Language of document : ECLI:EU:C:2020:748

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

GERARD HOGAN

apresentadas em 24 de setembro de 2020 (1)

Processo C398/19

BY

sendo interveniente:

Generalstaatsanwaltschaft Berlin

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Kammergericht Berlin (Tribunal Regional Superior de Berlim, Alemanha)]

«Reenvio prejudicial — Cidadania da União — Extradição para um Estado terceiro de um nacional de um Estado‑Membro — Pessoa procurada que só obteve a cidadania da União depois de ter transferido o seu centro efetivo de vida para o Estado‑Membro requerido — Proteção dos nacionais contra a extradição — Obrigações do Estado requerido e do Estado‑Membro de origem do cidadão da União — Objetivo de evitar o risco de impunidade em processos penais»






I.      Introdução

1.        A Decisão‑Quadro 2002/584/JAI do Conselho, de 13 de junho de 2002, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados‑Membros (2), simplificou consideravelmente o regime de entrega de pessoas suspeitas entre os Estados‑Membros. Contudo, como resulta claramente do presente processo, surgem ainda assim dificuldades em relação a pedidos de extradição provenientes de países terceiros.

2.        Embora se pudesse pensar que esses pedidos de países terceiros não seriam, em princípio, abrangidos pelo âmbito de aplicação do direito da União, a questão específica que surge neste pedido de decisão prejudicial resulta, contudo, do facto de a maioria dos Estados‑Membros (3) impedir a extradição dos seus nacionais para países terceiros (4), preferindo em vez disso, em tais casos, aplicar a alternativa «aut judicare» do princípio aut dedere, aut judicare (ou extraditar, ou julgar) (5). Uma vez que aqueles Estados‑Membros que se recusam a extraditar os seus nacionais para países terceiros também preveem invariavelmente na sua legislação interna que a prática de tais infrações pelos seus cidadãos, em qualquer parte do mundo, pode ser julgada no seu Estado ao abrigo de um princípio de competência extraterritorial em processos penais amplamente aceite no direito internacional (ou seja, o que é conhecido como «princípio da personalidade ativa») (6), esta restrição da extradição é uma prática um pouco menos problemática do que poderia ser de outro modo.

3.        É quanto a este aspeto que surgem as dificuldades apresentadas pela primeira vez pelos factos do Acórdão do Tribunal de Justiça de 6 de setembro de 2016 no processo Petruhhin (7). Qual é a situação em que um cidadão de um Estado‑Membro exerce direitos de livre circulação para se deslocar para outro Estado‑Membro quando esse outro Estado se recusa a extraditar os seus próprios nacionais para países terceiros e invoca o princípio aut dedere, aut judicare? Os princípios da não discriminação em razão da nacionalidade (artigo 18.o TFUE) e o direito de livre circulação (artigo 21.o TFUE) implicam que o Estado‑Membro de acolhimento é também, em princípio, obrigado a alargar, de alguma forma, a regra da proibição da extradição dos seus próprios nacionais aos cidadãos de outros Estados‑Membros que tenham exercido os seus direitos de livre circulação?

4.        No Acórdão Petruhhin, o Tribunal de Justiça respondeu em sentido afirmativo a estas questões, embora com reservas significativas. Todavia, ao fazê‑lo, o Tribunal de Justiça reconheceu também que a posição de quem exerce o direito de livre circulação neste exemplo não podia ser completamente equiparada à do cidadão do Estado‑Membro de acolhimento, precisamente porque as legislações internas dos Estados‑Membros não preveem geralmente o exercício da competência relativamente a infrações extraterritoriais cometidas no estrangeiro por quem não seja seu cidadão, pelo menos sem algumas reservas. Como o Tribunal de Justiça declarou:

«[…] embora […] a não extradição dos nacionais seja geralmente compensada pela possibilidade de o Estado‑Membro requerido proceder criminalmente contra os seus próprios nacionais por infrações graves cometidas fora do seu território, esse Estado‑Membro é, em regra, incompetente para julgar esses factos, quando nem o autor nem a vítima da suposta infração têm a nacionalidade desse Estado‑Membro» (8).

Este dilema está no cerne da jurisprudência Petruhhin.

5.        Isto conduz‑nos imediatamente ao presente pedido de decisão prejudicial. Com o seu pedido, o Kammergericht Berlin (Tribunal Regional Superior de Berlim, Alemanha) pretende obter esclarecimentos sobre as obrigações que o TFUE impõe a um Estado‑Membro cujo direito proíbe a extradição dos seus próprios nacionais para países terceiros para efeitos de processos penais no que respeita a pedidos de extradição relativos a cidadãos de outros Estados‑Membros que atualmente se encontrem ou residam no interior das suas fronteiras.

6.        O Tribunal de Justiça é assim convidado, mais uma vez, a esclarecer as obrigações que decorrem para os Estados‑Membros dos princípios descritos no Acórdão Petruhhin (9). É revelador da originalidade da solução proposta no Acórdão Petruhhin que esta decisão não pareça talvez ter sido universalmente aceite pelos Estados‑Membros. Alguns sublinharam as dificuldades jurídicas e práticas que coloca aos Estados‑Membros no que respeita à sua aplicação. Contudo, antes de examinar qualquer uma destas questões, é necessário, em primeiro lugar, expor as disposições legislativas pertinentes que estão em causa e, seguidamente, resumir os factos do caso em apreço.

II.    Quadro jurídico

A.      Convenção Europeia de Extradição de 1957 (10)

7.        O artigo 1.o da Convenção Europeia de Extradição de 1957 tem a seguinte redação:

«As Partes Contratantes comprometem‑se a entregar reciprocamente, segundo as regras e condições determinadas pelos artigos seguintes, as pessoas perseguidas em resultado de uma infração ou procuradas para o cumprimento de uma pena ou medida de segurança pelas autoridades judiciárias da Parte requerente.»

8.        O artigo 6.o da Convenção Europeia de Extradição de 1957 dispõe:

«1      a)      As Partes Contratantes terão a faculdade de recusar a extradição dos seus nacionais.

b)      Cada Parte Contratante poderá, mediante declaração feita no momento da assinatura ou do depósito do respetivo instrumento da ratificação ou adesão, definir, no que lhe diz respeito, o termo “nacionais” para efeitos da presente Convenção.

c)      A qualidade de nacional será apreciada no momento em que seja tomada a decisão sobre a extradição. No entanto, se esta qualidade só for reconhecida entre o momento da decisão e a data prevista para a entrega, a Parte requerida poderá igualmente prevalecer‑se do disposto na alínea a) do presente número.

2      Se a Parte requerida não extraditar o seu nacional, deverá, a pedido da Parte requerente, submeter o assunto às autoridades competentes, a fim de que, se for caso disso, o procedimento criminal possa ser instaurado. Para esse efeito, os autos, informações e objetos relativos à infração serão enviados gratuitamente pela via prevista no n.o 1 do artigo 12.o A Parte requerente será informada do seguimento que tiver sido dado ao pedido.»

9.        O artigo 12.o da Convenção Europeia de Extradição de 1957 (conforme inserido pelo Segundo Protocolo Adicional à Convenção Europeia de Extradição de 1957 (11)) dispõe atualmente:

«1      O pedido será formulado por escrito e dirigido pelo Ministério da Justiça da Parte requerente ao Ministério da Justiça da Parte requerida; a via diplomática não fica, no entanto, excluída. Uma outra via de transmissão poderá ser diretamente acordada entre duas ou mais Partes [(12)].

2      O pedido deverá ser acompanhado dos seguintes elementos:

a)      Original ou cópia autenticada de uma decisão condenatória com força executiva ou de um mandado de captura, ou ainda de qualquer outro ato dotado da mesma força, emitido na forma prescrita pela lei da Parte requerente;

b)      Descrição dos factos pelos quais é pedida a extradição. O momento e o lugar da sua prática, a sua qualificação jurídica e as referências às disposições legais aplicáveis serão indicados o mais rigorosamente possível; e

c)      Cópia das disposições legais aplicáveis ou, se tal não for possível, declaração sobre o direito aplicável, assim como uma descrição tão exata quanto possível da pessoa reclamada e quaisquer outras informações que possibilitem determinar a sua identidade e nacionalidade.»

10.      O artigo 17.o da Convenção Europeia de Extradição de 1957, sob a epígrafe «Pedidos concorrentes», dispõe:

«Se a extradição for pedida simultaneamente por vários Estados, pelo mesmo ou por diferentes factos, a Parte requerida decidirá tendo em consideração todas as circunstâncias e especialmente a gravidade relativa das infrações e o lugar da sua prática, as datas respetivas dos pedidos, a nacionalidade da pessoa reclamada e a possibilidade de extradição ulterior para outro Estado.»

11.      A República Federal da Alemanha formulou a seguinte declaração no momento do depósito do instrumento de ratificação, em 2 de outubro de 1976, relativamente ao artigo 6.o da Convenção Europeia de Extradição de 1957:

«A extradição de alemães da República Federal da Alemanha para um país estrangeiro não é autorizada nos termos do artigo 16.o, n.o 2, primeiro período, da Lei Fundamental da República Federal da Alemanha e deve, por conseguinte, ser recusada em todos os casos. O termo “nacionais”, na aceção do artigo 6.o, n.o 1, alínea b), da Convenção Europeia de Extradição de 1957, abrange todos os alemães na aceção do artigo 116.o, n.o 1, da Lei Fundamental da República Federal da Alemanha.»

Na sequência da entrada em vigor da sua lei nacional de aplicação da Decisão‑Quadro 2002/584, e depois de uma Decisão do Bundesverfassungsgericht (Tribunal Constitucional, Alemanha) sobre esta matéria, a República Federal da Alemanha completou esta declaração a fim de dar precedência à Decisão‑Quadro 2002/584 nas relações mútuas entre a Alemanha e os outros Estados‑Membros da União Europeia (13).

B.      Direito da União

12.      O artigo 8.o da Decisão‑Quadro 2002/584, que trata do conteúdo e da forma do mandado de detenção europeu, dispõe:

«1.      O mandado de detenção europeu contém as seguintes informações, apresentadas em conformidade com o formulário em anexo:

a)      Identidade e nacionalidade da pessoa procurada;

b)      Nome, endereço, número de telefone e de fax, e endereço de correio eletrónico da autoridade judiciária de emissão;

c)      Indicação da existência de uma sentença com força executiva, de um mandado de detenção ou de qualquer outra decisão judicial com a mesma força executiva abrangida pelo âmbito de aplicação dos artigos 1.o e 2.o;

d)      Natureza e qualificação jurídica da infração, nomeadamente à luz do artigo 2.o;

e)      Descrição das circunstâncias em que a infração foi cometida, incluindo o momento, o lugar e o grau de participação da pessoa procurada na infração;

f)      Pena proferida, caso se trate de uma sentença transitada em julgado, ou a medida da pena prevista pela lei do Estado‑Membro de emissão para essa infração;

g)      Na medida do possível, as outras consequências da infração.

[…]»

13.      Os n.os 1 e 3 do artigo 16.o da Decisão‑Quadro 2002/584, sob a epígrafe «Decisão em caso de pedidos concorrentes», têm a seguinte redação:

«1.      Se vários Estados‑Membros tiverem emitido um mandado de detenção europeu contra a mesma pessoa, a decisão sobre qual dos mandados de detenção europeus deve ser executado é tomada pela autoridade judiciária de execução, tendo devidamente em conta todas as circunstâncias e, em especial, a gravidade relativa e o lugar da prática das infrações, as datas respetivas dos mandados de detenção europeus, bem como o facto de o mandado ter sido emitido para efeitos de procedimento penal ou de cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativas de liberdade.

[…]

3.      Em caso de conflito entre um mandado de detenção europeu e um pedido de extradição apresentado por um país terceiro, a decisão relativa a saber se deve ser concedida prioridade ao mandado de detenção europeu ou ao pedido de extradição é tomada pela autoridade competente do Estado‑Membro de execução, tendo em devida consideração todas as circunstâncias, em especial as referidas no n.o 1, bem como as que são mencionadas na convenção aplicável.

[…]»

C.      Direito alemão

14.      O artigo 16.o, n.o 2, da Grundgesetz für die Bundesrepublik Deutschland, de 23 de maio de 1949 (Lei Fundamental da República Federal da Alemanha) (14) dispõe:

«Nenhum alemão pode ser extraditado para um país estrangeiro. A lei pode prever uma regra derrogatória em caso de extradição para um Estado‑Membro da União Europeia ou para um tribunal internacional, desde que os princípios do Estado de Direito sejam garantidos.»

15.      O § 7 do Strafgesetzbuch (Código Penal Alemão) (15) dispõe:

«1)      O direito penal alemão é aplicável às infrações cometidas no estrangeiro contra um nacional alemão. […]

2)      O direito penal alemão é aplicável às outras infrações cometidas no estrangeiro se o ato constituir uma infração penal no local da sua prática ou se esse local não estiver abrangido por nenhuma jurisdição penal e o autor

1.      For um nacional alemão […] ou

2.      For um estrangeiro no momento em que a infração foi cometida, tendo sido constatado que se encontrava na Alemanha e que, apesar de a legislação relativa à extradição permitir a extradição por essa infração, não seja extraditado por não ser apresentado nenhum pedido de extradição dentro de um prazo razoável ou por tal pedido ser recusado ou a extradição não ser possível.»

III. Matéria de facto no processo principal e pedido de decisão prejudicial

16.      A pessoa procurada no âmbito do presente processo, BY, é um nacional ucraniano. Em 2012, mudou‑se da Ucrânia para a Alemanha (o que, por comodidade, proponho designar «Estado‑Membro de acolhimento» ou «Estado requerido»). Em 2014, obteve igualmente a nacionalidade romena pelo facto de ser descendente de nacionais romenos que viviam na Bucovina, anteriormente romena. No entanto, nunca teve o seu centro efetivo de vida na Roménia (no caso em apreço, o «Estado‑Membro de origem»).

17.      BY é objeto de um mandado de detenção emitido pelo Tribunal de Primeira Instância de Zastavna (Ucrânia) em 26 de fevereiro de 2016. Alega‑se que desviou fundos de uma empresa estatal ucraniana durante os anos de 2010 e 2011. Em 15 de março de 2016, a Procuradoria‑Geral da Ucrânia (que proponho designar «país terceiro» ou «Estado requerente») emitiu um pedido formal de extradição que foi transmitido à República Federal da Alemanha por intermédio dos ministérios da justiça respetivos, em conformidade com o artigo 5.o do Segundo Protocolo Adicional à Convenção Europeia de Extradição de 1957. Importa observar, para que não seja descurado, que BY goza, naturalmente, da presunção de inocência. As presentes conclusões prosseguem, por conseguinte, com base nestes elementos.

18.      Na sequência desse pedido de extradição, BY foi detido preventivamente em 26 de julho de 2016, nos termos do § 19 da Gesetz über die internationale Rechtshilfe in Strafsachen (16). Em 28 de novembro de 2016, o Kammergericht Berlin (Tribunal Regional Superior de Berlim) ordenou a libertação de BY enquanto aguardava a extradição, contra o pagamento de uma caução e sob determinadas condições. Após o depósito da caução, BY foi libertado em 2 de dezembro de 2016.

19.      Tendo em conta a nacionalidade romena de BY e remetendo para o Acórdão do Tribunal de Justiça no processo Petruhhin, a Generalstaatsanwaltschaft Berlin (Procuradoria‑Geral de Berlim) informou o Ministério da Justiça da Roménia do pedido de extradição, por carta de 9 de novembro de 2016, que incluía uma cópia da Decisão do órgão jurisdicional de reenvio de 1 de agosto de 2016 que decretou a detenção de BY pendente de extradição. Perguntou se as autoridades romenas pretendiam instaurar o procedimento criminal contra BY.

20.      Inicialmente, o Ministério da Justiça da Roménia recusou, respondendo que considerava necessário um pedido das autoridades policiais ucranianas. A Procuradoria‑Geral de Berlim perguntou então se o direito penal romeno permitia o procedimento criminal pelas infrações imputadas a BY, independentemente de um pedido das autoridades policiais ucranianas no sentido de ser instaurado tal procedimento (na aceção do artigo 6.o, n.o 2, da Convenção Europeia de Extradição de 1957). Em resposta, o Ministério da Justiça da Roménia informou a Procuradoria‑Geral de que a emissão de um mandado de detenção nacional, como requisito prévio de um mandado de detenção europeu, exigia um conjunto de provas suficientes da prática das infrações em causa pela pessoa procurada. Solicitou à Procuradoria‑Geral de Berlim que lhe fornecesse documentos e cópias dos elementos de prova provenientes da Ucrânia.

21.      O órgão jurisdicional de reenvio deduz desta troca de correspondência que a legislação romena permite, em princípio, que um cidadão romeno seja objeto de um procedimento criminal por infrações cometidas num país terceiro.

22.      O órgão jurisdicional de reenvio considera que a extradição de BY para a Ucrânia, pedida pela Procuradoria‑Geral de Berlim, seria, em princípio, permitida nos termos do direito alemão. Contudo, considera‑se limitado pelo Acórdão do Tribunal de Justiça no processo Petruhhin, porque, até à data, as autoridades judiciais romenas não decidiram a favor nem contra um procedimento criminal contra BY pelas alegadas infrações penais que estão no cerne do pedido de extradição. Salienta, todavia, em primeiro lugar, as diferenças factuais do presente processo, na medida em que BY não tinha nacionalidade romena no momento em que transferiu o seu centro efetivo de vida da Ucrânia para a República Federal da Alemanha. Alega‑se, porém, que, quando estabeleceu a sua residência na República Federal da Alemanha, não o fez no exercício dos seus direitos de livre circulação decorrentes do artigo 21.o, n.o 1, TFUE.

23.      Em segundo lugar, o órgão jurisdicional de reenvio indica dificuldades práticas de aplicação dos princípios estabelecidos no Acórdão Petruhhin. As autoridades policiais romenas solicitaram à Alemanha elementos de prova contra BY para examinarem as infrações que este alegadamente cometeu. Estes elementos permitir‑lhe‑iam decidir da emissão de um mandado de detenção nacional com base no qual poderia então ser emitido um mandado de detenção europeu. Ora, as autoridades alemãs não dispõem de tais informações. Isto não surpreende, uma vez que a Ucrânia baseou o seu pedido na Convenção Europeia de Extradição de 1957. O artigo 12.o, n.o 2, dessa convenção não exige que o Estado requerente forneça tais documentos e, por conseguinte, a Ucrânia não os forneceu.

24.      Nestas circunstâncias, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a questão de saber se o próprio Estado‑Membro de origem é obrigado a solicitar os autos ao Estado requerente para que possa decidir do exercício da ação penal. O órgão jurisdicional de reenvio salienta, além disso, que, mesmo que as autoridades alemãs estivessem na posse de documentos fornecidos pelo Estado requerente, não é claro se estes poderiam ser automaticamente enviados pelo Estado requerido ao Estado‑Membro de origem do nacional da União cuja extradição tinha sido pedida ou se seria necessário o consentimento do Estado requerente para esse efeito.

25.      Todavia, se as informações básicas relativas ao pedido de extradição não forem suficientes para o Estado‑Membro de origem verificar se deve exercer a ação penal e se o Estado‑Membro de origem tiver de pedir os autos ao Estado requerente, isso implicaria um atraso substancial do processo. Este atraso decorreria da comunicação pelas vias diplomáticas bem como da necessidade de tradução. O órgão jurisdicional de reenvio observa que isto coloca problemas especiais quando a pessoa procurada se encontra detida.

26.      O órgão jurisdicional de reenvio salienta, além disso, que o pedido dos autos pelo Estado requerido seria igualmente impraticável, uma vez que este não está em condições de apreciar se é possível o exercício da ação penal pelo Estado‑Membro de origem ao abrigo da sua legislação nacional. Os mesmos problemas existem quanto à falta de conhecimento, pelo Estado‑Membro de acolhimento, do direito do Estado‑Membro de origem, bem como atrasos inevitáveis que surgiriam no caso de o Estado requerido pedir ao Estado requerente que enviasse ao Estado‑Membro de origem um pedido de instauração do procedimento criminal.

27.      Em terceiro lugar, uma vez que Código Penal alemão prevê uma competência subsidiária no ponto 2 do seu § 7, n.o 2, quanto a infrações cometidas no estrangeiro, incluindo por estrangeiros, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a questão de saber se é obrigado, a fim de satisfazer o princípio da não‑discriminação consagrado no artigo 18.o TFUE, a declarar a extradição ilegal. As autoridades alemãs competentes para o exercício da ação penal teriam então de instaurar o procedimento criminal.

28.      O órgão jurisdicional de reenvio considera que essa abordagem comprometeria o exercício efetivo da ação penal por tais infrações. O que significaria que a extradição de um nacional de um Estado‑Membro se tornaria, prima facie, ilegal devido à possibilidade de as autoridades alemãs exercerem a ação penal. Por sua vez, isto tornaria impossível, na prática, ao abrigo do direito alemão, emitir um mandado de detenção para efeitos de extradição (17) ou no âmbito de um procedimento criminal na Alemanha (18). O atraso assim gerado poderia permitir ao arguido subtrair‑se (mais uma vez) à ação penal.

29.      Nestas circunstâncias, o órgão jurisdicional de reenvio suspendeu a instância em 23 de maio de 2019 e submeteu ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Os princípios estabelecidos no Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 6 de setembro de 2016 no processo Petruhhin (C‑182/15), relativos à aplicação dos artigos 18.o e 21.o TFUE, também são aplicáveis no caso de um pedido de extradição de um cidadão da União apresentado por um Estado terceiro se a pessoa objeto desse pedido tiver transferido o seu centro efetivo de vida para o Estado‑Membro requerido num momento em que ainda não era cidadão da União?

2)      O Estado‑Membro de origem notificado de um pedido de extradição é obrigado, com base no Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 6 de setembro de 2016 no processo Petruhhin (C‑182/15), a solicitar ao Estado terceiro requerente que envie os autos do processo para analisar a instauração da ação penal?

3)      O Estado‑Membro a quem um Estado terceiro tenha requerido a extradição de um cidadão da União é obrigado, com base no Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 6 de setembro de 2016 no processo Petruhhin (C‑182/15), a recusar a extradição e a exercer a ação penal caso tal seja possível ao abrigo do seu direito nacional?»

30.      Foram apresentadas observações escritas em nome de BY, do Governo alemão, da Irlanda, dos Governos grego, letão, húngaro, austríaco, polaco e romeno, bem como da Comissão Europeia. A própria audiência decorreu durante a pandemia da COVID‑19 e representantes de BY, do Governo alemão e da Comissão apresentaram alegações orais na audiência, realizada em 16 de junho de 2020. Autorizada pelo Tribunal de Justiça, a Irlanda pôde comparecer à distância e foram lidas observações escritas apresentadas pelos Governos letão e polaco na presença dos membros do Tribunal de Justiça e dos representantes das partes presentes.

IV.    Análise

A.      Raciocínio do Tribunal de Justiça no Acórdão Petruhhin

31.      Uma vez que a aplicação das Conclusões do Tribunal de Justiça no Acórdão Petruhhin — confirmadas em decisões posteriores, tais como os Acórdãos Pisciotti (19) e Raugevicius (20) — aos factos do presente processo estão no cerne das questões do órgão jurisdicional de reenvio, importa examinar tanto os factos como o raciocínio do Tribunal de Justiça nesse processo.

32.      No processo Petruhhin, o recorrente era um nacional estónio que se tinha mudado para a Letónia. As autoridades letãs receberam posteriormente um pedido de extradição do Procurador‑Geral da Federação da Rússia no qual se alegava que A. Petruhhin era procurado por tráfico de droga em grande escala, ligado às atividades de uma associação criminosa. Contudo, a lei letã impedia a extradição dos seus próprios nacionais e o argumento fundamental de A. Petruhhin era o de que o facto de esse direito não lhe ser extensível como a outro nacional da União que tivesse exercido os seus direitos de livre circulação, equivalia a uma discriminação injustificada na aceção do artigo 18.o TFUE.

33.      Nas suas Conclusões apresentadas em 10 de maio de 2016, o advogado‑geral Y. Bot concordou que era verdade que os nacionais letões gozavam de uma proteção ao abrigo da lei que não era extensiva aos não nacionais (21). Nessa medida, os cidadãos de outros Estados‑Membros eram tratados de maneira diferente para esse efeito. O advogado‑geral Y. Bot considerou, contudo, que esta diferença de tratamento era objetivamente justificada pelo facto de que, embora a Letónia tivesse competência extraterritorial relativamente a infrações cometidas no estrangeiro pelos seus nacionais, o direito letão não previa, em geral, esse direito quanto a não nacionais, tais como A. Petruhhin (que não tinha direito de residência permanente na Letónia (22)) (23). Tendo concluído que A. Petruhhin «não pod[ia] ser julgado na Letónia por uma infração que é suspeito de ter cometido na Rússia», o advogado‑geral Y. Bot declarou que:

«[…] à luz do objetivo de evitar a impunidade das pessoas suspeitas de terem cometido uma infração num Estado terceiro, este nacional não se encontra numa situação comparável à dos nacionais letões.

Consequentemente, a diferença de tratamento entre os cidadãos da União que não são de nacionalidade letã e que permanecem na Letónia e os nacionais letões não constitui uma discriminação proibida pelo artigo 18.o, primeiro parágrafo, TFUE, na medida em que é justificada pelo objetivo de lutar contra a impunidade das pessoas suspeitas de terem cometido uma infração num Estado terceiro» (24).

34.      Acontece, porém, que o Tribunal de Justiça não seguiu este aspeto das conclusões do advogado‑geral Y. Bot, questão à qual voltarei em seguida. Pelo contrário, o Tribunal de Justiça declarou que, se o direito nacional de um Estado‑Membro excluir a extradição dos seus próprios nacionais, o princípio da igualdade de tratamento contido no artigo 18.o TFUE significa que esta regra de não extradição deve também ser extensível aos não nacionais. A omissão dessa extensão constituiria, além disso, uma restrição à liberdade de circulação, na aceção do artigo 21.o TFUE (25).

35.      O Tribunal de Justiça declarou ainda que tal restrição, para ser justificada, se deve basear em considerações objetivas e deve ser proporcional ao objetivo legítimo prosseguido. Observou que, embora os Estados que não extraditam os seus próprios cidadãos estejam normalmente em condições de exercer a ação penal contra esses cidadãos, não é geralmente esse o caso quando se trata de cidadãos de países terceiros. Havia, portanto, o receio de a alegada infração poder ficar impune. Assegurar a redução deste risco era um objetivo legítimo do direito da União (26).

36.      Atendendo a estas dificuldades, o Tribunal de Justiça propôs então uma medida que, em seu entender, preenchia o critério da proporcionalidade exigido. Baseava‑se no princípio da cooperação leal enunciado no artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, TUE. O Tribunal de Justiça declarou que, na falta de regras de direito da União que regulem a extradição, este princípio obriga os Estados‑Membros a aplicar todos os mecanismos de cooperação e de assistência mútua previstos em matéria penal em virtude do direito da União (27). O Tribunal de Justiça declarou, assim, que:

«[…] os artigos 18.o e 21.o TFUE devem ser interpretados no sentido de que, quando um Estado‑Membro para o qual se deslocou um cidadão da União, nacional de outro Estado‑Membro, recebe um pedido de extradição de um Estado terceiro com o qual o primeiro Estado‑Membro celebrou um acordo de extradição, deve informar o Estado‑Membro da nacionalidade do cidadão e, sendo caso disso, a pedido deste último Estado‑Membro, entregar‑lhe esse cidadão, em conformidade com as disposições da [Decisão‑Quadro 2002/584], desde que esse Estado‑Membro seja competente, à luz do seu direito nacional, para proceder criminalmente contra essa pessoa por atos praticados fora do seu território nacional» (28).

B.      Convenção Europeia de Extradição de 1957

37.      Voltarei em breve ao Acórdão Petruhhin e às suas implicações para o presente processo. No entanto, é necessário, nesta fase, dizer algo mais sobre a Convenção Europeia de Extradição de 1957. Como a Comissão salienta nas suas observações escritas, não existe qualquer acordo internacional entre a União Europeia e a Ucrânia em matéria de extradição. Nestas circunstâncias, as regras sobre a extradição são da competência dos Estados‑Membros. No caso em apreço, resulta do pedido de decisão prejudicial que o acordo internacional ao abrigo do qual a extradição é pedida pela Ucrânia é a Convenção Europeia de Extradição de 1957. A Convenção é um acordo do Conselho da Europa do qual a Alemanha e a Ucrânia, bem como a Roménia, são partes contratantes. Antes de prosseguir, proponho‑me examinar de que forma a aplicação dos princípios estabelecidos no Acórdão Petruhhin (29) poderia ter impacto na aplicação desta convenção.

38.      O artigo 1.o da Convenção Europeia de Extradição de 1957 contém uma obrigação de extradição desde que a pessoa procurada seja acusada de uma infração passível de extradição. Não parece haver dúvidas de que a infração imputada a BY preenche os critérios estabelecidos no artigo 2.o da referida convenção para constituir um «facto determinante da extradição». A convenção contém várias exceções em que a extradição pode ou deve ser recusada (por exemplo, por infrações políticas nos termos do seu artigo 3.o ou no caso de a infração ter sido cometida no território do Estado requerido nos termos do seu artigo 7.o) que manifestamente não são aqui pertinentes. O artigo 6.o da Convenção Europeia de Extradição de 1957 prevê igualmente a faculdade de uma parte contratante recusar a extradição dos seus nacionais. Não é manifestamente o que se passa no caso em apreço, porque embora BY tenha tanto a nacionalidade romena como a ucraniana, não é cidadão alemão.

39.      Coloca‑se, por conseguinte, a questão de saber se, e de que modo, um Estado requerido pode cumprir as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 18.o e 21.o, n.o 1, TFUE (que incluem a obrigação de entregar a pessoa procurada ao Estado‑Membro de origem em conformidade com as disposições da Decisão‑Quadro 2002/584) (30) se o Estado‑Membro de origem emitir um mandado de detenção europeu, ao mesmo tempo que cumpre as obrigações que lhe incumbem por força da convenção.

40.      Foi precisamente por esta razão que a Alemanha remeteu para o artigo 17.o da Convenção Europeia de Extradição de 1957, relativo aos pedidos concorrentes, bem como para o artigo 16.o, n.o 3, da Decisão‑Quadro 2002/584, relativo aos conflitos entre um mandado de detenção europeu e um pedido de extradição apresentado por um país terceiro. Embora ambas as disposições respeitem a pedidos concorrentes, não dão de modo algum clara precedência ao pedido do Estado‑Membro de origem. Todavia, uma vez que a Convenção Europeia de Extradição de 1957 é uma convenção internacional da qual a União não é parte, não deve ser objeto de interpretação pelo Tribunal de Justiça, ao contrário da Decisão‑Quadro 2002/584. É útil, contudo, fazer referência às disposições da convenção, na medida em que constituem o contexto do pedido de extradição da Ucrânia.

41.      Uma vez que a declaração contida numa nota verbal da Representação Permanente da Alemanha, datada de 8 de novembro de 2010, registada no Secretariado‑Geral do Gabinete dos Tratados do Conselho da Europa em 9 de novembro de 2010, relativa à Convenção Europeia de Extradição de 1957, apenas abrange as relações com os outros Estados‑Membros, o artigo 17.o da Convenção Europeia de Extradição de 1957 continua a ser aplicável à Alemanha nas suas relações com a Ucrânia. Uma interpretação do artigo 16.o, n.o 3, da Decisão‑Quadro 2002/584 pelo Tribunal de Justiça não resolveria, portanto, a questão relativa ao artigo 17.o da Convenção Europeia de Extradição de 1957. Proponho‑me voltar a este assunto mais adiante.

C.      Algumas observações preliminares: o processo Petruhhin foi corretamente decidido?

42.      Embora passe agora a abordar as três questões submetidas, parece‑me necessário, antes de mais, encarar a questão de saber se o processo Petruhhin foi corretamente decidido, ainda que, como foi confirmado na audiência, apenas a Irlanda inste atualmente o Tribunal de Justiça a afastar‑se dessa decisão. Pela minha parte, todavia, penso que o advogado‑geral Y. Bot fez uma análise perfeitamente correta da questão do artigo 18.o TFUE. Como salientou, uma regra que impede a extradição dos próprios nacionais está intimamente associada ao conceito da soberania dos Estados sobre os seus nacionais e ao dever correspondente do Estado de proteger os seus nacionais «contra a aplicação de um sistema penal estrangeiro, cujo processo e cuja língua eles não conhecem e no âmbito do qual dificilmente podem defender‑se» (31).

43.      Embora seja possível que a regra da não extradição dos próprios nacionais reflita um sentimento tradicional de desconfiança em relação aos sistemas jurídicos estrangeiros e tenha a sua origem num mundo menos globalizado, não é bem essa a questão. A verdadeira questão da prática estatal relativa ao aut dedere, aut judicare era que o Estado da nacionalidade da pessoa procurada tinha a faculdade de instaurar um procedimento criminal contra essa pessoa, ao abrigo do seu próprio direito, por infrações cometidas no estrangeiro. Gozava dessa competência extraterritorial em virtude do exercício da sua soberania em relação aos seus próprios nacionais. É certo que — como é demonstrado pela própria decisão clássica do Tribunal Permanente de Justiça Internacional no processo Lotus (32) — há algumas circunstâncias em que um Estado pode também exercer a sua competência relativamente a infrações cometidas no estrangeiro por pessoas que não sejam seus nacionais. No entanto, na falta de convenções internacionais específicas que confiram uma competência universal relativamente a certas infrações, esta competência está geralmente limitada a situações particulares em que os factos, os atos e as pessoas aos quais a lei se aplica com efeito extraterritorial têm impacto sobre a paz, a ordem e a boa administração do Estado em causa ou, pelo menos, sobre os interesses de um nacional desse Estado, pelo que existe um nexo genuíno entre o exercício da competência extraterritorial relativamente a não nacionais e o Estado que a exerce (33).

44.      Embora a fundamentação e o raciocínio do Acórdão do Tribunal Permanente no processo Lotus (34) tenha sido objeto de extensa análise nos últimos cerca de 90 anos desde a decisão inicial e as limitações e, com efeito, a relevância desse acórdão para as condições modernas tenham sido objeto de debate (35), nada posso acrescentar, pela minha parte, à seguinte declaração sobre o direito e a prática internacionais contemporâneos contida na opinião individual do presidente G. Guillaume no Acórdão Mandado de Detenção do Tribunal Internacional de Justiça:

«Os Estados exercem, antes de mais, a sua competência penal no seu próprio território. No direito internacional clássico, só têm normalmente competência para conhecer de uma infração cometida no estrangeiro se o autor, ou pelo menos a vítima, tiver a sua nacionalidade ou se o crime ameaçar a sua segurança interna ou externa. Além disso, podem exercer a sua competência em casos de pirataria e em situações de competência universal subsidiária prevista em várias convenções se o infrator estiver se encontrar no seu território. Mas, fora destes casos, o direito internacional não admite a competência universal […]» (36).

45.      Esta passagem reflete‑se no que o Tribunal de Justiça reconheceu no Acórdão Petruhhin, a saber, um Estado‑Membro «é, em regra, incompetente para julgar» factos que constituam infrações graves «cometidas fora do seu território» quando «nem o autor nem a vítima da suposta infração têm a nacionalidade desse Estado‑Membro» (37).

46.      Tudo isto basta para demonstrar que existe efetivamente uma diferença substancial entre a situação de, por um lado, um cidadão de um Estado que não extradita os seus próprios nacionais e, por outro, a dos não cidadãos, no que respeita à aplicação extraterritorial do direito penal desse Estado. Como o advogado‑geral Y. Bot observou no processo Petruhhin (38), há um risco de impunidade em tais circunstâncias no caso destes últimos que não se verifica no caso do primeiro.

47.      Apesar de o Estado em questão poder optar por exercer a ação penal contra os seus próprios nacionais por alegadas infrações cometidas no estrangeiro, a situação é normalmente diferente no caso de alegadas infrações cometidas no estrangeiro por não nacionais. Embora a extensão do âmbito da competência extraterritorial de um Estado nesses últimos casos possa ser discutível, o que é pacífico é que o direito e a prática internacionais impõem certas limitações à capacidade de um Estado de legislar com efeitos extraterritoriais relativamente a infrações cometidas por não nacionais fora do seu território e que são diferentes das aplicáveis no caso dos seus próprios nacionais. Os factos do processo Petruhhin comprovam‑no, de certa maneira, uma vez que, nos termos do direito letão, um nacional estónio que não tivesse direito de residência permanente na Letónia não poderia ser julgado na Letónia pelo seu alegado envolvimento em atividades de tráfico de droga na Federação da Rússia (39).

48.      Tudo isto demonstra que os nacionais do seu próprio Estado‑Membro, por um lado, e os outros cidadãos da União, por outro, não se encontram em situações comparáveis para efeitos de uma regra segundo a qual o Estado‑Membro de acolhimento recusa a extradição dos seus próprios nacionais. Atendendo a esta diferença fundamental, considero que não havia — e não há — de facto discriminação na aceção do artigo 18.o TFUE no que respeita à aplicação da exceção da nacionalidade, em razão das diferentes regras relativas ao exercício da competência extraterritorial quanto a infrações cometidas no estrangeiro, consoante a pessoa em causa seja ou não cidadã daquele Estado‑Membro. Reitero, por conseguinte, que, em tais circunstâncias, existe um risco de impunidade penal neste último caso que não está presente no primeiro. É esta a considerável diferença entre os dois conjuntos de circunstâncias, o que significa que estas regras diferentes relativas à extradição em função da nacionalidade da pessoa procurada não constituem, na minha opinião, discriminação na aceção do artigo 18.o

49.      É certo que o Acórdão Petruhhin é uma decisão relativamente recente da Grande Secção do Tribunal de Justiça. Contudo, mesmo no espaço de tempo relativamente curto desde que foi proferido, deu origem a uma série de processos cada vez mais complexos, tendo todos eles mostrado, à sua maneira, como é realmente difícil a aplicação, na prática, dos princípios do Acórdão Petruhhin (40).

50.      Isto é ilustrado pelo Acórdão do Tribunal de Justiça no processo Raugevicius (41), em que a Federação da Rússia tinha pedido a extradição da Finlândia de um cidadão lituano que também tinha nacionalidade russa para efeitos de execução de uma pena privativa de liberdade que tinha sido aplicada por um tribunal russo. Embora o direito finlandês proibisse a extradição dos seus próprios nacionais para países terceiros, previa no seu próprio direito um mecanismo nos termos do qual as penas aplicadas em países terceiros aos cidadãos finlandeses «ou a cidadãos estrangeiros com residência permanente na Finlândia» podiam ser cumpridas no seu território. Colocou‑se então a questão de saber se os princípios do Acórdão Petruhhin podiam ser aplicados nessas circunstâncias.

51.      Nas suas conclusões (42), o advogado‑geral Y. Bot chamou a atenção para as potenciais dificuldades. Não se podia pedir que se desse às autoridades judiciárias lituanas a possibilidade de emitir um mandado de detenção europeu para efeitos de instaurar novos procedimentos penais, uma vez que isso seria contrário ao princípio ne bis in idem (43). O advogado‑geral Y. Bot observou então:

«Também não nos parece possível construir um mecanismo através do qual as autoridades judiciárias lituanas pudessem emitir um mandado de detenção europeu para efeitos de execução de uma pena no território lituano. Para além do obstáculo jurídico que constitui o facto de a pena a executar ter sido proferida por uma jurisdição de um Estado terceiro, salientamos que, em tal hipótese, as autoridades finlandesas teriam fundamento para invocar o motivo de não execução facultativa do mandado de detenção europeu, previsto no artigo 4.o, n.o 6, da Decisão‑quadro 2002/584, ao abrigo do qual a autoridade judiciária de execução pode recusar a execução desse mandado emitido para efeitos de cumprimento de uma pena privativa de liberdade quando a pessoa procurada “se encontrar no Estado‑Membro de execução, for sua nacional ou sua residente” e que este Estado‑Membro se compromete a executar essa pena em conformidade com o seu direito nacional.» (44)

52.      O Tribunal de Justiça, todavia, foi de outra opinião. Observou que a exceção da nacionalidade finlandesa era, prima facie, discriminatória na aceção do artigo 18.o TFUE e declarou, além disso, que, em aplicação dos princípios do Acórdão Petruhhin (45), essa regra só podia ser justificada «se se basea[sse] em considerações objetivas e se fo[sse] proporcionada ao objetivo legitimamente prosseguido pelo direito nacional» (46).

53.      O Tribunal de Justiça debruçou‑se então sobre a questão de saber se os princípios do Acórdão Petruhhin eram aplicáveis no contexto de um pedido de extradição de um país terceiro relativo à execução de uma pena. Admitiu que a instauração de novo procedimento criminal contra uma pessoa já julgada e condenada no Estado requerente era suscetível de ser contrária ao princípio ne bis in idem.  O Tribunal de Justiça prosseguiu, declarando que:

«[…] embora o princípio ne bis in idem, tal como é garantido pelo direito nacional, possa constituir um obstáculo ao procedimento criminal instaurado por um Estado‑Membro contra pessoas visadas por um pedido de extradição para fins de execução de uma pena, também é verdade que, para evitar o risco de deixar impunes essas pessoas, existem mecanismos no direito nacional e/ou no direito internacional que permitem que essas pessoas cumpram as suas penas, nomeadamente, no Estado do qual são nacionais, aumentando, assim, as probabilidades de reintegração social após o cumprimento das suas penas» (47).

54.      Seguidamente, o Tribunal de Justiça fez referência à Convenção Relativa à Transferência de Pessoas Condenadas de 21 de março de 1983 (48), de que todos os Estados‑Membros e a Federação Russa são partes. A Convenção sobre as Pessoas Condenadas permite, em determinadas circunstâncias, a transferência de pessoas que estejam a cumprir penas em prisões estrangeiras para as cumprirem em prisões no seu Estado‑Membro de origem.

55.      O Tribunal de Justiça observou então que a Finlândia permitia que tanto os seus próprios nacionais como os não nacionais com residência permanente na Finlândia beneficiassem desta convenção. Era possível, portanto, que se pudesse considerar que D. Raugevicius tinha residência permanente na Finlândia, podendo assim cumprir o resto da pena na Finlândia, desde que tanto ele como a Federação da Rússia nisso consentissem.

56.      O Tribunal de Justiça concluiu então:

«[…] os artigos 18.o e 21.o TFUE requerem que os nacionais de outros Estados‑Membros que residam de modo permanente na Finlândia e que são objeto de um pedido de extradição por um país terceiro, para fins de execução de uma pena privativa de liberdade, beneficiem da regra que proíbe a extradição aplicada aos nacionais finlandeses, e possam, nas mesmas condições que estes últimos, cumprir a sua pena no território finlandês. Se, pelo contrário, não se puder considerar que um cidadão como D. Raugevicius reside de modo permanente no Estado‑Membro requerido, a questão da sua extradição é regulada com base no direito nacional ou no direito internacional aplicável» (49).

57.      Embora seja verdade que o processo Raugevicius (50) dizia respeito à situação, ligeiramente diferente, de um pedido de extradição para efeitos da execução de uma pena, realça todavia, de certa forma, os limites do Acórdão Petruhhin, precisamente porque existem geralmente diferenças, para efeitos de extradição, entre a posição dos nacionais do Estado‑Membro de origem, por um lado, e a dos nacionais de outros Estados‑Membros, por outro.

58.      O efeito prático do Acórdão Raugevicius (51) foi o de o Tribunal de Justiça admitir que, salvo no caso de o direito finlandês equiparar a posição da pessoa procurada à dos seus próprios cidadãos (52), de forma a poder aplicar‑lhe a Convenção Relativa à Transferência de Pessoas Condenadas de 1983, teria sido impossível aplicar o Acórdão Petruhhin aos factos desse processo.

59.      Além disso, receio que o Acórdão Petruhhin seja suscetível de causar dificuldades práticas, essencialmente porque tanto a legislação como a prática relativas à entrega e à extradição — conforme refletidas na Decisão‑Quadro 2002/584 ou na Convenção Europeia de Extradição de 1957 — não são necessariamente bem adaptadas aos pedidos dirigidos pelo Estado‑Membro de acolhimento às autoridades competentes para o exercício da ação penal do Estado‑Membro de origem relativamente a um procedimento criminal contra um nacional do Estado‑Membro de origem por infrações cometidas num país terceiro, nem sequer, de resto, a pedidos apresentados pelo Estado‑Membro de origem ou pelo Estado‑Membro de acolhimento ao país terceiro em que a infração tenha sido cometida.

60.      Algumas destas questões práticas suscitadas pelo Acórdão Petruhhin foram abordadas pelo órgão jurisdicional de reenvio e foram igualmente levantadas na audiência pelos representantes dos vários Estados‑Membros. Todos estes problemas práticos suscitam questões relacionadas com a potencial impunidade penal. Quanto tempo deve o Estado‑Membro de acolhimento esperar, por exemplo, até que seja tomada uma decisão pelo Estado‑Membro de origem? Pode observar‑se, de passagem, que tais atrasos podem ser particularmente problemáticos quando a pessoa procurada esteja detida no Estado‑Membro de acolhimento. Embora esse Estado possa não estar disposto a sujeitar a pessoa procurada a um período de detenção prolongado enquanto se aguarda o resultado do pedido dirigido a esse Estado‑Membro de origem, qualquer decisão de libertação provisória dessa pessoa poderia também revelar‑se problemática, sobretudo a considerar‑se que essa pessoa apresentava risco de fuga.

61.      Neste contexto, todos os Estados‑Membros que são partes no processo estão praticamente de acordo em que o Estado‑Membro de origem não dispõe de informações suficientes para emitir um mandado de detenção europeu se for contactado por um Estado‑Membro de acolhimento com a informação de que um país terceiro solicita a extradição de um dos seus cidadãos presente no Estado‑Membro de acolhimento e para se pronunciar sobre a questão de saber se pretende obter a entrega do seu nacional para exercer a ação penal.

62.      Todos os Estados‑Membros estão também praticamente de acordo em que não existe um prazo específico que possa ser aplicado em todos os casos nos quais o Estado‑Membro de acolhimento pode esperar uma resposta do Estado‑Membro de origem quanto à questão de saber se pretende emitir um mandado de detenção europeu, nem mesmo até quando deve emitir esse mandado de detenção europeu se o pretender fazer. Embora não tenha sido uma questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio, a questão destes prazos foi suscitada nas perguntas feitas às partes antes da audiência e foi objeto de uma resposta escrita da Comissão a uma pergunta do Tribunal de Justiça que visava obter informações sobre a aplicação dos princípios do Acórdão Petruhhin (53) na prática dos Estados‑Membros. Por conseguinte, parece existir um acordo geral entre os Estados‑Membros (incluindo os que estiveram presentes na audiência e como resulta dos documentos fornecidos pela Comissão que procuraram examinar a aplicação prática do Acórdão Petruhhin), no sentido de que o Estado‑Membro de origem deve tomar a sua decisão sobre a emissão de um mandado de detenção europeu o mais rapidamente possível, mas que esse prazo dependerá das circunstâncias específicas do caso concreto. Uma das considerações principais é a questão de saber se a pessoa em causa se encontra detida para efeitos da extradição.

63.      Contudo, resulta das respostas que a Comissão pediu aos Estados‑Membros (54) que os prazos fixados serão entre os 10 e os 45 dias, só sendo concedidos prazos mais longos por alguns Estados ou em casos excecionais (55). Só um pequeno número de Estados‑Membros não fixa quaisquer prazos. Isto leva, no entanto, a um considerável grau de incerteza.

64.      É difícil evitar a impressão de que quaisquer prazos fixados serão geralmente demasiado curtos para que o Estado‑Membro de origem ou o Estado‑Membro de acolhimento possa contactar o Estado requerente através de um pedido de auxílio judiciário mútuo, receber uma resposta e traduzir e apreciar um processo que pode conter centenas de páginas. O prazo é extremamente apertado e será certamente muitas vezes demasiado curto, mesmo quando existam tratados de auxílio judiciário mútuo. Sempre que assim não seja e devam ser utilizadas as vias diplomáticas, pode ser praticamente impossível para um Estado‑Membro de origem emitir um mandado de detenção europeu dentro desse prazo. Na audiência, o agente da Comissão sublinhou que isto só poderia ser de outro modo no caso excecional de o Estado‑Membro de origem já ter dado início, paralelamente, a uma investigação sobre a pessoa em questão.

65.      Podem sempre descortinar‑se outros problemas adicionais. Pode o Estado‑Membro de acolhimento transmitir livremente os documentos apresentados pelo país terceiro ao Estado‑Membro de origem ou é necessário o consentimento do país terceiro para esse efeito? E se, no caso em apreço, a Roménia aceitasse o exercício da ação penal e emitisse um mandado de detenção europeu para o efeito, haveria pelo menos uma questão — sem prejuízo do artigo 17.o da Convenção — quanto a saber se a Alemanha tinha, neste caso, cumprido as obrigações que decorrem do artigo 1.o da Convenção, porque isto implicaria necessariamente a recusa de aprovar a extradição do suspeito para a Ucrânia por razões não previamente estabelecidas nas várias declarações apresentadas pela Alemanha para efeitos do artigo 6.o da Convenção (56). Há também a questão de saber o que acontece se a pessoa procurada não quiser que o procedimento criminal seja instaurado pelo seu Estado‑Membro de origem.

66.      A prática e a experiência demonstraram, assim, que as situações de nacionais e não nacionais não são, de facto, comparáveis para efeitos da aplicação dos princípios de igualdade do artigo 18.o Estes problemas práticos relacionados com uma eventual impunidade penal são agravados pela falta de uma estrutura legislativa adequada da União. Por conseguinte, convido o Tribunal de Justiça a afastar‑se do Acórdão Petruhhin por todas as razões que acabo de expor.

67.      Contudo, para o caso de o Tribunal de Justiça não acolher esta análise, passarei agora, ainda assim, a responder às três questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio. Ao fazê‑lo, partirei do princípio, para este efeito, de que (ao contrário do que penso) o processo Petruhhin foi corretamente decidido.

D.      Primeira questão

68.      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende apurar se os princípios acima descritos no que respeita à aplicação dos artigos 18.o e 21.o TFUE se aplicam igualmente se a pessoa em causa só tiver adquirido a cidadania da União depois de ter estabelecido a sua residência num Estado‑Membro diferente do seu Estado‑Membro de origem. Uma vez que a argumentação do Tribunal de Justiça no Acórdão Petruhhin se baseia, manifestamente, no facto de estar em causa uma restrição à liberdade de circulação de um cidadão da União, na aceção do artigo 21.o TFUE, coloca‑se a questão de saber se o artigo 21.o TFUE é afetado no presente processo.

69.      A Irlanda alega que, para dar origem a outros direitos da União inerentes ao exercício da livre circulação, a pessoa que reivindica esses direitos deve, em primeiro lugar, exercer um direito de livre circulação e em segundo, fazê‑lo no momento em que tem a cidadania. É pacífico que BY não era cidadão da União no momento em que estabeleceu residência na Alemanha. A Irlanda sustenta assim que, precisamente por esta razão, não exerceu nenhum direito de livre circulação da União pelo mero facto de residir na Alemanha.

70.      Como a Comissão salienta nas suas observações escritas, não existe qualquer acordo internacional entre a União Europeia e a Ucrânia em matéria de extradição. Nestas circunstâncias, as regras sobre a extradição são da competência dos Estados‑Membros. No caso em apreço, resulta do pedido de decisão prejudicial que o acordo internacional ao abrigo do qual a extradição é pedida pela Ucrânia é a Convenção Europeia de Extradição de 1957, da qual a Alemanha, a Ucrânia e a Roménia são partes contratantes. As obrigações decorrentes desta convenção foram ratificadas no direito nacional. Essas regras nacionais devem, evidentemente, em situações abrangidas pelo direito da União, respeitar este direito (57). Na verdade, embora, em princípio, a legislação penal e as regras de processo penal sejam, em grande medida, da responsabilidade dos Estados‑Membros, é jurisprudência assente do Tribunal de Justiça que o direito da União impõe limites à sua competência. Com efeito, esta competência dos Estados‑Membros deve ser exercida no respeito não só das liberdades fundamentais garantidas pelo direito da União mas também de todo o direito da União, em especial do direito primário (58). Tais disposições legislativas não podem, portanto, estabelecer discriminações relativamente às pessoas às quais o direito da União confere o direito à igualdade de tratamento nem restringir as liberdades fundamentais garantidas pelo direito da União (59).

71.      Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça (60), a cidadania da União tende a ser o estatuto fundamental dos nacionais dos Estados‑Membros, permitindo a esses nacionais que se encontrem na mesma situação obter, no domínio de aplicação ratione materiae do direito da União, independentemente da sua nacionalidade e sem prejuízo das exceções expressamente previstas a este respeito, o mesmo tratamento jurídico. Entre as situações que se inserem no domínio de aplicação ratione materiae do direito da União figuram as relativas ao exercício das liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado, nomeadamente as que se enquadram no exercício da liberdade de circular e de residir no território dos Estados‑Membros, como conferida pelo artigo 21.o, n.o 1, TFUE.

72.      Por outro lado, a cidadania da União, instituída pelo artigo 20.o TFUE, não tem por objetivo alargar o âmbito de aplicação ratione materiae do Tratado a situações que não apresentem nenhum fator de conexão com qualquer uma das situações previstas pelo direito da União e em que todos os elementos pertinentes estejam confinados a um único Estado‑Membro (61).

73.      Nos termos do artigo 21.o, n.o 1, TFUE, «[q]ualquer cidadão da União goza do direito de circular e permanecer livremente no território dos Estados‑Membros». Neste contexto, o Tribunal de Justiça tem sistematicamente declarado que as disposições que estabelecem um princípio fundamental, como o da livre circulação de pessoas, devem ser interpretadas de forma ampla, ao passo que as derrogações a tal princípio devem ser interpretadas de forma estrita (62).

74.      Não me parece que esta análise seja afetada pelo Acórdão McCarthy (63). Esse processo dizia respeito ao caso de S. McCarthy, que tinha dupla nacionalidade, incluindo a nacionalidade do país em que residia. O Tribunal de Justiça chegou à conclusão de que nenhum elemento da sua situação revelava que a medida nacional em causa tinha por efeito privá‑la do gozo efetivo do essencial dos direitos relacionados com o seu estatuto de cidadã da União (64). O Tribunal de Justiça considerou, contudo, que o facto de um cidadão da União não ter feito uso do direito de livre circulação não podia, só por isso, ser equiparado a uma situação puramente interna (65).

75.      Do mesmo modo, no Acórdão Schempp, o facto de não ter sido o próprio E. Schempp a exercer o direito de livre circulação, mas apenas a sua ex‑mulher, foi considerado suficiente para que a situação não fosse meramente interna (66). O Tribunal de Justiça também não considerou no Acórdão Zhu e Chen que a situação do nacional de um Estado‑Membro que tivesse nascido no Estado‑Membro de acolhimento e que não tivesse feito uso do direito à livre circulação entre Estados‑Membros pudesse, só por isso, ser equiparada a uma situação puramente interna que privava o referido nacional de beneficiar no Estado‑Membro de acolhimento das disposições do direito da União relativas à livre circulação e residência das pessoas (67). E, no Acórdão Garcia Avello, o Tribunal de Justiça declarou especificamente que existia uma conexão com o direito da União no que respeita a pessoas que fossem nacionais de um Estado‑Membro a residir legalmente no território de outro Estado‑Membro (68).

76.      Esta linha de raciocínio pode ser aplicada a BY. Tinha residência na Alemanha no momento em que obteve a cidadania romena e, por extensão, a da União. Nestas circunstâncias, não importa quando um cidadão da União obteve essa cidadania. Também não é necessário que um cidadão da União atravesse efetivamente uma fronteira para que o artigo 21.o TFUE se aplique.

77.      Para ser exaustivo, acrescento que o facto de BY ter dupla nacionalidade, uma das quais não é de um Estado‑Membro da União, também não o priva das liberdades de que goza, enquanto cidadão de um Estado‑Membro, que decorrem do direito da União (69). Quanto a este aspeto, o caso em apreço é diferente do do processo McCarthy (70) porque, ao contrário do que se passava nesse processo, nada indica, no caso em apreço, que o atual direito de BY de residir na Alemanha não decorra do direito da União: BY goza desse direito pelo facto de, enquanto cidadão romeno, ter o direito de aí permanecer e residir, ainda que assim não fosse no momento em que se mudou para a Alemanha em 2012.

78.      Na medida em que a Irlanda invoca o Acórdão Lounes (71) do Tribunal de Justiça, em particular o seu n.o 55, em que o Tribunal de Justiça declarou que «um Estado‑Membro não pode restringir os efeitos decorrentes da posse da nacionalidade de outro Estado‑Membro, designadamente os direitos que lhe são inerentes nos termos do direito da União, e que resultam do exercício, por um cidadão, da sua liberdade de circulação», o raciocínio subjacente parece ser o de que o exercício dos direitos decorrentes do artigo 21.o, n.o 1, TFUE implica sempre que se atravesse uma fronteira. Ora, como já se viu atrás, não é necessariamente assim.

79.      À luz destas considerações, entendo que os artigos 18.o e 21.o TFUE devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a que um cidadão da União invoque os direitos que decorrem dessas disposições pelo simples facto de só ter obtido essa cidadania da União depois de ter estabelecido a sua residência num Estado‑Membro diferente daquele cuja nacionalidade obtém posteriormente e não ter, assim, exercido os seus direitos de livre circulação depois de se ter tornado cidadão da União. Quando (como no caso em apreço) o direito de um cidadão da União de residir num Estado‑Membro decorre do direito da União, esse cidadão tem o direito de invocar os direitos garantidos pelos artigos 18.o e 21.o TFUE.

E.      Segunda questão

80.      Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre o alcance das obrigações que incumbem ao Estado‑Membro de origem quando esse Estado tenha sido informado de um pedido de extradição apresentado por um país terceiro a outro Estado‑Membro relativamente a um nacional desse Estado‑Membro de origem. Especificamente, coloca‑se a questão de saber se o Estado‑Membro de origem é então obrigado a pedir ao Estado terceiro que requer a extradição que lhe forneça os autos pertinentes.

81.      Com exceção do Governo grego, todos os Estados‑Membros que apresentaram observações no presente processo concordam que o Estado‑Membro de origem não é obrigado a tomar qualquer medida por força do direito da União. É também esta a posição da Comissão. Os Estados‑Membros estão igualmente de acordo quanto ao facto de que o Estado‑Membro de origem não dispõe de informações suficientes para decidir da emissão de um mandado de detenção europeu quando só lhe tenham sido fornecidas as informações que um pedido de extradição deve conter, por força do artigo 12.o da Convenção Europeia de Extradição de 1957. Isto significa — segundo os Estados‑Membros — que é praticamente impossível para o Estado‑Membro de origem decidir da emissão de um mandado de detenção europeu.

1.      O Acórdão Petruhhin e o EstadoMembro de origem

82.      Para além dos números introdutórios que expõem a matéria de facto, é talvez surpreendente que, com a eventual exceção dos n.os 48 e 49, pouco se diga no próprio Acórdão Petruhhin sobre as obrigações e os direitos do Estado‑Membro de origem. Embora nesses dois números se discuta a obrigação do EstadoMembro de acolhimento de trocar informações com o Estado‑Membro de origem, nada se diz sobre as eventuais obrigações do Estado‑Membro de origem.

83.      Parece, portanto, que o Acórdão Petruhhin não trata expressamente de quaisquer obrigações do Estado‑Membro de origem nem o faz, de resto, implicitamente. A presente questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio obriga‑nos, portanto, a examinar se o princípio subjacente a esse processo poderia obrigar o Estado‑Membro de origem a tomar medidas dessa natureza.

84.      Como se expôs acima, o Tribunal de Justiça declarou no Acórdão Petruhhin (72) que o Estado‑Membro de acolhimento cuja exceção de nacionalidade viole os artigos 18.o e 21.o TFUE é obrigado, em virtude do princípio da cooperação leal previsto no artigo 4.o, n.o 3, TUE, a cooperar com o Estado‑Membro de origem.

85.      A situação do Estado‑Membro de origem é, porém, bastante diferente. Tem de tomar uma decisão sobre a instauração do procedimento criminal contra a pessoa procurada, que é um dos seus cidadãos. Isto é necessário para cumprir os requisitos relativos ao conteúdo de um mandado de detenção europeu, em conformidade com o artigo 8.o, n.o 1, alíneas c) a f), da Decisão‑Quadro 2002/584. O único requisito que é de natureza mais do que meramente formalista é o do Artigo 8.o, n.o 1, alínea c), da Decisão‑Quadro 2002/584, que lhe exige a emissão de um mandado de detenção nacional, nos termos dos requisitos da sua legislação nacional.

86.      A questão da instauração de um procedimento criminal releva, evidentemente, apenas do direito interno de cada Estado‑Membro, à semelhança das medidas administrativas e de outro tipo que cada Estado‑Membro tome para apurar os factos que lhe permitam tomar essa decisão. Uma vez que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, em situações abrangidas pelo direito da União, as normas nacionais em causa devem respeitar o direito da União, BY, que fez uso do seu direito de livre circulação, não deve ser discriminado por essa razão. Todavia, nenhuma das partes alegou que a Roménia, nesta apreciação, trata BY de forma diferente dos seus (outros) cidadãos que não exerceram o seu direito de livre circulação e nada indica que tal possa ser o caso (73).

87.      Por conseguinte, contrariamente ao caso do Estado‑Membro de acolhimento, a Roménia não se encontra numa situação em que a aplicação das suas regras nacionais constitui uma violação dos artigos 18.o e 21.o TFUE que careça de justificação. Tal obrigação do Estado‑Membro de origem surgiria, portanto, no contexto de uma regulamentação discriminatória de outro Estado‑Membro que implicasse uma violação da liberdade de circulação dos cidadãos da União.

2.      Obrigações do EstadoMembro de acolhimento?

88.      Vários Estados‑Membros pronunciaram‑se igualmente sobre a questão de saber se não seria o Estado‑Membro requerido que devia fornecer informações adicionais ao Estado‑Membro de origem e se, para esse efeito, o Estado‑Membro requerido poderia ser obrigado a solicitar ao país terceiro as informações que o Estado‑Membro de origem exige ao Estado requerente, a fim de tomar uma decisão sobre o exercício da ação penal. Depois de recebidas, essas informações teriam obviamente de ser transmitidas ao Estado‑Membro de origem para cumprir esse objetivo.

89.      Com efeito, a Letónia alterou o seu direito interno com base no Acórdão do Tribunal de Justiça no processo Petruhhin, a fim de dar execução a este acórdão. Acrescentou um segundo parágrafo ao artigo 704.o do Kriminālprocesa likums (Código de Processo Penal) (74) que trata das situações em que é pedida a extradição de um cidadão da União. Em tal caso, o Ministério Público é obrigado a enviar ao país da nacionalidade da pessoa procurada informações sobre a possibilidade de apresentação de um mandado de detenção europeu e a indicar um prazo para essa apresentação.

90.      Muitas das partes alegaram que, através do seu Acórdão Pisciotti, o Tribunal de Justiça já decidiu, de facto, esta questão. Nesse processo, o Tribunal de Justiça declarou que, no caso de um pedido de um país terceiro de extradição de um cidadão de outro Estado‑Membro, os requisitos dos artigos 18.o e 21.o TFUE estavam preenchidos quando o Estado‑Membro requerido que não extradita os seus próprios cidadãos «[dê previamente] às autoridades competentes do Estado‑Membro de que é nacional o referido cidadão a possibilidade de pedirem a sua entrega no âmbito de um mandado de detenção europeu e […] este último Estado‑Membro não tenha tomado medidas nesse sentido» antes da extradição dessa pessoa (75).

91.      No processo Pisciotti, um nacional italiano tinha sido detido em trânsito no aeroporto de Frankfurt com base num pedido de extradição apresentado pelos Estados Unidos da América à República Federal da Alemanha. Todavia, nesse processo, os funcionários consulares italianos tinham sido informados da situação de R. Pisciotti antes de os órgãos jurisdicionais alemães terem proferido a decisão de extradição em causa, e as autoridades italianas não tinham emitido nenhum mandado de detenção europeu. Em consequência, portanto, o Tribunal de Justiça declarou que as obrigações decorrentes do Acórdão Petruhhin (76) tinham sido cumpridas nesse processo porque o Estado‑Membro de origem — a saber, nesse exemplo, a Itália — estava plenamente informado do processo e o Estado‑Membro de acolhimento — a saber, nesse exemplo, a Alemanha — tinha‑lhe dado a possibilidade «de [pedir a entrega desse cidadão] no âmbito de um mandado de detenção europeu e […] este [o] Estado‑Membro [de origem] não [tinha] tomado medidas nesse sentido» (77). Isto parece corresponder à leitura que o legislador letão fez do acórdão.

92.      Na minha opinião, o Acórdão Pisciotti (78) dá, de certo modo, resposta a esta questão. Como resulta desse acórdão, o alcance da obrigação decorrente do Acórdão Petruhhin (79) para o Estado‑Membro de acolhimento consiste simplesmente em dar ao Estado‑Membro de origem a possibilidade de, por sua vez, decidir pedir a entrega do seu próprio cidadão e julgá‑lo nesse país pelas infrações indicadas no pedido de extradição do país terceiro. No caso em apreço, bastaria, portanto, que a Alemanha transferisse o pedido ucraniano para a Roménia para que as autoridades de exercício da ação penal adequadas desse Estado pudessem tomar uma decisão quanto à emissão de um mandado de detenção europeu com vista à entrega de BY pela Alemanha para efeitos de procedimento criminal. O Acórdão Pisciotti (80) deixa claro que a Alemanha não tem obrigações adicionais a este respeito.

93.      Por conseguinte, em resposta à segunda questão, considero que nem o Estado‑Membro de origem nem o Estado‑Membro de acolhimento são obrigados, com base no Acórdão Petruhhin, a pedir ao Estado requerente que envie os autos do processo para analisar o exercício da ação penal.

F.      Terceira questão

94.      Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se o Estado‑Membro ao qual um Estado terceiro pediu a extradição de um cidadão da União é obrigado, por força do Acórdão Petruhhin, a recusar ordenar a extradição dessa pessoa e, em vez disso, a exercer a ação penal caso tal seja possível ao abrigo do seu direito nacional.

95.      Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão judicial a tomar, tem competência exclusiva para apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça. Consequentemente, desde que as questões submetidas sejam relativas à interpretação do direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se (81). No entanto, incumbe ao Tribunal de Justiça, se for caso disso, examinar as condições em que um órgão jurisdicional nacional lhe submete questões prejudiciais, de modo a verificar a sua própria competência, e, em especial, determinar se a interpretação do direito da União que é solicitada apresenta uma relação com a realidade e com o objeto do litígio no processo principal, de modo a não ser levado a formular pareceres sobre questões gerais ou hipotéticas (82).

96.      O órgão jurisdicional de reenvio baseia‑se no § 7, n.o 2, ponto 2, do Código Penal alemão, alegando que seria possível tomar em conta a proibição de discriminação prevista no artigo 18.o TFUE através da declaração de ilegalidade da extradição de um cidadão da União para um país terceiro e da instauração do procedimento criminal pelas autoridades criminais alemãs. Contudo, segundo o Governo alemão, referindo‑se a uma decisão recente do Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal, Alemanha) (83), a competência dos órgãos jurisdicionais alemães com base no § 7, n.o 2, ponto 2, do Código Penal alemão é de caráter meramente subsidiário. Isto significa que os órgãos jurisdicionais alemães só são competentes com base nesta disposição se nenhum Estado estrangeiro puder ou quiser exercer a ação penal. Não é o que se passa neste caso, uma vez que a Ucrânia tem manifestamente competência para julgar BY e pretende exercer essa competência (84). Por conseguinte, a terceira questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio afigura‑se irrelevante para a resolução do processo e, portanto, inadmissível.

97.      Importa recordar, evidentemente, que não incumbe ao Tribunal de Justiça pronunciar‑se sobre a interpretação e a aplicabilidade de disposições nacionais. Pelo contrário, incumbe ao Tribunal de Justiça ter em conta, no quadro da repartição das competências entre os tribunais da União e os tribunais nacionais, o contexto factual e regulamentar em que se insere a questão prejudicial, tal como definido pela decisão de reenvio (85).

98.      Uma vez que esta questão parece ser contestada pelas partes (86) e a premissa em que assenta a terceira questão prova que o órgão jurisdicional de reenvio não tomou, ou ainda não tomou, qualquer outra medida, a questão não pode ser considerada manifestamente irrelevante. Por conseguinte, há que examinar a terceira questão no contexto legislativo descrito, ou melhor, que está subjacente ao pedido do órgão jurisdicional de reenvio.

99.      Como se viu, no Acórdão Petruhhin o Tribunal de Justiça baseou‑se na presunção de que os Estados‑Membros não são, em geral, competentes para julgar se a infração não tiver sido cometida no seu território, nem pelos seus nacionais, ou se a vítima da alegada infração não for nacional desse Estado‑Membro (87). Partindo desta premissa, o Tribunal de Justiça concluiu que a eventual impunidade poderia ser evitada, na falta de extradição, desde que o Estado‑Membro de origem fosse competente, à luz do seu direito nacional, para proceder criminalmente contra a pessoa procurada por infrações cometidas fora do seu território nacional. A situação que tinha em mente era a que existe em muitos Estados‑Membros, em que o direito nacional os impede de extraditar os seus próprios nacionais.

100. Ao contrário do presente processo, a seguir‑se a aparente interpretação do § 7, n.o 2, ponto 2, do Código Penal alemão feita pelo órgão jurisdicional de reenvio, no processo Petruhhin o direito letão não previa a competência extraterritorial nos casos em que nem o autor nem a vítima eram cidadãos letões ou, no primeiro caso, era titular de uma autorização de residência permanente na Letónia. Neste contexto, o Tribunal de Justiça tentou, todavia, assegurar a igualdade de tratamento de quem exerce o direito de livre circulação na União numa situação em que o Estado‑Membro de acolhimento tinha uma regra que se opunha à extradição dos seus próprios nacionais para países terceiros. Como já se viu, a solução deste problema consistia em informar as autoridades do Estado‑Membro de origem sobre o pedido e facilitar, se necessário, um mandado de detenção europeu com vista à entrega da pessoa procurada para efeitos do seu julgamento no Estado‑Membro de origem. É, todavia, este o alcance da obrigação e, ao tomar tais medidas, o Estado‑Membro de acolhimento assegura uma igualdade segundo o modelo do Acórdão Petruhhin.

101. A este respeito, concordo com os argumentos avançados pela Comissão na audiência segundo os quais, no Acórdão Petruhhin, o Tribunal de Justiça encontrou uma solução original para a questão da igualdade de tratamento neste contexto e estabeleceu um conjunto limitado de obrigações que incumbem a um Estado‑Membro de acolhimento que não extradite os seus próprios nacionais. Satisfaz o interesse da segurança jurídica, que é da maior importância para as partes que atuam no domínio do direito penal. Na minha opinião, o Estado‑Membro de acolhimento não tem, à luz do direito da União, qualquer obrigação de ir mais longe. Especificamente, a conclusão de que o Estado‑Membro de acolhimento deve recusar automaticamente a extradição de um cidadão da União de outro Estado‑Membro e exercer ele próprio a ação penal pareceria, mais uma vez, uma solução muito normativa, contrária à independência e autonomia gerais das autoridades competentes para o exercício da ação penal do Estado‑Membro de acolhimento.

102. No Acórdão Petruhhin, o Tribunal de Justiça não contemplou outras medidas, menos restritivas do que a extradição, que um Estado‑Membro de acolhimento pudesse ter de tomar para cumprir as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 18.o e 21.o TFUE.

103. Não é a primeira vez que o Tribunal de Justiça é confrontado com a disposição alemã ora em questão e com o raciocínio segundo o qual um Estado‑Membro deve, se for competente, exercer ele próprio a ação penal contra um nacional de outro Estado‑Membro, enquanto medida menos restritiva do que a extradição para um país terceiro. Isto pressupõe, evidentemente, que esse Estado‑Membro não extradite os seus próprios nacionais, uma vez que qualquer limitação à extradição ao abrigo do direito da União decorre dessa regra e não de um direito inerente à cidadania da União.

104. Pode observar‑se que, no processo Pisciotti (88), o recorrente também tinha invocado este argumento. A este respeito, o advogado‑geral Y. Bot remeteu para a explicação do Governo alemão segundo a qual o § 7, n.o 2, do Código Penal alemão não era aplicável, uma vez que não estava preenchido um dos requisitos dessa disposição, a saber, o facto de a extradição requerida não poder ser executada (89). O Tribunal de Justiça, por outro lado, salientou que «[se colocava] unicamente a questão de saber se a República Federal da Alemanha podia agir relativamente a R. Pisciotti de forma menos atentatória ao exercício do seu direito à livre circulação, considerando entregá‑lo à República Italiana em vez de o extraditar para os Estados Unidos da América» (90).

105. Para além de tudo isto, obrigar um Estado‑Membro a exercer ele próprio a ação penal contra um cidadão estrangeiro em vez de o extraditar, seria, em muitos casos, contrário às obrigações que incumbem a esse Estado‑Membro por força de tratados internacionais sobre extradição. O artigo 6.o da Convenção Europeia de Extradição de 1957 permite às partes contratantes recusar a extradição dos seus nacionais, desde que, a pedido do Estado requerente, submeta o assunto às suas autoridades competentes, a fim de que, se for caso disso, o procedimento criminal possa ser instaurado. Não existe disposição comparável no caso de uma parte contratante instaurar ele próprio um procedimento criminal quanto a um cidadão estrangeiro. Como foi salientado por várias partes no processo, a assistência jurídica internacional em matéria penal, em especial no domínio da extradição, depende da confiança das diferentes partes contratantes entre si. Uma restrição adicional à extradição de alegados criminosos pode levar a uma relutância de outras partes contratantes em celebrar acordos com Estados‑Membros da União. Isto não pode ser, contudo, no interesse da União que, como se afirma claramente nos considerandos do Tratado da União Europeia, se «resolv[eu] a facilitar a livre circulação de pessoas, sem deixar de garantir a segurança dos seus povos, através da criação de um espaço de liberdade, de segurança e de justiça […]».

106. Em qualquer caso, depois desta longa discussão, basta dizer, em resposta à terceira questão, que o Acórdão Petruhhin não impõe efetivamente tal obrigação ao Estado requerido de exercer ele próprio a ação penal contra um não nacional que tenha sido objeto de um pedido de extradição de um Estado terceiro.

V.      Conclusão

107. Em suma, concluo do seguinte modo:

O Acórdão de 6 de setembro de 2016, Petruhhin (C‑182/15, EU:C:2016:630) foi, com o devido respeito, incorreta, não devendo ser agora seguida pelo Tribunal de Justiça. A prática e a experiência demonstraram que a situação de um cidadão de um Estado‑Membro que não extradita os seus próprios nacionais e a dos cidadãos de outros Estados‑Membros não é, de facto, comparável para efeitos da aplicação do artigo 18.o TFUE. Estes problemas práticos relacionados com uma eventual impunidade penal são agravados pela falta de uma estrutura legislativa adequada da União. Por conseguinte, convido o Tribunal de Justiça a afastar‑se do Acórdão Petruhhin por todas as razões atrás expostas.

108. Independentemente de o Tribunal de Justiça concordar ou não com esta análise, cheguei à conclusão de que o Tribunal de Justiça deve responder às questões submetidas pelo Kammergericht Berlin (Tribunal Regional Superior de Berlim, Alemanha) do seguinte modo:

1)      Os artigos 18.o e 21.o TFUE devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a que um cidadão da União invoque os direitos que decorrem destas disposições pelo simples facto de só ter obtido essa cidadania da União depois de ter estabelecido a sua residência num Estado‑Membro diferente daquele cuja nacionalidade obtém posteriormente e não ter, assim, exercido os seus direitos de livre circulação depois de se ter tornado cidadão da União. Quando, como no caso em apreço, o direito de um cidadão da União de residir num Estado‑Membro decorre do direito da União, esse cidadão tem o direito de invocar os direitos garantidos pelos artigos 18.o e 21.o TFUE.

2)      O Estado‑Membro de origem não é obrigado, por força do direito da União, a pedir ao Estado terceiro requerente que envie os autos do processo para analisar o exercício da ação penal.

3)      O direito da União não impõe qualquer obrigação ao Estado requerido de exercer ele próprio a ação penal contra um não nacional que tenha sido objeto de um pedido de extradição de um país terceiro.


1      Língua original: inglês.


2      JO 2002, L 190, p. 1, conforme alterada pela Decisão‑Quadro 2009/299/JAI do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009 (JO 2009, L 81, p. 24) (a seguir «Decisão‑Quadro 2002/584»).


3      21 Estados‑Membros da União Europeia formularam declarações à Convenção Europeia de Extradição, de 13 de dezembro de 1957 (Série Tratados Europeus n.o 24) declarando que não extraditarão nacionais e/ou definindo o significado do termo «nacionais» para esse efeito no âmbito da Convenção Europeia de Extradição, por vezes com limitações ou extensões. Assim, por exemplo, a Dinamarca, a Finlândia e a Suécia alargaram a exceção aos nacionais desses países, bem como aos da Noruega e da Islândia, e às pessoas domiciliadas num desses países. A Polónia e a Roménia, por outro lado, alargaram a exceção às pessoas que beneficiam de asilo nos seus países. As declarações e reservas estão disponíveis em linha no sítio Internet do Conselho da Europa, https://www.coe.int/en/web/conventions/search‑on‑treaties/‑/conventions/treaty/024/declarations?p_auth=nQgwv713 (consultado pela última vez em 11 de setembro de 2020). Isto é revelador da prevalência da exceção da nacionalidade. Para informações sobre a declaração alemã, v. n.o 11 das presentes conclusões.


4      A seguir «exceção da nacionalidade». Observem‑se aqui os comentários feitos em Deen‑Ryacsmány Z. e Blekxtoon R., «The Decline of the Nationality Exception in European Extradition», European Journal of Crime, Criminal Law and Criminal Justice, Vol. 13(3), Brill Nijhof, p. 317‑364, em que os autores, na p. 322, salientam que «A história da não extradição dos nacionais na Europa remonta pelo menos ao século XVIII‑XIX. O domínio dos sistemas de direito civil fez com que a exceção da nacionalidade fosse uma regra reconhecida, sancionada por disposições constitucionais, leis nacionais e acordos de extradição. Mesmo os tratados celebrados com Estados de common law — que não se opõem à extradição dos seus nacionais — mantiveram geralmente inalterada a liberdade das partes de não extraditarem os seus cidadãos.» [tradução livre]


5      Como o advogado‑geral Y. Bot já salientou nas suas Conclusões no processo Petruhhin (C‑182/15, EU:C:2016:330, nota de pé de página 25), a «obrigação de julgar» é a expressão mais frequentemente utilizada neste contexto. Com efeito, todavia, esta obrigação limita‑se, na realidade, a submeter o processo às autoridades competentes para o exercício da ação penal. Não implica uma verdadeira obrigação de a exercer. A questão de saber se a ação penal será exercida depende antes dos elementos de prova: v., de um modo geral, «The obligation to extradite or prosecute (aut dedere aut judicare)», Relatório Final da Comissão de Direito Internacional 2014, n.o 21).


6      V., por exemplo, Acórdão do Tribunal Permanente de Justiça Internacional de 7 de setembro de 1927, Processo Lotus, França/Turquia, Série A, n.o 10.


7      Acórdão de 6 de setembro de 2016 (C‑182/15, EU:C:2016:630) (a seguir «Petruhhin»).


8      V. n.o 39 do Acórdão Petruhhin.


9      V. n.o 50 do Acórdão Petruhhin.


10      Entrou em vigor na Alemanha em 1 de janeiro de 1977 e na Ucrânia em 9 de junho de 1998. A Convenção Europeia de Extradição de 1957 está também em vigor na Roménia desde 9 de dezembro de 1997.


11      Série Tratados Europeus n.o 98, em vigor na República Federal da Alemanha desde 6 de junho de 1991, na Roménia desde 9 de dezembro de 1997 e na Ucrânia desde 9 de junho de 1998. O Quarto Protocolo Adicional à Convenção Europeia de Extradição, Série Tratados do Conselho da Europa n.o 212 que contém outras alterações ao artigo 12.o da Convenção Europeia de Extradição, não é aplicável ao caso em apreço, uma vez que não foi até à data ratificado pela República Federal da Alemanha e, por conseguinte, não se aplica entre a Alemanha e a Ucrânia.


12      Em conformidade com o artigo 5.o do Segundo Protocolo Adicional à Convenção Europeia de Extradição, de 17 de março de 1978, Série Tratados Europeus n.o 98.


13      Declaração contida numa nota verbal da Representação Permanente da Alemanha, datada de 8 de novembro de 2010, registada no Secretariado‑Geral do Gabinete dos Tratados do Conselho da Europa em 9 de novembro de 2010.


14      BGBl. 1949, p. 1, conforme alterada pela Gesetz zur Änderung des Grundgesetzes (Artikel 16) [Lei que Alterou a Lei Fundamental (artigo 16.o)] de 29 de novembro de 2000, BGBl. I 2000, p. 1633.


15      Na versão publicada em 13 de novembro de 1998 (BGBl. I, p. 3322), com a última redação que lhe foi dada pelo artigo 62.o da Lei de 20 de novembro de 2019 (BGBl. I, p. 1626).


16      Lei Relativa à Cooperação Internacional em Matéria Penal, na versão publicada em 27 de junho de 1994, BGBl. I p. 1537, conforme posteriormente alterada (a seguir «IRG»).


17      O § 15 da IRG dispõe, no seu segundo parágrafo, que a detenção da pessoa procurada enquanto aguarda a extradição não pode ser ordenada quando a extradição se afigure, prima facie, ilegal.


18      O § 112, n.o 1, do Strafprozeßordnung (Código de Processo Penal) prevê que a emissão de um mandado de detenção exige «forte suspeita» que só pode ser apurada com base no exame dos elementos de prova disponíveis. Como se viu acima, o Estado requerido não dispõe geralmente dos autos para o poder fazer.


19      Acórdão de 10 de abril de 2018 (C‑191/16, EU:C:2018:222).


20      Acórdão de 13 de novembro de 2018 (C‑247/17, EU:C:2018:898).


21      Conclusões do advogado‑geral Y Bot no processo Petruhhin (C‑182/15, EU:C:2016:330).


22      A posse de uma autorização de residência permanente na Letónia constituía um fundamento adicional de competência extraterritorial nos termos da lei penal letã, v. Conclusões do advogado‑geral Y. Bot no processo Petruhhin (C‑182/15, EU:C:2016:330, n.o 65).


23      V. n.os 49 a 70 das Conclusões do advogado‑geral Y. Bot no processo Petruhhin (C‑182/15, EU:C:2016:330).


24      Conclusões do advogado‑geral Y. Bot no processo Petruhhin (C‑182/15, EU:C:2016:330, n.os 68 e 69).


25      V. n.o 33 do Acórdão Petruhhin.


26      V. n.o 37 do Acórdão Petruhhin. V., igualmente, Acórdão de 10 de abril de 2018, Pisciotti (C‑191/16, EU:C:2018:222, n.os 46 e 47 e jurisprudência referida).


27      V. n.os 42 e 47 do Acórdão Petruhhin.


28      V. n.o 50 do Acórdão Petruhhin.


29      V. n.o 50 do Acórdão Petruhhin.


30      Isto implica que os Tribunais do Estado‑Membro de origem tenham competência, nos termos da sua legislação nacional, para instaurar um procedimento criminal contra essa pessoa pelas infrações cometidas fora do território desse Estado.


31      Conclusões do advogado‑geral Y. Bot no processo Petruhhin (C‑182/15, EU:C:2016:330, n.o 51).


32      Acórdão do Tribunal Permanente de Justiça Internacional de 7 de setembro de 1927, Processo Lotus, França/Turquia, Série A, n.o 10.


33      V. O’Connell, D., International Law, 2.a ed., Vol. 2, Stevens, 1979, p. 602; Crawford, J., Brownlie’s Principles of Public International Law, 8.a ed., Oxford University Press, 2012 p. 457; Ipsen, K., Völkerrecht, 6.a ed., n.os 71 a 74; v., igualmente, Combacau, J. e Sur, S., Droit international public, 13.a ed., p. 390, que salientam que o exercício do poder normativo extraterritorial, no caso de não existir um nexo territorial nem de nacionalidade, é altamente subsidiário e limitado a pouquíssimos casos. O exercício deste princípio normativo de competência é bem ilustrado pelo artigo 4.o, n.o 3, da lei penal letã em questão no processo Petruhhin, que permitia a instauração de procedimentos penais contra não nacionais por infrações «graves ou muito graves» cometidas fora da Letónia e «atentatórias dos interesses da República da Letónia ou dos seus habitantes»: v. n.o 67 das Conclusões do advogado‑geral Y. Bot no processo Petruhhin (C‑182/15, EU:C:2016:330).


34      Acórdão do Tribunal Permanente de Justiça Internacional de 7 de setembro de 1927, Processo Lotus, França/Turquia, Série A, n.o 10.


35      V., por exemplo, Ryngaert, C., Jurisdiction in International Law, 2.a ed., Oxford University Press, 2015, nas pp. 30‑48; Beaulac, S., «The Lotus Case in Context» em Allen, S., et al., Oxford Handbook of Jurisdiction in International Law, Oxford University Press, 2019, pp. 40‑58.


36      Acórdão do Tribunal Internacional de Justiça de 14 de fevereiro de 2002, Mandado de detenção de 11 de abril de 2000 (República Democrática do Congo/Bélgica) [2002] ICJ Reports 2002, n.o 16 da opinião individual do Presidente G. Guillaume [tradução livre].


37      V., neste sentido, n.o 39 do Acórdão Petruhhin.


38      V. n.os 68 e 69 das Conclusões (C‑182/15, EU:C:2016:330).


39      Conclusões do advogado‑geral Y. Bot no processo Petruhhin (C‑182/15, EU:C:2016:330, n.o 68).


40      V. n.o 50 do Acórdão Petruhhin.


41      Acórdão de 13 de novembro de 2018 (C‑247/17, EU:C:2018:898).


42      Conclusões do advogado‑geral Y. Bot no processo Raugevicius (C‑247/17, EU:C:2018:616).


43      Conclusões do advogado‑geral Y. Bot no processo Raugevicius (C‑247/17, EU:C:2018:616, n.o 55).


44      Conclusões do advogado‑geral Y. Bot no processo Raugevicius (C‑247/17, EU:C:2018:616, n.o 56).


45      V. n.o 50 do Acórdão Petruhhin.


46      Acórdão de 13 de novembro de 2018, Raugevicius (C‑247/17, EU:C:2018:898, n.o 31).


47      Acórdão de 13 de novembro de 2018, Raugevicius (C‑247/17, EU:C:2018:898, n.o 36).


48      Série Tratados Europeus n.o 112 («Convenção Relativa à Transferência de Pessoas Condenadas»).


49      Acórdão de 13 de novembro de 2018, Raugevicius (C‑247/17, EU:C:2018:898, n.os 47 e 48).


50      Acórdão de 13 de novembro de 2018, Raugevicius (C‑247/17, EU:C:2018:898).


51      Acórdão de 13 de novembro de 2018 (C‑247/17, EU:C:2018:898).


52      Ou seja, concluindo (sendo caso disso) que D. Raugevicius era residente de longa duração na Finlândia e tinha, portanto, direito a ser tratado como se fosse um cidadão finlandês.


53      V. n.o 50 do Acórdão Petruhhin.


54      A Comissão salienta que estas foram pedidas com pouca antecedência e apenas a nível dos serviços, o que significa que os Estados‑Membros podem completar e/ou apresentar mais pormenores sobre a sua resposta em qualquer momento.


55      Os prazos mais longos serão menos problemáticos se a pessoa procurada já estiver detida por uma infração diferente daquela pela qual é procurada.


56      Embora não se trate aqui de um fator decisivo devido ao primado do direito da União em relação aos tratados internacionais de que a própria União não é parte. V., igualmente, n.o 107 das presentes conclusões.


57      Acórdãos de 20 de março de 1997, Hayes (C‑323/95, EU:C:1997:169, n.o 13) e n.o 27 do Acórdão Petruhhin, bem como jurisprudência referida.


58      V., neste sentido, Acórdão de 26 de fevereiro de 2019, Rimšēvičs e BCE/Letónia (C‑202/18 e C‑238/18, EU:C:2019:139, n.o 57).


59      V., neste sentido, Acórdãos de 2 de fevereiro de 1989, Cowan (186/87, EU:C:1989:47, n.o 19); de 24 de novembro de 1998, Bickel e Franz (C‑274/96, EU:C:1998:563, n.o 17); e de 28 de abril de 2011, El Dridi (C‑61/11 PPU, EU:C:2011:268, n.os 53 e 54).


60      Acórdãos de 2 de outubro de 2003, Garcia Avello (C‑148/02, EU:C:2003:539, n.os 22 a 24), e de 13 de junho de 2019, TopFit e Biffi (C‑22/18, EU:C:2019:497, n.o 28 e jurisprudência referida). V., igualmente, neste sentido, Acórdão de 2 de abril de 2020, I.N. (C‑897/19 PPU, EU:C:2020:262, n.o 40).


61      Acórdão de 5 de maio de 2011, McCarthy (C‑434/09, EU:C:2011:277, n.o 45 e jurisprudência referida).


62      Acórdão de 9 de novembro de 2000, Yiadom (C‑357/98, EU:C:2000:604, n.o 24 e jurisprudência referida), bem como, quanto à primeira parte dessa afirmação, Acórdão de 19 de outubro de 2004, Zhu e Chen (C‑200/02, EU:C:2004:639, n.o 31).


63      Acórdão de 5 de maio de 2011 (C‑434/09, EU:C:2011:277).


64      Acórdão de 5 de maio de 2011, McCarthy (C‑434/09, EU:C:2011:277, n.o 49).


65      Acórdão de 5 de maio de 2011, McCarthy (C‑434/09, EU:C:2011:277, n.o 46).


66      Acórdão de 12 de julho de 2005, Schempp (C‑403/03, EU:C:2005:446, n.o 25).


67      Acórdão de 19 de outubro de 2004, Zhu e Chen (C‑200/02, EU:C:2004:639, n.o 19).


68      Acórdão de 2 de outubro de 2003, Garcia Avello (C‑148/02, EU:C:2003:539, n.o 27).


69      Acórdão de 13 de novembro de 2018, Raugevicius (C‑247/17, EU:C:2018:898, n.o 29), v., igualmente, Acórdão de 7 de julho de 1992, Micheletti e o. (C‑369/90, EU:C:1992:295, n.o 19).


70      Acórdão de 5 de maio de 2011, McCarthy (C‑434/09, EU:C:2011:277).


71      Acórdão de 14 de novembro de 2017 (C‑165/16, EU:C:2017:862).


72      V., neste sentido, n.o 42 do Acórdão Petruhhin.


73      Uma vez que a pessoa procurada é nacional do Estado‑Membro de origem, só a discriminação inversa permitiria incluir a sua situação no âmbito de aplicação dos artigos 18.o e 21.o TFUE. No seu Acórdão de 11 de julho de 2002, D’Hoop (C‑224/98, EU:C:2002:432, n.o 30), o Tribunal de Justiça declarou que «seria incompatível com o direito à livre circulação que lhe fosse aplicado no Estado‑Membro de que é nacional um tratamento menos favorável do que aquele de que beneficiaria se não tivesse feito uso dos direitos conferidos pelo Tratado em matéria de livre circulação». Essas situações dizem respeito a nacionais que regressam ao seu país de origem depois de terem exercido o seu direito de livre circulação e que são tratados de forma diferente dos nacionais que permaneceram no seu país de origem. Não é esse o caso de BY. V., igualmente, neste sentido, Acórdão de 7 de julho de 1992, Singh (C‑370/90, EU:C:1992:296, n.o 23).


74      Latvijas Vēstnesis, 11.05.2005, n.o 74 (3232). Disponível em: https://likumi.lv/ta/en/en/id/107820 (consultado pela última vez em 11 de setembro de 2020). Segundo a resposta escrita da Comissão a uma pergunta do Tribunal de Justiça, a República da Áustria alterou igualmente a sua legislação de forma semelhante, acrescentando um novo número (1a) ao § 31 da Bundesgesetz über die Auslieferung und die Rechtshilfe in Strafsachen (Lei Relativa à Extradição e à Assistência Mútua), publicada no BGBl. I. n.o 20/2020, que entrou em vigor em 1 de junho de 2020.


75      Acórdão de 10 de abril de 2018, Pisciotti (C‑191/16, EU:C:2018:222, n.o 56).


76      V. n.o 50 do Acórdão Petruhhin.


77      Acórdão de 10 de abril de 2018, Pisciotti (C‑191/16, EU:C:2018:222, n.o 56).


78      Acórdão de 10 de abril de 2018 (C‑191/16, EU:C:2018:222).


79      V. n.o 50 do Acórdão Petruhhin.


80      Acórdão de 10 de abril de 2018 (C‑191/16, EU:C:2018:222).


81      Acórdão de 28 de junho de 2018, Crespo Rey (C‑2/17, EU:C:2018:511, n.o 34 e jurisprudência referida).


82      Acórdão de 24 de outubro de 2013, Stoilov i Ko (C‑180/12, EU:C:2013:693, n.o 38 e jurisprudência referida).


83      Bundesgerichtshof, Despacho de 23 de abril de 2019 (4StR 41/19), disponível no sítio Internet do Supremo Tribunal Federal: https://juris.bundesgerichtshof.de/cgi‑bin/rechtsprechung/document.py?Gericht=bgh&Art=en&sid=09ff6a4c826bba36ff9531132f1210e7&nr=96151&pos=0&anz=1 (consultado pela última vez em 11 de setembro de 2020).


84      V., igualmente, Conclusões do advogado‑geral Y. Bot no processo Pisciotti (C‑191/16, EU:C:2017:878, n.o 48), e Acórdão de 10 de abril de 2018, Pisciotti (C‑191/16, EU:C:2018:222, n.o 49), que remetem para a mesma leitura desta disposição.


85      Acórdão de 13 de junho de 2013, Kostov (C‑62/12, EU:C:2013:391, n.os 24 e 25 e jurisprudência referida).


86      O advogado de BY alegou que essa disposição é aplicável ao caso em apreço.


87      V. n.o 39 do Acórdão Petruhhin.


88      Acórdão de 10 de abril de 2018 (C‑191/16, EU:C:2018:222).


89      Conclusões do advogado‑geral Y. Bot no processo Pisciotti (C‑191/16, EU:C:2017:878, n.o 48).


90      Acórdão de 10 de abril de 2018, Pisciotti (C‑191/16, EU:C:2018:222, n.o 50).