Language of document : ECLI:EU:T:2020:400

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção)

9 de setembro de 2020 (*)

«Auxílios de Estado — Auxílio destinado a um projeto de investimento no oeste da Eslováquia — Auxílio ao investimento com finalidade regional — Rejeição de uma denúncia — Decisão de não levantar objeções — Condições de isenção — Artigo 14.o do Regulamento (UE) n.o 651/2014 — Alcance do poder de fiscalização da Comissão — Orientações relativas aos auxílios de Estado com finalidade regional para o período 2014‑2020 — Conceito de PME — Artigo 3.o, n.os 2 e 3, do anexo I do Regulamento n.o 651/2014 — Dados a reter para o cálculo dos efetivos e dos montantes financeiros e período de referência — Artigo 4.o do anexo I do Regulamento n.o 651/2014 — Dúvidas quanto à compatibilidade do auxílio com o mercado interno — Artigo 4.o, n.o 4, do Regulamento (UE) 2015/1589 — Dificuldades sérias»

No processo T‑745/17,

Kerkosand spol. s r. o., com sede em Sajdíkove Humence (Eslováquia), representada por A. Rosenfeld e C. Holtmann, advogados,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por K. Blanck e A. Bouchagiar, na qualidade de agentes,

recorrida,

que tem por objeto um pedido, apresentado ao abrigo do artigo 263.o TFUE, de anulação da Decisão C(2017) 5050 final da Comissão, de 20 de julho de 2017, relativa ao auxílio ao investimento a favor do produtor eslovaco de areia siliciosa NAJPI a.s., [SA.38121 (2016/FC) — Eslováquia] (JO 2017, C 336, p. 1),

O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção),

composto por: A. M. Collins, presidente, V. Kreuschitz (relator) e G. Steinfatt, juízes,

secretário: S. Bukšek Tomac, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 21 de janeiro de 2020,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        A recorrente, Kerkosand spol. S r. o., explora um local de extração e uma instalação de acondicionamento de areia siliciosa em Šajdíkove Humence (Eslováquia).

2        Em 12 de dezembro de 2013, a recorrente apresentou uma denúncia à Comissão Europeia alegando que, por Decisão de 22 de julho de 2013, […] a Slovenská inovačná a energetická agentúra (Agência Eslovaca de Inovação e Energia, Eslováquia), tinha concedido à sociedade NAJPI a. s. (a seguir «empresa beneficiária») um auxílio ilegal no montante de 4 999 999,46 euros destinado a um projeto de investimento no oeste da Eslováquia (a seguir «auxílio em causa»).

3        Este auxílio foi concedido com base no Schéma štátnej pomoci na podporu zavádzania inovatívnych a vyspelých technológií v priemysle a v sluzbách [SA.28652 (X518/2009)] (regime de auxílios estatais destinados a apoiar a implantação de tecnologias inovadoras e avançadas na indústria e nos serviços, a seguir «regime de auxílios em causa») que estava classificado como medida de auxílio com finalidade regional a favor do investimento e do emprego, em conformidade com o artigo 13.o do Regulamento (CE) n.o 800/2008 da Comissão, de 6 de agosto de 2008, que declara certas categorias de auxílios compatíveis com o mercado comum, em aplicação dos artigos 87.o e 88.o [CE] (Regulamento geral de isenção por categoria) (JO 2008, L 214, p. 3). Respeitava a um projeto de investimento da empresa beneficiária, através do qual esta procurava instalar um local de extração de areia siliciosa nos depósitos de Borský Peter (Eslováquia) e de Šajdíkove Humence (a seguir designado «projeto de investimento»).

4        Por cartas de 24 de fevereiro e 2 de maio de 2014, a Comissão enviou uma versão não confidencial da denúncia às autoridades eslovacas e convidou‑as a apresentar as suas observações, o que fizeram por cartas de 30 de maio e 1 de julho de 2014.

5        Em 30 de julho de 2014, a Comissão enviou uma carta de avaliação preliminar à recorrente na qual considerou que o auxílio em causa tinha sido concedido em conformidade com o Regulamento n.o 800/2008.

6        A recorrente forneceu informações adicionais à Comissão por cartas de 12 de fevereiro, 4 de setembro, 7 e 21 de novembro de 2014, 28 de maio, 8 de julho, 15 de julho, 1 de setembro, 15 de outubro e 3 de novembro de 2015, e 13 de junho, 5 de julho e 17 de agosto de 2016.

7        A Comissão enviou pedidos de informação às autoridades eslovacas por cartas de 2 de maio, 30 de junho e 10 de setembro de 2014, 9 de janeiro de 2015, 25 de fevereiro, 10 de março, 22 de abril e 23 de junho de 2016, 25 de janeiro, 15 de março e 13 de junho de 2017. As autoridades eslovacas responderam‑lhes por cartas de 1 de julho e 3 de outubro de 2014, 6 de fevereiro de 2015, 22 de abril, 19 de maio e 1 de julho de 2016, e 7 de fevereiro, 12 de abril e 21 de junho de 2017.

8        Em 9 de julho de 2015, a Comissão enviou à recorrente uma nova carta de avaliação preliminar na qual considerava que o auxílio em causa era legal, uma vez que tinha sido concedido em conformidade com o Regulamento n.o 800/2008, e compatível com o mercado comum. Em especial, a Comissão considerou que, no momento da concessão do referido auxílio, ou seja, 22 de julho de 2013, a empresa beneficiária era uma empresa pertencente à categoria das pequenas e médias empresas (PME) e que não se encontrava em dificuldades.

9        Por carta de 15 de outubro de 2015 (v. também n.o 6, supra), a recorrente respondeu a essa outra carta de avaliação preliminar e apresentou informações adicionais.

10      Em 26 de novembro de 2015 realizou‑se uma reunião entre a recorrente e os serviços da Comissão.

11      Em 20 de julho de 2017, a Comissão adotou a Decisão C(2017) 5050 final da Comissão, relativa ao auxílio ao investimento a favor do produtor eslovaco de areia siliciosa NAJPI a. s., [SA.38121 (2016/FC) — Eslováquia] (JO 2017, C 336, p. 1, a seguir «decisão impugnada»), que era dirigida ao Ministério dos Negócios Estrangeiros eslovaco, mas cuja base jurídica não era indicada. Nessa decisão, a Comissão considerou, em substância, que, em primeiro lugar, o conceito de auxílio de Estado na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE estava preenchido (n.os 43 e 44), em segundo lugar, o auxílio em causa tinha sido concedido em 7 de novembro de 2013, o que correspondia à data do dia seguinte ao da inscrição do contrato de subvenção celebrado em 29 de outubro de 2013 no Registo Central de Contratos da Eslováquia (n.os 45 a 47), em terceiro lugar, tanto o regime de auxílios em causa com base no qual o auxílio em questão foi concedido, como o auxílio enquanto tal preenchiam as condições estabelecidas pelo Regulamento (CE) n.o 800/2008, com exceção, no entanto, do requisito previsto no n.o 2 do artigo 3.o desse regulamento, segundo o qual a medida de auxílio individual deve indicar que foi concedida com base no mesmo regulamento (n.os 50 a 55), em quarto lugar, havia que analisar se o referido auxílio podia ser considerado compatível com o mercado interno à luz do Regulamento (UE) n.o 651/2014 da Comissão, de 17 de junho de 2014, que declara certas categorias de auxílio compatíveis com o mercado interno, em aplicação dos artigos 107.o e 108.o [TFUE] (JO 2014, L 187, p. 1), em conformidade com o artigo 58.o deste último regulamento (n.o 56) e que, em quinto lugar, o referido auxílio preenchia as condições estabelecidas nesse regulamento, em especial a relativa ao estatuto de PME da empresa beneficiária, pelo que estava isenta da obrigação de notificação e devia ser considerado compatível com o mercado interno (n.os 57 a 63). Concluiu, pois, que não era competente para analisar o auxílio em causa no âmbito de uma análise preliminar prevista pelo artigo 4.o do Regulamento (UE) 2015/1589 do Conselho, de 13 de julho de 2015, que estabelece as regras de execução do artigo 108.o [TFUE] (JO 2015, L 248, p. 9) (n.o 64 da referida decisão). Consequentemente, «rejeitou» por infundada a denúncia que a recorrente tinha apresentado, anonimamente, com base no artigo 24.o, n.o 2, do Regulamento 2015/1589 (n.o 65 da referida decisão)

12      Por carta de 5 de setembro de 2017, a Comissão enviou à recorrente uma cópia da decisão impugnada, qualificando‑a de «decisão relativa ao auxílio em causa».

13      Em 6 de outubro de 2017, a decisão impugnada foi publicada no Jornal Oficial da União Europeia, sob a forma de resumo (dita publicação «cartouche») na aceção do artigo 32.o, n.o 1, do Regulamento 2015/1589 (JO 2017, C 336, p. 1), sob o título «Autorização de auxílios estatais no âmbito das disposições dos artigos 107.o e 108.o [TFUE]», e sob a rubrica dos «Casos relativamente aos quais a Comissão não levanta objeções».

 Tramitação processual e pedidos das partes

14      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 14 de novembro de 2017, a recorrente interpôs o presente recurso.

15      Por carta de 16 de julho de 2019 apresentada na Secretaria do Tribunal, a recorrente forneceu um documento expondo os resultados anuais da empresa beneficiária durante o período que decorreu entre 2014 e 2018, e pedindo ao Tribunal que o aceitasse como novo oferecimento de prova. Nas suas observações apresentadas no prazo fixado, a Comissão pede ao Tribunal, nomeadamente, que rejeite esta nova prova por intempestiva, na aceção do artigo 85.o do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, e manifestamente irrelevante para a solução do litígio, e que ordene a retirada do referido documento dos autos.

16      Tendo a composição das Secções do Tribunal Geral sido alterada, em aplicação do artigo 27.o, n.o 5, do Regulamento de Processo, o juiz relator foi afetado à Terceira Secção, à qual o presente processo foi, consequentemente, atribuído.

17      Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal Geral (Terceira Secção) decidiu dar início à fase oral do processo e, no âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 89.o do Regulamento de Processo, colocou por escrito questões às partes, convidando‑as a responderem também por escrito. As partes apresentaram as suas respostas na Secretaria do Tribunal no prazo fixado.

18      O Tribunal Geral ouviu as alegações das partes e as suas respostas às questões que lhes havia colocado na audiência de 21 de janeiro de 2020.

19      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular a decisão impugnada;

–        a título subsidiário, anular a carta de 5 de setembro de 2017;

–        condenar a Comissão nas despesas.

20      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

 Questão de direito

 Quanto aos fundamentos de anulação

21      A recorrente invoca dois fundamentos de recurso.

22      Com o primeiro fundamento, a recorrente invoca a violação de uma formalidade essencial, a saber, do artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento 2015/1589, lido em conjugação com o artigo 4.o do mesmo regulamento.

23      O segundo fundamento está subdividido em três partes distintas.

24      Através da primeira parte do segundo fundamento, a recorrente invoca uma violação do artigo 107.o, n.o 3, alínea a), TFUE. Considera, no essencial, que a Comissão não se podia limitar a declarar que o auxílio em causa era compatível com o mercado interno ao abrigo do Regulamento n.o 651/2014, mas deveria também ter verificado a sua compatibilidade à luz da referida disposição.

25      No âmbito da segunda parte do segundo fundamento, a recorrente invoca a violação do artigo 109.o TFUE, lido em conjugação com os artigos 58.o, n.o 1, e 6.o, n.o 3, alínea a), do Regulamento n.o 651/2014. Argumenta, em substância, que o auxílio em causa não preenche as condições estabelecidas por esse regulamento, uma vez que constitui um auxílio ad hoc a favor de uma grande empresa.

26      Através da terceira parte do segundo fundamento, a recorrente invoca a violação do artigo 108.o, n.o 2, TFUE, lido em conjugação com o artigo 4.o, n.o 4, do Regulamento 2015/1589. Considera que a Comissão violou a sua obrigação de dar início ao procedimento formal de investigação que lhe incumbe devido às sérias dificuldades que teria encontrado na análise do auxílio em causa.

 Quanto à admissibilidade

27      Durante a fase escrita do processo, a Comissão alegou, por um lado, que o segundo pedido da recorrente, de anulação do ofício de 5 de setembro de 2017 que a notificou da decisão impugnada, era inadmissível e, por outro, que a recorrente não demonstrava legitimidade relativamente à primeira e segunda partes do segundo fundamento.

28      A recorrente contesta os argumentos da Comissão.

29      Questionada a este respeito na audiência, a Comissão indicou que já não tinha dúvidas quanto à admissibilidade da ação, o que foi registado na ata da audiência.

30      Com efeito, mesmo que a decisão impugnada seja formalmente dirigida apenas à República Eslovaca, decorre do seu n.o 65 final sob o título «Conclusão» que «a denúncia apresentada por um denunciante anónimo com base no artigo 24.o, n.o 2, do [Regulamento 2015/1589] é rejeitada por ser infundada». Uma vez que esse denunciante é claramente a recorrente, deve notar‑se que, ao fazê‑lo, a Comissão rejeitou expressamente essa denúncia no âmbito de uma fundamentação essencial de apoio à referida decisão, ou mesmo parecida ao dispositivo decisório, não obstante a jurisprudência constante que não lhe impõe tal obrigação (Acórdão de 2 de abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink's France, C‑367/95 P, EU:C:1998:154, n.os 45 e 46), de modo que a recorrente deve ser considerada individualizada de forma análoga à do seu destinatário, na aceção do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE.

31      Daqui decorre que o recurso é admissível na sua totalidade, independentemente da questão de saber se a decisão impugnada deve ser qualificada de decisão de não levantar objeções a título do artigo 4.o, n.o 3, do Regulamento 2015/1589 (v. n.os 35 a 59, infra). Em qualquer caso, resulta de jurisprudência constante que, contra tal decisão, um recorrente pode invocar qualquer fundamento suscetível de demonstrar que a apreciação das informações e dos elementos de que a Comissão dispõe, na fase preliminar de análise da medida notificada, deveria ter suscitado dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado interno (v. Acórdão de 24 de maio de 2011, Comissão/Kronoply e Kronotex, C 83/09 P, EU:C:2011:341, n.o 59 e jurisprudência referida). No caso em apreço, com o presente recurso, a recorrente, enquanto empresa concorrente do beneficiário do auxílio em causa e parte interessada na aceção do artigo 108.o, n.o 2, TFUE, pretende, nomeadamente, salvaguardar os direitos processuais que retiraria dessa disposição se a Comissão tivesse decidido dar início ao procedimento formal de investigação. Assim, para o efeito, são admissíveis não só o primeiro fundamento e a terceira parte do segundo fundamento, mas também a primeira e segunda partes do segundo fundamento, que se destinam a demonstrar que a apreciação das informações e dos elementos de que a Comissão dispunha na fase de análise preliminar deveria ter suscitado dúvidas quanto à compatibilidade do auxílio em causa com o mercado interno.

32      Por último, uma vez que o primeiro pedido da recorrente é admissível, não há necessidade de examinar a admissibilidade do segundo, apresentado a título subsidiário para o caso de o primeiro pedido ser declarado inadmissível.

 Quanto ao mérito

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento 2015/1589, lido em conjugação com o artigo 4.o do mesmo regulamento

33      Com o primeiro fundamento, a recorrente alega a violação de uma formalidade essencial, a saber, o artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento 2015/1589, lido em conjugação com o artigo 4.o do mesmo regulamento. Em substância, considera que, em resposta à denúncia apresentada pela Comissão, esta deveria ter adotado uma das decisões previstas no artigo 4.o, n.os 2 a 4, do mesmo regulamento, em vez da decisão impugnada.

34      A Comissão replica, em substância, que tendo em conta a sua conclusão segundo a qual o auxílio em causa estava isento, nos termos do Regulamento n.o 651/2014, da obrigação de notificação e autorização prevista no artigo 108.o, n.o 3, TFUE, o controlo da Comissão no caso em apreço se situava fora do âmbito do procedimento de análise preliminar, e não era nem competente nem obrigada a adotar uma das decisões previstas no artigo 4.o, n.os 2 a 4, do Regulamento 2015/1589. A decisão impugnada constitui uma decisão sui generis de natureza puramente declaratória.

35      Importa recordar a jurisprudência constante segundo a qual o artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento 2015/1589 impõe à Comissão, após terem sido eventualmente apresentadas as observações suplementares pelos interessados, ou expirado o prazo razoável, que encerre a fase de análise preliminar através de uma decisão ao abrigo do artigo 4.o, n.os 2, 3 ou 4, deste regulamento, ou seja, uma decisão que declare a inexistência do auxílio, uma decisão de não levantar objeções ou uma decisão de iniciar o procedimento formal de investigação (v., neste sentido, Acórdão de 31 de maio de 2017, DEI/Comissão, C‑228/16 P, EU:C:2017:409, n.o 29 e jurisprudência referida).

36      Esta obrigação é o corolário do reconhecimento do direito de que goza um denunciante em matéria de auxílios de Estado de desencadear, através da apresentação de uma denúncia ou de informações relativas a um auxílio alegadamente ilegal, a fase de análise preliminar que a Comissão deve obrigatoriamente encerrar através de uma decisão nos termos do artigo 4.o do Regulamento 2015/1589 (v., neste sentido, Acórdãos de 17 de julho de 2008, Athinaïki Techniki/Comissão, C‑521/06 P, EU:C:2008:422, n.os 37 a 40; de 16 de dezembro de 2010, Athinaïki Techniki/Comissão, C‑362/09 P, EU:C:2010:783, n.os 62 e 63, e de 16 de maio de 2013, Comissão/Ryanair, C‑615/11 P, não publicado, EU:C:2013:310, n.o 35).

37      Importa referir que, no caso em apreço, a Comissão era confrontada com uma denúncia que continha informações relativas a um auxílio alegadamente ilegal, por não ter sido notificado, e incompatível com as exigências decorrentes quer do Regulamento n.o 651/2014 quer do artigo 107.o, n.o 3, alínea a), TFUE.

38      Contrariamente ao que a Comissão afirma, os princípios enunciados nos n.os 35 e 36 aplicam‑se mutatis mutandis a uma denúncia apresentada por uma parte interessada que alega a inaplicabilidade ou a aplicação incorreta das condições de um regulamento de isenção por categoria, como o Regulamento n.o 651/2014, justificando que se considere que uma medida de auxílio está isenta da obrigação de notificação nos termos do artigo 108.o, n.o 3, TFUE. Com efeito, ao adotar tais regulamentos de isenção por categoria a Comissão não delega nas autoridades nacionais os seus poderes de controlo e de decisão em matéria de auxílios estatais, incluindo o tratamento de denúncias, conservando plenamente o seu poder de fiscalização, nos termos do artigo 108.o TFUE e do artigo 12.o, n.o 1, do Regulamento 2015/1589, no que respeita, nomeadamente, ao cumprimento por essas autoridades da obrigação fundamental de notificação das medidas de auxílio e à proibição da sua aplicação nos termos do artigo 108.o, n.o 3, TFUE. Esta apreciação impõe‑se ainda mais à luz dos critérios reconhecidos pela jurisprudência recente do Tribunal de Justiça (v., neste sentido, Acórdão de 29 de julho de 2019, Bayerische Motoren Werke e Freistaat Sachsen/Comissão, C‑654/17 P, EU:C:2019:634, n.os 132 a 135 e 140 a 144 e jurisprudência referida), sobre a relevância dos quais as partes tiveram ocasião de se pronunciar em resposta a uma questão escrita do Tribunal (v. n.o 17, supra) e na audiência.

39      Estes critérios são, nomeadamente, os indicados a seguir.

40      Em primeiro lugar, só se uma medida de auxílio adotada por um Estado‑Membro cumprir efetivamente todas as condições pertinentes previstas pelo Regulamento n.o 651/2014 é que esse Estado‑Membro está isento da sua obrigação de notificação e, inversamente, se um auxílio tiver sido concedido em aplicação desse regulamento, ainda que não estivessem cumpridas todas as condições para beneficiar dele, foi concedido em violação da obrigação de notificação e deve ser considerado ilegal (v., neste sentido, Acórdãos de 5 de março de 2019, Eesti Pagar, C‑349/17, EU:C:2019:172, n.o 99, e de 29 de julho de 2019, Bayerische Motoren Werke e Freistaat Sachsen/Comissão, C‑654/17 P, EU:C:2019:634, n.o 138).

41      Em segundo lugar, cabe à Comissão, nos termos do artigo 12.o, n.o 1, do Regulamento 2015/1589, examinar, por iniciativa própria ou no âmbito de uma denúncia apresentada por uma parte interessada, à luz dos artigos 107.o e 108.o TFUE, esse auxílio concedido em violação do Regulamento n.o 651/2014 (v., neste sentido, Acórdão de 29 de julho de 2019, Bayerische Motoren Werke e Freistaat Sachsen/Comissão, C‑654/17 P, EU:C:2019:634, n.o 140 e jurisprudência referida).

42      Em terceiro lugar, embora a Comissão esteja autorizada a adotar regulamentos de isenção por categoria de auxílio, de modo a assegurar o controlo eficaz das regras de concorrência em matéria de auxílios de Estado e a simplificar a gestão administrativa, tais regulamentos não podem enfraquecer, de modo algum, o seu controlo neste domínio (v. Acórdão de 29 de julho de 2019, Bayerische Motoren Werke e Freistaat Sachsen/Comissão, C‑654/17 P, EU:C:2019:634, n.o 141 e jurisprudência referida).

43      Em quarto lugar, daqui decorre que, com a adoção do Regulamento n.o 651/2014, a Comissão não conferiu qualquer poder de decisão definitiva às autoridades nacionais no que respeita ao alcance da isenção da obrigação de notificação e, assim, no que respeita à apreciação das condições estabelecidas por esse regulamento, a que essa isenção está subordinada, as referidas autoridades encontram‑se a este respeito no mesmo plano que os potenciais beneficiários de auxílios, e devem assegurar‑se de que as respetivas decisões dão cumprimento ao referido regulamento, de modo que quando uma autoridade nacional concede um auxílio mediante a aplicação errada do mesmo, fá‑lo com inobservância quer das disposições desse regulamento, quer do artigo 108.o, n.o 3, TFUE (v., neste sentido, Acórdãos de 5 de março de 2019, Eesti Pagar, C‑349/17, EU:C:2019:172, n.os 101 a 103, e de 29 de julho de 2019, Bayerische Motoren Werke e Freistaat Sachsen/Comissão, C‑654/17 P, EU:C:2019:634, n.os 142 e 143).

44      Em quinto lugar, quando um Estado‑Membro considera que um auxílio preenche as condições previstas pelo Regulamento n.o 651/2014, esse auxílio beneficia, quando muito, de uma presunção de compatibilidade com o mercado interno, podendo a conformidade desse auxílio com as referidas condições ser posta em causa tanto perante um órgão jurisdicional nacional ou uma autoridade nacional, como perante a Comissão (v., neste sentido, Acórdão de 29 de julho de 2019, Bayerische Motoren Werke e Freistaat Sachsen/Comissão, C‑654/17 P, EU:C:2019:634, n.o 144).

45      Em sexto lugar, o Regulamento n.o 651/2014 não afeta a competência exclusiva de que goza a Comissão para apreciar, nos termos do artigo 107.o, n.o 3, TFUE, a compatibilidade de um auxílio concedido em aplicação desse regulamento, continuando a Comissão, portanto, a ser a única que pode declarar esse auxílio compatível com o mercado interno nos termos dessa disposição (v., neste sentido, Acórdão de 29 de julho de 2019, Bayerische Motoren Werke e Freistaat Sachsen/Comissão, C‑654/17 P, EU:C:2019:634, n.o 146).

46      Resulta das considerações precedentes que o argumento da Comissão segundo o qual adotou a decisão impugnada fora do âmbito de um procedimento de análise preliminar, ou mesmo não era competente para efetuar uma análise preliminar para determinar se o auxílio em causa preenchia as condições de isenção do Regulamento n.o 651/2014, deve ser rejeitado. Por um lado, deve notar‑se que a denúncia da recorrente desencadeou o referido procedimento de análise preliminar que a Comissão tinha de encerrar através de uma decisão nos termos do artigo 4.o do Regulamento 2015/1589 (v. jurisprudência referida nos n.os 35 e 36, supra). Por outro lado, decorre dos n.os 38 a 45, supra, que tal denúncia podia ter precisamente por objeto o eventual incumprimento das disposições de um regulamento de isenção por categoria, cujo controlo incumbia à Comissão a título do seu poder de fiscalização previsto nos artigos 107.o n.o 3, e 108.o, n.o 3, TFUE. Assim, no caso em apreço, na sequência da denúncia da recorrente a Comissão tinha de realizar essa análise preliminar para verificar se as autoridades eslovacas tinham aplicado corretamente as disposições do Regulamento n.o 651/2014 ou se, pelo contrário, tinham violado a sua obrigação de notificação (v., neste sentido, Acórdão de 29 de julho de 2019, Bayerische Motoren Werke e Freistaat Sachsen/Comissão, C‑654/17 P, EU:C:2019:634, n.os 138, 140 a 144 e 146). Esse dever de análise da Comissão implicava, portanto, necessariamente, sob o controlo do juiz da União Europeia, a exigência de interpretar o alcance das condições de isenção pertinentes e de verificar a sua correta aplicação no caso em apreço, exigências que a Comissão parece, de resto, ter pretendido respeitar na decisão impugnada.

47      Além disso, o argumento da Comissão segundo o qual só teria sido competente para efetuar essa análise se a recorrente tivesse conseguido demonstrar que as condições de isenção relevantes não estavam preenchidas não pode ser aceite, uma vez que esse argumento resulta de um desconhecimento do alcance do seu dever de controlo, ou mesmo de uma inversão inadmissível do ónus da prova. Pelo contrário, quando a Comissão recebe uma denúncia alegando o incumprimento de certas disposições de um regulamento de isenção por categoria e, logo, a concessão de um auxílio ilegal, por não ter sido notificado, a Comissão não só é competente para verificar o mérito das alegações do denunciante, como também é obrigada a fazê‑lo, a fim de determinar se a medida em questão lhe devia ter sido notificada e se constitui, pois, um auxílio ilegal. Se assim não for, as autoridades nacionais gozariam de autonomia excessiva na aplicação destas disposições, o que seria contrário aos princípios de jurisprudência recordados no n.os 40 a 43, supra.

48      Pelas razões expostas nos n.os 46 e 47, supra, é igualmente infundado o argumento da Comissão segundo o qual não pode «bloquear» a aplicação de uma medida que é, segundo as autoridades nacionais, considerada isenta ao abrigo desse regulamento de isenção quando, na realidade, as condições de isenção não estão preenchidas. Com efeito, neste último caso, a falta de notificação da referida medida e a sua execução violam o artigo 108.o, n.o 3, TFUE, o que constitui uma acusação que deve poder ser submetida à Comissão, nomeadamente através de uma denúncia (v., neste sentido, Acórdão de 29 de julho de 2019, Bayerische Motoren Werke e Freistaat Sachsen/Comissão, C‑654/17 P, EU:C:2019:634, n.os 140 e 144).

49      Do mesmo modo, o argumento da Comissão segundo o qual o artigo 4.o do Regulamento 2015/1589 apenas se aplica à análise de uma notificação, e é inaplicável quando uma medida de auxílio preenche todas as condições necessárias de um regulamento de isenção por categoria, constitui uma interpretação errada dos princípios de jurisprudência recordados nos n.os 40 e 41, supra, uma vez que uma denúncia pode pôr em causa a conformidade da medida de auxílio com as referidas condições e, logo, a sua legalidade à luz do artigo 108.o, n.o 3, TFUE. Ao fazê‑lo, a Comissão confunde as premissas do controlo que deve ser efetuado na sequência de uma denúncia e no âmbito de um procedimento de análise preliminar, a saber, a análise da existência de um auxílio ilegal com base, nomeadamente, no facto de as condições de isenção não estarem preenchidas, com o resultado dessa análise (v. jurisprudência referida no n.o 46, supra).

50      Pelas mesmas razões, deve ser rejeitado o argumento circular da Comissão de que uma denúncia só é admissível quando diz respeito a uma violação da obrigação de notificação e, logo, à existência de um auxílio ilegal, mas não a auxílios notificados, e de que uma medida de auxílio que satisfaz as condições de isenção de um regulamento de isenção não pode constituir esse auxílio ilegal. Com efeito, este argumento viola os princípios enunciados nos n.os 138 a 144 do Acórdão de 29 de julho de 2019, Bayerische Motoren Werke e Freistaat Sachsen/Comissão (C‑654/17 P, EU:C:2019:634), segundo os quais cabe à Comissão analisar essa denúncia precisamente para se determinar se a alegação de incumprimento das condições de isenção e, por conseguinte, da obrigação de notificação, tem fundamento.

51      Das considerações precedentes resulta que nenhum dos argumentos apresentados pela Comissão para qualificar a decisão impugnada de decisão sui generis, adotada fora do âmbito do procedimento de análise preliminar e do previsto no artigo 4.o do Regulamento 2015/1589, pode ser acolhido.

52      Contudo, esta conclusão não implica que a decisão impugnada deva ser anulada por erro de direito, falta de base jurídica ou incompetência. Independentemente da qualificação pela Comissão da natureza da referida decisão, incumbe em última instância ao juiz da União determinar as suas reais natureza e alcance jurídicos à luz das regras aplicáveis, assim como interpretar a questão de saber se um ato da Comissão em matéria de auxílios de Estado é suscetível de recurso (v. Despacho de 11 de julho de 2019, Vattenfall Europe Nuclear Energy/Comissão, T‑674/18, não publicado, EU:T:2019:501, n.os 31 e seguintes e jurisprudência referida). Com efeito, essa interpretação é nomeadamente necessária para permitir a esse juiz determinar se o ato em causa é ilegal por ter sido adotado por uma autoridade incompetente ou por não ter uma base jurídica suficiente [v., neste sentido, Acórdãos de 6 de setembro de 2017, Eslováquia e Hungria/Conselho, C‑643/15 e C‑647/15, EU:C:2017:631, n.os 57 a 84, e de 25 de outubro de 2017, Comissão/Conselho (CMR‑15), C‑687/15, EU:C:2017:803, n.os 40 a 59].

53      Assim, há que apreciar se, pela sua substância e não pela sua forma, e não obstante o parecer contrário que a Comissão emitiu, em particular, no decurso da instância, a decisão impugnada constitui, na realidade, uma decisão nos termos do artigo 4.o do Regulamento 2015/1589.

54      A este respeito há que recordar que, no n.o 64 da decisão impugnada, a Comissão concluiu que, devido à sua compatibilidade com, nomeadamente, o Regulamento n.o 651/2014, o auxílio em causa estava isento e, logo, não era competente para o analisar no âmbito do procedimento de análise preliminar previsto no artigo 4.o do Regulamento 2015/1589. Além disso, no n.o 65 da referida decisão, indica‑se que a denúncia [da recorrente], na aceção do artigo 24.o, n.o 2, deste último regulamento, é rejeitada por infundada. Do mesmo modo, na carta de  5 de setembro de 2017 que comunica essa decisão à recorrente, a Comissão renunciou a precisar a base jurídica em que se baseava a referida decisão, limitando‑se a enunciar que se tratava de «uma decisão sobre o auxílio em causa». Finalmente, nos seus articulados e na audiência, alegou que a decisão em causa constituía uma decisão sui generis, adotada fora do quadro do procedimento de análise preliminar e do previsto no artigo 4.o do Regulamento 2015/1589, lido em conjugação com o artigo 15.o, n.o 1, do mesmo regulamento, e tinha um caráter puramente declaratório, não podendo indicar uma base jurídica expressa ou adequada para a mesma.

55      É à luz destes motivos que a recorrente alega, no seu primeiro fundamento, que a Comissão violou uma formalidade essencial que deve dar lugar à anulação da decisão impugnada.

56      Ora, como foi considerado nos n.os 35 a 51, supra, é juridicamente impossível não qualificar a decisão impugnada de decisão adotada na sequência de um procedimento de análise preliminar e, portanto, nos termos do artigo 4.o, n.o 3, do Regulamento 2015/1589.

57      A este respeito, deve salientar‑se que, tal como uma decisão ao abrigo do artigo 4.o, n.o 3, do Regulamento 2015/1589, a decisão impugnada é formalmente dirigida à República Eslovaca e, mais especificamente, ao Ministério dos Negócios Estrangeiros eslovaco (v. n.o 11, supra), e não à recorrente, que recebeu apenas, nos termos do artigo 24.o, n.o 2, terceiro parágrafo, do mesmo regulamento, uma cópia da referida decisão (v. n.o 12, supra).

58      Além disso, há que salientar que a decisão impugnada foi publicada no Jornal Oficial, sob a forma de resumo (dita publicação «cartouche») na aceção do artigo 32.o, n.o 1, do mesmo regulamento (JO 2017, C 336, p. 1), sob o título «Autorização de auxílios estatais no âmbito das disposições dos artigos 107.o e 108.o [TFUE]» e sob a rubrica dos «Casos relativamente aos quais a Comissão não levanta objeções» (v. n.o 13, supra) e, logo, entre os processos em que a Comissão foi levada a adotar decisões na aceção do artigo 4.o, n.o 3, do Regulamento 2015/1589.

59      Assim, tendo em conta que a decisão impugnada só pode constituir uma decisão de não levantar objeções aos auxílios em causa nos termos do artigo 4.o, n.o 3, do Regulamento 2015/1589, o primeiro fundamento, relativo à violação de uma formalidade essencial na medida em que a Comissão não adotou uma das decisões previstas no artigo 4.o, n.os 2 a 4, do mesmo regulamento, deve ser considerado improcedente.

60      Esta conclusão não prejudica, porém, o alcance do controlo que o Tribunal Geral é chamado a exercer relativamente à decisão impugnada, com base, nomeadamente, no segundo fundamento.

 Quanto à primeira parte do segundo fundamento, relativa a uma violação do artigo 107.o, n.o 3, alínea a), TFUE

61      Na primeira parte do segundo fundamento a recorrente alega uma violação do artigo 107.o, n.o 3, alínea a), TFUE, essencialmente porque, para além de analisar a compatibilidade do auxílio em causa com base no Regulamento n.o 651/2014, a Comissão deveria ter verificado se o referido auxílio era compatível com o mercado interno à luz do artigo 107.o, n.o 3, alínea a), TFUE, como lido à luz das Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014‑2020 (JO 2013, C 209, p. 1, a seguir «orientações sobre os auxílios regionais»), que preveem que seja tido em conta o critério da prevenção do excesso de capacidade. A Comissão responde, em substância, que o quadro jurídico relevante no caso em apreço é exclusivamente constituído pelos regulamentos de isenção por categoria aplicáveis, e não pelas referidas orientações.

62      Há que constatar que esta parte do fundamento não pode ser acolhida. Baseia‑se na premissa errada segundo a qual, quando recebe uma denúncia alegando o desrespeito das condições de um regulamento de isenção por categoria destinado a aplicar, nomeadamente, os critérios do artigo 107.o, n.o 3, alínea a), TFUE, a Comissão não se pode limitar a examinar se o auxílio em causa preenche as referidas condições, mas deve igualmente verificar a compatibilidade desse auxílio com o mercado interno à luz dessa disposição do Tratado FUE. Além disso, a recorrente considera erradamente que a referida disposição deve ser lida, nomeadamente, à luz das regras de conduta que a Comissão impôs a si própria, como as suas orientações sobre os auxílios regionais.

63      Com efeito, em primeiro lugar, sem prejuízo da possibilidade de pôr em causa a legalidade de uma disposição alegadamente lacunar de um regulamento de isenção por categoria à luz do artigo 107.o, n.o 3, alínea a), TFUE, ao invocar uma exceção de ilegalidade na aceção do artigo 277.o TFUE, o que a recorrente não fez no caso em apreço, as disposições de tal regulamento apresentam, do ponto de vista do Estado‑Membro em causa e dos particulares, uma regulamentação exaustiva das condições de isenção diretamente aplicáveis nele previstas. Qualquer outra interpretação teria por consequência que, apesar da reunião dessas condições de isenção, as autoridades nacionais não seriam automaticamente autorizadas a renunciar a uma notificação da medida em causa e a aplicá‑la, e continuariam a correr o risco de violar o artigo 108.o, n.o 3, TFUE (v., neste sentido, Acórdãos de 5 de março de 2019, Eesti Pagar, C‑349/17, EU:C:2019:172, n.os 59, 86, 87 e 99 e jurisprudência referida, e de 29 de julho de 2019, Bayerische Motoren Werke e Freistaat Sachsen/Comissão, C‑654/17 P, EU:C:2019:634, n.os 128 e 138).

64      Ora, essa interpretação arriscar‑se‑ia a prejudicar não apenas a aplicabilidade direta, na aceção do artigo 288.o, segundo parágrafo, TFUE, das disposições de um regulamento de isenção por categoria, mas também o seu efeito útil, que reside precisamente no objetivo, referido no artigo 109.o TFUE, de estabelecer as categorias de auxílios que estão ipso facto dispensadas do procedimento previsto no artigo 108.o, n.o 3, TFUE, e logo, o princípio da segurança jurídica. Assim, resulta do considerando 7 do Regulamento n.o 651/2014 que só os auxílios de Estado que não sejam abrangidos pelo referido regulamento continuam a estar sujeitos à obrigação de notificação prevista no artigo 108.o, n.o 3, TFUE (v., neste sentido, Acórdãos de 5 de março de 2019, Eesti Pagar, C‑349/17, EU:C:2019:172, n.os 57 a 59, e de 29 de julho de 2019, Bayerische Motoren Werke e Freistaat Sachsen/Comissão, C‑654/17 P, EU:C:2019:634, n.os 127 e 128).

65      Estes princípios aplicam‑se mutatis mutandis quando a Comissão é chamada a verificar se as autoridades nacionais aplicaram corretamente as disposições de um regulamento de isenção por categoria. Se assim não fosse, as consequências jurídicas de tal regulamento, nomeadamente o efeito imediato da derrogação à obrigação de notificação de um auxílio, e o caráter diretamente aplicável e juridicamente exaustivo das condições de isenção para esse efeito só seriam postas em causa pela circunstância de a Comissão ter recebido uma denúncia que a levou a verificar ex post facto se as autoridades nacionais cometeram erros a esse respeito, violando, portanto, a sua obrigação de notificação. Ora, embora caiba à Comissão, sob a supervisão do juiz da União, verificar a existência de tais erros, o seu dever de fiscalização não é, contudo, suscetível de afetar esta natureza jurídica das disposições de um regulamento de isenção por categoria.

66      Em segundo lugar, o critério da prevenção do excesso de capacidade no mercado em causa não é mencionado como condição de isenção de um auxílio regional ao investimento na aceção do artigo 14.o do Regulamento (CE) n.o 651/2014. Assim, a recorrente não pode alegar que o referido regulamento exige que as autoridades nacionais ou a Comissão tenham em consideração a eventual criação de tais excessos de capacidade. A Comissão afirma, portanto, corretamente que, com base nesse regulamento, não era competente para apreciar esse aspeto no contexto da análise da denúncia da recorrente e que a sua análise das condições do artigo 14.o do mesmo regulamento, tal como enunciada no n.o 57, alíneas a) e b), da decisão impugnada, era, em princípio, suficiente.

67      Daqui decorre que o argumento da recorrente de que, ao adotar um regulamento de isenção por categoria, a Comissão não «esgotou» o seu poder de apreciação nos termos do artigo 107.o, n.o 3, TFUE deve igualmente ser rejeitado. Mesmo admitindo que determinadas disposições de um regulamento de isenção por categoria se revelem lacunares e incompatíveis com o direito primário, nomeadamente com o artigo 107.o, n.o 3, TFUE, o que teria automaticamente por consequência uma violação da obrigação de notificação e, sendo caso disso, da proibição de execução dos auxílios em causa na aceção do artigo 108.o, n.o 3, TFUE, só na sequência de uma exceção de ilegalidade invocada nos termos do artigo 277.o TFUE o Tribunal poderia delas conhecer. Contudo, no caso vertente, a recorrente não invocou, ao abrigo dessa disposição e por esses motivos, a ilegalidade, pelo menos parcial, do artigo 14.o do Regulamento n.o 651/2014.

68      Importa precisar que se, de qualquer forma, na sequência da apresentação de uma denúncia, a Comissão verificasse que as autoridades nacionais tinham aplicado incorretamente as condições de um regulamento de isenção por categoria, de modo que, na realidade, o auxílio em questão deveria ter sido notificado ao abrigo do artigo 108.o, n.o 3, TFUE, teria, é certo, que apreciar a compatibilidade desse auxílio à luz do artigo 107.o, n.o 3, alínea a), TFUE, tendo em conta critérios suplementares das orientações sobre os auxílios regionais que a si própria impôs a esse respeito. Em contrapartida, o exercício enquanto tal desse controlo sobre o cumprimento, por parte das autoridades nacionais, das condições de isenção previstas num regulamento de isenção por categoria equivale a um puro controlo da legalidade, necessariamente desprovido de considerações que se enquadram no poder de apreciação de que a Comissão dispõe apenas quando aplica, num caso individual, o artigo 107.o, n.o 3, alínea a), TFUE (v., neste sentido, Acórdão de 5 de março de 2019, Eesti Pagar, C‑349/17, EU:C:2019:172, n.os 78 e 79).

69      Em terceiro lugar, independentemente do acima exposto, a recorrente não demonstrou que a jurisprudência relativa ao artigo 107.o, n.o 3, alínea a), TFUE prevê a tomada em consideração de um critério de prevenção do excesso de capacidade no mercado em causa como uma exigência decorrente do direito primário enquanto tal. A este respeito, importa recordar que esta disposição derrogatória não exige a ausência de distorção ou de ameaça de distorção da concorrência, que é apenas um critério do conceito de auxílio previsto no artigo 107.o, n.o 1, TFUE. Pelo contrário, a aplicação do artigo 107.o, n.o 3, alínea a), TFUE ou de um regulamento de isenção por categoria que precise o seu alcance no plano do direito secundário implica necessariamente que a medida em causa reúna todas as condições do conceito de auxílio, incluindo a relativa à distorção da concorrência, sem que seja necessário reexaminar o seu impacto anticoncorrencial, nomeadamente devido à criação de excesso de capacidade no mercado em causa (v., neste sentido, Acórdãos de 29 de julho de 2019, Bayerische Motoren Werke e Freistaat Sachsen/Comissão, C‑654/17 P, EU:C:2019:634, n.os 93 e 94, e de 20 de junho de 2019, a&o hostel and hotel Berlin/Comissão, T‑578/17, não publicado, EU:T:2019:437, n.o 123). Com efeito, contrariamente ao artigo 107.o, n.o 3, alínea c), TFUE, no âmbito do artigo 107.o, n.o 3, alínea a), TFUE, nem sequer é necessário verificar se as condições das trocas comerciais são alteradas de maneira que contrariem o interesse comum.

70      Em contrapartida, a jurisprudência invocada pela recorrente está exclusivamente associada à interpretação e à aplicação de regras de conduta que a Comissão impôs a si própria, e não à do alcance do direito primário com o qual as referidas regras devem todavia ser compatíveis, e que o Tribunal de Justiça reconheceu não serem suscetíveis de esgotar completamente o poder de apreciação da Comissão a título do artigo 107.o, n.o 3, TFUE (v., neste sentido, Acórdãos de 8 de março de 2016, Grécia/Comissão, C‑431/14 P, EU:C:2016:145, n.os 71 e 72; de 19 de julho de 2016, Kotnik e o., C‑526/14, EU:C:2016:570, n.o 41, e de 29 de julho de 2019, Bayerische Motoren Werke e Freistaat Sachsen/Comissão, C‑654/17 P, EU:C:2019:634, n.o 83). Além disso, o juiz da União limitou‑se a apreciar, fora do âmbito de aplicação de um regulamento de isenção por categoria, se a Comissão tinha aplicado erradamente as regras de conduta que visavam explicitamente o problema do excesso de capacidade, e se tinha portanto cometido um erro manifesto de apreciação a este respeito (v., neste sentido, Acórdãos de 14 de janeiro de 1997, Espanha/Comissão, C‑169/95, EU:C:1997:10, n.o 22, e de 9 de setembro de 2009, Holland Malt/Comissão, T‑369/06, EU:T:2009:319, n.o 136). Neste contexto, contudo, esse juiz não examinou se, pelo contrário, como alega a recorrente, determinados critérios adotados nessas regras de conduta decorriam diretamente de exigências impostas pelo direito primário enquanto tal, nem avaliou o alcance jurídico ou mesmo a legalidade de um regulamento de isenção por categoria à luz do direito primário.

71      Em quarto lugar, importa recordar a jurisprudência assente que reconhece que, no exercício do seu amplo poder de apreciação, ao abrigo do artigo 107.o, n.o 3, TFUE, a Comissão pode adotar orientações para estabelecer os critérios com base nos quais pretende avaliar a compatibilidade, com o mercado interno, de medidas de auxílio previstas pelos Estados‑Membros. Ao adotar tais regras de conduta e ao anunciar, através da sua publicação, que as aplicará aos casos a que essas regras dizem respeito, a Comissão autolimita‑se no exercício do referido poder de apreciação e não pode, em princípio, desrespeitar essas regras sob pena de poder ser sancionada, sendo caso disso, por violação de princípios gerais do direito, como a igualdade de tratamento ou a proteção da confiança legítima (v. Acórdão de 29 de julho de 2019, Bayerische Motoren Werke e Freistaat Sachsen/Comissão, C‑654/17 P, EU:C:2019:634, n.os 81 e 82 e jurisprudência aí referida). Além disso, embora a Comissão esteja vinculada por essas regras, só o está na medida em que estas não se afastem de uma boa aplicação do Tratado, pois não podem ser interpretadas num sentido que reduza o alcance dos artigos 107.o CE e 108.o TFUE ou que contradiga os seus objetivos (v. Acórdão de 11 de setembro de 2008, Alemanha e o./Kronofrance, C‑75/05 P e C‑80/05 P, EU:C:2008:482, n.o 65 e jurisprudência referida).

72      Estas considerações aplicam‑se mutatis mutandis às disposições de um regulamento de isenção por categoria que constituem também o resultado de um exercício ex ante, pela Comissão, das suas competências ao abrigo do artigo 107.o, n.o 3, TFUE (v., neste sentido, Acórdãos de 5 de março de 2019, Eesti Pagar, C‑349/17, EU:C:2019:172, n.os 65 e 102, e de 29 de julho de 2019, Bayerische Motoren Werke e Freistaat Sachsen/Comissão, C‑654/17 P, EU:C:2019:634, n.o 135), mas que, diferentemente das regras de conduta, são juridicamente vinculativas e diretamente aplicáveis na ordem jurídica interna dos Estados‑Membros por força do artigo 288.o, segundo parágrafo, TFUE. Com efeito, estas disposições criam um efeito restritivo em relação à Comissão, na medida em que especificam os critérios para os auxílios que devem ser considerados ipso facto isentos ao abrigo do artigo 107.o, n.o 3, TFUE, de modo que esses auxílios escapam à obrigação de notificação e de verificação pela Comissão desde que, é certo, esses critérios estejam em conformidade com as normas superiores de direito, entre as quais os artigos 107.o e 108.o TFUE. Além disso, o alcance das disposições juridicamente vinculativas e diretamente aplicáveis de um regulamento de isenção por categoria não pode, em princípio, ser relativizado por regras de conduta. Isso é tanto menos possível quanto, por um lado, as referidas regras não são em caso algum juridicamente vinculativas para os Estados‑Membros (v., neste sentido, Acórdão de 19 de julho de 2016, Kotnik e o., C‑526/14, EU:C:2016:570, n.o 44) e, por outro, se destinam, nomeadamente, a guiar e limitar o exercício pela Comissão do seu poder de apreciação quando da aplicação do artigo 107.o, n.o 3, TFUE no quadro de um processo a título do artigo 108.o, n.o 2, TFUE e, logo, fora do âmbito de aplicação de um regulamento de isenção por categoria.

73      Por conseguinte, tais regras de conduta adotadas pela Comissão ao abrigo do seu poder de organização dos procedimentos em matéria de auxílios estatais não podem derrogar as normas jurídicas superiores, incluindo os regulamentos de isenção por categoria. Assim, qualquer que seja o alcance das referidas regras de conduta, elas não são, enquanto tal, suscetíveis de relativizar o alcance das condições de isenção previstas por tais regulamentos.

74      Em quinto lugar, importa referir que o artigo 14.o do Regulamento n.o 651/2014, aplicável no caso em apreço, não faz referência às orientações sobre os auxílios regionais, nomeadamente ao seu ponto 114 relativo aos efeitos anticoncorrenciais de uma expansão de capacidade provocada por um auxílio estatal. A este respeito, o referido artigo difere claramente do n.o 1 do artigo 15.o do mesmo regulamento relativo aos auxílios ao funcionamento com finalidade regional, na medida em que menciona explicitamente o ponto 161 das referidas orientações. Assim, a Comissão não tencionava fazer depender as condições de compatibilidade dos auxílios ao investimento regional das regras de conduta estabelecidas nessas orientações. Por conseguinte, contrariamente ao que alega a recorrente, nem as autoridades nacionais nem a Comissão eram obrigadas a tê‑las em conta na interpretação e aplicação do artigo 14.o do referido regulamento.

75      Finalmente, esta apreciação não é posta em causa pelos argumentos da recorrente relativos ao princípio da proporcionalidade e ao seu direito à liberdade de empresa. A este respeito, basta constatar que não salientou a eventual ilegalidade do artigo 14.o do Regulamento n.o 651/2014 à luz dessas normas jurídicas superiores nos termos do artigo 277.o TFUE, nem explicou, pelo menos, de que forma, não obstante a sua redação clara e exaustiva, o referido regulamento poderia ser interpretado em conformidade com essas normas, de modo a que a eventual criação de excesso de capacidade no mercado em causa devesse ser tida em conta.

76      Consequentemente, há que declarar improcedente a primeira parte do segundo fundamento.

 Quanto à segunda parte do segundo fundamento, relativa a uma violação do artigo 109.o TFUE, lido em conjugação com os artigos 58.o, n.o 1, e 6.o, n.o 3, alínea a), do Regulamento n.o 651/2014

–       Quanto à primeira acusação, relativa à qualificação errada da empresa beneficiária como PME

77      Na segunda parte do segundo fundamento, a recorrente invoca, no âmbito de uma primeira acusação, um erro de apreciação ou de direito cometido pela Comissão na aplicação do artigo 6.o, n.o 3, alínea a), do Regulamento n.o 651/2014, com o fundamento principal de que o auxílio em causa é, de facto, um auxílio ad hoc concedido a uma grande empresa. A Comissão violou esta disposição ao aceitar erradamente e ao não verificar a qualificação pelas autoridades eslovacas da empresa beneficiária como PME, na aceção do artigo 2.o, n.o 1, do anexo I do mesmo regulamento. Ora, tendo em conta as ligações societárias e de controlo que caracterizavam a situação dessa empresa antes e depois da cessão das suas ações pela sociedade P. à sociedade N., nos termos do artigo 3.o e, pelo menos, do artigo 4.o, n.o 2, do referido anexo, a empresa devia ter sido qualificada de grande empresa. A Comissão não investigou adequadamente as ligações entre a sociedade P., por um lado, e uma família e outras sociedades que os seus membros dirigiam ou controlavam, por outro, assim como a situação do principal acionista da sociedade N. desde 7 de agosto de 2013, incluindo as suas ligações com outras sociedades. Por estas razões, a Comissão cometeu um erro na aplicação dos critérios que regem os auxílios ad hoc concedidos às grandes empresas, na aceção do artigo 6.o, n.o 3, alínea a), do referido regulamento e, na falta de uma investigação diligente e completa sobre esses pontos, deveria ter tido dúvidas quanto à compatibilidade deste auxílio com o mercado interno. Na sua resposta às questões escritas do Tribunal Geral, a recorrente afirma que, de qualquer modo, para poder qualificar a empresa em questão de PME, a Comissão deveria ter examinado se estavam preenchidas as condições do artigo 4.o, n.o 2, desse anexo, circunstância da qual não existe qualquer vestígio na fundamentação da decisão impugnada, contrariamente às exigências do artigo 296.o, segundo parágrafo, TFUE.

78      A Comissão responde, em substância, que, na sequência de um contrato de cessão de 100 % das ações da empresa beneficiária, celebrado entre as sociedades P. e N., em 31 de dezembro de 2012, e inscrito no Registo Comercial Eslovaco em 7 de agosto de 2013, no momento da concessão do auxílio em causa, ou seja, 7 de novembro de 2013, a empresa beneficiária era uma PME, cujo único proprietário era a sociedade N. O argumento relativo ao controlo da sociedade P. por certas pessoas singulares é, portanto, inoperante, uma vez que esta última sociedade e a referida empresa só foram empresas associadas, na aceção do artigo 3.o, n.o 3, terceiro parágrafo, do anexo da Recomendação 2003/361/CE da Comissão, de 6 de maio de 2003, relativa à definição de micro, pequenas e médias empresas (JO 2003, L 124, p. 36, a seguir «Recomendação PME»), antes da aquisição das ações pela sociedade N. Em qualquer caso, não havia qualquer razão para duvidar das informações fornecidas pelas autoridades eslovacas segundo as quais a sociedade P. e as empresas a ela associadas não tinham mais de 120 empregados em 2010 e 2011, e o volume de negócios de 50 milhões de euros ou o balanço total anual de 43 milhões de euros não foram excedidos. Além disso, as participações dessa empresa noutras empresas a partir de 9 de julho de 2011 não tinham reunido os critérios referidos no artigo 3.o, n.os 2 e 3, do anexo I do Regulamento n.o 651/2014. O argumento segundo o qual uma família continuava a exercer uma influência determinante sobre a empresa P. é inoperante, uma vez que no momento em que o auxílio em questão foi concedido a empresa já não detinha ações da empresa em questão. Segundo a Comissão, o argumento relativo ao prazo de dois anos previsto no artigo 4.o, n.o 2, do referido anexo é igualmente inoperante, uma vez que a sociedade P. não podia ser qualificada de grande empresa durante o período em causa.

79      A Comissão observa que a empresa beneficiária e a sociedade N. não estavam associadas a outras empresas através de certas pessoas singulares, na aceção do artigo 3.o, n.o 3, quarto parágrafo, do anexo I do Regulamento n.o 651/2014. É certo que o diretor‑geral da empresa beneficiária durante o período de 1 de março a 28 de dezembro de 2012 e o seu diretor‑adjunto desde 28 de dezembro de 2012 detinham vários mandatos em diferentes empresas. No entanto, com exceção de um contrato de arrendamento celebrado com a sociedade E. F., nenhuma destas empresas operava no mesmo mercado que a empresa beneficiária ou num mercado contíguo. Em particular, de acordo com a informação disponível no Registo Comercial Eslovaco, a sociedade L. operava em múltiplos setores da economia. O mapa do depósito de Borský Peter apresentado pela recorrente carece de precisão e não tem qualquer valor probatório no que diz respeito a possíveis ligações entre esta última empresa e a empresa beneficiária. A Comissão afirma não dispor de indícios demonstrando que este diretor‑geral teve uma influência dominante ou um estatuto de proprietário relativamente à sociedade L., ou que a empresa beneficiária ou a sociedade N. agiram em concertação com a sociedade L. a ponto de não poderem ser consideradas empresas economicamente independentes entre si.

80      A Comissão conclui que a empresa beneficiária preenchia todas as condições para ser qualificada de PME no momento da concessão do auxílio. Para demonstrar o efeito de incentivo do referido auxílio na aceção do artigo 6.o, n.o 2, do Regulamento n.o 651/2014, teria sido, portanto, suficiente demonstrar que o pedido de concessão tinha sido apresentado antes do início dos trabalhos para o projeto de investimento.

81      A título liminar, importa recordar que, segundo o que ficou registado na ata da audiência, as partes consideram que a questão de saber se a empresa beneficiária constituía, no momento da concessão do auxílio em causa, uma PME na aceção do anexo I do Regulamento n.o 651/2014, cuja redação corresponde à do anexo da Recomendação PME, é uma questão de direito, sujeita ao controlo do Tribunal Geral, que é determinante para a solução do presente litígio. A este respeito, a Comissão precisa, sem ser contrariada pela recorrente, que, como resulta do n.o 57, alínea b), da decisão impugnada, nos termos do artigo 14.o, n.o 12, do referido regulamento, a intensidade do auxílio em equivalente‑subvenção bruto (ESB) não deve exceder a intensidade máxima de auxílio estabelecida no mapa de auxílios com finalidade regional em vigor no momento da concessão do auxílio na zona assistida em causa, que neste caso é o mapa eslovaco dos auxílios regionais para o período 2007‑2013, que prevê um limite máximo de ESB de 40 % para as grandes empresas. Além disso, de acordo com o mesmo ponto, em conformidade com o artigo 14.o, n.o 2, desse regulamento, lido em conjugação com a definição de «zona assistida» constante do artigo 2.o do mesmo regulamento, tinha de ser respeitado o ESB máximo ao abrigo do mapa eslovaco dos auxílios com finalidade regional para o período 2014‑2020, ou seja, 25 % para as grandes empresas, 35 % para as médias, e 45 % para as pequenas empresas.

82      No que respeita ao conteúdo da decisão impugnada, deve notar‑se que a acusação da recorrente é sucintamente resumida no n.o 24 da referida decisão, expondo as alegadas ligações entre a empresa beneficiária, por um lado, e a sociedade P. e os seus proprietários ou gestores, por outro. Nos n.os 38 e 39 da decisão são expostas as informações prestadas pelas autoridades eslovacas sobre as ligações societárias que afetavam a situação da referida empresa no momento da concessão do auxílio em causa, quando 100 % das suas partes sociais eram detidas apenas pela sociedade N., ela própria controlada por duas pessoas singulares, à razão de 99,94 % e de 0,06 %, respetivamente, sendo a primeira o diretor‑geral da empresa.

83      Contudo, nos n.os 38 e 39 da decisão impugnada falta uma apresentação das ligações societárias e de controlo da empresa beneficiária com, nomeadamente, a sociedade P. e os seus acionistas ou administradores, a antecessora da sociedade N.. Tal corresponde ao conteúdo das observações apresentadas pelas autoridades eslovacas por carta de 13 de maio de 2016, em resposta a um pedido de informação da Comissão. Nessas observações, as referidas autoridades afirmaram o caráter inoperante das alegações da recorrente uma vez que, no momento da concessão do auxílio em causa, a sociedade P. não dispunha de ligações societárias ou de controlo, na aceção do artigo 3.o do anexo I do Regulamento n.o 651/2014, nem com a empresa beneficiária nem com a sociedade N. Quanto à situação da sociedade P., as autoridades eslovacas limitaram‑se a afirmar que a estrutura acionista dessa sociedade lhe era desconhecida, não estando tais informações acessíveis ao público. Além disso, segundo as referidas autoridades, o vice‑presidente do Conselho de administração da empresa beneficiária até 14 de março de 2012 não era nem acionista nem membro de outra sociedade estabelecida na Eslováquia durante o período de 14 de março a 31 de dezembro de 2012.

84      Estes elementos indicam, juntamente aos argumentos apresentados pela Comissão durante o processo, incluindo em resposta às questões escritas do Tribunal (v. n.os 78 a 80, supra), que esta ficou satisfeita com estas observações das autoridades eslovacas sobre a situação da empresa beneficiária, como era antes da cessão das suas ações à sociedade N., ou seja, quando ainda estava sob o controlo da sociedade P. Esta apreciação é confirmada pelos motivos expostos no n.o 57, alínea d), da decisão impugnada, em que a Comissão toma posição sobre a acusação da recorrente tendo em conta as observações das autoridades eslovacas. Em substância, observa que, na opinião da Comissão, as referidas autoridades demonstraram suficientemente que a empresa beneficiária era uma PME no momento da concessão do auxílio em causa, que ocorreu, ao abrigo do direito eslovaco aplicável, em 7 de novembro de 2013. A Comissão considera aí que não existe qualquer relação entre a empresa beneficiária e a sociedade N., no sentido dos conceitos de «empresas parceiras» ou «empresas associadas», como definidas no artigo 3.o, n.os 2 e 3, primeiro a terceiro parágrafos, do anexo da Recomendação PME, cujo texto corresponde ao do artigo 3.o, n.os 2 e 3, do anexo I do Regulamento n.o 651/2014. Do mesmo modo, considera que, tendo em conta a jurisprudência e a sua prática decisória, no caso em apreço não está preenchido o critério das empresas ligadas por intermédio de uma pessoa singular ou de um grupo de pessoas singulares que atuem concertadamente, desde que, pelo menos uma parte das suas atividades seja realizada num mesmo mercado em causa ou em mercados contíguos, na aceção do artigo 3.o, n.o 3, quarto e quinto parágrafos, do anexo da referida recomendação, cujo texto corresponde ao do artigo 3.o, n.o 3, quarto e quinto parágrafos, do anexo I do referido regulamento. Ora, na falta de provas de relações comerciais fortes, nomeadamente sob a forma de contratos de venda ou de compra, de partilha de fornecedores, ou de outros interesses comerciais, entre a empresa beneficiária, por um lado, e a sociedade N. e o seu acionista principal, por outro, a referida empresa e a referida sociedade não podem ser qualificadas de empresas associadas no momento da concessão do auxílio em causa. A Comissão conclui, à semelhança das autoridades eslovacas, que esta empresa, juntamente com a sociedade N., constitui uma PME. Em apoio desta conclusão, a decisão impugnada inclui um quadro que expõe o número conjunto de empregados, os volumes de negócios combinados, e os resultados anuais combinados da empresa beneficiária e da sociedade N. durante os anos 2010 a 2015.

85      A este respeito, importa recordar que, de facto, no momento da concessão do auxílio em causa, em 7 de novembro de 2013, já não existia qualquer ligação estrutural entre a empresa beneficiária e a sociedade P, que tinha cedido todas as suas participações na referida empresa à sociedade N. Como afirma a Comissão, em conformidade com a jurisprudência (Acórdãos de 21 de março de 2013, Magdeburger Mühlenwerke, C‑129/12, EU:C:2013:200, n.o 40, e de 6 de julho de 2017, Nerea, C‑245/16, EU:C:2017:521, n.os 32 e 33), a definição da «Data de concessão do auxílio», constante do artigo 2.o, ponto 28, do Regulamento n.o 651/2014, dispõe que se trata da data em que se confere ao beneficiário o direito de receber o auxílio, de acordo com o regime nacional aplicável. Com efeito, como resulta dos n.os 45 a 47 da decisão impugnada, nos termos do direito civil eslovaco aplicável o contrato de subvenção, como celebrado entre a Agência Eslovaca de Inovação e Energia e a empresa beneficiária, em 29 de outubro de 2013, só entrou em vigor a 7 de novembro de 2013, ou seja, um dia após a sua publicação no Registo Central de Contratos eslovaco. Assim, no caso em apreço, a Comissão tinha de apreciar se as autoridades eslovacas tinham considerado corretamente se, em 7 de novembro de 2013, no momento em que era exclusivamente controlada pela sociedade N., a empresa beneficiária era uma PME.

86      Contudo, não obstante o facto de a data relevante para apreciar o estatuto de PME da empresa beneficiária ser 7 de novembro de 2013, os indícios apresentados pela recorrente relativos às ligações entre a empresa beneficiária e a sociedade P., a antecessora legal da sociedade N., podiam suscitar dúvidas por parte da Comissão, na aceção do artigo 4.o, n.o 4, do Regulamento 2015/1589, quanto à caracterização da empresa beneficiária como PME na aceção do anexo I do Regulamento n.o 651/2014 e, consequentemente, quanto à ilegalidade e incompatibilidade do auxílio com o mercado interno.

87      A este respeito, a recorrente tem razão ao invocar o artigo 4.o do anexo I do Regulamento n.o 651/2014, intitulado «Dados a utilizar no cálculo dos efetivos e dos montantes financeiros e período de referência», e cuja redação corresponde perfeitamente à do artigo 4.o do anexo da Recomendação PME. Os n.os 1 e 2 deste artigo dispõem o seguinte:

«1.      Os dados a utilizar no cálculo dos efetivos e dos montantes financeiros são os do último exercício contabilístico encerrado, calculados numa base anual. Os dados devem ser tidos em conta a partir da data de encerramento das contas. O montante do volume de negócios considerado é calculado com exclusão do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) e de outros impostos indiretos.

2. Se uma empresa verificar, na data de encerramento das contas, que excedeu ou ficou aquém, em termos anuais, do limiar de efetivos ou dos limiares financeiros indicados no artigo 2.o, essa circunstância não a faz adquirir ou perder a qualidade de [PME], salvo se tal se repetir durante dois exercícios consecutivos.»

88      O artigo 4.o do anexo I do Regulamento n.o 651/2014 prevê o método de cálculo, relativo ao último exercício contabilístico encerrado e numa base anual, destinado a determinar a presença dos três critérios que constituem uma PME, tal como referidos no artigo 2.o, n.o 1, do referido anexo, a saber, um efetivo inferior a 250 pessoas, um volume de negócios anual máximo de 50 milhões de euros e um balanço total anual não superior a 43 milhões de euros. Além disso, não é contestado pelas partes que, em caso de presença de empresas associadas na aceção do artigo 3.o, n.o 3, desse anexo, este cálculo deve incluir os dados relevantes de todas essas empresas. Assim, em conformidade com esta exigência, no n.o 57, alínea d), in fine, da decisão impugnada, figura um quadro que apresenta os dados combinados da empresa beneficiária e da sociedade N. relativos aos três critérios cumulativos e constitutivos de uma PME, como referidos no artigo 2.o, n.o 1, do mesmo anexo, para os anos de 2010 a 2015.

89      Na audiência, todavia, a Comissão, invocando a p. 14 do «Guia do utilizador da definição de PME», como publicado em 2015 pelo Serviço das Publicações da União Europeia (OP), contestou a aplicabilidade do artigo 4.o, n.o 2, do anexo I do Regulamento n.o 651/2014 a uma mudança de propriedade de uma empresa, como a que ocorreu, no presente caso, entre as sociedades P. e N. em relação à empresa beneficiária. Neste guia explica‑se, nomeadamente, que a regra análoga do anexo da Recomendação PME «não se aplica no caso de empresas que excedam os limiares de PME pertinentes na sequência de uma mudança de propriedade, de uma fusão ou de uma aquisição» e que tais empresas «devem ser avaliadas em função da sua estrutura de acionistas na data da operação, e não no momento do encerramento das contas mais recentes». Esta afirmação é seguida de uma referência ao ponto 1.1.3.1., alínea 6), subalínea e), da Decisão 2012/838/UE, Euratom da Comissão, de 18 de dezembro de 2012, relativa à adoção de regras destinadas a assegurar uma verificação coerente da existência e estatuto jurídico dos participantes, bem como da sua capacidade financeira e operacional, em ações indiretas que beneficiam de apoio sob a forma de uma subvenção no âmbito do Sétimo Programa‑Quadro da Comunidade Europeia de atividades em matéria de investigação, desenvolvimento tecnológico e demonstração e do Sétimo Programa‑Quadro da Comunidade Europeia da Energia Atómica de atividades de investigação e formação em matéria nuclear (JO 2012, L 359, p. 45), em que se especifica, de facto, que a referida «regra não é aplicável caso se verifique a fusão ou aquisição de uma PME por um grupo de maior dimensão, perdendo então a PME o seu estatuto imediatamente a partir da data da operação».

90      A este respeito, basta notar que o «Guia do utilizador da definição de PME», ao qual a decisão impugnada não faz, aliás, referência, não constitui um texto juridicamente vinculativo suscetível de derrogar ou reduzir o âmbito de aplicação da regra vinculativa do artigo 4.o, n.o 2, do anexo I do Regulamento n.o 651/2014. Da mesma forma, numa «declaração de exoneração de responsabilidade» que consta da sua segunda página, precisa‑se que este guia «serve de orientação geral para os empresários e outras partes interessadas, na aplicação da definição de PME», mas «não tem qualquer força jurídica e não vincula a Comissão», sendo a Recomendação PME «a única base que faz fé para determinar as condições relativas à qualificação como PME». A referência ao ponto 1.1.3.1, alínea 6), subalínea e), da Decisão 2012/838 não pode invalidar essa apreciação, uma vez que esta disposição, cujo âmbito de aplicação se limita às atividades de investigação e formação no domínio nuclear, não é aplicável ao presente caso. Este argumento da Comissão deve, pois, ser rejeitado por infundado.

91      Por conseguinte, no caso vertente, a Comissão era obrigada a aplicar o artigo 4.o, n.o 2, do anexo I do Regulamento n.o 651/2014.

92      Contudo, por um lado, não resulta nem das observações das autoridades eslovacas constantes dos autos, nem da decisão impugnada, nem dos articulados da Comissão no decurso da instância, mesmo na sequência de uma questão escrita específica do Tribunal Geral a esse respeito, qual era, no caso vertente, o exercício contabilístico encerrado que as referidas autoridades tiveram em consideração para efeitos do cálculo, numa base anual, nos termos artigo 2.o, n.o 1, do Regulamento n.o 651/2014, lido em conjugação com os artigos 3.o, n.o 3 e 4.o, n.o 2, do anexo I do referido regulamento. Por outro lado, a apresentação, na referida decisão, dos dados combinados da empresa beneficiária e da sociedade N. para os anos 2010 a 2012 não tem em conta o facto de, durante esse período e uma parte substancial de 2013, a empresa beneficiária ter sido controlada pela sociedade P., cujos dados não são, no entanto, tidos em conta. Em qualquer caso, no momento da concessão do auxílio em causa, em 7 de novembro de 2013, o último exercício contabilístico encerrado para o qual era necessário efetuar um cálculo numa base anual era o de 2012, durante o qual a empresa beneficiária era controlada exclusivamente pela sociedade P. e não pela sociedade N. Na sua resposta às questões escritas do Tribunal Geral, a Comissão confirmou, aliás, a relevância do ano de 2012 para efeitos da aplicação do artigo 4.o, n.o 1, desse anexo.

93      Mesmo admitindo que se deva ter em conta, para este efeito, o ano de 2013, a recorrente alega corretamente que o balanço anual da empresa beneficiária abrangia necessariamente dados relativos ao período durante o qual as suas ações ainda eram detidas pela sociedade P., uma vez que a mudança de acionista só foi inscrita no Registo Comercial eslovaco em 7 de agosto de 2013 [v. n.o 57, alínea d), terceiro parágrafo, da decisão impugnada]. Nesse caso, para cumprir os critérios previstos no artigo 2.o, n.o 1, do Regulamento n.o 651/2014, lido em conjugação com o artigo 4.o, n.os 1 e 2, do anexo I do referido regulamento, e determinar corretamente se a empresa beneficiária constituía uma PME no momento da concessão do auxílio em causa, não bastava ter em consideração os dados da sociedade‑mãe cessionária, como empresa associada da empresa beneficiária, que assumiu o seu controlo durante o exercício contabilístico relevante, devendo também que ter em conta as da empresa‑mãe cedente, sob cujo controlo a referida empresa realizou uma parte substancial da sua atividade económica durante esse mesmo exercício. Com efeito, qualquer outra interpretação seria contrária ao espírito do artigo 4.o, n.o 2, do referido anexo, que visa assegurar que o auxílio seja efetivamente atribuído a uma PME e que a definição de PME não seja contornada por motivos puramente formais (v., neste sentido, Acórdão de 27 de fevereiro de 2014, HaTeFo, C‑110/13, EU:C:2014:114, n.o 33 e jurisprudência referida).

94      Daí decorre que, no caso vertente, tanto as autoridades eslovacas como a Comissão tinham, por um lado, de determinar com precisão o exercício contabilístico encerrado e o ano relevantes para efeitos de um cálculo conjunto dos dados respetivos das «empresas associadas», na aceção do artigo 2.o, n.o 1, do Regulamento n.o 651/2014, lido em conjugação com os artigos 3.o, n.o 3 e 4.o, n.o 2, do anexo I do referido regulamento e, por outro, de especificar qual ou quais as sociedades que deviam ser tidas em consideração para esse efeito. Além disso, nessa base, eram chamadas a apreciar se, nos termos do artigo 4.o, n.o 2, do referido anexo, durante dois exercícios contabilísticos consecutivos os limiares relevantes para qualificar a empresa beneficiária de PME foram ou não excedidos.

95      No entanto, como salientado nos n.os 83 e 84, supra, a decisão impugnada é omissa a esse respeito, o que confirma uma falta de investigação e análise dos elementos relevantes no caso em apreço. Além disso, a falta de diligência da Comissão na investigação da situação das sociedades P. e N., e dos seus administradores, é confirmada à luz das informações constantes dos autos e não pode ser justificada pelo argumento segundo o qual esta instituição podia confiar, sem quaisquer dúvidas na aceção do artigo 4.o, n.o 4, do Regulamento 2015/1589, nas informações apresentadas pelas autoridades eslovacas, pois estas estavam vinculadas pelo seu dever de cooperação leal nos termos do artigo 4.o, n.o 3, TUE.

96      Em primeiro lugar, como resulta dos anexos A.21 e A.22 da petição, em 2012 e 2013, as direções e conselhos de administração da empresa beneficiária e da sociedade P. eram parcial e temporariamente compostos por membros de uma mesma família, um dos quais tinha assento em ambas as direções. A este respeito, não obstante os indícios de prova fornecidos pela recorrente durante o procedimento administrativo relativo aos grupos de empresas geridos por essa família na Eslováquia, a Comissão confiou, sem proceder a uma investigação suplementar a esse propósito, nas afirmações vagas das autoridades eslovacas segundo as quais, por um lado, a estrutura acionista da sociedade P. lhe era desconhecida, porque tais informações não estavam disponíveis ao público e, por outro, que este membro da referida família não tinha sido nem acionista nem membro de outra sociedade estabelecida na Eslováquia durante o período de 14 de março a 31 de dezembro de 2012. Em todo o caso, como referido no n.o 83, supra, estes elementos não foram expostos nem apreciados na decisão impugnada. Por último, a este respeito, a Comissão não se podia limitar a tomar uma breve posição sobre a situação da sociedade P., na sua carta de 9 de julho de 2015, para dissipar as dúvidas a este respeito e justificar que a recorrente tinha um conhecimento suficiente dos elementos que levaram a Comissão a qualificar essa sociedade também de PME.

97      Em segundo lugar, quanto à situação da sociedade N. e, em particular, ao seu acionista principal, apesar dos elementos de prova apresentados pela recorrente durante o procedimento administrativo, a Comissão limitou‑se a constatar, de maneira vaga e confiando nas informações fornecidas pelas autoridades eslovacas, no n.o 57, alínea d), p. 16, décima sétima alínea, da decisão impugnada, que a «maior parte das empresas em que [o referido acionista] ocupava uma posição de direção não operavam no mesmo mercado que [a empresa beneficiária]». Contudo, não aprofundou a sua investigação quanto à questão de saber se a sociedade L., em que esse acionista era o presidente da direção, operava de facto num mesmo mercado ou num mercado contíguo, na aceção do artigo 3.o, n.o 3, quarto e quinto parágrafos, do anexo I do Regulamento n.o 651/2014, embora existissem indícios fortes nesse sentido que suscitavam dúvidas, em especial o mapa do depósito de Borský Peter que indica claramente o nome da sociedade L. como proprietária de um local de extração de areia nas proximidades dos locais de extração da recorrente e da empresa beneficiária.

98      Por conseguinte, a Comissão deveria ter tido dúvidas a este respeito, na aceção do artigo 4.o, n.o 4, do Regulamento 2015/1589.

99      Assim sendo, a primeira acusação deve ser acolhida, sem que seja necessário decidir sobre a admissibilidade do novo oferecimento de prova da recorrente relativa aos balanços da empresa beneficiária entre 2014 e 2018 (v. n.o 15, supra).

–       Quanto à segunda acusação, relativa à concessão do auxílio em causa com base num regime de auxílios

100    Com a segunda acusação da segunda parte do segundo fundamento, a recorrente censura, em substância, a Comissão por não ter verificado se o auxílio em causa correspondia aos critérios previstos pelo regime de auxílios em causa, nomeadamente o do caráter inovador do projeto de investimento. Ao fazê‑lo, procura demonstrar que esse auxílio era, na realidade, um auxílio ad hoc concedido a uma grande empresa, na aceção do artigo 6.o, n.o 3, alínea a), do Regulamento n.o 651/2014.

101    A Comissão responde essencialmente que não está habilitada a declarar incompatíveis com o Regulamento n.o 651/2014 medidas que preencham todas as condições do referido regulamento, pelo simples facto de essas medidas poderem eventualmente violar critérios adicionais do direito nacional. Uma vez que o caráter inovador do auxílio em causa não é um critério exigido pelo referido regulamento, é irrelevante para efeitos da declaração de compatibilidade.

102    Há que constatar que a presente acusação não pode prosperar, já que nenhuma disposição do Regulamento n.o 651/2014 prevê a exigência de a Comissão verificar se um auxílio individual foi concedido em conformidade com os critérios de concessão do regime de auxílios em causa, o que é principalmente da competência das autoridades e dos órgãos jurisdicionais nacionais (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 6 de julho de 2017, Nerea, C‑245/16, EU:C:2017:521, n.os 35 e 37, e conclusões do advogado‑geral Campos Sánchez‑Bordona no processo Nerea, C‑245/16, EU:C:2017:271, n.os 76 a 78). Com efeito, nem o artigo 6.o, n.o 3, alínea a), do referido regulamento, que, na opinião da recorrente, deveria ter sido aplicado no presente caso pelo facto de a empresa beneficiária ser uma grande empresa, nem o artigo 14.o do mesmo regulamento preveem tal exigência.

103    Por conseguinte, a segunda acusação da segunda parte do segundo fundamento deve ser julgada improcedente.

 Quanto à terceira parte do segundo fundamento, relativa a uma violação do artigo 108.o, n.o 2, TFUE, lido em conjugação com o artigo 4.o, n.o 4, do Regulamento 2015/1589

104    Com a terceira parte do segundo fundamento a recorrente invoca uma violação do artigo 108.o, n.o 2, TFUE, lido em conjugação com o artigo 4.o, n.o 4, do Regulamento 2015/1589, uma vez que a Comissão decidiu não dar início ao procedimento formal de investigação apesar das sérias dificuldades com que se deparou na análise do auxílio em causa.

105    A Comissão considera que nunca encontrou sérias dificuldades no que respeita à compatibilidade do auxílio em causa com o mercado interno.

106    A este respeito, basta observar que, tendo em conta a procedência da primeira acusação da segunda parte do segundo fundamento devido à existência de dúvidas na aceção do artigo 4.o, n.o 4, do Regulamento 2015/1589 (v. n.os 81 a 99, supra), cujo conceito corresponde ao de sérias dificuldades (v., neste sentido, Acórdão de 12 de fevereiro de 2008, BUPA e o./Comissão, T‑289/03, EU:T:2008:29, n.o 328), a terceira parte do segundo fundamento deve também ser acolhida.

107    Por conseguinte, a decisão impugnada deve ser anulada e o recurso deve ser julgado procedente na sua totalidade.

 Quanto às despesas

108    Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão sido vencida, há que condená‑la nas despesas, em conformidade com os pedidos da recorrente.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção)

decide:

1)      A Decisão C(2017) 5050 final da Comissão, de 20 de julho de 2017, relativa ao auxílio ao investimento a favor do produtor eslovaco de areia siliciosa NAJPI a.s., [SA.38121 (2016/FC) — Eslováquia] é anulada.

2)      A Comissão Europeia é condenada nas despesas.

Collins

Kreuschitz

Steinfatt

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 9 de setembro de 2020.

Assinaturas


Índice


Antecedentes do litígio

Tramitação processual e pedidos das partes

Questão de direito

Quanto aos fundamentos de anulação

Quanto à admissibilidade

Quanto ao mérito

Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do artigo 15. o, n.o 1, do Regulamento 2015/1589, lido em conjugação com o artigo 4.o do mesmo regulamento

Quanto à primeira parte do segundo fundamento, relativa a uma violação do artigo 107. o, n.o 3, alínea a), TFUE

Quanto à segunda parte do segundo fundamento, relativa a uma violação do artigo 109. o TFUE, lido em conjugação com os artigos 58.o, n.o 1, e 6.o, n.o 3, alínea a), do Regulamento n.o 651/2014

– Quanto à primeira acusação, relativa à qualificação errada da empresa beneficiária como PME

– Quanto à segunda acusação, relativa à concessão do auxílio em causa com base num regime de auxílios

Quanto à terceira parte do segundo fundamento, relativa a uma violação do artigo 108. o, n.o 2, TFUE, lido em conjugação com o artigo 4.o, n.o 4, do Regulamento 2015/1589

Quanto às despesas


Índice


*      Língua do processo: alemão.