Language of document : ECLI:EU:C:2023:1017

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

21 de dezembro de 2023 (*)

«Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria penal — Mandado de detenção europeu — Decisão‑Quadro 2002/584/JAI — Artigo 1.o, n.o 3 — Artigo 15.o, n.o 2 — Processo de entrega entre Estados‑Membros — Motivos de não execução — Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Artigo 7.o — Respeito pela vida privada e familiar — Artigo 24.o, n.os 2 e 3 — Tomada em consideração do interesse superior da criança — Direito de todas as crianças manterem regularmente relações pessoais e contactos diretos com ambos os progenitores — Mãe que vive com filhos de tenra idade»

No processo C‑261/22,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação, Itália), por Decisão de 19 de abril de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 19 de abril de 2022, no processo penal contra

GN,

sendo intervenientes:

Procuratore generale presso la Corte d’appello di Bologna,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, L. Bay Larsen, vice‑presidente, K. Jürimäe (relatora), C. Lycourgos, E. Regan, F. Biltgen e N. Piçarra, presidentes de secção, P. G. Xuereb, L. S. Rossi, I. Jarukaitis, A. Kumin, N. Jääskinen, N. Wahl, I. Ziemele e J. Passer, juízes,

advogada‑geral: T. Ćapeta,

secretário: C. Di Bella, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 28 de março de 2023,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação de GN, por R. Ghini, avvocato,

–        em representação do Procuratore generale presso la Corte d’appello di Bologna, por A. Scandellari, sostituto procuratore della Repubblica,

–        em representação do Governo Italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por S. Faraci, avvocato dello Stato,

–        em representação do Governo Húngaro, por M. Z. Fehér e K. Szíjjártó, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo Neerlandês, por K. Bulterman, J. M. Hoogveld e P. P. Huurnink, na qualidade de agentes,

–        em representação do Conselho da União Europeia, por K. Pleśniak e A. Ştefănuc, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por S. Grünheid e A. Spina, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 13 de julho de 2023,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto, por um lado, a interpretação do artigo 1.o, n.os 2 e 3, bem como dos artigos 3.o e 4.o da Decisão‑Quadro 2002/584/JAI do Conselho, de 13 de junho de 2002, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados‑Membros (JO 2002, L 190, p. 1), conforme alterada pela Decisão‑Quadro 2009/299/JAI do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009 (JO 2009, L 81, p. 24) (a seguir «Decisão‑Quadro 2002/584»), e, por outro, a validade destas disposições à luz dos artigos 7.o e 24.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito da execução, em Itália, de um mandado de detenção europeu emitido pelas autoridades judiciárias belgas que recai sobre GN com vista à execução, na Bélgica, de uma pena privativa de liberdade.

 Quadro jurídico

 Direito internacional

3        A Convenção sobre os Direitos da Criança foi adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 20 de novembro de 1989 (Recueil des traités des Nations unies, vol. 1577, p. 3).

4        O artigo 3.o, n.o 1, desta convenção enuncia:

«Todas as ações relativas à criança, sejam elas levadas a efeito por instituições públicas ou privadas de assistência social, tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, devem considerar primordialmente o melhor interesse da criança.»

 Direito da União

5        O considerando 6 da Decisão‑Quadro 2002/584 tem a seguinte redação:

«O mandado de detenção europeu previsto na presente decisão‑quadro constitui a primeira concretização no domínio do direito penal, do princípio do reconhecimento mútuo, que o Conselho Europeu qualificou de “pedra angular” da cooperação judiciária.»

6        O artigo 1.o desta decisão‑quadro, sob a epígrafe «Definição de mandado de detenção europeu e obrigação de o executar», dispõe:

«1.      O mandado de detenção europeu é uma decisão judiciária emitida por um Estado‑Membro com vista à detenção e entrega por outro Estado‑Membro duma pessoa procurada para efeitos de procedimento penal ou de cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativas de liberdade.

2.      Os Estados‑Membros executam todo e qualquer mandado de detenção europeu com base no princípio do reconhecimento mútuo e em conformidade com o disposto na presente decisão‑quadro.

3.      A presente decisão‑quadro não tem por efeito alterar a obrigação de respeito dos direitos fundamentais e dos princípios jurídicos fundamentais consagrados pelo artigo 6.o [TUE].»

7        O artigo 3.o da referida decisão‑quadro enumera os motivos de não execução obrigatória do mandado de detenção europeu e os artigos 4.o e 4.o‑A os motivos de não execução facultativa deste.

8        O artigo 7.o da mesma decisão‑quadro, sob a epígrafe «Recurso à autoridade central», prevê, no seu n.o 1, que cada Estado‑Membro pode designar uma autoridade central ou, quando o seu ordenamento jurídico o previr, várias autoridades centrais, para assistir as autoridades judiciárias competentes.

9        O artigo 15.o da Decisão‑Quadro 2002/584, sob a epígrafe «Decisão sobre a entrega», enuncia:

«1.      A autoridade judiciária de execução decide da entrega da pessoa nos prazos e nas condições definidos na presente decisão‑quadro.

2.      Se a autoridade judiciária de execução considerar que as informações comunicadas pelo Estado‑Membro de emissão são insuficientes para que possa decidir da entrega, solicita que lhe sejam comunicadas com urgência as informações complementares necessárias, em especial, em conexão com os artigos 3.o a 5.o e o artigo 8.o, podendo fixar um prazo para a sua receção, tendo em conta a necessidade de respeitar os prazos fixados no artigo 17.o

3.      A autoridade judiciária de emissão pode, a qualquer momento, transmitir todas as informações suplementares úteis à autoridade judiciária de execução.»

10      O artigo 17.o desta decisão‑quadro explicita os prazos e as modalidades em que a decisão de execução de um mandado de detenção europeu deve ser tomada.

11      Nos termos do artigo 23.o da referida decisão‑quadro, sob a epígrafe «Prazo para a entrega da pessoa»:

«1.      A pessoa procurada deve ser entregue o mais rapidamente possível, numa data acordada entre as autoridades interessadas.

2.      A entrega deve efetuar‑se no prazo máximo de 10 dias, a contar da decisão definitiva de execução do mandado de detenção europeu.

[…]

4.      Excecionalmente, a entrega pode ser temporariamente suspensa por motivos humanitários graves, por exemplo, se existirem motivos válidos para considerar que a entrega colocaria manifestamente em perigo a vida ou a saúde da pessoa procurada. A execução do mandado de detenção europeu deve ser efetuada logo que tais motivos deixarem de existir. A autoridade judiciária de execução informa imediatamente do facto a autoridade judiciária de emissão e acorda com ela uma nova data de entrega. Nesse caso, a entrega deve ser realizada no prazo de 10 dias a contar da nova data acordada.

[…]»

 Direito italiano

12      Artigo 2.o da legge n.o 69 — Disposizioni per conformare il diritto interno alla decisione quadro 2002/584/GAI del Consiglio, del 13 giugno 2002, relativa al mandato d’arresto europeo e alle procedure di consegna tra Stati membri (Lei n.o 69 que aprova Disposições Destinadas a Harmonizar o Direito Interno com a Decisão‑Quadro 2002/584/JAI do Conselho, de 13 de junho de 2002, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados‑Membros), de 22 de abril de 2005 (GURI n.o 98, de 29 de abril de 2005, p. 6; a seguir «Lei n.o 69/2005»), na versão resultante do decreto legislativo n.o 10 (Decreto‑Legislativo n.o 10), de 2 de fevereiro de 2021 (GURI n.o 30, de 5 de fevereiro de 2021; a seguir «Decreto‑Legislativo n.o 10 de 2021»), aplicável aos factos no processo principal, dispõe:

«A execução do mandado de detenção europeu não pode, em caso algum, implicar uma violação dos princípios supremos da ordem constitucional do Estado ou dos direitos inalienáveis da pessoa reconhecidos pela Constituição, dos direitos fundamentais e dos princípios jurídicos fundamentais consagrados no artigo 6.o [TUE] ou dos direitos fundamentais garantidos pela Convenção [Europeia] de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de novembro de 1950 [(a seguir “CEDH”)] […]»

13      Nos termos do artigo 18.o desta lei:

«[O] tribunal de recurso recusa a entrega nos seguintes casos:

a)      quando o crime imputado no mandado de detenção europeu for amnistiado nos termos da lei italiana, se o estado competente na matéria for o Estado Italiano;

b)      quando se verificar que, para os mesmos factos, foram proferidos contra a pessoa procurada, em Itália, acórdão ou despacho condenatório transitados em julgado ou despacho de não pronúncia transitado em julgado ou, em outro Estado‑Membro da União Europeia, decisão penal irrevogável, na condição de que, em caso de decisão condenatória, a pena já tenha sido cumprida ou esteja em curso de execução, ou que já não possa ser executada por força das leis do Estado que proferiu essa decisão;

c)      quando a pessoa sobre a qual recai o mandado de detenção europeu for menor de 14 anos no momento da prática do crime.»

14      Na sua redação anterior à entrada em vigor do Decreto Legislativo n.o 10 de 2021, o artigo 18.o da Lei n.o 69/2005 previa:

«O tribunal de recurso recusa a entrega:

[…]

p)      quando a pessoa procurada for uma mulher grávida ou for mãe de menores de três anos que com ela vivam, salvo se, no caso de um mandado de detenção europeu emitido na pendência do processo, os requisitos de proteção subjacentes à medida restritiva da autoridade judiciária de emissão tiverem uma importância excecional;

[…]»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

15      Em 26 de junho de 2020, as autoridades judiciárias belgas emitiram um mandado de detenção europeu que recai sobre GN para o cumprimento de uma pena de prisão de cinco anos proferida à revelia pelo rechtbank van eerste aanleg Antwerpen, afdeling Antwerpen (Tribunal de Primeira Instância de Antuérpia, Divisão de Antuérpia, Bélgica) por crimes de tráfico de seres humanos e de auxílio à imigração ilegal, cometidos na Bélgica entre 18 de setembro de 2016 e 5 de agosto de 2017.

16      GN foi detida em Bolonha (Itália) em 2 de setembro de 2021. Quando foi detida, estava acompanhada do seu filho, nascido em Ferrara (Itália), em 10 de novembro de 2018, com quem vivia. Além disso, estava grávida de uma segunda criança, que nasceu em 10 de maio de 2022.

17      Durante o interrogatório que ocorreu em 3 de setembro de 2021, GN não consentiu na sua entrega às autoridades judiciárias belgas. Na sequência de uma audiência realizada em 17 de setembro de 2021, a Corte d’appello di Bologna (Tribunal de Recurso de Bolonha, Itália), na qualidade de autoridade judiciária de execução, pediu às autoridades judiciárias belgas que prestassem informações relativas, primeiro, aos procedimentos para o cumprimento, na Bélgica, das penas proferidas contra as mães que vivem com filhos menores, segundo, ao tratamento prisional a que GN seria sujeita em caso de entrega, terceiro, às medidas que seriam tomadas em relação ao seu filho menor e, quarto, à possibilidade de retoma do processo a que tinha sido posto termo com a aplicação de uma pena à revelia.

18      Por nota de 5 de outubro de 2021, o Ministério Público de Antuérpia (Bélgica) informou a Corte d’appello di Bologna (Tribunal de Recurso de Bolonha) de que as respostas às questões submetidas eram da competência do Serviço Público Federal de Justiça (Bélgica).

19      Por Acórdão de 15 de outubro de 2021, a Corte d’appello di Bologna (Tribunal de Recurso de Bolonha) recusou entregar GN às autoridades judiciárias belgas e ordenou a sua libertação imediata. Com efeito, segundo esse tribunal, na falta de uma resposta das autoridades judiciárias belgas às suas questões, não existia nenhuma certeza de que a ordem jurídica do Estado‑Membro de emissão conhecesse um regime de detenção comparável ao do Estado‑Membro de execução, que protege o direito de a mãe não ser privada da sua relação com os seus filhos e de cuidar deles, e que assegura aos menores a necessária assistência materna e familiar, garantida tanto pela Constituição Italiana como pelo artigo 3.o da Convenção sobre os Direitos da Criança e pelo artigo 24.o da Carta.

20      A Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação, Itália), que é o órgão jurisdicional de reenvio, foi chamada a conhecer de um recurso desse acórdão interposto pelo Procuratore generale presso la Corte d’appello di Bologna (Procurador‑Geral junto do Tribunal de Recurso de Bolonha, Itália) e por GN.

21      O órgão jurisdicional de reenvio observa que a disposição da Lei n.o 69/2005 que previa expressamente, como motivo de recusa de execução de um mandado de detenção europeu, a hipótese de a pessoa visada por esse mandado ser uma mulher grávida ou a mãe de menores de três anos que com ela vivem foi revogada pelo Decreto Legislativo n.o 10 de 2021, de modo que a legislação italiana estivesse em conformidade com a Decisão‑Quadro 2002/584, que não menciona esta hipótese entre os motivos de não execução obrigatória ou facultativa do mandado de detenção europeu.

22      Todavia, esse órgão jurisdicional considera que, caso a ordem jurídica do Estado‑Membro de emissão não preveja medidas de proteção do direito de as crianças não serem privadas da sua mãe, comparáveis às previstas pelo direito italiano, a entrega desta última implicará uma violação dos direitos fundamentais protegidos pela Constituição Italiana e pela CEDH.

23      Assim sendo, o mandado de detenção europeu insere‑se numa matéria que foi objeto de harmonização completa. Nestas condições, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a questão de saber se a Decisão‑Quadro 2002/584 proíbe a autoridade judiciária de execução de recusar a execução do mandado de detenção europeu que recai sobre uma mãe de crianças de tenra idade, quando a entrega desta entra em conflito com o seu direito ao respeito pela vida privada e familiar, mas também com o interesse superior dos seus filhos. Em caso afirmativo, interroga‑se sobre a compatibilidade desta decisão‑quadro com o artigo 7.o e o artigo 24.o, n.o 3, da Carta, lidos à luz, nomeadamente, da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem no âmbito do artigo 8.o da CEDH.

24      Nestas condições, a Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«[1])      Devem o artigo 1.o, n.os 2 e 3, e os artigos 3.o e 4.o da [Decisão‑Quadro 2002/584] ser interpretados no sentido de que não permitem à autoridade judiciária de execução recusar ou, de qualquer modo, adiar a entrega da mãe que vive com filhos menores?

[2])      Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, o artigo 1.o, n.os 2 e 3, e os artigos 3.o e 4.o da [Decisão‑Quadro 2002/584] são compatíveis com os artigos 7.o e 24.o, n.o 3, da [Carta], também à luz da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem no âmbito do artigo 8.o da CEDH e das tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros, na medida em que obrigam à entrega da mãe, cortando assim os laços com os filhos menores com quem vive sem ter em conta […] [o superior interesse da criança]?»

 Tramitação processual no Tribunal de Justiça

25      O órgão jurisdicional de reenvio pediu que o presente reenvio prejudicial fosse submetido à tramitação acelerada prevista no artigo 105.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

26      O referido órgão jurisdicional alegou que o processo principal afeta os direitos fundamentais de uma mulher grávida e do seu filho de tenra idade, que com ela vive, e que o recurso à tramitação acelerada é necessário para pôr termo à incerteza que persiste quanto à guarda futura dessa criança. As questões apresentadas suscitariam, também, problemas que são comuns a um número significativo de processos pendentes nos tribunais dos Estados‑Membros e que deveriam ser tratados com a maior urgência.

27      O artigo 105.o, n.o 1, do Regulamento de Processo prevê que, a pedido do órgão jurisdicional de reenvio ou, a título excecional, oficiosamente, o presidente do Tribunal de Justiça possa, quando a natureza do processo exigir o seu tratamento dentro de prazos curtos, ouvidos o juiz‑relator e o advogado‑geral, decidir submeter um reenvio prejudicial a tramitação acelerada, em derrogação das disposições deste regulamento.

28      A este respeito, importa recordar que tal tramitação acelerada constitui um instrumento processual destinado a responder a uma situação de urgência extraordinária (Acórdão de 21 de dezembro de 2021, Randstad Italia, C‑497/20, EU:C:2021:1037, n.o 37 e jurisprudência referida).

29      No caso em apreço, o presidente do Tribunal de Justiça decidiu, em 11 de maio de 2022, tendo ouvido a juíza‑relatora e a advogada‑geral, indeferir o pedido referido no n.o 25 do presente acórdão.

30      Com efeito, resulta do pedido de decisão prejudicial que GN foi imediatamente liberta em execução do Acórdão de 15 de outubro de 2021 da Corte d’appello di Bologna (Tribunal de Recurso de Bolonha). Além disso, as informações apresentadas ao Tribunal de Justiça pelo órgão jurisdicional de reenvio não demonstram a existência de um risco quanto à guarda dos filhos de GN durante o tratamento do presente reenvio prejudicial. Uma eventual incerteza quanto às consequências da decisão que põe termo ao processo principal relativo a essa guarda ou o facto de um número significativo de pessoas ou de situações jurídicas serem potencialmente afetadas pelas questões submetidas não constituem, enquanto tal, razões que estabeleçam uma urgência extraordinária, a qual é, no entanto, necessária para justificar um tratamento por via acelerada [v., neste sentido, Acórdãos de 22 de setembro de 2022, Bundesrepublik Deutschland (Suspensão administrativa da decisão de transferência), C‑245/21 e C‑248/21, EU:C:2022:709, n.o 34, e de 9 de novembro de 2023, Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid (Conceito de ofensas graves), C‑125/22, EU:C:2023:843, n.o 30].

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão

31      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 1.o, n.os 2 e 3, da Decisão‑Quadro 2002/584, lido à luz do artigo 7.o e do artigo 24.o, n.os 2 e 3, da Carta, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que a autoridade judiciária de execução recuse a entrega da pessoa sobre a qual recai um mandado de detenção europeu pelo facto de essa pessoa ser a mãe de crianças de tenra idade que com ela vivem.

32      Atendendo às afirmações desse órgão jurisdicional, há que entender esta primeira questão no sentido de que assenta na premissa de que, no processo principal, a pessoa visada pelo mandado de detenção europeu tem duas crianças de tenra idade que com ela vivem e cujo interesse é continuar a manter regularmente relações pessoais e contactos diretos com a sua mãe. Neste contexto, o referido órgão jurisdicional pergunta se pode recusar a execução desse mandado de detenção, com fundamento no artigo 1.o, n.o 3, da Decisão‑Quadro 2002/584, lido em conjugação com o artigo 7.o e o artigo 24.o, n.os 2 e 3, da Carta, baseado no motivo de que a entrega dessa pessoa a poderia privar dessas relações e de tais contactos com os seus filhos.

33      A título preliminar, há que recordar que, tanto o princípio da confiança mútua entre os Estados‑Membros como o princípio do reconhecimento mútuo, ele próprio assente na confiança recíproca entre estes últimos, assumem importância fundamental no direito da União, dado que permitem a criação e a manutenção de um espaço sem fronteiras internas. Mais especificamente, o princípio da confiança mútua impõe, designadamente no que respeita ao espaço de liberdade, segurança e justiça, que cada um desses Estados considere, salvo em circunstâncias excecionais, que todos os outros Estados‑Membros respeitam o direito da União e, em particular, os direitos fundamentais reconhecidos por esse direito [Acórdãos de 22 de fevereiro de 2022, Openbaar Ministerie (Tribunal estabelecido por lei no Estado‑Membro de emissão), C‑562/21 PPU e C‑563/21 PPU, EU:C:2022:100, n.o 40, e de 31 de janeiro de 2023, Puig Gordi e o., C‑158/21, EU:C:2023:57, n.o 93].

34      Assim, quando aplicam o direito da União, os Estados‑Membros são obrigados a presumir o respeito dos direitos fundamentais por parte dos outros Estados‑Membros, pelo que não podem exigir a outro Estado‑Membro um nível de proteção nacional dos direitos fundamentais mais elevado do que o assegurado pelo direito da União, nem tão‑pouco, salvo em casos excecionais, verificar se esse outro Estado‑Membro respeitou efetivamente, num caso concreto, os direitos fundamentais garantidos pela União Europeia [Parecer 2/13 (Adesão da União à CEDH), de 18 de dezembro de 2014, EU:C:2014:2454, n.o 192, e Acórdão de 31 de janeiro de 2023, Puig Gordi e o., C‑158/21, EU:C:2023:57, n.o 94].

35      Neste contexto, ao instituir um sistema simplificado e eficaz de entrega das pessoas condenadas ou suspeitas de terem infringido a lei penal, a Decisão‑Quadro 2002/584 pretende facilitar e acelerar a cooperação judiciária com vista a contribuir para a realização do objetivo fixado à União de se tornar um espaço de liberdade, segurança e justiça, baseando‑se no elevado grau de confiança que deve existir entre os Estados‑Membros [Acórdão de 22 de fevereiro de 2022, Openbaar Ministerie (Tribunal estabelecido por lei no Estado‑Membro de emissão), C‑562/21 PPU e C‑563/21 PPU, EU:C:2022:100, n.o 42 e jurisprudência referida].

36      O princípio do reconhecimento mútuo, que constitui, segundo o considerando 6 desta decisão‑quadro, a «pedra angular» da cooperação judiciária em matéria penal, encontra a sua expressão no artigo 1.o, n.o 2, da referida decisão‑quadro, que consagra a regra segundo a qual os Estados‑Membros estão obrigados a executar qualquer mandado de detenção europeu com base nesse princípio e em conformidade com as disposições da mesma decisão‑quadro [Acórdão de 22 de fevereiro de 2022, Openbaar Ministerie (Tribunal estabelecido por lei no Estado‑Membro de emissão), C‑562/21 PPU e C‑563/21 PPU, EU:C:2022:100, n.o 43 e jurisprudência referida].

37      Daqui resulta, por um lado, que as autoridades judiciárias de execução só podem recusar executar um mandado de detenção europeu por motivos decorrentes da Decisão‑Quadro 2002/584, conforme interpretada pelo Tribunal de Justiça. Por outro lado, se a execução do mandado de detenção europeu constitui o princípio, a recusa de execução é concebida como uma exceção que deve ser objeto de interpretação restrita [Acórdão de 18 de abril de 2023, E. D. L. (Motivo de recusa baseado na doença), C‑699/21, EU:C:2023:295, n.o 34 e jurisprudência referida].

38      Ora, esta decisão‑quadro não prevê que a autoridade judiciária de execução possa recusar executar um mandado de detenção europeu pelo simples facto de a pessoa sobre a qual recai esse mandado de detenção ser a mãe de crianças de tenra idade que com ela vivem. Considerando o princípio da confiança mútua que subjaz ao espaço de liberdade, segurança e justiça, existe, com efeito, uma presunção de que as condições de detenção de uma mãe de tais crianças e a organização da tomada a cargo das crianças no Estado‑Membro de emissão são adaptadas a essa situação, quer em meio prisional, quer no âmbito de modalidades alternativas que permitam a manutenção dessa mãe à disposição das autoridades judiciárias desse Estado‑Membro ou a colocação dessas crianças fora desse meio.

39      No entanto, resulta do artigo 1.o, n.o 3, da Decisão‑Quadro 2002/584 que esta não tem por efeito alterar a obrigação de respeito dos direitos fundamentais garantidos pela Carta.

40      Neste sentido, há que recordar que, por um lado, o artigo 7.o da Carta consagra o direito de todas as pessoas ao respeito pela sua vida privada e familiar e que, por outro, o artigo 24.o, n.o 2, da Carta prevê que todos os atos relativos às crianças, quer praticados por entidades públicas, quer por instituições privadas, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança.

41      Como resulta do artigo 3.o, n.o 1, da Convenção sobre os Direitos da Criança, ao qual se referem expressamente as anotações relativas ao artigo 24.o da Carta, o n.o 2 deste último artigo aplica‑se, também, a decisões que, como um mandado de detenção europeu emitido a respeito da mãe de crianças de tenra idade, não têm como destinatários essas crianças, mas têm consequências importantes para estas últimas [v., neste sentido, Acórdão de 11 de março de 2021, État belge (Regresso do progenitor de um menor), C‑112/20, EU:C:2021:197, n.os 36 e 37].

42      Ora, a possibilidade de um progenitor e de o seu filho estarem juntos representa um elemento fundamental da vida familiar (Acórdão de 14 de dezembro de 2021, Stolichna obshtina, rayon «Pancharevo», C‑490/20, EU:C:2021:1008, n.o 61). Com efeito, o artigo 24.o, n.o 3, da Carta enuncia o direito de todas as crianças manterem regularmente relações pessoais e contactos diretos com ambos os progenitores, exceto se isso for contrário aos seus interesses. Como alegaram o Procuratore generale presso la Corte d’appello di Bologna (Procurador‑Geral junto do Tribunal de Recurso de Bolonha), o Conselho da União Europeia e a Comissão Europeia, a determinação do interesse superior da criança resulta de um juízo que deve ter em consideração todas as circunstâncias do caso concreto [v., por analogia, Acórdãos de 26 de março de 2019, SM (Menor em regime de kafala argelina), C‑129/18, EU:C:2019:248, n.o 73; de 14 de janeiro de 2021, Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid (Regresso de um menor não acompanhado), C‑441/19, EU:C:2021:9, n.os 46 e 60, e de 11 de março de 2021, État belge (Regresso do progenitor de um menor), C‑112/20, EU:C:2021:197, n.o 27].

43      Embora, a fim de garantir a plena aplicação dos princípios da confiança e do reconhecimento mútuos subjacentes ao funcionamento do mecanismo do mandado de detenção europeu, caiba, em primeiro lugar, a cada Estado‑Membro assegurar, sob a fiscalização última do Tribunal de Justiça, a salvaguarda das exigências inerentes aos direitos fundamentais garantidos pelo artigo 7.o da Carta, bem como pelo artigo 24.o, n.os 2 e 3 desta, abstendo‑se de qualquer medida suscetível de os prejudicar, a existência de um risco real de que a pessoa sobre a qual recai um mandado de detenção europeu e/ou os seus filhos sofram, em caso de entrega desta pessoa à autoridade judiciária de emissão, uma violação destes mesmos direitos fundamentais é suscetível de permitir à autoridade judiciária de execução não dar, a título excecional, seguimento a esse mandado de detenção europeu, com fundamento no artigo 1.o, n.o 3, da Decisão‑Quadro 2002/584 [v., neste sentido, Acórdãos de 22 de fevereiro de 2022, Openbaar Ministerie (Tribunal estabelecido por lei no Estado‑Membro de emissão), C‑562/21 PPU e C‑563/21 PPU, EU:C:2022:100, n.o 46, e de 31 de janeiro de 2023, Puig Gordi e o., C‑158/21, EU:C:2023:57, n.os 72 e 96].

44      A este respeito, importa salientar que a apreciação do risco referido no número anterior do presente acórdão deve ser efetuada pela autoridade judiciária de execução à luz do padrão de proteção dos direitos fundamentais garantido pelo direito da União (v., neste sentido, Acórdão de 5 de abril de 2016, Aranyosi e Căldăraru, C‑404/15 e C‑659/15 PPU, EU:C:2016:198, n.o 88). Por conseguinte, a incerteza, por parte dessa autoridade, quanto à existência, no Estado‑Membro de emissão, de condições comparáveis às existentes no Estado‑Membro de execução no que respeita à detenção de mães de crianças de tenra idade e à tomada a cargo destas últimas não permite considerar esse risco demonstrado.

45      Em contrapartida, quando a autoridade judiciária de execução chamada a decidir da entrega de uma pessoa sobre a qual recai um mandado de detenção europeu dispuser de elementos que parecem demonstrar a existência desse risco, quer devido a falhas sistémicas ou generalizadas no que respeita às condições de detenção das mães de crianças de tenra idade ou à tomada a cargo dessas crianças no Estado‑Membro de emissão, quer devido a falhas relativas a essas condições e que afetam, mais especificamente, um grupo objetivamente identificável de pessoas, como crianças com deficiência, essa autoridade deve verificar, de forma concreta e precisa, se existem motivos sérios e comprovados para acreditar que as pessoas em causa correrão esse risco devido a tais condições.

46      A autoridade judiciária de execução deve, assim, apreciar se o risco de violação dos direitos fundamentais, garantidos pelo artigo 7.o e pelo artigo 24.o, n.os 2 e 3, da Carta, é real, levando a cabo uma apreciação em duas fases que implica uma análise com base em critérios diferentes, sendo que tais fases não se podem confundir e devem ser conduzidas sucessivamente (v., neste sentido, Acórdão de 31 de janeiro de 2023, Puig Gordi e o., C‑158/21, EU:C:2023:57, n.os 101, 109 e 110).

47      Para o efeito, a autoridade judiciária de execução deve, numa primeira fase, determinar se existem elementos objetivos, fiáveis, precisos e devidamente atualizados que demonstrem a existência de um risco real de violação, no Estado‑Membro de emissão, desses direitos fundamentais devido a falhas como as referidas no n.o 45 do presente acórdão. Estes elementos podem resultar, nomeadamente, de decisões judiciais internacionais, de decisões, de relatórios e de outros documentos elaborados pelos órgãos do Conselho da Europa ou no âmbito do sistema das Nações Unidas, bem como de informações identificadas na base de dados da Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia (FRA) sobre as condições de detenção penal na União (Criminal Detention Database) (v., neste sentido, Acórdãos de 5 de abril de 2016, Aranyosi e Căldăraru, C‑404/15 e C‑659/15 PPU, EU:C:2016:198, n.o 89, e de 31 de janeiro de 2023, Puig Gordi e o., C‑158/21, EU:C:2023:57, n.o 102).

48      Numa segunda fase, a autoridade judiciária de execução deve verificar, de forma concreta e precisa, em que medida as falhas identificadas na primeira fase de apreciação, referida no número anterior do presente acórdão, são suscetíveis de ter impacto nas condições de detenção da pessoa sobre a qual recai um mandado de detenção europeu ou de tomada a cargo dos seus filhos e se, considerando a sua situação pessoal, existem motivos sérios e comprovados para acreditar que essa pessoa ou os seus filhos correrão um risco real de violação dos referidos direitos fundamentais (v., neste sentido, Acórdãos de 5 de abril de 2016, Aranyosi e Căldăraru, C‑404/15 e C‑659/15 PPU, EU:C:2016:198, n.o 94, e de 31 de janeiro de 2023, Puig Gordi e o., C‑158/21, EU:C:2023:57, n.o 106).

49      Para o efeito, se a autoridade judiciária de execução considerar que não dispõe de todos os elementos necessários à adoção de uma decisão sobre a entrega da pessoa em causa, deverá, em aplicação do artigo 15.o, n.o 2, da Decisão‑Quadro 2002/584, pedir à autoridade judiciária de emissão que lhe comunique, com urgência, todas as informações complementares que considere necessárias relativamente às condições em que se prevê deter essa pessoa e organizar a tomada a cargo dos seus filhos nesse Estado‑Membro (v., neste sentido, Acórdão de 5 de abril de 2016, Aranyosi e Căldăraru, C‑404/15 e C‑659/15 PPU, EU:C:2016:198, n.o 95).

50      A este respeito, importa sublinhar que as informações que a autoridade judiciária de execução tem o direito de solicitar tanto podem dizer respeito à primeira como à segunda fase da apreciação, a realizar por essa autoridade em conformidade com o n.o 46 do presente acórdão. Todavia, a referida autoridade não pode solicitar à autoridade judiciária de emissão informações que apenas digam respeito à segunda fase dessa apreciação quando considere não estar demonstrada a existência de falhas sistémicas ou generalizadas ou de falhas que afetem um grupo objetivamente identificável de pessoas a que pertençam a pessoa em causa ou os seus filhos, conforme referidas no n.o 45 do presente acórdão (v., neste sentido, Acórdão de 31 de janeiro de 2023, Puig Gordi e o., C‑158/21, EU:C:2023:57, n.o 135).

51      Em conformidade com o artigo 15.o, n.o 2, da Decisão‑Quadro 2002/584, a autoridade judiciária de execução pode fixar um prazo para a receção das informações complementares solicitadas à autoridade judiciária de emissão. Este prazo deve ser adaptado ao caso concreto, de modo que conceda a esta última autoridade o tempo necessário para recolher essas informações, solicitando para esse fim, em caso de necessidade, a assistência da autoridade central ou de uma das autoridades centrais do Estado‑Membro de emissão, na aceção do artigo 7.o dessa decisão‑quadro. Por força do artigo 15.o, n.o 2, da referida decisão‑quadro, o prazo mencionado deve, todavia, ter em conta a necessidade de respeitar os prazos fixados no artigo 17.o da mesma decisão‑quadro (Acórdão de 5 de abril de 2016, Aranyosi e Căldăraru, C‑404/15 e C‑659/15 PPU, EU:C:2016:198, n.o 97).

52      A autoridade judiciária de emissão é, por seu turno, obrigada, sob pena de violação do princípio da cooperação leal, a fornecer à autoridade judiciária de execução as informações complementares solicitadas [v., neste sentido, Acórdãos de 5 de abril de 2016, Aranyosi e Căldăraru, C‑404/15 e C‑659/15 PPU, EU:C:2016:198, n.o 97, e de 25 de julho de 2018, Generalstaatsanwaltschaft (Condições de detenção na Hungria), C‑220/18 PPU, EU:C:2018:589, n.o 64].

53      Com efeito, a fim de assegurar, nomeadamente, que o funcionamento do mandado de detenção europeu não fique paralisado, a obrigação de cooperação leal, prevista no artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, TUE, deve presidir ao diálogo entre as autoridades judiciárias de execução e de emissão [Acórdãos de 25 de julho de 2018, Generalstaatsanwaltschaft (Condições de detenção na Hungria), C‑220/18 PPU, EU:C:2018:589, n.o 104, e de 31 de janeiro de 2023, Puig Gordi e o., C‑158/21, EU:C:2023:57, n.o 131].

54      Se a autoridade judiciária de emissão não responder satisfatoriamente ao pedido de informações complementares formulado pela autoridade judiciária de execução, esta deverá então proceder a uma apreciação global de todos os elementos à sua disposição em cada uma das fases recordadas nos n.os 47 e 48 do presente acórdão [v., neste sentido, Acórdão de 25 de julho de 2018, Generalstaatsanwaltschaft (Condições de detenção na Hungria), C‑220/18 PPU, EU:C:2018:589, n.o 114].

55      Só quando a autoridade judiciária de execução considerar, à luz de todos os elementos de que dispõe, incluindo a eventual inexistência de garantias prestadas pela autoridade judiciária de emissão, que existem, por um lado, falhas como as referidas no n.o 45 do presente acórdão no Estado‑Membro de emissão e, por outro, motivos sérios e comprovados para acreditar que, considerando a sua situação pessoal, a pessoa em causa e/ou os seus filhos correrão um risco real de violação dos direitos fundamentais garantidos pelo artigo 7.o, bem como pelo artigo 24.o, n.os 2 e 3, da Carta é que a autoridade judiciária de execução se deve abster, com fundamento no artigo 1.o, n.o 3, da Decisão‑Quadro 2002/584, de dar seguimento ao mandado de detenção europeu que recai sobre essa pessoa. Caso contrário, esta autoridade deverá executá‑lo em conformidade com a obrigação estabelecida no artigo 1.o, n.o 2, desta decisão‑quadro.

56      Por último, quanto à possibilidade de adiar a entrega evocada pelo órgão jurisdicional de reenvio na sua primeira questão, importa precisar que, embora seja possível, com base no artigo 23.o, n.o 4, da Decisão‑Quadro 2002/584, suspender a entrega da pessoa sobre a qual recai um mandado de detenção europeu, tal possibilidade só é aplicável, a título excecional, temporariamente e por razões humanitárias sérias. Considerando a letra desta disposição, bem como a sistemática geral do artigo 23.o da referida decisão‑quadro, tal suspensão não é, além disso, desejável por um período de tempo considerável [v., neste sentido, Acórdão de 18 de abril de 2023, E. D. L. (Motivo de recusa baseado na doença), C‑699/21, EU:C:2023:295, n.o 51].

57      Considerando todos os motivos precedentes, há que responder à primeira questão que o artigo 1.o, n.os 2 e 3, da Decisão‑Quadro 2002/584, lido à luz do artigo 7.o e do artigo 24.o, n.os 2 e 3, da Carta, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que a autoridade judiciária de execução recuse a entrega da pessoa sobre a qual recai um mandado de detenção europeu pelo facto de essa pessoa ser a mãe de crianças de tenra idade que com ela vivem, a menos que, primeiro, essa autoridade disponha de elementos que demonstrem a existência de um risco real de violação do direito fundamental ao respeito pela vida privada e familiar dessa pessoa, garantido pelo artigo 7.o da Carta, e do interesse superior dos seus filhos, conforme protegido pelo artigo 24.o, n.os 2 e 3, da Carta, devido a falhas sistémicas ou generalizadas no que respeita às condições de detenção das mães de crianças de tenra idade e à tomada a cargo dessas crianças no Estado‑Membro de emissão e, segundo, que existam motivos sérios e comprovados para acreditar que, tendo em conta a sua situação pessoal, as pessoas em causa correrão esse risco devido a essas condições.

 Quanto à segunda questão

58      Tendo em conta a resposta dada à primeira questão, não há que responder à segunda questão.

 Quanto às despesas

59      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

O artigo 1.o, n.os 2 e 3, da DecisãoQuadro 2002/584/JAI do Conselho, de 13 de junho de 2002, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os EstadosMembros, conforme alterada pela DecisãoQuadro 2009/299/JAI do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009, lido à luz do artigo 7.o e do artigo 24.o, n.os 2 e 3, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia,

deve ser interpretado no sentido de que:

se opõe a que a autoridade judiciária de execução recuse a entrega da pessoa sobre a qual recai um mandado de detenção europeu pelo facto de essa pessoa ser a mãe de crianças de tenra idade que com ela vivem, a menos que, primeiro, essa autoridade disponha de elementos que demonstrem a existência de um risco real de violação do direito fundamental ao respeito pela vida privada e familiar dessa pessoa, garantido pelo artigo 7.o da Carta dos Direitos Fundamentais, e do interesse superior dos seus filhos, conforme protegido pelo artigo 24.o, n.os 2 e 3, desta Carta, devido a falhas sistémicas ou generalizadas no que respeita às condições de detenção das mães de crianças de tenra idade e à tomada a cargo dessas crianças no EstadoMembro de emissão e, segundo, que existam motivos sérios e comprovados para acreditar que, tendo em conta a sua situação pessoal, as pessoas em causa correrão esse risco devido a essas condições.

Assinaturas


*      Língua do processo: italiano.