho, T‑124/19, não publicado, EU:T:2021:63, n.o 110). Acrescente‑se que, durante a audiência e nos seus articulados, a República Bolivariana da Venezuela também não se apoiou em nenhuma fonte internacional suscetível de corroborar a sua tese. Em todo o caso, há que constatar que, em substância, estes relatórios se baseiam em ações do Ministério Público venezuelano levadas a cabo sob a direção da Procuradora‑Geral que, como resulta no n.o 72 acima, foi demitida pelo regime venezuelano em 5 de agosto de 2017 e foi objeto de medidas de caráter restritivo. Acresce que os referidos relatórios não mencionam se os inquéritos realizados ao nível interno do país já se encontram concluídos nem se incidiram sobre pessoas responsáveis pertencentes às forças de segurança da Venezuela.

76      Por conseguinte, há que concluir que a República Bolivariana da Venezuela não demonstrou que os factos em que se baseia a adoção das medidas restritivas previstas nos artigos 2.o, 3.o, 6.o e 7.o do regulamento impugnado enfermam de inexatidões materiais. Os factos invocados pelo Conselho assentam numa base factual sólida que a República Bolivariana da Venezuela não logrou pôr em causa.

77      Em segundo lugar, relativamente à apreciação do Conselho da situação política na Venezuela com base nos factos que fundamentaram a adoção das medidas restritivas em causa, a República Bolivariana da Venezuela apresenta os elementos de prova descritos no n.o 73 acima, que visam, em seu entender, descrever a situação interna neste país. Todavia, não fornece o menor detalhe sobre a sua pertinência ou sobre a conclusão que deles se deve retirar. Assim, os seus argumentos e os referidos elementos de prova assemelham‑se a uma contestação quanto à oportunidade da adoção das medidas restritivas previstas nos artigos 2.o, 3.o, 6.o e 7.o do regulamento impugnado.

78      Ora, como resulta da jurisprudência acima referida no n.o 63, o juiz da União exerce uma fiscalização restrita a este respeito. Importa sublinhar que, à luz do artigo 29.o TUE, que autoriza o Conselho a adotar «decisões que definem a abordagem global de uma questão específica de natureza geográfica ou temática pela União», por um lado, o regulamento impugnado tem um alcance geral que reflete a posição da União sobre uma questão relativa à PESC e, por outro, não cabe ao Tribunal Geral substituir a apreciação do Conselho sobre esta questão pela sua própria apreciação. No essencial, o Conselho dispõe de um amplo poder de apreciação, de natureza política, quanto à definição da referida posição da União (v., neste sentido, Acórdão de 1 de março de 2016, National Iranian Oil Company/Conselho, C‑440/14 P, EU:C:2016:128, n.o 77).

79      Além disso, importa rejeitar os argumentos da República Bolivariana da Venezuela relativos às disposições nacionais que garantem o direito de se manifestação pacífica ou da sua pretensa colaboração com mecanismos internacionais que promovem o reforço do sistema de direitos humanos.

80      Com efeito, no caso em apreço não se coloca a questão de saber se os diplomas legais em vigor garantem formalmente o respeito dos direitos humanos na Venezuela. Embora estes diplomas não possam ser ignorados, como resulta do n.o 72 acima, o Conselho baseou‑se em informações credíveis e fiáveis para apreciar a situação na Venezuela. À luz das referidas informações, o Conselho considerou que, à data da adoção do regulamento impugnado, estavam suficientemente demonstrados os atos de violência e o uso excessivo da força, bem como as violações dos direitos humanos ou as ofensas à democracia na Venezuela e que existia o risco de repetição desses incidentes. Nestas circunstâncias, o Conselho podia concluir, sem cometer um erro manifesto de apreciação, pela existência de ofensas à democracia, ao Estado de direito e aos direitos humanos na Venezuela (v. n.o 66 acima).

81      Por conseguinte, há que rejeitar os argumentos da República Bolivariana da Venezuela relativos a um erro manifesto de apreciação da situação política neste país.

82      À luz do que precede, o terceiro fundamento deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao quarto fundamento, relativo à imposição de contramedidas ilegais e à violação do direito internacional

83      A República Bolivariana da Venezuela sustenta que o regulamento impugnado lhe impõe contramedidas ilegais, violando assim o direito internacional consuetudinário e os acordos da Organização Mundial do Comércio (OMC). Afirma que, com efeito, através do referido regulamento, a União ripostou às alegadas violações dos princípios democráticos e da Constituição venezuelana. Por esta razão, a União decidiu suspender as obrigações que lhe incumbiam por força dos acordos da OMC. Acresce que o embargo imposto não é proporcionado e representa uma ingerência nos assuntos internos da República Bolivariana da Venezuela. Além disso, o Conselho deveria ter tido em conta as medidas restritivas previamente impostas à República Bolivariana da Venezuela pelos Estados Unidos da América.

84      A República Bolivariana da Venezuela alega que, se, como sustenta o Conselho, as medidas restritivas impostas não constituem contramedidas, o Conselho não podia adotar essas medidas restritivas sem a autorização prévia do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Entende que tais medidas unilaterais são contrárias ao direito internacional, o que resulta das resoluções da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, e que o Conselho não tem competência para as adotar.

85      O Conselho contesta a argumentação da República Bolivariana da Venezuela.

86      No caso em apreço, em primeiro lugar, a República Bolivariana da Venezuela invoca uma pretensa violação do direito internacional consuetudinário devido à imposição de contramedidas ilegais pelo Conselho, o que implica a violação do princípio da não ingerência nos seus assuntos internos, à adoção das medidas restritivas em causa sem a autorização prévia do Conselho de Segurança das Nações Unidas e à pretensa violação do princípio da proporcionalidade.

87      A este respeito, cabe recordar que, como resulta do artigo 3.o, n.o 5, TUE, a União contribui para a rigorosa observância e o desenvolvimento do direito internacional. Por conseguinte, quando adota um ato, está obrigada a respeitar o direito internacional na sua globalidade, incluindo o direito internacional consuetudinário que vincula as instituições da União (Acórdão de 21 de dezembro de 2011, Air Transport Association of America e o., C‑366/10, EU:C:2011:864, n.o 101; v. também, neste sentido, Acórdão de 3 de setembro de 2008, Kadi e Al Barakaat International Foundation/Conselho e Comissão, C‑402/05 P e C‑415/05 P, EU:C:2008:461, n.o 291 e jurisprudência referida).

88      Importa salientar que os princípios de direito internacional consuetudinário podem ser invocados por um particular, para efeitos do exame pelo juiz da União da validade de um ato desta, uma vez que, por um lado, estes princípios sejam suscetíveis de pôr em causa a competência da União para adotar o referido ato e, por outro, o ato em causa seja suscetível de afetar direitos dos particulares decorrentes do direito da União ou de criar obrigações para os mesmos à luz deste direito (Acórdão de 21 de dezembro de 2011, Air Transport Association of America e o., C‑366/10, EU:C:2011:864, n.o 107).

89      No entanto, uma vez que um princípio de direito internacional consuetudinário não reveste o mesmo grau de precisão que uma disposição de um acordo internacional, a fiscalização jurisdicional deve, necessariamente, se limitar à questão de saber se as instituições da União, ao adotarem o ato em causa, cometeram erros manifestos de apreciação quanto às condições de aplicação desses princípios (Acórdão de 21 de dezembro de 2011, Air Transport Association of America e o., C‑366/10, EU:C:2011:864, n.o 110).

90      No caso vertente, primeiro, quanto à alegada imposição de contramedidas ilegais pelo Conselho, importa recordar que o artigo 49.o, relativo ao objeto e aos limites das contramedidas, do Projeto de artigos sobre a responsabilidade do Estado por atos internacionalmente ilícitos, tal como adotado em 2001 pela Comissão do Direito Internacional das Nações Unidas, dispõe:

«1. O Estado lesado só pode adotar contramedidas contra o Estado responsável por atos internacionalmente ilícitos para levar esse Estado a cumprir as obrigações que lhe incumbem por força da parte II.

2. As contramedidas limitam‑se ao incumprimento temporário de obrigações internacionais do Estado que toma medidas contra o Estado responsável.

3. As contramedidas devem, na medida do possível, ser adotadas de forma a permitir a retoma do cumprimento das obrigações em questão.»

91      Neste contexto, importa recordar que, como decorre dos n.os 53 e 56 acima, o regulamento impugnado foi adotado num contexto de reação à deterioração contínua da democracia, do Estado de direito e dos direitos humanos na Venezuela, com o objetivo de prevenir o risco de novos atos de violência, do uso excessivo da força e de violações dos direitos humanos. Nem o regulamento impugnado nem a Decisão 2017/2074, cuja execução este regulamento assegura, mencionam a violação pela República Bolivariana da Venezuela de uma norma de direito internacional ou o incumprimento temporário pela União de uma obrigação internacional para com a República Bolivariana da Venezuela. Por conseguinte, como afirma acertadamente o Conselho, as medidas restritivas previstas nos artigos 2.o, 3.o, 6.o e 7.o do regulamento impugnado não tinham por objetivo reagir a um ato internacionalmente ilícito imputável à República Bolivariana da Venezuela através de um incumprimento temporário de obrigações internacionais da União. Além disso, a União não depositou os instrumentos a notificar um incumprimento desse tipo previstos na jurisprudência do Tribunal Internacional de Justiça [v., neste sentido, Projeto Gabčíkovo‑Nagymaros (Hungria c. Eslováquia), Acórdão, TIJ Recueil 1997, p. 7, n.o 84)]. De resto, em resposta a uma questão colocada pelo Tribunal Geral na audiência, a República Bolivariana da Venezuela sustentou não ter cometido nenhum ato internacionalmente ilícito e alega que, portanto, as medidas impugnadas não constituíam contramedidas.

92      Daqui resulta que as medidas restritivas previstas nos artigos 2.o, 3.o, 6.o e 7.o do regulamento impugnado não constituem contramedidas na aceção do artigo 49.o do Projeto de artigos sobre a responsabilidade do Estado por atos internacionalmente ilícitos. Consequentemente, a alegada violação do princípio da não ingerência nos assuntos internos da República Bolivariana da Venezuela deve ser rejeitada.

93      Por conseguinte, o argumento da República Bolivariana da Venezuela, relativo ao Acórdão do Tribunal Internacional de Justiça de 25 de setembro de 1997 [Projeto Gabčíkovo‑Nagymaros (Hungria c. Eslováquia), Acórdão, TIJ Recueil 1997, p. 7, n.os 83 e 84)], segundo o qual um Estado terceiro dispõe do direito de ser informado antes de outro Estado adotar contramedidas é inoperante, uma vez que os artigos 2.o, 3.o, 6.o e 7.o do regulamento impugnado não constituem contramedidas na aceção das normas do direito internacional consuetudinário.

94      Consequentemente, os argumentos da República Bolivariana da Venezuela, relativos à violação do direito internacional consuetudinário à luz da pretensa imposição de contramedidas ilegais, devem ser rejeitados.

95      Segundo, quanto ao argumento relativo à adoção das medidas restritivas em causa sem a autorização prévia do Conselho de Segurança das Nações Unidas, importa recordar que nada no artigo 29.o TUE nem no artigo 215.o TFUE permite considerar que a competência que estas disposições conferem à União está limitada à execução das medidas decididas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas. Pelo contrário, estas disposições dos Tratados conferem ao Conselho competência para adotar atos que contenham medidas restritivas autónomas, distintas de medidas recomendadas especificamente pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas. (v., neste sentido, Acórdão de 13 de setembro de 2018, Rosneft e o./Conselho, T‑715/14, não publicado, EU:T:2018:544, n.o 159 e jurisprudência referida).

96      Além disso, há que salientar que, em conformidade com o artigo 38.o, n.o 1, alínea b), do Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça, a existência de um costume internacional está sujeita à condição de «uma prática geral aceite como direito». Ora, a República Bolivariana da Venezuela não demonstrou a existência de uma prática geral dessa natureza que imponha a obtenção da autorização do Conselho de Segurança das Nações Unidas previamente à adoção, pelo Conselho, de medidas restritivas.

97      Tanto as resoluções da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas a que se refere a República Bolivariana da Venezuela como as resoluções do Conselho de Direitos Humanos foram adotadas com um número considerável de votos negativos ou abstenções, nomeadamente por parte dos Estados‑Membros da União. Assim, não se pode considerar que as resoluções nas quais se baseia a República Bolivariana da Venezuela refletem «uma prática geral aceite como direito».

98      Por conseguinte, há que rejeitar os argumentos da República Bolivariana da Venezuela relativos ao facto de o Conselho não ter competência para adotar o regulamento impugnado sem a autorização prévia do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas.

99      Terceiro, no que diz respeito à pretensa violação do princípio da proporcionalidade, de acordo com jurisprudência constante, o referido princípio faz parte dos princípios gerais do direito da União e exige que os meios postos em prática por uma disposição do direito da União sejam suscetíveis de alcançar os objetivos legítimos prosseguidos pela regulamentação em causa e não vão além do que é necessário para esse efeito (v. Acórdão de 3 de fevereiro de 2021, Ilunga Luyoyo/Conselho, T‑124/19, não publicado, EU:T:2021:63, n.o 193 e jurisprudência referida).

100    Além disso, por um lado, importa recordar que, quanto à fiscalização jurisdicional do respeito do princípio da proporcionalidade, o Tribunal de Justiça considera que há que reconhecer ao legislador da União um amplo poder de apreciação em domínios que implicam, da sua parte, opções de natureza política, económica e social, em que é chamado a efetuar apreciações complexas. O Tribunal de Justiça conclui daí que só o caráter manifestamente inadequado de uma medida adotada nesses domínios, à luz do objetivo que a instituição competente pretende prosseguir, pode afetar a legalidade de tal medida (Acórdão de 28 de março de 2017, Rosneft, C‑72/15, EU:C:2017:236, n.o 146).

101    A este respeito, cabe declarar que existe uma relação razoável entre, por um lado, as medidas restritivas que consistem na proibição de vender, fornecer, transferir ou exportar equipamento suscetível de ser utilizado para fins de repressão interna e serviços relacionados com o referido equipamento e com equipamento militar e, por outro, o objetivo prosseguido de prevenir o risco de novos atos de violência, do uso excessivo da força e de violações dos direitos humanos.

102    Por outro lado, as medidas restritivas previstas nos artigos 2.o, 3.o, 6.o e 7.o do regulamento impugnado limitam‑se, em substância, à proibição de vender, fornecer, transferir ou exportar equipamento suscetível de ser utilizado para fins de repressão interna e de serviços relacionados com o referido equipamento e com equipamento militar a qualquer pessoa singular ou coletiva, entidade ou organismo da Venezuela ou para utilização neste país. Além disso, os artigos 4.o, 6.o e 7.o do regulamento impugnado preveem a possibilidade de as autoridades competentes dos Estados‑Membros concederem determinadas autorizações em derrogação das medidas restritivas em causa. Portanto, as referidas medidas não são manifestamente inadequadas nem vão além do que é necessário para alcançar o objetivo prosseguido.

103    Por conseguinte, o princípio da proporcionalidade não foi violado.

104    Daqui decorre que devem ser rejeitados todos os argumentos da República Bolivariana da Venezuela relativos à violação do direito internacional consuetudinário.

105    Em segundo lugar, por um lado, a República Bolivariana da Venezuela não sustenta que o regulamento impugnado remete expressamente para disposições dos acordos da OMC. A este respeito, este regulamento não contém nenhuma referência a esses acordos.

106    Por outro lado, a República Bolivariana da Venezuela não indicou através de que atos nem em que ocasião a União pretendeu dar execução, através do regulamento impugnado, a uma obrigação específica assumida no âmbito da OMC.

107    Ora, quanto à compatibilidade das restrições impostas pelo regulamento impugnado com o Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio (GATT), há que salientar que, segundo jurisprudência constante, tendo em conta a sua natureza e a sua economia, os acordos da OMC não figuram, em princípio, entre as normas tomadas em conta pelo juiz da União para fiscalizar a legalidade dos atos das instituições da União. Só no caso de a União ter pretendido dar execução a uma obrigação específica assumida no âmbito da OMC ou de o ato da União remeter expressamente para disposições precisas dos Acordos OMC caberá ao juiz da União fiscalizar a legalidade do ato da União em causa à luz das normas da OMC (v. Acórdão de 13 de setembro de 2018, PSC Prominvestbank/Conselho, T‑739/14, não publicado, EU:T:2018:547, n.o 133 e jurisprudência referida; v. também, neste sentido, Acórdãos de 22 de junho de 1989, Fediol/Comissão, 70/87, EU:C:1989:254, n.os 19 a 22, e de 7 de maio de 1991, Nakajima/Conseil, C‑69/89, EU:C:1991:186, n.os 29 a 32).

108    Por conseguinte, devem ser rejeitados os argumentos da República Bolivariana da Venezuela relativos à violação dos acordos da OMC.

109    Em terceiro lugar, a República Bolivariana da Venezuela sustenta que as medidas adotadas pelo Conselho produzem efeitos no seu território, ou seja, fora do território da União. Consequentemente, tanto a apreciação que o Conselho fez da situação na Venezuela ao procurar demonstrar a existência de violações do direito na República Bolivariana da Venezuela como os efeitos das medidas adotadas na sequência dessa apreciação implicam o exercício de uma competência extraterritorial. Como o Tribunal Internacional de Justiça sublinhou reiteradamente, o exercício de uma competência extraterritorial é manifestamente contrário ao direito internacional. Nomeadamente, a República Bolivariana da Venezuela refere‑se a um Acórdão do Tribunal Internacional de Justiça de 14 de fevereiro de 2002 [Mandado de detenção de 11 de abril de 2000 (República Democrática do Congo c. Bélgica), Acórdão, TIJ Recueil 2002, p. 3)].

110    A este respeito, importa salientar que o artigo 29.o TUE autoriza o Conselho a adotar «decisões que definem a abordagem global de uma questão específica de natureza geográfica ou temática pela União». Este artigo precisa que «[o]s Estados‑Membros zelarão pela coerência das suas políticas nacionais com as posições da União». Além disso, o artigo 215.o, n.o 1, TFUE dispõe que o Conselho pode adotar uma decisão que «determine a interrupção ou a redução, total ou parcial, das relações económicas e financeiras com um ou mais países terceiros». Daqui resulta que o objetivo implícito, mas evidente, de tais medidas é produzir um impacto no Estado terceiro em questão, como decorre dos n.os 68 e 69 do acórdão proferido em sede de recurso. Por conseguinte, estas disposições conferem ao Conselho competência para adotar medidas restritivas como as previstas nos artigos 2.o, 3.o, 6.o e 7.o do regulamento impugnado.

111    Além disso, como sustenta com razão o Conselho, decorre do artigo 20.o do regulamento impugnado, referido no n.o 11 acima, que as medidas restritivas em causa visam pessoas e situações abrangidas pela jurisdição dos Estados‑Membros ratione loci ou ratione personae.

112    A referência da República Bolivariana da Venezuela ao Acórdão do Tribunal Internacional de Justiça de 14 de fevereiro de 2002 [Mandado de detenção de 11 de abril de 2000 (República Democrática do Congo c. Bélgica), Acórdão, TIJ Recueil 2002, p. 3] não é pertinente, uma vez que esse processo dizia respeito a uma situação diferente da do caso em apreço. Com efeito, esse processo tinha por objeto um mandado de detenção internacional emitido pelo Reino da Bélgica contra o ministro dos Negócios Estrangeiros da República Democrática do Congo com vista à sua detenção e extradição para o Reino da Bélgica, devido a alegados crimes que constituíam «violações graves do direito internacional humanitário». Ora, nada no presente processo demonstra o exercício, pela União, das suas competências no território ou contra pessoas expressamente abrangidas pela jurisdição da República Bolivariana da Venezuela.

113    Pelo contrário, o poder do Conselho de adotar medidas restritivas inscreve‑se no âmbito nas medidas autónomas da União adotadas no quadro da PESC, em conformidade com os objetivos e os valores da União, tal como figuram no artigo 3.o, n.o 5, TUE e no artigo 21.o TUE, a saber, nomeadamente, o objetivo de promover, no resto do mundo, a democracia, o Estado de direito, a universalidade e indivisibilidade dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, o respeito pela dignidade humana e o respeito pelos princípios da Carta das Nações Unidas e do direito internacional. Têm por objetivo, nomeadamente, assegurar o cumprimento das obrigações erga omnes partes de respeitar os princípios decorrentes do direito internacional geral e dos instrumentos internacionais de caráter universal ou quase universal, nomeadamente o artigo 1.o da Carta das Nações Unidas, o respeito dos direitos fundamentais, especialmente a proibição da tortura, o respeito dos princípios democráticos e a proteção dos direitos da criança. Trata‑se de um «interesse jurídico» comum em que os direitos em causa sejam protegidos [v., neste sentido e por analogia, Barcelona Traction, Light and Power Company, Limited, Acórdão, TIJ Recueil 1970, p. 3, n.os 33 e 34, e Questões relativas à obrigação de processar judicialmente ou extraditar (Bélgica c. Senegal), Acórdão, TIJ Recueil 2012, p. 422, n.os 68 a 70].

114    Por conseguinte, devem ser rejeitados os argumentos da República Bolivariana da Venezuela a este respeito.

115    Em quarto lugar, quanto às alegações da República Bolivariana da Venezuela relativas à obrigação de o Conselho ter em conta as medidas restritivas impostas por Estados terceiros, nomeadamente os Estados Unidos da América, à natureza das medidas restritivas em causa, que no seu entender constituem medidas restritivas unilaterais contrárias ao direito internacional, e ao exercício de uma restrição prejudicial ao direito ao desenvolvimento e aos direitos humanos da população da República Bolivariana da Venezuela, cabe salientar que foram invocadas pela primeira vez na réplica.

116    Nos termos do artigo 84.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, é proibido deduzir fundamentos novos no decurso da instância, a menos que esses fundamentos tenham origem em elementos de direito e de facto que se tenham revelado durante o processo.

117    Segundo a jurisprudência, o artigo 84.o, n.o 1, do Regulamento de Processo é igualmente aplicável às alegações ou aos argumentos (v., neste sentido, Acórdão de 14 de julho de 2021, AQ/eu‑LISA, T‑164/19, não publicado, EU:T:2021:456, n.o 59 e jurisprudência referida) que não constituam a ampliação de fundamentos ou de alegações apresentados na petição.

118    Ora, não resulta dos autos que as alegações enumeradas no n.o 115 acima se baseiem em elementos de direito e de facto que se tenham revelado durante o processo.

119    Por conseguinte, em aplicação do artigo 84.o do Regulamento de Processo, as referidas alegações são inadmissíveis.

120    Consequentemente, à luz do que precede, o quarto fundamento deve ser julgado improcedente e, portanto, deve ser negado provimento ao recurso na sua totalidade.

 Quanto às despesas

121    Em conformidade com o artigo 133.o do Regulamento de Processo, o Tribunal Geral decide sobre as despesas no acórdão que põe termo à instância. Nos termos do artigo 219.o do referido regulamento, compete ao Tribunal Geral, quando se pronuncia após anulação e remessa pelo Tribunal de Justiça, decidir sobre as despesas relativas, por um lado, aos processos que nele correm os seus termos e, por outro, aos processos de recurso para o Tribunal de Justiça. Por último, em conformidade com o artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

122    No caso em apreço, o Tribunal de Justiça, no acórdão proferido em sede de recurso, anulou o acórdão inicial e reservou para final a decisão quanto às despesas. Por conseguinte, há que decidir, no presente acórdão, sobre as despesas relativas ao processo inicial no Tribunal Geral, ao processo de recurso no Tribunal de Justiça e ao presente processo após remessa.

123    Tendo o Conselho sido vencido no presente processo de recurso interposto no Tribunal de Justiça, há que condená‑lo a suportar as suas próprias despesas, bem como as despesas efetuadas pela República Bolivariana da Venezuela relacionadas com esse processo.

124    Tendo a República Bolivariana da Venezuela sido vencida quanto ao mérito no processo de remessa para o Tribunal Geral, com base nos argumentos que tinha apresentado no âmbito do processo no Tribunal Geral anterior à interposição do recurso que teve por objeto o acórdão inicial, há que condená‑la nas despesas relativas a estes dois processos.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Grande Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      O Conselho da União Europeia suportará as suas próprias despesas, bem como as despesas efetuadas pela República Bolivariana da Venezuela relativas ao recurso interposto no Tribunal de Justiça, no âmbito do processo C872/19 P.

3)      A República Bolivariana da Venezuela é condenada nas despesas relativas à instância de remessa do processo ao Tribunal Geral, no âmbito do processo T65/18 RENV, e à instância inicial no Tribunal Geral, no âmbito do processo T65/18.

van der Woude

Papasavvas

Spielmann

Marcoulli

da Silva Passos

Jaeger

Frimodt Nielsen

Kanninen

Gervasoni

Półtorak

Reine

Pynnä

Tichy‑Fisslberger

Valasidis

Verschuur

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 13 de setembro de 2023.

Assinaturas


*      Língua do processo: inglês.