Language of document : ECLI:EU:T:2022:541

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Sexta Secção alargada)

14 de setembro de 2022 (*)

«Concorrência — Abuso de posição dominante — Aparelhos móveis inteligentes — Decisão que declara uma infração ao artigo 102.o TFUE e ao artigo 54.o do Acordo EEE — Conceitos de plataforma e de mercado multiface (“ecossistema“) — Sistema operativo (Google Android) — Plataforma de distribuição de aplicações (Play Store) — Aplicações de pesquisa e de navegação (Google Search e Chrome) — Acordos com os fabricantes de aparelhos e com os operadores de redes móveis — Infração única e continuada — Conceitos de plano de conjunto e de comportamentos adotados no âmbito da mesma infração (pacotes de produtos, pagamentos de exclusividade e obrigações antifragmentação — Efeitos de exclusão — Direitos de defesa — Competência de plena jurisdição»

No processo T‑604/18,

Google LLC, com sede em Mountain View, Califórnia (Estados Unidos),

Alphabet, Inc., com sede em Mountain View,

representadas por N. Levy, J. Schindler, A. Lamadrid de Pablo, J. Killick, A. Komninos, G. Forwood, advogados, P. Stuart, D. Gregory, H. Mostyn, barristers, e M. Pickford, QC,

recorrentes,

apoiadas por:

Application Developers Alliance, com sede em Washington, D.C. (Estados Unidos), representada por A. Parr e S. Vaz, solicitors, e R. Baena Zapatero, avogada,

por

Computer & Communications Industry Association, com sede em Washington, D.C., representada por E. Batchelor e T. Selwyn Sharpe, solicitors, e G. Vasconcelos Lopes, advogada,

por

Gigaset Communications GmbH, com sede em Bocholt (Alemanha), representada por J.‑F. Bellis, advogada,

por

HMD global Oy, com sede em Helsínquia (Finlândia), representada por M. Glader e M. Johansson, advogadas,

e por

Opera Norway AS, anteriormente Opera Software AS, com sede em Oslo (Noruega), representada por M. Glader e M. Johansson, advogadas,

intervenientes,

contra

Comissão Europeia, representada por N. Khan, A. Dawes, C. Urraca Caviedes e F. Castillo de la Torre, na qualidade de agentes,

recorrida,

apoiada por:

BDZV — Bundesverband Digitalpublisher und Zeitungsverleger eV, anteriormente Bundesverband Deutscher Zeitungsverleger eV, com sede em Berlim (Alemanha), representada por T. Höppner, professor, e P. Westerhoff, advogado,

por

Bureau européen des unions de consommateurs (BEUC), com sede em Bruxelas (Bélgica), representado por A. Fratini, advogada,

por

FairSearch AISBL, com sede em Bruxelas, representada por T. Vinje, D. Paemen e K. Missenden, advogados,

por

Qwant, com sede em Paris (França), representada por T. Höppner, professor, e P. Westerhoff, advogado,

por

Seznam.cz, a.s., com sede em Praga (República Checa), representada por M. Felgr, T. Vinje, D. Paemen, J. Dobrý, e P. Chytil, advogadas,

e por

Verband Deutscher Zeitschriftenverleger eV, com sede em Berlim (Alemanha), representada por T. Höppner, professor, e por P. Westerhoff, advogado,

intervenientes,

O TRIBUNAL GERAL (Sexta Secção alargada),

composto por: A. Marcoulli, presidente, S. Frimodt Nielsen (relator), J. Schwarcz, C. Iliopoulos e R. Norkus, juízes,

secretário: C. Kristensen, chefe de unidade,

vistos os autos e após a audiência de 27 de setembro a 1 de outubro de 2021,

profere o presente

Acórdão

1        Com o seu recurso, baseado no artigo 263.o TFUE, a primeira recorrente, a Google LLC (anteriormente Google Inc.), e a Alphabet Inc., da qual a Google LLC é filial (a seguir, em conjunto, «Google» ou «recorrentes»), pedem, a título principal, a anulação da Decisão C (2018) 4761 final da Comissão, de 18 de julho de 2018, relativa a um processo nos termos do artigo 102.o TFUE e do artigo 54.o do Acordo EEE (processo AT.40099 — Google Android) a seguir «decisão recorrida») ou, a título subsidiário, a supressão ou a redução da coima que lhes foi aplicada pela referida decisão.

I.      Antecedentes do litígio

2        A Google é uma empresa do setor das tecnologias da informação e da comunicação, especializada nos produtos e serviços ligados à Internet ativa no Espaço Económico Europeu (EEE).

A.      Contexto do processo

3        Em 2005, para ter em consideração o aparecimento e o desenvolvimento da Internet móvel e a provável alteração de comportamento que isso iria provocar nos utilizadores relativamente às pesquisas gerais efetuadas em linha, a Google adquiriu a empresa que inicialmente tinha desenvolvido o sistema operativo para aparelhos móveis inteligentes (a seguir «SO») Android. Segundo a Comissão, em julho de 2018, cerca de 80 % dos aparelhos móveis inteligentes utilizados na Europa e no mundo funcionavam com Android.

4        Quando a Google desenvolve uma nova versão do Android, publica o código‑fonte em linha. Isto permite que os terceiros descarreguem e alterem esse código, para assim criarem «ramos» Android (um ramo é um novo programa informático criado a partir do código‑fonte de um programa informático existente). O código‑fonte Android divulgado sob licença de exploração livre («Android Open Source Project licence», a seguir «licença AOSP») contém os elementos de base de um SO, mas não as aplicações e os serviços Android, dos quais a Google é proprietária. Por conseguinte, os fabricantes de equipamentos de origem (a seguir «FEO») que pretendam obter aplicações e serviços da Google devem celebrar contratos com a Google. Esses contratos também são celebrados pela Google com os operadores de redes móveis (a seguir «ORM») que queiram poder instalar as aplicações e os serviços da Google nos aparelhos vendidos aos utilizadores finais.

5        Alguns desses contratos são objeto do presente processo.

B.      Procedimento perante a Comissão

6        Em 25 de março de 2013, a FairSearch AISBL (a seguir «FairSearch»), uma associação de empresas ativas no setor das tecnologias da informação e da comunicação, apresentou à Comissão uma queixa relativamente a certas práticas comerciais da Google na Internet móvel. Na sequência dessa denúncia, a Comissão enviou pedidos de informações à Google, aos seus clientes, aos seus concorrentes e a outras entidades ativas nessa área. Outras entidades também apresentaram queixas à Comissão quanto ao comportamento da Google na Internet móvel.

7        Em 15 de abril de 2015, a Comissão deu início a um procedimento relativo ao Android contra a Google.

8        Em 20 de abril de 2016, a Comissão enviou uma comunicação de acusações à Google. Uma versão não confidencial da comunicação de acusações foi também enviada aos 17 autores de queixas e terceiras partes interessadas.

9        Entre outubro de 2016 e outubro de 2017, a Comissão recebeu observações sobre a comunicação de acusações da parte de onze autores de queixas e terceiras partes interessadas. Em dezembro de 2016, Google apresentou uma versão final da sua resposta à comunicação de acusações (a seguir «resposta à comunicação de acusações»). Nessa altura, a Google não pediu a realização de uma audição.

10      Entre agosto de 2017 e maio de 2018, a Comissão apresentou à Google diversos elementos factuais suscetíveis de justificar as conclusões da comunicação de acusações. A comunicação desses elementos foi efetuada, nomeadamente, através de uma primeira carta de exposição dos factos, em 31 de agosto de 2017, e, em 11 de abril de 2018, de uma segunda carta de exposição dos factos. A Google apresentou as suas observações sobre essas cartas, respetivamente, em 23 de outubro de 2017 e em 7 de maio de 2018.

11      Por outro lado, em setembro de 2017, a Google pediu todos os documentos pertinentes relativos às reuniões que a Comissão tinha tido com terceiros. A Comissão respondeu a este pedido em fevereiro de 2018.

12      A Google teve acesso ao processo em 2016 na sequência da comunicação de acusações, em 2017, na sequência da primeira carta de exposição dos factos e, em 2018, sequência da segunda carta de exposição dos factos.

13      Em 7 de maio de 2018, a Google pediu a realização de uma audição. Este pedido foi recusado pela Comissão em 18 de maio de 2018.

14      Em 21 de Junho de 2018, a pedido da Google, a Comissão comunicou‑lhe duas cartas de terceiras partes interessadas. A Google apresentou as suas observações sobre esses documentos em 27 de junho de 2018.

C.      Decisão recorrida

15      Em 18 de julho de 2018, a Comissão adotou a decisão recorrida. Nesta, a Comissão aplicou uma coima à Google LLC e, em parte, à Alphabet Inc. por ter cometido uma infração às regras da concorrência ao impor restrições contratuais anticoncorrenciais aos FEO e aos ORM a fim de proteger e consolidar a sua posição dominante nos mercados nacionais, no EEE, em matéria de serviços de pesquisa geral.

16      Na decisão recorrida são identificados três conjuntos de restrições contratuais:

—        as restrições inseridas nos acordos de distribuição das aplicações móveis (a seguir «ADAM») nos termos dos quais a Google impunha aos FEO a pré‑instalação das suas aplicações de pesquisa geral (Google Search) e de navegação (Chrome), antes de poderem obter uma licença de exploração para a sua plataforma de distribuição de aplicações (Play Store);

—        as restrições inseridas nos acordos antifragmentação (a seguir «AAF») nos termos dos quais os FEO que pretendessem pré‑instalar aplicações Google não podiam vender equipamentos a funcionar em versões do Android que não tivessem sido aprovadas pela Google;

—        as restrições inseridas nos acordos de partilha de receitas (a seguir «APR») nos termos dos quais a Google concedia aos FEO e aos ORM uma percentagem das suas receitas de publicidade, desde que esses fabricantes ou operadores tivessem aceitado não pré‑instalar serviços de pesquisa geral concorrente em qualquer um dos equipamentos que integrasse uma carteira definida de comum acordo (a seguir «APR por carteira»).

17      Quanto à duração das restrições contratuais (a seguir, em conjunto, «restrições controvertidas»), as ligadas aos ADAM têm uma duração, no que respeita ao pacote Google Search e Play Store, de 1 de janeiro de 2011 até à data da decisão recorrida e, para o pacote Chrome, Google Search e Play Store, de 1 de agosto de 2012 até à data da decisão recorrida; as ligadas aos AAF duraram de 1 de janeiro de 2011 até à data da decisão recorrida, e as ligadas aos APR duraram de 1 de janeiro de 2011 a 31 de março de 2014, data em que terminou o último APR por carteira.

18      Segundo a Comissão, essas restrições controvertidas tinham por objetivo proteger e reforçar a posição dominante da Google em matéria de serviços de pesquisa geral e, portanto, as receitas obtidas por essa empresa através dos anúncios de publicidade relacionados com essas investigações. O objetivo comum e a interdependência das restrições controvertidas levaram a Comissão a qualificá‑las de infração única e continuada aos artigos 102.o TFUE e 54.o do Acordo EEE.

19      Para sancionar estas práticas consideradas abusivas, a Comissão aplicou à Google uma coima de 4 342 865 000 euros. Para determinar este montante, a Comissão tomou em consideração o valor das vendas pertinentes no EEE, em relação com a infração única e continuada, realizadas pela Google durante o último ano de participação na infração (2017) e aplicou‑lhe um coeficiente de gravidade (11 %). Em seguida, a Comissão multiplicou o montante obtido pelo número de anos de participação na infração (aproximadamente 7,52) e aditou‑lhe um montante adicional (equivalente a 11 % do valor das vendas de 2017) para dissuadir empresas semelhantes de se envolverem em práticas idênticas. A Comissão considerou também que não havia circunstâncias atenuantes ou agravantes ou ter especialmente em conta a elevada capacidade financeira da Google para alterar o montante da coima, para menos ou para mais.

20      A Comissão também exigiu à Google que pusesse termo a essas práticas no prazo de 90 dias a contar da notificação da decisão recorrida.

II.    Tramitação processual e pedidos das partes

21      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 9 de outubro de 2018, a Google interpôs o presente recurso.

22      A pedido da Comissão, o prazo para a apresentação da contestação foi prorrogado diversas vezes. Por último, foi fixado em 15 de março de 2019, data em que esta contestação foi apresentada.

23      A pedido da Google, o prazo para a apresentação da réplica foi prorrogado diversas vezes. Por último, foi fixado para 1 de julho de 2019, data em que a réplica foi feita.

24      A pedido da Comissão, o prazo para a apresentação da tréplica foi prorrogado diversas vezes. Por último, foi fixado em 29 de novembro de 2019, data em que a tréplica foi apresentada.

A.      Pedidos de intervenção

25      Foram apresentados onze pedidos de intervenção no prazo previsto no artigo 143.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral.

26      Por despacho do presidente da Terceira Secção, de 23 de setembro de 2019:

—        A Application Developers Alliance (a seguir «ADA»); a Computer & Communications Industry Association (a seguir «CCIA»); a Gigaset Communications GmbH (a seguir «Gigaset»); a HMD global Oy (a seguir «HMD») e a Opera Norway AS, anteriormente Opera Software AS (a seguir «Opera») foram autorizadas a intervir em apoio dos pedidos da Google;

—        o Bureau européen des unions de consommateurs (BEUC), a Verband Deutscher Zeitschriftenverleger eV (a seguir «VDZ»), a BDZV — Bundesverband Digitalpublisher und Zeitungsverleger eV (a seguir «BDZV»), a Seznam.cz, a.s. (a seguir «Seznam»), a FairSearch e a Qwant foram autorizados a intervir em apoio dos pedidos da Comissão.

27      Para permitir aos intervenientes pronunciarem‑se sobre todos os articulados das partes principais, o prazo para a apresentação dos articulados de intervenção foi fixado a partir da apresentação da versão comum não confidencial da tréplica.

28      A pedido de alguns intervenientes, o prazo para a apresentação dos articulados de intervenção foi prorrogado diversas vezes. Por último, foi fixado em 30 de junho de 2020, data em que todos estes articulados foram apresentados.

29      Em 12 de outubro de 2020, as partes principais apresentaram as suas observações sobre as alegações de intervenção.

B.      Tramitação do processo, principais pedidos de tratamento confidencial e preparação do processo para julgamento

30      A pedido das partes principais, o prazo para a apresentação dos pedidos de tratamento confidencial da petição, da contestação, da réplica e da tréplica foi prorrogado diversas vezes. Para a petição e a contestação, foi fixado em último lugar em 13 de setembro de 2019, data em que as partes principais apresentaram uma versão comum não confidencial de cada um desses documentos. Para a réplica e para a tréplica, foi fixado em último lugar, respetivamente, em 11 de dezembro de 2019 e em 1 de maio de 2020, datas em que as partes principais apresentaram uma versão comum de cada um destes documentos.

31      Quanto a estes documentos, as únicas objeções feitas relativamente aos pedidos de tratamento confidencial foram apresentadas pela FairSearch em 20 de março de 2020 a propósito da confidencialidade invocada pela Google quanto a três anexos da tréplica.

32      Em 7 de abril de 2020, no âmbito de uma medida de organização do processo prevista no artigo 89.o do Regulamento de Processo, o Tribunal Geral pediu esclarecimentos à Google sobre a extensão da confidencialidade invocada no que respeita aos três anexos identificados pela FairSearch. A Google respondeu em 23 de abril de 2020 e apresentou novas versões desses anexos.

33      Em 6 de maio de 2020, no âmbito de uma medida de organização do processo, o Tribunal Geral perguntou à FairSearch se, tendo em conta as novas versões dos três anexos da tréplica comunicados pela Google, mantinha as suas objeções quanto à confidencialidade desses documentos. A FairSearch respondeu em 1 de junho de 2020 indicando que não mantinha as suas objeções.

34      A pedido das partes principais, o prazo para a apresentação dos pedidos de tratamento confidencial das suas observações sobre os articulados de intervenção foi prorrogado diversas vezes. Por último, foi fixada em 11 de dezembro de 2020, data em que foram apresentadas versões comuns não confidenciais dessas observações.

35      Quanto às observações das partes principais em relação aos articulados de intervenção, as únicas objeções feitas sobre os pedidos de tratamento confidencial foram apresentadas pelo BEUC, em 8 de janeiro de 2021, a propósito da confidencialidade invocada pela Google no que respeita a um anexo da petição e a determinadas passagens das observações da Google sobre as alegações de intervenção do BEUC.

36      Em 21 de janeiro de 2021, no âmbito de uma medida de organização do processo, o Tribunal Geral pediu à Google esclarecimentos sobre o alcance da confidencialidade invocada no que respeita a esse anexo da petição e a essas passagens das suas observações. A Google respondeu em 27 de janeiro de 2021 e apresentou novas versões do anexo da petição identificada pelo BEUC, bem como as suas observações sobre o articulado de intervenção do BEUC.

37      Em 18 de fevereiro de 2021, no âmbito de uma medida de organização do processo, o Tribunal Geral perguntou ao BEUC se, à luz da nova versão não confidencial do anexo que tinha identificado, bem como da nova versão não confidencial das observações da Google sobre o articulado de intervenção do BEUC, este mantinha as suas objeções. O BEUC respondeu em 5 de março de 2021, referindo que não mantinha as suas objeções.

38      Os esforços conjugados de todas as partes ao longo do processo permitiram, apesar dos interesses divergentes que estavam frequentemente em causa, reduzir as dificuldades relacionadas com o caráter confidencial das informações, dados e documentos invocados no âmbito do presente processo, nomeadamente permitindo o exame do processo à luz de uma versão comum não confidencial. Certos dados confidenciais conhecidos das partes principais foram substituídos no presente acórdão por tabelas utilizadas na versão pública da decisão recorrida disponível no sítio Internet da Comissão.

39      Tendo a composição das secções do Tribunal Geral sido alterada, em aplicação do artigo 27.o, n.o 5, do Regulamento de Processo, o juiz‑relator foi afetado à Sexta Secção do Tribunal Geral, à qual o presente processo foi, por conseguinte, atribuído.

40      A fase escrita do processo foi encerrada em 19 de março de 2021 com a comunicação das últimas observações sobre os pedidos de tratamento confidencial.

41      Em 6 de abril de 2021, a Google pediu para ser ouvida numa audiência de alegações.

42      Sob proposta da Sexta Secção, o Tribunal Geral decidiu, em aplicação do artigo 28.o do Regulamento de Processo, remeter o processo à Sexta Secção alargada.

43      Sob proposta do juiz‑relator, o Tribunal Geral decidiu dar início à fase oral do processo.

44      Em 25 de junho de 2021, no âmbito das medidas de organização do processo, o Tribunal Geral convidou as partes a responderem a um primeiro conjunto de questões. As partes responderam a essas questões relativas ao mérito da causa e as partes principais apresentaram observações escritas sobre estas respostas.

45      Em 5 de Julho de 2021, o Tribunal Geral convidou as partes a comentarem o programa proposto para os vários dias da audiência. Essa programação foi adaptada em consideração das observações apresentadas a este respeito.

46      Foi comunicado às partes um relatório para audiência e, em 7 e 24 de setembro de 2021, respetivamente, a Google e a Comissão apresentaram observações sobre esse documento. O Tribunal Geral registou essas observações.

47      Foram ouvidas as alegações das partes principais e os intervenientes e as suas respostas às questões orais colocadas pelo Tribunal Geral na audiência que decorreu ao longo de cinco dias, de 27 de setembro a 1 de outubro de 2021.

C.      Pedidos das partes

48      A Google, apoiada pela ADA, pela CCIA, pela Gigaset, pela HMD e pela Opera, conclui pedindo ao Tribunal Geral que se digne:

—        anular a decisão recorrida;

—        a título subsidiário, suprimir ou reduzir a coima;

—        condenar a Comissão nas despesas;

—        condenar o BEUC, a VDZ, a BDZV, a Seznam, a FairSearch e a Qwant nas despesas relativas às respetivas intervenções.

49      No que lhes diz respeito, a ADA, a CCIA, a Gigaset, a HMD e a Opera também concluem pedindo ao Tribunal Geral que se digne condenar a Comissão nas despesas relativas à sua intervenção.

50      A Comissão, apoiada pelo BEUC, pela VDZ, pela BDZV, pela Seznam, pela FairSearch e pela Qwant, conclui pedindo ao Tribunal Geral que se digne:

—        negar provimento ao recurso;

—        condenar a Google nas despesas;

—        condenar a ADA, a CCIA, a Gigaset, a HMD e a Opera nas despesas relativas à sua intervenção.

51      No que lhes diz respeito, o BEUC, a VDZ, a BDZV, a Seznam, a FairSearch e a Qwant também concluem pedindo ao Tribunal Geral que se digne condenar a Google nas despesas relativas à sua intervenção.

III. Questão de direito

52      Em apoio do recurso, as recorrentes invocam seis fundamentos:

—        o primeiro fundamento é relativo à apreciação errada da definição do mercado e à existência de uma posição dominante;

—        o segundo fundamento é relativo à apreciação errada do caráter abusivo das condições de pré‑instalação dos ADAM;

—        o terceiro fundamento é relativo à apreciação errada do caráter abusivo da condição de pré‑instalação única incluída nos APR por carteira;

—        o quarto fundamento é relativo à apreciação errada do caráter abusivo do condicionamento da concessão das licenças da Play Store e da Google Search ao cumprimento de obrigações antifragmentação (a seguir as «OAF») contidas no AAF;

—        o quinto fundamento é relativo à violação dos direitos de defesa;

—        o sexto fundamento é relativo à apreciação errada dos diferentes elementos tomados em conta para o cálculo da coima.

A.      Observações preliminares

53      Antes de examinar a argumentação das partes, há que fazer algumas observações sobre o contexto comercial dos comportamentos sancionados, as modalidades da fiscalização jurisdicional da decisão recorrida e a produção da prova, bem como sobre a admissibilidade dos elementos de prova apresentados ao Tribunal Geral.

1.      Quanto ao contexto comercial dos comportamentos sancionados

54      O dicionário em linha MerriamWebster define o verbo «to google» como a ação que consiste em «utilizar o motor de pesquisa da Google para obter informações sobre alguém ou qualquer coisa na rede Internet mundial». São raras as empresas que podem invocar uma notoriedade tal que o seu nome tenha dado origem a um verbo e este simples facto demonstra a importância adquirida pela Google na vida quotidiana.

a)      Modelo comercial centrado na pesquisa através da Google Search

55      A Google retira o essencial das suas receitas do seu produto com maior êxito: o seu motor de pesquisa Google Search. Nos aparelhos móveis inteligentes, os utilizadores podem aceder ao motor de pesquisa Google Search com a aplicação Google Search ou por outros pontos de entrada, como o gadget de pesquisa («search widget»), ou uma barra de endereço que se encontra no programa de navegação. Este motor de pesquisa fornece serviços de pesquisa geral («general search services») e permite aos utilizadores procurar uma resposta para os seus pedidos em toda a Internet (considerandos 94 a 101 e 106 da decisão recorrida).

56      O modelo comercial da Google baseia‑se na interação entre, por um lado, produtos e serviços ligados à Internet propostos, na maior parte dos casos, sem encargos para os utilizadores e, por outro, serviços de publicidade em linha, dos quais retira a grande maioria das suas receitas. Assim, o SO Android, a plataforma de distribuição de aplicações Play Store, a aplicação Google Search, o programa de navegação Chrome, o serviço de correio eletrónico Gmail, o serviço de armazenamento e de edição de conteúdos Google Drive, o serviço de geolocalização Google Maps, o serviço de difusão de conteúdos YouTube são propostos sem despesas. Outros serviços são pagos, como a Google Play Music and Movie, que propõem uma fórmula premium paga, como o YouTube e o Google Drive (considerando 107 e nota de pé de página n.o 65 da decisão recorrida). Em 2016, por exemplo, a publicidade em linha representou 88,7 % do total das receitas da Google, 80 % das quais foram geradas através dos sítios da Google, especialmente a página inicial da Google Search (considerandos 105 a 107 e nota de pé de página n.o 62 da decisão recorrida).

57      Diferentemente do modelo comercial adotado, por exemplo, pela Apple, que se baseia na integração vertical e na venda de aparelhos móveis inteligentes de topo de gama, o modelo comercial da Google assenta sobretudo no aumento dos utilizadores dos seus serviços de pesquisa em linha para poder vender os seus serviços de publicidade em linha (considerando 153 da decisão recorrida).

58      Nas interações dos utilizadores com os seus produtos e serviços, a Google recolhe dados sobre as suas atividades comerciais e a utilização dos seus aparelhos. Os dados obtidos incluem, nomeadamente, as informações de contacto (nome, endereço, endereço de correio eletrónico, número de telefone); dados de identificação da conta (nome de utilizador e palavra passe); informações demográficas (género e data de nascimento); os detalhes do cartão ou da conta bancária utilizada; informações sobre o conteúdo servido ao utilizador (publicidade, páginas visitadas, etc.); os dados de interação, como os cliques; a localização; dados relativos ao aparelho e ao operador utilizados. Estes dados permitem à Google reforçar a sua capacidade de apresentar respostas de pesquisa e anúncios de publicidade pertinentes (considerandos 109 a 111 da decisão recorrida).

b)      Práticas adotadas aquando da transição para a Internet móvel

59      O modelo comercial da Google foi inicialmente desenvolvido no ambiente dos computadores pessoais (PC), para os quais o programa de navegação era o principal ponto de entrada na Internet. Em meados dos anos 2000, a Google considerou que o desenvolvimento da Internet móvel representaria uma alteração fundamental nos hábitos dos utilizadores, tendo em conta, nomeadamente, as oportunidades oferecidas pela geolocalização.

60      Esta previsível expansão incitou a Google a implementar uma estratégia para antecipar os efeitos dessa mudança e para garantir que os utilizadores efetuam as suas pesquisas em aparelhos móveis por intermédio da Google Search (considerandos 112 a 117 da decisão recorrida). Esta estratégia comportou diversas vertentes.

61      Por um lado, em 2005, a Google comprou o programador inicial do SO Android a fim de retomar sob a sua responsabilidade o seu desenvolvimento e a sua manutenção (considerandos 120 a 123 da decisão recorrida). O SO Android é proposto sem contrapartida financeira aos FEO, aos ORM e aos programadores de aplicações através de uma licença de exploração livre, a licença AOSP (considerando 124 da decisão recorrida). O SO Android também está inserido num «ecossistema», que incorpora outros elementos como o conjunto dos serviços Google Mobile («GMS bundle» ou «Google Mobile Services», a seguir «pacote SMG») (v. considerando 133 da decisão recorrida) que inclui nomeadamente a plataforma de distribuição de aplicações Play Store, a aplicação Google Search e o programa de navegação Chrome. As primeiras versões comerciais de aparelhos Android foram comercializadas em 2008‑2009.

62      Por outro lado, a partir de 2007, a Google celebrou um acordo com a Apple para permitir à Google Search ser definida como o serviço de pesquisa geral por defeito em todos os aparelhos móveis inteligentes lançados pela Apple a partir do iPhone. Este acordo permitiu à Google Search representar em 2010 mais de metade do tráfego Internet em iPhone e quase um terço de todo o tráfego Internet móvel (considerandos 118 e 119 da decisão recorrida).

63      Por outro lado, a Google também opera na produção de aparelhos Google Android com as suas próprias gamas Nexus e Pixel (considerandos 152 e 153 da decisão recorrida).

c)      Infração única que reveste diversos aspetos

64      No presente processo, a Comissão considerou que certos aspetos da estratégia implementada pela Google para adaptar o seu modelo comercial à transição para a Internet móvel eram constitutivos de um abuso de posição dominante.

65      É o que acontece com as restrições controvertidas impostas pela Google aos FEO e às ORM para garantir que o tráfego nos aparelhos Google Android seja dirigido para o motor de pesquisa Google Search. Para a Comissão, estas práticas tiveram por efeito privar os concorrentes da Google — como a Qwant ou a Seznam — da possibilidade de lhe fazerem concorrência pelo seu mérito e de privar os consumidores europeus das vantagens de uma concorrência efetiva, como a possibilidade de utilizar um motor de pesquisa que privilegia a proteção da vida privada, adaptado a especificidades linguísticas ou que privilegiam conteúdos de valor acrescentado, nomeadamente no domínio da informação.

66      Como se expôs supra, segundo os pontos 11 a 13 da decisão recorrida, eram três as restrições controvertidas:

—        as restrições inseridas nos ADAM, através dos quais a Google impunha aos FEO a obrigação de pré‑instalar as suas aplicações de pesquisa geral (Google Search) e de navegação (Chrome), antes de poder obter uma licença para a sua plataforma de distribuição de aplicações em linha (Play Store);

—        as restrições inseridas nos AAF, nos termos dos quais os FEO que pretendessem pré‑instalar aplicações da Google não podiam vender aparelhos que funcionassem em versões do Android que não tinham sido aprovadas pela Google;

—        as restrições inseridas nos APR por carteira, nos termos dos quais a Google concedia aos FEO e aos ORM uma percentagem das receitas de publicidade desde que esses fabricantes e esses operadores tivessem aceitado não pré‑instalar serviços de pesquisa geral concorrente em qualquer dos aparelhos que fizessem parte de um portfólio definido de comum acordo.

67      Para a Comissão, as restrições controvertidas faziam parte de uma estratégia global da Google que visava consolidar a sua posição dominante no mercado da pesquisa geral na Internet num momento em que a importância da Internet móvel aumentava significativamente (v. ponto 14 da decisão recorrida).

68      O objetivo desta estratégia era manter as hipóteses da Google de ver os consumidores utilizarem o seu motor de pesquisa quando efetuavam as suas pesquisas gerais na Internet, o que lhe teria garantido não só a obtenção das receitas de publicidade correspondentes, mas também a aquisição de informações necessárias para a melhoria dos seus serviços. Embora os meios utilizados fossem múltiplos e interagissem, o objetivo manteve‑se globalmente o mesmo:

—        os ADAM tinham por objetivo permitir à Google garantir que os aparelhos Google Android comercializados dispunham da aplicação Google Search e do programa de navegação Chrome, os dois pontos de entrada principais para efetuar uma pesquisa geral; a instalação prévia destas aplicações teve, assim, por efeito, segundo a Comissão, permitir à Google beneficiar de um «desvio do statu quo» que lhe estava ligado, uma vantagem que teve efeitos significativos na concorrência, diminuindo nomeadamente as possibilidades de escolha oferecidas aos consumidores;

—        os AAF tinham por objetivo permitir à Google evitar o surgimento de soluções suscetíveis de explorar o SO Android em seu detrimento; assim, a sociedade Amazon não tinha conseguido servir‑se do Android para desenvolver as suas próprias soluções em termos de aplicações e serviços correspondentes;

—        os APR por carteira, que, embora não cobrissem todos os aparelhos Google Android e só tenham sido utilizados por um curto período, tinham por objetivo permitir à Google obter o que não estava formalmente previsto nos outros acordos, a saber, a exclusividade; com efeito, em aplicação desses acordos de partilha de receitas, FEO e ORM importantes comprometiam‑se a instalar previamente apenas o motor de pesquisa Google Search.

69      Há também que salientar um ponto importante do raciocínio desenvolvido pela Comissão na decisão recorrida, nomeadamente nos considerandos 738 e 739 e no ponto 14.2.

70      Com efeito, a Comissão identificou três tipos de restrições controvertidas nos ADAM, nos AAF e nos APR por carteira e considerou que davam origem a «quatro infrações distintas» ao artigo 102.o TFUE.

71      Não obstante, a Comissão também considerou que esses comportamentos, e as infrações daí resultantes, prosseguiam um objetivo idêntico e eram complementares e interdependentes. Este conjunto constituía, assim, uma «infração única e continuada» relativamente à qual era aplicada uma única coima.

72      Segundo a Comissão, tal infração reveste vários aspetos, tendo cada um deles evoluído no tempo segundo os seus próprios parâmetros, estando todos ligados pelo objetivo comum de garantir à Google o melhor acesso possível às pesquisas gerais efetuadas pelos consumidores em aparelhos móveis inteligentes. Havia também um «efeito cumulativo» significativo ligado à combinação dos diferentes aspetos dessa infração. Em especial, os efeitos das restrições controvertidas não eram os mesmos a partir do momento em que a garantia de presença permitida pelos ADAM, embora não exclusiva, era reforçada pela exclusividade conferida pelos APR.

2.      Quanto às modalidades da fiscalização jurisdicional

73      Há que recordar que o sistema de fiscalização jurisdicional das decisões da Comissão relativas aos processos de aplicação dos artigos 101.o e 102.o TFUE consiste numa fiscalização da legalidade dos atos das instituições prevista no artigo 263.o TFUE, a qual, em aplicação do artigo 261.o TFUE e mediante pedido da recorrente, pode ser completada pelo exercício, pelo Tribunal Geral, de uma competência de plena jurisdição no que respeita às sanções aplicadas neste domínio pela Comissão (Acórdão de 26 de setembro de 2018, Infineon Technologies/Comissão, C‑99/17 P, EU:C:2018:773, n.o 47 e jurisprudência referida).

a)      Fiscalização aprofundada de todos os elementos pertinentes

74      Quanto à fiscalização da legalidade prevista no artigo 263.o TFUE, importa salientar que esta abrange todos os elementos das decisões da Comissão relativas aos procedimentos nos termos dos artigos 101.o e 102.o TFUE cuja fiscalização aprofundada, tanto de direito como de facto, é assegurada pelo Tribunal Geral à luz dos fundamentos invocados pela recorrente e tendo em conta todos os elementos pertinentes apresentados por esta última (v. Acórdão de 26 de setembro de 2018, Infineon Technologies/Comissão, C‑99/17 P, EU:C:2018:773, n.o 48 e jurisprudência referida).

75      A este respeito, na medida em que a decisão recorrida aplique uma coima e uma sanção pecuniária compulsória a uma infração ao direito da concorrência, o juiz da União deve, designadamente, verificar não só a exatidão material dos elementos de prova invocados pela Comissão, a sua fiabilidade e a sua coerência, mas também fiscalizar se esses elementos constituem a totalidade dos dados pertinentes que devem ser tomados em consideração para apreciar a existência dos factos constitutivos da infração e se permitem sustentar a interpretação que lhes é dada pela Comissão na decisão recorrida (v, neste sentido, Acórdão de 8 de dezembro de 2011, Chalkor/Comissão, C‑386/10 P, EU:C:2011:815, n.o 54 e jurisprudência referida).

76      Com efeito, diversamente, por exemplo, de uma análise prospetiva exigida para o exame de um projeto de concentração, que implica uma previsão de eventos que se produzirão no futuro, segundo uma probabilidade mais ou menos forte, se não for adotada uma decisão que proíba ou que precise as condições da concentração prevista, a Comissão deve, na maioria dos casos, quando pune um abuso de posição dominante, analisar eventos do passado, a respeito dos quais existem geralmente numerosos elementos que permitem compreender as suas causas e apreciar os seus efeitos sobre a concorrência efetiva (v., neste sentido, Acórdão de 15 de fevereiro de 2005, Comissão/Tetra Laval, C‑12/03 P, EU:C:2005:87, n.o 42).

77      Em tal situação, cabe à Comissão provar não só a existência do abuso mas também a sua duração. Mais especificamente, a Comissão deve apresentar a prova da infração por ela constatada e produzir os elementos probatórios adequados à demonstração juridicamente bastante da existência dos factos constitutivos da infração (v., neste sentido, Acórdãos de 5 de outubro de 2011, Romana Tabacchi/Comissão, T‑11/06, EU:T:2011:560, n.o 129 e jurisprudência referida, e de 15 de julho de 2015, Trafilerie Meridionali/Comissão, T‑422/10, EU:T:2015:512, n.o 88 e jurisprudência referida).

78      A este respeito, a existência de dúvidas no espírito do juiz deve beneficiar a empresa destinatária da decisão que declara uma infração. O juiz não pode, por conseguinte, concluir que a Comissão fez prova juridicamente bastante da existência da infração em causa se subsistir no seu espírito uma dúvida sobre essa questão, nomeadamente no quadro de um recurso que visa a anulação ou a reforma de uma decisão que aplica uma coima (v., neste sentido, Acórdãos de 5 de outubro de 2011, Romana Tabacchi/Comissão, T‑11/06, EU:T:2011:560, n.o 129 e jurisprudência referida, e de 15 de julho de 2015, Trafilerie Meridionali/Comissão, T‑422/10, EU:T:2015:512, n.o 88 e jurisprudência referida).

79      Em especial, quando a Comissão constata uma infração às regras da concorrência baseando‑se na suposição de que os factos provados só podem ser explicados em função da existência de um comportamento anticoncorrencial, o juiz será levado a anular a decisão em questão quando a empresa em causa apresenta uma argumentação que dá uma perspetiva diferente dos factos provados pela Comissão e que permite assim substituir a explicação da Comissão que a levou a concluir pela existência de uma infração por outra explicação plausível dos factos. Com efeito, em tal caso não se pode considerar que a Comissão tenha apresentado a prova da existência de uma infração ao direito da concorrência (v., neste sentido, Acórdãos de 28 de março de 1984, Compagnie royale asturienne des mines e Rheinzink/Comissão, 29/83 e 30/83, EU:C:1984:130, n.o 16, e de 31 de março de 1993, Ahlström Osakeyhtiö e o./Comissão, C‑89/85, C‑104/85, C‑114/85, C‑116/85, C‑117/85 e C‑125/85 a C‑129/85, EU:C:1993:120, n.os 126 e 127).

80      Com efeito, perante uma dúvida sobre a existência de um facto constitutivo da infração, é necessário ter em conta o princípio da presunção da inocência, que faz parte dos direitos fundamentais que são protegidos na ordem jurídica da União e que foi consagrado no artigo 48.o, n.o 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Dada a natureza das infrações em causa e a natureza e o grau de gravidade das sanções que lhe estão associadas, o princípio da presunção de inocência aplica‑se, nomeadamente, aos processos relativos a violações das regras da concorrência aplicáveis às empresas e suscetíveis de conduzir à aplicação de coimas ou de sanções pecuniárias compulsórias. Assim, é necessário que a Comissão apresente provas precisas e concordantes que sirvam de base à firme convicção de que a infração alegada foi cometida (v., neste sentido, Acórdãos de 5 de outubro de 2011, Romana Tabacchi/Comissão, T‑11/06, EU:T:2011:560, n.o 129 e jurisprudência referida, e de 15 de julho de 2015, Trafilerie Meridionali/Comissão, T‑422/10, EU:T:2015:512, n.o 88 e jurisprudência referida).

81      No entanto, embora seja necessário que a Comissão apresente provas precisas e concordantes para sustentar a firme convicção de que a infração foi cometida, importa sublinhar que cada uma das provas que a Comissão apresenta não tem necessariamente de cumprir estes critérios relativamente a cada elemento da infração. Basta que o conjunto dos indícios invocado pela instituição, apreciado globalmente, satisfaça esta exigência (v., neste sentido, Acórdão de 26 de janeiro de 2017, Comissão/Keramag Keramische Werke e o., C‑613/13 P, EU:C:2017:49, n.o 52 e jurisprudência referida).

b)      Competência de plena jurisdição no que respeita à coima

82      A competência de plena jurisdição, reconhecida ao juiz da União no artigo 31.o do Regulamento n.o 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos [101.o e 102.o TFUE] (JO 2003, L 1, p. 1), em conformidade com o artigo 261.o TFUE, habilita o juiz, além da simples fiscalização da legalidade da sanção, a substituir a apreciação da Comissão pela sua própria apreciação e, consequentemente, a suprimir, reduzir ou agravar a coima ou a sanção pecuniária compulsória aplicada (Acórdão de 26 de setembro de 2018, Infineon Technologies/Comissão, C‑99/17 P, EU:C:2018:773, n.o 193 e jurisprudência referida).

83      Especificamente, para cumprir as exigências de uma fiscalização de plena jurisdição, na aceção do artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais no que respeita à coima, o juiz da União deve, no exercício das competências previstas nos artigos 261.o e 263.o TFUE, analisar todas as alegações, de direito ou de facto, destinadas a demonstrar que o montante da coima não é adequado à gravidade e à duração da infração (Acórdão de 26 de setembro de 2018, Infineon Technologies/Comissão, C‑99/17 P, EU:C:2018:773, n.o 195 e jurisprudência referida).

84      Neste contexto, foi nomeadamente declarado que a gravidade da infração devia ser objeto de uma apreciação individual e que, para a determinação do montante das coimas, havia que ter em conta a duração da infração e todos os elementos que possam ser considerados na apreciação da gravidade da mesma, como, designadamente, o comportamento da empresas em causa, o seu papel no estabelecimento das práticas abusivas, o benefício que retirou dessas práticas ou ainda a intensidade dos comportamentos anticoncorrenciais (v., neste sentido, Acórdão de 26 de setembro de 2018, Infineon Technologies/Comissão, C‑99/17 P, EU:C:2018:773, n.os 196 e 197 e jurisprudência referida).

85      Este exercício não exige que o Tribunal Geral aplique as orientações da Comissão para o cálculo das coimas (v., neste sentido, Acórdão de 14 de setembro de 2016, Trafilerie Meridionali/Comissão, C‑519/15 P, EU:C:2016:682, n.os 52 a 55).

86      Em conclusão, o juiz da União pode reformar o ato impugnado, mesmo sem o anular, a fim de suprimir, reduzir ou agravar a coima aplicada. Esta competência é exercida tendo em conta todas as circunstâncias de facto. Daqui resulta que o juiz da União está habilitado a exercer a sua competência de plena jurisdição quando a questão do montante da coima é submetida à sua apreciação, implicando o exercício desta competência a transferência definitiva para este último do poder de aplicar sanções (Despacho de 7 de julho de 2016, Westfälische Drahtindustrie e Pampus Industriebeteiligungen/Comissão, C‑523/15 P, EU:C:2016:541, n.os 32 a 34 e jurisprudência referida).

3.      Quanto à produção da prova e às diferentes contestações apresentadas a este respeito

87      No âmbito do presente recurso, tanto a Comissão como a Google contestam a pertinência, ou mesmo a admissibilidade, de certos argumentos e elementos de prova que elas próprias ou os intervenientes apresentaram.

88      É o que sucede no que respeita, por exemplo, a certas declarações feitas por um dirigente ou por um trabalhador da Google ou por uma parte interessada, certas declarações ou relatórios apresentados a pedido de uma parte por um terceiro que invoca a qualidade de perito e de documentos elaborados a partir de dados internos próprios de uma empresa apresentados para demonstrar a existência de um facto que pode ser qualificado de notório, referido na decisão recorrida e que é contestado no Tribunal Geral, a saber o conceito de «desvio do statu quo» identificado em psicologia para ilustrar um comportamento não racional que explica a aversão à mudança. O mesmo acontece no que se refere a documentos elaborados a partir de dados internos de uma empresa para sustentar ou refutar uma alegação feita na decisão recorrida no âmbito do presente recurso.

89      A este respeito, primeiro, há que recordar que a fiscalização da legalidade de uma decisão da Comissão relativa a um processo de aplicação do artigo 101.o ou 102.o TFUE é efetuada tendo em conta todos os elementos de prova apresentados pela recorrente, quer sejam anteriores ou posteriores à decisão recorrida, tenham sido apresentados previamente no âmbito do procedimento administrativo ou, pela primeira vez, no âmbito do recurso de que o Tribunal Geral é chamado a conhecer, na medida em que estes últimos elementos de prova sejam pertinentes (v., neste sentido, Acórdão de 21 de janeiro de 2016, Galp Energía España e o./Comissão, C‑603/13 P, EU:C:2016:38, n.o 72 e jurisprudência referida).

90      Do mesmo modo, no âmbito da sua competência de plena jurisdição, cabe ao Tribunal Geral apreciar, na data em que profere a sua decisão, se foi aplicada à recorrente uma coima adequada (v., neste sentido, Acórdão de 11 de julho de 2014, Esso e o./Comissão, T‑540/08, EU:T:2014:630, n.o 133 e jurisprudência referida). Neste contexto, o Tribunal Geral está habilitado a ter em conta todas as circunstâncias de facto que considere pertinentes, quer sejam anteriores ou posteriores à decisão impugnada (Despacho de 7 de julho de 2016, Westfälische Drahtindustrie e Pampus Industriebeteiligungen/Comissão, C‑523/15 P, EU:C:2016:541, n.o 43 e jurisprudência referida).

91      No caso em apreço, resulta destes princípios que, embora sejam pertinentes para a apreciação do Tribunal Geral, os argumentos e os elementos de prova correspondentes que são apresentados pela recorrente pela primeira vez no presente processo não podem ser afastados com o pretexto de que não foram previamente expostos à Comissão no âmbito do procedimento administrativo.

92      Segundo, há também que salientar que o princípio que prevalece no direito da União é o da livre apreciação das provas, de onde decorre, por um lado, que, desde que um elemento de prova tenha sido obtido legalmente, a sua admissibilidade não pode ser contestada no Tribunal Geral e, por outro, que o único critério pertinente para apreciar o valor das provas apresentadas reside na sua credibilidade (v. Acórdão de 26 de setembro de 2018, Infineon Technologies/Comissão, C‑99/17 P, EU:C:2018:773, n.o 65 e jurisprudência referida).

93      Em aplicação deste princípio, verifica‑se no presente processo que não há razão para o Tribunal Geral pensar que os diferentes elementos de prova apresentados pelas partes não foram obtidos regularmente ou que não apresentam uma credibilidade suficiente para serem tomados em consideração na sua apreciação.

94      A este respeito, quanto ao valor probatório dos diferentes elementos de prova contra os quais foram apresentadas contestações, pode salientar‑se o seguinte.

95      Antes de mais, quanto às declarações feitas por um dirigente ou por um trabalhador da Google ou por uma parte interessada, há que referir que, embora não se possa considerar que estas não têm nenhum valor probatório, não é menos verdade que essas declarações se destinam a atenuar ou a fundamentar a responsabilidade da empresa objeto do processo a fim de a defender ou de a acusar segundo os próprios interesses da parte que apresenta a declaração. Por isso, se essas declarações tiverem valor probatório, este deve ser relativizado no que se refere ao dos diferentes documentos, como mensagens de correio eletrónico ou outros documentos internos, que digam diretamente respeito ao período e aos factos em causa (v., neste sentido, Acórdão de 8 de julho de 2008, Lafarge/Comissão, T‑54/03, não publicado, EU:T:2008:255, n.o 379).

96      Do mesmo modo, quanto às declarações ou relatórios apresentados a pedido de uma parte para justificar as suas alegações por um terceiro que invoca a qualidade de perito, importa salientar que o valor probatório desses documentos é apreciado sob vários pontos de vista. Por um lado, o seu autor deve providenciar no sentido de expor as suas qualificações e experiências e explicar a que título são pertinentes para emitir um parecer sobre a questão examinada. Por outro lado, o seu conteúdo deve expor as razões pelas quais o parecer deve merece tomado em consideração, quer se trate da fiabilidade da metodologia utilizada ou da pertinência da resposta dada a esta questão para efeitos do presente processo. Foi à luz destes princípios e das observações apresentadas pelas partes a este respeito que o Tribunal Geral examinou esses documentos no presente processo.

97      Por último, quanto aos documentos apresentados para demonstrar a existência de um facto que pode ser qualificado de notório referido na decisão recorrida, resulta da jurisprudência que estes devem ser considerados admissíveis [v., neste sentido, Acórdão de 5 de fevereiro de 2020, Hickies/EUIPO (Forma de um atacador), T‑573/18, EU:T:2020:32, n.o 18]. Com efeito, esses documentos limitam‑se, em substância, a demonstrar a existência de um consenso quanto ao sentido comumente dado ao conceito de «desvio do statu quo», e retomados pela Comissão na decisão recorrida.

98      Terceiro, há que observar que, embora, em aplicação do artigo 85.o do Regulamento de Processo, as provas e o oferecimento de provas sejam, em princípio, apresentados na primeira troca de articulados, as partes podem ainda, em apoio da sua argumentação, apresentá‑la na réplica e na tréplica ou mesmo a título excecional, antes do encerramento da fase oral do processo, desde que o atraso na apresentação desses elementos seja justificado. No entanto, resulta da jurisprudência que a contraprova e a ampliação da prova oferecida na sequência da apresentação de um argumento ou de uma prova contrária pela outra parte na contestação não são abrangidas pela norma de preclusão prevista na referida disposição. Com efeito, esta disposição diz respeito ao oferecimento de novas provas e deve ser interpretada à luz do artigo o artigo 92.o, n.o 7, do mesmo diploma, que prevê expressamente que a contraprova e a ampliação das provas continuam reservadas (v., neste sentido, Acórdãos de 17 de dezembro de 1998, Baustahlgewebe/Comissão, C‑185/95 P, EU:C:1998:608, n.os 71 e 72, e de 5 de dezembro de 2006, Westfalen Gassen Nederland/Comissão, T‑303/02, EU:T:2006:374, n.o 189).

99      No caso em apreço, resulta do exame das diferentes contestações formuladas pelas partes contra a pertinência, ou mesmo a admissibilidade, de certos argumentos e elementos de prova correspondentes, apresentados pelas partes principais ou pelos intervenientes que estas podem ser todas rejeitadas pelo facto de esses argumentos e elementos estarem relacionados com o exercício do princípio do contraditório, uma vez que as partes interessadas os apresentaram para responder a um argumento ou uma prova contrária que acabava de ser comunicada ao Tribunal Geral.

100    Nesta perspetiva, o Tribunal Geral considera que tanto os elementos de prova que foram apresentados, pela primeira vez, no âmbito do recurso como a invocação de elementos de facto ou a apresentação de elementos de prova destinados a refutar os argumentos apresentados por outra parte no decurso da instância ou a demonstrar um facto notório não podem ser declarados inadmissíveis e que a sua pertinência poderá ser apreciada posteriormente, por ocasião da análise dos diferentes fundamentos apresentados contra a decisão recorrida.

101    É à luz destas considerações que há que examinar os diferentes fundamentos apresentados pela Google em apoio do recurso e todos os elementos de prova apresentados pelas partes.

B.      Quanto ao primeiro fundamento, relativo à apreciação errada da definição do mercado relevante e à existência de uma posição dominante

102    Com o primeiro fundamento de recurso, dividido em três partes, a Google acusa a Comissão de vários erros de apreciação na definição dos mercados relevantes e na apreciação subsequente da sua posição dominante em alguns desses mercados.

1.      Elementos de contexto

103    A título preliminar, para considerar o conceito de concorrência entre «ecossistemas» implementados pela Google no âmbito do presente fundamento, há que recordar, por um lado, qual é o principal desafio da determinação do mercado relevante em matéria de abuso de posição dominante, e, por outro, examinar as especificidades do presente processo.

a)      Conceitos de mercado relevante, de posição dominante e de pressões concorrenciais, nomeadamente perante um «ecossistema»

104    Há que recordar que, no âmbito da aplicação do artigo 102.o TFUE, a determinação do mercado relevante tem como objetivo definir os limites em que deve ser apreciada a questão de saber se essa empresa está em condições de se comportar, numa medida apreciável, independentemente dos seus concorrentes, dos seus clientes e dos consumidores [v. Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.o 127 e jurisprudência referida)].

105    Por conseguinte, a determinação do mercado relevante constitui, em princípio, um pressuposto da apreciação da eventual existência de uma posição dominante da empresa em causa. Esse exercício pressupõe que se definam, em primeiro lugar, os produtos ou os serviços que fazem parte do mercado relevante (a seguir «mercado de produtos») e, em segundo lugar, a dimensão geográfica desse mercado [v. Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.os 127 e 128 e jurisprudência referida].

106    No que respeita ao mercado de produtos, o conceito de mercado relevante implica que possa haver uma concorrência efetiva entre os produtos ou serviços que dele fazem parte, o que pressupõe um grau suficiente de permutabilidade ou de substituibilidade entre esses produtos ou serviços. A permutabilidade ou a substituibilidade não se aprecia apenas em relação às características objetivas dos produtos ou serviços em questão. Há igualmente que tomar em consideração as condições da concorrência e a estrutura da procura e da oferta no mercado [v. Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.o 129 e jurisprudência referida].

107    Na sua dimensão geográfica, o mercado relevante corresponde ao território no qual as condições de concorrência são semelhantes e constituem um todo suficientemente homogéneo para ser considerado globalmente e permitir apreciar o funcionamento do poder económico da empresa em causa (v., neste sentido, Acórdão de 14 de fevereiro de 1978, United Brands e United Brands Continentaal/Comissão, 27/76, EU:C:1978:22, n.os 11, 44, 52 e 53).

108    Em aplicação destes princípios, a posição dominante a que se refere o artigo 102.o TFUE diz assim respeito a uma posição de poder económico detida por uma empresa que lhe dá o poder de obstar a uma concorrência efetiva no mercado em causa e lhe dá a possibilidade de adotar comportamentos independentes numa medida apreciável em relação aos seus concorrentes, aos seus clientes e, finalmente, aos consumidores (Acórdão de 14 de fevereiro de 1978, United Brands e United Brands Continentaal/Comissão, 27/76, EU:C:1978:22, n.o 65).

109    A este respeito, há que sublinhar que a determinação do mercado relevante e da posição dominante detida nesse mercado pela empresa em causa visa não só definir a realidade e o alcance das pressões concorrenciais internas, próprias desse mercado, mas também verificar que não existem pressões concorrenciais externas provenientes de outros produtos, serviços ou territórios diferentes dos que fazem parte do mercado relevante examinado.

110    De uma maneira geral, importa, com efeito, que a Comissão identifique e defina o perímetro dentro do qual se exerce a concorrência entre as empresas, para determinar se a empresa em causa pode, numa medida apreciável, agir independentemente das condicionantes que uma concorrência efetiva exerce.

111    Ora, como já foi salientado pelo Tribunal de Justiça, a permutabilidade e a substituibilidade de produtos ou de serviços têm, naturalmente, um caráter dinâmico, na medida em que uma nova oferta é suscetível de modificar a conceção dos produtos considerados permutáveis com um produto já existente no mercado ou substituíveis por esse produto e, dessa forma, de justificar uma nova definição dos parâmetros do mercado relevante [Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.o 130.

112    Todavia tal apreciação pressupõe que exista um grau suficiente de permutabilidade entre os produtos ou serviços que fazem parte do mercado relevante e os considerados para responder à procura nesse mercado. É o que aconteceria se o autor da proposta alternativa estivesse em condições de responder à procura num curto prazo, com força suficiente para constituir um contrapeso sério ao poder detido pela empresa em causa no mercado relevante [v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.os 132 e 133].

113    Por conseguinte, embora, em certas circunstâncias, possa ser oportuno examinar a pressão externa que uma oferta alternativa poderia representar, importa também ter em conta as especificidades próprias de certas situações, nomeadamente na hipótese em que diversos mercados estão mutuamente interligados.

114    Com efeito, embora os princípios acima expostos continuem a ser válidos para definir um quadro de análise claro e transparente dos conceitos de mercado relevante e de posição dominante, a sua aplicação necessita, por vezes, de uma análise mais circunstanciada, que vá além dessa mera segmentação em mercados, a fim de melhor apreciar as pressões concorrenciais existentes nesses mercados e a posição de poder económico detida pela empresa em causa.

115    Este é especialmente o caso dos mercados abrangidos, como o do presente processo, pela economia digital, em que os parâmetros tradicionais como o preço dos produtos ou serviços ou a quota de mercado da empresa em causa podem ser menos importantes do que nos mercados tradicionais, em comparação com outras variáveis como a inovação, o acesso aos dados, os aspetos multiface, o comportamento dos utilizadores ou os efeitos de rede.

116    Assim, perante um «ecossistema» digital, que reúne e faz interagir numa plataforma diversas categorias de fornecedores, de clientes e de consumidores, os produtos ou serviços que fazem parte dos mercados relevantes que compõem esse ecossistema podem interligar‑se ou estar conectados uns aos outros tendo em consideração a sua complementaridade horizontal ou vertical. Tomados no seu conjunto, estes mercados relevantes também podem ter uma dimensão global, tendo em consideração o sistema que reúne os componentes e as eventuais pressões concorrenciais que se exercem dentro desse sistema ou provenientes de outros sistemas.

117    A identificação das condições de concorrência pertinentes para a apreciação da posição do poder económico detido pela empresa em causa pode assim necessitar de uma análise a vários níveis ou em diversas direções para determinar a realidade e o alcance das diversas pressões concorrenciais suscetíveis de serem exercidas sobre essa empresa.

118    Em conclusão, o que importa no âmbito do presente fundamento é verificar, tendo em consideração os argumentos das partes e o raciocínio exposto na decisão recorrida, se a Google, no exercício do poder que lhe era atribuído pela Comissão nos mercados relevantes, lhe permitia efetivamente agir numa medida apreciável independentemente dos diferentes fatores suscetíveis de condicionar o seu comportamento.

119    Com efeito, como alegou a Google, em substância, no procedimento administrativo e de novo no âmbito do presente fundamento, a Comissão devia ter tido em conta as suas alegações segundo as quais, devido às pressões concorrenciais exercidas pelo ecossistema da Apple, não dispunha do poder de impedir a manutenção de uma concorrência efetiva nos mercados relevantes ligados ao ecossistema Android.

b)      Mercados distintos, mas interligados

120    No caso em apreço, importa salientar, antes de mais, que a Comissão identificou quatro tipos de mercados relevantes (considerandos 217 e 402 da decisão recorrida): primeiro, o mercado mundial (excluindo a China) dos SO sob licença, no sentido de licenças de sistemas operativos para aparelhos móveis inteligentes (v. n.o 3 supra, a seguir «mercado dos SO sob licença»); segundo, o mercado mundial (excluindo a China), de plataformas de distribuição de aplicações Android; terceiro, os diversos mercados nacionais, no EEE, de fornecimento de serviços de pesquisa geral; e, quarto, o mercado mundial de programas de navegação na Web concebidos para uma utilização móvel (a seguir «navegadores Web móveis ») não específicos de um SO.

121    Seguidamente, a Comissão considerou que a Google tinha uma posição dominante nos três primeiros mercados (considerando 439 da decisão recorrida), isto é, que podia comportar‑se nesses mercados, numa medida apreciável, independentemente dos seus concorrentes, dos seus clientes e dos consumidores.

122    Ao efetuar essa análise, a Comissão tomou, nomeadamente, em consideração a pressão concorrencial exercida pela Apple sobre a Google, sendo esta qualificada de «condicionante indireta», na medida em que era exercida ao nível dos utilizadores e dos programadores de aplicações (considerando 242 da decisão recorrida), e declarada «insuficiente» para pôr em causa as posições dominantes da Google nos mercados relevantes (considerandos 243, 322, 479 a 559 e 652 a 672 da decisão recorrida). Nos termos da decisão recorrida, a Apple e o ecossistema iOS não estavam em condições de exercer uma pressão concorrencial suficiente sobre a Google e o ecossistema Android.

123    A este respeito, há que salientar, em primeiro lugar, que, por razões de oportunidade e sem prejuízo da sua posição a este respeito, a Google refere na petição que opta por não contestar a constatação efetuada na decisão recorrida do seu domínio em diferentes mercados nacionais dos serviços de pesquisa geral.

124    Na falta de qualquer argumento invocado a este respeito além da observação complementar feita posteriormente pela Google sobre as condições de concorrência examinadas pela Comissão no que respeita ao mercado dos serviços de pesquisa geral na República Checa, onde não é contestado que a quota de mercado da Google é menos importante do que nos outros países do EEE, o Tribunal Geral não tem de pôr em causa as conclusões da Comissão em relação a esses mercados nacionais nos considerandos 674 a 727 da decisão recorrida.

125    Por conseguinte, para efeitos do presente processo, há que considerar que a Comissão demonstrou devidamente na decisão recorrida que a Google, ao poder comportar‑se, numa medida apreciável, independentemente dos seus concorrentes, dos seus clientes e dos consumidores, dispunha de uma posição dominante nos diversos mercados nacionais dos serviços de pesquisa geral no EEE (v. considerandos 674 e 675 da decisão recorrida e o raciocínio que justifica esta conclusão).

126    Em segundo lugar, importa sublinhar que, embora os mercados relevantes sejam apresentados de maneira distinta na decisão recorrida, não podem, todavia, ser artificialmente dissociados, na medida em que todos apresentavam aspetos complementares devidamente evocados pela Comissão.

127    Era o que acontecia com o mercado dos SO sob licença e o mercado das plataformas de distribuição de aplicações Android. Com efeito, as aplicações acessíveis a partir de uma plataforma de distribuição de aplicações Android não tinham interesse porque funcionavam no SO sob licença Android. Inversamente, um SO sob licença, para aumentar a sua atratividade estava dependente do número, da diversidade e da qualidade das aplicações que podiam funcionar nesse SO (v. considerandos 84 a 88 e 271 da decisão recorrida.

128    Do mesmo modo, os mercados nacionais de serviços de pesquisa geral não podem ser dissociados dos mercados dos SO sob licença, das plataformas de distribuição de aplicações Android e dos navegadores web móveis não específicos para um SO. Tomados no seu conjunto, os produtos ou os serviços visados por estes três tipos de mercados relevantes constituíam com efeito uma porta de entrada para os serviços de pesquisa geral (v. por exemplo, considerando 1341 da decisão recorrida).

129    É neste contexto factual de mercados relevantes diferentes, mas interligados e da execução de uma estratégia global destinada essencialmente, segundo a Comissão, a garantir a posição dominante que a Google detém nos mercados nacionais dos serviços de pesquisa geral, que importa examinar os argumentos relativos ao primeiro fundamento.

2.      Quanto à primeira parte, relativa à posição dominante dos SO sob licença para aparelhos móveis inteligentes

130    Para definir o mercado dos SO sob licença, a Comissão considerou que havia que excluir desse mercado, os sistemas operativos para computadores, os sistemas operativos para aparelhos móveis de funcionalidades limitadas e os SO sem licença, no sentido de sistemas operativos para aparelhos móveis inteligentes que não eram propostos sob licença, nomeadamente o iOS da Apple. Em contrapartida a Comissão indicou que esse mercado integrava o conjunto dos SO sob licença e não fazia qualquer diferença se esses SO funcionavam para telefones inteligentes ou para tablettes (considerandos 218 a 267 da decisão recorrida).

131    Em seguida, a Comissão considerou que a Google detinha, com os seus aparelhos Google Android, uma posição dominante no mercado dos SO sob licença. Para chegar a esta conclusão, a Comissão baseou‑se na quota de mercado da Google e na sua evolução no tempo, na análise das barreiras à entrada e à expansão, na falta de poder de compra compensatório, bem como na existência de uma pressão concorrencial insuficiente dos SO sem licença, especialmente o iOS da Apple (considerandos 440 a 589 da decisão recorrida)

132    Na primeira parte do primeiro fundamento, a Google sustenta que a Comissão apreciou erradamente a sua posição nesse mercado ao não ter tomado corretamente em conta, por um lado, a concorrência dos SO sem licença, especialmente o iOS da Apple, e por outro, a devida à licença AOSP.

a)      Quanto à admissibilidade da primeira parte

133    A Comissão alega que a primeira parte, na medida em que se destina a contestar a definição do mercado dos SO sob licença, deve ser julgada inadmissível. Com efeito, a Google apenas contestava a declaração da sua posição dominante nesse mercado.

134    A este respeito, embora a Google concentre os seus argumentos no terreno da sua pretensa posição dominante no mercado dos SO sob licença e denomine nesse sentido o título da primeira parte, não deixa de ser verdade que, com os seus argumentos, critica a Comissão por ter definido esse mercado em consideração dos FEO e não dos utilizadores ou dos programadores de aplicações, que tiveram em conta a pressão concorrencial exercida pela Apple.

135    Esta argumentação é entendida à luz do raciocínio que levou a Comissão a não incluir os SO sem licença no mercado relevante, o qual toma nomeadamente em consideração o facto de a concorrência proveniente da Apple ser indireta e insuficiente e de as soluções encontradas no Acórdão de 22 de outubro de 2002, Schneider Electric/Comissão (T‑310/01, EU:T:2002:254), evocado pela Google, não serem aplicáveis (v. n.o 7.3.5 relativo à definição de mercado e considerandos 241 a 245 da decisão recorrida). Além disso, na fase da definição do mercado dos SO sob licença, a própria Comissão referiu‑se ao raciocínio desenvolvido para apreciar a posição dominante da Google nesse mercado, que também toma em consideração a pressão concorrencial que pode ser exercida pela Apple, nomeadamente em relação aos utilizadores ou aos programadores de aplicações (v. considerandos 243 e 267 da decisão recorrida que remetem para o n.o 9.3.4 relativo à apreciação da posição dominante).

136    Por conseguinte, na medida em que a Google contesta tanto o raciocínio desenvolvido para definir o mercado dos SO sob licença como o desenvolvido para apreciar a sua posição dominante nesse mercado, não há que submeter a admissibilidade da primeira parte à da segunda parte do raciocínio contestado.

137    Por conseguinte, há que julgar admissível a argumentação da Google destinada a contestar a definição do mercado dos SO sob licença na primeira parte do primeiro fundamento.

b)      Quanto ao mérito da primeira parte

138    Em apoio da primeira parte do primeiro fundamento, a Google faz duas acusações relativas, a primeira, à apreciação errada da pressão concorrencial exercida pelos SO sem licença, especialmente o iOS da Apple, e, a segunda, à apreciação errada da pressão concorrencial exercida pela natureza aberta da licença AOSP.

1)      Quanto à pressão concorrencial dos SO sem licença

139    Na decisão recorrida, a Comissão considerou, por um lado que os SO sem licença não faziam parte do mesmo mercado que os SO sob licença (v. considerandos 238 a 267 da decisão recorrida) e, por outro que a posição dominante da Google no mercado dos SO sob licença não era afetada pela pressão concorrencial exercida nesse mercado pelos SO sem licença da Apple e do BlackBerry (v. considerandos 479 a 589 da decisão recorrida). Assim, embora compreendendo de maneira distinta a definição do mercado relevante e a posição que a Google ocupa no referido mercado, as questões suscitadas nessas duas fases da decisão recorrida apresentam uma importante conexão.

140    A este respeito, importa salientar que, para delimitar o mercado dos SO sob licença, a Comissão tomou em consideração o facto, não contestado pela Google, de que os FEO não tinham acesso aos SO sem licença, nomeadamente ao iOS da Apple (considerando 239 da decisão recorrida). Por conseguinte, o papel suscetível de ser desempenhado pelos SO sem licença só podia ser analisado, como aliás a Google alegou, ao nível dos utilizadores e dos programadores de aplicações (considerando 241, n.o 2, e considerando 243 da decisão recorrida). Todavia, a Comissão considerou que esta concorrência indireta era insuficiente para contrabalançar o poder de mercado da Google (considerando 243 com uma remissão para o ponto 9.3.4 da decisão recorrida).

141    Para chegar a esta conclusão, a Comissão considerou, nomeadamente, a hipótese de uma degradação ligeira, mas significativa e não provisória da qualidade (Small but Significant and Non transitory Decrease in Quality, a seguir «degradação da qualidade» ou «teste SSNDQ») do Android. Com este teste, examinou a reação dos utilizadores e dos programadores de aplicações a uma degradação da qualidade do Android. Por outras palavras, a Comissão verificou se a Google se podia abster de desenvolver e financiar o Android sem que os seus utilizadores e os programadores de aplicações privilegiassem em resposta uma proposta alternativa.

142    No âmbito da primeira parte, a Google acusa a Comissão de ter ignorado a concorrência exercida pela Apple em relação aos utilizadores e aos programadores de aplicações tanto para efeitos da definição do mercado dos SO sob licença como na fase da apreciação do seu poder nesse mercado. Primeiro, considera que Comissão rejeitou erradamente elementos de prova da pressão concorrencial da Apple. Segundo, não teve em conta os princípios consagrados pelo Acórdão de 22 de outubro de 2002, Schneider Electric/Comissão (T‑310/01, EU:T:2002:254), que consideravam a concorrência de empresas integradas verticalmente. Terceiro, ainda segunda a Google, com o teste SSNDQ, que continuava a ser um instrumento impreciso, a Comissão subestimou o impacto de uma degradação da qualidade do Android ao apreciar erradamente a sensibilidade dos utilizadores à qualidade do SO, a importância da política tarifária da Apple, os custos de uma transferência para outro SO, a fidelidade dos utilizadores para com os seus SO, bem como o comportamento dos programadores de aplicações.

i)      Quanto às provas de uma pressão concorrencial da Apple

–       Argumentos das partes

143    A Google, à semelhança dos intervenientes em seu apoio, alega que a Comissão rejeitou erradamente vários elementos de prova da pressão concorrencial da Apple. Foi o que aconteceu, primeiro, com os grandes investimentos realizados pela Google para desenvolver o SO Android; segundo, com a regularidade das inovações interpostas entre o que respeita a este SO e o iOS da Apple, e, terceiro, com os documentos referidos nos n.os 250 a 252 da decisão recorrida, que ilustram a concorrência da Apple.

144    Antes de mais, a Comissão sublinha ter considerado devidamente que as pressões concorrenciais provenientes dos SO sem licença da Apple e do BlackBerry, eram insuficientes. A este respeito, primeiro, os investimentos realizados pela Google para desenvolver o Android eram motivados pelo seu interesse financeiro; segundo, a corrida à inovação invocada pela Google não está demonstrada, uma vez que, nomeadamente, os utilizadores escolhem não um SO, mas um aparelho, e, terceiro, os documentos citados pela Google são poucos e insuficientes para demonstrar a existência de uma pressão concorrencial suficiente por parte da Apple.

–       Apreciação do Tribunal Geral

145    Para alegar que a apreciação da pressão concorrencial exercida pela Apple no mercado de SO sob licença e na posição dominante que detinha nesse mercado está errada, a Google baseia‑se em diversos elementos que podem ser sintetizados do seguinte modo:

—        as declarações de um dos seus quadros, que alega que a Google investiu no Android em resposta à pressão concorrencial da Apple;

—        certas respostas aos pedidos de informação da Comissão, que figuram em anexo à petição, que referem uma relação de concorrência entre a Apple e a Google;

—        dois documentos internos da Google, a saber, uma mensagem de correio eletrónico de 16 de maio de 2012 e uma apresentação interna de outubro de 2011, evocados no considerando 252 da decisão recorrida, do qual resulta que a Google enfrenta ataques dos seus concorrentes, entre os quais a Apple, e que o objetivo da Google é concorrer com esta empresa verticalmente integrada.

146    A este respeito, importa começar por recordar que a Google não contesta que a pressão concorrencial proveniente da Apple não existia no que se referia aos FEO, como foi salientado pela Comissão (v. considerandos 239, 249 e 252 da decisão recorrida). A Google limita‑se a invocar a concorrência feita pela Apple em relação aos utilizadores e aos programadores de aplicações, que foi examinada pela Comissão que considerou que essa pressão concorrencial era não só indireta, mas também insuficiente (v. considerandos 242, 243 e a remissão efetuada para o ponto 9.3.4, considerandos 249 e 267 da decisão recorrida).

147    Em seguida, há que constatar que não resulta dos elementos de prova invocados pela Google que a Apple exerça uma pressão concorrencial suscetível de a impedir de se comportar, numa medida apreciável, independentemente dos seus concorrentes, dos seus clientes e dos consumidores. Com efeito, as declarações de um quadro da Google, bem como as respostas de diversas empresas aos pedidos de informação da Comissão, não permitem demonstrar que a concorrência indireta da Apple, relativamente aos utilizadores e aos programadores de aplicações, era suficientemente forte para contrariar o poder detido pela Google no mercado dos SO sob licença. Esses documentos apenas indicam que a Google e outras empresas consideravam a Apple como uma concorrente. Não são de todo conclusivos sobre a questão de saber se a Google está pressionada de maneira apreciável pela concorrência exercida pela Apple no mercado aqui em causa. Impõe‑se a mesma conclusão tendo em conta dois documentos internos da Google evocados pela Comissão no considerando 252 da decisão recorrida, que se limitam a demonstrar a existência de uma relação de concorrência entre a Google e a Apple sem, contudo, permitir avaliar a sua importância ou poder estabelecer o seu caráter significativo tendo em atenção o poder detido pela Google no mercado dos SO sob licença.

148    No que toca, mais especificamente, às alegações da Google segundo as quais o montante dos seus investimentos no Android e o paralelismo das inovações do Android e do iOS demonstram a vivacidade da concorrência com a Apple, não são suficientes para pôr em causa o raciocínio exposto pela Comissão na decisão recorrida.

149    Com efeito, por um lado, os investimentos da Google para o desenvolvimento da Android não podem, só por si, ser explicados pela importância da concorrência exercida pela Apple sobre a Google relativamente aos utilizadores de aparelhos móveis inteligentes e aos programadores de aplicações para esses aparelhos. Como acertadamente refere a Comissão, esses investimentos explicam‑se especificamente pelo facto de o Android constituir um elemento essencial da estratégia da Google para fazer face ao desafio da transição para a Internet móvel, uma vez que esse SO permite integrar os serviços de pesquisa geral da Google nos aparelhos móveis inteligentes.

150    Por outro lado, a Comissão já respondeu ao argumento relativo ao paralelismo das inovações na decisão recorrida, observando nomeadamente, sem ser contraditada a este respeito no presente recurso, que esse paralelismo não era tão regular como alegava a Google, na medida em que algumas das atualizações do iOS da Apple evocadas antes de 2011 eram apenas atualizações intermédias destinadas a manter o SO e não verdadeiras atualizações, e em que o abrandamento das atualizações do Android, a partir de 2011, e, portanto, o seu alinhamento com as atualizações do iOS, se explicava provavelmente pela aquisição a partir dessa data de um poder de mercado significativo que lhe permitiu beneficiar das versões Android durante mais tempo sem ter de investir tanto como no passado nas suas atualizações (v. considerandos 258 a 262 da decisão recorrida).

151    Assim, a Comissão não pode ser acusada de ter relativizado a pretensa corrida à inovação entre o Android e o iOS no período 2008‑2011, uma vez que, nesse período, o iOS tinha desenvolvido apenas três versões sucessivas contra sete para o Android. Do mesmo modo, a Comissão considerou, com razão, que a diminuição da frequência de atualizações do Android a partir de 2011 constituía mais um elemento suscetível de justificar a existência de um poder de mercado da Google que um elemento suscetível de traduzir a pressão concorrencial exercida pela Apple, não obstante a qual, em todo o caso, não era suficiente.

152    Por conseguinte, se uma relação de causa e efeito entre uma atualização do iOS e uma atualização do Android pode, até certo ponto, ser invocada, os elementos invocados a este respeito não permitem demonstrar que esta tenha sido de tal modo significativa que tenha permitido à Apple pressionar a Google de tal maneira que esta última empresa não se tenha podido comportar, numa medida apreciável, independentemente dos seus concorrentes, dos seus clientes e dos consumidores.

153    Por último, quanto às críticas formuladas contra a rejeição pela Comissão, no considerando 251 da decisão recorrida, de documentos anteriores a 2011 pelo facto de a Google ainda não deter uma posição dominante no mercado dos SO sob licença, há que constatar que a situação concorrencial antes e depois de 2011 mudou devido à evolução da posição da Google neste mercado. Assim, a importância da pressão concorrencial exercida pela Apple não pode ser analisada a partir de dados relativos a um período em que a Google não detinha posição dominante e foi, portanto, com razão que a Comissão considerou que os documentos em causa não eram pertinentes para a sua apreciação. De resto, esta última não teria sido alterada se tivessem sido tomados em consideração, na medida em que, embora ilustrem uma pressão concorrencial da Apple, não permitem, contudo, avaliar a respetiva importância e não são suscetíveis de estabelecer o seu caráter significativo tendo em atenção o poder da Google no mercado dos SO sob licença.

154    Consequentemente, há que julgar improcedentes todos os argumentos da Google relativos à apreciação de certos elementos de prova respeitantes à pressão concorrencial exercida pelo iOS da Apple no mercado dos SO sob licença.

ii)    Quanto à tomada em consideração do Acórdão de 22 de outubro de 2002, Schneider Electric/Comissão (T310/01, EU:T:2002:254), e a coerência com a prática decisória anterior

–       Argumentos das partes

155    A Google alega que, ao não ter em conta a pressão concorrencial da Apple, a Comissão cometeu um erro idêntico ao sancionado pelo Tribunal Geral no Acórdão de 22 de outubro de 2002, Schneider Electric/Comissão (T‑310/01, EU:T:2002:254). Neste último processo, a Google considera que o Tribunal Geral declarou que, para apreciar a posição de uma empresa não integrada num mercado a jusante, devia ser tida em conta a concorrência exercida, nesse mesmo mercado, por empresas integradas. A Google afirma igualmente que a Comissão pôs em causa a coerência da sua prática decisória.

156    A Comissão observa que o contexto factual do presente processo difere do do processo que deu origem ao Acórdão de 22 de outubro de 2002, Schneider Electric/Comissão (T‑310/01, EU:T:2002:254), designadamente por não haver concorrência entre a Apple e a Google no que respeita aos FEO. Além disso, as decisões em que a Google se baseia não revelam nenhuma incoerência com a prática da Comissão.

–       Apreciação do Tribunal Geral

157    Em primeiro lugar, quanto à tomada em consideração do Acórdão de 22 de outubro de 2002, Schneider Electric/Comissão (T‑310/01, EU:T:2002:254), há que recordar que este encerrou um recurso de anulação interposto de uma decisão que declarou uma concentração entre duas empresas, a Schneider Electric SA e a Legrand SA, incompatível com o mercado interno. Nesse acórdão o Tribunal Geral anulou a decisão da Comissão com o fundamento, nomeadamente, de que esta não tinha tido corretamente em conta o poder de mercado de empresas integradas e, ao fazê‑lo, tinha sobrestimado o poder de mercado das empresas não integradas, especialmente o da entidade resultante da concentração entre a Schneider e a Legrand.

158    Mais precisamente, resulta do n.o 282 do Acórdão de 22 de outubro de 2002, Schneider Electric/Comissão (T‑310/01, EU:T:2002:254), que os fabricantes não integrados de componentes para quadros elétricos, como a Schneider e a Legrand, suportavam a concorrência dos fabricantes integrados a dois níveis. Esta concorrência materializava‑se diretamente pela participação dos fabricantes integrados e dos montadores das suas redes nos concursos, nos quais também participavam fabricantes não integrados pontualmente associados a outros montadores. Também se materializava indiretamente, uma vez que os fabricantes integrados vendiam os seus componentes aos montadores que tinham ganho um concurso público, mas que não estavam abrangidos pelas suas redes. Nestas duas hipóteses, os fabricantes não integrados sofriam a concorrência dos fabricantes integrados.

159    Ora, o contexto factual do presente processo difere do do processo que deu origem ao Acórdão de 22 de outubro de 2002, Schneider Electric/Comissão (T‑310/01, EU:T:2002:254). Primeiro, o mercado a jusante não se caracterizava por procedimentos de concurso público aos quais a Apple e a Google apresentavam propostas diretamente. A concorrência dos utilizadores no mercado a jusante opunha a Apple e os outros FEO, que não montavam os seus aparelhos móveis a partir apenas de componentes vendidos pela Google. O SO era apenas um elemento entre outros. No pressuposto de que, ao integrar o Android, os FEO se associavam à Google e se opunham à Apple, enquanto empresa integrada, a concorrência relativamente aos utilizadores não podia, todavia, resumir‑se apenas a um SO.

160    Segundo, como a Comissão salientou com razão no n.o 245 da decisão recorrida, a Apple, enquanto empresa integrada, não propunha o iOS aos FEO. Por conseguinte, não podia haver concorrência entre a Apple e a Google a esse nível. A situação seria diferente se, além de vender aparelhos que funcionam sob iOS, a Apple propusesse o seu SO sob licença. Enquanto no Acórdão de 22 de outubro de 2002, Schneider Electric/Comissão (T‑310/01, EU:T:2002:254), as empresas integradas e não integradas concorriam entre si para propor os seus componentes aos montadores, não era esse o caso no presente processo.

161    Por conseguinte, em relação aos FEO, o iOS e o Android não eram substituíveis, o que justificava não definir um mercado que englobasse todos os SO. Embora a Google suportasse efetivamente uma concorrência da Apple no que se referia aos utilizadores ou aos programadores de aplicações, na medida em que o SO podia ser um dos parâmetros que estes últimos tinham em conta antes de comprar um aparelho móvel ou de desenvolver uma aplicação para esse SO, era apenas um parâmetro entre outros. Consequentemente, a substituibilidade afigurava‑se limitada a este nível, o que podia justificar, como a Comissão sublinhou no n.o 243 da decisão recorrida, não incluir o iOS e o Android no mesmo mercado.

162    Em todo o caso, a Comissão não podia ser acusada de ter ocultado na decisão recorrida a concorrência da Apple em relação aos utilizadores e aos programadores de aplicações, uma vez que a Comissão teve em conta essa concorrência para concluir que era simultaneamente indireta e insuficiente.

163    Portanto, foi com razão que a Comissão não aplicou, no caso em apreço, as soluções consagradas no Acórdão de 22 de outubro de 2002, Schneider Electric/Comissão (T‑310/01, EU:T:2002:254).

164    Em segundo lugar, quanto à coerência da decisão recorrida com a prática decisória anterior da Comissão, importa recordar que as decisões respeitantes a outros processos têm um caráter meramente indicativo, quando os factos desses processos não são idênticos (v., neste sentido, Acórdão de 16 de setembro de 2013, Roca Sanitario/Comissão, T‑408/10, EU:T:2013:440, n.o 64 e jurisprudência referida).

165    Em qualquer caso, a Comissão deve proceder a uma análise individualizada das circunstâncias próprias de cada processo, sem estar vinculada por decisões anteriores respeitantes a outros operadores económicos, outros mercados de produtos e de serviços ou outros mercados geográficos, em momentos diferentes (Acórdão de 9 de setembro de 2009, Clearstream/Comissão, T‑301/04, EU:T:2009:317, n.o 55 e jurisprudência referida). Por conseguinte, a Comissão não pode ser acusada de ter posto em causa a coerência da sua prática decisória tendo em conta as circunstâncias específicas do presente processo.

166    Em todo o caso, primeiro, resulta da Decisão C (2012) 2405 final da Comissão, de 4 de abril de 2012, que declara uma operação de concentração compatível com o mercado interno e com o funcionamento do Acordo EEE (processo COMP/M.6439 — AGRANA/RWA/JV), que se tinha considerado que as empresas integradas exerciam uma pressão concorrencial na medida em que podiam reorientar e vender uma parte da sua produção de sumo concentrado a terceiros. Ora, no caso em apreço, a Apple não propunha o seu SO a terceiros. Além disso, embora resulte do considerando 115 da decisão referida supra que a Comissão teve em conta a existência de uma pressão concorrencial indireta por parte das empresas integradas sobre os produtores de sumos concentrados, não se verifica uma diferença em relação ao presente processo. A Comissão examinou efetivamente a pressão concorrencial indireta por parte da Apple para, no fim de contas, não a considerar pertinente para a sua apreciação devido à da sua insuficiência.

167    Segundo, quanto à abordagem seguida na Decisão C(2014) 8546 final da Comissão, de 12 de novembro de 2014, que declara uma operação de concentração compatível com o mercado interno e com o funcionamento do Acordo EEE (Processo COMP/M.7342 — Alcoa/Firth Rixson); e na Decisão C(2005) 2676 final da Comissão, de 13 de julho de 2005, que declara uma operação de concentração compatível com o mercado interno e com o funcionamento do Acordo EEE (processo COMP/M.3653 — Siemens/VA Tech), esta afigura‑se próxima da seguida no presente processo, pelo que não se verifica nenhuma incoerência. Com efeito, nessas decisões, a Comissão examinou a importância da pressão concorrencial suscetível de ser exercida no mercado relevante por empresas verticalmente integradas.

168    Terceiro, na Decisão C (2012) 1068 final da Comissão, de 13 de fevereiro de 2012, que declara uma concentração compatível com o mercado interno e com o funcionamento do Acordo EEE (processo COMP/M.6381 — Google/Motorola Mobility), a Comissão não considerou de modo nenhum que os SO móveis com ou sem licença pertencessem ao mesmo mercado. Resulta do considerando 30 dessa decisão que a Comissão preferiu deixar esta questão em aberto, uma vez que a concentração entre a Google e a Motorola Mobility não suscitava dificuldades a este respeito.

169    Quarto, o mesmo se aplica à Decisão C (2009) 10033 da Comissão, de 16 de dezembro de 2009, relativa a um procedimento de aplicação do artigo 102.o TFUE e do artigo 54.o do Acordo EEE [processo COMP/39.530 — Microsoft (venda ligada de produtos)]. Embora, tendo em conta o considerando17 dessa decisão, seja legítimo interrogar‑se sobre a definição de um mercado que engloba simultaneamente os sistemas operativos para computador com e sem licença, há que salientar que esta questão não deu lugar a nenhum debate. Com efeito, resulta do considerando 30 dessa decisão que a Microsoft não contestou deter uma posição dominante no mercado dos sistemas operativos para computador.

170    Quinto, o exame da Decisão C (2013) 8873 da Comissão, de 4 de dezembro de 2013, que declara uma operação de concentração compatível com o mercado interno e com o funcionamento do Acordo EEE (Processo COMP/M.7047 — Microsoft/Nokia) fornece uma perspetiva idêntica. Com efeito, resulta do considerando 102 dessa decisão que a Comissão não se pronunciou sobre a existência ou não de um mercado dos SO com e sem licença.

171    Consequentemente, a Comissão não pode ser acusada de ter posto em causa a coerência da sua prática decisória, pelo que há que rejeitar os argumentos apresentados a este respeito pela Google.

iii) Quanto ao teste SSNDQ

–       Argumentos das partes

172    Para a Google, a Comissão contradisse‑se quando considerou a hipótese de uma degradação da qualidade do Android, na medida em que afirmou, ao mesmo tempo, que a Google tinha todo o interesse em assegurar a mais ampla difusão dos aparelhos Android. A Google também sublinha, à semelhança das intervenientes em seu apoio, que o teste de degradação da qualidade utilizado a este respeito é impreciso e que ignora as suas modalidades concretas de execução.

173    Primeiro, na opinião da Comissão, não há nenhuma incoerência entre a constatação de que a estratégia comercial da Google era aumentar a distribuição de aparelhos Android e a de que a Google estava em condições de beneficiar de uma degradação da qualidade do Android. Contudo, esta hipótese não implicava, segundo a Google, que fosse do seu interesse degradar a qualidade do Android. Segundo, a Comissão sublinha que não pode ser obrigada a definir um padrão fixo de degradação da qualidade para aplicar o teste SSNDQ, sob pena de, na prática, o tornar inútil.

–       Apreciação do Tribunal Geral

174    Há que observar que, na decisão recorrida, a Comissão considerou a eventualidade de uma degradação da qualidade do Android para apreciar a posição da Google no mercado dos SO sob licença. A Comissão indicou a este respeito que os utilizadores e os programadores de aplicações de SO sob licença não eram suficientemente sensíveis a uma degradação da qualidade do Android (considerando 483 da decisão recorrida). Também remeteu para esta apreciação para definir o âmbito do mercado dos SO sob licença (v. considerandos 243 e 267 da decisão recorrida).

175    Assim, em substância, devido a uma condicionante indireta e insuficiente no que diz respeito aos utilizadores e aos programadores de aplicações, a Comissão considerou que os SO sem licença não pertenciam ao mesmo mercado que os SO sob licença e que as empresas que exploram os primeiros, especialmente a Apple, não contrabalançavam o poder de mercado da Google.

176    Ora, antes de mais, para definir um mercado relevante e avaliar, neste último, a situação concorrencial de uma dada empresa, a Comissão pode basear‑se num conjunto de indícios, sem ser obrigada a seguir uma ordem hierárquica rígida das diversas fontes de informação ou dos diversos tipos de elementos de prova à sua disposição (v., neste sentido, Acórdão de 11 de janeiro de 2017, Topps Europe/Comissão, T‑699/14, não publicado, EU:T:2017:2, n.os 80 a 82).

177    Perante um produto que dificilmente podia dar lugar ao teste clássico do monopolista hipotético destinado a verificar a resposta do mercado a um aumento ligeiro, mas significativo e não provisório, do preço de um bem (Small but Significant and Non Transitory Increase in Price), o teste SSNDQ, que prevê a degradação da qualidade do produto em causa, constituía efetivamente um indício pertinente para definir um mercado relevante. Na verdade, a concorrência entre empresas pode manifestar‑se em termos de preços, mas também no domínio da qualidade e no da inovação.

178    Esta hipótese também podia ser utilizada, nos pontos 9.3.4.1 a 9.3.4.3 da decisão recorrida, para verificar se a Google, em situação de posição dominante no mercado dos SO sob licença, era pressionada pela concorrência da Apple, situada fora desse mercado. A constatação, na fase da definição de um mercado, de uma substituibilidade fraca da procura indireta perante uma degradação da qualidade de um produto, também continuava a ser pertinente, na fase da apreciação da posição dominante, para apreciar a pressão proveniente de uma empresa que comercializa um produto diferente, exterior ao mercado assim definido.

179    Em seguida, a formulação desta hipótese não implica, de modo nenhum, como afirma erradamente a Google, que a Comissão tenha afirmado que era do interesse da Google degradar a qualidade do Android. Pelo contrário, o exame de uma degradação da qualidade do Android visava simplesmente verificar se a Google suportava, no que respeita aos utilizadores e aos programadores de aplicações, a pressão concorrencial da Apple como era alegado pela Google durante o procedimento administrativo.

180    Por último, a definição de um padrão quantitativo preciso de degradação da qualidade do produto visado não pode ser um pré‑requisito para a realização do teste SSNDQ. A hipótese de uma degradação ligeira da qualidade do Android não exigia a fixação prévia de um padrão de degradação preciso, como para o teste clássico do monopolista hipotético para o qual um aumento ligeiro, mas significativo e não provisório do preço pode ser quantificado mais facilmente.  Apenas importa a ideia de que a degradação da qualidade continua a ser ligeira, embora sendo significativa e não provisória.

181    Portanto, foi com razão que a Comissão considerou a degradação da qualidade do Android através do teste SSNDQ.

iv)    Quanto à fidelidade dos utilizadores em relação aos seus SO

–       Argumentos das partes

182    Para a Google, a fidelidade dos utilizadores não era um parâmetro pertinente. Se, em 2015, mais de quatro utilizadores em cada cinco que adquiriram um aparelho a funcionar sob Android se tinham tornado compradores de um novo aparelho Android, isso devia‑se apenas aos esforços desenvolvidos pela Google para manter a qualidade do SO. Assim, em sua opinião, a fidelidade é o resultado da qualidade do Android, o que é ilustrado por diversas provas indevidamente rejeitadas pela Comissão. Além disso, a Google considera que a Comissão rejeitou erradamente a utilização do modelo económico Klemperer, que demonstra que a Google suportava a concorrência da Apple para atrair os compradores pela primeira vez e que essa concorrência tem um impacto no comportamento de todos os utilizadores do Android.

183    Segundo a Comissão, a fidelidade dos utilizadores era um parâmetro pertinente para excluir a hipótese de uma transferência substancial dos utilizadores para outro SO em caso de degradação ligeira da qualidade do Android. No caso em apreço, a Comissão também rejeitou a pertinência dos resultados obtidos com a utilização do modelo económico Klemperer.

–       Apreciação do Tribunal Geral

184    A este respeito, primeiro, importa observar que a fidelidade dos utilizadores para com o Android não se explicava, segundo a Comissão, apenas pela qualidade do SO. Como esta última indicou com base nas declarações dos FEO, citadas nos considerandos 524 e 534 da decisão recorrida, a elevada fidelidade dos utilizadores para com o Android também podia ser explicada pelas dificuldades que os utilizadores enfrentavam para assegurar a portabilidade dos dados pessoais ou ainda pela obrigação de proceder à recompra de aplicações. Em especial, como foi salientado, nomeadamente, por um desses FEO, os utilizadores habituam‑se ao funcionamento do seu aparelho inteligente e não querem reaprender um novo sistema (v. considerando 534, n.o 3, da decisão recorrida). A fidelidade dos utilizadores também não pode ser explicada apenas pela qualidade do SO, como a Comissão expôs no considerando 488 da decisão recorrida, uma vez que numerosos utilizadores usavam uma versão desatualizada do Android.

185    Segundo, a declaração de um quadro da Google, que figura em anexo à petição, não põe em causa a importância do parâmetro relativo à fidelidade dos utilizadores para com o seu SO. Essa declaração evoca, designadamente, os esforços da Google para responder aos pedidos dos utilizadores e dos programadores de produtos Android e as diferentes técnicas utilizadas por essa empresa para analisar o risco de transferência dos utilizadores para a Apple. As afirmações feitas a este respeito são genéricas e não são sustentadas, a maior parte das vezes e no essencial, por elementos concretos ou dados quantitativos que permitam medir o seu alcance. Quanto, mais especificamente, aos esforços evocados pela Google para responder aos pedidos dos utilizadores, há que salientar que a satisfação dos utilizadores não pode ser explicada apenas pelo risco de transferência destes últimos para outro SO, mas responde antes de maneira geral à estratégia de qualquer empresa que pretenda inovar e responder às necessidades dos seus utilizadores. Certificar‑se da satisfação dos utilizadores também permitia reforçar a sua fidelidade para com o Android.

186    Terceiro, é certo que os elementos em que a Comissão se baseou na decisão recorrida revelavam uma transferência para outro SO, mas de uma intensidade relativa. Na verdade, a Google sustenta que o facto de 82 % dos utilizadores de aparelhos Android terem, em 2015, permanecido fiéis ao Android por ocasião de uma nova compra não permitia concluir com segurança que, em caso de degradação da qualidade do Android, esta percentagem permaneceria tão elevada. Em contrapartida, este facto permitia indicar que, pelo menos, o elevado nível de fidelidade dos utilizadores ao Android tornava pouco provável, à primeira vista, a transferência de utilizadores para outro SO. Do mesmo modo, sem ser contestada pela Google neste ponto, a Comissão indicou, no considerando 537 da decisão recorrida, que, em relação ao período de 2013‑2015, apenas 16 % dos utilizadores de aparelhos móveis Apple utilizavam anteriormente um aparelho Android. Por outras palavras, só uma pequena parte dos utilizadores, não uma parte substancial, era suscetível de se transferir para a Apple. As declarações dos FEO, que figuram no considerando 543 da decisão recorrida, apontavam no mesmo sentido. Embora estes últimos reconhecessem a possibilidade de os utilizadores se transferirem para a Apple, era apenas em situações excecionais, caracterizadas por alterações importantes.

187    Além disso, se, como a Comissão indicou no considerando 538 da decisão recorrida, numerosos utilizadores se tinham transferido para a Apple em 2015, isso deveu‑se ao lançamento de um novo aparelho móvel inteligente que dispunha de novas características. Por outras palavras, a transferência não se explicava por uma concorrência entre SO. Esta leitura é confirmada por um documento interno da Google no qual esta se fundamenta. Com efeito, resulta do documento intitulado «Switcher Insights» (Informações sobre transferências) que a transferência dos utilizadores resultava principalmente do lançamento de novos aparelhos e não de evoluções dos SO.

188    Quarto, a utilização do modelo económico Klemperer, referido no considerando 551 da decisão recorrida, não permitia contradizer a fidelidade dos utilizadores em relação ao seu SO. Com efeito, esse estudo visava os compradores pela primeira vez e só podia ser interpretado nesse sentido se os utilizadores não demonstrassem nenhuma fidelidade para com o seu SO, uma vez feita a escolha.

189    Por conseguinte, a Comissão podia, com razão, basear‑se na fidelidade dos utilizadores para com o seu SO para apreciar o alcance da pressão concorrencial da Apple.

v)      Quanto à sensibilidade dos utilizadores à qualidade do SO

–       Argumentos das partes

190    A Google afirma, à semelhança dos intervenientes que a apoiam, que os utilizadores eram sensíveis a qualquer degradação, ainda que ligeira, da qualidade do Android. A qualidade é o parâmetro determinante da opção dos consumidores, não equivalente ou acessório de outros parâmetros, como o preço ou a estética do produto em causa. A importante cobertura mediática dos lançamentos das novas versões dos SO e várias sondagens ilustravam esta situação de facto.

191    A Comissão, sustentada pelas intervenientes que a apoiam, esclarece não ter considerado que os utilizadores eram insensíveis em todas as variações de qualidade dos SO móveis, mas considerou que era pouco provável que alterassem os seus hábitos de compra e se orientassem para um produto diferente em resposta a uma ligeira degradação da qualidade do Android. Em sua opinião, os utilizadores têm em conta um conjunto de parâmetros e não apenas o SO. Os diversos elementos invocados pela Google não permitem sustentar a tese oposta.

–       Apreciação do Tribunal Geral

192    Antes de mais, há que salientar que, contrariamente ao que a Google alega, a Comissão não considerou de modo nenhum que os utilizadores não atribuíam nenhuma importância ao SO dos aparelhos móveis inteligentes.

193    Assim, no prolongamento da sua prática decisória, a Comissão indicou que o SO era um parâmetro importante para a escolha de um aparelho móvel inteligente. Todavia, a Comissão também insistiu no facto de que não se tratava do único parâmetro tido em conta pelos utilizadores (v. considerando 483 da decisão recorrida). Foi, nomeadamente, em consideração disso que a Comissão entendeu, no referido considerando, que, perante uma ligeira degradação da qualidade do Android, era «pouco provável» que um utilizador mudasse os seus hábitos de compra e se transferisse de um aparelho a funcionar com um SO sob licença para um aparelho com um SO sem licença.

194    Além desta única constatação, a Google contesta dois dos fundamentos subjacentes à apreciação da Comissão. Primeiro, sem pôr em causa o facto de que um utilizador decide em função de diversos parâmetros, a Google observa que admitir a existência de diversos parâmetros não basta para excluir que uma degradação da qualidade do SO leve os utilizadores a transferirem‑se para aparelhos que funcionam noutro SO. Assim, afirma que os resultados de várias sondagens demonstram que a qualidade do SO era um parâmetro preponderante na opção dos utilizadores. Segundo, a Google observa que, contrariamente aos considerandos 488 a 490 da decisão recorrida, a inexistência de transferência imediata dos utilizadores perante atrasos no acesso às atualizações do Android não permite, de modo nenhum, sustentar que os utilizadores não reagiam a uma degradação da qualidade do Android. O acesso às atualizações do Android precisava de um certo tempo.

195    Ora, por um lado, há que salientar que as sondagens evocadas pela Google não permitem sustentar utilmente as suas pretensões. O primeiro, o documento intitulado «Switchers Insight», elaborado pela Google e evocado no considerando 540 da decisão recorrida, indicava que as transferências ocorriam em simultâneo com o lançamento de um novo aparelho e não com as evoluções dos SO. Daqui decorre que os utilizadores davam importância a um conjunto de parâmetros do aparelho e não apenas ao SO. Esta interpretação é tanto mais permitida quanto a sondagem revelava percentagens de transferência diferentes segundo os FEO.

196    A segunda, a sondagem «Kantar», evocada no considerando 494 da decisão recorrida, referia que 24 % dos utilizadores de aparelhos de gama baixa Android transferiam‑se todos os anos para outro SO contra 14 % dos utilizadores de aparelhos de topo de gama. Esta sondagem revelava, efetivamente, que certos utilizadores de aparelhos Google Android no Reino Unido se tinham transferido para aparelhos que funcionavam sob outro SO móvel. Todavia, essa transferência não era explicável principalmente pela qualidade do SO, mas por outras características, como a marca ou o modelo, o custo, a facilidade de utilização, a rede ou o operador. Isto era tanto mais assim quanto resultava da referida sondagem, sem que este facto fosse contestado pela Google, que uma pequeníssima parte dos utilizadores referia ter‑se transferido para um aparelho Apple devido à qualidade e à marca do SO. Por outras palavras, embora a qualidade do SO pudesse ser um parâmetro importante, não era o parâmetro determinante no momento da compra de um novo aparelho.

197    A terceira, a sondagem «Yandex», evocada no considerando 492 da decisão recorrida, indicava que a maior parte dos utilizadores de aparelhos Android eram fiéis ao referido SO devido, no essencial, à sua qualidade. Esta sondagem não pode, no entanto, apoiar as pretensões da Google. Com efeito, embora 44 % dos utilizadores tivessem manifestado a sua fidelidade ao Android devido ao interesse dado ao SO e não ao aparelho ou ao seu preço, o documento em questão relativizava o significado desse dado. Esse mesmo documento indicava que não se podia excluir que, entre esses utilizadores, outros parâmetros entrassem em linha de conta, nomeadamente a fidelidade à marca ou os custos induzidos por uma transferência para outra plataforma. Do mesmo modo, nas suas conclusões, a sondagem também indicava que uma pequena degradação da qualidade do Android não era determinante na escolha de um aparelho na fase da sua distribuição.

198    Por outro lado, nos considerandos 488 a 490 da decisão recorrida, a Comissão indicou que numerosos utilizadores do SO sob licença utilizavam um aparelho que funcionava sob uma versão antiga do Android. Esta conclusão não é contestada pela Google. Assim, em maio de 2017, apenas 7,1 % dos utilizadores possuíam um aparelho que funcionava sob uma versão atualizada do Android, versão essa que estava, no entanto, disponível desde outubro de 2016. Do mesmo modo, resulta dos considerandos 489 e 490 da decisão recorrida que as vendas de aparelhos Google Android não estavam correlacionadas com as atualizações desse SO. Assim, decorre daqui que os utilizadores apresentavam uma sensibilidade relativa a uma variação da qualidade do Android, na medida em que estes últimos pareciam satisfazer‑se com versões antigas do referido SO.

199    Por conseguinte, a Comissão não pode ser acusada de ter considerado que, perante múltiplos parâmetros que determinam a escolha de um utilizador, era pouco provável que uma degradação da qualidade do Android levasse a uma transferência dos utilizadores de um aparelho que funciona com um SO sob licença para um aparelho funcionar com um SO sem licença.

vi)    Quanto aos custos de uma transferência para outro SO

–       Argumentos das partes

200    Para a Google, a obrigação de comprar de novo aplicações para que funcionem sob iOS não era um travão à transferência dos utilizadores para esse SO. Em sua opinião, as aplicações pagas são apenas uma parte ínfima das aplicações descarregadas e algumas permitem assegurar a portabilidade das assinaturas subscritas. Do mesmo modo, a Apple esforça‑se por que os utilizadores possam mudar facilmente de SO propondo ferramentas para migrar as aplicações de Android para iOS.

201    Segundo a Comissão, muitos outros fatores, como a fidelidade dos utilizadores para com o seu SO, as características do aparelho e a obrigação de comprar novas aplicações, tornam os utilizadores indisponíveis para se transferirem para outro SO.

–       Apreciação do Tribunal Geral

202    Importa começar por sublinhar que a Google não contesta todos os obstáculos à transferência identificados pela Comissão no considerando 523 da decisão recorrida. A Google apenas se concentra na necessidade, evocada pela Comissão, de descarregar e comprar novas aplicações, ao passo que a Comissão também fundamenta a constatação de que a transferência para o iOS é dispendiosa devido à obrigação de os utilizadores se familiarizarem com um novo interface e à obrigação de transferir uma quantidade importante de dados.

203    Ora, os argumentos apresentados pela Google não podem pôr em causa todas as apreciações que figuram nos considerandos 522 a 532 da decisão recorrida. Por um lado, ainda que os utilizadores tivessem despendido pouco dinheiro em aplicações relativamente ao custo de um aparelho móvel, há que salientar que haveria, ainda assim, um custo adicional para os utilizadores que quisessem transferir‑se para outro SO. A Google não o contesta. Por muito baixo que fosse o custo adicional, não pode ser eludido e constituía efetivamente um entrave à transferência dos utilizadores.

204    Por outro lado, o facto, que figura no considerando 525 da decisão recorrida, segundo o qual a Apple procurava facilitar essa transferência, não pode ser interpretado no sentido de que a transferência era efetiva. Pelo contrário, como a Comissão expõe, o lançamento de uma aplicação pela Apple para facilitar a transição do Android para o iOS revelava efetivamente que a transferência era uma preocupação. A Comissão observa acertadamente, sem ser contestada neste ponto pela Google, que a transferência obrigava os utilizadores a familiarizarem‑se com um novo interface, tornando este último necessariamente mais complexo e incerto.

205    Portanto, a Comissão não considerou erradamente que a transferência para outro SO móvel podia induzir um custo adicional, constituindo um obstáculo adicional à transferência dos utilizadores para a Apple.

vii) Quanto ao impacto da política tarifária da Apple

–       Argumentos das partes

206    Segundo a Google e as partes que intervêm em seu apoio, a política tarifária da Apple não era um travão à transferência dos utilizadores, quer estes utilizassem aparelhos de topo de gama ou de gama baixa.

207    Por seu turno, a Comissão objeta, bem como os intervenientes que a apoiam, que a política tarifária da Apple não podia ser ocultada e constituía um obstáculo importante à transferência dos utilizadores, tanto para os aparelhos de topo de gama como para os aparelhos de gama baixa.

–       Apreciação do Tribunal Geral

208    No caso em apreço, os argumentos apresentados pela Google são os mesmos que os rejeitados pela Comissão nos considerandos 512 a 521 da decisão recorrida. Para os utilizadores de aparelhos de gama baixa, a política tarifária da Apple revela‑se como um obstáculo evidente. A Comissão observou com razão, no considerando 513 da decisão recorrida, que pelo menos 50 % dos aparelhos que funcionavam sob Android eram vendidos a um preço inferior ao dos aparelhos Apple. Acresce que, nos considerandos 503 e 504 da decisão recorrida, a Comissão sublinhou que, no período 2009‑2014, os aparelhos Apple custavam, em média, cerca de duas vezes mais do que os aparelhos Android. Por conseguinte, qualquer transferência para aparelhos Apple era acompanhada de uma despesa mais significativa para os utilizadores de aparelhos de gama baixa.

209    A este propósito, o argumento baseado no preço do modelo de iPhone SO não pode ser acolhido. Primeiro, embora o modelo de iPhone SE fosse o aparelho mais barato vendido pela Apple, a um preço de cerca de 400 dólares americanos (USD) (cerca de 290 euros em 2014), não deixa de ser verdade, em conformidade com o quadro reproduzido no considerando 503 da decisão recorrida, que esse preço era em qualquer caso superior à média do preço de venda dos aparelhos Android. Segundo, o preço inferior do referido iPhone numa plataforma de venda em linha, apresentada pela Google, não correspondia de modo nenhum ao preço praticado pela Apple. Esse preço era o praticado por um revendedor terceiro, num dado momento, e não podia, portanto, ser generalizado. Terceiro, à luz do considerando 518 da decisão recorrida, o modelo de iPhone SE tinha sido posto à venda a partir de março de 2016, ou seja, no final do período da infração, o que a Google não contesta.

210    Por conseguinte, a Comissão não considerou erradamente que a política tarifária da Apple era um travão à transferência dos utilizadores de aparelhos Android de gama baixa.

211    No entanto, não se impõe uma conclusão idêntica no que respeita aos utilizadores de aparelhos de topo de gama, a saber, os aparelhos vendidos numa gama de preços equivalente aos aparelhos Apple.

212    Na decisão recorrida, a Comissão sublinhou, no considerando 513, que a transferência dos utilizadores de aparelhos de topo de gama era pouco provável, tendo em conta os seus hábitos de compra, os custos adicionais que tal transferência implicava e a fidelidade dos utilizadores para com o seu SO. Também esclareceu, no considerando 515 da decisão recorrida, que, mesmo tendo em conta essa transferência, o impacto financeiro sobre a Google seria limitado. Com efeito, a Google continuava a receber uma parte significativa de receitas, devido à utilização pelo iOS do seu motor de pesquisa Google Search, em razão do acordo celebrado com a Apple. A este respeito, a Google alega, pelo contrário, que obtém uma grande parte das suas receitas graças à utilização de aparelhos Google Android de uma gama de preços equivalente aos aparelhos Apple. Por conseguinte, mesmo a transferência de uma pequena parte deles seria prejudicial.

213    Ora, se a política tarifária da Apple se afigurava constituir um travão à transferência dos utilizadores de aparelhos de gama baixa, o mesmo não acontece com os utilizadores de aparelhos de topo de gama. A Comissão parece reconhecer isso implicitamente, na medida em que, no considerando 513 da decisão recorrida, evoca fundamentos diferentes para afirmar que os utilizadores desses aparelhos não se transferiam para os aparelhos Apple. Assim, os argumentos da Comissão não se baseiam na política tarifária da Apple, uma vez que aquela não é por si só um travão à transferência dos utilizadores de aparelhos de topo de gama em caso de uma ligeira degradação da qualidade do Android.

214    A constatação que figura no considerando 515 da decisão recorrida, segundo a qual o impacto dessa transferência no que respeita aos aparelhos de topo de gama é financeiramente limitada, uma vez que os utilizadores continuam a fazer pesquisas com a Google Search nos aparelhos iOS e a Google retém as receitas geradas por essas pesquisas, não tem um impacto real na questão de saber se a política tarifária da Apple podia contrabalançar a posição da Google no mercado dos SO sob licença. Com efeito, como a Comissão reconhece no considerando 540, ponto 1 da decisão recorrida, evocando um exemplo, a política tarifária da Apple não pode ser um travão à transferência dos utilizadores de aparelhos de topo de gama do ecossistema Android para o ecossistema iOS.

215    Portanto, a Comissão considerou acertadamente que a política tarifária da Apple constituía um travão à transferência da grande maioria dos utilizadores de aparelhos Android. Em contrapartida, o mesmo não se pode dizer em relação aos utilizadores de aparelhos de topo de gama. Todavia, esse erro não tem consequências, na medida em que, para estes últimos utilizadores, a sua transferência depende de outros fatores, como resulta do considerando 513 da decisão recorrida ou ainda do considerando 540, n.o 2, e do considerando 540, n.o 3, da decisão recorrida. É o que acontece nomeadamente com a fidelidade dos utilizadores ao seu SO, incluindo, como resulta da declaração de um dos FEO, retomada pela Comissão no considerando 534 da decisão recorrida, do hábito dos utilizadores na manutenção do seu SO (v. n.os 184 a 189 supra).

viii) Quanto ao comportamento dos programadores de aplicações

–       Argumentos das partes

216    A Google insiste na importância de ser apoiada pelos programadores de aplicações. Alega que devia manter um nível elevado de qualidade do Android, para assegurar aos programadores de aplicações o maior número de utilizadores. Qualquer degradação do Android levaria os programadores de aplicações a mudar para outras plataformas, particularmente a da Apple, ou mesmo a reduzir os seus investimentos para Android. Uma diminuição do investimento dos programadores de aplicações implicaria uma espiral negativa que levaria à transferência dos utilizadores.

217    Segundo a Comissão, a não transferência dos utilizadores em caso de degradação ligeira da qualidade do Android implica correlativamente a não transferência dos programadores de aplicações. O diagrama que figura no considerando 610 da decisão recorrida permite, de resto, segundo a Comissão, ilustrar o facto de os programadores de aplicações se terem transferido em grande número do iOS para o Android a partir de 2010.

–       Apreciação do Tribunal Geral

218    A este respeito, há que salientar que a Comissão expôs corretamente as razões pelas quais um programador de aplicações continua a trabalhar para o Android no caso de uma ligeira degradação da qualidade do SO. Com efeito, o Android era a plataforma mais utilizada, de modo que os programadores de aplicações tinham todo o interesse em concentrar a maior parte dos utilizadores (v. considerando 553 da decisão recorrida).

219    Na medida em que os utilizadores eram pouco suscetíveis à transferência para outro SO móvel em caso de degradação ligeira da qualidade do Android, o mesmo aconteceria no que se refere aos programadores de aplicações, os quais não podiam razoavelmente abandonar a maior parte dos seus clientes.

220    Do mesmo modo, contrariamente ao que sustenta a Google, o facto de os programadores de aplicações trabalharem para diversos SO reforçava a constatação de que uma degradação da qualidade do Android não teria provocado a suspensão do desenvolvimento de uma aplicação para o Android.

221    Portanto, a Comissão não cometeu erros de apreciação ao considerar que os programadores de aplicações não se desviariam do Android na hipótese de uma ligeira degradação da qualidade do referido SO.

222    Por conseguinte, foi com razão que a Comissão considerou que a intensidade relativa da concorrência proveniente da Apple justificava não expandir o mercado relevante a todos os SO móveis e excluir qualquer pressão concorrencial pelos SO sem licença do elevado poder detido pela Google no mercado dos SO sob licença. Quer se trate da fidelidade dos utilizadores ao seu SO, do impacto da política tarifária da Apple, particularmente para os utilizadores com aparelhos de gama baixa, e dos custos que implica a transferência para outro SO, a Comissão considerou corretamente que esses múltiplos obstáculos, tomados no seu conjunto, permitiam relativizar o impacto da pressão concorrencial competitiva da Apple sobre o poder de mercado da Google.

2)      Quanto à pressão concorrencial da licença AOSP

i)      Argumentos das partes

223    A Google considera estar sujeita a uma pressão concorrencial devido à licença AOSP, que permite o desenvolvimento de substitutos perfeitos do Android. Assim, qualquer degradação ligeira da qualidade do Android leva os FEO a privilegiar versões não degradadas do Android em acesso livre. Segundo a Google, a Comissão viola a solução consagrada na sua Decisão C(2010) 142 final, de 21 de janeiro de 2010, que declara uma operação de concentração compatível com o mercado interno e com o funcionamento do Acordo EEE (processo COMP/M.5529, Oracle/Sun Microsystems) (a seguir «decisão Sun Microsystems»), na qual considerou que a natureza aberta de um programa informático induzia uma pressão concorrencial. Por outro lado, a estabilidade das quotas de mercado da Google desde 2011, que se explica pelos seus esforços para manter a qualidade do Android, não tem impacto na reação dos FEO em caso de degradação ligeira da sua qualidade. A Google também contesta a pertinência das referências feitas na decisão recorrida à sua marca Android, às suas interfaces de programação de aplicações privativas (a seguir «IPA privativas»), ao seu controlo do Android através de testes de compatibilidade, ou ao facto de a grande maioria dos FEO ter celebrado AAF e ADAM consigo.

224    A Comissão contesta esta argumentação. Recorda, nomeadamente, que a Google controla o acesso ao código‑fonte Android (considerandos 128 a 130 da decisão recorrida). Por outro lado, a Comissão apoia‑se numa apresentação interna de um quadro da Google. Esta apresentação clarificava a política seguida pela Google, nomeadamente a necessidade de manter o controlo do Android pelo desenvolvimento da Play Store e das suas aplicações Google, o que permitia, a prazo, tornar impossível o aparecimento de uma versão alternativa credível do Android. Além disso, a decisão Sun Microsystems não tem nenhuma utilidade, uma vez que, no presente processo, os FEO que pretendem utilizar a marca Android, ter acesso à Play Store e utilizar aplicações da Google devem celebrar acordos com esta última.

225    A BDZV concorda com a Comissão. O Android é o «mais fechado projeto aberto». A BDZV invoca o facto de que a Google assegura o desenvolvimento do próprio código‑fonte do Android, controla a licença AOSP e a marca Android; controla a sua execução através dos testes de compatibilidade; tem um interesse comercial que explica a sua necessidade de assegurar o controlo do Android e que a natureza aberta do Android é discutível tendo em atenção a restrição progressiva do código‑fonte.

ii)    Apreciação do Tribunal Geral

226    Há que constatar que a Google sobrevaloriza a pressão concorrencial devida à licença AOSP. É certo que o motivo que figura no considerando 568 da decisão recorrida, segundo o qual as quotas de mercado da Google não pararam de aumentar desde 2011, até atingir um nível demasiado elevado, não pode, por si só, ser suficiente para excluir qualquer pressão concorrencial causada pela licença AOSP. O facto de nenhum ramo Android não compatível poder surgir também não permite excluir a possibilidade de uma empresa desenvolver, a partir do código‑fonte, uma alternativa credível ao Android. Não é menos verdade que, conjugada com os outros motivos em que a Comissão se baseou nos considerandos 567 a 583 da decisão recorrida, a pressão causada pela licença AOSP podia ser fortemente relativizada.

227    Primeiro, há que recordar que as barreiras à entrada para uma empresa que pretenda desenvolver um SO a partir do código‑fonte do Android eram elevadas, e isso apesar da gratuitidade do Android, para não dizer por causa dessa gratuitidade. Como salientou acertadamente a Comissão no considerando 569 da decisão recorrida, sem ser contestada neste ponto pela Google, qualquer empresa que pretendesse desenvolver um SO alternativo a partir do código‑fonte Android tinha de suportar despesas importantes, que a levavam muito provavelmente a propor, numa primeira fase, uma versão alternativa paga. Os exemplos extraídos do SO da Amazon ou da tentativa da Seznam de desenvolver o seu próprio SO são especialmente concludentes. Por outras palavras, a Google não pode afirmar que, na hipótese de uma ligeira degradação da qualidade do Android, os FEO estariam em condições de aceder rapidamente ao código‑fonte para impedir essa degradação.

228    Isto é especialmente verdade tendo em conta as AAF, que travavam o aparecimento de alternativas à Android como foi sublinhado pela Comissão, nomeadamente nos considerandos 572, 575 e 576 da decisão recorrida. Com efeito, muitos FEO estavam vinculados por tais acordos, que não lhes permitiam vender aparelhos móveis que funcionassem sob versões do Android não aprovadas pela Google. Para os signatários dos AAF, ou seja, na realidade, uma centena de FEO, dos quais os 30 mais importantes (v. n.o 849 supra), recorrer a uma versão alternativa não aprovada pela Google implicava uma rutura total com esta última.

229    Segundo, ainda que os FEO tivessem conseguido desenvolver uma versão alternativa do Android a partir do código‑fonte do Android, essa versão corria o risco de não ser, num primeiro momento, um concorrente credível. Para elaborar essa versão, uma empresa devia estar em condições de propor diversas aplicações e também dar acesso a interfaces de programação de aplicações suficientemente funcionais, como a Comissão indicou no considerando 576 da decisão recorrida. De resto, a Google não põe em causa as declarações reproduzidas pela Comissão nos considerandos 576 e 577 da decisão recorrida, segundo as quais as aplicações e as IPA privativas da Google, devido, nomeadamente, ao seu poder de mercado nos serviços de pesquisa geral, eram comercialmente importantes para os fabricantes. Assim, replicar estas aplicações e as correspondentes interfaces de programação pedia tempo e um investimento importante. Por outras palavras, o aparecimento de uma versão alternativa credível revelar‑se‑ia muito incerta.

230    A Google alega, a este respeito, que uma versão alternativa da Android podia beneficiar das suas IPA privativas. Todavia, admitindo essa possibilidade verificada, a Google não contradiz a apreciação, que figura no considerando 576 da decisão recorrida, segundo a qual o acesso às aplicações e às suas IPA privativas estava subordinado à celebração de um AAF, permitindo assim à Google supervisionar as versões alternativas da Android.

231    Terceiro, a decisão Sun Microsystems não põe em causa a análise que precede. De facto, como a Comissão alega, as circunstâncias são diferentes entre esse processo e o presente. Efetivamente, no considerando 749 da referida decisão, a Comissão teve em conta a pressão concorrencial proveniente de programas informáticos elaborados a partir do código‑fonte de um programa informático da Sun Microsystems, Inc. para examinar o poder de mercado da entidade resultante da concentração. Do mesmo modo, no considerando 252 da decisão recorrida, no qual a Google se baseia, a Comissão reconheceu que o detentor de um programa informático aberto era pressionado por programadores independentes que estavam em condições de propor melhorias ou correções ao referido programa informático. Não deixa de ser verdade que, no presente processo, a natureza aberta do Android não é comparável com a do programa informático em causa na decisão Sun Microsystems. Com efeito, como resulta do considerando 128 da decisão recorrida, a versão aberta do Android disponível não é necessariamente a última versão do Android proposta pela Google. Do mesmo modo, o facto de propor melhorias do Android a partir do código‑fonte afigura‑se difícil na prática, salvo se se associar mais intensamente à Google para obter, nomeadamente, o acesso às suas aplicações e às suas IPA privativas. Resulta do que precede que o caráter aberto do Android não constitui uma pressão concorrencial comparável à que era caracterizada na decisão Sun Microsystems.

232    Por último, não se pode aceitar o argumento da Google, apresentado na réplica, de que a Comissão se contradizia porque, por um lado, afirmava que «uma variante do Android precisa de ter acesso às marcas Android e às aplicações Play Store e Google Search para representar uma ameaça credível», ao passo que, por outro lado, se considera, a título do abuso no mercado mundial, excluindo a China, em plataformas de distribuição de aplicações Android, por um lado e nos mercados nacionais de pesquisa geral ao condicionarem a licença da Play Store e da Google Search à aceitação de OAF (a seguir «segundo abuso») que os «ramos incompatíveis» que não dispõem desse acesso, «constituem uma ameaça concorrencial credível» (v. considerando 1036, n.o 1, da decisão recorrida). Com efeito, como foi exposto pela Comissão, para apreciar a pressão concorrencial que pode ser exercida pela licença AOSP, há que ter em conta o facto de que, para poderem vender os seus aparelhos que funcionam com alternativas compatíveis e aplicar as IPA privativas da Google, os FEO devem celebrar um AAF e um ADAM. Por conseguinte, uma vez que esses FEO estão vinculados por AAF, cuja validade é geralmente de cinco anos (considerandos 168, 169 e 1078 da decisão recorrida), estes não se podem apoiar livremente no código fonte Android para criar ramos. Por conseguinte, não lhes é permitido lançar rapidamente e em qualquer momento um aparelho que funcione em tal ramo.

233    Assim, foi com razão que a Comissão concluiu que a natureza aberta da licença AOSP não constituía uma pressão concorrencial suficiente para contrabalançar a posição dominante ocupada pela Google no mercado dos SO sob licença.

234    Por conseguinte, a primeira parte do primeiro fundamento deve ser julgada improcedente.

3.      Quanto à segunda parte, relativa à posição dominante das plataformas de distribuição de aplicações Android

235    Além do mercado dos SO sob licença, a Comissão também considerou o mercado das plataformas de distribuição de aplicações Android. Para definir este mercado, a Comissão incluiu, nos considerandos 268 a 322 da decisão recorrida, o conjunto das plataformas de distribuição de aplicações destinadas aos aparelhos Google Android e as plataformas de distribuição de aplicações destinadas aos outros aparelhos que funcionam sob Android. Em contrapartida, primeiro, a Comissão excluiu a pertença de um conjunto de aplicações, nomeadamente as descarregáveis diretamente a partir da Internet, ao mesmo mercado que uma plataforma de distribuição de aplicações. Em segundo lugar, a Comissão afastou as plataformas de distribuição dos outros SO com licença e as dos SO sem licença.

236    No mercado das plataformas de distribuição de aplicações do Android, a Comissão considerou, em seguida, que a Google detinha uma posição dominante com a Play Store. Como resulta dos considerandos 590 a 673 da decisão recorrida, a Comissão baseou‑se nas quotas de mercado da Google, no número e na popularidade das aplicações descarregáveis e na acessibilidade às atualizações, na obrigação de utilizar a Play Store para beneficiar dos serviços da Google Play, na existência de barreiras à entrada, na falta de poder de compra compensatório dos FEO, e na existência de uma pressão concorrencial insuficiente das plataformas de distribuição de aplicações para os SO móveis sem licença.

237    Com a segunda parte do primeiro fundamento, a Google concentra os seus argumentos no exame, pela Comissão, no n.o 9.4.7 da decisão recorrida, da intensidade da pressão concorrencial das plataformas de distribuição dos SO móveis sem licença.

a)      Argumentos das partes

238    A Google começa por sublinhar que o Android e a Play Store eram interdependentes. Deviam ser simultaneamente competitivos; o domínio de um não pode ser dissociado do domínio do outro. Segundo a Google, a Comissão reconhece‑o nos considerandos 299, 305 e 594 da decisão recorrida. A HMD, a ADA e a CCIA confirmam esta interpretação e sublinham que, ao ocultar a concorrência entre os «sistemas» Android e Apple e ao não apreciar a concorrência ao nível global, a decisão recorrida afasta‑se da realidade dos factos.

239    Em seguida, segundo a Google, ao dissociar a Play Store do Android, a Comissão não teve em conta em conta a concorrência exercida pela Apple. Ora, esta última é a causa do desenvolvimento da Play Store para manter a referida plataforma de distribuição num nível de qualidade elevado. Ainda segundo a Google, o Acórdão de 12 de dezembro de 2018, Servier e o./Comissão (T‑691/14, sob recurso EU:T:2018:922) confirma que tal esquema de inovação implica a existência de concorrência. Se a Google detivesse, como afirma a Comissão, uma posição dominante, ter‑se‑ia abstido de inovar e poderia ter‑se verificado uma degradação da qualidade da Play Store. Do mesmo modo, não está demonstrada e era é a afirmação, no considerando 660 da decisão recorrida, de que o desenvolvimento da Play Store não se explica por um fenómeno de inovação, mas sobretudo pela implementação de tendências tecnológicas ou por um alinhamento de um sobre as características do outro. Admitindo que fosse fundada, tal constatação corroboraria a existência de concorrência entre a Google e a Apple.

240    Por último, contrariamente à afirmação que figura nos considerandos 290 e 668 da decisão recorrida, a Google sublinha, à semelhança da ADA, não poder aumentar de maneira vantajosa o montante das despesas da responsabilidade dos programadores de aplicações. Do mesmo modo que não pode degradar a qualidade do Android, não pode retirar benefícios de um aumento das despesas a cargo desses programadores, sob pena de intensificar a concorrência proveniente da Apple. Prova disso é a redução de 15 % operada pela Google, durante o período de suposto domínio, das despesas a cargo dos programadores de aplicações para se alinharem com a decidida pela Apple.

241    A Comissão e as intervenientes que a apoiam contestam a procedência dos argumentos invocados pela Google. Por um lado, esses argumentos estão errados na medida em que eludem nomeadamente o facto de os utilizadores não poderem utilizar plataformas de distribuição de aplicações para outros SO, como resulta do considerando 299, n.o 2 da decisão recorrida, e uma vez que a Play Store domina o mercado das plataformas de distribuição de aplicações Android.

242    Por outro lado, nenhum elemento de prova permite demonstrar que o desenvolvimento da Play Store tenha sido estimulado pelas evoluções da App Store da Apple. Em todo o caso, outros elementos de prova citados na decisão recorrida permitem demonstrar a posição dominante da Play Store no mercado das plataformas de distribuição de aplicações Android. Do mesmo modo, continuam válidos os elementos de prova citados na decisão recorrida para explicar a que título a Google poderia aumentar os preços para os programadores de aplicações sem que isso provocasse repercussões. Tendo em conta, nomeadamente, o aumento da percentagem dos aparelhos Google Android nas vendas mundiais de aparelhos móveis inteligentes, que passou de 48 % em 2011 para 81 % em 2016, os programadores não pretendem renunciar ao acesso a uma base de utilizadores tão vasta e em expansão. Os programadores de aplicações não deixam de distribuir aplicações por intermédio da Play Store em caso de aumento dos preços.

b)      Apreciação do Tribunal Geral

243    Em primeiro lugar, há que salientar que a Google apenas contesta um número limitado de fundamentos da decisão recorrida. As acusações não dizem respeito a todos os elementos que levaram a Comissão a considerar que a Google detinha, através da Play Store, uma posição dominante no mercado das plataformas de distribuição de aplicações Android. A Google concentra‑se exclusivamente na não tomada em consideração pela Comissão da pressão concorrencial proveniente da Apple.

244    Neste contexto, a Google visa os considerandos 299 e seguintes da decisão recorrida que são relativos à definição do mercado e à exclusão de qualquer sistema entre o Android e a Play Store. Segundo a Google, a Comissão cometeu um erro de apreciação ao rejeitar a existência desse sistema, o qual está em concorrência com o sistema Apple, a saber, entre o iOS e a App Store.

245    Todavia, importa salientar que, nos considerandos 299 e seguintes da decisão recorrida, a Comissão considerou a existência de um sistema entre o Android e a Play Store, não para rejeitar a hipótese de uma concorrência proveniente da Apple, mas para relativizar a concorrência proveniente de plataformas de distribuição de aplicações dedicadas aos outros SO com licença e provenientes de outras plataformas de distribuição de aplicações dedicadas ao Android. Por outras palavras, a Comissão não abordava formalmente, nos considerandos 299 e seguintes da decisão recorrida, a questão da existência de concorrência entre o sistema Android e o sistema Apple.

246    Em segundo lugar, no que respeita ao exame da pressão concorrencial proveniente da App Store, a questão da existência de um sistema entre o Android e a Play Store coloca‑se em termos diferentes. Com efeito, contrariamente ao Android, o iOS só dispunha de uma plataforma de distribuição de aplicações e não podia, por esse motivo, ser dissociado dela. Neste sentido, a Play Store e a App Store faziam‑se concorrência através do sistema ao qual essas plataformas de distribuição pertenciam, o Android e o iOS, respetivamente.

247    Confrontado com o sistema Apple, e com o objetivo de apreciar a pressão concorrencial da App Store, a Play Store também não pode ser dissociada do Android. Isto é tanto mais assim quanto a Google condiciona o acesso à Play Store à celebração de um AAF, que permite associar a Play Store apenas às versões do Android que satisfazem o seu teste de compatibilidade.

248    Decorre do que precede que apreciar, relativamente aos utilizadores e aos programadores de aplicações, a pressão concorrencial da App Store sobre a Play Store equivale a ter em conta a pressão concorrencial do iOS sobre o Android, o que a Google reconheceu expressamente, em resposta a uma questão do Tribunal Geral colocada na audiência de alegações.

249    Com efeito, a pressão concorrencial da App Store sobre a Play Store era, com efeito, função da pressão do iOS sobre o Android. Além do facto de o SO ser um pré‑requisito para o funcionamento de um aparelho móvel, o bom funcionamento e a variedade das aplicações disponíveis também dependem da sua qualidade.

250    Esta realidade, que leva a apreciar a concorrência entre sistemas, verifica‑se com a leitura da decisão recorrida. A Comissão declarou, no considerando 656 da decisão recorrida, que o App Store não exercia uma pressão concorrencial suficiente sobre a Play Store, ao remeter nomeadamente para o n.o 9.3.4, nos termos do qual considerou que iOS não exercia, do ponto de vista dos utilizadores, uma pressão concorrencial suficiente sobre o Android.

251    Do mesmo modo, do ponto de vista dos programadores de aplicações, a Comissão baseou‑se em fundamentos em substância idênticos aos considerandos 552 a 555 e 668 a 670 da decisão recorrida para considerar, respetivamente, que o iOS exercia uma pressão concorrencial insuficiente sobre o Android e que a App Store exercia uma pressão da mesma intensidade sobre a Play Store. Esta sobreposição de fundamentos resulta sobretudo dos considerandos 553 e 668 da decisão recorrida, que remetem ambos para o considerando 290 relativo à não pertença da App Store ao mesmo mercado que a Play Store.

252    Assim, a procedência da segunda parte do primeiro fundamento depende da procedência da primeira parte, na qual a Google acusa a Comissão de não ter reconhecido a pressão concorrencial exercida pelo iOS sobre o Android no que respeita aos utilizadores e aos programadores de aplicações. Com efeito, afigura‑se logicamente excluído que uma pressão concorrencial exercida pela App Store sobre a Play Store divirja em intensidade da pressão exercida pelo iOS sobre o Android. Nos dois casos, os dados tomados em conta para apreciar a intensidade da pressão concorrencial são idênticos.

253    Ora, na medida em que os argumentos suscitados pela Google em apoio da primeira parte do primeiro fundamento foram julgados improcedentes, confirmando assim os fundamentos da decisão recorrida relativos à falta de concorrência suficiente exercida pelo iOS da Apple sobre o Android, os argumentos invocados pela Google em apoio da segunda parte do primeiro fundamento não podem, por conseguinte, ser acolhidos.

254    Consequentemente, há que julgar improcedente a segunda parte do primeiro fundamento.

4.      Quanto à terceira parte, relativa à contradição entre o domínio dos serviços de pesquisa prestados aos utilizadores e a teoria do abuso, que diz respeito às licenças de aplicação de pesquisa aos FEO

a)      Argumentos das partes

255    Em apoio desta parte, a Google alega que a apreciação relativa à posição dominante exercida nos mercados de serviços de pesquisa geral não corresponde à teoria do abuso adotada pela decisão recorrida. Com efeito, a Comissão sublinha no n.o 674 da decisão recorrida que a Google é dominante para os serviços de pesquisa geral prestados aos utilizadores, mas os comportamentos contestados nos considerandos 877 e 1016 da decisão recorrida só dizem respeito às licenças de aplicações de pesquisa geral fornecidas aos FEO, não aos utilizadores.

256    Em sua opinião, a decisão recorrida não demonstra que a Google domina o «mercado» da concessão de licenças para aplicações de pesquisa geral aos FEO, o que, na prática, não é o caso. Os FEO não têm necessariamente de instalar a aplicação Google Search nos seus aparelhos, uma vez que este serviço de pesquisa é livre e de fácil acesso na Internet. Do mesmo modo, um utilizador que compra um aparelho sem a aplicação Google Search pode aceder facilmente a esta ferramenta. Um FEO também pode criar e instalar um ícone num programa de navegação que conduza à página inicial da Google. Na falta de uma constatação de domínio para as licenças de aplicações de pesquisa aos FEO, o facto de condicionar a licença da aplicação Google Search à aceitação das OAF pelos FEO e à pré‑instalação do Chrome nos termos do ADAM não pode ser considerado abusivo. O mesmo acontece no que respeita à partilha pela Google de algumas das suas receitas de publicidade em contrapartida da pré‑instalação exclusiva da Google Search pelos FEO e pelos ORM em causa.

257    A Comissão alega de maneira geral que as conclusões relativas ao domínio da Google nos mercados de serviços de pesquisa geral são concordantes com os abusos constatados. Em todo o caso, não se pode sustentar que, sob o pretexto de que as pesquisas gerais são efetuadas pelos utilizadores, não se pode verificar nenhum abuso relacionado com a posição dominante detida nos mercados de serviços de pesquisa geral devido ao comportamento da Google em relação aos FEO. A Comissão não se baseia na forma que o abuso toma, mas na similitude dos factos, uma vez que o comportamento da Google ocorre ao nível dos FEO mas diz respeito a um produto utilizado pelos consumidores.

b)      Apreciação do Tribunal Geral

258    A acusação relativa a uma contradição entre os abusos identificados pela Comissão nos considerandos 877 e 1016 da decisão recorrida e a posição dominante da Google nos mercados nacionais dos serviços de pesquisa geral não pode ser acolhida.

259    Em primeiro lugar, importa, com efeito, salientar que os abusos identificados pela Comissão nos considerandos 877 e 1016 da decisão recorrida foram‑no atendendo à posição dominante detida pela Google tanto nos mercados nacionais dos serviços de pesquisa geral como no mercado das plataformas de distribuição de aplicações Android. Por conseguinte, admitindo que esses abusos assentavam erradamente na posição dominante que a Google ocupava nos mercados nacionais dos serviços de pesquisa geral, há que constatar que assentavam também na posição dominante da Google no mercado das plataformas de distribuição de aplicações Android, a qual não foi posta em causa pelos argumentos apresentados pela Google no âmbito da segunda parte do primeiro fundamento.

260    Em segundo lugar, em todo o caso, independentemente da constatação de que os abusos identificados pela Comissão nos considerandos 877 e 1016 da decisão recorrida também resultavam da posição dominante da Google no mercado das plataformas de distribuição de aplicações Android, há igualmente que salientar que as práticas em causa estavam intimamente ligadas à posição dominante da Google nos mercados nacionais dos serviços de pesquisa geral. Sendo a Google Search um produto que os utilizadores de aparelhos Google Android esperavam ter, a Google beneficiava do seu poder nos mercados nacionais dos serviços de pesquisa geral para fornecer essa aplicação aos signatários dos ADAM.

261    Assim, contrariamente ao que a Google alega, os abusos identificados pela Comissão nos considerandos 877 e 1016 da decisão recorrida, que embora se materializassem nas relações entre a Google e os signatários dos ADAM, eram na realidade dirigidos aos utilizadores e aos mercados nacionais dos serviços de pesquisa geral, nos quais a Google detinha uma posição dominante. O facto de as práticas em causa dizerem respeito ao fornecimento da Google Search aos signatários dos ADAM não põe em causa esta conclusão. A Google Search constituía uma porta de entrada importante para os serviços de pesquisa geral da Google, uma vez que os signatários dos ADAM agiam, neste âmbito, como intermediários entre a Google e os seus utilizadores.

262    Por outras palavras, a posição dominante da Google nos mercados nacionais dos serviços de pesquisa geral constituía tanto o ponto de partida como o objetivo das práticas examinadas nos considerandos 877 e 1016 da decisão recorrida (v., nomeadamente, considerando 1341 da decisão recorrida) os quais, na realidade, segundo a Comissão, tendiam a preservar e aumentar o poder detido pela Google nos mercados nacionais dos serviços de pesquisa geral e a obstar ao aparecimento nesse mercado de qualquer concorrente.

263    Por conseguinte, não se verifica uma contradição entre os abusos identificados pela Comissão nos considerandos 877 e 1016 da decisão recorrida e a posição dominante da Google nos mercados nacionais dos serviços de pesquisa geral.

264    Tal leitura também se impõe no que diz respeito à pretensa incoerência entre o abuso identificado no considerando 1192 da decisão recorrida, ao abrigo dos APR por carteira e a posição dominante detida pela Google nos mercados nacionais de serviços de pesquisa geral.

265    Enquanto os abusos identificados nos considerandos 877 e 1016 da decisão recorrida são considerados pela Comissão pacotes de produtos ou de obrigações, o abuso identificado no ponto 1192 da decisão recorrida visava, através dos APR por carteira, a partilha das receitas da publicidade obtidas pela Google devido à sua atividade nos mercados nacionais dos serviços de pesquisa geral. Por conseguinte, os APR por carteira dependiam necessariamente do poder detido pela Google nesses mercados. Além disso, embora os APR por carteira dissessem respeito às relações mantidas pela Google com os signatários desses contratos, que então já não podiam pré‑instalar uma aplicação concorrente da Google Search, há que salientar novamente que esses signatários, ao subscreverem tal obrigação, permitiam à Google reforçar a sua posição nos mercados nacionais dos serviços de pesquisa geral destinados aos utilizadores.

266    Portanto, não se verifica uma contradição entre o abuso identificado pela Comissão no ponto 1192 da decisão recorrida e a posição dominante da Google nos mercados nacionais dos serviços de pesquisa geral.

267    Por conseguinte, há que julgar improcedente a terceira parte do primeiro fundamento e, consequentemente, o primeiro fundamento na totalidade.

5.      Quanto à pertinência relativa da concorrência entre ecossistemas para efeitos do presente processo

268    Decorre do que precede que o primeiro fundamento deve ser julgado improcedente na totalidade. Em especial, quanto à primeira e à segunda partes do referido fundamento, verifica‑se que foi com razão que a Comissão considerou que a pressão concorrencial indireta exercida pela Apple sobre a Google continuava a ser insuficiente.

269    Além disso, importa salientar que, embora, em apoio das primeira e segunda partes do primeiro fundamento, a Google conteste, isoladamente, a definição e a sua posição subsequente nos mercados dos SO sob licença e das plataformas de distribuição de aplicações Android, os seus argumentos evocam igualmente a necessidade de ter em conta a realidade da concorrência entre ecossistemas.

270    Com efeito, na decisão recorrida, a Comissão reconheceu que tanto o iOS como a App Store da Apple podiam exercer um certo nível de pressão sobre a Google (considerandos 242, 243 e 322 da decisão recorrida). O «ecossistema» da Google, caracterizado pela relação entre o SO Android e a Play Store, era, assim, concorrente com o «ecossistema» da Apple, caracterizado pela relação entre o iOS e a App Store.

271    Neste contexto, segundo a Google, as pressões exercidas pela Apple através do iOS e da App Store, que não são objeto de licenças, não lhe permitiram comportar‑se, numa medida apreciável, independentemente desse concorrente, nomeadamente no que respeita à determinação das posições dominantes que a Comissão lhe atribuiu nos mercados mundiais, excluindo a China, dos SO sob licença e das plataformas de distribuição de aplicações Android.

272    Ora, a este respeito, importa ter em conta o facto de a Apple não ser a priori suscetível de influenciar a posição dominante da Google nos mercados nacionais dos serviços de pesquisa geral. Com efeito, como resulta nomeadamente dos considerandos 118 a 199 e 515 da decisão recorrida, a Apple beneficiava, durante o período da infração, de um acordo de partilha de receitas condicionado à definição por defeito da Google Search sobre o seu programa de navegação Web móvel, Safari. Por conseguinte, devido a este acordo, a Apple não era incitada a intervir nesses mercados para concorrer com a Google Search, uma vez que a utilização deste motor de pesquisa pelos utilizadores dos aparelhos que funcionam sob iOS era para si fonte de receitas substanciais.

273    Embora seja verdade que esse acordo não era objeto do processo, podia, no entanto, ser tomado em consideração na decisão recorrida, como fez a Comissão, enquanto elemento factual que permitia apreciar melhor a situação de poder económico da Google e a sua capacidade para se comportar com um grau considerável de independência relativamente aos seus concorrentes, aos seus clientes e consumidores.

C.      Quanto ao segundo fundamento, relativo aos primeiros abusos, baseado na apreciação errada do caráter abusivo das condições de préinstalação do ADAM

274    Com o segundo fundamento de recurso, dividido em duas partes, a Google alega que a Comissão concluiu erradamente pela natureza abusiva das condições de pré‑instalação do ADAM, as quais subordinam a obtenção da Play Store à pré‑instalação da aplicação Google Search e a obtenção da Play Store e da aplicação Google Search à pré‑instalação do programa de navegação Chrome (a seguir «primeiros abusos»).

1.      Contextualização

275    A título preliminar, para responder aos argumentos das partes, há que expor, primeiro, as condições exigidas para concluir que as práticas em causa constituem um abuso de posição dominante, segundo, os diferentes elementos apresentados pela Comissão na decisão recorrida para caracterizar os efeitos de exclusão produzidos por essas práticas e, terceiro, as relações entre essas práticas.

a)      Conceitos de prática abusiva, de efeitos de exclusão e de venda ligada, tendo em conta nomeadamente o Acórdão de 17 de setembro de 2007, Microsoft/Comissão (T201/04, EU:T:2007:289)

276    Não é, por si só, ilegal que uma empresa ocupe uma posição dominante e participe no jogo da concorrência pelos seus méritos. Só em certas circunstâncias, por exemplo no caso de o seu comportamento produzir efeitos de exclusão que não podem ser atribuídos a essa concorrência, é que esse comportamento constitui um abuso de posição dominante na aceção do artigo 102.o TFUE.

277    Com efeito, o artigo 102.o TFUE não tem de modo nenhum por finalidade impedir que uma empresa conquiste, pelos seus próprios méritos, uma posição dominante num mercado. Esta disposição também não visa assegurar que concorrentes menos eficazes que a empresa que detém uma posição dominante permaneçam no mercado (v. Acórdão de 6 de setembro de 2017, Intel/Comissão, C‑413/14 P, EU:C:2017:632, n.o 133 e jurisprudência referida).

278    Assim, nem todos os efeitos de exclusão falseiam necessariamente o jogo da concorrência. Por definição, a concorrência pelo mérito pode levar ao desaparecimento do mercado ou à marginalização dos concorrentes menos eficazes e, portanto, menos interessantes para os consumidores do ponto de vista, nomeadamente, dos preços, das escolhas, da qualidade ou da inovação (v. Acórdão de 6 de setembro de 2017, Intel/Comissão, C‑413/14 P, EU:C:2017:632, n.o 134 e jurisprudência referida).

279    Contudo, incumbe à empresa que detém uma posição dominante não prejudicar, através do seu comportamento, uma concorrência pelos méritos no mercado interno (v., neste sentido, Acórdão de 6 de setembro de 2017, Intel/Comissão, C‑413/14 P, EU:C:2017:632, n.o 135 e jurisprudência referida).

280    É por esta razão que o artigo 102.o TFUE proíbe, nomeadamente, que uma empresa que detenha uma posição dominante adote práticas que produzam efeitos de exclusão dos seus concorrentes considerados tão eficazes como ela própria, e reforce a sua posição dominante através do recurso a meios diferentes daqueles que decorrem de uma concorrência pelo mérito. Nesta perspetiva, do mesmo modo que toda a concorrência pelos preços, nem toda a concorrência que utilize outros parâmetros pode, portanto, ser considerada legítima (v., neste sentido, Acórdão de 6 de setembro de 2017, Intel/Comissão, C‑413/14 P, EU:C:2017:632, n.o 136 e jurisprudência referida).

281    Os efeitos de exclusão que caracterizam situações em que o acesso efetivo dos concorrentes atuais ou potenciais aos mercados ou às suas componentes é entravado ou suprimido por efeito do comportamento da empresa dominante, permitindo assim a esta última influenciar negativamente, em seu benefício e em detrimento dos consumidores, os diferentes parâmetros da concorrência, como os preços, a produção, a inovação, a variedade ou a qualidade dos bens ou dos serviços.

282    O facto de o comportamento de uma empresa que ocupa uma posição dominante produzir efeitos de exclusão em mercados diferentes do mercado dominado não obsta à aplicação do artigo 102.o TFUE (v., neste sentido, Acórdão de 14 de novembro de 1996, Tetra Pak/Comissão, C‑333/94 P, EU:C:1996:436, n.o 25 e jurisprudência referida).

283    No caso em apreço, as práticas em causa no âmbito dos primeiros abusos são vendas ligadas. Trata‑se de uma prática corrente na vida comercial que visa geralmente propor aos clientes melhores produtos ou propostas de modo mais económico. Uma venda ligada consiste no facto de uma empresa dominante subordinar a venda de um dado produto (o produto que liga) à aquisição de outro produto (o produto ligado). Esta pode produzir efeitos de exclusão no mercado ligado, no mercado que liga ou em ambos simultaneamente. Com efeito, uma empresa que ocupa uma posição dominante num ou em vários mercados de produtos (mercado do produto que liga) pode lesar os consumidores devido a essa prática, na medida em que bloqueia o mercado de outros produtos objeto da venda ligada (mercado do produto ligado) e, indiretamente, o mercado que liga.

284    A este respeito, para apreciar o caráter abusivo dessas práticas, já foi declarado que a Comissão se podia basear nos elementos seguintes (Acórdão de 17 de setembro de 2007, Microsoft/Comissão, T‑201/04, EU:T:2007:289, n.o 869):

—        primeiro, o produto que liga e o produto ligado são dois produtos distintos;

—        segundo, a empresa em causa detém uma posição dominante no mercado do produto que liga;

—        terceiro, a referida empresa não dá aos consumidores a opção de obterem o produto que liga sem o produto ligado;

—        quarto, a prática em causa restringe a concorrência;

—        quinto, esta prática não é objetivamente justificada.

285    No que respeita, especialmente, ao quarto requisito mencionado no n.o 284 supra, relativo à restrição da concorrência, o Tribunal Geral recordou, por um lado, no n.o 867 do Acórdão de 17 de setembro de 2007, Microsoft/Comissão (T‑201/04, EU:T:2007:289), o conteúdo da jurisprudência anterior segundo a qual, «em princípio, um comportamento só é considerado abusivo se for suscetível de restringir a concorrência».

286    No entanto, no n.o 868 do Acórdão de 17 de setembro de 2007, Microsoft/Comissão (T‑201/04, EU:T:2007:289), o Tribunal Geral também salientou, por outro lado, que, na decisão que era recorrida no referido processo «a Comissão [tinha] considerado que, tendo em conta as circunstâncias específicas do caso concreto, não podia limitar‑se a concluir — como fa[zia] normalmente nos processos em matéria de vendas ligadas abusivas — que a venda ligada de um determinado produto e de um produto dominante ti[nha] um efeito de exclusão no mercado per se», e que, nessas circunstâncias «[a Comissão] ti[nha] assim analisado mais adiante os efeitos concretos que a venda ligada em causa já tinha tido no mercado [em questão] bem como a forma como esse mercado tendia a evoluir» (v. também, neste sentido, Acórdão de 17 de setembro de 2007, Microsoft/Comissão, T‑201/04, EU:T:2007:289, n.o 1035).

287    Para explicar por que razão a Comissão tinha examinado os efeitos concretos da venda ligada no mercado em causa, o Tribunal Geral observou que a Comissão tinha considerado o seguinte na decisão recorrida impugnada no referido processo (Acórdão de 17 de setembro de 2007, Microsoft/Comissão, T‑201/04, EU:T:2007:289, n.o 977):

«Há […] circunstâncias que justificam, no que respeita à venda ligada do leitor [Windows Media Player], um exame mais aprofundado dos efeitos dessa prática sobre a concorrência. Embora, nos casos clássicos de vendas ligadas, a Comissão e o tribunal [da União] tenham considerado que a venda ligada de um produto distinto com o produto dominante era o indício do efeito de exclusão que esta prática tinha sobre os vendedores concorrentes, não se pode negar que, no caso em apreço, os utilizadores podem obter — o que aliás fazem — outros leitores multimédia [concorrentes do Windows Media Player] através da Internet, por vezes gratuitamente. Há, portanto, boas razões para não dar como assente, sem um complemento de análise, que a venda ligada do leitor Windows Media Player constitui um comportamento suscetível, pela sua natureza, de restringir a concorrência».

288    Consequentemente, no n.o 869 do Acórdão de 17 de setembro de 2007, Microsoft/Comissão (T‑201/04, EU:T:2007:289), o Tribunal Geral considerou que a questão da venda ligada em causa devia ser apreciada à luz dos requisitos enunciados na decisão que era impugnada nesse processo (reproduzida nos n.os 842 e 843 do referido acórdão), portanto, a relativa ao facto de que a prática em causa «restringi[a] a concorrência».

289    No caso em apreço, na decisão recorrida, a Comissão refere‑se ao Acórdão de 17 de setembro de 2007, Microsoft/Comissão (T‑201/04, EU:T:2007:289) para expor as condições exigidas para caracterizar os primeiros abusos (considerandos 741 e 742 da decisão recorrida).

290    Em especial, quanto à quarta condição mencionada no n.o 284 supra, a Comissão, depois de ter indicado na decisão recorrida que, segundo a jurisprudência anterior ao Acórdão de 17 de setembro de 2007, Microsoft/Comissão (T‑201/04, EU:T:2007:289), a demonstração dos efeitos anticoncorrenciais não era exigida nos «casos clássicos» de vendas ligadas, indicou, em substância, que a quarta condição exigida para demonstrar a existência de uma venda ligada estava, em princípio, preenchida quando a prática em causa «[fosse] suscetível de restringir a concorrência» [v. considerando 749 e nota de pé de página n.o 813 que se refere ao Acórdão de 17 de setembro de 2007, Microsoft/Comissão (T‑201/04, EU:T:2007:289, n.o 867)].

291    A este respeito, como será examinado em seguida, verifica‑se no presente processo que, a pretexto da aplicação de um critério formulado como o da «capacidade para restringir a concorrência» através de uma remissão para o n.o 867 do Acórdão de 17 de setembro de 2007, Microsoft/Comissão (T‑201/04, EU:T:2007:289), a Comissão também teve o cuidado de expor concretamente na decisão recorrida os diferentes elementos que, em seu entender, permitiam demonstrar a realidade dos efeitos de exclusão invocados, em conformidade com o n.o 868 do referido acórdão.

292    Com efeito, como alegou a Google no presente processo, é fácil aos utilizadores obter aplicações de pesquisa geral ou de navegação concorrentes das que são objeto das vendas ligadas. Este facto é reconhecido por todas as partes em causa, uma vez que o debate não tem por objeto a possibilidade de os utilizadores descarregarem facilmente essas aplicações, mas os incentivos que poderiam ter para o fazer (v. considerando 917 da decisão recorrida).

293    Nestas circunstâncias, como foi exposto pelo Tribunal Geral e confirmado pelas partes na audiência, resulta efetivamente da decisão recorrida que a Comissão se esforçou por caracterizar uma restrição da concorrência não apenas «potencial» ou «eventual», mas também «real» ou «concreta» no que respeita a alguns dos seus aspetos. Segundo a Comissão, a partir de 2011 ou agosto de 2012 até julho de 2018, as práticas em causa produziram os efeitos de exclusão identificados na decisão recorrida, que se revelaram prejudiciais à concorrência pelo mérito.

294    Assim, a título de exemplo, a Comissão concluiu que essas práticas tiveram por efeito, nomeadamente, «tornar mais difícil» para os serviços de pesquisa concorrentes, a obtenção de pedidos de pesquisa, de receitas e de informações necessárias para permitir a melhoria dos seus serviços (considerando 859 da decisão recorrida), que «aumentaram as barreiras à entrada» ao proteger a Google da concorrência dos outros serviços de pesquisa (considerando 861 da decisão recorrida) e que «diminuíram os incentivos» à inovação que os concorrentes que comercializavam um serviço de pesquisa especializado numa língua ou com vista a um grupo específico de utilizadores, pretendiam propor (v. considerandos 862 e 1213 da decisão recorrida, este último citando a Seznam, a DuckDuckGO, a Qwant e a Kikin’s «touch to search»).

295    Por conseguinte, foi com razão que, no caso em apreço, a Comissão considerou, como na decisão que deu lugar ao Acórdão de 17 de setembro de 2007, Microsoft/Comissão (T‑201/04, EU:T:2007:289) (v. n.o 286 supra), que era exigido um exame atento dos efeitos concretos ou um complemento de análise, segundo a terminologia utilizada no passado a este respeito, antes de concluir que as vendas ligadas em causa eram prejudiciais para a concorrência. Tal exame tem o interesse, por um lado, de diminuir o risco de que seja sancionado um comportamento que não é realmente prejudicial à concorrência pelos méritos e, por outro, para melhor clarificar a gravidade do comportamento em causa, o que facilitará a determinação do nível adequado de uma eventual sanção.

296    Assim, dado que as práticas em causa decorreram durante um longo período e tiveram, segundo a decisão recorrida, efeitos concretos observáveis nos mercados relevantes, o interesse de uma definição mais vaga do conceito de «restrição da concorrência» sob o título da sua «capacidade para restringir a concorrência» afigura‑se menos importante do que o pode ser noutras circunstâncias.

297    Para a Comissão, não se trata de efetuar uma análise prospetiva que assente em efeitos que vão decorrer em consideração de hipóteses ainda não verificáveis na prática, como pode ser o caso noutras circunstâncias [v. por exemplo, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.o 145].

298    Além disso, perante comportamentos assumidos durante vários anos, a Comissão pode demonstrar a existência de uma restrição da concorrência ao considerar que essas práticas eliminaram ou entravaram fontes de concorrência que, não existindo, teriam ocorrido ou se teriam desenvolvido. Por conseguinte, não se contesta que os efeitos reais e concretos das práticas em causa, efeitos que ocorreram no passado, sejam apreciados tanto tendo em conta a concorrência atual que a empresa em posição dominante devia enfrentar como tendo em conta a concorrência potencial que não pode aparecer devido às práticas de exclusão.

299    Consequentemente, a diferença entre «restrição da concorrência» e «capacidade para restringir a concorrência» não tem impacto na demonstração nos casos em que, como no presente, a Comissão caracterizou a restrição da concorrência em consideração de efeitos causados pela execução das práticas em causa num período significativo, podendo esses efeitos ser observados e permitir à Comissão determinar a natureza e o alcance da exclusão anticoncorrencial que produzem e ao Tribunal Geral fiscalizar essas apreciações.

b)      Decisão recorrida

300    Na decisão recorrida, a Comissão considerou que os primeiros abusos eram constituídos por duas vendas ligadas que se tinham materializado nas condições de pré‑instalação do ADAM que os FEO e os ORM que quisessem comercializar aparelhos com o pacote SMG deviam aceitar, a saber:

—        pela primeira venda ligada, que ligava a aplicação Google Search à Play Store, a Google tinha abusado da sua posição dominante no mercado mundial (excluindo a China) das plataformas de distribuição de aplicações Android de 1 de janeiro de 2011 até à data da decisão recorrida (considerandos 752 e 1009 da decisão recorrida);

—        pela segunda venda ligada, que ligava o programa de navegação Chrome à aplicação Google Search e à Play Store, a Google tinha abusado das suas posições dominantes no mercado mundial (excluindo a China) das plataformas de distribuição de aplicações Android e nos mercados nacionais do EEE de serviços de pesquisa geral de 1 de agosto de 2012 até à data da decisão recorrida (considerandos 753 e 1010 da decisão recorrida).

301    A apreciação pela Comissão das três primeiras condições evocadas no Acórdão de 17 de setembro de 2007, Microsoft/Comissão (T‑201/04, EU:T:2007:289), feita na decisão recorrida não é contestada enquanto tal pela Google. Os argumentos apresentados no âmbito deste fundamento dizem antes respeito aos elementos expostos na decisão recorrida, no que respeita ao quarto e ao quinto critérios deste acórdão, relativos, respetivamente, à restrição da concorrência e às justificações objetivas invocadas a este respeito pela Google.

1)      Quanto às três primeiras condições evocadas no Acórdão de 17 de setembro de 2007, Microsoft/Comissão (T201/04, EU:T:2007:289)

302    Quanto ao pacote Google Search‑Play Store, a Comissão considera, primeiro, que se trata de produtos distintos (considerandos 756 a 762 da decisão recorrida), segundo, que a Google detém uma posição dominante no mercado mundial (excluindo a China) das plataformas de distribuição de aplicações Android (considerando 763 da decisão recorrida), terceiro, que a Google Search e a Play Store não podem ser obtidas separadamente (considerandos 764 a 772 da decisão recorrida).

303    No que respeita ao pacote Chrome‑Play Store e Google Search, a Comissão qualifica o Chrome de produto distinto da Play Store e da aplicação Google Search (considerandos 879 a 885 da decisão recorrida). A Comissão recorda igualmente que a Google ocupa uma posição dominante no mercado mundial (excluindo a China) das plataformas de distribuição de aplicações Android e nos mercados nacionais do EEE de serviços de pesquisa geral (considerando 886 da decisão recorrida). A Comissão salienta ainda que a Play Store e a aplicação Google Search não podem ser obtidas sem o Chrome, retomando os argumentos avançados no que respeita ao primeiro pacote (considerandos 887 a 895 da decisão recorrida).

2)      Quanto à condição relativa à «restrição da concorrência»

i)      Pacote Google SearchPlay Store

304    Quanto à condição relativa à «restrição da concorrência» (título do ponto 11.3.4 da decisão recorrida), a Comissão considera que o pacote Google Search‑Play Store tem capacidade para restringir a concorrência pelas seguintes razões (considerando 773 da decisão recorrida):

—        por um lado, dá à Google uma vantagem competitiva significativa que os fornecedores de serviços de pesquisa geral concorrentes não podem compensar;

—        por outro lado, permite à Google manter e reforçar a sua posição dominante em cada mercado nacional de serviços de pesquisa geral, aumentando as barreiras à entrada e dissuadindo a inovação, o que tende a prejudicar, direta ou indiretamente, o consumidor.

305    Em primeiro lugar, para qualificar a vantagem concorrencial significativa concedida pelo pacote Google Search‑Play Store à Google em detrimento dos outros fornecedores de serviços de pesquisa geral, a Comissão alega os cinco argumentos seguintes (considerando 775 da decisão recorrida):

—        o número de pesquisas gerais efetuadas através de aparelhos móveis inteligentes aumentou significativamente durante o período de infração, excedendo nomeadamente, a partir de 2015, o número de pesquisas gerais efetuadas com os PC (considerando 777 da decisão recorrida)

—        a pré‑instalação é um canal importante para a distribuição de serviços de pesquisa geral em aparelhos móveis inteligentes, uma vez que permite aumentar significativamente, numa base sustentável, a utilização do serviço prestado pela aplicação; com efeito, o utilizador tem mais tendência para recorrer a uma aplicação pré‑instalada ou regulada por defeito do que descarregar um produto alternativo (o «desvio do statu quo»), e o pacote Google Search‑Play Store assegura à Google que a distribuição da aplicação Google Search é tão vasta como o número de aparelhos Google Android (considerandos 778 a 800 da decisão recorrida);

—        é impossível desinstalar a aplicação Google Search do pacote SMG (considerandos 801 a 803 da decisão recorrida);

—        os serviços de pesquisa geral concorrentes não podem compensar a vantagem competitiva concedida pelo pacote Google Search‑Play Store, seja com recurso ao descarregamento, a acordos com programadores de motores de pesquisa ou a acordos de pré‑instalação (considerandos 804 a 834 da decisão recorrida);

—        a evolução das quotas de mercado da Google no que respeita aos pedidos de pesquisa geral confirma as conclusões precedentes (considerandos 835 a 851 da decisão recorrida).

306    Em segundo lugar, para estabelecer a realidade e o caráter prejudicial dos efeitos de exclusão, a Comissão faz a seguinte demonstração. Para demonstrar que o pacote Google Search‑Play Store «ajuda a Google a manter e a reforçar a sua posição dominante nos mercados nacionais de serviços de pesquisa geral, reforça as barreiras à entrada, dissuade a inovação e tende a prejudicar o consumidor», a Comissão apresenta vários argumentos:

—        o comportamento da Google «torna mais difícil» a possibilidade de os concorrentes da Google nos mercados dos serviços de pesquisa geral obterem pedidos de pesquisa, bem como as receitas e informações que lhes estão associados para melhorar os seus serviços (considerandos 859 e 860 da decisão recorrida);

—        o comportamento da Google «aumenta» as barreiras à entrada protegendo‑a da concorrência dos serviços de pesquisa geral que podiam pôr em causa a sua posição dominante nos mercados nacionais relevantes; com efeito, os serviços de pesquisa geral concorrentes devem despender recursos para compensar a vantagem conferida pela pré‑instalação, que também protege a Google contra a concorrência mais efetiva, ligada à pré‑instalação exclusiva (considerando 861 da decisão recorrida);

—        o comportamento da Google «diminui» os incentivos dos serviços de pesquisa geral concorrentes para investir e inovar, tornando mais difícil a obtenção de pedidos de pesquisa, bem como de receitas e de informações necessárias para melhorar esses serviços (considerando 862 da decisão recorrida);

—        na sequência destas interferências com o procedimento concorrencial normal, o comportamento da Google «[também] é suscetível de prejudicar», direta ou indiretamente, os consumidores que podem ter menos opções no que respeita aos serviços de pesquisa geral disponíveis (considerando 863 da decisão recorrida).

307    Em resposta aos argumentos da Google destinados a minimizar o impacto do pacote Google Search‑Play Store pelo facto de os aparelhos Android representarem apenas [10‑20 %] a [20‑30 %] do conjunto das pesquisas na Google Search entre 2013 e 2015, a Comissão alega que estes números representaram entre o dobro e o quíntuplo, dos que foram alcançados através das pesquisas efetuadas em todos os serviços concorrentes. Quanto ao argumento de que esta prática coincide com um período de melhoria do serviço de pesquisa geral, isso não basta para demonstrar a falta de efeitos sobre a concorrência (considerandos 864 a 866 da decisão recorrida). Por outro lado, a Comissão declara que não tem de demonstrar que a concorrência teria sido mais viva na falta do pacote Google Search‑Play Store, mas apenas que este pôde restringir a concorrência, o que foi de facto o caso (considerandos 867 a 876 da decisão recorrida).

ii)    Pacote ChromePlay Store e Google Search

308    Do mesmo modo, no que respeita à «restrição da concorrência» (título do ponto 11.4.4 da decisão recorrida), la Comissão considera que o pacote Chrome‑Play Store e Google Search pode restringir a concorrência pelas seguintes razões (considerando 896 da decisão recorrida):

—        por um lado, oferece à Google uma vantagem competitiva significativa que os outros navegadores Web móveis não específicos de um SO não podem compensar;

—        por outro lado, permite à Google dissuadir a inovação e tende a prejudicar, direta ou indiretamente, o consumidor.

309    Em primeiro lugar, a título da vantagem concorrencial significativa que os navegadores Web móveis não específicos de um SO concorrentes não podem compensar, a Comissão alega que:

—        a pré‑instalação é um canal importante para a distribuição de motores de pesquisa para aparelhos móveis inteligentes; isto resulta, nomeadamente, da comparação entre as receitas geradas na Google Android a partir do programa de navegação pré‑instalado Chrome e dos outros programa de navegação não pré‑instalados ou entre as receitas geradas pelas pesquisas efetuadas através de um programa de navegação em SO iOS ou em SO Android (considerandos 900 a 912 da decisão recorrida);

—        o Google Chrome não pode ser desinstalado dos aparelhos SMG (considerandos 913 a 915 da decisão recorrida);

—        os navegadores Web móveis não específicos de um SO concorrente não podem compensar a vantagem proporcionada pelo pacote Chrome‑Play Store e Google Search, seja pelos descarregamentos ou por acordos de pré‑instalação (considerandos 916 a 946 da decisão recorrida);

—        a evolução das quotas de mercado confirma estas conclusões (considerandos 947 a 963 da decisão recorrida).

310    A Comissão também considera que não é possível às empresas concorrentes compensar a vantagem proporcionada pelo pacote Chrome‑Play Store e Google Search através de acordos de pré‑instalação com os FEO e com os ORM (considerandos 964 a 982 da decisão recorrida).

311    Em segundo lugar, para comprovar a realidade e o caráter prejudicial dos efeitos de exclusão, a Comissão efetua a seguinte demonstração. Para demonstrar que o pacote Chrome‑Play Store e Google Search «ajuda a Google a manter e a reforçar a sua posição dominante em cada mercado nacional para os serviços de pesquisa geral, dissuade a inovação e tende a prejudicar, direta ou indiretamente, o consumidor», a Comissão apresenta os seguintes argumentos:

—        o comportamento da Google «desencoraja» a inovação para os programas de navegação na Web ao impedir o desenvolvimento de navegadores Web móveis inovadores não específicos de um SO (considerando 970 da decisão recorrida);

—        na sequência da interferência da Google no processo concorrencial normal, este comportamento «é [também] suscetível de prejudicar», direta ou indiretamente, os consumidores, que podem ter menos opções no que respeita aos navegadores Web móveis (considerando 971 da decisão recorrida);

—        o comportamento da Google «ajuda a preservar e a reforçar» a sua posição dominante nos mercados nacionais dos serviços de pesquisa geral e as suas receitas em matéria de publicidade relacionada com as pesquisas; Este comportamento «impede», portanto, os outros serviços de pesquisa geral de obterem pedidos de pesquisa e os ganhos em termos de receitas e de informações necessárias para melhorar esses serviços (considerandos 972 a 977 da decisão recorrida).

312    Estas apreciações não são afetadas pelo argumento de que o comportamento da Google coincide com a melhoria do Chrome, que supostamente permite aos utilizadores alterar o serviço de pesquisa geral determinado por defeito, e o de que os FEO continuam livres de instalar outros programas de navegação (considerando 978 da decisão recorrida). A Comissão também alega que os diferentes argumentos da Google relativos à necessidade de apreender a prática no seu contexto não estão demonstrados (considerandos 983 a 992 da decisão recorrida).

3)      Quanto à condição relativa à inexistência de justificações objetivas

313    A Comissão também refutou as justificações objetivas invocadas pela Google. Antes de mais, A comissão considera que a Google não demonstrou que as suas práticas eram uma receita necessária dos seus investimentos no Android e nas suas aplicações que não geravam receitas. Tendo em conta as receitas da Google, há outras soluções. Também não demonstrou não ter um interesse próprio em desenvolver o Android para contrariar os riscos que a mobilidade fazia pesar sobre o seu modelo comercial. Em seguida, a Google não demonstrou que as suas práticas eram necessárias para dar aos utilizadores a experiência invocada. Por último, a demonstração relativa à necessidade de a Google evitar de fazer os FEO pagar custos para a Play Store é insuficiente, tendo em conta as receitas geradas pelo valor da Play Store (considerandos 993 a 1008 da decisão recorrida).

c)      Complementaridade dos primeiros abusos

314    Embora seja efetivamente possível, como faz a Comissão, distinguir dois pacotes de produtos tendo em consideração as aplicações em causa, também se deve ter em conta o facto de que esses pacotes se assemelham em dois aspetos, sobre os quais as partes foram interrogadas na audiência, e apresentam, portanto, uma certa complementaridade.

315    Com efeito, para a apreciação do caráter abusivo das práticas em causa nos primeiros abusos, importa também salientar que o pacote Chrome‑Play Store e Google Search veio sobrepor‑se ao pacote Google Search‑Play Store para ter em conta a evolução do ADAM, que não comportava inicialmente o programa de navegação Chrome entre as aplicações reunidas no pacote SMG (considerando 1010 da decisão recorrida).

316    Do mesmo modo, importa indicar que, tanto num caso como no outro, o objetivo dos dois pacotes identificados pela Comissão era permitir à Google chegar aos utilizadores, para que estes efetuem as suas pesquisas gerais por intermédio do Google Search, seja enquanto aplicação de pesquisa geral seja enquanto motor de pesquisa do programa de navegação Chrome.

2.      Quanto à primeira parte, relativa à «restrição da concorrência»

317    Em apoio da primeira parte do segundo fundamento, a Google alega que a Comissão não demonstrou na decisão recorrida que as condições de pré‑instalação do ADAM afastavam a concorrência.

318    Tendo em conta as oportunidades oferecidas aos concorrentes e aos utilizadores, essas condições tiveram apenas um impacto limitado sobre a concorrência. O ADAM exigia apenas que, nos aparelhos em que os FEO pretendessem pré‑instalar o pacote SMG, o ecrã inicial apresentasse ícones para a Play Store, para uma pasta de aplicativos e para a Google Search. Esta colocação promocional não impede os FEO de pré‑instalar serviços concorrentes, colocando outros ícones no ecrã inicial com uma visibilidade igual ou superior. Os FEO continuam também a ser livres de definir esses serviços concorrentes como configurações por defeito, o que lhes oferece oportunidades de promoção superiores às pedidas pelo ADAM para as aplicações da Google. Além disso, o ADAM não impede os utilizadores de descarregarem serviços de pesquisa ou programas de navegação concorrentes, podendo também podiam aceder aos serviços de pesquisa direta através de programas de navegação. No âmbito do ADAM, os FEO só não podem fazer a pré‑instalação exclusiva de serviços de pesquisa e programas de navegação concorrentes. Também podem vender aparelhos Android sem nenhuma aplicação Google e pré‑instalar exclusivamente serviços de pesquisa e programas de navegação concorrentes nesses aparelhos.

319    A Google apresenta cinco alegações em apoio da sua argumentação e critica a decisão recorrida na medida em que, primeiro, não demonstra que as condições de pré‑instalação criam um «desvio do statu quo»; segundo, ignora que o ADAM dava aos FEO liberdade para pré‑instalar concorrentes e de os definir como serviços por defeito; terceiro, também ignora que os concorrentes dispunham de outros meios eficazes para chegar aos utilizadores; quarto, não consegue demonstrar que as quotas de utilização do serviço de pesquisa e do programa de navegação da Google eram atribuíveis às condições de pré‑instalação contestadas; e quinto, não tem corretamente em conta o contexto económico e jurídico completo para chegar à conclusão de que as condições de pré‑instalação forneceram novas oportunidades aos concorrentes em vez de os privarem delas.

a)      Préinstalação e «desvio do statu quo»

320    No âmbito da sua primeira alegação, a Google critica o raciocínio exposto pela Comissão para justificar a existência de uma importante vantagem concorrencial conferida pelas condições de pré‑instalação do ADAM.

1)      Decisão recorrida

321    Tendo em conta diferentes elementos que em sua opinião comprovam a importância da pré‑instalação, ou de técnicas similares, para a distribuição dos serviços de pesquisa geral e dos programas de navegação em aparelhos móveis inteligentes, a Comissão considerou que a pré‑instalação suscitava uma «desvio do statu quo» (status quo bias, segundo a expressão utilizada por uma empresa do setor), dado que os utilizadores tinham tendência a utilizar o que lhes é proposto (v. nomeadamente, considerandos 781 e 782 da decisão recorrida), e que permitia assim aumentar significativa e duradouramente a utilização do serviço fornecido (considerandos 779 e 900 da decisão recorrida).

322    Demonstrada a sua existência, a Comissão considerou que essa vantagem não podia ser compensada pelos concorrentes da Google, fosse:

—        por acordos de pré‑instalação com os FEO ou os ORM (considerandos 823 a 834 e 932 a 946 da decisão recorrida);

—        pelo descarregamento de aplicações concorrentes (considerandos 805 a 816 e 917 a 931 da decisão recorrida); ou

—        por acordos com os programadores de programas de navegação concorrentes (considerandos 817 a 822 da decisão recorrida).

2)      Síntese dos argumentos das partes

323    A Google alega que as condições de pré‑instalação do ADAM não eram exclusivas, não criavam um «desvio do statu quo» e, por conseguinte, não excluíam a concorrência. A conclusão contrária assenta essencialmente em elementos de prova cuja pertinência a Google contesta, porque dizem respeito à configuração por defeito, anteriormente evocada na comunicação de acusações, e não à pré‑instalação, finalmente acolhida na decisão recorrida.

324    A este respeito, a Google contesta os seguintes elementos:

—        primeiro, a utilização das suas declarações e das declarações de terceiros (HP, Nokia, Amazon, Mozilla), a análise Yandex e o acordo Microsoft/Verizon;

—        segundo, o estudo FairSearch dos dados fornecidos pela Microsoft, tendo em conta, nomeadamente, os dados da Netmarketshare, e a comparação das suas receitas nos aparelhos Android e iOS;

—        terceiro, a comparação entre as receitas geradas pelo Safari em iOS e as geradas pelo Chrome e a sondagem Opera.

325    A Comissão sustenta que o conjunto de elementos evocado na decisão recorrida não se refere apenas à configuração por defeito ou à colocação privilegiada. Além disso, o facto de essas técnicas criarem um «desvio do statu quo» em nada altera o facto de a pré‑instalação também criar essa tendência. No caso em apreço, a Google baseia‑se numa definição restrita dos termos «por defeito», limitada à parametrização por defeito de um serviço numa determinada aplicação. Ora, como os outros intervenientes do setor, a Google também utiliza estes termos no sentido mais amplo da pré‑instalação ou do «pré‑carregamento» pelos FEO e pelos ORM de aplicações nos seus aparelhos e, portanto, da configuração de um aparelho na fase da fábrica. Inseridos no seu contexto, os elementos criticados têm efetivamente por objeto o « desvio do statu quo» criado pela pré‑instalação.

3)      Apreciação do Tribunal Geral

i)      Observações preliminares

326    Antes de examinar o mérito dos argumentos da Google, há que fazer duas observações preliminares relativas, por um lado, à falta de interesse prático da distinção proposta entre «pré‑instalação» e «configuração por defeito» e, por outro, à importância quantitativa das condições de pré‑instalação.

–       Falta de interesse prático da distinção proposta

327    A Google acusa, em substância, a Comissão de evocar na decisão recorrida um «desvio do statu quo» aplicável às condições de pré‑instalação do ADAM em consideração de elementos de prova que dizem sobretudo respeito à configuração por defeito.

328    Especificamente, a Google critica a falta de distinção ou de ponderação entre o que se enquadra na pré‑instalação e o que é abrangido pela configuração por defeito.

329    Esta abordagem assenta na premissa de que tal distinção ou ponderação é fácil de efetuar. Por conseguinte, é possível e oportuno distinguir os efeitos da pré‑instalação dos efeitos da configuração por defeito na longa lista de referências feitas a estes conceitos nos diferentes documentos mencionados na decisão recorrida.

330    Portanto, antes de mais, verifica‑se que não é fácil proceder a essa diferenciação. Assim, resulta de certos documentos citados na decisão recorrida que a própria Google utiliza, por vezes, a expressão «por defeito», não para designar em sentido estrito a parametrização por defeito de um serviço numa determinada aplicação, mas para se referir mais amplamente à pré‑instalação ou ao «pré‑carregamento» de aplicações na fase da configuração dos aparelhos antes de serem comercializados (v. considerando 787, n.os 2 e 3, da decisão recorrida, que assinalam mensagens de correio eletrónico internas de um responsável da Google). Tal amálgama entre os conceitos de configuração por defeito e de pré‑instalação, que também estão associados a uma terceira técnica utilizada para incentivar os utilizadores a recorrer ao serviço em questão, a saber, a colocação privilegiada, é igualmente feita por outros operadores do setor (v., nomeadamente, considerandos 781 e 782 da decisão recorrida que fazem referência a declarações da HP ou da Nokia).

331    Além disso, como foi exposto na audiência, não é contestado que a pré‑instalação de uma aplicação confere, enquanto tal, uma vantagem em relação às aplicações concorrentes. É seguramente preferível estar disponível no aparelho desde a primeira utilização do que não estar instalado neste. De uma maneira geral, a Google reconhece a este respeito que, como qualquer forma de promoção, a pré‑instalação aumenta a probabilidade de os utilizadores experimentarem a aplicação que a disponibiliza. Por conseguinte, a pré‑instalação dispõe, no mínimo, de um valor promocional para a Google e para os outros intervenientes do setor. Este ponto de vista, exposto na decisão recorrida tendo em consideração passagens da resposta à comunicação de acusações (considerando 780 da decisão recorrida), foi admitido pela Google na audiência.

332    No caso em apreço, também importa salientar que as oportunidades promocionais conferidas pelas condições de pré‑instalação do ADAM incluíam não só disposições relativas à pré‑instalação da aplicação Google Search e do programa de navegação Chrome, mas também disposições relativas à colocação privilegiada ou à configuração por defeito. Como a Google reconheceu na audiência, havia de facto um elemento relativo à colocação nas condições de pré‑instalação. Por conseguinte, não se trata em qualquer hipótese de uma simples pré‑instalação.

333    É neste contexto que há que examinar a abordagem adotada na decisão recorrida. Segundo esta abordagem, a Comissão considera que, tendo em conta efeitos da pré‑instalação, da configuração por defeito ou da colocação privilegiada, ou ainda de uma combinação dessas técnicas (considerandos 779, 781 e 782 da decisão recorrida), as condições de pré‑instalação do ADAM conferem uma vantagem concorrencial (v. considerando 785 da decisão recorrida).

334    Por conseguinte, admitindo que assim seja, os elementos de prova criticados pela Google no âmbito da primeira parte podem ser invocados para demonstrar a existência de uma tendência geral para bloquear a situação, quer digam respeito à configuração por defeito propriamente dita ou à pré‑instalação ou ainda à colocação preferencial. Com efeito, segundo a abordagem adotada na decisão recorrida, o que se pode deduzir em caso de pré‑instalação também é válido mutatis mutandis e a fortiori no caso de configuração por defeito. Do mesmo modo, se apenas é mencionada a configuração por defeito, isso não exclui que se possa produzir um efeito análogo em caso de pré‑instalação, sobretudo se esta última for combinada com a colocação privilegiada ou a configuração por defeito.

335    Consequentemente, não há à partida, para demonstrar a existência de um «desvio do statu quo», que distinguir com precisão, como pretende a Google, os efeitos da configuração por defeito dos efeitos da pré‑instalação, dado que, como sugere a decisão recorrida, estes efeitos são semelhantes num caso e no outro.

–       Importância quantitativa das condições de préinstalação

336    Por outro lado, importa sublinhar que a pré‑instalação da aplicação Google Search e do programa de navegação Chrome, a primeira acompanhada de uma colocação privilegiada e o segundo de uma configuração por defeito da aplicação da Google Search, tem consequências importantes no plano quantitativo.

337    Com efeito, devido às condições de pré‑instalação do ADAM, a aplicação Google Search e o programa de navegação Chrome estavam pré‑instalados num grande número de aparelhos móveis inteligentes. A este respeito, resulta da decisão recorrida que:

—        em 2016, dos 260 milhões de telefones inteligentes vendidos na Europa, 197 milhões, ou seja, 76 %, eram aparelhos Google Android e a Google não contesta a afirmação feita na decisão recorrida de que a aplicação Google Search e o programa de navegação Chrome estavam pré‑instalados na quase totalidade destes aparelhos (considerando 783 da decisão recorrida);

—        do mesmo modo, em 2016, dos 1,65 mil milhões de aparelhos móveis inteligentes vendidos em todo o mundo, 1,33 mil milhões, ou seja, 81 %, eram aparelhos Google Android, dos quais 918 milhões, ou seja, 56 %, a saber, a quase totalidade de aparelhos Google Android vendidos fora da China, tinham a aplicação Google Search e o programa de navegação Chrome pré‑instalados (considerandos 784 e 901 da decisão recorrida).

338    A título de comparação, o Bing só estava definido como serviço de pesquisa geral por defeito em 21 milhões de aparelhos móveis inteligentes vendidos em todo o mundo em 2016 e a Samsung só tinha pré‑instalado o seu programa de navegação Samsung Internet, que, de resto, estava pré‑programado para a Google Search, em 336 milhões destes aparelhos (considerandos 784 e 901 da decisão recorrida).

339    É neste contexto que há que examinar os argumentos da Google que têm por objeto, primeiro, ceras declarações e informações constantes da decisão recorrida, segundo, certas comparações aí efetuadas e, terceiro, mais especificamente, certos elementos relativos ao Chrome.

ii)    Quanto a certas declarações e informações constantes da decisão recorrida

340    Em primeiro lugar, a Google alega que alguns elementos de prova citados na decisão recorrida dizem respeito à configuração por defeito e não à pré‑instalação (elementos relativos a si própria, à HP, à Nokia, à Amazon e ao Mozilla), não distinguem a pré‑instalação da configuração por defeito (análise da Yandex), ou ilustram a confusão feita pela Comissão entre as vantagens da configuração por defeito e as da pré‑instalação («acordo de pré‑instalação» entre a Microsoft e a Verizon). Ora, um serviço definido por defeito é iniciado sem que o utilizador tenha de optar, ao passo que uma aplicação pré‑instalada não definida por defeito deve ser escolhida pelo utilizador. Consequentemente, a pré‑instalação não exclusiva de uma aplicação não definida por defeito, prevista pelo ADAM, não pode ser considerada semelhante à configuração por defeito.

–       Elementos de prova apresentados pela Google

341    Quanto aos argumentos relativos aos elementos de prova apresentados pela Google, há que salientar o seguinte no que respeita ao primeiro pacote.

342    Primeiro, numa mensagem de correio eletrónico interna de 14 de novembro de 2008, um quadro da Google indica estar preocupado com «[o serviço de pesquisa geral da Google], por causa das implicações em termos de receitas que resultam do facto de não ser pré‑carregado (sendo a hipótese subjacente que a superioridade [desse serviço] acarreta mais pesquisas, especialmente através da voz)» e pergunta o seguinte (considerando 787, n.o 1, da decisão recorrida):

«Como se pode resolver este problema? Poder‑se‑á, pelo menos, exigir que [esse serviço] seja pré‑carregado em Android (ou em todas as plataformas) como condição necessária para qualquer contrato SMG?»

343    Segundo, numa mensagem de correio eletrónico interna de 1 de novembro de 2010, outro quadro da Google indica o seguinte (considerando 787, n.o 2, da decisão recorrida):

«O pré‑carregamento continua a ser precioso para os utilizadores e, por conseguinte, para os FEO, apesar da separação total [isto é, o facto de as aplicações Google estarem não só pré‑instaladas mas também disponíveis para descarregamento na Play Store], uma vez que a maior parte dos utilizadores só utilizam o que é fornecido com o aparelho. As pessoas raramente alteram os defeitos [no sentido de configurações por defeito].»

344    Terceiro, numa mensagem de correio eletrónico interna de 26 de abril de 2011, o mesmo quadro da Google indica o seguinte (considerando 787, n.o 3, da decisão recorrida):

«Temos verdadeiramente necessidade de condições de exclusividade? A versão atual [não aplicável aos Estados Unidos] dessas condições dá aproximadamente o mesmo resultado. O FEO pré‑instala [as configurações por defeito] nos termos do ADAM + incentivo para os operadores sob a forma de uma partilha de receitas sem duplicação + objetivos de quantidade [acordos de pesquisa] = muitos obstáculos para um operador que procura alterar os parâmetros por defeito. Precisariam de mais dinheiro para o outro motor de pesquisa e persuadir o OEM para nos pedir (e obter) uma derrogação ao seu ADAM para autorizar a pré‑instalação de outro serviço de pesquisa com pré‑instalação de outro SMG, [ou] vender aparelhos sem nenhum SMG instalado [requisitos do ADAM]. Na prática, expedir sem qualquer SMG não chega, salvo em casos‑limite, como (anteriormente) a America Movil. Todos os mercados desenvolvidos têm utilizadores que esperam e pedem o SMG.»

345    Quarto, na resposta à comunicação de acusações, a Google afirma, com referência a um relatório do Professor Carl Shapiro da Universidade da Califórnia, em Berkeley (Estados Unidos), de 5 de novembro de 2016, que lhe está anexado que «[p]ré‑recarregar [Google Search e Google Chrome] e colocar o Search no ecrã inicial é incontestavelmente valioso para [essa empresa]» (considerando 788 da decisão recorrida).

346    Por outro lado, em relação ao pacote Chrome‑Play Store e Google Search, a decisão recorrida menciona uma mensagem de correio eletrónico interna da Google, de abril de 2012, na qual um quadro desta empresa salienta o interesse para a Google em «tornar o Chrome obrigatório», no sentido de que deve estar disponível nos aparelhos distribuídos pelos FEO (considerando 904 da decisão recorrida).

347    Estes documentos são apresentados pela Comissão em apoio da sua afirmação de que a pré‑instalação é importante para a Google. A Google alega, a este respeito, que, sem contestar a importância da pré‑instalação de uma aplicação enquanto tal, esses documentos, nomeadamente o segundo e o terceiro, que são documentos internos relativos ao período da infração, dizem respeito à configuração por defeito e não à pré‑instalação.

348    Quanto a este ponto, como alega a Comissão, há que salientar que a terminologia utilizada pela Google é imprecisa. Com efeito, é feita referência ao «pré‑carregamento» ou a «por defeito». É certo que estas menções podem, a priori, ser consideradas referências a «configurações por defeito», mas, reportadas ao conteúdo do ADAM, que apenas previa a pré‑instalação e a colocação privilegiada, não há dúvida de que essas menções não preveem a configuração por defeito no sentido estrito evocado pela Google.

349    Consequentemente, tendo em conta o contexto contratual em que esses documentos se inscrevem, a saber, o das condições de pré‑instalação definidas pelo ADAM, há que rejeitar os argumentos da Google sobre a necessidade de distinguir entre pré‑instalação e configuração por defeito e admitir que argumentos apresentados no contexto de um destes dois conceitos também podem ser válidos no contexto do outro.

–       Elementos de prova apresentados por empresas terceiras

350    Quanto aos argumentos relativos aos elementos de prova apresentados por empresas terceiras, há que salientar o seguinte no que respeita ao pacote Google Search‑Play Store.

351    Primeiro, a decisão recorrida cita uma declaração da HP (considerando 781). Com efeito, na sua resposta a um pedido de informações, de 12 de junho de 2013, endereçado aos FEO, a HP indicou, em resposta à questão 55 sobre «a importância comercial da colocação privilegiada e das configurações por defeito para a distribuição de serviços móveis e das aplicações em aparelhos móveis inteligentes», o seguinte:

«[A] colocação privilegiada e as configurações por defeito dão às aplicações e aos serviços colocados nessas posições a vantagem de serem as primeiras coisas que os utilizadores vêm quando começam a interagir com os seus aparelhos. Os utilizadores são mais suscetíveis de experimentar essas aplicações ou serviços devido à sua grande visibilidade e, depois de as terem utilizado, continuarão geralmente a fazê‑lo. É um meio fácil de obter novos utilizadores e de assegurar uma adesão quase automática a uma aplicação ou a um serviço.»

352    Antes de mais, é certo que, como a Google salienta, esta declaração não se refere à pré‑instalação propriamente dita. Com efeito, a pré‑instalação estava prevista nas questões 50 a 54 da secção relativa à «pré‑instalação de serviços móveis e de aplicações» (v., nomeadamente, questão 54: «A pré‑instalação de uma aplicação móvel específica influencia a forma como os utilizadores utilizam serviços e aplicações móveis concorrentes?»). A questão 55 inicia, por sua vez, a secção sobre a « colocação privilegiada e as configurações por defeito para os serviços móveis e as aplicações».

353    No entanto, como ilustram as diferentes capturas de ecrã de um aparelho Google Android comunicadas pela HP na sua resposta à questão 55, a colocação privilegiada permite efetivamente aos utilizadores deste aparelho ver os serviços da Google de maneira proeminente. Há também que salientar que, a par dessas capturas de ecrã, a HP refere, para identificar as aplicações visadas pela colocação privilegiada, que estas são «pré‑instaladas».

354    Por outro lado, verifica‑se também, como resulta dos esclarecimentos dados sobre esta questão em resposta às medidas de organização do processo, que a resposta da HP à questão 54 não é suscetível de pôr em causa o conteúdo da resposta à questão 55 que foi tida em conta pela Comissão na decisão recorrida.

355    Em seguida, também se afigura, vistas as respostas às medidas de organização do processo, que a resposta dada à questão 55, relativa à importância comercial da colocação privilegiada e das configurações por defeito, é corroborada por oito das outras doze respostas dadas pelos FEO destinatários do pedido de informações.

356    Resulta dessas respostas que há um certo consenso entre os FEO para considerar que a colocação privilegiada ou a configuração por defeito, ou uma combinação destas técnicas, facilita a utilização das aplicações que delas beneficiam. É neste contexto que deve ser tida em conta a declaração da HP citada no considerando 781 da decisão recorrida.

357    Por último, quanto ao conteúdo das outras respostas dadas pelos FEO destinatários do pedido de informações à questão 54 sobre a pré‑instalação, cujo conteúdo foi comunicado ao Tribunal Geral pela Comissão, não se pode daí deduzir o mesmo consenso que o que resulta das respostas dadas sobre a colocação privilegiada ou a configuração por defeito.

358    Com efeito, quanto aos nove FEO que se pronunciaram expressamente a este respeito, cinco alegam que a pré‑instalação não é suscetível de influenciar a maneira como os utilizadores utilizam os serviços e as aplicações móveis. Um FEO limita‑se, a este respeito, a responder negativamente à questão colocada, ao passo que outros quatro invocam as oportunidades oferecidas pelo descarregamento. Deve observar‑se, como alega a Google, que este último ponto de vista é também o da Gigaset e da HMD, dois outros FEO. Os outros quatro FEO que apresentaram respostas à questão 54 reconhecem, por seu turno, a influência suscetível de ser desempenhada pela pré‑instalação, observando embora em relação a dois deles que essa influência pode ser compensada pelas oportunidades oferecidas pelo descarregamento.

359    Todavia, contrariamente ao que alega a Google, esta falta de consenso entre os FEO quanto ao papel da pré‑instalação no comportamento dos utilizadores não basta pôr em causa a afirmação feita pela Comissão no considerando 781 da decisão recorrida. Com efeito, ao afirmar que «a razão pela qual a pré‑instalação, como a configuração por defeito ou a colocação privilegiada, pode aumentar significativamente e de maneira duradoura a utilização de um serviço prestado por uma aplicação, reside no facto de os utilizadores que encontram aplicações pré‑instaladas e visíveis nos seus aparelhos móveis inteligentes serem suscetíveis se limitarem a essas aplicações», a Comissão tem em conta a declaração da HP, mas também de outros elementos de prova citados na decisão recorrida.

360    Estes elementos que corroboram essa afirmação, especialmente no que respeita à aplicação Google Search e, por analogia e consequentemente, ao programa de navegação Chrome, provêm tanto de alguns FEO, entre os quais a Nokia, como de outros operadores, entre os quais a Google, quer se trate, designadamente, de programadores de aplicações ou de sistemas operativos (Amazon, Yandex), de um ORM (Hutchinson 3G) ou de fornecedores de serviços de pesquisa (Yahoo, Qwant, Microsoft).

361    Do mesmo modo, a afirmação feita pela Comissão no n.o 781 da decisão recorrida deve ser analisada no seu contexto, isto é, tanto em consideração do facto de a pré‑instalação da aplicação Google Search e do programa de navegação Chrome não ser uma simples pré‑instalação, mas uma pré‑instalação acompanhada de uma colocação privilegiada ou de uma configuração por defeito de um motor de pesquisa, e de um número muito significativo de aparelhos Google Android ser abrangido pela pré‑instalação (v. n.o 337 supra), como do facto de o descarregamento de aplicações concorrentes permanecer muito fraco na prática (v. n.os 549 e 550 supra).

362    Além disso, há que salientar que a intervenção do BEUC no presente processo, que pode ser considerada representativa do ponto de vista dos utilizadores dos serviços de pesquisa geral, permite matizar as observações feitas a este respeito pela ADA, em nome dos programadores e pela CCIA em nome dos operadores do setor. Com efeito, as explicações prestadas a este respeito pelo BEUC permitem sustentar e corroborar a ideia de que, do ponto de vista dos utilizadores, a pré‑instalação da aplicação Google Search e do programa de navegação Chrome em quase todos os aparelhos Google Android comercializados no EEE tende a bloquear a situação no que respeita à utilização do serviço de pesquisa geral da Google Search que lhes está associado.

363    Resulta do que precede que as objeções apresentadas pela Google em relação à declaração da HP e ao «desvio do statu quo» que pode estar ligado à pré‑instalação, nos mesmos termos que a configuração por defeito ou a colocação privilegiada, com os quais pode ser combinada, não podem suscitar uma dúvida de que a Google poderia beneficiar. Com efeito, embora essas objeções pareçam a priori pertinentes quando são examinadas fora do contexto, isso não pode bastar para pôr em causa a conclusão acima referida quando se tem em conta o contexto e os dados evocados a este respeito na decisão recorrida cujo conteúdo foi recordado supra.

364    Segundo, a decisão recorrida cita uma declaração da Nokia (considerando 782 da decisão recorrida). Com efeito, na sua resposta a um pedido de informações de 29 de junho de 2015, dirigido aos programadores de aplicações, a Nokia indicou, nomeadamente, à pergunta 17 relativa à «pré‑instalação de aplicações», que pedia para calcular, em relação a três aplicações populares, a receita média adicional obtida por aparelho quando essa aplicação era pré‑instalada no ecrã frontal ou pré‑instalada com um deslizamento do dedo no ecrã frontal, relativamente à receita média obtida sem essa pré‑instalação que «[quando] um produto [era] pré‑carregado por defeito, os consumidores [tinham] tendência a limitarem‑se a esse produto em detrimento de produtos concorrentes e isso mesmo que o produto por defeito [fosse] inferior aos produtos concorrentes». A Nokia esclareceu, a este propósito, que a sua resposta dizia respeito ao «impacto das aplicações pré‑instaladas em geral».

365    As recorrentes referem‑se a outra passagem da resposta da Nokia a esta pergunta, na qual esta empresa indicou que, «no que respeita[va] ao impacto das aplicações pré‑instaladas em geral, [era] claro que a pertinência da configuração por defeito em aparelhos móveis [era] significativa», para alegar que essa resposta confunde os efeitos da pré‑instalação com os efeitos da configuração por defeito.

366    Da leitura de toda a resposta da Nokia afigura‑se que esta considera diferentes opções, a saber, a da configuração por defeito quando se faz referência à Apple Maps e a da pré‑instalação quando o termo «pré‑descarregado» é utilizado com referência à Google Search ou ao YouTube. Por conseguinte, é no contexto das diferentes soluções técnicas escolhidas para as aplicações evocadas, que podem ser configuradas por defeito, pré‑instaladas ou ser objeto de uma colocação privilegiada, que há que ter em conta esta declaração.

367    A declaração da Nokia é corroborada por uma declaração da Yandex (considerando 782 e nota de pé de página n.o 834 da decisão recorrida). Com efeito, na sua resposta a um pedido de informações de 12 de junho de 2013, dirigido aos programadores de aplicações, a Yandex indicou, em resposta à questão 35.1, que os «níveis de descarregamento de aplicações móveis que concorr[iam] com as aplicações móveis pré‑instaladas [tinham] tendência para ser baixos se os serviços pré‑instalados [fossem] de qualidade comparável ou mesmo substancialmente piores».

368    Terceiro, a decisão recorrida cita outra declaração da Nokia (considerando 789, n.o 1). Com efeito, na sua resposta a um pedido de informações de 12 de junho de 2013, dirigido aos FEO, a Nokia indicou, nomeadamente, em resposta à questão 17.2 relativa à importância, enquanto critérios de compra para os utilizadores, da disponibilidade e da pré‑instalação dos serviços móveis individuais nos seus aparelhos, que «[o] pré‑descarregamento de aplicações (por oposição à colocação à disposição de aplicações para descarregar) desempenha[va] um papel essencial para os programadores, uma vez que o facto de ser bem visível no ecrã inicial de um smartphone ou na proximidade do ecrã inicial aumenta[va] inevitavelmente a probabilidade de os consumidores testarem a aplicação».

369    As recorrentes evocam outras passagens dessa resposta, nas quais a Nokia também indicava que «os utilizadores se [tinham habituado] a procurar nas plataformas de distribuição de aplicações para descarregar as aplicações que pretend[iam] utilizar», que «[isso tinha diminuído] a importância do pré‑descarregamento» e que «a maior parte dos consumidores pressu[punham] que os aparelhos inteligentes [estavam] dotados de funcionalidades de navegação completas e que pod[iam] facilmente efetuar pesquisas na Internet com o seu aparelho inteligente». Essas passagens contradizem a afirmação de que a pré‑instalação de uma aplicação de pesquisa geral criava um «desvio do statu quo».

370    No entanto, embora seja efetivamente necessário ter em conta as passagens citadas pelas recorrentes, que se interessam mais pela situação dos utilizadores do que pela passagem citada na decisão recorrida que diz respeito aos programadores de aplicações, outras passagens da resposta da Nokia devem também ser tidas em conta. Com efeito, esta empresa indicou igualmente, por um lado, que «a própria Google [estava] disposta a pagar quantias consideráveis aos seus parceiros de distribuição para a integração das suas próprias aplicações num lugar de primeiro plano nos aparelhos» e esclareceu, por outro, noutras partes da sua resposta, que considerava que a pré‑instalação era suscetível de influenciar a opção dos consumidores e a utilização das aplicações.

371    Consequentemente, vistas globalmente, a resposta dada pela Nokia ao pedido de informações da Comissão e as soluções técnicas para as quais esta resposta remete não permitem deduzir que a pré‑instalação de uma aplicação de pesquisa dedicada não cria um «desvio do statu quo».

372    Quarto, a decisão recorrida cita duas declarações da Amazon (considerando 789. n.o 2). Com efeito, na sua resposta a um pedido de informações de 29 de junho de 2015, dirigido aos programadores de aplicações, a Amazon indicou, em resposta à questão 17, relativa à importância, enquanto critérios de compra para os utilizadores, da disponibilidade e da pré‑instalação dos serviços móveis individuais nos seus aparelhos, que «ter uma aplicação pré‑instalada num aparelho melhor[ava] a descoberta desta aplicação pelos utilizadores finais». Do mesmo modo, na sua resposta a um pedido de informações de 12 de junho de 2013 dirigido aos programadores de sistemas operativos, a Amazon indicou, em resposta à questão 35, relativa à influência que a pré‑instalação de uma aplicação móvel específica podia ter na utilização de aplicações concorrentes, que «a colocação privilegiada das aplicações pré‑instaladas [tinha] um impacto significativo na sua utilização» e que «[a] presença de aplicações móveis pré‑instaladas limita[va], em numerosos casos, a vontade dos utilizadores de experimentar aplicações móveis concorrentes».

373    As recorrentes citam uma terceira declaração da Amazon, feita na sua resposta a um pedido de informações de 12 de junho de 2013, dirigido aos programadores de aplicações, na qual esta empresa indicou, em resposta à questão do ponto 35.1, relativa à questão de saber em que medida os utilizadores descarregavam aplicações móveis que faziam concorrência às aplicações pré‑instaladas em aparelhos móveis inteligentes, que dispunham apenas de informações sobre os descarregamentos das aplicações pré‑instaladas em relação às que tinham uma colocação privilegiada ou que eram objeto de configurações por defeito. As ilustrações apresentadas pela Amazon a este propósito diziam respeito aos serviços de cartografia definidos por defeito.

374    Também aqui, o exame das diferentes declarações evocadas pelas partes principais, uma vez colocadas no seu contexto, não põem em causa a utilização que delas é feita na decisão recorrida. Os excertos citados pela Comissão podem ser invocados para sustentar que a pré‑instalação de uma aplicação, combinada ou não com uma colocação privilegiada, tende a bloquear a situação. Os excertos citados pela Google não contradizem as observações que precedem.

375    Quinto, a decisão recorrida cita uma declaração da Hutchison 3G (considerando 789, n.o3). Com efeito, a sua resposta a um pedido de informações de 12 de junho de 2013, endereçado aos ORM, a Hutchison 3G indicou, em resposta à questão 51 o seguinte:

«É muito vantajoso ter uma aplicação pré‑carregada por oposição a um bootstrap ou até uma recomendação marketing para utilizar a aplicação. Como para qualquer serviço, se estiver à mão, a probabilidade de a utilizar é maior».

376    As recorrentes criticam esta declaração pelo facto de essa sociedade reconhecer que não desenvolve aplicações (resposta ao pedido de informações de 13 de agosto de 2013).

377    No entanto, o facto de a Hutchinson 3G indicar que não desenvolve aplicações não obsta a que possa ter uma opinião sobre a utilidade da pré‑instalação, atendendo, nomeadamente, à sua experiência, enquanto ORM, do comportamento dos utilizadores A declaração reproduzida na decisão recorrida continua a ser pertinente para apreciar os efeitos da pré‑instalação do ponto de vista do operador em causa.

378    Sexto, a decisão recorrida cita uma declaração da Yandex (considerando 789, n.o 4). Com efeito, na sua resposta a um pedido de informações de 12 de junho de 2013, dirigido aos programadores de aplicações, a Yandex indicou, em resposta à questão 25.5, o seguinte:

«[O] canal de distribuição mais eficaz é a pré‑instalação pelos FEO. Os FEO pré‑instalam principalmente os serviços suscetíveis de gerar receitas adicionais para si próprios; a este propósito, o serviço que gera mais receitas é o nosso serviço móvel de pesquisa e os serviços associados. Por conseguinte, a maior parte das nossas discussões com os FEO dizem respeito principalmente à pré‑instalação do Yandex Search.»

379    Esta declaração não é contestada pela Google. Pode ser invocada pela Comissão para sustentar que a pré‑instalação de uma aplicação tende a bloquear a situação.

380    Em relação ao pacote Chrome‑Play Store e Google Search, a decisão recorrida cita nomeadamente uma declaração da Mozilla (considerando 905, n.o 1). Com efeito, na sua resposta a um pedido de informações de 12 de junho de 2013, dirigido aos programadores de aplicações, a Mozilla indicou, em resposta à questão 39 sobre a colocação privilegiada e as configurações por defeito em aparelhos móveis inteligentes, que «a configuração por defeito continua[va] a ser a influência mais poderosa para efeitos da utilização das aplicações» e que a colocação privilegiada se encontrava, «[n]a hierarquia da importância comercial[,] entre a configuração por defeito e a pré‑instalação», sendo a configuração por defeito superior (v. resposta ao pedido de informações de 22 de março de 2016).

381    Segundo as recorrentes, esta declaração punha a ênfase na configuração por defeito. Resulta, todavia, desta declaração que evoca também a pré‑instalação de uma aplicação, da qual também se constatou que «aumenta a adoção por um utilizador», ainda que sob uma forma menos acentuada do que em caso de configuração por defeito. Tomada esta distinção em conta, a declaração da Mozilla continua a ser pertinente.

382    As outras declarações evocadas na decisão recorrida para demonstrar a importância da pré‑instalação enquanto canal de distribuição não são contestadas pela Google.

383    Em conclusão, resulta do que precede que os diferentes elementos apresentados na decisão recorrida permitem efetivamente à Comissão, quando tomados no seu conjunto, considerar que, do ponto de vista dos intervenientes no mercado, a pré‑instalação das aplicações Google Search e Chrome nas condições previstas pelo ADAM permite «bloquear a situação» e dissuadir os utilizadores de recorrerem a uma aplicação concorrente.

384    O exame das intervenções sobre este ponto corrobora tal conclusão. Assim, o BEUC, a FairSearch, a Seznam e a Qwant, que intervêm em apoio da Comissão, confirmam que, do seu ponto de vista, o «desvio do statu quo» ligado à pré‑instalação pode ser equiparado ao ocasionado pela configuração por defeito. Por seu lado, a ADA, a CCIA, a HMD, a Gigaset e a Opera, que intervêm em apoio da Google, não contestam enquanto tal a existência de um «desvio do statu quo» ligado à pré‑instalação, mas sublinham as oportunidades oferecidas pelo descarregamento para remediar a situação.

–       Análise da Yandex

385    A decisão recorrida evoca a análise da Yandex, que diz respeito às quotas de mercado desse motor de pesquisa na Rússia, em maio de 2015, para indicar que, quando o «search widget» era pré‑instalado no ecrã inicial e esse motor de pesquisa era definido por defeito no programa de navegação Web móbil pré‑instalado, a quota de mercado da Yandex em aparelhos Android era «três vezes mais elevada» do que a sua quota de mercado na falta de pré‑instalação (considerando 789, n.o 5, quadro 18, e considerando 798, n.o 4 da decisão recorrida).

386    A Google critica esta apreciação por não distinguir a pré‑instalação da configuração por defeito, uma vez que o motor de pesquisa da Yandex está «definido por defeito no programa de navegação Web móvel pré‑instalado» e que os efeitos da pré‑instalação dependem dessa configuração por defeito (v. Econometric Data Report). Esta análise comporta igualmente diversos erros metodológicos.

387    No entanto, como alega a Comissão, tal distinção não é exigida para apreciar o alcance da apreciação exposta na decisão recorrida. Com efeito, esta limita‑se a constatar, tendo em atenção diferentes cenários examinados pela análise da Yandex, que, em caso de pré‑instalação e de configuração por defeito (colunas 4 e 5 do quadro 18), a quota de mercado desse motor de pesquisa é «três vezes mais elevada» do que a quota de mercado assinalada na falta de pré‑instalação (coluna 1 do referido quadro). Os dados reproduzidos nesse quadro também permitem concluir que a quota de mercado da Yandex é mais elevada quando o seu motor de pesquisa é pré‑instalado sob a forma de um «widget» de pesquisa no segundo ecrã (coluna 3 do referido quadro) do que numa situação em que não há pré‑instalação.

388    Por conseguinte, a análise da Yandex e os seus resultados reproduzidos na tabela 18 da decisão recorrida podem ser invocados para sustentar que a pré‑instalação de uma aplicação, combinada ou não com a configuração por defeito ou com a colocação privilegiada, permite obter melhores resultados.

389    O facto de a análise da Yandex apenas dizer respeito a uma empresa e a um mês ou de apresentar o que a Google considera serem erros de metodologia não a priva de pertinência, na medida em que essa análise é apenas invocada pela Comissão para confirmar outros elementos de prova relativos à importância da pré‑instalação enquanto canal de distribuição e ao «desvio do statu quo» que acarreta.

390    Por outro lado, há que salientar quanto a este ponto que as declarações da Yahoo e da Qwant, que indicam, em substância, que a pré‑instalação é suscetível de melhorar os resultados dos serviços de pesquisa de que são objeto (considerando 789, n.o 6, e considerando 789, n.o 7, da decisão recorrida), não são contestados pela Google.

–       Acordo entre a Microsoft e a Verizon

391    A decisão recorrida evoca igualmente um acordo entre a Microsoft e a Verizon, de 2008, nos termos do qual o serviço de pesquisa geral da Microsoft, Bing, era pré‑instalado em 2010 e 2011 a par do Google Search em seis modelos de aparelhos Google Android, representando o tráfego gerado por este acordo entre 15 e 25 % do volume total dos pedidos de pesquisa geral efetuados no Bing nos Estados Unidos durante esse período. A quota de mercado do Bing nos Estados Unidos durante esse período terá aumentado de quase 0 para 1,5 % (considerando 789, n.o 8, e considerando 798, n.o 3, da decisão recorrida).

392    A Google alega que estas conclusões ilustram a confusão entre as vantagens da configuração por defeito e as da pré‑instalação. Com efeito, em sua opinião, a Microsoft explicou que esse acordo lhe permitia obter «a configuração da pesquisa por defeito para o Bing», uma vez que os aparelhos móveis eram «fornecidos com o Bing [configurado] por defeito em todas os pontos de entrada». Aliás, a argumentação evocada não é «significativa» nem «duradoura» e não pode ser imputado à pré‑instalação, mas apenas à configuração por defeito.

393    O exame da resposta da Microsoft à questão 10.1 do pedido de informações de 20 de novembro de 2015 dirigido aos fornecedores de serviços de pesquisa geral permite efetivamente constatar que, nos seis aparelhos aí mencionados, um tinha o Bing por defeito em todas os pontos de entrada e os outros cinco também tinham, além do Bing definido por defeito, a aplicação Google Voice Search com um ícone no ecrã inicial. Assim, é com razão que a Google alega que os resultados obtidos pela Microsoft decorrentes desse acordo com a Verizon se explicam pela configuração por defeito e não pela pré‑instalação em aparelhos Google Android.

394    No entanto, embora não possa ser invocado para sustentar a importância da pré‑instalação, esse acordo não põe apesar disso em causa o interesse dessa pré‑instalação, pelas razões evocadas pela Comissão na decisão recorrida em consideração dos diferentes elementos de prova examinados supra.

iii) Quanto a algumas comparações feitas na decisão recorrida

395    Em segundo lugar, a Google critica algumas comparações feitas na decisão recorrida.

–       Estudo FairSearch

396    Primeiro, a decisão recorrida refere o estudo realizado para a FairSearch, em 2017, pelo Professor Marco Iansiti da Universidade de Harvard (Estados Unidos, a seguir «estudo FairSearch»), para concluir que a utilização de cada aplicação do pacote SMG, entre as quais a aplicação Google Search, é significativamente mais importante nos aparelhos Google Android, onde são pré‑instaladas, do que nos aparelhos iOS, onde os utilizadores têm de descarregar essas aplicações. Esta constatação é feita tendo em consideração os dados fornecidos pela Microsoft a propósito da utilização mensal dessas aplicações no Reino Unido em fevereiro de 2016. Assim, 17 % dos utilizadores de um aparelho iOS recorreram à aplicação descarregada Google Search, enquanto 76 % dos utilizadores de um aparelho Android recorreram à aplicação pré‑instalada Google Search (considerandos 791 e 792, quadro 10 e gráfico 19, e considerando 799, n.o 1, da decisão recorrida).

397    A Google considera que as comparações efetuadas no estudo FairSearch contradizem a alegação de um «desvio do statu quo», porque mostram que as suas quotas seriam semelhantes para a utilização das funções de pesquisa, em Android, onde se aplica o ADAM, e em iOS, onde não se aplica o ADAM. Para fundamentar essa alegação, a Google refere‑se, de facto, a outros dados além dos utilizados no estudo FairSearch. Especificamente, a Google sublinha que o estudo da FairSearch apenas tem por objeto a utilização da aplicação Google Search, e não a utilização do serviço Google Search no seu conjunto, que, constitui, porém, em sua opinião, o mercado relevante segundo a decisão recorrida (considerando 323), ou as pesquisas efetuadas por intermédio do programa de navegação. Ora, uma vez que o acesso por intermédio do programa de navegação é tido em conta, o «alcance» da Google Search sobre o Android e o iOS não é sensivelmente diferente (v. considerando 515, n.o 3, e nota de pé de página n.o 857 da decisão recorrida). Por conseguinte, neste contexto global, uma comparação da utilização em Android e em iOS não corrobora um «desvio do statu quo» proveniente da pré‑instalação, mas sublinha a importância do acesso à Internet através de um programa de navegação.

398    No entanto, contrariamente ao que alega a Google, a constatação efetuada pela Comissão na decisão recorrida em consideração dos resultados do estudo FairSearch mantém a sua pertinência no âmbito do exame do primeiro pacote. Com efeito, este estudo tem apenas em conta pedidos efetuados através da aplicação Google Search e não os efetuados por intermédio de outros pontos de entrada de pesquisa como os navegadores Web móveis (considerando 799, n.o 1, da decisão recorrida), que se enquadram na apreciação feita no âmbito do segundo pacote.

399    Por outro lado, como alega a Comissão, se a utilização do Google Search — e não da aplicação Google Search — se afigura ser semelhante nos aparelhos Android e iOS, isso explica‑se pelo facto de, mesmo se a Apple não pré‑instala uma aplicação de pesquisa geral nos aparelhos iOS, define a Google Search como um serviço de pesquisa geral por defeito no Safari (v., nomeadamente considerando 799, n.o 2, da decisão recorrida).

400    Consequentemente, tendo em conta as especificidades já referidas, não há que considerar que o exame das comparações efetuadas no estudo FairSearch contradiga a utilização que dele é feita na decisão recorrida quanto à existência de um «desvio do statu quo».

–       Dados apresentados pela Microsoft e dados Netmarketshare

401    Segundo, a decisão recorrida refere‑se aos dados fornecidos pela Microsoft, em resposta à questão 13 de um pedido de informações de 10 de abril de 2017, que comparam os pedidos de pesquisa geral efetuados nos aparelhos Google Android, onde a Google Search é pré‑instalada, e nos aparelhos Windows Mobile, onde o Bing é definido por defeito, em França, na Alemanha, na Itália, em Espanha e no Reino Unido entre 2014 e 2017. Segundo esses dados, a Google Search representa entre [10‑20] % e [40‑50] % dos pedidos de pesquisa geral nos aparelhos Windows Mobile e [90‑100] % dos pedidos de pesquisa geral nos aparelhos Google Android (v. considerando 793 e quadro 11 da decisão recorrida).

402    A Google alega que a falta de distinção entre os efeitos da configuração por defeito e da pré‑instalação, respetivamente, compromete a pertinência desses dados, uma vez que o Google Search não era pré‑instalada nos aparelhos Windows Mobile, onde o Bing é «definido como serviço de pesquisa geral por defeito» (v. considerandos 793 e 840 da decisão recorrida) e que essa configuração por defeito não pode em geral ser alterada, contrariamente aos parâmetros de pesquisa por defeito nos aparelhos Android. Por conseguinte, a configuração por defeito pode representar uma parte considerável ou a totalidade da diferença evocada na decisão recorrida. É sobretudo a preferência dos utilizadores pelo Google Search que explica o reduzido número de descarregamentos das aplicações de pesquisa geral concorrentes (cerca de 95 % dos utilizadores no Reino Unido, em França, e na Alemanha preferem a Google segundo dados apresentados pela Google no fim de 2016). Comparativamente, segundo a Google, os dados do Netmarketshare mostram que a diferença percentual de pedidos de pesquisas da Google, entre os aparelhos Android e Windows Mobile, é inferior, com uma diferença real equivalente apenas a 1 % (v. Data On Operating System Market Share: Mobile OS, Europa, 2015). A decisão recorrida deplora o facto de a Google não ter fornecido os dados quantitativos subjacentes a essas estatísticas (considerando 799, n.o 3), mas a Comissão pôde obtê‑los a pedido.

403    No entanto, mesmo admitindo que uma parte da diferença entre as percentagens de pedidos de pesquisa nos aparelhos Android e Windows Mobile possa ser «atribuída à configuração por defeito no programa de navegação pré‑instalado» e não à pré‑instalação, os dados fornecidos pela Microsoft continuam a ser pertinentes. Com efeito, esses dados limitam‑se a traduzir as diferenças que existem entre os aparelhos equipados com o SO Android, com o pacote SMG e os equipados com o SO Windows Mobile: os primeiros dispõem da aplicação de serviços de pesquisa Google Search pré‑instalada e os segundos do serviço de pesquisa Bing regulado por defeito.

404    Quanto aos dados Netmarketshare, fornecidos pela Google e evocados para mostrar que a diferença entre as suas percentagens de pedidos de pesquisa em aparelhos Android e Windows Mobile, é reduzida e equivalente a 1 %, importa antes de mais salientar que se mantêm sucintos. São apresentados sob a forma de um gráfico e de um quadro sem explicações. Especificamente, como salienta a Comissão no considerando 799, n.o3 da decisão recorrida, na falta de informações sobre os dados tidos em conta para saber quais são os aparelhos que foram tidos em consideração para apreciar as percentagens de pedidos de pesquisas em aparelhos equipados com o SO Windows Mobile, é difícil apreciar o alcance real dos dados mencionados na coluna «Windows Phone». Do mesmo modo, como também refere a Comissão no considerando 799, n.o 3, da decisão recorrida, os dados Netmarketshare são desmentidos por outros dados fornecidos pela Microsoft e pela Google durante o procedimento administrativo, que corroboram a afirmação feita na decisão recorrida de que a percentagem da Google nas pesquisas gerais efetuadas nos aparelhos Android, onde a aplicação Google Search é pré‑instalada, é mais importante do que nos aparelhos Windows Mobile, onde essa aplicação não é pré‑instalada.

–       Comparação das receitas da Google provenientes de aparelhos Android e iOS

405    Terceiro, a decisão recorrida refere uma comparação das receitas mundiais da Google provenientes dos aparelhos Android e dos aparelhos iOS (considerando 794 e quadro 12) relativamente aos anos de 2014 a 2016, realizada com dados fornecidos pela Google, da qual resulta que esta obtém receitas significativamente mais elevadas com a utilização da sua aplicação de pesquisa geral Google Search em Android do que em iOS (+71 % em 2014, +134 % em 2015 e +193 % em 2016), ao passo que as receitas totais obtidas pela pesquisa estavam a um nível semelhante entre o Android e o iOS (+3 % em 2014, +22 % em 2015 e +28 % em 2016).

406    A Google sustenta que a não tomada em consideração dos pedidos de pesquisa efetuados num programa de navegação prejudica esta comparação. Se esses pedidos fossem tidos em conta, o quadro 12 da decisão recorrida mostraria então que as receitas totais de pesquisa da Google provenientes de pedidos efetuados sobre o iOS eram superiores aos provenientes do Android, embora a aplicação Google Search não seja pré‑instalada nos iPhones. Além disso, a Apple não disponibilizava o Safari em Android. Por conseguinte, a quota do Chrome é inevitavelmente menor em iOS.

407    No entanto, como salienta a Comissão, os dados fornecidos pela Google mostram que as receitas geradas pela aplicação Google Search são maiores nos aparelhos SMG, onde a aplicação Google Search é pré‑instalada do que nos aparelhos de iOS, onde não é pré‑instalada nenhuma aplicação de pesquisa geral, incluindo a Google Search. Uma vez que esta parte da decisão é consagrada ao primeiro pacote, não há que integrar nela as receitas provenientes da exploração do segundo pacote. Mais genericamente, também nesta situação esses dados comparam situações em que o serviço de pesquisa geral em causa, neste caso a Google Search, beneficia quer da pré‑instalação da aplicação Google Search no Google Android quer da configuração por defeito da Google Search no programa de navegação Safari.

408    Por conseguinte, há que rejeitar a crítica da Google relativa à comparação das suas receitas provenientes dos aparelhos Android e as receitas provenientes dos aparelhos iOS efetuada na decisão recorrida.

iv)    Quanto a certos elementos relativos ao Chrome

409    Em terceiro lugar, a Google alega que a observação de que o Safari gera receitas no iOS superiores às provenientes do Chrome (considerando 907 da decisão recorrida) também confunde a pré‑instalação e a configuração por defeito e que a sondagem Opera (v. considerando 905, n.o 3, da decisão recorrida) não permite comprovar efeitos restritivos.

–       Comparação das receitas da Google através do Safari e através do Chrome

410    Primeiro, a decisão recorrida faz referência a uma comparação das receitas mundiais obtidas pela Google com as pesquisas efetuadas através do Safari, que é pré‑instalado nos aparelhos iOS, e através do Chrome, que não é pré‑instalado nesses aparelhos. Esta comparação, efetuada com dados fornecidos pela Google, demonstra que esta obtém mais receitas através do Safari do que através do Chrome em aparelhos iOS (+2457 % em 2014, +1988 % em 2015 e +1883 % em 2016) (considerando 907 e quadro 16 da decisão recorrida). Em 2016, tendo em atenção os 258 milhões de pré‑instalações do Safari, o descarregamento do Chrome em aparelhos iOS representava apenas 40 milhões de ocorrências (considerando 912, n.o 2, da decisão recorrida).

411    A Google alega que esta observação, segundo a qual o Safari gera mais receitas em iOS do que o Chrome nesses mesmos aparelhos (considerando 907 da decisão recorrida) confunde pré‑instalação e configuração por defeito. Com efeito, segundo a Google, a Apple define o seu próprio programa de navegação Safari como programa de navegação por defeito em todos os aparelhos iOS, o que a decisão recorrida não tem em conta. É impossível isolar corretamente os efeitos da pré‑instalação em consideração de provas relativas a uma combinação da pré‑instalação, da colocação premium e da configuração por defeito.

412    No entanto, tal observação não tem por efeito retirar pertinência à comparação entre as receitas que a Google obtém nos aparelhos iOS a partir de pedidos de pesquisa através do Safari e através do Google Chrome. Com efeito, essa comparação foi efetuada tendo e consideração especificidades desses programas de navegação nos aparelhos iOS: o primeiro é o único que é pré‑instalado enquanto o segundo tem de ser descarregado. Além disso, os utilizadores só descarregam o Google Chrome numa pequena percentagem de aparelhos iOS (15 % em 2016) (considerando 912, n.o 2, da decisão recorrida).

413    Por conseguinte, há que rejeitar a crítica da Google no que diz respeito à comparação das suas receitas geradas através do Safari e através do Chrome efetuada na decisão recorrida.

–       Sondagem Opera

414    Segundo, a decisão recorrida faz referência a uma sondagem efetuada pela Opera (v. considerando 905, n.o 3), que indica, por um lado, que, em 2013, 72 % das 1 500 pessoas interrogadas na Alemanha, na Polónia e no Reino Unido utilizaram o programa de navegação pré‑instalado nos seus aparelhos móveis inteligentes e, por outro, que 16 % dessas pessoas não tinham em conta fatores como a qualidade, a facilidade de utilização, a velocidade, a segurança ou outras características, mas continuavam a servir‑se do programa de navegação simplesmente porque estava pré‑instalado.

415    A Google recorda que a pergunta feita nessa sondagem era a seguinte: «[Ao] selecionar o programa de navegação que utiliza mais vezes/regularmente, quais são os fatores que toma em conta?» A decisão recorrida baseia‑se nos utilizadores que selecionaram a resposta segundo a qual «utiliza[vam] simplesmente o programa de navegação instalado no telefone portátil» para justificar as suas alegações. Esta opção não distinguia entre os utilizadores que escolheram um programa de navegação, consoante estivesse pré‑instalado ou estivesse definido por defeito. Ora, diversas respostas acrescentavam como comentário que era o «programa de navegação por defeito do telefone» que era utilizado. Além disso, como demonstram os dados da sondagem apresentados pela Opera (resposta ao pedido de informações, de 15 de dezembro de 2015), apenas 70 dos 500 participantes (14 %) fizeram, de facto, a opção referida na decisão recorrida. Na realidade, o número poderia ser ainda mais baixo: 18 utilizadores desses 70 pareciam referir‑se a aparelhos iOS e não a aparelhos Android, declarando que utilizavam o Safari como programa de navegação, que não está disponível em Android. Os restantes 86 % de pessoas interrogadas citaram fatores como a velocidade, a facilidade de utilização, a segurança, o consumo de dados e outros fatores relacionados com a qualidade. Também é errado considerar que só havia um programa de navegação «instalado no» telefone, embora, de facto, os FEO pré‑instalassem geralmente dois programas de navegação ou mais.

416    No entanto, como alega a Comissão, mesmo que a sondagem Opera não isole o efeito da pré‑instalação do efeito da parametrização por defeito, pelo menos uma parte das razões pelas quais as pessoas interrogadas utilizaram o navegador Web «fornecido com o telefone móvel» seria imputável ao facto de os FEO pré‑instalarem este programa de navegação. Essa sondagem identifica o navegador Web móvel que os utilizadores usam «mais frequentemente» para fazer pesquisas na Internet nos seus aparelhos. Tendo em conta os três países do EEE (Alemanha, Reino Unido e Polónia) incluídos na amostra de 1 500 utilizadores, por um lado, 853 utilizadores (57 %) mencionaram o Chrome/Safari como o programa de navegação que utilizavam mais frequentemente — trata‑se de programa de navegação pré‑instalados em, respetivamente, todos os aparelhos SMG e iOS — e, por outro, 232 utilizadores (15 %) responderam que utilizavam mais frequentemente os programas de navegação parametrizados por defeito (a saber, o Chrome nos aparelhos SMG e o Safari nos aparelhos iOS).

417    Por conseguinte, há que rejeitar a crítica da Google no que respeita às referências feitas aos resultados da sondagem Opera na decisão recorrida.

418    Em conclusão, os diversos argumentos avançados pela Google para refutar a vantagem conferida pela pré‑instalação das aplicações Google Search e Chrome nos aparelhos Google Android não permitem pôr em causa as conclusões extraídas pela Comissão dos diversos elementos expostos na decisão recorrida a esse respeito.

b)      Possibilidade de os FEO préinstalarem ou regularem por defeito serviços de pesquisa geral concorrentes

1)      Decisão recorrida

419    A decisão recorrida considera que a vantagem concorrencial conferida pelas condições de pré‑instalação do ADAM não pode ser compensada pelos fornecedores de serviços de pesquisa geral concorrentes através de outros acordos de pré‑instalação, pelos seguintes motivos (considerando 833 da decisão recorrida):

—        geralmente os FEO não pretendem instalar outra aplicação de pesquisa geral; isso deve‑se às receitas adicionais bastante baixas que são geradas pela junção dessa aplicação, ao custo das negociações desses acordos, e ao risco associado ao facto de terem aplicações em duplicado, o que pode prejudicar a experiência do utilizador ou provocar problemas de espaço; o mesmo se passa mutatis mutandis no que respeita aos programas de navegação (considerandos 824 a 829, 933 e 934 da decisão recorrida);

—        o ADAM impede os FEO e os ORM de pré‑instalar exclusivamente uma outra aplicação de pesquisa geral nos aparelhos Google Android (considerandos 830 a 832 da decisão recorrida); além disso, mesmo que um programa de navegação concorrente do Chrome pudesse ser pré‑instalado, não pode ser regulado por defeito (considerando 935 da decisão recorrida);

—        os APR celebrados com os FEO e com os ORM, que levaram à a pré‑instalação exclusiva da aplicação Google Search em [50‑60 %] a [80‑90 %] de todos os aparelhos Google Android do EEE, também impedem os concorrentes da Google de pré‑instalar outra aplicação de serviço de pesquisa geral a par da sua nesses aparelhos (considerando 833 da decisão recorrida);

—        o número de pré‑instalações de programas de navegação concorrentes nos aparelhos Google Android é significativamente inferior ao número de pré‑instalações do Google Chrome (considerando 936 e quadro 19 da decisão recorrida).

420    Assim, o Bing, o principal concorrente da Google Search, não pôde ser pré‑instalado nos aparelhos Google Android entre 2011 e 2016, com exceção de um único modelo de aparelho comercializado nos Estados Unidos a partir de 2011 (considerando 834 e considerando 789, n.o 8, da decisão recorrida).

2)      Síntese dos argumentos das partes

421    A Google alega que as condições de pré‑instalação do ADAM não impediam os FEO de fornecer a mesma pré‑instalação que a concedida à Google Search e ao Chrome para os serviços de pesquisa e os programas de navegação concorrentes em todos os seus aparelhos Android. Teria sido mesmo possível assegurar uma oportunidade promocional superior à dos produtos da Google, uma vez que os FEO podiam definir um programa de navegação diferente do Chrome como programa de navegação por defeito e os serviços de pesquisa geral concorrentes como serviços por defeito nesses programas de navegação pré‑instalados. Além disso, se a Google Search estivesse regulada por defeito no Chrome na barra URL, os utilizadores podiam sempre mudar esse serviço de pesquisa configurando o de um concorrente. Por conseguinte, as práticas em causa não podem ter restringido a concorrência.

422    Assim, a afirmação de que os FEO e os ORM não quereriam aplicações concorrentes em aparelhos Android é desmentida, segundo a Google, pelas suas práticas, quer se trate dos serviços de pesquisa geral, dos programa de navegação ou de outros tipos de aplicações. Do mesmo modo, o raciocínio sobre os APR contradiz a afirmação de que os FEO e os ORM não tinham nenhum interesse em pré‑instalar aplicações de pesquisa e de navegação a par de aplicações da Google (considerandos 824 a 829, 933 e 934, a comparar com o considerando 1208, n.o 1, e com os considerandos 1213, 1214, 1219 e 1220 da decisão recorrida). Além disso, nenhuma das quatro razões evocadas para afirmar que os FEO não queriam pré‑instalar as aplicações concorrentes a par das aplicações Google, a saber, os obstáculos ligados à «experiência do utilizador», os problemas de espaço de armazenamento, os custos de transação e a falta de vantagens financeiras associadas à pré‑instalação, é corroborada por provas suficientes.

423    A Comissão alega que os concorrentes não podem compensar, através de acordos de pré‑instalação, a importante vantagem concorrencial que a Google assegura para si própria graças à pré‑instalação da aplicação Google Search e do Google Chrome em praticamente todos os aparelhos Google Android vendidos no EEE.

3)      Apreciação do Tribunal Geral

i)      Observações preliminares

424    A título preliminar, há que salientar que a Google alega essencialmente nesta acusação que as condições de pré‑instalação do ADAM não impediam os FEO de fornecer a mesma pré‑instalação que a concedida à Google Search e ao Chrome para os serviços de pesquisa geral e os programas de navegação concorrentes nos aparelhos Google Android vendidos no EEE.

425    Ora, a Comissão não contesta na decisão recorrida que o ADAM permite aos FEO pré‑instalar aplicações concorrentes da Google Search e do Chrome. Por conseguinte, os concorrentes da Google podiam, em princípio, propor aos FEO as mesmas condições de pré‑instalação que as previstas pelo ADAM para as suas próprias aplicações. Em aplicação do ADAM era possível uma instalação conjunta.

426    A decisão recorrida indica antes, por um lado, que o ADAM «impede» os FEO de pré‑instalar exclusivamente essas aplicações em vez da Google Search e do Chrome (considerando 832 da decisão recorrida) e, por outro, que os APR exigem dos FEO e dos ORM a pré‑instalação exclusiva da aplicação Google Search para a parte abrangida por esses acordos, ou seja ao longo do tempo de [80‑90 %] a [50‑60 %] dos aparelhos Google Android vendidos no EEE (considerando 833 da decisão recorrida), o que inclui os APR por carteira e os APR por aparelho, como foi confirmado pela Comissão em resposta às medidas de organização do processo.

427    Neste contexto, tendo em conta as quotas de mercado e a sua evolução, desde 2011 para a Google Search e desde 2012 para o Chrome até à adoção da decisão recorrida, o debate sobre as possibilidades oferecidas aos concorrentes para compensarem a vantagem concorrencial concedida pelas condições de pré‑instalação do ADAM é sobretudo teórico. Com efeito, na prática, os fornecedores de aplicações concorrentes não tiveram condições para compensar, através de acordos de pré‑instalação, a vantagem concorrencial que a Google assegurava graças à pré‑instalação da Google Search e do Chrome em praticamente todos os aparelhos Google Android vendidos no EEE. Como indica a decisão recorrida, a pré‑instalação de aplicações de pesquisa geral e de programas de navegação concorrentes não é comparável, em termos de presença, com a pré‑instalação da aplicação Google Search e Google Chrome (v. considerando 940 da decisão recorrida em relação aos programas de navegação).

428    A este respeito, deve ser feita uma distinção entre as hipóteses teóricas de concorrência e a realidade prática, em que as alternativas concorrenciais evocadas pela Google parecem pouco credíveis ou sem impacto real devido ao «desvio do statu quo» que implicavam as condições de pré‑instalação do ADAM e aos efeitos combinados dessas condições com os outros acordos contratuais da Google, entre os quais os APR.

429    É neste contexto que há que examinar a argumentação da Google segundo a qual, apesar das condições de pré‑instalação do ADAM, os FEO continuavam a ser livres de oferecer as mesmas condições de pré‑instalação que as concedidas à Google Search e ao Chrome para os serviços de pesquisa geral e os programas de navegação concorrentes em aparelhos Google Android vendidos no EEE. Esta argumentação considera, antes de mais, a pré‑instalação de aplicações concorrentes, em seguida, a pretensa contradição entre o raciocínio relativo aos APR e a alegação de que a pré‑instalação de aplicações concorrentes não tinha interesse e, por último, o interesse dos FEO na pré‑instalação de aplicações concorrentes.

ii)    Quanto à préinstalação de aplicações concorrentes

430    Em primeiro lugar, há que salientar que a argumentação da Google a este respeito se concentra sobretudo na situação dos programas de navegação e não tanto na das aplicações de serviços de pesquisa geral. Antes de mais, esta argumentação analisa a aplicação Google Search e as aplicações concorrentes, em seguida o programa de navegação Chrome e os seus concorrentes e, por último, as outras aplicações.

–       Quanto à aplicação Google Search e aos seus concorrentes

431    Quanto às aplicações de serviços de pesquisa geral, a Google limita‑se a contestar a referência feita ao Bing, que, entre 2011 e 2016, apenas foi pré‑instalado num único modelo de aparelho Google Android comercializado nos Estados Unidos em 2011 (v. considerando 834 e considerando 789, n.o 8, da decisão recorrida).

432    Segundo a Google, o facto de o Bing não poder ter sido pré‑instalado em aparelhos Google Android vendidos no EEE não se explica pelas condições de pré‑instalação do ADAM, mas sobretudo pela falta de programação local do Bing na maioria dos países do EEE.

433    No entanto, há que salientar, como faz a Comissão, que só muito raramente concorrentes da Google conseguiram pré‑instalar a sua aplicação de pesquisa geral em aparelhos além da aplicação Google Search. Em qualquer hipótese, isso só abrangeu uma parte limitada dos aparelhos dos FEO em causa, nomeadamente no EEE.

434    Com efeito, apenas dois casos de «pré‑instalação» de uma aplicação de pesquisa geral concorrente são evocados na decisão recorrida e isto em casos em que o FEO não tinha ou já não tinha APR com a Google (considerando 1219 da decisão recorrida):

—        um acordo de partilha de receitas entre a Microsoft e a ZTE, de fevereiro de 2017, para a venda de certos aparelhos Google Android no mundo, incluindo no EEE, com o Bing definido por defeito no programa de navegação da ZTE, bem como para a venda de certas quantidades de aparelhos Google Android com a aplicação de pesquisa geral Bing pré‑instalada nesses aparelhos (considerando 1219, n.o 1, da decisão recorrida);

—        um acordo de partilha de receitas entre a Yandex e dois FEO para a venda de aparelhos Google Android no mundo, incluindo para um pequeno número no EEE, nos quais eram pré‑instalados por defeito o «widget» do serviço de pesquisa geral Yandex e ligações para a página inicial da Yandex no programa de navegação (considerando 1219, n.o 2, da decisão recorrida).

435    Por outro lado, a razão evocada pela Google a propósito do Bing não constitui uma explicação plausível da incapacidade da Microsoft para convencer os FEO a pré‑instalar essa aplicação nos aparelhos Google Android. Com efeito, a inexistência de programação local não dizia respeito a todos os países do EEE e, mesmo nos países em que essa aplicação permitia a localização, como o Reino Unido ou a Alemanha, os FEO não pré‑instalaram a aplicação Bing Do mesmo modo, os FEO não pré‑instalaram a aplicação Seznam nos seus aparelhos na República Checa, apesar de os algoritmos de pesquisa geral dessa aplicação serem construídos com base na língua checa (v. considerando 682 e considerando 814. n.o 4, da decisão recorrida).

436    Resulta do que precede que, contrariamente ao que afirma a Google, os fornecedores de serviços de pesquisa geral concorrentes da Google Search não puderam compensar a vantagem concorrencial conferida pelas condições de pré‑instalação do ADAM.

–       Quanto ao programa de navegação Chrome e aos seus concorrentes

437    Quanto aos programas de navegação, a Google refere diversos elementos para sustentar que as condições de pré‑instalação do ADAM não impediam os FEO de dar aos programas de navegação concorrentes as mesmas condições de pré‑instalação que as concedidas à Google Search e ao Chrome:

—        a decisão recorrida indica que, entre 2013 e 2016, programas de navegação concorrentes estavam pré‑instalados a par do Chrome em cerca de 60 % dos aparelhos Android (considerando 936 e quadro 19); consequentemente, o número dessas pré‑instalações de programas de navegação concorrentes não era «claramente inferior ao número de pré‑instalações do Google Chrome em aparelhos Google Android»;

—        um segundo programa de navegação pré‑instalado podia gerar uma proporção mais elevada de receitas de pesquisa do que a aplicação Google Search ou o Chrome que eram pré‑instalados com o ADAM; isto resulta, segundo a Google, dos seguintes elementos de prova: a Samsung, que começou em 2016 a pré‑instalar o seu próprio programa de navegação nos seus aparelhos, assegurando‑lhes um melhor posicionamento que o Chrome, dado que este programa de navegação representa 38,4 % das receitas da Google Search no EEE em aparelhos Samsung Galaxy S6, ultrapassando a aplicação Google Search (38,1 %) e o Chrome (23,3 %) (considerando 949 da decisão recorrida); a Huawei, que declarou em 2015 que «o programa de navegação Huawei [era] pré‑carregado em todos os smartphones Huawei do mercado do EEE enquanto programa de navegação por defeito do sistema» (Huawei, 14 de dezembro de 2015); e a HTC, que declarou em 2015 que o seu programa de navegação, HTC Internet, era pré‑instalado nos seus aparelhos e que «não havia um efeito significativo» à junção do Chrome ao pacote SMG pela Google em 2012, uma vez que a HTC pré‑instalava o seu próprio navegador Web na maior parte dos seus aparelhos (HTC, 13 de novembro de 2015).

438    Contrariamente ao que a Comissão sugere, esta argumentação da Google e os diferentes elementos que a apoiam não podem ser afastados à partida.

439    Com efeito, a argumentação da Google permite a priori mostrar, como resulta dos elementos factuais mencionados na decisão recorrida (v. quadro 19, que indica percentagens de pré‑instalação paralela de 40 a 60 % no mundo entre 2013 e 2016) — que, no que respeita aos programas de navegação, a situação concorrencial é mais animada do que relativamente às aplicações de serviços de pesquisa geral. Além do Chrome podem ser pré‑instalados outros programas de navegação em aparelhos Google Android e aliás são‑no frequentemente.

440    O caso da Opera fornece uma boa ilustração. Segundo a Opera, que intervém em apoio da Google, uma boa parte dos seus utilizadores provêm de acordos de pré‑instalação celebrados com FEO (Samsung, Huawei, OPPO e Tecno) no que se refere a aparelhos Google Android. A este propósito, a Comissão salienta que esses acordos respeitavam a menos de 5 % dos aparelhos Google Android vendidos no EEE (considerando 940 da decisão recorrida), na medida em que esses aparelhos eram essencialmente vendidos em África (acordos da Opera com a Samsung e a Tecno).

441    Este exemplo mostra que podiam existir acordos de pré‑instalação conjunta de programas de navegação durante o período da infração, em todo o caso de maneira mais importante do que os acordos de pré‑instalação de uma aplicação de serviço de pesquisa geral. Todavia, os efeitos desses acordos sobre a questão de saber se estão em condições de compensar a vantagem resultante da pré‑instalação devem ser examinados.

442    Com efeito, a incidência da argumentação da Google sobre a análise perde a sua substância se se tiverem em consideração as diversas observações feitas pela Comissão e pelos intervenientes em seu apoio. Na prática, afigura‑se assim que, embora a liberdade de pré‑instalação de outras aplicações de navegação fosse efetivamente uma possibilidade oferecida aos FEO, na prática só dela puderam tirar partido para pré‑instalar aplicações de navegação que utilizavam a Google Search como motor de pesquisa definido por defeito.

443    Com efeito, contrariamente ao exemplo da Opera, a Seznam expõe no seu articulado de intervenção as dificuldades encontradas para obter a pré‑instalação das suas aplicações de pesquisa e de navegação. Aliás, a Seznam indica que essas dificuldades existiam tanto no tempo dos APR por carteira como posteriormente, quando os APR por aparelho entraram em vigor. Do mesmo modo, só em setembro de 2018, ou seja, depois da adoção da decisão recorrida, a Qwant esteve em condições de ser definida como motor de pesquisa por defeito no programa de navegação Brave em França e na Alemanha.

444    Primeiro, é certo que, entre 2013 e 2016, os programas de navegação concorrentes estavam pré‑instalados a par do Chrome em cerca de 60 % dos aparelhos Android (quadro 19 da decisão recorrida).

445    Todavia, por um lado, quanto aos casos da Samsung e da Huawei evocados pela Google, há que salientar que apenas os navegadores Web móveis que foram pré‑instalados num número significativo de aparelhos Google Android desses FEO, são programas de navegação próprios desses FEO e não terceiros (considerando 936 da decisão recorrida).

446    A este respeito, a Comissão observa que alguns operadores, incluindo a Samsung e a Huawei, definiram a Google Search como serviço de pesquisa geral por defeito nos seus programas de navegação. O considerando 798, n.o 2, da decisão recorrida faz assim referência a «acordos com os FEO e com os ORM destinados a garantir que a Google Search era o único serviço de pesquisa geral pré‑instalado e definido por defeito em todos os navegadores Web móveis pré‑instalados de terceiros». Interrogada sobre esta questão, a Comissão esclareceu que se tratava de uma referência aos APR. A Comissão também evoca a HTC, que também definia a Google Search como serviço de pesquisa geral por defeito no seu programa de navegação, para indicar que, em todo o caso, esta deixou de desenvolver o seu próprio programa de navegação a partir de 30 de novembro de 2016.

447    Por outro lado, quanto à situação dos operadores que celebraram um APR, há que salientar que, para poder beneficiar da partilha de receitas, esses operadores se obrigavam a definir a Google Search por defeito nos diversos pontos de entrada dos seus aparelhos Google Android, incluindo o seu próprio programa de navegação (considerando 822, nota de pé de página n.o 908, e ponto 6.3.3 sobre os APR por carteira), e a não pré‑instalar nenhum serviço de pesquisa geral concorrente (considerandos 192 e 198 da decisão recorrida).

448    Isto é tanto mais significativo quanto, no considerando 822 da decisão recorrida, a Comissão indica que, entre 2011 e 2016, os APR abrangiam entre [80‑90 %] e [50‑60 %] dos aparelhos Google Android vendidos no EEE. Resulta das informações expostas na nota de rodapé n.o 908, sob o considerando 822 da decisão recorrida, que as informações tomadas em conta a este respeito incluem não apenas as informações deduzidas da cobertura dos APR por carteira, mas também as deduzidas da cobertura dos APR por aparelhos, que sucederam aos APR por carteira. Isto foi confirmado pela Comissão em resposta a uma questão colocada no âmbito das medidas de organização do processo.

449    Assim, entre 2011 e 2016, mais de 50 % dos aparelhos Google Android vendidos no EEE estavam cobertos por APR celebrados com a Google, quer APR por carteira ou APR por aparelhos, que exigiam todos a definição da Google Search como motor de pesquisa por defeito nos navegadores pré‑instalados e proibiam a instalação de um serviço de pesquisa concorrente.

450    Por conseguinte, e isto vale para a Samsung, a HTC, a LG e a Sony, como para os outros operadores que celebraram um APR, verifica‑se que, quando um programa de navegação era pré‑instalado a par do Chrome, o qual é regulado por defeito no Google Search, o referido programa de navegação também era regulado por defeito no Google Search.

451    Esta observação permite ilustrar a complementaridade das diferentes práticas da Google e implica necessariamente que se tenham em conta — como aliás se expõe na decisão recorrida — os efeitos combinados dos ADAM e dos APR. Com efeito, a obrigação contratual ligada aos APR de apenas instalar a solução Google Search para a realização de pesquisas gerais tem como resultado que a possibilidade teórica de uma pré‑instalação de um serviço concorrente das aplicações da Google, permitida, no entanto, em princípio, pelos ADAM, estava efetivamente excluída entre 2011 e 2016, em relação a pelo menos metade dos aparelhos Google Android vendidos no EEE. Por outras palavras, os APR garantiam a exclusividade nos aparelhos em causa, o que há que ter em conta para apreciar os efeitos anticoncorrenciais dos ADAM.

452    A este respeito, há que salientar que a tomada em conta enquanto elemento factual dos efeitos combinados dos ADAM e dos APR não depende de modo nenhum do caráter abusivo ou não dos APR, sejam eles os APR por carteira, constitutivos de um abuso segundo a análise da Comissão, posta em causa pela Google no quadro do terceiro fundamento, ou os APR por aparelho, que não são considerados abusivos na decisão recorrida.

453    Nestas circunstâncias, o argumento invocado pela Google no que respeita a um FEO, segundo o qual, em 2016, numa categoria dos seus aparelhos, o navegador Web móvel do referido FEO gerou receitas de pesquisa mais elevadas no EEE do que a aplicação Google Search ou o Chrome, não põe em causa a análise que precede.

454    Este argumento, invocado na petição, foi contestado pela Comissão pelo facto de não poder verificar tal alegação, quer em relação a uma dada categoria de aparelhos deste FEO em 2016, quer mais amplamente em relação a outros anos e a outras categorias de aparelhos do referido FEO. Em resposta, a Google apresentou os dados internos utilizados para comprovar as afirmações feitas na petição. Esses dados mostram efetivamente que, em 2016, o próprio navegador deste FEO gerou mais receitas pelos pedidos de pesquisa do que a aplicação Google Search ou o Chrome em duas séries de modelos.

455    Estas receitas também eram superiores às geradas pelo Chrome, em 2017, em três séries de modelos (os dois referidos supra e um terceiro), e, em 2018, em quatro séries de modelos (os três referidos supra e um quarto) do referido FEO, mas eram inferiores às receitas geradas até esse momento pela aplicação Google Search nesses aparelhos.

456    A Google alega que se trata de um caso em que, através da pré‑instalação do seu próprio navegador nos seus aparelhos Google Android, um FEO pôde compensar em certa medida a vantagem concorrencial de que beneficiava devido à pré‑instalação da aplicação Google Search e do Chrome.

457    Todavia, na medida em que o FEO em questão estava vinculado por um APR e, assim, obrigado a definir a Google Search por defeito nos diversos pontos de entrada dos seus aparelhos, incluindo o seu próprio programa de navegação, há que relativizar o efeito concorrencial dessa compensação. Esta questão foi confirmada pela Google em resposta às medidas de organização do processo.

458    Além disso, a situação de um FEO que pré‑instala o seu próprio programa de navegação nos seus aparelhos não é comparável à de um concorrente da Google nos mercados de serviços de pesquisa geral que não dispõe da possibilidade de fabricar os seus próprios aparelhos, uma vez que este último deve negociar com um FEO para poder pré‑instalar as suas aplicações.

459    Segundo, em todo o caso, a Comissão recorda que, mesmo que um navegador concorrente esteja pré‑instalado num aparelho Google Android, este não pode ser definido por defeito (considerando 935 da decisão recorrida).

460    Para responder às afirmações feitas pela Google em relação à declaração de um representante da Huawei numa mensagem de correio eletrónico enviada à Comissão em dezembro de 2015, nos termos da qual um programa de navegação diferente do Chrome podia ser o «programa de navegação sistema por defeito», a Comissão indica a este propósito que isso não teria sido possível.

461    Com efeito, resulta, por um lado, dos ADAM, que os FEO eram obrigados a pré‑instalar o Chrome na quase totalidade dos seus aparelhos Google Android vendidos no EEE e, por outro, dos AAF e da cláusula 3.2.3.2 do documento de definição de compatibilidade Android (a seguir «DDC»), que «os programadores de aparelhos não [deviam] associar privilégios específicos à utilização pelas aplicações sistema [de] esquemas de intenção, nem impedir aplicações terceiras de se ligarem a esses esquemas e de tomarem o seu controlo». Por conseguinte, um FEO que tivesse pré‑instalado Chrome, o que pressupunha a assinatura de um ADAM e de um AAF, não podia definir um navegador Web móvel concorrente por defeito.

462    As declarações da Orange e de outra empresa (considerando 935 da decisão recorrida) confirmam o facto de que, mesmo em caso de pré‑instalação de um programa de navegação concorrente do Chrome, este não pode ser «definido como programa de navegação por defeito». Estes dois operadores referem‑se, a este propósito, à obrigação evocada supra pela Comissão de não privilegiar um programa de navegação concorrente do Chrome quando este também está pré‑instalado no aparelho Google Android.

463    Neste contexto, a Google não invoca nenhum elemento que possa sustentar a sua alegação de que essa configuração por defeito do programa de navegação concorrente era possível na presença do Chrome:

—        a declaração de que «o programa de navegação Huawei é pré‑carregado em todos os smartphones Huawei no mercado do EEE enquanto programa de navegação sistema por defeito» não foi feita em nome da Huawei em resposta a um pedido de informações, mas simplesmente fornecida por um trabalhador da Huawei em jeito de «informação de caráter geral», no âmbito de uma «resposta preliminar», e não permite saber o que o trabalhador entendia por «programa de navegação sistema por defeito», sobretudo tendo em conta a exigência do DDC evocada supra em aplicação do qual os FEO não podiam definir um programa de navegação concorrente por defeito; em todo o caso, a partir de 2016, a Huawei deixou de pré‑instalar o seu próprio navegador Web móvel (v. Huawei ALE Android 6.0 Release Notes, 7 de junho de 2016: «Para uma melhor experiência, todos os nossos telefones móveis adaptados aos mercados estrangeiros que funcionam em Android 5.0 e superior suprimirão o navegador integrado Huawei e adotarão o Google Chrome»;

—        a declaração feita pela Orange numa mensagem de correio eletrónico de 3 de agosto de 2012, segundo a qual «o Chrome poderá coexistir com os navegadores dos fabricantes e a Google não o impõe como navegador por defeito», confirma simplesmente que os ADAM não obrigam os FEO a parametrizar o Chrome como programa de navegação por defeito — o que não é contestado pela Comissão — e não que os FEO podem definir o seu próprio navegador Web móvel como programa de navegação por defeito.

464    Além disso, a questão de saber se um programa de navegação concorrente pode ser definido por defeito não é relevante. De resto, a Google não contesta a natureza teórica desta questão, tendo em conta os efeitos combinados dos ADAM e dos AAF. No caso em apreço, o que importa é examinar as diferentes possibilidades práticas oferecidas aos serviços de pesquisa geral concorrentes para chegarem aos utilizadores, uma vez que a Google assegura que os FEO respeitam, em relação aos programas de navegação concorrentes do Chrome, a sua obrigação — como decorre dos AAF — de dar à Google Search pelo menos o mesmo tratamento que o que poderiam acordar com um conceder a outro serviço de pesquisa geral.

465    Terceiro, o facto de os FEO pré‑instalarem os seus próprios programas de navegação em alguns dos seus aparelhos em nada altera o facto de o número de pré‑instalações de cada um desses programas de navegação ser inferior ao das pré‑instalações do Google Chrome nesses aparelhos. Deve ter‑se em conta, nomeadamente, o facto de alguns dos dados invocados pela Google dizerem respeito à pré‑instalação à escala mundial, incluindo a China (v., por exemplo, o quadro 19 da decisão recorrida. Ora, o facto de o Google Chrome não ser pré‑instalado na China tem um impacto considerável nos dados relativos ao EEE. A pré‑instalação do Google Chrome abrangia praticamente todos os aparelhos Google Android no EEE, ao passo que em comparação a pré‑instalação conjunta de outro programa de navegação, continuava a ser menos importante em termos de alcance e de eficácia. Consequentemente, as observações da Comissão sobre esta questão não são postas em causa pela Google.

–       Quanto às outras aplicações

466    Quanto às outras aplicações além da Google Search e do Chrome incluídas no pacote SMG e às aplicações concorrentes destas, há que salientar, como observa a Comissão, que os argumentos da Google sobre esta questão não são pertinentes. Com efeito, essas outras aplicações e as aplicações concorrentes não são aplicações de pesquisa geral ou programas de navegação e, por conseguinte, não são objeto dos abusos de posição dominante definidos na decisão recorrida.

iii) Quanto à pretensa contradição entre o raciocínio relativo à preservação e a alegação de que a préinstalação de aplicações concorrentes não é interessante

467    Em segundo lugar, a Google alega que o raciocínio da decisão recorrida relativamente aos APR contradiz a afirmação de que os FEO não têm interesse em pré‑instalar aplicações de pesquisa geral e de navegação a par das suas aplicações.

468    A este respeito, importa, antes de mais, recordar o conteúdo das afirmações controvertidas.

469    Por um lado, para concluir que os acordos de pré‑instalação com os FEO não podiam ser comparados, em termos de alcance e de eficácia, com os acordos de pré‑instalação da aplicação Google Search em aparelhos SMG, a Comissão considerou — entre outros elementos — que seria «pouco provável» que os FEO pré‑instalassem uma ou mais aplicações de serviço de pesquisa geral além da aplicação obrigatória Google. Esta conclusão explica‑se, nomeadamente, pelo facto de os FEO deverem ponderar as receitas potenciais que obteriam com essa outra aplicação do serviço de pesquisa geral com o custo dessa operação e os outros custos associados a fatores como a experiência do utilizador e o suporte (considerandos 823 e 824 da decisão recorrida).

470    Para explicar esta conclusão, a Comissão indicou ter tomado em consideração os seguintes elementos:

—        primeiro, a percentagem de receitas potenciais que os FEO obtêm com a instalação de uma ou de diversas outras aplicações, além da aplicação Google Search, é reduzida, tendo em conta a quota de mercado superior a 90 % detida pela Google na maior parte dos mercados nacionais dos serviços de pesquisa no EEE e o facto de a Google ser sempre definida por defeito em todos os outros pontos de entrada principais, em especial nos programas de navegação (considerando 825 da decisão recorrida);

—        segundo, os FEO devem assumir custos de transação para obter esses acordos de pré‑instalação e esses custos não podem provavelmente ser justificados para um pequeno volume de aparelhos (considerando 826 da decisão recorrida);

—        terceiro, os FEO também devem ter em conta o facto de que, na medida em que o pacote SMG integra entre 12 e 30 aplicações, poderia haver aplicações duplicadas e isso poderia prejudicar a experiência do utilizador (considerandos 827 a 829 da decisão recorrida).

471    Do mesmo modo, para concluir que os acordos de pré‑instalação com os FEO não podiam ser comparados, em termos de alcance e de eficácia, com a pré‑instalação do programa de navegação Chrome nos aparelhos SMG, a Comissão considerou — entre outros elementos — que os FEO estavam «reticentes» em pré‑instalar aplicações que duplicavam aplicações já instaladas devido a problemas com o espaço de armazenamento de determinados aparelhos (considerandos 932 e 933 da decisão recorrida).

472    Por outro lado, na parte da decisão recorrida consagrada aos APR, a Comissão menciona, todavia, diversas vezes, o interesse que os FEO têm em obter esses acordos pelos motivos seguintes:

—        «sem os pagamentos de partilha de receitas por carteira, os FEO […] terão tido um interesse comercial em pré‑instalar serviços de pesquisa geral concorrentes em pelo menos alguns dos seus aparelhos Google Android» (considerando1208, n.o 1, da decisão recorrida);

—        pré‑instalar serviços de pesquisa geral concorrentes terão permitido aos FEO «oferecer produtos diferenciados» (considerando1213 da decisão recorrida);

—        a «pré‑instalação de serviços de pesquisa geral a par da Google terá aumentado o tráfego para esses serviços» (v. considerando 1214 da decisão recorrida, que cita a Yahoo, a Qwant, a Microsoft, a Yandex, e a Seznam);

—        alguns FEO terão celebrado acordos para pré‑instalar serviços de pesquisa geral concorrentes em aparelhos ou para os definir como serviços por defeito (considerando1219 da decisão recorrida);

—        um acordo entre o Mozilla e um serviço de pesquisa concorrente «mostra que o Mozilla considera que os FEO […] têm interesse comercial em pré‑instalar o navegador Mozilla com um serviço de pesquisa geral concorrente definido como serviço por defeito em pelo menos alguns dos seus aparelhos em Android» (considerando1220 da decisão recorrida).

473    Contrariamente ao que a Google alega, não se pode considerar que estes dois raciocínios se contradizem. Com efeito, num primeiro momento, a Comissão examina a probabilidade ou o incentivo dos FEO para negociar acordos de pré‑instalação com concorrentes da aplicação Google Search ou do Chrome, que estão pré‑instalados nos aparelhos SMG ao abrigo do ADAM. No entanto, a Comissão não contesta que esses FEO possam ter interesse comercial em negociar tais acordos, o qual é nomeadamente evocado ao abrigo dos APR. Todavia esse interesse comercial deve ser conciliado com os outros fatores evocados no raciocínio da Comissão no que respeita ao primeiro pacote (fraca quota de mercado residual para uma segunda aplicação do serviço de pesquisa geral, custos de transação, dificuldades ligadas à duplicação tendo em atenção à experiência do utilizador e a capacidade de armazenamento) e ao segundo pacote (problemas relacionados com o espaço de armazenamento).

474    Resulta do que precede que há que rejeitar a acusação relativa à contradição entre o raciocínio da decisão recorrida sobre os APR e as declarações feitas pela Comissão de que seria pouco provável que os FEO pré‑instalassem aplicações de serviços de pesquisa geral concorrentes da aplicação Google Search e segundo as quais os FEO estavam reticentes em pré‑instalar aplicações de navegação concorrentes do Chrome.

iv)    Quanto ao interesse dos FEO na préinstalação de aplicações concorrentes

475    Em terceiro lugar, a Google alega que a decisão recorrida identifica quatro razões em apoio da afirmação de que «é pouco provável que os FEO pré‑instalem uma aplicação suplementar de serviço de pesquisa geral, além da aplicação obrigatória Google Search» (considerando 824 da decisão recorrida, a seguir «afirmação controvertida»), a saber, a existência de obstáculos relacionados com a experiência do utilizador, problemas relacionados com o espaço de armazenamento, os custos de transação e a falta de vantagens financeiras ligadas à pré‑instalação. Ora, dado que os FEO pré‑instalavam de facto aplicações concorrentes nos aparelhos SMG, nenhuma destas razões é, segundo a Google, corroborada por provas e, consequentemente, a afirmação controvertida é errada.

476    O exame desta argumentação deve ser previamente colocado no seu contexto.

477    Com efeito, por um lado, a afirmação controvertida assenta na ideia, exposta no próprio considerando 824 da decisão recorrida, segundo a qual a decisão relativa à pré‑instalação de uma aplicação de serviço de pesquisa geral concorrente da aplicação Google Search resulta da ponderação pelo FEO, em primeiro lugar, das receitas que podem resultar dessa aplicação suplementar com, em segundo lugar, o custo da operação e os seus efeitos na experiência do utilizador ou no suporte técnico. Por conseguinte, a afirmação controvertida diz principalmente respeito ao interesse dos FEO em pré‑instalar uma aplicação concorrente da aplicação Google Search, ou a título incidental do programa de navegação Chrome regulado por defeito no serviço de pesquisa geral Google Search, e não qualquer uma das outras aplicações abrangidas pelo pacote SMG, muito especialmente as que não estão ligadas à execução de um serviço de pesquisa geral.

478    Consequentemente, os factos pertinentes para a apreciação do mérito da afirmação controvertida são os que dizem respeito às aplicações que executam um serviço de pesquisa geral e não aplicações de outro tipo.

479    Por outro lado, a afirmação controvertida constitui apenas a primeira das cinco explicações evocadas pela Comissão para sustentar, contrariamente ao que alegava a Google no procedimento administrativo, que «os acordos de pré‑instalação com os FEO e com os ORM não podem ser comparados em termos de alcance e de eficácia com a pré‑instalação da aplicação Google Search nos aparelhos SMG» (considerando 823 da decisão recorrida).

480    A Google não contesta as explicações seguintes:

—        o ADAM impedia os FEO de pré‑instalar exclusivamente uma aplicação do serviço de pesquisa geral concorrente da aplicação Google Search nos aparelhos Google Android; os concorrentes da Google ficavam, consequentemente, privados de uma possibilidade de obter melhores condições do que as definidas pelo ADAM; com efeito, na prática, um FEO que aceitasse essa pré‑instalação exclusiva de uma aplicação do serviço de pesquisa geral concorrente não poderia propor a Play Store ou as outras aplicações do pacote SMG (considerandos 830 e 831 da decisão recorrida);

—        o ADAM impedia igualmente os ORM de pedir aos FEO que pré‑instalassem exclusivamente uma aplicação de serviço de pesquisa geral concorrente da aplicação Google Search nos aparelhos Google Android, uma vez que quase todos os FEO tinham celebrado um ADAM e tinham‑se, assim, obrigado a pré‑instalar a aplicação Google Search nos aparelhos SMG (considerando 832 da decisão recorrida);

—        os APR celebrados com certos FEO e ORM implicavam a pré‑instalação exclusiva da aplicação Google Search entre [80‑90 %] e [50‑60 %] dos aparelhos Google Android vendidos no EEE entre 2011 e 2016, o que privava os concorrentes da Google da possibilidade de pré‑instalarem a sua aplicação de serviço de pesquisa geral a par da aplicação Google Search (considerando 833 e ponto 13.4.2.1 da decisão recorrida);

—        o Bing, o principal concorrente da Google Search, não pôde ser pré‑instalado em nenhum aparelho Google Android entre 2011 e 2016, com exceção de um único modelo de aparelho saído nos Estados Unidos em 2011 (considerando 834 e considerando 789, n.o 8, da decisão recorrida).

481    É no âmbito deste contexto factual, que tem em conta o alcance e a eficácia da pré‑instalação da aplicação Google Search nos aparelhos SMG atendendo aos diversos acordos celebrados pela Google no âmbito da sua estratégia geral destinada a consolidar e preservar as suas quotas de mercado na Internet móvel no EEE, que há que examinar os argumentos da Google relativos à afirmação controvertida. Em substância, a Google critica as diversas razões evocadas pela Comissão (v. n.o 475 supra) para apreciar o interesse dos FEO na pré‑instalação de aplicações concorrentes, a saber, as receitas potenciais, os custos de transação, a experiência do utilizador e o espaço de armazenamento.

–       Quanto às receitas potenciais

482    No âmbito da sua apreciação da probabilidade de que um FEO pré‑instale uma aplicação suplementar de serviço de pesquisa geral, além da aplicação Google Search no que respeita aos aparelhos SMG, a Comissão observa que «a percentagem de receitas potenciais que os FEO retirariam de uma ou mais aplicações de serviços de pesquisa geral suplementar seria reduzida, dado que a Google dispunha de quotas de mercado de 90 % na maior parte dos mercados nacionais e, como explicou no considerando 796 [da decisão recorrida], ainda é definida por defeito noutros pontos de entrada principais, nomeadamente nos programas de navegação» (considerando 825 da decisão recorrida).

483    Esta explicação é criticada pela Google pelos seguintes motivos:

—        segundo a decisão recorrida, os concorrentes igualmente eficazes poderiam obter uma percentagem de 22,5 % dos pedidos de pesquisa se estivessem instalados a par da Google e definidos por defeito nos pontos de entrada dos programas de navegação (considerando 1226, n.o 2, da decisão recorrida); por conseguinte, esses concorrentes poderiam partilhar as receitas desses pedidos com os FEO (a seguir «primeira crítica»).

—        a declaração de que «a Google é sempre definida por defeito noutros pontos de entrada principais, especialmente nos programas de navegação» (considerando 825 da decisão recorrida) é errada, porque «o ADAM nunca exigiu que a Google [Search] fosse definida por defeito nos navegadores concorrentes»; segundo a Google, a decisão recorrida remete aqui para elementos de prova relativos às configurações por defeito em aparelhos diferentes do Android (v. considerando 796, n.o 2, que evoca os programas de navegação nos aparelhos iOS ou em computadores portáteis), o que não tem nada a ver; além disso, é feita referência noutras passagens da decisão recorrida a uma versão do ADAM, que não exigia consequentemente configurações por defeito nos programas de navegação e que em todo o caso foi suprimida (considerando 185) (a seguir «segunda crítica»);

—        as referências feitas noutras passagens da decisão recorrida às declarações de duas empresas, segundo as quais os programas de navegação concorrentes não podem ser configurados por defeito (considerando 935 da decisão recorrida), não foram corroboradas; nenhuma dessas empresas era parte num ADAM e uma delas esclareceu que «o Chrome podia coexistir com os navegadores dos FEO e que não [era] exigido que este último fosse programa de navegação por defeito»; estas declarações também foram contraditadas pelos FEO que, como a Huawei, definiram um navegador concorrente por defeito (a seguir «terceira crítica»);

—        afirmar que os FEO não têm interesse em pré‑instalar aplicações concorrentes, uma vez que a maior parte da utilização ligada às pesquisas é feita na Google, implica que essas aplicações são menos atrativas, o que equivale a proteger concorrentes menos eficazes (a seguir «quarta crítica»).

484    Todavia, estas críticas não são suscetíveis de pôr em causa a afirmação controvertida.

485    Com efeito, como já foi salientado, a Google não contesta que o ADAM tinha por consequência que nenhuma aplicação dos serviços de pesquisa geral concorrente da aplicação Google Search podia obter a pré‑instalação exclusiva nos aparelhos Google Android (considerandos 830 a 832 da decisão recorrida). Nestes aparelhos só era possível a pré‑instalação conjunta.

486    Além disso, na prática, há que salientar que, pelo simples facto de existir um ADAM, a Google atribuía‑se uma pré‑instalação que permanecia exclusiva se o FEO não decidisse instalar conjuntamente outra aplicação de serviço de pesquisa geral.

487    Antes de mais, diversamente da pré‑instalação obtida à partida pela Google ao abrigo do ADAM, esse FEO ou um concorrente da Google devia ter em conta outros parâmetros para pré‑instalar ou obter a pré‑instalação de outra aplicação de serviços de pesquisa geral.

488    Neste contexto, a percentagem de receitas potenciais suscetível de ser proveniente da pré‑instalação de uma ou mais aplicações de serviços de pesquisa geral suplementares não era comparável, em termos de alcance e de eficácia, com a proveniente do ADAM e só podia ser limitada.

489    Isto explica‑se antes de mais, como salienta a Comissão nos considerandos 825 a 830 da decisão recorrida, pelo facto de o serviço de pesquisa geral da Google ser o líder do setor com quotas de mercado elevadas e estáveis de mais de 90 % na maior parte dos países do EEE, e isto desde 2008 (v. considerandos 683 e 684 da decisão recorrida). Também deve ser tida em conta a elevada notoriedade da marca Google, de que o seu serviço de pesquisa geral beneficia (considerandos 712, 812 e 830 da decisão recorrida). A Google não critica nenhuma destas afirmações.

490    A Google critica antes a afirmação feita no final do considerando 825 da decisão recorrida segundo a qual, mesmo em caso de pré‑instalação de uma aplicação de serviço de pesquisa geral concorrente em aparelhos SMG, «a Google ainda era definida por defeito nos outros pontos de entrada principais, nomeadamente nos programas de navegação». Com efeito, na sua segunda crítica, a Google alega que esta afirmação é errada, por um lado, porque «o ADAM nunca exigiu que a Google [Search] fosse definida por defeito nos programas de navegação concorrentes» e, por outro, porque essa afirmação assenta em elementos de prova relativos à configuração por defeito em aparelhos não Android (v. considerando 796, n.o 2, da decisão recorrida, que faz referência a aparelhos iOS, e PC equipados com Safari, Opera ou Firefox).

491    Quanto aos dois primeiros argumentos da segunda crítica, há que começar por salientar que a decisão recorrida não afirma que a configuração por defeito do serviço de pesquisa geral Google Search noutros pontos de entrada principais resultava do ADAM. Tomada no seu contexto, a declaração feita no final do ponto 825 da decisão recorrida deixa antes entender, como alega a Comissão na sua contestação, que a Google utilizava diversos meios à sua disposição para obter dos FEO a definição da Google Search como serviço de pesquisa geral por defeito noutros pontos de entrada, além do resultante da utilização da aplicação Google Search pré‑instalada.

492    Efetivamente, embora seja verdade, como salienta a Google, que alguns elementos de prova evocados na decisão recorrida para demonstrar a importância da utilização da Google Search para efetuar pesquisas gerais não dizem respeito aos aparelhos SMG, mas a aparelhos iOS, a PC equipados com o Chrome ou a PC equipados com programas de navegação Safari, Opera ou Firefox, todos configurados por defeito em Google Search (v. considerando 796, n.o 2, da decisão recorrida), verificou‑se também que, nos aparelhos SMG, mesmo em casos de pré‑instalação de uma aplicação de serviço de pesquisa geral concorrente, a Google Search ainda era definida por defeito noutros pontos de entrada, nomeadamente nos programas de navegação.

493    Com efeito, como resulta dos considerandos 818 e 973 da decisão recorrida, a Google não permite que outro serviço de pesquisa geral além da Google Search seja configurado por defeito no Chrome. Esta configuração por defeito não pode ser alterada por um FEO.

494    Do mesmo modo, resulta das respostas às medidas de organização do processo que, na maior parte dos programas de navegação pré‑instalados a par do Chrome ou mesmo descarregados, a Google Search era o serviço de pesquisa geral por defeito. É o caso da Samsung, do Mozilla e do UC Web browser ou, no EEE, do Opera. A referida configuração por defeito era uma consequência de um APR ou de um acordo nesse sentido celebrado entre a Google e a empresa em causa, o que tinha como consequência relativizar o interesse financeiro que um FEO podia encontrar em pré‑instalar uma aplicação de serviço de pesquisa geral concorrente da aplicação Google Search.

495    Os diferentes meios utilizados pela Google no âmbito da sua estratégia global de consolidar e preservar a sua posição nos mercados da pesquisa geral, nomeadamente a efetuada a partir de aparelhos móveis que utilizam Internet, permitiam‑lhe assim obter, com o serviço de pesquisa geral Google Search e para quase todos os mercados nacionais no EEE em 2016, uma quota de mercado que representava entre duas e cinco vezes a quota de mercado combinada de todos os outros serviços de pesquisa geral (v. considerando 796, n.o 1, da decisão recorrida).

496    Por conseguinte, tendo em conta estas observações factuais, há que considerar que a afirmação feita no final do considerando 825 da decisão recorrida de que, mesmo em caso de pré‑instalação de uma aplicação de serviço de pesquisa geral concorrente nos aparelhos SMG, «a Google ainda era definida por defeito nos outros pontos de entrada principais, nomeadamente os programas de navegação», não é errada.

497    Em todo o caso, quanto ao terceiro argumento da segunda crítica, o alcance das referências feitas na decisão recorrida às disposições do ADAM relativas à configuração por defeito referidas pela Google, que tinham sido mal interpretadas e, em todo o caso, suprimidas, deve ser relativizado na medida em que essas referências não têm consequências sobre o raciocínio que precede. Nestas condições, a sua crítica pela Google torna‑se inoperante.

498    É verdade que, noutras passagens da decisão recorrida além do considerando 825, a Comissão indicou que algumas versões do ADAM estavam redigidas de tal maneira que pareciam exigir dos FEO a configuração por defeito do serviço de pesquisa geral Google Search em todos os pontos de acesso dos pedidos de pesquisa efetuados nos aparelhos SMG (v. considerando 185, onde se refere também que essa obrigação foi abandonada pela Google a partir de outubro de 2014).

499    No entanto, importa considerar que, pelas razões evocadas pela Google no procedimento administrativo, deixou de se contestar que essas disposições contratuais não exigiam dos FEO a configuração da Google Search por defeito em todas as pesquisas efetuadas a partir de um navegador pré‑instalado num aparelho Google Android. Segundo o que a Google indica, sem que tal seja refutado pela Comissão, a cláusula visada tinha por objetivo resolver os conflitos suscetíveis de ocorrer quando um pedido de pesquisa geral, feito a partir de qualquer aplicação, pudesse ser tratado por mais do que uma aplicação de pesquisa geral.

500    Por conseguinte, ainda que a Comissão possa validamente salientar que resulta dos autos que pode haver uma certa ambiguidade quanto ao real alcance dessas disposições no início do período infracional (v. considerandos 1228 a 1238, por um lado, e considerando 1230 da decisão recorrida, por outro, no âmbito da análise dos APR por carteira), não deixa de ser verdade que as explicações dadas a este propósito pela Google são convincentes e permitem explicar a sua razão de ser. Quanto a esta questão, a dúvida deve aproveitar à empresa posta em causa.

501    Quanto à primeira crítica, a referência feita, no âmbito do exame do caráter abusivo dos APR por carteira que faz parte do terceiro fundamento, a hipótese de que um ou mais concorrentes hipotéticos, tão eficazes como a Google, possam obter uma percentagem de 22,5 % dos pedidos de pesquisa geral «se estiverem instalados a par da Google e definidos por defeito nos pontos de entrada dos programas de navegação», não põe em causa o raciocínio da Comissão criticado pela Google. Com efeito, admitindo que essa hipótese possa ser tomada em consideração para apreciar «a percentagem das receitas potenciais que os FEO retirariam da pré‑instalação de uma ou mais aplicações de serviços de pesquisa geral suplementares», a verdade é que as receitas em causa são dificilmente comparáveis com as obtidas pela Google devido às condições de pré‑instalação previstas pelo ADAM.

502    Além disso, em princípio, para aceitar pré‑instalar conjuntamente uma ou mais aplicações de serviços de pesquisa geral a par dos pré‑instaladas em aplicação do ADAM, o FEO pede uma remuneração ao concorrente da Google. Ora, tendo em conta apenas a presença da aplicação Google Search e do Chrome, mesmo sem a hipótese da concessão de pagamentos para obter a exclusividade no âmbito dos APR por carteira, o que um concorrente da Google pode propor a este respeito não pode ser interessante tendo em conta as receitas com as quais poderia contar no âmbito dessa pré‑instalação conjunta.

503    Quanto à terceira crítica, a Comissão recorda com razão que, mesmo supondo que um FEO também pré‑instale um programa de navegação concorrente do Chrome nos aparelhos SMG, não o pode definir como navegador por defeito.

504    Com efeito, como resulta das respostas às medidas de organização do processo, a Google não contesta que, por força dos AAF e do DDC, se estivesse pré‑instalado num aparelho Android mais de um programa de navegação, nenhum destes podia ser definido por defeito.

505    Ora, no que respeita aos aparelhos Google Android, dado que, em aplicação do ADAM, o FEO era obrigado a pré‑instalar o Chrome para obter o pacote SMG, o considerando 935 da decisão recorrida enuncia por conseguinte com razão que, tendo em conta os efeitos combinados deste acordo com as disposições referidas supra, «mesmo que estivesse instalado um programa de navegação concorrente, não podia ser definido por defeito».

506    A este respeito, contrariamente ao que alega a Google e como já foi declarado nos n.os 462 e 463, supra, as declarações feitas por certas empresas não podem ser utilmente invocadas para pôr em causa a apreciação contestada.

507    Uma mensagem de correio eletrónico da Google de 27 de março de 2013, dirigida a um dos principais FEO, dá assim conta da necessidade de este permitir que o utilizador possa escolher entre o programa de navegação pré‑instalado deste último e o Google Chrome num caso deste tipo.

508    Por conseguinte, a declaração feita pela Orange numa mensagem de correio eletrónico de 3 de agosto de 2012, de que «o Chrome poderá coexistir com os programas de navegação dos fabricantes[;] a Google não o impõe como programa de navegação por defeito», indica simplesmente que o ADAM não obriga os FEO a parametrizar o Chrome como programa de navegação por defeito e que esse programa podia, consequentemente, coexistir com outros programa de navegação (v. n.o 463 supra).

509    As declarações feitas por outra empresa em 2013 (considerando 935, n.o 2, da decisão recorrida) também se inscrevem no contexto em que, como alega a Comissão, os FEO e, em seguida, os ORM não podiam definir um programa de navegação concorrente por defeito. Essas declarações podiam efetivamente ser invocadas pela Comissão para considerar, como fez no considerando 935 da decisão recorrida, que, «mesmo que também estivesse pré‑instalado um programa de navegação concorrente, este não podia ser definido como programa de navegação por defeito» (v. n.o 462 supra).

510    Quanto à declaração feita pela Huawei em 2015, enquanto resposta preliminar dada por um dos seus trabalhadores, de que «o navegador Huawei é pré‑carregado em todos os telefones inteligentes no mercado do EEE enquanto programa de navegação sistema por defeito», o seu conteúdo permanece ambíguo (v. n.o 463 supra). Assim, como alega a Comissão, é efetivamente difícil saber o que o autor da resposta considera ser um «programa de navegação sistema por defeito», tendo em conta o que era exigido pelo DDC em aplicação do qual os FEO não podiam definir um programa de navegação concorrente por defeito. Por conseguinte, o programa de navegação da Huawei não podia, em princípio, ser definido por defeito se estivesse pré‑instalado num aparelho em que o Chrome também estivesse pré‑instalado, pelo menos no sentido definido pelo DDC. Consequentemente, como também alega a Comissão, é provável que a expressão «programa de navegação sistema por defeito» remeta simplesmente para o facto de o programa de navegação da Huawei ser «pré‑carregado», isto é, pré‑instalado nos aparelhos Google Android.

511    Do mesmo modo, não é possível atribuir um valor determinante ao conteúdo da correspondência da Opera, transmitido por sua própria iniciativa à Comissão em 31 de maio de 2017, que indica que «certos FEO Android aceitaram pré‑instalar o Opera e defini‑lo como programa de navegação por defeito nos seus aparelhos e fazê‑lo figurar de maneira proeminente no ecrã inicial por defeito». Com efeito, a referida correspondência vem contradizer o que tinha sido anteriormente exposto pela Opera, na sua resposta ao pedido de informações, de 19 de outubro de 2015, que indicava, pelo seu lado «que a disponibilidade do programa de navegação Chrome enquanto aplicação de navegação por defeito, pré‑instalada e disponível no ecrã inicial dos telefones Android limit[ava] a capacidade do Opera para concorrer para a posição por defeito em todos os aparelhos Android» (v. considerando 925, n.o 2, da decisão recorrida).

512    A este propósito, para explicar a evolução da sua posição, a Opera indica no seu articulado de intervenção que, enquanto em 2015 o seu entendimento era que «os ADAM exigiam que os FEO não só pré‑instalassem o Chrome, mas também que o parametrizassem como programa de navegação por defeito e previssem uma colocação em primeiro plano no ecrã inicial dos aparelhos Android», em 2017 tinha verificado que «a sua interpretação não correspondia manifestamente às condições de pré‑instalação dos ADAM[;] os ADAM exig[iam] apenas que o Chrome fosse pré‑instalado numa pasta». Pode‑se efetivamente avançar com essa explicação, uma vez que as condições de pré‑instalação dos ADAM não impunham a configuração por defeito de um programa de navegação em detrimento de outro em caso de pré‑instalação conjunta (v. n.o 491 supra).

513    Todavia, como observa acertadamente a Comissão, a configuração por defeito de um programa de navegação concorrente em caso de pré‑instalação conjunta com o Chrome não era possível devido aos efeitos combinados do ADAM e do DDC. A configuração por defeito de um programa de navegação concorrente pré‑instalado só era possível com a intervenção do utilizador numa fase posterior. Aliás, nas suas alegações de intervenção, a Opera já não invoca a pré‑instalação do seu programa de navegação com a sua configuração «como programa de navegação por defeito» e uma colocação no ecrã inicial, mas apenas a pré‑instalação do seu programa de navegação com uma colocação no ecrã inicial.

514    Quanto à quarta crítica, não é possível concordar com a Google quando afirma que a apreciação controvertida implica que as aplicações de serviços de pesquisa concorrentes eram menos atrativas para os utilizadores ou que provinham de concorrentes menos eficazes. Com efeito, como já se declarou (v. n.o 294 supra), a decisão recorrida expõe as razões pelas quais tal suposição não pode ser feita no caso em apreço, tendo em conta o interesse que representavam as diferentes soluções técnicas propostas pelos concorrentes da Google para os utilizadores ou para a inovação.

515    Em conclusão, resulta do que precede que não há que pôr em causa a apreciação da Comissão de que os FEO só podiam obter receitas limitadas da pré‑instalação de um ou mais serviços de pesquisa geral concorrentes em paralelo com a aplicação Google Search.

–       Quanto aos custos de transação

516    Em segundo lugar, a Google critica a afirmação de que os custos de transação dissuadem os FEO de negociar acordos de pré‑instalação com outros serviços de pesquisa geral, uma vez que «esses custos são dificilmente justificados para um pequeno volume de aparelhos» (v. considerando 826, da decisão recorrida). Com efeito, não foi feita nenhuma prova que permita justificar ou quantificar esses custos de transação ou ainda demonstrar a razão pela qual estes apenas abrangem um pequeno volume de aparelhos. O único elemento citado a este respeito, a saber, uma mensagem de correio eletrónico interno da Google de 2012 sobre discussões com um FEO no que respeita à partilha das receitas geradas pela Play Store em televisões e aparelhos móveis, é, segundo a Google, insuficiente (v. considerando 1222, n.o 2, da decisão recorrida).

517    Para a Comissão, a decisão recorrida não tira «nenhuma conclusão geral de que os custos de transação imped[iam] os acordos de pré‑instalação», mas constata simplesmente que, devido aos custos de transação, era pouco provável que os FEO celebrassem um grande número de acordos para pequenos volumes, quer se tratasse de acordos de pré‑instalação ou de partilha de receitas. Além disso, segundo a Comissão, a mensagem de correio eletrónico interno da Google de 2012 mostra que esta reconhecia, no que lhe dizia respeito, a existência desses custos de transação.

518    Resulta do que precede que as partes principais concordam em reconhecer que a declaração relativa aos custos de transação não pode ser interpretada no sentido de que impede os acordos de pré‑instalação. A questão consiste antes em saber se esses custos tornam improváveis a celebração de acordos de pré‑instalação para um pequeno volume de aparelhos.

519    O único elemento evocado sobre esta questão na decisão recorrida, a saber, a mensagem de correio eletrónico interno da Google de 2012, evocada no considerando 826 e no considerando 1222, n.o 2, não pode ser considerada suficiente para fundamentar a existência de um obstáculo à negociação de acordos de pré‑instalação.

520    Com efeito, trata‑se de um documento único, relativamente antigo no que respeita ao período da infração e não diretamente pertinente porque é relativo a uma negociação em curso entre a Google e um FEO sobre a partilha das receitas geradas pela Play Store em televisões e aparelhos móveis. As indicações de que este acordo tinha por objeto um volume qualificado de «não significativo», tendo em conta os recursos utilizados e os pagamentos efetuados pela Google, são simultaneamente demasiado genéricos na medida em que não estão quantificados e estão demasiado ligados à situação específica da Google para poderem ser generalizadas à situação dos seus concorrentes.

521    Por conseguinte, como alega a Google, não resulta dos autos que os custos de transação mencionados na decisão recorrida impediam a negociação de acordos de pré‑instalação entre FEO e fornecedores de um serviço de pesquisa geral concorrente da Google Search. No entanto, mesmo que esses custos não obstem à negociação desses acordos, não é menos verdade que se trata de um parâmetro económico que os FEO têm em conta quando verificam o seu interesse.

522    É neste contexto que há que ter em conta os diversos elementos e apreciações evocados na decisão recorrida no que respeita aos custos de transação.

–       Quanto à experiência do utilizador

523    Em terceiro lugar, a Google critica a afirmação de que «a duplicação de um número demasiado elevado de aplicações pode ter um impacto negativo na experiência do utilizador», porque, por exemplo, os utilizadores «serão convidados a escolher diversas vezes a aplicação a utilizar ou a definir como aplicação por defeito» (considerandos 827 e 828, da decisão recorrida). Com efeito, segundo a Google, a decisão recorrida não demonstra que a escolha de uma aplicação geral de pesquisa ou de um programa de navegação prejudica a experiência do utilizador, de modo que os FEO não pretenderiam pré‑instalar serviços concorrentes. A decisão recorrida também não demonstra que os utilizadores são «convidados diversas vezes» a selecionar qual a aplicação de pesquisa geral ou qual o programa de navegação que desejam utilizar ou definir por defeito. Além disso, a pré‑instalação de uma aplicação de pesquisa geral e de um navegador concorrentes não se sobrepõe a «demasiadas aplicações», limitando‑se a duplicar a Google Search e o Chrome. Não se trata de um «bloatware», uma vez que este termo visa as aplicações que não têm ou têm pouca utilidade.

524    Por seu lado, a Comissão recorda que, por força do ADAM, os FEO devem pré‑instalar um conjunto de 12 a 30 aplicações da Google e não apenas a aplicação Google Search e o Chrome. Neste contexto, a duplicação de um número demasiado elevado de aplicações da Google tem, segundo a Comissão, um impacto negativo na experiência do utilizador. Esta observação é válida para as diversas aplicações integradas no pacote SMG e não especificamente para as aplicações de pesquisa geral e do programa de navegação concorrentes da aplicação Google Search ou do Chrome.

525    Resulta do que precede que as partes principais estão de acordo em reconhecer que as críticas relativas à duplicação das aplicações não dizem propriamente respeito às aplicações Google Search e Chrome ou às aplicações de pesquisa geral e aos programas de navegação concorrentes, mas sim a outras aplicações, integradas no pacote SMG.

526    Os elementos referidos a este respeito nos considerandos 827 e 828 da decisão recorrida, a saber, uma mensagem de correio eletrónico interna da Google de 10 de janeiro de 2012, uma mensagem de correio eletrónico interna da Google, de 17 de janeiro de 2014, relativa ao estado das discussões entre a Google e um FEO, e uma mensagem de correio eletrónico da Google para esse FEO, de 18 de abril de 2014, confirmam que é esse efetivamente o caso.

527    Além disso, no que toca mais precisamente ao inconveniente que poderia representar para um utilizador o facto de ser convidado diversas vezes a selecionar a aplicação de pesquisa geral ou o programa de navegação que pretende utilizar ou definir por defeito, há que salientar que a Google alega, sem ser contestada quanto a este ponto, que esse convite só surge quando uma aplicação pretende desencadear uma pesquisa geral ou uma ação no programa de navegação e que a aplicação não especificou o serviço de pesquisa geral ou o programa de navegação a utilizar e, quando isso ocorre, o utilizador pode em geral selecionar «sempre» para utilizar a aplicação que prefere, caso em que o convite não volta a aparecer. A Google também observa, sem ser contraditada, que, em todo o caso, os utilizadores podiam facilmente desativar as aplicações Google Search e Chrome, pelo que se tornariam invisíveis e deixariam de funcionar.

528    Por conseguinte, como alega a Google, não resulta dos autos que a instalação de duas ou mais aplicações de pesquisa geral e de programas de navegação prejudique a experiência dos utilizadores.

–       Quanto ao espaço de armazenamento

529    Em quarto lugar, a Google critica a afirmação de que «a duplicação de um grande número de aplicações Google obrigatórias po[dia] gerar problemas de espaço de armazenamento em alguns aparelhos» (considerandos 829 e 933, da decisão recorrida), uma vez que a pré‑instalação de diversas aplicações de pesquisa geral e de programa de navegação não podia certamente preencher o espaço de armazenamento de um aparelho móvel moderno. Com efeito, segundo a Google, a capacidade da memória dos aparelhos móveis aumentou exponencialmente. Por exemplo, o Samsung Galaxy S9 era entregue com 64 gigabytes de memória interna, o S9+ com até 256 gigabytes de memória e o HTC Desire dispunha de uma memória flash interna de 512 MB, ao passo que uma aplicação de pesquisa geral concorrente como o Bing representava 2,9 MB em 2012 e 14 MB em 2016. Além disso, segundo os dados fornecidos pelo International Data Corporation (IDC), em 2012, a maioria dos smartphones Android entregues dispunham de uma capacidade de armazenamento de 4 gigabytes ou mais, e no primeiro semestre de 2017, 74 % dos aparelhos dispunha de uma capacidade de armazenagem de 16 gigabytes ou mais. As declarações citadas pela decisão recorrida não suplantam a prova objetiva da capacidade de armazenamento disponível.

530    Para a Comissão, a decisão recorrida não constata que os problemas ligados ao espaço de armazenamento dos aparelhos dissuadem geralmente os FEO de pré‑instalar uma aplicação concorrente além da aplicação Google Search ou do programa de navegação Chrome. A decisão recorrida constata apenas que os FEO deviam estar atentos às consequências, para a experiência do utilizador, da duplicação de uma determinada aplicação Google pré‑instalada, tendo em conta o facto de que, nos termos do ADAM, estes deviam pré‑instalar um conjunto de 12 a 30 aplicações da Google e que a duplicação de um tão grande número dessas aplicações da Google podia levantar problemas com o espaço de armazenamento de certos aparelhos (considerandos 827 a 829 e 926 da decisão recorrida).

531    Tal como a acusação que precede, relativa à experiência do utilizador, as partes principais estão de acordo em reconhecer que as críticas relativas à duplicação das aplicações não dizem propriamente respeito às aplicações Google Search e Chrome ou às aplicações de pesquisa geral e aos programas de navegação concorrentes, mas sim a outras aplicações, compreendidas em todo o SMG.

532    No que respeita às aplicações de serviços de pesquisa geral e tendo em conta os desenvolvimentos tecnológicos relativos à memória dos aparelhos inteligentes móveis e às ilustrações fornecidas pela Google, a duplicação deste tipo de aplicações não parece suscetível de colocar realmente problemas. Há que salientar, a este respeito, que a declaração da Hutchinson 3G referida a este propósito no considerando 829 da decisão recorrida diz respeito à duplicação das aplicações em geral e não à da das aplicações de serviço de pesquisa geral. Por conseguinte, como alega a Google, não resulta dos autos que a instalação de duas ou mais aplicações de pesquisa geral coloque problemas de armazenamento.

533    No que respeita aos programas de navegação, há, no entanto, que salientar que as declarações de dois FEO, citadas no considerando 934 da decisão recorrida, fazem referência, o primeiro, a pedidos do ORM em agosto de 2012 e o outro à decisão de não voltar a pré‑instalar a partir de 2012 o seu próprio programa de navegação, tendo em conta a pré‑instalação obrigatória do Chrome em aplicação do ADAM. Por conseguinte, é legítimo pensar que essas declarações foram feitas num momento em que o espaço disponível nos aparelhos móveis inteligentes ainda era relativamente limitado, o que devia deixar de ser o caso posteriormente, como ilustra a Google ao apresentar exemplos retirados de aparelhos modernos.

534    Consequentemente, embora não esteja demonstrado que a pré‑instalação de diversas aplicações de serviço de pesquisa geral coloca um problema de capacidade de armazenamento, verifica‑se, no entanto, que alguns FEO, devido à instalação do Chrome, renunciaram à instalação de programas de navegação concorrentes, pelo menos nos primeiros anos da infração. Também resulta dos autos que, pelo menos a partir de 2016, um dos FEO citados no ponto 934 da decisão recorrida pôde instalar o seu próprio programa de navegação além do Chrome nos seus aparelhos Google Android. A condicionante exercida pelo espaço de armazenagem parece assim ter rapidamente desaparecido.

535    Todavia, no prolongamento desta análise e tendo portanto em conta o aumento constante da capacidade da memória dos aparelhos móveis, também deve ser tido em conta o facto de as aplicações Google Search e Chrome serem objeto de um conjunto, o que aumentava ainda mais o espaço ocupado.

536    É neste contexto que há que ter em conta diferentes elementos e apreciações evocados na decisão recorrida relativamente ao espaço de armazenamento.

–       Conclusão

537    Resulta do que precede que, apesar de algumas das acusações feitas pelas recorrentes contra certos elementos da fundamentação da decisão recorrida permitirem atenuar ou relativizar o alcance desta, a Comissão estava efetivamente em condições de considerar que, mesmo que os prestadores de serviços de pesquisa geral concorrentes da Google Search continuassem a ser livres de fornecer a mesma pré‑instalação aos FEO e aos ORM que a concedida à aplicação Google Search e ao Chrome nos aparelhos Google Android vendidos no EEE, isso não se concretizou durante o essencial do período de infração e que pelo menos uma parte da explicação para a falta de tais pré‑instalações reside nos efeitos combinados dos ADAM, dos APR e dos AAF.

538    Sobre este ponto, a diferença de situação entre a Seznam, que não conseguiu, apesar dos seus esforços, obter acordos de pré‑instalação em aparelhos Google Android, e a Opera, que conseguiu obter acordos de pré‑instalação nesses aparelhos, é esclarecedora, na medida em que esta diferença se explicava pelo facto de que a primeira procurava fazer concorrência ao serviço de pesquisa geral Google Search ao passo que a segunda pretendia recorrer a esse serviço por defeito no seu programa de navegação.

c)      Outros meios diferentes da préinstalação que permitem chegar aos utilizadores

1)      Argumentos das partes

539    A Google alega que os concorrentes são não só livres de se certificarem de que os FEO pré‑instalam os seus serviços de pesquisa geral, os configuram por defeito e os posicionam de maneira igual ou superior relativamente às aplicações Google pré‑instaladas, mas que dispõem igualmente de um acesso livre aos utilizadores através do descarregamento e do programa de navegação no caso de serviços de pesquisa geral. Isso não permite concluir, em sua opinião, que as condições de pré‑instalação sejam aptas a excluir os utilizadores. O comportamento dos utilizadores demonstra que descarregam, de maneira sustentada, aplicações, incluindo concorrentes, para as quais uma alternativa está pré‑instalada num aparelho. Estes hábitos de descarregamento contradizem, segundo a Google, a afirmação da decisão recorrida de que a pré‑instalação cria um «desvio do statu quo» que impede os utilizadores de procurar serviços concorrentes.

540    Em primeiro lugar, quanto ao descarregamento das aplicações pelos utilizadores, a Google observa que o descarregamento é um meio eficaz para chegar aos utilizadores, incluindo quando estão pré‑instaladas aplicações concorrentes. Os elementos de prova relativos à aplicação Google Search, à Seznam, à Naver e à Yandex confirmam, em sua opinião, o descarregamento dos serviços de pesquisa geral concorrentes se eram atrativos. Os programas de navegação também atingem taxas de descarregamento importantes. Comparativamente, os elementos em que se baseia a decisão recorrida não são, segundo a Google, suficientes para afirmar que o descarregamento é ineficaz. Assim, as respostas aos pedidos de informações citadas não refletem o teor geral das respostas recebidas.

541    Por conseguinte, ainda segundo a Google, nem a reticência geral dos utilizadores em descarregar aplicações para as quais está pré‑instalado um serviço concorrente, nem a ineficácia do descarregamento podem explicar as reduzidas percentagens de descarregamento de aplicações de pesquisa geral concorrentes verificadas na decisão recorrida (considerandos 808 a 810). Tendo em conta as elevadas taxas de descarregamento de outros tipos de aplicações concorrentes, é mais plausível que estas reduzidas percentagens de descarregamento sejam o resultado de fatores não ligados ao ADAM, como a preferência dos utilizadores pela Google Search, a sua qualidade e os seus desempenhos, ou que os utilizadores efetuem as suas pesquisas através do programa de navegação.

542    Em segundo lugar, a Google salienta que os utilizadores podem aceder fácil e rapidamente aos serviços de pesquisa geral concorrentes através do programa de navegação, sem descarregar aplicações. Alguns programas de navegação, como o Chrome, já propõem serviços de pesquisa geral concorrentes, fornecendo aos utilizadores listas sob a forma de menus de seleção com diferentes serviços de pesquisa geral, permitindo‑lhes assim escolher um por defeito. A decisão recorrida constata que a maior parte dos pedidos da Google Search provêm do programa de navegação, e não da aplicação Google Search [considerando 1234, n.o 3, alínea b)]. A importância do Chrome, em termos de utilização de programas de navegação e a configuração da Google Search para este último, como serviço de pesquisa geral por defeito (considerandos 818 e 821 da decisão recorrida) não são pertinentes. O que importa é que os utilizadores possam aceder, e acedem, aos serviços de pesquisa geral concorrentes através do Chrome, do mesmo modo que com qualquer navegador móvel. Por conseguinte, os utilizadores têm acesso sem restrições aos serviços de pesquisa geral concorrentes através do programa de navegação e uma grande parte dos pedidos de pesquisa é efetuada dessa maneira.

543    Por outro lado, com base nesta argumentação, a Google critica a decisão recorrida por confundir «vantagem competitiva» e «exclusão anticoncorrencial». A segunda é, em sua opinião, deduzida da primeira. Ora, para que o comportamento seja considerado abusivo, a Comissão devia demonstrar que o efeito de exclusão tornava «mais difícil, ou mesmo impossível, o acesso ao mercado dos concorrentes da empresa em posição dominante». Uma desvantagem concorrencial não equivale a uma prática de exclusão anticoncorrencial. No caso em apreço, mesmo admitindo que as condições de pré‑instalação do ADAM conferem à Google uma «vantagem concorrencial significativa», o que, segundo a Google, não é o caso, a decisão recorrida não demonstra que os concorrentes não conseguiram compensar essa vantagem ou que essas condições tornaram «a sua entrada no mercado muito difícil, ou mesmo impossível». A decisão recorrida não procura qualificar a vantagem concorrencial invocada e não examina a taxa de cobertura do comportamento, quando a grande maioria dos pedidos de pesquisa geral no EEE — entre [80‑90] % e [70‑80] %, entre 2013 e 2015 — não foi feita nos aparelhos Google Android (considerando 796). O ADAM estava limitado aos aparelhos SMG, que representam apenas uma fração dos aparelhos em que os utilizadores acedem a programas de navegação e a serviços de pesquisa geral; estes utilizam nomeadamente os aparelhos móveis Apple ou os computadores de escritório Windows. Além disso, os programadores de programas de navegação e de serviços de pesquisa geral são livres de negociar acordos de pré‑instalação para aparelhos SMG e obter uma publicidade idêntica ou superior para os seus serviços nesses aparelhos. A facilidade de acesso aos concorrentes graças ao descarregamento e ao programa de navegação significa, segundo a Google, que os referidos programadores dispunham de possibilidades adicionais para chegar aos utilizadores nesses aparelhos. Consequentemente, não há nenhum fundamento para alegar uma exclusão.

544    A Comissão sustenta que nenhuma das declarações da Google põe em causa a conclusão segundo a qual os concorrentes não podem compensar a importante vantagem concorrencial que a Google assegura graças à pré‑instalação da aplicação Google Search e do Google Chrome em praticamente todos os aparelhos Google Android vendidos no EEE. Com efeito, os descarregamentos de aplicações de pesquisa geral e de programa de navegação concorrentes ou a parametrização por defeito de um serviço de pesquisa geral concorrente nos programas de navegação em aparelhos Google Android não são comparáveis, em termos de presença e de eficácia (v. considerandos 805 a 812 e 917 a 931 da decisão recorrida). Por outro lado, para demonstrar a restrição da concorrência, a decisão recorrida tem em conta não só a importante vantagem concorrencial conferida pela pré‑instalação mas também o facto de esta não poder ser compensada pelos concorrentes (v. considerando 896, n.o 1, da decisão recorrida). Além disso, embora não seja necessário quantificar a importante vantagem concorrencial resultante da venda ligada, nem examinar a cobertura do mercado pela venda ligada, a decisão recorrida indica nomeadamente que, entre 2013 e 2015, os aparelhos Google Android representaram [10‑20] % a [20‑30] % dos pedidos de pesquisa gerais no Google Search no EEE, e, em 2016, [20‑30] % desses pedidos (v. considerando 796 da decisão recorrida).

2)      Apreciação do Tribunal Geral

545    Além das possibilidades de pré‑instalação oferecidas aos serviços de pesquisa geral ou aos programas de navegação concorrentes, a Google alega igualmente que os seus concorrentes podem compensar a tendência para bloquear a situação decorrente das condições de pré‑instalação do ADAM, contando com o comportamento dos utilizadores, os quais podem descarregar as suas aplicações ou aceder ao seu serviço de pesquisa geral através do programa de navegação.

i)      Quanto ao descarregamento de aplicações concorrentes

546    A título preliminar, há que salientar que as partes principais não contestam que os utilizadores podem facilmente descarregar aplicações de serviço de pesquisa geral ou de programas de navegação concorrentes da aplicação Google Search ou de Chrome.

547    As partes principais opõem‑se quanto à realidade desses descarregamentos, o que tem um impacto direto na possibilidade de os concorrentes do Google compensarem as condições de pré‑instalação do ADAM.

548    A análise feita na decisão recorrida relativamente a esta questão diz efetivamente respeito à caracterização dos efeitos concretos e reais do comportamento controvertido da Google no período compreendido entre 2011 ou 2012 e 2018.

549    A este propósito, quanto às aplicações de pesquisa geral, resulta dos dados fornecidos pela Google e reproduzidos na decisão recorrida que o número de descarregamentos de aplicações concorrentes da aplicação Google Search permaneceu reduzido relativamente ao número de aparelhos em que a aplicação Google Search estava pré‑instalada:

—        entre 2011 e 2016, os utilizadores descarregaram, a partir da Play Store, aplicações de pesquisa geral concorrentes em menos de 5 % dos aparelhos SMG vendidos no mundo, número que cai para menos de 1 % para os aparelhos SMG vendidos no EEE, uma vez que a maior parte desses descarregamentos foram efetuados na Coreia do Sul (considerandos 808 e 809 da decisão recorrida);

—        entre 2011 e 2016, o número anual de descarregamentos de aplicações de pesquisa geral concorrentes na Play Store em cada país do EEE foi mínimo, exceto na República Checa com a Seznam (considerando 810 da decisão recorrida);

—        quanto à República Checa, os utilizadores descarregaram a aplicação da pesquisa Seznam a partir da Play Store, no máximo, em 23 % dos aparelhos SMG vendidos nesse Estado‑Membro num determinado ano.

550    Do mesmo modo, no que respeita aos programas de navegação, resulta dos dados fornecidos pela Google e retomados na decisão recorrida que o número de descarregamentos de programas de navegação concorrentes do Chrome permaneceu baixo em relação ao número de aparelhos em que o Chrome foi pré‑instalado:

—        em 2016, nenhum navegador Web móvel concorrente obteve um número de descarregamentos comparável ao número de programas de navegação Google Chrome pré‑instalados (v. considerando 919 da decisão recorrida);

—        em 2016, os utilizadores descarregaram navegadores Web móveis concorrentes em menos de 50 % dos aparelhos SMG vendidos no mundo e, entre 2013 e 2016, os utilizadores descarregaram os navegadores Web móveis concorrentes em apenas cerca de 30 % dos aparelhos SMG vendidos no mundo (v. considerando 920 da decisão recorrida);

—        em 2016, os utilizadores descarregaram os programas de navegação UC, Opera e Firefox em menos de 1 %, 1,5 % e 4 %, respetivamente, dos aparelhos SMG vendidos no EEE, e, entre 2013 e 2016, o número total de descarregamentos de navegadores Web móveis concorrentes a partir da Play Store nos aparelhos SMG no EEE representou menos de 10 % dos aparelhos SMG nos quais o Google Chrome estava pré‑instalado (v. considerandos 921 e 922 da decisão recorrida).

551    Importa salientar, neste contexto, que os elementos invocados pela Google no que respeita ao descarregamento das aplicações Seznam, Naver e Yandex não são suficientes para pôr em causa as conclusões que precedem. Como reconheceram as partes principais, estes três exemplos explicam‑se pelo facto de se tratar de serviços de pesquisa geral definidos em torno de um algoritmo que tem em conta as especificidades linguísticas checa, coreana e russa.

552    A Comissão também explica de maneira convincente que o exemplo contrário do descarregamento da aplicação Google Search em aparelhos Windows Mobile para os quais o Bing está definido por defeito não é de modo nenhum tão conclusivo como a Google alega, uma vez que o ano de 2016 não é representativo e os dados invocados não incluem apenas os telefones inteligentes, mas também outros tipos de aparelhos (nota de pé de página n.o 901 da decisão recorrida). O número invocado de 95 % de descarregamentos da aplicação Google Search seria assim, na realidade, de apenas 27 % em 2016. Tal número pode ser comparado com o número de 23 % correspondente ao descarregamento da aplicação Seznam nos telefones inteligentes Google Android vendidos na República Checa, que tinham todos a aplicação Google Search pré‑instalada.

553    Do mesmo modo, é com razão que a Comissão observa, pelas razões expostas no considerando 813 da decisão recorrida, que as analogias sugeridas pela Google em consideração das práticas de descarregamento observadas em relação a outros tipos de aplicações, como as aplicações de correio eletrónico, não são pertinentes para a pesquisa e para a navegação Web.

554    Por outro lado, contrariamente ao que a Google afirma, os diferentes elementos expostos na decisão recorrida para demonstrar que o descarregamento de aplicações concorrentes da Google Search e do Chrome não compensa a vantagem concedida pela pré‑instalação, mantêm a sua pertinência. Estes elementos confirmam que os descarregamentos não são comparáveis em termos de presença e de eficácia na pré‑instalação.

555    É o caso da sondagem apresentada pela Opera (considerandos 812 e 923 da decisão recorrida) que, para dar apenas indicações sobre a utilização dos programas de navegação pré‑instalados e respeitar tão só ao ano de 2013, pode, apesar de tudo, ser invocada na decisão recorrida para sustentar que «alguns utilizadores continuam reticentes em descarregar aplicações e preferem utilizar o navegador Web móvel pré‑instalado».

556    Do mesmo modo, quanto às diferentes declarações prestadas nas respostas aos pedidos de informação, verifica‑se efetivamente que respostas que não são citadas na decisão recorrida referem a possibilidade teórica de o descarregamento compensar a pré‑instalação. No entanto, isso não retira pertinência às diversas respostas expostas na decisão recorrida que permitem sustentar a ideia de que os utilizadores têm tendência a privilegiar a aplicação pré‑instalada sobre uma aplicação para descarregar.

557    Além disso, contrariamente ao que a Google alega, não há que considerar que a decisão recorrida não está em conformidade com a jurisprudência e com a prática decisória anterior. Com efeito, a decisão recorrida não contesta que o descarregamento pode, em princípio, compensar a vantagem concedida pela pré‑instalação, o que já foi considerado noutros processos examinados pela Comissão. Todavia, no caso em apreço, pelas razões expostas na decisão recorrida e examinadas supra, verifica‑se que, mesmo sendo fácil e gratuito descarregar uma aplicação de pesquisa geral ou de programa de navegação, esse descarregamento não é realizado na prática ou é‑o em todo o caso numa parte insuficiente dos aparelhos em causa.

558    Consequentemente, há que julgar improcedente a acusação da Google relativa ao descarregamento das aplicações concorrentes.

ii)    Quanto ao acesso aos serviços de pesquisa concorrentes através do programa de navegação

559    A argumentação da Google não põe em causa a conclusão de que os concorrentes não podem compensar, por acordos com os programadores de navegadores Web móveis, a importante vantagem concorrencial que a Google assegura graças à pré‑instalação da aplicação Google Search em praticamente todos os aparelhos Google Android vendidos no EEE.

560    Para este efeito, há que comparar a situação real observada pela Comissão e retomada na decisão recorrida com as diferentes soluções alternativas invocadas pela Google, mas desprovidas de concretização na realidade.

561    Com efeito, como refere a Comissão, a parametrização por defeito de um serviço de pesquisa geral concorrente nos navegadores Web móveis em aparelhos Google Android não é comparável, em termos de presença e de eficácia, com a pré‑instalação da aplicação Google Search (v. considerandos 817 a 822 da decisão recorrida). Especificamente, deve ser tido em conta o facto de que a Google não permite definir por defeito outro serviço de pesquisa além da Google Search no Chrome e que este detinha uma percentagem de utilização de cerca de 75 % dos navegadores Web móveis não específicos de um SO na Europa e de 58 % a nível mundial.

562    A Comissão também expõe, sem ser contraditada quanto a este ponto pela Google, diversos elementos, entre os quais apresentações da Microsoft e da Yandex, que permitem demonstrar que os utilizadores não acedem, na prática, a outros serviços de pesquisa geral através dos programas de navegação e só raramente alteram a parametrização por defeito desses programas de navegação. Estas observações são pertinentes, contrariamente ao que alega a Google, e permitem demonstrar que, apesar da possibilidade oferecida de definir outro motor de pesquisa geral, este continua, na prática, a ser o definido na origem.

563    Nestas circunstâncias, há que rejeitar a acusação da Google relativa ao acesso aos serviços de pesquisa concorrentes através do programa de navegação.

iii) Quanto à confusão entre vantagem concorrencial e exclusão anticoncorrencial

564    Quanto à confusão invocada entre vantagem concorrencial e exclusão anticoncorrencial, há que salientar que esta acusação procede de uma leitura incorreta da decisão recorrida, da qual resulta que esta demonstra, por um lado, a existência de uma vantagem ligada às condições de pré‑instalação do ADAM, que não podia ser compensada pelos concorrentes, e, por outro, os efeitos anticoncorrenciais dessa vantagem.

565    Quanto à questão de saber se há que quantificar a vantagem, importa observar, em todo o caso, como sugere a Comissão, que, entre 2013 e 2015, os aparelhos Google Android representavam entre 11 e 24 % de todos os pedidos de pesquisa efetuadas na Google Search no EEE. Em 2016, os aparelhos Google Android representavam 29 % desses pedidos de pesquisa (considerando 796 da decisão recorrida). Do mesmo modo, em 2016, o ADAM abrangeu todos os aparelhos Google Android vendidos fora da China, o que corresponde a 76 % do número total de aparelhos móveis inteligentes vendidos na Europa e a 56 % do número total de aparelhos móveis inteligentes vendidos no mundo (incluindo a China) (considerandos 783, 784 e 901 da decisão recorrida). Nestas circunstâncias, continua a ser possível considerar, como faz a Comissão na decisão recorrida, que as condições de pré‑instalação do ADAM conferiam à Google uma importante vantagem concorrencial.

566    Por conseguinte, há que rejeitar a acusação da Google relativa à confusão entre vantagem concorrencial e exclusão anticoncorrencial.

iv)    Conclusão

567    Resulta do que precede que a Comissão tem razão em considerar que, embora os utilizadores continuassem a ser livres de descarregar aplicações concorrentes da aplicação Google Search e do Chrome ou de alterar as configurações por defeito, ou ainda que os programadores de navegadores Web móveis pudessem propor as suas aplicações aos FEO, isso não foi suficientemente o caso durante o essencial do período da infração devido às condições de pré‑instalação do ADAM.

d)      Falta de demonstração da ligação entre as percentagens de utilização e a préinstalação

1)      Argumentos das partes

568    A Google observa que, segundo a decisão recorrida, as suas quotas de pesquisa geral e de navegação «não parecem explicar‑se» pela preferência dos utilizadores e são «conformes com» uma restrição da concorrência (considerandos 835, 837, 947 e 954). Todavia, em sua opinião, a decisão recorrida não demonstra que as percentagens da Google tenham sido ocasionadas pelas condições de pré‑instalação contestadas ou que sejam incompatíveis com a concorrência pelo mérito, o que, no entanto, cabia à Comissão demonstrar. Além disso, segundo a Google, a decisão recorrida ignora numerosas provas segundo as quais o sucesso do serviço de pesquisa geral e do programador de navegação da Google reflete a sua qualidade. Invocar as notas da Play Store em relação à aplicação Google Search e aos seus concorrentes não é suficiente para pôr em causa estes elementos de prova.

569    A Comissão alega que nenhum dos argumentos da Google põe em causa a conclusão de que a importante vantagem concorrencial resultante da pré‑instalação da aplicação Google Search e do Google Chrome em praticamente todos os aparelhos Google Android vendidos no EEE e a incapacidade dos concorrentes para compensar essa vantagem concordam com a evolução das quotas de mercado da Google. Com efeito, o sucesso da aplicação Google Search e do Google Chrome não reflete apenas as pretensas «qualidade e desempenho superiores dos serviços da Google». Do mesmo modo, o facto de as avaliações dos utilizadores na Play Store se basearem em amostras de diferentes dimensões não é determinante. Segundo a Comissão, essas amostras são suficientemente extensivas para ser representativas.

2)      Apreciação do Tribunal Geral

570    Em primeiro lugar, quanto à pré‑instalação e aos seus efeitos, há que salientar que, na decisão recorrida, a Comissão indicou que as suas conclusões sobre a existência de uma vantagem concorrencial para a Google devido à pré‑instalação, que não tinha podido ser compensada pelos concorrentes e tinha por efeito restringir a concorrência pelo mérito em detrimento dos consumidores, eram confirmadas pela evolução das quotas de utilização imputáveis à Google efetuadas nos aparelhos móveis inteligentes (v. considerandos 835 a 851 e 947 a 963 da decisão recorrida).

571    Neste contexto, as referências que a Comissão faz à evolução dessas quotas de utilização não são, por si só, criticáveis. Com efeito, estas permitem à Comissão sustentar a sua demonstração de que, por um lado, a pré‑instalação confere uma vantagem às aplicações de pesquisa geral e de navegação da Google que dela são objeto e, por outro, esta vantagem não pôde ser compensada pelos concorrentes.

572    No que diz respeito à evolução da quota da Google nos pedidos de pesquisa geral efetuados por tipo de aparelho na Europa entre 2009 e março de 2017, a Comissão pode assim constatar que esta quota oscilou sempre entre 95 e 98 % de 2011 a março de 2017 no que respeita aos aparelhos móveis inteligentes e que foi sempre superior à observada durante o mesmo período no que toca aos PC (88‑95 %) ou aos tablets (90‑98 % de julho de 2012 a março de 2017) (considerando 836 da decisão recorrida).

573    Quanto à evolução da quota de utilização do Chrome comparada com a de outros navegadores móveis não específicos de um SO na Europa de agosto de 2012 a março de 2017, a Comissão também está em condições de declarar que a quota do Chrome passou de 4,7 % para 74,9 % durante esse período. Em contrapartida, a percentagem de outros navegadores Android (os «AOSP‑based browsers» ou os «Android browsers») passou de 74,5 % para 8,2 % no mesmo período. (v. considerando 949 da decisão recorrida; para uma apresentação de resultados a nível mundial, v. considerando 950 da decisão recorrida; para apresentação de resultados com os programas de navegação em PC, v. considerando 951 da decisão recorrida; para uma apresentação de resultados com os programas de navegação específicos de um SO na Europa v. considerando 952 da decisão recorrida).

574    Contrariamente ao que alega a Google, a Comissão pode legitimamente invocar estas evoluções em apoio da sua tese do prejuízo. Na medida em que esta tese toma como ponto de partida o «desvio do statu quo» ligado à pré‑instalação, que perturba o jogo da concorrência presumido pela Google, para que o utilizador possa, nomeadamente, obviar a esta tendência descarregando uma aplicação concorrente — o que precisamente não faz — a Comissão pode com razão reportar‑se às quotas de utilização.

575    Em segundo lugar, quanto ao fator relativo à qualidade e aos seus efeitos invocados, há que considerar que, numa situação como a do caso em apreço, a Comissão não tinha de determinar precisamente se essas quotas de utilização se explicavam não só pela pré‑instalação — o que considera — mas também ou até sobretudo pela superioridade qualitativa invocada pela Google. Com efeito, para a Google, o facto de não serem postas em causa as quotas de utilização da aplicação Google Search ou o aumento progressivo das quotas de utilização do Chrome explicam‑se mais pela superioridade qualitativa dos seus produtos do que pela pré‑instalação. Todavia, no caso em apreço, a pré‑instalação não é contestada, de modo que todos os aparelhos Google Android dispunham da aplicação Google Search e do Chrome, ao passo que o impacto da qualidade na falta de pré‑instalação ou de descarregamento de uma aplicação concorrente só é afirmada pela Google sem que os elementos de prova apresentados a este respeito sejam suficientes ou especialmente pertinentes.

576    A Google invoca, para este efeito, a declaração de um dos seus dirigentes, que se pronuncia sobre a superioridade qualitativa da aplicação Google Search relativamente aos seus concorrentes. Este documento faz efetivamente referência a elementos diferentes, entre os quais uma sondagem efetuada junto dos consumidores em 2016 que mostra que a Google Search era o motor de pesquisa geral preferido dos consumidores no Reino Unido, na Alemanha e em França e diversos artigos que indicavam que a Google Search apresentava melhores ou mais recentes funcionalidades que o Bing ou que o Bing não era tão preciso como anunciado. Todavia, a declaração do dirigente da Google e os diversos elementos que lhe estão anexados não bastam, enquanto tais, para demonstrar que a quota de utilização da Google Search e do Chrome se explica sobretudo pelo facto de a Google dispor de um serviço de qualidade superior e não pelo facto de essas aplicações serem pré‑instaladas.

577    De resto, mesmo admitindo que a Google Search e o Chrome beneficiam de uma superioridade qualitativa sobre os serviços propostos pelos concorrentes, esta não seria determinante, uma vez que não foi de modo nenhum alegado que os diferentes serviços propostos pelos concorrentes não estivessem tecnicamente em condições de satisfazer as necessidades dos consumidores.

578    Além disso, como resulta dos autos, as necessidades dos consumidores não são necessariamente satisfeitas pela solução qualitativamente melhor, admitindo que a Google possa alegar que os seus serviços representam tal solução, dado que outras variáveis além da qualidade técnica, como a proteção da vida privada ou a tomada em conta das especificidades linguísticas dos pedidos de pesquisa efetuados também desempenham um papel.

579    Em terceiro lugar, há que salientar que, para refutar o argumento da Google de que a qualidade dos seus produtos aos olhos dos consumidores, e não a pré‑instalação, explica a importância e a evolução das suas quotas de utilização, a Comissão indicou na decisão recorrida que essa vantagem qualitativa não parecia resultar das notas concedidas aos serviços concorrentes na Play Store.

580    Relativamente ao primeiro pacote, as notas médias da Play Store eram de 4,4 para a aplicação Google Search, com 5,8 milhões de avaliações, de 4,3 para a aplicação Bing, com 73 000 avaliações, de 4,2 para a aplicação do Yahoo, com 28 000 avaliações, de 4,3 para a aplicação da Seznam, com 39 000 avaliações e de 4,4 para a aplicação da Yandex, com 219 000 avaliações (considerando 837 da decisão recorrida).

581    Quanto ao segundo pacote, as notas médias da Play Store eram de 4,3 para o Chrome, com 7,4 milhões de avaliações, de 4,3 para a Opera, com 2,2 milhões de avaliações, de 4,4 para a Firefox, com 2,8 milhões de avaliações, de 4,5 para a UC browser com 13,9 milhões de avaliações e de 4,4 para a UC browser Mini com 2,8 milhões de avaliações (considerando 954 da decisão recorrida).

582    É certo que, como a Google salienta, as avaliações não representam a mesma importância e não constituem necessariamente um critério de avaliação representativo. Não obstante, como alega a Comissão, resulta efetivamente dessas notas que a apreciação qualitativa de diversos serviços em concorrência é análoga. Por conseguinte, pode ser tida em conta para considerar que a qualidade respetiva dos diferentes serviços de pesquisa e de programas de navegação em concorrência não é um critério determinante na sua utilização, propondo todos eles um serviço capaz de responder à procura.

583    Resulta do que precede que, tendo em conta a tendência para bloquear a situação ligada às condições de pré‑instalação do ADAM e na falta de demonstração do impacto preciso da superioridade qualitativa invocada pela Google quanto às suas aplicações de pesquisa geral e de navegação, foi com razão que a Comissão considerou que as quotas de utilização da Google corroboravam o «desvio do statu quo» ligado à pré‑instalação.

584    Por conseguinte, esta crítica deve ser rejeitada.

e)      Não tomada em consideração do contexto económico e jurídico

1)      Argumentos das partes

585    A Google alega que a decisão recorrida não avalia se as condições de pré‑instalação do ADAM eram aptas a prejudicar a concorrência que existiria sem elas, e isto tendo em conta todo o contexto económico e jurídico. Em sua opinião, uma análise completa desse contexto demonstra que essas condições não eram suscetíveis de eliminar a concorrência, nem aptas a fazê‑lo, uma vez que criavam novas oportunidades para os concorrentes, em vez de os privar delas. A medida em que a Google ou os seus concorrentes tiraram partido dessas oportunidades depende das qualidades dos respetivos serviços e da sua atratividade junto dos utilizadores. Com efeito, as condições de pré‑instalação do ADAM fazem parte do modelo de licença gratuita desenvolvido para a plataforma Android e não podem, assim, ser examinadas separadamente. Além disso, ainda segundo a Google, qualquer pessoa pode servir‑se do SO Android e utilizá‑lo gratuitamente.

586    A Comissão alega que é a Google, e não a decisão recorrida, que não aprecia o contexto económico e jurídico da venda ligada da aplicação Google Search com a Play Store e da venda ligada do Google Chrome com a Play Store e a aplicação Google Search. Com efeito, segundo a Comissão, a decisão recorrida tem em conta a natureza das interações entre as diferentes vertentes da plataforma Android (considerando 874 e 875, 990 e 991 da decisão recorrida). Deveter, nomeadamente, ter em conta os seguintes aspetos em que se inscreve a venda ligada:

—        no EEE, a pré‑instalação do Google Chrome abrangeu praticamente todos os aparelhos Google Android (considerando 901 da decisão recorrida);

—        nos aparelhos SMG, a Google não autoriza a pré‑instalação exclusiva de nenhuma outra aplicação geral de pesquisa além da Google Search. A aplicação Google Search é o único ponto de entrada mais importante para as pesquisas gerais nos aparelhos Google Android, e representava [40‑50] % de todos os pedidos de pesquisa geral nos aparelhos Google Android em 2016 (considerando 799, n.o 1, e considerando 974 da decisão recorrida);

—        a Google não permite parametrizar por defeito no Google Chrome um serviço de pesquisa geral diferente da Google Search (considerandos 818 e 973 da decisão recorrida), segundo ponto de entrada mais importante para as pesquisas gerais nos aparelhos Google Android, com [30‑40] % de todos os pedidos de pesquisa geral nos aparelhos Google Android efetuados através da Google Chrome em 2016 (considerandos 818, 973 e 974 da decisão recorrida);

—        entre 2011 e 2016, a Google celebrou acordos de partilha de receitas com FEO e ORM. Nos termos destes acordos, que abrangem entre [50‑60] % e [80‑90] % de todos os aparelhos Google Android vendidos no EEE, os FEO e os ORM eram obrigados a pré‑instalar exclusivamente a aplicação Google Search e a parametrizar a Google Search como serviço de pesquisa geral por defeito para todos os navegadores Web móveis pré‑instalados (v. considerandos 822 e 833 da decisão recorrida);

—        nos termos dos AAF, os FEO que pretendam vender nem que seja um único aparelho com a Play Store e a aplicação Google Search pré‑instalados não podem vender nenhum outro aparelho a funcionar num ramo Android;

—        nos termos de um acordo de partilha de receitas em vigor desde 2007, a Apple define a Google Search como serviço de pesquisa geral por defeito no navegador Safari nos aparelhos iOS [v. considerandos 119 e 154, considerando 515, n.o 1, considerando 796, n.o 2, alínea a), considerando 799, n.o 2, considerandos 840 e 1293 da decisão recorrida];

—        nos termos dos acordos de partilha de receitas, todos os principais navegadores Web para PC, com exceção do Internet Explorer/Edge da Microsoft, são obrigados a parametrizar a Google Search como serviço de pesquisa geral por defeito [v. considerandos 796, n.o 2, alínea c) e considerando 845 da decisão recorrida].

2)      Apreciação do Tribunal Geral

587    Em substância, a Google acusa a Comissão de não ter analisado todas as circunstâncias pertinentes para apreciar os efeitos alegados do comportamento controvertido.

588    Para a Google, a Comissão deveria ter tido mais em conta, por um lado, a razão que a levou a desenvolver a plataforma Android, a saber, a vontade de fazer face ao bloqueio dos outros sistemas operativos (iOS ou Windows) pelos seus proprietários, e, por outro, os efeitos pró‑concorrenciais gerados pelo sucesso da plataforma aberta e gratuita Android, tanto mais que estavam em vigor as condições de pré‑instalação controvertidas, as quais estabeleciam um aumento dos volumes de utilização dos serviços de pesquisa geral e de navegação, bem como o aumento do número de aplicações. Neste contexto, a Comissão deveria ter avaliado a situação comparando‑a com uma situação em que, devido à falta das condições de pré‑instalação controvertida, a Google não tinha tido condições para desenvolver e manter a plataforma aberta e gratuita Android.

589    Todavia, tal argumentação não corresponde ao conteúdo da decisão recorrida.

590    Com efeito, como alega a Comissão, o comportamento abusivo caracterizado na decisão recorrida não tem por objeto o desenvolvimento e a manutenção da plataforma Android, incluindo quanto ao seu aspeto aberto e gratuito definido pela Google para fazer face ao que esta empresa considera ser o bloqueio dos outros sistemas operativos pelos seus proprietários. A Comissão reconhece, aliás, perante o Tribunal Geral que a plataforma Android aumentou as oportunidades para os concorrentes da Google.

591    Resulta igualmente da decisão recorrida que a Google tinha apresentado à Comissão uma argumentação da mesma natureza que a que é reiterada perante o Tribunal Geral e que esta foi rejeitada pela Comissão com o fundamento, nomeadamente, de que esta última não punha em causa a totalidade do ADAM, mas apenas um dos seus aspetos cujos efeitos eram restritivos da concorrência (v. considerandos 867 a 876, para o primeiro pacote; v. considerandos 983 a 992, para o segundo pacote). Por conseguinte, a argumentação da Google foi tida em conta pela Comissão no âmbito da apreciação de todas as circunstâncias pertinentes, como resulta da decisão recorrida.

592    Com efeito, mesmo tendo em conta os efeitos pró‑concorrenciais gerados pela plataforma Android, da qual o ADAM é uma das modalidades, a Comissão considerou, no entanto, que um aspeto específico do ADAM, a saber as condições de pré‑instalação controvertidas, era abusivo.

593    Assim, como foi analisado supra, no âmbito do presente fundamento (v. também as diversas circunstâncias factuais recordadas no n.o 585 supra), a Comissão considerou que os dois pacotes de produtos conferiam à Google uma vantagem concorrencial provocada pelo «desvio do statu quo» ligado à pré‑instalação, que não podia ser compensada pelos concorrentes e que tinha por efeito restringir a concorrência pelo mérito em detrimento dos consumidores.

594    São estas condições de pré‑instalação do ADAM, e não mais genericamente o sistema de licença aberto e gratuito pretendido pela Google com os FEO signatários desse acordo, que constituem o comportamento controvertido.

595    Portanto, é neste contexto, como sugere a Comissão, que há que evocar as diferentes contribuições do Opera. Alguns referem, como indica a Google, efeitos pró‑concorrenciais do desenvolvimento e da manutenção da plataforma Android. Outros evocam, como salienta a Comissão, os efeitos restritivos da concorrência ligados à pré‑instalação.

596    Resulta do que precede que a Google não demonstrou, como alega, que a Comissão não teve devidamente em conta todas as circunstâncias pertinentes para apreciar o comportamento controvertido. Por conseguinte, esta crítica deve ser rejeitada.

3.      Quanto à segunda parte, relativa às justificações objetivas

a)      Argumentos das partes

597    A Google alega que as condições de pré‑instalação do ADAM são objetivamente justificadas, porque lhe permitem fornecer gratuitamente a plataforma Android garantindo que as aplicações gerem receitas, uma vez que a Google Search e o Chrome, não são excluídos da pré‑instalação e das oportunidades publicitárias associadas. Estas condições, legítimas e pró‑concorrenciais, contribuíram, em sua opinião, para a diversidade e a adoção generalizada de aparelhos móveis, reduzido as barreiras à entrada e criado oportunidades para os concorrentes. A sugestão feita na decisão recorrida de faturar aos FEO um direito de licença para a Play Store, que varia para os aparelhos de gama baixa e de topo de gama, sacrifica os benefícios pró‑concorrenciais da oferta gratuita da Google no que respeita à plataforma Android. A Google também contesta a possibilidade de obter uma compensação a partir de dados móveis. Do mesmo modo, a troca não monetária criada pelas condições de pré‑instalação do ADAM é, em sua opinião, mais eficaz e aumenta a produção relativamente a um sistema em que os FEO fazem pagamentos pelos componentes da plataforma Android.

598    A Comissão sustenta que as condições de pré‑instalação da Google Search e do Chrome em praticamente todos os aparelhos Google Android vendidos no EEE não são objetivamente justificados. Com efeito, a Google já atribuía um valor monetário a esses investimentos graças à comercialização dos dados recolhidos junto dos utilizadores e das receitas geradas pela Play Store e outras aplicações e serviços da Google, incluindo a Google Search. Além disso, um número importante de utilizadores do Google Android continua a utilizar a Google Search na falta desses requisitos. A Google também não demonstrava que a pré‑instalação era necessária para evitar que a pré‑instalação exclusiva nos aparelhos Google Android não seja acessível à Google ou para evitar que a Google seja obrigada a faturar custos aos FEO para a Play Store.

b)      Apreciação do Tribunal Geral

599    Há que recordar que, no caso de ter sido constatada a existência de efeitos anticoncorrenciais devidos ao comportamento de uma empresa que detém uma posição dominante, essa empresa pode justificar atuações suscetíveis de se enquadrarem no âmbito da proibição enunciada no artigo 102.o TFUE (v., neste sentido, Acórdão de 27 de março de 2012, Post Danmark, C‑209/10, EU:C:2012:172, n.o 40 e jurisprudência referida).

600    Em especial, essa empresa pode demonstrar, para esse efeito, que o seu comportamento é objetivamente necessário ou que o efeito de exclusão que este comporta pode ser compensado, ou mesmo superado, por ganhos de eficácia suscetíveis de beneficiar também o consumidor (a (v., neste sentido, Acórdão de 27 de março de 2012, Post Danmark, C‑209/10, EU:C:2012:172, n.o 41 e jurisprudência referida).

601    No que respeita à primeira hipótese, foi declarado que, embora o ónus da prova quanto à existência das circunstâncias constitutivas de uma violação do artigo 102.o TFUE impendesse sobre a Comissão, era, todavia, à empresa dominante em causa, e não à Comissão, que incumbia, sendo caso disso, e antes do termo do procedimento administrativo, invocar uma eventual justificação objetiva e apresentar argumentos e elementos de prova a esse respeito. Cabe, em seguida, à Comissão, se pretender concluir pela existência de um abuso de posição dominante, demonstrar que os argumentos e os elementos de prova invocados pela referida empresa não procedem e que, por conseguinte, a justificação apresentada não pode ser acolhida (v., neste sentido, Acórdão de 17 de setembro de 2007, Microsoft/Comissão, T‑201/04, EU:T:2007:289, n.os 688 e 1144).

602    No que respeita à segunda hipótese, cabe à empresa que detém uma posição dominante demonstrar que os ganhos de eficácia suscetíveis de resultar do comportamento considerado neutralizam o efeito de exclusão que provoca, que esses ganhos de eficácia foram ou são suscetíveis de ser realizados graças ao referido comportamento, que este é indispensável à realização destes e que não elimina uma concorrência efetiva ao suprimir a totalidade ou a maior parte das fontes existentes de concorrência atual ou potencial (v., neste sentido, Acórdão de 27 de março de 2012, Post Danmark, C‑209/10, EU:C:2012:172, n.o 42).

603    A este respeito, há que salientar que, na decisão recorrida, a Comissão examinou sob o mesmo título «Justificações objetivas e ganhos de eficácia» os diferentes argumentos invocados a este respeito pela Google no procedimento administrativo (considerandos 993 a 1008).

604    Nos seus articulados, a Google invoca, em substância, duas séries de argumentos para justificar o seu comportamento, que abrangem em grande parte os que invocou durante o procedimento administrativo e que foram analisados e rejeitados na decisão recorrida.

605    Em primeiro lugar, a Google alegou perante a Comissão que as suas práticas eram legítimas porque lhe permitiam rentabilizar os seus investimentos no Android e nas suas aplicações que não geravam receitas (considerando 993, n.o 1, da decisão recorrida).

606    Esta argumentação é retomada no presente recurso, em que a Google invoca, por um lado, a importância dos seus investimentos no desenvolvimento e na manutenção da plataforma Android, incluindo o SO Android, a Play Store e o pacote SMG, e, por outro, a gratuitidade desta plataforma. As condições de pré‑instalação do ADAM são, portanto, justificadas porque permitem à Google, através das receitas geradas pelas aplicações Google Search e Chrome, obter um retorno adequado dos seus investimentos sem excluir, no entanto, a possibilidade de os concorrentes ou os utilizadores recorrerem à pré‑instalação ou a outras opções.

607    Para afastar esta argumentação, a Comissão considerou que a Google não tinha demonstrado que os pacotes controvertidos eram necessários para rentabilizar os seus investimentos no Android e nas aplicações que não geravam receitas (v. considerandos 995 a 998 da decisão recorrida).

608    Em relação ao montante dos investimentos consagrados pela Google ao desenvolvimento e à manutenção do Android, quer este montante seja o evocado pela Comissão ou o apresentado pela Google, verifica‑se, em todo o caso, que a Google sempre conseguiu dispor de fontes de receitas consequentes para financiar esses investimentos efetuados no âmbito da sua estratégia de preservar as suas quotas de mercado nos serviços de pesquisa geral na altura da passagem para a Internet em aparelhos móveis.

609    Além das receitas geradas pela Play Store (considerando 996 e nota de pé de página n.o 1074 da decisão recorrida), que atualmente são por si só suficientes para permitir à Google recuperar os investimentos efetuados no desenvolvimento e na manutenção da plataforma Android durante o ano correspondente (v., a este propósito, os dados apresentados pela Google no Tribunal Geral), dado que a Google também dispunha de outras fontes de receitas.

610    Com efeito, como salienta a Comissão na decisão recorrida, a Google podia sempre beneficiar da valorização dos dados relativos aos utilizadores, obtidos a partir dos aparelhos Google Android, como os ligados à localização ou à utilização da Google Play Services. A Google também podia, tendo em conta as suas elevadas quotas de mercado nos PC, beneficiar das receitas significativas geradas pela publicidade nas pesquisas (considerando 997 a 998 da decisão recorrida).

611    As críticas formuladas pela Google contra essas possibilidades são genéricas e vagas.

612    Consequentemente, tendo em consideração, por um lado, o valor que representam os dados relativos aos utilizadores e, por outro, a importância das receitas geradas pela publicidade nas pesquisas efetuadas nos PC, a Comissão considerou com razão que a Google podia não ter de recuperar a totalidade das despesas relativas ao desenvolvimento e à manutenção da plataforma Android apenas em consideração das receitas geradas a partir dessa plataforma.

613    Além disso, como salienta igualmente a Comissão na decisão recorrida, a Google não demonstrou que não tinha tido interesse em desenvolver o Android para contrariar os riscos, que a transição para o aparelho móvel inteligente, fazia recair sobre o seu modelo comercial de publicidade associado à pesquisa (considerando 999 da decisão recorrida). Nesta perspetiva, pode‑se considerar validamente que a Google teria feito as despesas relativas ao desenvolvimento e manutenção da plataforma Android sem sequer ter assegurado que essas despesas fossem compensadas pelas receitas geradas a partir dessa plataforma, tendo em consideração, por exemplo, receitas geradas pela Play Store.

614    Resulta do que precede que a Google não demonstrou que as condições de pré‑instalação do ADAM eram objetivamente justificadas no sentido de que lhe tinham permitido, ao garantir a pré‑instalação da aplicação Google Search e do Chrome nos aparelhos Google Android, recuperar o montante das despesas efetuadas no âmbito do desenvolvimento e da manutenção da plataforma Android.

615    Em segundo lugar, a Google sustenta que as condições de pré‑instalação do ADAM lhe permitiram propor a Play Store gratuitamente, porque o seu valor para os FEO e os utilizadores correspondia ao valor da promoção que esses FEO faziam do serviço de pesquisa geral da Google. A sugestão da Comissão de cobrar um direito de licença para a Play Store punha em causa este modelo e os seus efeitos positivos na concorrência (v. considerando 993, n.o 3 da decisão recorrida).

616    Todavia, a Google também não cumpre o ónus da prova que lhe incumbe no âmbito da demonstração das justificações objetivas.

617    A solução da gratuitidade das licenças privilegiada pela Google não pode, no entanto, impedir outras soluções consideradas pela Comissão para lhe permitir substituir as receitas geradas pela pré‑instalação da aplicação Google Search e do Chrome nos aparelhos Google Android, como, por exemplo, o pagamento de um direito de licença para a Play Store, que pode ser conciliado com uma diferença de tratamento entre os produtos de gama baixa e os produtos de topo de gama.

618    Resulta do que precede que a Google não consegue demonstrar que as condições de pré‑instalação do ADAM são objetivamente justificadas na medida em que lhe garantem a gratuitidade das licenças relativas à Play Store.

619    Consequentemente, a segunda parte, que tem por objeto as justificações objetivas da pré‑instalação, deve ser rejeitada, tal como a totalidade do segundo fundamento, relativo à apreciação errada do caráter abusivo das condições de pré‑instalação do ADAM.

D.      Quanto ao terceiro fundamento, relativo à apreciação errada do caráter abusivo da condição de préinstalação única incluída nos APR por carteira

620    Com o terceiro fundamento do recurso, a Google alega que a Comissão concluiu erradamente que algumas disposições incluídas nos APR por carteira tinham natureza abusiva.

1.      Elementos de contexto

a)      Decisão recorrida

621    Segundo a decisão recorrida, a Google fez pagamentos a alguns FEO e ORM na condição de não pré‑instalarem ou de não tornarem imediatamente disponível, após a compra, serviços de pesquisa geral concorrentes num conjunto de aparelhos móveis que figuram numa carteira predefinida (considerandos 198 e 1195 da decisão recorrida).

622    Resulta igualmente da decisão recorrida que os APR por carteira sancionados são os que estavam em vigor entre 1 de janeiro de 2011, data em que a Comissão considerou que a Google era dominante em cada um dos mercados nacionais de serviços de pesquisa geral no EEE, e 31 de março de 2014, data em que cessou um APR por carteira com um FEO citado pela Comissão (considerando 1333 da decisão recorrida).

1)      Quanto à natureza dos APR por carteira

623    A Comissão alega que os APR por carteira comportam pagamentos de exclusividade. Recorda que, em aplicação dos referidos APR, se o FEO ou o ORM em causa pré‑instala um serviço de pesquisa geral concorrente num aparelho abrangido pela carteira predefinida e aceite, deve renunciar à partilha de receitas de toda a carteira.

624    Tanto no caso dos FEO como dos ORM em causa, a Comissão sublinha que os APR por carteira abrangiam um segmento substancial dos aparelhos móveis vendidos. Documentos internos da Google confirmam que o objetivo dos APR por carteira era garantir que a Google respondesse a todas as necessidades desses FEO e ORM em matéria de serviços de pesquisa geral em aparelhos incluídos nessas carteiras. Segundo a Comissão, esses documentos também revelam que a Google estava consciente de que esta prática podia suscitar problemas em matéria de concorrência (considerandos 1195 a 1205 da decisão recorrida).

2)      Quanto à capacidade dos APR por carteira para restringir a concorrência

625    Nos considerandos 1206 e 1207 da decisão recorrida, a Comissão alega que a presunção de que os pagamentos de exclusividade da Google são abusivos é confirmada, neste caso, pela análise da sua capacidade para restringir a concorrência, tendo em conta, nomeadamente, a taxa de cobertura dos mercados nacionais de serviços de pesquisa geral pela prática contestada.

626    Antes de mais, a Comissão considera que os APR por carteira reduziram os incentivos dos FEO e dos ORM em questão para pré‑instalarem serviços de pesquisa geral concorrentes. Primeiro, na falta dos APR por carteira, esses FEO e ORM tinham tido um interesse comercial em pré‑instalar esses serviços pelo menos numa parte dos seus aparelhos Google Android. Segundo, os serviços de pesquisa geral concorrentes não tinham podido oferecer aos FEO e aos ORM o mesmo nível de receitas que o oferecido pela Google. Terceiro, os APR por carteira eram uma das razões da hesitação dos FEO e dos ORM em instalarem serviços de pesquisa geral concorrentes nos seus aparelhos Google Android (considerandos 1208 a 1281 da decisão recorrida).

627    Em seguida, a Comissão alega que os APR por carteira tornaram mais difícil o acesso dos concorrentes da Google aos mercados nacionais de serviços de pesquisa geral. Primeiro, na opinião da Comissão, esses pagamentos desencorajaram os FEO e os ORM de pré‑instalarem serviços de pesquisa geral concorrentes. Segundo, os APR por carteira abrangem uma parte significativa dos mercados relevantes. Terceiro, os serviços concorrentes não puderam compensar, através de canais alternativos de distribuição como o descarregamento, a vantagem competitiva que a Google retirava da prática contestada (considerandos 1282 a 1312 da decisão recorrida).

628    Por último, a Comissão indica que os APR por carteira desencorajaram a inovação, uma vez que impediram o lançamento de aparelhos Google Android com serviços de pesquisa geral diferentes dos da Google Search pré‑instalados. Na falta dessa prática, os utilizadores teriam beneficiado de mais opções. Segundo a Comissão, esta prática também reduziu, por um lado, os incentivos dos concorrentes em desenvolverem funcionalidades inovadoras, impedindo‑os de beneficiar de pedidos de pesquisa suplementares e das receitas e dados necessários para melhorar os seus serviços, e, por outro, o incentivo da Google para inovar, uma vez que já não estava sujeita a pressões concorrenciais com base no mérito. Acresce que, mesmo que a prática coincidisse com um período de melhoria do serviço de pesquisa geral da Google, esta não fez prova de que essa prática não afetou os incentivos ou a capacidade dos serviços de pesquisa geral concorrentes de melhorarem os seus serviços. Assim, a Google poderia ter melhorado os seus serviços de uma maneira mais importante (considerandos 1313 a 1322 da decisão recorrida).

629    Por outro lado, como resulta nomeadamente do considerando 1259 da decisão recorrida, no caso em apreço a Comissão examinou a capacidade da prática em causa para produzir um efeito de exclusão de empresas consideradas tão eficazes como a empresa dominante. Interrogada sobre esta questão na audiência de alegações, a Comissão confirmou que tinha efetivamente tomado em consideração os atributos de tal concorrente hipotético no âmbito da sua apreciação.

3)      Quanto à existência de justificações objetivas

630    A Comissão refuta as justificações objetivas invocadas pela Google. Assim, em seu entender, primeiro, os APR por carteira não tinham sido necessários para convencer inicialmente os FEO ou os ORM a venderem aparelhos Google Android, dado que esses aparelhos, em janeiro de 2011, já representavam mais de 40 % das vendas mundiais de aparelhos móveis inteligentes e que os APR tinham por objetivo, não a venda de aparelhos Google Android, mas permitir «a instalação exclusiva do serviço de pesquisa geral» da Google nesses aparelhos Google Android. Segundo, na opinião da Comissão, a Google não demonstra que os APR por carteira fossem necessários para lhe permitir recuperar os investimentos efetuados no Android. Na falta de APR por carteira, a Google sempre esteve em condições de obter do Android receitas consequentes. Terceiro, a Google não demonstrou que os APR por carteira fossem necessários para permitir aos aparelhos Google Android concorrer com a Apple (considerandos1323 a 1332 da decisão recorrida).

b)      Quanto à distinção entre os APR por carteira e os APR por aparelhos

631    As partilhas de receitas de publicidade referidas na decisão recorrida estão condicionadas à pré‑instalação exclusiva da Google Search num conjunto de aparelhos pré‑definidos numa carteira. Por outras palavras, relativamente a cada um dos aparelhos visados, os FEO e os ORM devem, para obter uma participação nas receitas de publicidade da Google, cumprir as condições impostas pelos APR por carteira.

632    No entanto, como salienta a Comissão no considerando 197 da decisão recorrida, a Google substituiu progressivamente, a partir de março de 2013, os APR por carteira por APR por aparelhos.  Em aplicação de um APR por aparelhos, a participação de um FEO e de um ORM nas receitas da Google depende do número de aparelhos vendidos que respeita a obrigação de não pré‑instalação de serviços de pesquisa geral concorrentes. Assim, os APR por aparelhos permitem a um FEO ou a um ORM propor, para um mesmo tipo de aparelho, destacando uns exclusivamente o serviço de pesquisa geral da Google e outros propondo também serviços de pesquisa geral concorrentes.

633    Assim, contrariamente à posição exposta na comunicação de acusações, a Comissão não considerou na decisão recorrida que os APR por aparelhos, progressivamente aplicados mais de cinco anos antes da sua adoção, constituíssem, em si mesmos, uma prática abusiva. Todavia, os APR por aparelhos continuam a ser parte integrante do contexto factual no qual a Comissão examinou os efeitos de exclusão provocados pelas práticas censuradas à Google na decisão recorrida (v. n.os 448 a 452 supra).

c)      Quanto às receitas partilhados no âmbito dos APR por carteira

634    No âmbito dos APR por carteira, a Google partilha uma parte das suas receitas publicitárias em contrapartida da pré‑instalação exclusiva da Google Search num conjunto de aparelhos móveis que figuram numa carteira predefinida.

635    No considerando 1240 da decisão recorrida, a Comissão sublinha que esses APR não abrangem as receitas provenientes de pedidos de pesquisa efetuados em aparelhos móveis através da página inicial Internet da Google, o que esta última confirmou expressamente em resposta a uma pergunta colocada pelo Tribunal Geral antes da audiência.

636    Por outras palavras, os APR por carteira abrangem as receitas publicitárias provenientes dos pedidos de pesquisa efetuados através da Google Search, do Chrome e da barra URL de outros os navegadores Web móveis quando o motor de pesquisa da Google é definido por defeito. Uma leitura conjugada dos considerandos 1234 e 1240 da decisão recorrida corrobora esta conclusão.

d)      Quanto à prova do caráter abusivo de um pagamento de exclusividade

637    Segundo a decisão recorrida, os APR por carteira têm por finalidade assegurar à Google a exclusividade da pré‑instalação nos aparelhos móveis das aplicações de serviço de pesquisa geral. Esta prática conduz a um resultado substancialmente idêntico ao dos descontos chamados de «fidelidade», que estiveram no centro do processo que deu origem ao Acórdão de 6 de setembro de 2017, Intel/Comissão (C‑413/14 P, EU:C:2017:632). No caso em apreço a Google remunera os FEO e os ORM para assegurar a pré‑instalação exclusiva da Google Search.

638    Neste contexto, antes de apreciar o mérito dos argumentos invocados pela Google em apoio do terceiro fundamento, importa recordar os princípios que regem a apreciação dos pagamentos chamados de «exclusividade», tendo em conta o artigo 102.o TFUE.

639    Resulta da jurisprudência que, numa situação em que, como no caso em apreço, a empresa em causa num processo de aplicação do artigo 102.o TFUE suscetível de levar à sua condenação por abuso de posição dominante alega, no decurso desse processo, que o seu comportamento não teve a capacidade de restringir a concorrência e, particularmente, de produzir os efeitos de exclusão que lhe são imputados, cabe então à Comissão, para provar a culpabilidade dessa empresa, analisar as diferentes circunstâncias que suscetíveis de demonstrar a restrição da concorrência que resulta da prática contestada (v., neste sentido, Acórdão de 6 de setembro de 2017, Intel/Comissão, C‑413/14 P, EU:C:2017:632, n.os 137 e 138).

640    Em tal situação, a Comissão tem a obrigação não só de analisar, por um lado, a importância da posição dominante da empresa no mercado relevante e, por outro, a taxa de cobertura do mercado pela prática contestada, bem como as condições e as modalidades das práticas tarifárias em causa, a sua duração e o seu montante, mas também de apreciar a eventual existência de uma estratégia destinada a excluir os concorrentes pelo menos igualmente eficazes. Do mesmo modo, esta ponderação dos efeitos favoráveis e desfavoráveis para a concorrência da prática contestada só pode ser realizada depois de uma análise da capacidade de exclusão de concorrentes pelo menos igualmente eficazes, inerente à prática em causa (Acórdão de 6 de setembro de 2017, Intel/Comissão, C‑413/14 P, EU:C:2017:632, n.os 139 e 140).

641    Para apreciar a capacidade inerente de uma prática para excluir concorrentes pelo menos igualmente eficazes, pode revelar‑se útil um teste chamado do concorrente igualmente eficaz («As Efficient Competitor Test», a seguir «teste AEC»).

642    O teste AEC tem por objeto um concorrente hipoteticamente igualmente eficaz, que se presume aplicar aos seus clientes os mesmos preços que os que aplica a empresa dominante e que suporta os mesmos custos (v., neste sentido, Acórdão de 17 de fevereiro de 2011, TeliaSonera Sverige, C‑52/09, EU:C:2011:83, n.os 40 a 44). Por outro lado, além do preço, para poder ser considerado «igualmente eficaz», relativamente à empresa dominante, esse concorrente hipotético também deve ser interessante para os clientes da referida empresa em termos de escolhas, de qualidade ou de inovação (v., neste sentido, Acórdão de 27 de março de 2012, Post Danmark, C‑209/10, EU:C:2012:172, n.o 22).

643    O teste AEC, referido nas Orientação sobre as prioridades da Comissão na aplicação do artigo [102.o TFUE] a comportamentos de exclusão abusivos por parte de empresas em posição dominante (JO 2009, C 45, p. 7), a seguir «Orientações sobre comportamentos de exclusão abusivos»), visa distinguir os comportamentos que uma empresa em posição dominante não pode adotar daqueles que lhe são permitidos. O teste AEC constitui, assim, uma grelha de análise possível dos efeitos de exclusão relativos a um determinado processo e dos efeitos de exclusão censurados. No entanto, trata‑se apenas de um elemento entre outros suscetível de ser utilizado para demonstrar, através de provas qualitativas ou quantitativas, a existência de uma exclusão anticoncorrencial no sentido do artigo 102.o TFUE.

644    No entanto, quando, como no caso em apreço, o teste AEC é aplicado, deve ser rigorosamente conduzido. A este respeito, para determinar se um concorrente hipoteticamente pelo menos igualmente eficaz corre o risco de ser afastado pela prática contestada, a Comissão deve examinar os dados económicos relativos aos custos e aos preços de venda e verificar, nomeadamente, se a empresa dominante pratica preços inferiores aos custos. Todavia, este método pressupõe que estejam disponíveis dados suficientemente fiáveis. Quando é esse o caso, a Comissão deve utilizar as informações sobre os custos da própria empresa dominante. Para obter os dados necessários, a Comissão dispõe de poderes de investigação. Além disso, na falta de dados fiáveis sobre esses custos, a Comissão pode decidir utilizar os custos de concorrentes ou outros dados fiáveis comparáveis.

645    Quanto aos pagamentos de exclusividade, a finalidade do teste AEC é apreciar se um hipotético concorrente pelo menos tão eficaz como a empresa dominante teria sido capaz de igualar ou superar os referidos pagamentos. No caso em apreço, como resulta da decisão recorrida, o objeto do teste AEC conduzido pela Comissão era apreciar se um hipotético concorrente da Google, pelo menos igualmente eficaz, podia ter um interesse estratégico ou económico em obter a quota controvertida dos pedidos de serviços de pesquisa geral cobertos pelos APR por carteira.

646    A este propósito, há que recordar que a análise a que a Comissão procedeu na decisão recorrida para demonstrar o caráter anticoncorrencial dos APR por carteira depende nomeadamente de duas séries de considerações, a saber, por um lado, a análise da cobertura desta prática e, por outro, os resultados do teste AEC que aplicou.

647    Tendo em atenção estas considerações preliminares que há que apreciar o mérito dos argumentos apresentados pela Google em apoio do terceiro fundamento.

648    O terceiro fundamento do recurso divide‑se em três partes. Com a primeira, a Google critica a Comissão por ter erradamente considerado que os APR por carteira comportavam uma condição de exclusividade. Com a segunda, desenvolvida na fase da audiência, a Google sustenta que a decisão recorrida assenta numa falta de fundamentação, dado que a Comissão não justifica em que medida uma prática que apresenta uma cobertura limitada do mercado relevante restringe a concorrência. No âmbito da terceira parte, a Google alega que a Comissão não fez prova bastante, de facto e de direito, da natureza anticoncorrencial dos APR.

2.      Quanto à primeira parte, relativa à natureza dos APR por carteira

a)      Argumentos das partes

649    A Google alega que a Comissão não podia qualificar os APR por carteira de acordos de exclusividade. Uma situação de exclusividade só pode, em abstrato, existir se estiverem cobertas todas as necessidades de um cliente. Ora, primeiro, os APR por carteira não se destinam a regular as necessidades dos FEO e dos ORM em serviços de pesquisa geral em aparelhos móveis não Android ou nos computadores. Segundo, os APR por carteira apenas dizem respeito a um dos pontos de entrada para os serviços de pesquisa geral. Asseguram claramente aos FEO e aos ORM a preservação dos pontos de entrada para os serviços de pesquisa geral concorrentes. Terceiro, os APR por carteira são, para alguns, territorialmente limitados.

650    A Comissão observa que os APR por carteira constituem o «máximo» das diferentes práticas estreitamente implicadas e sancionadas na decisão recorrida. Com efeito, segundo a Comissão, para poder cobrar uma parte das receitas provenientes dos pedidos efetuados através do serviço de pesquisa geral da Google em aparelhos que funcionam com as versões Android aprovadas pela Google, os FEO deviam, antes de mais, celebrar um AAF e um ADAM, e depois um APR por carteira, reforçando este último as capacidades de restrição dos AAF e dos ADAM. Além disso, nenhuma das três razões invocadas pela Google para negar que os APR por carteira são acordos de exclusividade pode convencer, uma vez que estas razões se centram todas na importância da cobertura dos APR e não no seu caráter exclusivo.

b)      Apreciação do Tribunal Geral

651    Primeiro, como salienta a Google, uma situação de exclusividade decorre de um bloqueio, por uma empresa, da totalidade ou de uma parte considerável das necessidades de um cliente. Com efeito, para uma empresa em posição dominante num mercado, o facto de vincular compradores por uma obrigação ou uma promessa de se abastecerem relativamente à totalidade ou a uma parte considerável das suas necessidades exclusivamente com essa empresa constitui uma exploração abusiva de uma posição dominante na aceção do artigo 102.o TFUE, quer essa obrigação tenha sido estipulada sem mais ou tenha a sua contrapartida na concessão de descontos. A situação é idêntica quando a referida empresa, sem vincular os compradores através de uma obrigação formal, aplica, em virtude de acordos celebrados com os compradores ou unilateralmente, um sistema de descontos de fidelidade, isto é, de reduções de preço associadas à condição de o cliente, seja qual for o montante das suas compras, se abastecer exclusivamente, relativamente à totalidade ou a uma parte considerável das suas necessidades, com a empresa em posição dominante (Acórdãos de 13 de fevereiro de 1979, Hoffmann‑La Roche/Comissão, 85/76, EU:C:1979:36, n.o 89, e de 6 de setembro de 2017, Intel/Comissão, C‑413/14 P, EU:C:2017:632, n.o 137).

652    Assim, para apreciar o argumento da Google segundo o qual a Comissão qualificou erradamente os APR por carteira de acordos de exclusividade, importa verificar se, ao abrigo desses acordos, os clientes da Google, a saber, os FEO e os ORM, podiam, relativamente à totalidade ou a uma parte considerável das suas necessidades, e não apenas em relação a algumas deles, recorrer igualmente aos serviços ou aos produtos de concorrentes da empresa que ocupa uma posição dominante.

653    Ora, no caso em apreço, e sem prejuízo do exame da cobertura dos mercados nacionais de serviços de pesquisa geral que é objeto da terceira parte do presente fundamento, há que observar que a Google não contesta que os APR por carteira constituíam uma vantagem financeira concedida aos FEO e aos ORM na condição de não pré‑instalarem nenhum outro serviço de pesquisa geral diferente da Google Search num conjunto de aparelhos móveis incluídos numa carteira pré‑definida. Do mesmo modo, também é pacífico que os APR por carteira constituíam, para os FEO e para os ORM, na medida em que pretendessem comercializar aparelhos móveis inteligentes com um serviço de pesquisa geral, um incentivo a abastecerem‑se com a Google e a excluírem os concorrentes desta relativamente a uma parte importante desses aparelhos (v. considerandos 1197 e 1199 da decisão recorrida).

654    Segundo, a Google alega que os APR por carteira não excluíam o acesso aos serviços de pesquisa geral concorrentes, os quais, segundo afirma, continuam acessíveis apesar da pré‑instalação exclusiva da Google Search. Isto aplicar‑se‑ia ao descarregamento de aplicações concorrentes ou ao acesso direto através de navegadores Web móveis, diferentes do Chrome.

655    A este respeito, decorre da jurisprudência recordada supra quanto aos acordos de exclusividade que o conceito de exclusividade é apreciado em relação à possibilidade de os clientes da empresa em posição dominante solicitarem os concorrentes dessa empresa relativamente a serviços idênticos. Por conseguinte, a exclusividade não é apreciada em relação ao comportamento dos consumidores, mas ao comportamento dos clientes da empresa em posição dominante. O argumento da Google relativo ao facto de o consumidor poder, por si só, recorrer a serviços de pesquisa geral concorrentes da Google Search, através do descarregamento de aplicações ou de outros pogramas de navegação diferentes do Chrome, deve consequentemente ser julgado inoperante.

656    Terceiro, a Google sublinha que alguns APR por carteira tinham um âmbito de aplicação geográfico reduzido a certos Estados‑Membros. Ora, como acertadamente salienta a Comissão, a Google não contesta o facto de que os mercados abrangidos são o conjunto dos mercados nacionais, considerados individualmente, de serviços de pesquisa geral. O facto de alguns APR por carteira só se aplicarem a um número limitado de Estados‑Membros não permite excluir um efeito de exclusividade nos mercados nacionais em causa.

657    Portanto, o argumento da Google de que a Comissão cometeu um erro de apreciação ao considerar que os pagamentos em causa eram pagamentos de exclusividade não é procedente.

3.      Quanto à segunda parte, relativa à falta de fundamentação

658    Na audiência, a Google alegou que a decisão recorrida está insuficientemente fundamentada. Com efeito, em sua opinião, a Comissão não justifica em que medida uma prática que representa, segundo a Google, uma cobertura limitada do mercado relevante pode restringir a concorrência.

659    A este respeito, há que recordar que a fundamentação exigida pelo artigo 296.o TFEU deve ser adaptada à natureza do ato em causa e revelar clara e inequivocamente o raciocínio da instituição, autora do ato, a fim de permitir aos interessados conhecerem as justificações da medida tomada e à jurisdição competente exercer a sua fiscalização. A exigência de fundamentação deve ser apreciada em função das circunstâncias do caso concreto, designadamente do conteúdo do ato, da natureza dos fundamentos invocados e do interesse que os destinatários ou outras pessoas direta e individualmente afetadas pelo ato podem ter em obter explicações. Não se exige que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, uma vez que a questão de saber se a fundamentação de um ato satisfaz as exigências do artigo 296.o TFUE deve ser apreciada tendo em conta não só o seu teor mas também o seu contexto e o conjunto das regras jurídicas que regulam a matéria em causa (Acórdão de 27 de junho de 2012, Microsoft/Comissão, T‑167/08, EU:T:2012:323, n.o 99).

660    Ora, antes de mais, importa recordar que os motivos pelos quais a Comissão considerou que os APR por carteira tinham caráter abusivo são expostos nos considerandos 1188 a 1336 da decisão recorrida, consagrados ao exame do caráter abusivo dos APR por carteira. A este propósito, no âmbito deste raciocínio, a Comissão consagrou os considerandos 1286 a 1304 à cobertura dos mercados nacionais dos serviços de pesquisa geral pela prática contestada.

661    Tendo em atenção o referido raciocínio e a argumentação da Google a esse propósito no âmbito da terceira parte do presente fundamento, o Tribunal Geral considera, por um lado, que a Google pôde utilmente contestar a análise feita sobre esta questão pela Comissão e, por outro, que está em condições de apreciar a respetiva procedência.

662    Portanto, há que julgar improcedente a alegação da Google relativa à falta de fundamentação.

4.      Quanto à terceira parte, relativa à constatação de uma restrição de concorrência

663    A Google alega, o que a Comissão contesta, que a decisão recorrida não analisa corretamente, tendo em conta todas as circunstâncias pertinentes, a condição de pré‑instalação única incluída nos APR por carteira para estabelecer os seus efeitos de exclusão.

664    Primeiro, segundo a Google, a decisão recorrida não tem em conta a reduzida quota do mercado coberta pela prática contestada e o seu impacto insignificante. Segundo, a Google considera que a decisão recorrida avalia erradamente a possibilidade de os APR por carteira afastarem concorrentes hipoteticamente pelo menos tão eficazes, especialmente a capacidade destes últimos de os compensar. Terceiro, a Google entende que decisão recorrida ignora as condições de concessão dos pagamentos em questão, que deixam aos utilizadores um acesso livre aos concorrentes. Quarto, considera que a Comissão não realizou um teste contrafactual válido.

a)      Quanto à cobertura e ao impacto dos APR por carteira

1)      Decisão recorrida

665    Segundo a decisão recorrida, a Comissão considerou que os APR por carteira abrangiam uma «parte significativa» dos mercados nacionais de serviços de pesquisa geral (considerando 1286 da decisão recorrida).

666    Primeiro, para apoiar essa constatação, a Comissão sublinha que os APR por carteira foram celebrados com os principais FEO que vendem smartphones Google Android e com os principais ORM que operam no mercado europeu. Segundo a Comissão, os FEO em causa venderam no mercado europeu cerca de [80‑90] % dos smartphones Google Android em 2011‑2012. Tendo também em conta o facto de os smartphones Google Android representarem 56 % de todos os smartphones vendidos em 2011‑2012, a Comissão conclui que os APR por carteira abrangiam, durante esse período, [40‑50] % de todos os smartphones vendidos na Europa. A este propósito, a Comissão esclarece que não incluiu todos os smartphones vendidos pelos ORM no âmbito dos seus APR por carteira, os quais apenas representavam, em relação aos dois ORM tidos em consideração, uma parte muito reduzida das vendas referidas (considerandos 1287 a 1289 e nota de pé de página n.o 1376 da decisão recorrida).

667    Segundo, a Comissão observa que a proporção de pedidos de pesquisa feitos em todos os aparelhos móveis através da Google Search cresceu muito significativamente entre 2012 e 2014, atingindo quase [30‑40] % dos pedidos da Google em 2014 no EEE (considerando 1290 da decisão recorrida).

668    Terceiro, a Comissão faz referência à substituição, a partir de 2013, dos APR por carteira pelos APR por aparelho, os quais abrangiam respetivamente quase [50‑60] % e quase [60‑70] % dos aparelhos Google Android em 2013 e 2014. De igual modo, a Comissão sublinha que a Google Search era definida por defeito no navegador Safari da Apple e isto em todos os iPhones. A Google Search era assim pré‑instalada ou regulada por defeito num programa de navegação numa grande maioria de aparelhos móveis restantes ou de PC (considerandos 1291 a 1293 e 1298 da decisão recorrida).

669    Quarto, a proporção de pedidos de pesquisa a partir dos aparelhos Google Android correspondia, respetivamente, a [10‑20] % e a [10‑20] % de todos os pedidos de pesquisa da Google efetuados em 2013 e 2014 no EEE (considerando 1294 da decisão recorrida; estes dados não estavam disponíveis para 2011 e 2012).

670    Quinto, em resposta a um argumento da Google sobre o «impacto» mínimo dos APR por carteira, mesmo em relação a certos dados tidos em conta na comunicação de acusações no que se refere à possibilidade de os serviços de pesquisa geral concorrentes igualarem o nível de pagamentos atribuídos aos FEO ou aos ORM em causa (v. considerandos 1225 a 1271 da decisão recorrida), a Comissão indica que embora esse «impacto» parecesse mínimo à Google, era contudo importante para esses serviços, particularmente porque os pedidos de pesquisa evocados no âmbito dessa análise tinham constituído para eles «um montante significativo de pesquisas adicionais» num momento crucial do desenvolvimento da pesquisa geral, a saber, a passagem da pesquisa geral em PC para a pesquisa geral em aparelhos móveis (considerandos 1299 a 1302 da decisão recorrida). A Comissão sustenta igualmente que o caráter significativo da cobertura dos mercados nacionais dos serviços de pesquisa geral pela prática contestada resulta do facto de o tipo de pesquisa em causa permitir obter dados de localização preciosos suscetíveis, enquanto tais, de melhorar o serviço de pesquisa e as receitas de publicidade daí resultantes (considerando 1298 da decisão recorrida).

2)      Argumentos das partes

671    A Google observa que, nos considerandos 1286, 1287 e 1295 da decisão recorrida, a Comissão afirma que os APR por carteira «cobriam uma parte significativa dos mercados nacionais relevantes dos serviços de pesquisa geral», pelo facto de esses APR serem aplicáveis aos «FEO mais importantes» que distribuem os aparelhos Google Android e aos «principais ORM ativos no EEE». Segundo a Google, esta apreciação não tem em conta a taxa de cobertura da prática contestada. Com efeito, em sua opinião, uma análise adequada da cobertura dos APR por carteira depende da proporção de pedidos de pesquisa imputáveis aos aparelhos Google Android e da proporção dos aparelhos Google Android sujeitos a APR por carteira.

672    Ora, em média, a Google indica no n.o 262 da petição ou, tendo em conta as observações apresentadas a este propósito pela Comissão, no n.o 172 da réplica, que os APR por carteira abrangiam apenas [0‑5] % dos «mercados» nacionais de pesquisa geral durante o período do abuso alegado. Com efeito, esses «mercados» compreendiam, segundo o considerando 353 da decisão recorrida, «as pesquisas através de PC ou de aparelhos móveis inteligentes» e os APR por carteira, que só eram aplicáveis a certos smartphones, representavam apenas uma parte não significativa dos pedidos efetuados durante o período pertinente. Do mesmo modo, muitos FEO e ORM nunca assinaram um APR por carteira. Por conseguinte, segundo a Google, uma taxa de cobertura de [0‑5] % em média durante o período de 2011 a 2014 não permite concluir que esses APR tornaram o acesso aos mercados relevantes «mais difícil, ou mesmo impossível» para os concorrentes. Tal percentagem era, aliás, sensivelmente inferior à cobertura de mercado das práticas consideradas abusivas em processos anteriores, que eram de 39 %, 40 % ou 85 %.

673    Em resposta à crítica da Comissão segundo a qual a Google utilizou valores relativos aos aparelhos vendidos e não aos aparelhos utilizados, a Google alega que a própria decisão recorrida teve em conta aparelhos vendidos como um indicador da cobertura de mercado. A Google acrescenta que, mesmo alterando os seus cálculos para incluir os aparelhos utilizados, considerando que cada aparelho vendido tem uma duração de vida estimada de cerca de dois anos, o impacto na cobertura continua a ser mínimo.

674    A título incidental, a Google salienta que, para a Comissão, como resulta do considerando 1226 da decisão recorrida, os serviços de pesquisa concorrentes podiam ter atingido, no máximo, [0‑5] % dos pedidos nos aparelhos Google Android sujeitos à partilha de receitas se a sua aplicação tivesse sido pré‑instalada a par da aplicação Google Search. Assim, tendo em conta os mercados tomados em consideração e após a própria análise da Comissão, o impacto dos APR por carteira nas percentagens dos pedidos de pesquisa geral no EEE foi extremamente reduzido em cada ano da infração alegada.

675    Consequentemente, segundo a Google, tendo em conta a reduzida cobertura dos APR por carteira contestados e o seu impacto insignificante, as razões apresentadas para concluir que a cobertura da condição de pré‑instalação única era «significativa» não devem ser acolhidas.

676    Em substância, a Comissão sustenta que a cobertura dos APR por carteira sugerida pela Google não enfraquece a conclusão a que se chegou na decisão recorrida sobre a importância dessa cobertura pelos motivos que são aí evocados.

677    Especificamente, segundo a Comissão, as vendas anuais não podem ser equiparadas ao número de aparelhos que são objeto dos APR por carteira, sem ter em conta as vendas efetuadas, nos anos anteriores, de aparelhos ainda em funcionamento. Além disso, o cálculo do impacto da Google assenta, sem outra explicação, na quota de mercado controvertida de [0‑5] % e não na quota contestável de 22,5 %, suscetível de ser atingida por um concorrente no caso de o seu serviço de pesquisa ser definido por defeito num navegador Web móvel pré‑instalado diferente do Chrome.

678    Por seu lado, a VDZ sustenta que o nível de cobertura do mercado não é pertinente, uma vez que, a partir do momento em que o mercado é dominado, há que proteger ao máximo a concorrência. Neste contexto, os APR por carteira contribuem para reforçar a posição dominante da Google, impedindo os FEO de oferecerem um multi‑alojamento aos utilizadores.

3)      Apreciação do Tribunal Geral

679    Importa recordar que no caso de, como no presente processo, a empresa em questão sustentar, no procedimento administrativo, apresentando elementos de prova, que uma prática de exclusividade da qual está na origem não foi suscetível de restringir a concorrência e, particularmente, de produzir os efeitos de exclusão imputados pela Comissão, esta tem designadamente a obrigação de analisar a taxa de cobertura do mercado pela prática contestada (v., neste sentido, Acórdão de 6 de setembro de 2017, Intel/Comissão, C‑413/14 P, EU:C:2017:632, n.os 138 e 139).

680    Tal análise permite determinar o efeito de bloqueio do mercado relevante imputável à prática contestada para, nomeadamente, determinar qual é a percentagem subtraída à concorrência pela exclusividade conferida pelos pagamentos controvertidos.

681    Ora, resulta inequivocamente do considerando 1286 da decisão recorrida que la Comissão considerou que os APR por carteira celebrados pela Google com certos FEO e ORM abrangiam uma parte significativa dos mercados nacionais dos serviços de pesquisa geral no EEE.

682    Também resulta da decisão recorrida que esses diferentes mercados englobam o conjunto dos pedidos de pesquisa gerais efetuadas a partir de todos os tipos de aparelhos, incluindo os aparelhos móveis não Android e os PC (v. por exemplo, considerando 353 da decisão recorrida).

683    A este propósito, como alega a Google, também resulta dos diversos exemplos retirados da prática anterior da Comissão que esta considerou significativas taxas de cobertura do mercado relevante entre 39 % e 85 %.

684    Todavia, no caso em apreço, a taxa de cobertura da prática contestada considerada significativa pela Comissão é, enquanto tal, consideravelmente inferior às anteriormente adotadas pela Comissão na sua prática anterior. Com efeito, segundo dados apresentados pela Google a este propósito, era inferior a 5 % do mercado definido pela Comissão.

685    Embora a Comissão alegue que a taxa de cobertura avançada pela Google na petição e posteriormente na réplica subestima o número de aparelhos em circulação que eram objeto dos APR por carteira durante o período infracional pertinente, a verdade é que os dados e as explicações apresentados pela Google a este propósito permitem considerar que o cálculo que esta propõe é plausível.

686    Essa é tanto mais a situação quanto a Comissão não indicou qual seria a sua própria estimativa da taxa de cobertura dos APR por carteira no que se refere aos diferentes mercados que ela própria considerou relevantes para a sua análise, apesar de isso ser da sua responsabilidade em aplicação da jurisprudência referida no n.o 679 supra.

687    Com efeito, verifica‑se que, para concluir que os APR por carteira cobriam uma parte significativa dos mercados nacionais de serviços de pesquisa geral no EEE, os argumentos avançados pela Comissão na decisão recorrida respeitam a um único segmento dos diferentes mercados relevantes, a saber, o correspondente aos pedidos de pesquisa geral feitos a partir de um aparelho móvel inteligente, ou a elementos sem relação com o impacto da prática contestada nesses mercados.

688    Primeiro, a Comissão observa assim, nos considerandos 1287 a 1289 da decisão recorrida, por um lado, que os APR por carteira vinculam, em substância, FEO (a Comissão cita três) e ORM (a Comissão cita quatro) importantes no EEE e, por outro lado, que os que vinculam os FEO representavam [40‑50] % do conjunto dos smartphones vendidos na Europa em 2011 e em 2012. Todavia, tais constatações não permitem sustentar a conclusão de uma cobertura significativa dos mercados nacionais de serviços de pesquisa geral pelos APR por carteira. Estas constatações mostram que apenas um segmento desses mercados é afetado, o da pesquisa móvel. Essa percentagem deve ser tanto mais relativizada quanto resulta do considerando 1288 da decisão recorrida que a percentagem dos smartphones Google Android vendidos pelos FEO e afetados pelos APR por carteira decresceu progressivamente entre 2011 e 2014 para passar de [70‑80] % em 2011 para [5‑10] % em 2014.

689    É certo que resulta do considerando 1292 da decisão recorrida que, a partir de 2013, ano em que a proporção de smartphones Google Android afetados pelos APR por carteira decresceu fortemente, a Google substituiu progressivamente os APR por carteira por APR por aparelho. A Comissão observa que estes últimos incidiram sobre [50‑60] % e [60‑70] % dos smartphones Google Android vendidos em 2013 e em 2014. Não deixa de ser verdade que a taxa de cobertura de uma pática de exclusividade pretensamente anticoncorrencial não pode, em princípio, ser estabelecida tendo em conta práticas elas próprias não consideradas anticoncorrenciais. Também é indiferente para a apreciação da taxa de cobertura dos APR por carteira que estes últimos tenham sido progressivamente substituídos pelos APR por aparelhos a partir de 2013.

690    Segundo, nos considerandos 1290 e 1297 da decisão recorrida, a Comissão sublinha que os pedidos de pesquisa geral efetuados a partir da Google Search em todos os aparelhos móveis cresceram de maneira constante entre 2012 e 2014 e representam [30‑40] % de todas os pedidos da Google no EEE em 2014. Todavia, esta constatação permite, não demonstrar a cobertura pretensamente significativa dos APR por carteira nos mercados nacionais dos serviços de pesquisa geral, mas apenas a importância da Google Search para a Google, enquanto ponto de entrada nos aparelhos móveis.

691    Terceiro, nos considerandos 1293 a 1298 da decisão recorrida, a Comissão baseia a cobertura pretensamente significativa dos mercados nacionais dos serviços de pesquisa geral pelos APR por carteira na constatação de que a Google Search é definida por defeito no navegador Safari integrado nos aparelhos móveis vendidos pela Apple. Todavia, como alega a Google, o seu acordo com a Apple não consta do número de APR por carteira referidos na decisão recorrida.

692    Quarto, no considerando 1294 da decisão recorrida, a Comissão observa que a proporção de pedidos de pesquisa a partir dos aparelhos móveis Google Android correspondia, respetivamente, a [10‑20] % e a [10‑20] % do conjunto dos pedidos de pesquisa da Google efetuados em 2013 e em 2014. Todavia, esta constatação não corrobora, antes pelo contrário, a existência de uma cobertura pretensamente significativa dos mercados nacionais dos serviços de pesquisa geral. Com efeito, admitindo, o que não era o caso, que todos os aparelhos móveis Google Android foram afetados por APR por carteira durante os anos de 2013 e 2014, e que a Google detinha o conjunto das quotas de mercado nos mercados nacionais dos serviços de pesquisa geral, o que não era o caso, embora as suas quotas de mercado se aproximassem, a cobertura teórica dos APR por carteira nos mercados nacionais dos serviços de pesquisa geral não podia, em 2013 e 2014, exceder respetivamente [10‑20] % e [10‑20] % dos mercados nacionais de serviços de pesquisa geral. Na sua resposta a uma pergunta do Tribunal Geral antes da audiência de alegações, a Comissão admitiu expressamente o resultado desse cálculo meramente teórico.

693    Nestas condições, a taxa de cobertura dos mercados relevantes pela prática contestada não pode ser qualificada de significativa.

694    É verdade que, em resposta a um argumento da Google sobre o «impacto» mínimo dos APR por carteira, mesmo em relação a certos dados tidos em conta na comunicação de acusações no que se refere à possibilidade de os serviços de pesquisa geral concorrentes igualarem o nível de pagamentos atribuídos aos FEO ou aos ORM em causa (v. considerandos 1225 a 1271 da decisão recorrida), a Comissão indica que, embora esse «impacto» parecesse mínimo à Google, era contudo importante para esses serviços, eparticularmente porque os pedidos de pesquisa evocados no âmbito dessa análise tinham constituído para eles «um montante significativo de pesquisas adicionais» num momento crucial do desenvolvimento da pesquisa geral, a saber, a passagem da pesquisa geral em PC para a pesquisa geral em aparelhos móveis (considerandos 1299 a 1302 da decisão recorrida). A Comissão sustenta igualmente que o caráter significativo da cobertura dos mercados nacionais dos serviços de pesquisa geral para a prática contestada resulta do facto de o tipo de pesquisa em causa permitir obter dados de localização preciosos suscetíveis, enquanto tais, de melhorar o serviço de pesquisa e as receitas de publicidade daí resultantes (considerando 1298 da decisão recorrida).

695    Tendo em conta o raciocínio exposto na decisão recorrida e que é analisado supra, essas observações não são, ainda assim, suficientes para estabelecer o carater significativo da cobertura dos mercados relevantes pela prática contestada.

696    A situação seria diferente se a Comissão tivesse optado por sustentar, o que não fez, que, apesar de uma taxa de cobertura dos mercados relevantes pela prática contestada que não é significativa, o segmento abrangido por essa prática ou mesmo apenas os FEO e os ORM aqui em causa eram de uma importância estratégica tal que o efeito de bloqueio imputável a essa prática era suscetível de excluir os serviços de pesquisa geral concorrentes da Google dos mercados relevantes. Isso teria então privado esses serviços concorrentes de oportunidades suficientes de concorrerem pelo mérito, entrando ou desenvolvendo‑se nesses mercados, e isso num momento em que para a Google, como para os seus concorrentes, como a Microsoft, era importante enfrentar os desafios da passagem da pesquisa geral em PC para a pesquisa geral em aparelhos móveis.

697    Tal demonstração não resulta da decisão recorrida, onde é apenas esboçada e insuficientemente sustentada pela Comissão numa parte que começa pela afirmação de que a sua conclusão de que os APR por carteira abrangem uma parte significativa dos mercados nacionais de serviços de pesquisa geral não é posta em causa pelos argumentos da Google a esse propósito (v. considerando 1295 da decisão recorrida).

698    Resulta do conjunto da análise relativa à cobertura dos APR por carteira que esta foi erradamente qualificada de «significativa» no considerando 1286 da decisão recorrida. Este erro deve, portanto, ser tido em conta na apreciação da natureza abusiva por si sós dos APR por carteira.

699    Além disso, há que examinar os argumentos da Google relativos aos erros cometidos pela Comissão na apreciação das condições em que a vantagem concorrencial conferida pelos APR por carteira podia ser compensada por um concorrente pelo menos igualmente eficaz.

b)      Quanto à compensação dos APR por carteira

1)      Decisão recorrida

700    Na decisão recorrida, a Comissão sublinha que um serviço de pesquisa geral concorrente não pode compensar a perda de receitas de publicidade que os FEO e os ORM em causa sofreriam na hipótese de uma aplicação concorrente vir a ser pré‑instalada a par da Google Search. Em primeiro lugar, a Comissão baseia‑se nos seguintes dados (considerandos 1225 a 1271 da decisão recorrida).

701    Antes de mais, um serviço de pesquisa geral concorrente só poderia, segundo a Comissão, esperar contestar no máximo [0‑5] % dos pedidos de pesquisa feitos num aparelho móvel, assumindo que a sua aplicação viria a ser pré‑instalada a par da Google Search. Esta percentagem contestável atingiria 22,5 %, segundo a Comissão, se, além da pré‑instalação de uma aplicação concorrente, os FEO e os ORM definissem por defeito um motor de pesquisa concorrente num navegador Web móvel diferente do Chrome.

702    Primeiro, a Comissão sublinha que, devido aos ADAM, uma aplicação concorrente da Google Search só podia ser pré‑instalada em complemento desta, e não em seu lugar. Há também uma confusão, segundo alguns FEO e segundo alguns trabalhadores da Google, no que respeita à obrigação imposta, no âmbito dos ADAM, de definir por defeito o motor de pesquisa da Google em navegadores Web móveis diferentes do Chrome. Na hipótese de uma definição por defeito do motor de pesquisa da Google em todos os navegadores Web móveis, o melhor que um serviço concorrente poderia esperar era obter a pré‑instalação da sua aplicação móvel, a par da Google Search.

703    Segundo, a Comissão explica em detalhe o cálculo da quota controvertida, na hipótese de uma pré‑instalação de uma aplicação de pesquisa concorrente a par da Google Search. Por um lado, tem em conta a percentagem dos pedidos de pesquisa (12 %) efetuados em PC por todos os serviços de pesquisa geral concorrentes durante o período de 2011 a 2014 e transpõe essa percentagem para a hipótese de pedidos de pesquisa efetuados a partir de um aparelho móvel. Por outro lado, tem em conta a proporção para o Google de pedidos de pesquisa provenientes da Google Search [30‑40] %. A quota controvertida corresponde assim a [0‑5] % dos pedidos de pesquisa provenientes dessa aplicação. É o que acontece, uma vez que, em aplicação dos ADAM, qualquer aplicação de serviços de pesquisa concorrente deve nessa hipótese, ser pré‑instalada a par da Google Search. Segundo a Comissão, essa percentagem seria favorável à Google.

704    Terceiro, a Comissão explica em detalhe o cálculo da quota controvertida, na hipótese de uma definição por defeito adicional de um motor de pesquisa concorrente num navegador Web móvel diferente do Chrome, a saber, 22,5 %. Esta percentagem resulta da soma da quota controvertida dos pedidos de pesquisa através de uma aplicação móvel [0‑5] % e da quota dos pedidos de pesquisa obtidas pela Google através da barra URL de um navegador Web móvel [10‑20] %.

705    Em seguida, a Comissão observa que os FEO e os ORM recebiam entre [0‑20] % e [30‑50] % das receitas de publicidade da Google cobertas pelos APR por carteira.

706    Por último, segundo a Comissão, os APR por carteira cobrem apenas as receitas geradas a partir de [70‑80 %] dos pedidos de pesquisa da Google. Com efeito, a Comissão salienta que os APR por carteira não dizem respeito às receitas geradas a partir da página inicial Internet da Google.

707    Em segundo lugar, à luz destes dados, a Comissão sustenta que um serviço de pesquisa geral concorrente estaria impossibilitado de compensar a perda de receitas sobre a totalidade dos aparelhos visados pelos APR por carteira. A Comissão encara dois cenários distintos, que variam segundo a existência ou não, por força dos ADAM, de uma obrigação de definir o motor de pesquisa da Google por defeito noutros navegadores Web móveis.

708    Por um lado, na hipótese de essa obrigação não existir, a Comissão refere que, para fazer concorrência a uma partilha de receitas de [30‑40] %, um serviço concorrente teria de renunciar a mais de 100 % das suas receitas de publicidade. Para fazer concorrência a uma partilha de receitas de [10‑20] %, a Comissão acrescenta que um serviço concorrente teria de renunciar a mais de [70‑80] % das suas receitas de publicidade. Esta percentagem cai para [50‑60] % no caso de uma partilha pela Google de [10‑20] % das suas receitas de publicidade e para [30‑40] % em caso de partilha pela Google de [10‑20] % das referidas receitas. Estas diferenças explicam‑se na medida em que, enquanto a Google partilha cerca de [70‑80] % das suas receitas de publicidade, um serviço concorrente não poderia partilhar, segundo a quota controvertida, no máximo 22,5 % dessas receitas.

709    Do mesmo modo, a Comissão sublinha que este cálculo só é válido se os serviços concorrentes estiverem presentes, no caso de uma partilha de cerca de [10‑20] %, em pelo menos [70‑80] % dos aparelhos móveis abrangidos pelos APR por carteira, no caso de uma partilha de [10‑20] %, em pelo menos [50‑60] % dos aparelhos móveis e, no caso de uma partilha de [10‑20] %, em pelo menos [30‑40] %. No caso de uma partilha de [30‑40] %, a compensação seria, em todo o caso, impossível.

710    Ainda segundo a Comissão, a pré‑instalação de serviços de pesquisa geral num grande número de aparelhos móveis revela‑se difícil na prática, especialmente para os que se destinam a uma parte reduzida dos consumidores, como o da Seznam para os falantes da língua checa. A dificuldade é tanto mais importante quanto os serviços de pesquisa geral concorrentes só podem esperar ser pré‑instalados nos novos aparelhos móveis, e não nos já em circulação. Quanto maior for o número de aparelhos móveis Google Android em circulação, mais elevada será a percentagem de receitas a que os serviços concorrentes devem renunciar para compensar os APR por carteira.

711    Por outro lado, a hipótese da existência dessa obrigação de definir por defeito a Google Search num navegador Web móvel pré‑instalado diferente do Chrome não deixa, segundo a Comissão, nenhuma margem para dúvida. Com efeito, para compensar nomeadamente uma partilha pela Google de [10‑20] % das suas receitas de publicidade, um serviço concorrente deve oferecer mais de 100 % dessas mesmas receitas. A isto acresce a contingência relativa à pré‑instalação da aplicação concorrente num número provavelmente limitado de aparelhos móveis abrangidos pelos APR por carteira.

2)      Argumentos das partes

712    A Google sustenta que, devido à fraca cobertura de mercado dos APR por carteira, ao livre acesso dos utilizadores aos concorrentes e à possibilidade de os concorrentes igualmente eficazes igualarem os pagamentos que efetuada no âmbito dos APR por carteira, é errado considerar que estes últimos permitiam excluir concorrentes igualmente eficazes. Com efeito, com base na própria análise da decisão recorrida, concorrentes igualmente eficazes ou até menos eficazes poderiam ter igualado os pagamentos no âmbito dos APR por carteira.

713    Em primeiro lugar, a Google sustenta que a grande maioria dos APR por carteira resultava em pagamentos de [10‑20] % das receitas de pesquisa e que os pagamentos superiores a [20‑30] % eram extremamente raros. Ora, os cálculos apresentados na decisão recorrida, especialmente no considerando 1243, demonstram, segundo a Google, que concorrentes igualmente eficazes (ou até menos eficazes) podiam compensar os APR por carteira que ofereciam pagamentos até [20‑30] %. Mais especificamente, a decisão recorrida indica que, «para um FEO ou ORM que tenha recebido um pagamento de partilha de receitas por carteira de [20‑30] % da Google, um serviço de pesquisa geral concorrente devia ter oferecido uma parte das suas receitas superior a [70‑80] %». Assim, segundo a decisão recorrida, os concorrentes podiam compensar os APR por carteira conservando ao mesmo tempo uma margem de aproximadamente [30‑40] % proveniente das receitas de pesquisa em aparelhos abrangidos. Esta margem elevava‑se a [60‑70] % no que respeita aos pagamentos de partilha de receitas da Google de [10‑20] %.

714    No entanto, ainda segundo a Google, a decisão recorrida menciona, no considerando 1246, que os concorrentes não tinham nenhuma margem proveniente das receitas de pesquisa dos aparelhos abrangidos quando os pagamentos de partilha das receitas da Google atingiam um nível de [40‑50] %, mas isso só dizia respeito a dois ORM. Nenhum outro parceiro tinha recebido pagamentos de partilha de receitas a esse nível. Ora, o acordo com um destes dois ORM parceiros foi celebrado antes de a Google se tornar supostamente dominante, e findou cerca de um ano antes da infração alegada e o acordo com o segundo ORM parceiro apenas cobria alguns Estados‑Membros do EEE, o que resulta dos considerandos 208 e 209 da decisão recorrida. Uma vez que a cobertura dos APR por carteira era muito fraca no seu conjunto, a cobertura destes dois APR por carteira era ainda consideravelmente mais fraca. Por conseguinte, a decisão recorrida não pode demonstrar a existência de efeitos de exclusão prováveis no que respeita a estes acordos.

715    Em segundo lugar, a Google sustenta que a análise da decisão recorrida sobre a capacidade dos concorrentes para igualarem os pagamentos dos APR por carteira contém diversos erros que viciam a sua conclusão de que um serviço de pesquisa geral concorrente não podia compensar, relativamente a um FEO ou um ORM, a perda dos pagamentos da Google no âmbito dos APR pertinentes.

716    Com efeito, na opinião da Google, a margem que um serviço de pesquisa concorrente pode atingir mesmo igualando as partilhas de receitas da Google depende da percentagem de pedidos que um concorrente igualmente eficaz e atrativo pode esperar ganhar quando a sua aplicação é pré‑instalada a par da Google, da proporção de aparelhos relativamente aos quais um FEO ou um ORM estaria disposto a pré‑instalar um concorrente e dos custos de um concorrente igualmente eficaz. Quanto a estas questões, a decisão recorrida comete, segundo a Google, erros que, uma vez retificados, demonstram que os concorrentes poderiam ter superado os APR por carteira da Google, incluindo os APR que ofereciam [40‑50] % de partilhas de receitas.

717    Primeiro, um concorrente igualmente eficaz poderia ter obtido bem mais de 12 % dos pedidos de pesquisa da aplicação Google Search se a aplicação de pesquisa concorrente também estivesse pré‑instalada. A título ilustrativo, a Seznam obteve, na República Checa, até 26 % das percentagens anuais de pedidos de pesquisa geral nos PC durante o período do abuso alegado. Um concorrente igualmente atrativo e assim igualmente eficaz poderia, portanto, obter pelo menos 26 % dos pedidos de pesquisa geral.

718    Segundo, um concorrente igualmente eficaz poderia ter obtido pedidos através da sua página inicial e gerado, por intermédio desse ponto de entrada, receitas que podiam ser partilhadas. Embora a Google não partilhe tais receitas, um concorrente pelo menos igualmente eficaz poderia superá‑las partilhando tais receitas.

719    Terceiro, um concorrente igualmente eficaz poderia ter obtido pedidos adicionais através de uma configuração por defeito de um navegador Web móvel, sem que os ADAM o proibissem. As declarações de três FEO, referidas na decisão recorrida, não provam, segundo a Google, que os FEO tivessem interpretado incorretamente as condições do ADAM. Esta questão deve, em todo o caso, ser avaliada com base nos termos objetivos do ADAM, e não com base em incompreensões. Além disso, estas declarações não sugerem que os FEO não pudessem definir por defeito outro programa de navegação ou outro serviço de pesquisa na barra URL de outros programas de navegação. Outros documentos demonstram que os FEO eram livres, ao abrigo do ADAM, de definir serviços de pesquisa concorrentes por defeito nos programas de navegação e confirmam que os FEO tinham compreendido ser esse o caso. A decisão recorrida sobrestima, portanto, o efeito de exclusão invocado dos APR da Google.

720    Quarto, a decisão recorrida não explica por que razão um concorrente igualmente eficaz só pode obter uma pré‑instalação numa proporção limitada dos aparelhos FEO nem por que razão um determinado FEO terá sido impedido de pré‑instalar aplicações em duplicado em alguns dos seus aparelhos, mas não noutros, nem por que razão as aplicações concorrentes não podem ser pré‑instaladas em aparelhos que já tinham sido vendidos durante o período em que o APR era executado.

721    Quinto, a decisão recorrida sobrestima os custos da Google e, por isso, subestima a margem que um concorrente igualmente eficaz pode alcançar mesmo igualando os APR por carteira da Google.

722    Para a Google, um concorrente igualmente eficaz poderia pelo menos ter alcançado [30‑40] % dos pedidos de pesquisa se estivesse pré‑instalado a par da Google Search e definido por defeito. Deveria ser capaz de obter uma pré‑instalação numa carteira completa de aparelhos e ter feito face a custos de apenas [5‑10] %. Por conseguinte, poderia ter superado os APR por carteira da Google, alcançando simultaneamente uma margem de [10‑20] % nos APR que dão lugar a pagamentos de [40‑50] %, a [70‑80] % nos APR que dão lugar a pagamentos de [10‑20] %.

723    Por seu turno, a Comissão observa, em primeiro lugar, que a análise da incapacidade dos concorrentes igualmente eficazes para compensar os pagamentos da Google é apenas um fator entre outros para determinar a capacidade dos APR por carteira para restringir a concorrência. Além disso, a Comissão entende que a aplicação do teste AEC não é pertinente numa situação em que o mercado está estruturado de tal modo que o aparecimento de um concorrente igualmente eficaz é praticamente impossível.

724    A Comissão considera igualmente que, neste caso, seria irrealista ignorar a posição dominante da Google na pesquisa geral, a qual amplifica o efeito alavanca de que esta beneficia ao celebrar APR por carteira com os FEO e ORM. As motivações da Google para celebrar esses APR também são pertinentes, tal como o objetivo de garantir que os FEO e os ORM obtêm da Google a resposta a todas as suas necessidades em matéria de serviços de pesquisa geral nos aparelhos incluídos na gama acordada.

725    Em segundo lugar, no que respeita à apreciação dos APR por carteira, a Comissão insiste na falta de uniformidade destes e na existência de restrições impostas aos FEO que figuram nos ADAM. A decisão recorrida indica, a este respeito, que há um certo número de pontos de entrada para as pesquisas num aparelho Google Android já configurados pelos ADAM em benefício da Google com a obrigação de pré‑instalar a aplicação Google Search no ecrã inicial do aparelho e de pré‑instalar a Google Chrome, sendo a Google definida por defeito para a pesquisa geral.

726    Neste contexto, a Google pagava aos FEO ou aos ORM uma percentagem compreendida entre [0‑10] % e [30‑40] % das receitas de publicidade líquidas da Google geradas pelas pesquisas Google numa gama de aparelhos definida, a partir da aplicação Google Search, da barra de endereços do Chrome e da barra URL de todos os outros navegadores Web móveis. Estes pagamentos estavam sujeitos à obrigação do FEO ou do ORM de manter a exclusividade, ou seja, de não instalar, seja em que aparelho for da gama em causa, um qualquer serviço semelhante à Google Search.

727    A Comissão também recorda que a questão de saber se os ADAM impediam os FEO de definir outro serviço de pesquisa geral por defeito num navegador que estes FEO podiam ter pré‑instalado além do Chrome era um ponto de incerteza para os FEO. Segundo a Comissão, alguns FEO entenderam que o respetivo ADAM lhes impunha que fizessem do serviço de pesquisa geral da Google o serviço prestado por defeito para todos os pontos de entrada nos aparelhos da sua gama. Todavia, para determinar se um serviço de pesquisa geral concorrente podia igualar os pagamentos da Google, a Comissão partiu do princípio favorável à Google que os ADAM não impunham tal restrição. Por conseguinte, a Comissão considera que os argumentos da Google a este respeito são inoperantes.

728    Em terceiro lugar, primeiro, as críticas formuladas pela Google ao raciocínio seguido na decisão recorrida tomam como ponto de partida uma etapa intermédia do cálculo, e isso sem ter em conta a análise exposta a seguir relativamente ao alcance limitado da instalação que um concorrente podia esperar alcançar. Estas observações não são postas em causa pelas críticas feitas relativamente aos APR por carteira celebrados com os dois ORM parceiros Android.

729    Segundo, quanto à argumentação da Google destinada a refutar a pertinência do critério dos 12 % relativo à percentagem total obtida pelos concorrentes para os pedidos de pesquisa geral nos PC, pelo facto de este critério não refletir a quota que um concorrente podia obter, a Comissão recorda que a sua apreciação da capacidade dos concorrentes para igualar os pagamentos da Google era favorável à Google. Do mesmo modo, Comissão rejeita todos os argumentos apresentados pela Google a este respeito.

730    Terceiro, quanto à argumentação da Google com vista a invocar a partilha das receitas geradas através da página inicial pelos concorrentes, é ilusório, segundo a Comissão, considerar que esses concorrentes aceitariam partilhar receitas que a Google não partilhava no âmbito dos seus próprios APR.

731    Quarto, a decisão recorrida explica bem por que razão seria pouco provável que serviços de pesquisa geral concorrentes tivessem sido instalados em toda a gama de aparelhos de um FEO, qual seria o impacto da pré‑instalação da aplicação Google Search nos aparelhos já vendidos, por que razão um serviço de pesquisa concorrente não poderia compensar os pagamentos da Google, apesar do aumento das vendas de novos aparelhos, e por que razão os FEO não poderiam celebrar APR com diversos serviços concorrentes com o objetivo de compensar os pagamentos da Google.

732    Quinto, segundo a Comissão, a argumentação da Google relativa aos custos é inoperante se o Tribunal Geral aceitar os argumentos da Comissão quanto à exatidão da análise da impossibilidade de um concorrente se alinhar com as condições dos APR por carteira. Em todo o caso, considera que esta argumentação é improcedente, nomeadamente porque os custos calculados pela Google não incluem uma parte dos custos fixos, especialmente os custos de investigação e desenvolvimento (R&D).

3)      Apreciação do Tribunal Geral

733    A Google acusa a Comissão de ter considerado que as empresas concorrentes estavam impossibilitadas de compensar os prejuízos que sofressem se os FEO e os ORM decidissem pré‑instalar, a par da Google Search, uma aplicação de pesquisa geral concorrente.

734    Para chegar a esta conclusão, a Comissão realizou, nomeadamente, um teste AEC do qual a Google contesta tanto os resultados como a metodologia e as hipóteses quantitativas consideradas. Por conseguinte, há que examinar os erros invocados pela Google à luz dos princípios jurisprudenciais recordados nos considerandos 639 a 645, supra.

i)      Quanto aos custos imputáveis a um concorrente hipoteticamente pelo menos igualmente eficaz

735    Segundo a Google, nos considerandos 1265 e 1266 da decisão recorrida, a Comissão sobrestima os seus custos e, correlativamente, subestima a margem que um serviço de pesquisa concorrente podia atribuir‑se se a sua aplicação fosse pré‑instalada a par da Google Search.

736    Com efeito, segundo a Google, a Comissão considera erradamente que os custos da Google correspondem a [10‑20] % das suas receitas de publicidade e que, para fazer concorrência à Google, um concorrente hipoteticamente, pelo menos, igualmente eficaz deve, no mínimo, reservar‑se [10‑20] % de receitas de publicidade. Ora, os custos suportados pela Google e pertinentes para efeitos da realização do teste AEC são, segundo a Google, mais da ordem de [0‑10] %. Em vez de presumir os custos da Google, a Comissão podia facilmente ter acedido a uma informação precisa, solicitando o acesso aos seus dados financeiros.

737    A Comissão sustenta que a questão dos custos é indiferente. A faculdade que a Google atribui a um concorrente igualmente eficaz de deduzir apenas [0‑10] % dos custos em vez de [10‑20] % é insuficiente para alterar o resultado da análise feita na decisão recorrida. Segundo a Comissão, a Google não apresenta provas em contrário e oculta, como referido no considerando 1267 da decisão recorrida, que um serviço de pesquisa geral concorrente também deve cobrir uma parte dos seus custos fixos, especialmente os custos de R & D.

738    Além disso, a acusação relativa à não tomada em consideração das «informações pertinentes e disponíveis» é, segundo a Comissão, desprovida de fundamento. Os dados que a Google anexou à petição não foram apresentados durante o procedimento administrativo.

739    A este respeito, importa salientar que um concorrente hipoteticamente pelo menos igualmente eficaz é um concorrente que, no mínimo, apresenta, como sublinha a Comissão no considerando 1259 da decisão recorrida, a mesma capacidade para gerar receitas e fazer face a custos que a empresa em posição dominante. Aliás, este requisito figura nas Orientações sobre comportamentos de exclusão abusivos. Com efeito, a Comissão sublinha, em substância, no n.o 25 das referidas orientações, que, para determinar se um concorrente hipoteticamente pelo menos igualmente eficaz corre o risco de ser excluído por práticas de natureza tarifária, analisa, nomeadamente, quando estão disponíveis, os dados económicos relativos aos preços de custo da empresa dominante.

740    Com efeito, os custos a ter em conta têm um impacto direto na margem que um concorrente hipoteticamente pelo menos tão eficaz como a Google poderia reservar‑se se tivesse de proceder a pagamentos de exclusividade para compensar, no caso em apreço, os APR por carteira. Quanto mais baixos forem os custos a cobrir, mais um concorrente hipoteticamente pelo menos igualmente eficaz pode reservar‑se uma margem maior e, correlativamente, partilhar receitas mais substanciais.

741    Além desta observação preliminar, importa, primeiro, salientar que, no considerando 1265 da decisão recorrida, a Comissão afirma que a Google, na sua resposta à segunda carta de exposição dos factos, tinha «reconhecido» que os seus custos chamados de «operacionais» eram de [10‑20] % e que, em substância, um concorrente hipoteticamente pelo menos igualmente eficaz teria de suportar o mesmo nível de custos.

742    É certo que, na sua resposta à segunda carta de exposição dos factos, a Google admite que o documento em que a Comissão se baseia, a saber, um APR por carteira celebrado com um FEO, contém uma linha relativa aos «custos operacionais», que são quantificados em [10‑20] %. Todavia, há que constatar que a Google também salientou claramente que a percentagem utilizada pela Comissão não correspondia aos custos pertinentes para a realização do teste AEC, que deviam estar entre os custos marginais.

743    Com efeito, a Google informou a Comissão de que essa percentagem não tinha nenhuma relação com os custos que um concorrente hipoteticamente pelo menos igualmente eficaz deveria suportar. Correspondia apenas, segundo a Google, à redução efetuada sobre a quota‑parte das receitas partilhadas com o cocontratante, que apenas é expressa em valor bruto, e não líquido. Esta questão foi apresentada pela Google na sua resposta à primeira carta de exposição dos factos.

744    Portanto, segundo a Google, a Comissão não pode alegar, sob pena de desvirtuar a sua resposta à segunda carta de exposição dos factos, que a Google aceitou implicitamente a tomada em consideração dessa percentagem enquanto custos pertinentes para a realização do teste AEC.

745    Segundo, a Google sublinhou, na sua resposta à segunda carta de exposição dos factos, que cabia à Comissão realizar um inquérito adequado para definir com precisão os custos pertinentes. Mais precisamente, a Google acusava a Comissão de ter considerado que os custos a ter em consideração no âmbito do teste AEC eram de [10‑20] %, tendo retirado essa percentagem de documentos transmitidos por um terceiro, e não de uma resposta a um pedido de informações que lhe tenha dirigido diretamente.

746    Ora, resulta nomeadamente do n.o 25 das Orientações sobre comportamentos de exclusão abusivos que, quando disponível, a Comissão tem em conta os dados económicos provenientes da empresa dominante, pelo que, no caso em apreço, a Comissão não procedeu a uma análise adequada dos custos.

747    Acresce que, embora, como a Comissão sublinha, a Google não tenha transmitido espontaneamente esses dados durante o procedimento administrativo, não pode ser acusada disso.

748    Com efeito, o ónus da prova da natureza abusiva de uma prática recai sobre a Comissão (v., neste sentido, Acórdão de 6 de setembro de 2017, Intel/Comissão, C‑413/14 P, EU:C:2017:632, n.os 138 a 140). Portanto, no caso em apreço, a Comissão não podia basear‑se apenas em dados constantes de um documento transmitido por um terceiro e eximir‑se a corroborá‑los com a Google através, neste caso, de um pedido de informações.

749    Terceiro, resulta do considerando 1266 da decisão recorrida que a Comissão reconhece a pertinência dos custos marginais para a realização, no caso em apreço, do teste AEC, dado que observa que, na medida em que os «custos operacionais» deduzidos pela Google são uma percentagem das receitas associadas aos pedidos de pesquisa, tais custos se aproximam, em substância, dos referidos custos.

750    Todavia, há que salientar que a Comissão, a este respeito, se baseia em simples conjeturas, sem, no entanto, remeter para dados mais precisos provenientes da Google. Esta questão é tanto mais essencial quanto, no Tribunal Geral, a Google quantifica os seus custos marginais que convinha ter em conta no âmbito do teste AEC em cerca de [0‑10] %. Ora, como a Google alega com razão, não se pode excluir que, tendo de cobrir apenas [0‑10] % de custos, um concorrente hipoteticamente igualmente eficaz se encontra numa posição mais confortável para compensar os APR por carteira do que a considerada pela Comissão.

751    Nestas condições, a Comissão não se pode limitar a referir o caráter inoperante da argumentação da Google, ao afirmar no Tribunal Geral que, tendo em conta uma percentagem inferior, o resultado do teste AEC permaneceria inalterado e que a Google não sugere o contrário.

752    Daqui resulta que a referência feita pela Google a uma percentagem substancialmente inferior à considerada pela Comissão na decisão recorrida, conjugada com a falta de um complemento de inquérito por iniciativa da Comissão e com a falta de motivos circunstanciados a ela relativos na decisão recorrida, pode suscitar dúvidas quanto à justeza e à regularidade do teste AEC realizado pela Comissão.

ii)    Quanto às receitas partilháveis por um concorrente hipoteticamente pelo menos igualmente eficaz

753    Segundo a Google, a Comissão oculta erradamente a quota dos pedidos de pesquisa que uma empresa concorrente pode obter através da página inicial Internet do seu motor de pesquisa. Enquanto a Google não partilha as receitas de publicidade geradas pelos pedidos de pesquisa na sua página inicial Internet, empresas concorrentes pelo menos igualmente eficazes poderiam ter optado por partilhar as referidas receitas e, ao fazê‑lo, fazer concorrência à Google. No considerando 1264 da decisão recorrida, a Comissão afasta esta eventualidade, sem apresentar uma fundamentação adequada.

754    A este respeito, importa começar por salientar que a Google apenas contesta um dos dois fundamentos que levaram a Comissão a rejeitar essa eventualidade. Com efeito, no considerando 1264 da decisão recorrida, a Comissão refere que os serviços de pesquisa geral concorrentes não partilham as receitas de publicidade geradas a partir de pedidos de pesquisa efetuados na página Internet dos seus motores de pesquisa, na medida em que, primeiro, a Google não partilha essas receitas e, segundo, essas receitas são geradas independentemente de qualquer acordo de partilha de receitas celebrado com os FEO e com os ORM.

755    O argumento da Google não pode proceder. Para apreciar a capacidade de uma prática para eliminar um concorrente hipoteticamente pelo menos igualmente eficaz, importa ter em conta as receitas partilhadas pela empresa que detém uma posição dominante. Caso contrário, isso equivaleria a apreciar os efeitos do comportamento de uma empresa que ocupa uma posição dominante sobre um concorrente menos eficaz, na medida em que este último teria de partilhar uma fonte adicional de receitas para fazer concorrência.

756    Além disso, o segundo motivo referido no considerando 1264 da decisão recorrida basta para excluir a tomada em consideração dessas receitas na condução, no caso em apreço, do teste AEC. A lógica de um acordo de partilha de receitas é incentivar os FEO e os ORM a privilegiar as pesquisas a partir, nomeadamente, de uma aplicação móvel ou de outro ponto de entrada. Em contrapartida, os FEO e os ORM não têm nenhuma possibilidade de incentivar os utilizadores a visitar espontaneamente na página inicial Internet do motor de pesquisa concorrente, sejam quais forem os acordos eventualmente celebrados.

757    Portanto, este argumento deve ser julgado improcedente.

iii) Quanto à percentagem controvertida dos pedidos de pesquisa por um concorrente hipoteticamente pelo menos igualmente eficaz

758    A Google alega que a margem que as empresas concorrentes poderiam ter‑se reservado para neutralizar os APR por carteira deve ser reavaliada em alta, uma vez que a percentagem controvertida dos pedidos de pesquisa tidos em conta no considerando 1234 da decisão recorrida devia ter sido mais importante. A Google insiste também no facto de os ADAM não impedirem de forma alguma os FEO ou os ORM em causa de parametrizar por defeito um serviço de pesquisa concorrente num navegador Web móvel pré‑instalado numa aplicação diferente do Chrome. A Comissão observa, por seu turno, que os dados constantes da decisão recorrida são favoráveis à Google. Sublinha também que os ADAM apresentavam um alcance ambíguo que se refletia nos comportamentos dos FEO e dos ORM.

759    A este respeito, há que salientar, em primeiro lugar, que o alcance dos ADAM não foi apreciado da mesma forma por todos os FEO e os ORM em causa. Como a Comissão assinala nos considerandos 1229 e 1230 da decisão recorrida, alguns FEO e ORM, mas não todos, interpretavam os ADAM no sentido de que proibiam a definição por defeito, num navegador Web móvel diferente do Chrome, de um serviço de pesquisa geral concorrente.

760    Esta conclusão não deixa de ter relevância para o raciocínio seguido pela Comissão na decisão recorrida. Com efeito, na hipótese de uma quota contestável dos pedidos de pesquisa que também integram como ponto de entrada para os serviços de pesquisa geral concorrentes a definição por defeito de um motor de pesquisa concorrente num navegador terceiro, a Comissão chega, em substância, no considerando 1243 da decisão recorrida, numa fase intermédia da sua análise, à conclusão de que um concorrente hipoteticamente pelo menos tão eficaz como a Google podia compensar a quase totalidade dos APR por carteira. Esta conclusão é, no entanto, posta em causa pela própria Comissão no considerando 1244 da decisão recorrida, na medida em que integra, enquanto parâmetro adicional, também contestado pela Google no âmbito do presente recurso, o alcance limitado da pré‑instalação que pode ser, na prática, obtida por um serviço de pesquisa geral concorrente.

761    Pelo contrário, se apenas se tiver em conta um ponto de entrada, a saber, a pré‑instalação de uma aplicação concorrente a par da Google Search, a Comissão chega, desde a fase intermédia da sua análise, no considerando 1253 da decisão recorrida, à impossibilidade de um concorrente, hipoteticamente, pelo menos tão eficaz como a Google de compensar os APR por carteira. Neste contexto, importa, por conseguinte, decidir a questão relativa à tomada em consideração, no âmbito da realização do teste AEC, das múltiplas interpretações de que os ADAM foram objeto.

762    Ora, uma incerteza ou dúvida relativamente, como no caso em apreço, ao alcance de uma obrigação contratual deve, no âmbito de um inquérito com finalidade repressiva, que pode conduzir à aplicação de uma coima, aproveitar à empresa posta em causa, a menos que se faça recair sobre esta última o ónus de tal dúvida (v., neste sentido, Acórdão de 22 de novembro de 2012, E.ON Energie/Comissão, C‑89/11 P, EU:C:2012:738, n.os 71 e 72).

763    Portanto, a Comissão só podia considerar, para efeitos da realização do teste AEC, a hipótese de uma quota contestável que incluísse simultaneamente a induzida pela pré‑instalação de uma aplicação concorrente a par da Google Search e a induzida pela definição, por defeito, de um serviço de pesquisa concorrente num navegador Web móvel diferente do Chrome.

764    Em segundo lugar, a Google acusa a Comissão de ter apreciado a quebra da percentagem controvertida dos pedidos de pesquisa em aparelhos móveis por um concorrente hipoteticamente, pelo menos igualmente eficaz. Segundo a Google, esse concorrente teria condições de se reservar mais de 12 % dos pedidos de pesquisa que os utilizadores efetuam através da Google Search.

765    Antes de mais, importa recordar que a quota contestável dos pedidos de pesquisa de 12 % corresponde, como resulta do considerando 1234 da decisão recorrida, à quota contestada para o conjunto dos serviços de pesquisa geral concorrentes no que respeita aos pedidos de pesquisa geral efetuados em PC no EEE. Com efeito, a Comissão transpôs a quota contestada para os pedidos de pesquisa geral em PC para a quota contestável dos pedidos de pesquisa geral em aparelhos móveis. A partir desta quota, a Comissão determinou a proporção máxima dos pedidos de pesquisa geral que um serviço de pesquisa geral concorrente teria podido, no máximo, reservar‑se se a sua aplicação estivesse pré‑instalada a par da Google Search.

766    Para sustentar as suas pretensões, a Google sublinha, primeiro, que a quota contestada dos pedidos de pesquisa geral para todos os serviços de pesquisa geral concorrentes em PC é mínima. Isso implica, segundo a Google, que os serviços de pesquisa geral concorrentes não são concorrentes hipoteticamente pelo menos igualmente eficazes. Sublinha também que, nos mercados nacionais em que os serviços concorrentes gozam de uma cobertura importante, como a Seznam na República Checa, a quota contestada é mais elevada. Segundo, a Comissão ocultou o facto de, durante o período considerado, a Bing ser definida por defeito em quase todos os PC.

767    A este respeito, por um lado, o argumento relativo à definição por defeito da Bing em quase todos os PC não pode ser acolhido. Com efeito, a Comissão sublinha, sem ser contestada neste ponto pela Google, que, durante o período considerado, a saber o compreendido entre 2011 e 2014, o Bing não era definido por defeito no conjunto dos PC. Durante esse período, a Microsoft era obrigada a deixar essa opção aos utilizadores.

768    Por outro lado, a Google alega que, ao considerar uma quota contestável de pedidos de pesquisa de 12 %, a Comissão não se baseou na quota que um concorrente hipoteticamente pelo menos tão eficaz como a Google poderia contestar. Pelo contrário, a Comissão considerou a quota realmente contestada para o conjunto dos serviços de pesquisa geral concorrentes em PC, potencialmente menos eficazes. Este erro vicia todo o teste AEC realizado pela Comissão.

769    Ora, a definição da quota contestável dos pedidos de pesquisa assenta, como acertadamente salienta a Google, num erro de raciocínio e numa falsa conceção do teste AEC.

770    Primeiro, o facto de a Comissão ter optado por acolher como premissa para o seu raciocínio a quota realmente contestada dos pedidos de pesquisa geral para todos os serviços de pesquisa geral concorrentes em PC não permite afirmar com suficiente certeza de que um concorrente hipoteticamente pelo menos igualmente eficaz poderia, em aparelhos móveis, contestar apenas uma quota idêntica. A tomada em conta das quotas realmente contestadas em PC não podia, no caso em apreço, constituir razoavelmente a base de um teste AEC destinado a verificar a quota contestável dos pedidos de pesquisa geral por um concorrente hipoteticamente pelo menos tão eficaz como a Google em aparelhos móveis.

771    Segundo, no que respeita a certos mercados nacionais de serviços de pesquisa geral, nomeadamente a República Checa, a quota contestada por certos concorrentes, como a Seznam, é muito mais elevada do que a considerada na decisão recorrida pela Comissão. Com efeito, a Google sublinha, sem ser contestada neste ponto pela Comissão, que, durante o período da infração, a Seznam obteve até 26 % dos pedidos de pesquisa geral em PC.

772    O facto de a quota contestável dos pedidos de pesquisa de 12 % ter em conta a quota contestada pela Seznam na República Checa também não permite considerar que um concorrente hipoteticamente pelo menos igualmente eficaz não possa, da mesma maneira que a Seznam na República Checa, contestar uma quota mais elevada dos pedidos de pesquisa no EEE. O facto de a Google enfrentar uma concorrência mais importante em certos mercados nacionais de serviços de pesquisa geral pode precisamente suscitar dúvidas quanto à justeza dessa percentagem.

773    Terceiro, o facto de só a Google poder beneficiar das vantagens ligadas ao seu poder de mercado para melhorar e propor um serviço de precisão também não permite excluir com certeza que um concorrente hipoteticamente pelo menos igualmente eficaz, nomeadamente do ponto de vista da qualidade dos serviços e da inovação, conteste uma quota superior a 12 % dos pedidos de pesquisa.

774    Por conseguinte, a Comissão também cometeu um erro ao partir da premissa de que um concorrente hipoteticamente pelo menos tão eficaz como a Google só podia, em aparelhos móveis, contestar 12 % dos pedidos de pesquisa efetuadas pelos utilizadores através da Google Search.

iv)    Quanto ao alcance da préinstalação de uma aplicação de um concorrente hipoteticamente pelo menos igualmente eficaz

775    Segundo a Google, a Comissão não justifica, no considerando 1244 da decisão recorrida, as razões pelas quais uma aplicação de serviço de pesquisa concorrente só poderia ser pré‑instalada num número limitado de aparelhos móveis. Segundo a Google, a remissão para a parte da decisão recorrida relativa aos ADAM não é suficiente e está em contradição com o considerando 1208 da decisão recorrida, nos termos do qual a Comissão sublinha que, na falta de APR por carteira, os FEO e os ORM têm um interesse comercial em pré‑instalar várias aplicações de pesquisa geral.

776    A este respeito, há que salientar que, no considerando 1244 da decisão recorrida, a Comissão fundamenta a afirmação de que um concorrente não pode pretender, junto de um FEO ou de um ORM, obter a pré‑instalação da sua aplicação na totalidade da carteira de aparelhos móveis abrangidos pelos APR por carteira remetendo para os considerandos 824 a 832 da decisão recorrida.

777    Os considerandos 824 a 832 da decisão recorrida dizem respeito à apreciação da natureza anticoncorrencial dos ADAM. Nesses considerandos, a Comissão expõe que, embora, em aplicação dos ADAM, os FEO e os ORM não estivessem, em teoria, impedidos de pré‑instalar aplicações de serviços de pesquisa geral concorrentes, estavam, na prática, reticentes em pré‑instalar várias aplicações de serviços de pesquisa geral.

778    Todavia, a remissão, no considerando 1244 da decisão recorrida, para os fundamentos relativos à apreciação da natureza abusiva dos ADAM para relativizar a capacidade de um concorrente hipoteticamente pelo menos igualmente eficaz para compensar os APR por carteira não pode proceder, como acertadamente salienta a Google. Com efeito, o contexto da apreciação concorrencial dos ADAM difere do da apreciação da possibilidade de um concorrente hipoteticamente pelo menos tão eficaz como a Google, que pretenda obter a pré‑instalação da sua aplicação em contrapartida de uma partilha de receitas de publicidade, compensar os APR por carteira.

779    Primeiro, para demonstrar que a vantagem concorrencial que a Google retira dos ADAM não pode ser compensada pela pré‑instalação de aplicações concorrentes, a Comissão sublinha, nos considerandos 825 a 832 da decisão recorrida, que os FEO e os ORM apensas poderiam cobrar pequenas receitas adicionais tendo em conta a quota de mercado da Google e a sua omnipresença nos pontos de acesso aos serviços de pesquisa geral. Além disso, segundo a Google, os FEO e os ORM têm custos de transação mais elevados e problemas técnicos relacionados com a capacidade de armazenamento, degradando assim a experiência dos utilizadores.

780    Ora, estes motivos, embora sejam pertinentes quando é tida em conta a situação de um concorrente atual da Google que não procura partilhar as suas receitas de publicidade, não permitem de modo nenhum sustentar que um concorrente hipoteticamente pelo menos igualmente eficaz que pretenda partilhar as suas receitas não poderia obter a pré‑instalação da sua aplicação no conjunto da carteira de aparelhos móveis dos FEO e dos ORM em causa.

781    Essa pré‑instalação conjunta poderia aumentar a atratividade dos aparelhos móveis inteligentes e, portanto, corresponder aos interesses dos FEO e dos ORM. Com efeito, ao propor várias aplicações de pesquisa geral, a saber, as da Google e de um concorrente hipoteticamente pelo menos igualmente eficaz, a experiência dos utilizadores pode ser melhorada, tornando os aparelhos móveis em causa tanto mais atrativos, como a Comissão reconhece, de resto, no considerando 1213 da decisão recorrida.

782    Por outro lado, as receitas no âmbito dos APR por carteira que os FEO e os ORM perderiam no caso de a Google Search deixar de beneficiar de uma pré‑instalação exclusiva poderiam, como resulta do considerando 1243 da decisão recorrida, ser compensadas por um concorrente pelo menos igualmente eficaz no caso de todos os aparelhos móveis serem abrangidos pela partilha das suas receitas de publicidade por um concorrente pelo menos igualmente eficaz. Por outro lado, Comissão sublinha, no considerando 1216 da decisão recorrida, com base em declarações da Google, que, na falta dos APR por carteira, os FEO e os ORM poderiam sempre receber receitas da Google, o que permite novamente relativizar a afirmação segundo a qual um concorrente hipoteticamente pelo menos igualmente eficaz só poderia obter a pré‑instalação da sua aplicação num número limitado de aparelhos móveis.

783    Segundo, a Comissão observa, nos considerandos 830 a 832 da decisão recorrida, que os ADAM proíbem os FEO e os ORM de pré‑instalarem exclusivamente uma aplicação de serviços de pesquisa geral concorrente ou às ORM de exigir ao FEO a pré‑instalação exclusiva dessa aplicação.

784    Ora, a hipótese prevista no considerando 1244 da decisão recorrida é a de uma pré‑instalação além da Google Search, e não na falta desta última aplicação. A constatação feita pela Comissão nos considerandos 830 a 832 da decisão recorrida não é de nenhuma utilidade, na medida em que a hipótese prevista a título da compensação dos APR parte da premissa de que uma aplicação concorrente está pré‑instalada a par da Google Search.

785    Terceiro, a Comissão baseia‑se, no considerando 1247 da decisão recorrida, em dois exemplos que figuram no considerando 1219 para ilustrar que os concorrentes que, na prática, conseguiram obter a pré‑instalação de serviços de pesquisa geral apenas conseguiram cobrir um número limitado de aparelhos móveis ou, em todo o caso, um número insuficiente para compensar os APR por carteira. A Google sublinha, pelo contrário, que um dos exemplos citados pela Comissão permite corroborar a tese oposta.

786    Ora, os exemplos em que a Comissão se baseia são os de concorrentes atuais. De resto, a Comissão não indica, no considerando 1247, se os considera concorrentes hipoteticamente pelo menos tão eficazes como a Google, que procuraram partilhar as seus receitas de publicidade.

787    Quarto, há que salientar que a afirmação de que a vantagem concorrencial que a Google retira dos ADAM não pode ser compensada pelo comportamento dos FEO e dos ORM que optassem pré‑instalar uma aplicação concorrente é antes de mais, como resulta do considerando 833 da decisão recorrida, motivada pelo facto de estes últimos estarem igualmente ligados à Google pelos APR por carteira. Ora, neste caso, o cenário examinado visa um concorrente hipotético que propõe substituir o APR da Google pelo seu próprio acordo de partilha de receitas.

788    Portanto, a Comissão não pode relativizar a capacidade de um concorrente hipoteticamente pelo menos igualmente eficaz de compensar os APR por carteira pela simples afirmação de que esse concorrente só poderia, nessa situação, obter uma pré‑instalação da sua aplicação num número limitado de aparelhos móveis de um FEO ou de um ORM.

v)      Quanto à aplicação temporal do teste AEC

789    Contrariamente à abordagem seguida pela Comissão no considerando 1249 da decisão recorrida, a Google sustenta que a possibilidade de um concorrente hipoteticamente pelo menos igualmente eficaz compensar os APR por carteira só deveria ser verificada a partir do momento em que os referidos acordos entraram em vigor. Em todo o caso, segundo a Google, a Comissão não examina a capacidade dos aparelhos móveis recentes de gerar receitas mais elevadas do que os que já estão em circulação. Também exclui erradamente o facto de as receitas geradas a partir de aparelhos antigos decrescerem ao longo do tempo, apenas pelo facto de a Google não ter feito prova nesse sentido durante o procedimento administrativo. A Comissão sustenta que nenhum dos elementos apresentados pela Google permite pôr em causa a decisão recorrida.

790    A este respeito, importa sublinhar que, do mesmo modo que para certos sistemas de descontos concedidos em função das quantidades vendidas durante um período de referência no âmbito do qual a pressão exercida sobre o comprador aumenta no fim do período de referência para realizar o volume de negócios que lhe dá direito ao referido desconto, o efeito de exclusividade de um acordo de partilha de receitas intensifica‑se à medida que aumenta o número de bens vendidos e que integram os serviços na origem das referidas receitas (v., neste sentido, Acórdão de 6 de outubro de 2015, Post Danmark, C‑23/14, EU:C:2015:651, n.o 34).

791    Ora, no caso em apreço, a Comissão, no considerando 1249 da decisão recorrida, apreciou com razão a natureza anticoncorrencial dos APR por carteira, não apenas no momento da sua celebração, mas também durante o período em que estavam em vigor. Contrariamente ao que sustenta a Google, não se pode ocultar que quanto mais o número de aparelhos móveis em circulação afetados pelos APR por carteira aumentava mais a capacidade de um concorrente, mesmo hipoteticamente pelo menos igualmente eficaz, de os igualar se revelava, na prática, difícil. É o que acontece no caso em apreço, na medida em que as receitas partilhadas pela Google dependem dos pedidos de pesquisa efetuadas nos aparelhos móveis vendidos.

792    Portanto, a Comissão não pode ter cometido um erro de direito ao ter analisado a capacidade de um concorrente compensar os APR por carteira de modo não estático mas dinâmico.

793    Todavia, por um lado, há que salientar que as considerações que figuram no considerando 1249 da decisão recorrida continuam a ser meramente teóricas. A Comissão não quantifica, no caso em apreço, a incidência concreta dos aparelhos já vendidos na capacidade de um concorrente hipoteticamente pelo menos tão eficaz como a Google de compensar os APR por carteira.

794    Por outro lado, embora esse dado pudesse ser pertinente, como sublinha corretamente a Google, para relativizar o impacto sobre a capacidade de um concorrente hipoteticamente pelo menos igualmente eficaz para compensar os APR por carteira, a Comissão afasta, no considerando 1270 da decisão recorrida, a propensão dos aparelhos móveis recentes para gerar receitas mais elevadas do que os aparelhos móveis antigos pelo simples facto de a Google, na sua resposta à segunda carta de exposição dos factos, não ter apresentado provas nesse sentido.

795    Ora, a natureza abusiva dos pagamentos de exclusividade não pode assentar numa presunção simples de abuso, que possa ser invertida pela empresa que ocupa uma posição dominante. Pelo contrário, resulta claramente da jurisprudência que, em caso de contestação da natureza restritiva da concorrência de uma prática tarifária, a Comissão é obrigada a apreciar todas as circunstâncias pertinentes em que se inscreve a prática em causa a fim de analisar a capacidade de exclusão de concorrentes pelo menos igualmente eficazes que lhe é inerente (v., neste sentido, Acórdão de 6 de setembro de 2017, Intel/Comissão, C‑413/14 P, EU:C:2017:632, n.os 139 e 140).

796    Assim, na medida em que, no caso em apreço, o ónus da prova do efeito de exclusão dos APR por carteira sobre um concorrente hipoteticamente pelo menos igualmente eficaz não recaía sobre a Google mas sobre a Comissão, uma vez que esta última não podia basear‑se, no considerando 1270 da decisão recorrida, numa pretensa omissão da Google para dar como adquirida, sem uma análise suplementar, a capacidade dos aparelhos móveis recentes e antigos para gerar receitas de pesquisa geral idênticas.

797    Portanto, a Comissão não pode ter realizado um exame adequado da capacidade de um concorrente hipoteticamente pelo menos tão eficaz para compensar os APR por carteira durante o período em que estavam em vigor.

vi)    Conclusão sobre a regularidade do teste AEC

798    Decorre do que precede que o teste AEC realizado pela Comissão na decisão recorrida apresenta diversos erros de raciocínio. Estes últimos dizem respeito, antes de mais, a uma das premissas do teste AEC, a saber, a percentagem de pedidos de pesquisa geral contestável por um concorrente hipoteticamente pelo menos igualmente eficaz se a sua aplicação fosse pré‑instalada a par da Google Search. Em seguida, há que salientar que a Comissão não isolou os custos que podiam ser atribuídos a um concorrente hipoteticamente pelo menos igualmente eficaz e simplesmente extrapolou dados que figuram num documento transmitido por um terceiro e contestados pela Google durante o procedimento administrativo. Por outro lado, os motivos que figuram no considerando 1244 da decisão recorrida não permitem de modo nenhum sustentar a afirmação de que um concorrente hipoteticamente pelo menos igualmente eficaz é suscetível, na falta dos APR por carteira, de obter a pré‑instalação da sua aplicação apenas num número limitado de aparelhos móveis. Por último, a Comissão apreciou de forma lacunar a propensão dos aparelhos móveis já em circulação para gerar receitas inferiores às dos aparelhos móveis recentes.

799    Esta quadrupla constatação pode, por si só, levantar uma dúvida quanto à justeza do resultado do teste AEC realizado pela Comissão e, por conseguinte, do pretenso efeito de exclusão dos APR por carteira num concorrente hipoteticamente pelo menos igualmente eficaz. Por conseguinte, do modo como foi conduzido pela Comissão, o teste AEC não pode corroborar a constatação de um abuso resultante dos APR por carteira.

5.      Conclusão sobre a regularidade dos motivos relativos à natureza abusiva dos APR por carteira

800    Devido aos diversos erros de raciocínio da Comissão, a conclusão de que os APR por carteira eram abusivos não pode ser considerada suficientemente provada. Com efeito, os referidos erros dizem respeito a aspetos essenciais da análise concorrencial dos APR por carteira, a saber, a apreciação da sua cobertura e a realização do teste AEC.

801    Abstraindo destas etapas do raciocínio da Comissão, a natureza abusiva dos APR por carteira não pode, por si só, assentar na dupla constatação de uma restrição à inovação ou de um interesse dos FEO e dos ORM, na falta dos referidos APR, para pré‑instalar diversas aplicações de serviços de pesquisa geral. Ainda que a Google não conteste estes dois aspetos do raciocínio da Comissão, há que salientar que são, por si sós, insuficientes para dissipar a dúvida induzida pelos erros cometidos pela Comissão no âmbito da análise da cobertura e da capacidade dos APR por carteira, através do teste AEC que realizou, para afastar um concorrente hipoteticamente pelo menos igualmente eficaz.

802    Por conseguinte, há que anular a decisão recorrida na medida em que considera constitutivos de um abuso, em si mesmos, os APR por carteira, sem que seja necessário examinar os argumentos da Google relativos ao acesso dos utilizadores a serviços de pesquisa geral concorrentes e à necessidade de um teste contrafactual.

E.      Quanto ao quarto fundamento, relativo à apreciação errada do caráter abusivo do condicionamento da concessão das licenças da Play Store e da Google Search ao respeito das OAF

1.      Observações preliminares relativas ao alcance do segundo abuso identificado na decisão recorrida

803    No quarto fundamento, articulado em duas partes, a Google contesta que a sua prática de condicionar a concessão das licenças da Play Store e da Google Search (no âmbito de um ADAM) à aceitação das OAF, contidas nos AAF, possa ser qualificada de abuso da sua posição dominante nos mercados de plataformas de distribuição de aplicações Android e dos serviços de pesquisa geral.

804    A Comissão considera que as práticas em causa têm caráter abusivo e, além disso, que uma parte dos argumentos apresentados pela Google em apoio do quarto fundamento é inoperante. A este respeito, também alega que a Google não contesta numerosos elementos de prova nos quais se baseia a decisão recorrida.

805    Como resulta dos autos, a Google impôs aos FEO que pretendiam beneficiar da possibilidade de comercializar aparelhos móveis inteligentes nos quais a Play Store e a Google Search estavam pré‑instalados a celebração de um AAF. Com efeito, a assinatura de um ADAM estava condicionada à celebração de um AAF.

806    Importa recordar que é pacífico que as OAF impõem a conformidade com uma norma de referência de compatibilidade mínima para a execução do código‑fonte do Android. Esta norma, definida pela Google no DDC, que está publicado na Internet, exige, nomeadamente, que os aparelhos móveis inteligentes permitam a instalação de aplicações, transmitam corretamente a dimensão dos seus ecrãs às aplicações, executem as funções de segurança de base e incluam um conjunto completo de IPA para Android.

807    As OAF aplicam‑se a todos os aparelhos comercializados por cada FEO que tenha celebrado um AAF, uma vez que estes aparelhos funcionam sob Android ou um ramo Android (ou seja, um SO desenvolvido a partir do código‑fonte Android). Para demonstrar a sua compatibilidade com as normas previstas no DDC, os aparelhos devem ser aprovados numa sequência de testes de compatibilidade (a seguir «STC»). A STC, à qual a Google assegura um acesso público no sítio do Android, consiste numa série de testes que permitem demonstrar que um aparelho móvel inteligente que funciona num ramo Android cumpre todos os requisitos técnicos de compatibilidade previstos no DDC. Incumbe aos FEO fazerem eles mesmos a STC aos seus aparelhos que funcionam num ramo Android, incluindo aqueles nos quais as aplicações da Google não estão pré‑instaladas.

808    Por acordo, os ramos Android aprovados na STC serão denominadas a seguir «ramos Android compatíveis». Por seu turno, os ramos Android que não foram submetidos a esses testes ou não foram aprovados, ou seja, as variantes derivadas do código‑fonte do Android que não tenham demonstrado efetivamente a sua capacidade para serem aprovadas pela STC, serão denominadas a seguir «ramos Android não compatíveis».

809    Segundo a decisão recorrida, desde 1 de janeiro de 2011, a Google abusou da sua posição dominante no mercado mundial, excluindo a China, das plataformas de distribuição de aplicações Android, por um lado, e nos mercados nacionais dos serviços de pesquisa geral, por outro, condicionando a licença da Play Store e da Google Search à aceitação das OAF. O segundo abuso começou em 1 de janeiro de 2011, data em que a Google adquiriu uma posição dominante nos mercados acima referidos, e prosseguiu até à data da adoção da decisão recorrida (considerando 1187 da decisão recorrida).

810    Antes de mais, há que precisar que, como as partes principais confirmaram na audiência, os AAF são considerados abusivos na decisão recorrida apenas na medida em que impõem que os FEO assegurem a compatibilidade com o DDC da totalidade dos aparelhos que comercializam e cujo SO seja Android ou um ramo Android, incluindo aqueles em que as aplicações da Google não estão pré‑instaladas. Por outras palavras, os AAF são considerados abusivos apenas na medida em que proíbem a comercialização de aparelhos móveis inteligentes que tenham como SO ramos Android não compatíveis mesmo sem a pré‑instalação nesses aparelhos de aplicações da Google.

811    Com efeito, embora seja verdade que a Comissão considerou, de maneira geral, que o facto de condicionar a licença da Play Store e da Google Search ao cumprimento das OAF era suscetível de restringir a concorrência (considerando 1036 da decisão recorrida), essa apreciação deve, contudo, ser comparada com a apreciação segundo a qual, embora se possam admitir justificações em relação aos aparelhos móveis inteligentes nos quais a sequência SMG é pré‑instalada, o mesmo não se verifica em caso algum no que respeita aos aparelhos que funcionam em ramos Android nos quais não estão instaladas as aplicações da Google (considerando 1173 da decisão recorrida).

812    Assim, ao referir‑se ao Acórdão de 17 de setembro de 2007, Microsoft/Comissão (T‑201/04, EU:T:2007:289), e às condições em que pode ser demonstrado o caráter abusivo de um pacote de produtos ou de obrigações, a Comissão acusa, em substância, a Google de ter implementado uma prática anticoncorrencial destinada a privar de oportunidades comerciais os ramos Android não compatíveis.

813    Daqui resulta que os argumentos apresentados pela Google e pelas intervenientes em apoio das recorrentes que visam demonstrar a legitimidade da aplicação das OAF aos aparelhos em que o pacote SMG está instalado não são em caso algum suscetíveis de demonstrar que a Comissão cometeu um erro na sua apreciação do segundo abuso.

814    Na primeira parte do quarto fundamento que invoca, a Google contesta as apreciações da Comissão relativas ao caráter restritivo da concorrência da prática em causa. Na segunda parte do referido fundamento, a Google alega que o seu comportamento é, em todo o caso, objetivamente justificado.

2.      Quanto à primeira parte, relativa à restrição da concorrência

a)      Decisão recorrida

815    Referindo‑se ao Acórdão de 17 de setembro de 2007, Microsoft/Comissão (T‑201/04, EU:T:2007:289), a Comissão indica que, para caracterizar o segundo abuso, há que demonstrar, primeiro, que as OAF não estão ligadas s à licença da Play Store e da Google Search; segundo, que a Google detém uma posição dominante no mercado das plataformas de distribuição de aplicações Android e nos mercados dos serviços de pesquisa geral; terceiro, que a Play Store e a Google Search não podem ser obtidas sem a aceitação das OAF; e, quarto, que as OAF são suscetíveis de restringir a concorrência (considerando 1011 da decisão recorrida).

816    Depois de ter apreciado os três primeiros critérios, a Comissão desenvolve seis séries de argumentos para demonstrar que as OAF são suscetíveis de restringir a concorrência: primeiro, os ramos Android não compatíveis representam uma ameaça concorrencial credível para a Google; segundo, a Google define as OAF, cujo conteúdo controla, e monitoriza efetivamente o cumprimento da sua aplicação pelos FEO; terceiro, as OAF entravam o desenvolvimento dos ramos Android não compatíveis; quarto, os ramos Android compatíveis não representam uma ameaça concorrencial credível para a Google; quinto, a capacidade das OAF para restringir a concorrência é reforçada pela indisponibilidade das IPA privativas da Google para os programadores de ramos Android não compatíveis, o que diminui o interesse dos programadores em conceber aplicações destinadas a funcionar nessas SO; e, sexto, o comportamento da Google mantém e reforça a sua posição dominante nos mercados nacionais de serviços de pesquisa geral, desencoraja a inovação e tende para prejudicar, direta ou indiretamente, os consumidores (considerando 1036 da decisão recorrida).

b)      Argumentos das partes

1)      Argumentos da Google

817    Em apoio da primeira parte do quarto fundamento, a Google sustenta que as OAF não limitam a competitividade das variantes do Android, mas, pelo contrário, aumentam‑na mantendo uma norma de referência de compatibilidade mínima que garante o bom funcionamento das aplicações em todas essas variantes. Os ramos Android não compatíveis, que não respeitam essa norma, não têm nenhum interesse e põem em perigo todo o «ecossistema Android».

818    Em primeiro lugar, segundo a Google, o respeito das normas técnicas do DDC é indispensável, por um lado, para garantir o bom funcionamento dos aparelhos móveis inteligentes cujo SO é Android ou um ramo Android e, por outro, para permitir a compatibilidade destes aparelhos entre si e com as aplicações desenvolvidas para Androide (a seguir «interoperabilidade»). Pelo contrário, em sua opinião, incompatibilidades demonstradas reduzem o atrativo do SO e dos ramos Android para os utilizadores e os programadores de aplicações. As OAF permitem assim aos FEO beneficiar da grande flexibilidade do modelo aberto do Android, protegendo simultaneamente a viabilidade e a qualidade deste SO e dos ramos Android contra as disfunções provocadas por incompatibilidades. A Google alega que as OAF visam retirar as consequências das experiências passadas e do desaparecimento de outros ecossistemas abertos, como o Symbian e o Unix. Por conseguinte, uma vez que as OAF são indispensáveis para proteger o «ecossistema Android», não restringem a concorrência.

819    Em segundo lugar, segundo a Google, a decisão recorrida não indica os requisitos específicos das OAF que é suposto restringirem a concorrência. Também não esclarece que parâmetro concorrencial pertinente poderia ser afetado. As partes nos AAF comprometem‑se simplesmente a garantir que os seus ramos Android respeitam os requisitos de compatibilidade previstos no DDC. As OAF deixam assim os FEO livres de concorrer com os seus ramos Android em todos os parâmetros concorrenciais possíveis, incluindo o preço, a qualidade e a inovação. Estes podem introduzir inovações no código‑fonte do Android, desenvolver novas funcionalidades e acrescentar IPA. Segundo a Google, as OAF não impedem os fornecedores de SO ou os FEO que tenham celebrado um AAF de propor serviços de pesquisa geral concorrentes. Com efeito, os ramos Android compatíveis não estão menos adaptados do que os ramos não compatíveis para propor serviços de pesquisa concorrentes.

820    Em terceiro lugar, a Google argumenta igualmente que os AAF, ao garantirem o desenvolvimento e a manutenção da plataforma Android, expandiram as oportunidades para os concorrentes, evitando‑lhes os custos acrescidos de desenvolvimento que teriam resultado dos testes adicionais exigidos no caso de uma plataforma fragmentada, o que, consequentemente, também aumentou os custos para os utilizadores. Por exemplo, exigir que o conjunto das IPA Android seja instalado num aparelho especialmente desenvolvido para funcionar em Android ou num ramo Android constitui uma vantagem e não uma limitação. Com efeito, cada aparelho tem acesso imediato à vasta gama de aplicações concebidas para todos os SO compatíveis. Os outros requisitos técnicos do DDC visam o mesmo resultado. Todos os operadores económicos em causa escapam assim à necessidade de construir o seu próprio «ecossistema» a partir do zero.

821    Em quarto lugar, a Google alega que a afirmação de que as OAF restringem a concorrência assenta em argumentos vagos e errados, os quais, além do mais, não têm ligação com as OAF. A este respeito, a Google evoca nomeadamente a ameaça concorrencial pretensamente representada pelos ramos Android não compatíveis, as dificuldades encontradas por alguns ramos Android não compatíveis, como o SO Fire OS da Amazon e o SO Aliyun da Alibaba, bem como a afirmação relativa ao caráter desejável de certas incompatibilidades, pretensamente ilustrada pela decisão da Google de pôr termo à compatibilidade do Android com o Java. Segundo a Google, o fracasso dos ramos Android não compatíveis é imputável à sua fraqueza intrínseca e não aos AAF.

822    Em quinto lugar, a alegação de que a Google poderia «em princípio» alterar os requisitos do DDC para os tornar mais restritivos no futuro é especulativa e não pode caracterizar uma infração. A Google nunca exerceu o seu controlo limitado na plataforma para restringir a concorrência e não há nenhuma razão para pensar que poderia ser levada a fazê‑lo. Recorda que os AAF preveem que também podem ser admitidas exceções aos requisitos de compatibilidade.

823    Em sexto e último lugar, a Google alega que, contrariamente ao que é indicado na decisão recorrida, as OAF não reforçaram a sua posição no mercado dos serviços de pesquisa geral. Com efeito, serviços concorrentes também podem utilizar, como canal de distribuição, ramos Android compatíveis ou não compatíveis. As OAF não impedem os programadores de SO ou os FEO de comercializar aparelhos nos quais esteja pré‑instalado um serviço de pesquisa geral concorrente. Além disso, segundo a Google, na decisão recorrida, a Comissão não explicou por que razão considerava que os ramos Android não compatíveis ofereciam um canal de distribuição melhor para os serviços de pesquisa geral concorrentes da Google Search. As perspetivas comerciais dos ramos Android não compatíveis, sendo inferiores às dos ramos compatíveis, constituem canais de distribuição menos bons. Segundo a Google, os exemplos de pré‑instalação do Bing pela Amazon e a Nokia em ramos Android não compatíveis não são pertinentes.

824    Em apoio desta argumentação, os intervenientes em apoio da Google alegam, nomeadamente, o seguinte:

—        a ADA sustenta que a Comissão deveria ter examinado os AAF tendo em consideração interações entre os SO e as aplicações; neste contexto, os ramos não compatíveis não constituem, em sua opinião, uma ameaça concorrencial credível, em razão dos custos de portabilidade e dos inconvenientes ligados às incompatibilidades; com efeito, sem as IPA privativas da Google, as aplicações não funcionam corretamente e as correções dessas disfunções provocam custos múltiplos e elevados; por conseguinte essas incompatibilidades apresentam uma desvantagem para os programadores e inconvenientes para os utilizadores; consequentemente, não há alternativa realista aos AAF;

—        a CCIA sustenta que a Comissão deveria ter procurado um cenário contrafactual realista, o que teria bastado para demonstrar que os AAF, contrariamente ao que é enunciado na decisão recorrida, ampliaram, na realidade, as possibilidades para a concorrência;

—        a Gigaset e a HMD sustentam que os AAF incentivaram a concorrência ao proteger a viabilidade do Android relativamente a outros modelos alternativos; isso aproveitou aos programadores de aplicações, aos FEO e aos consumidores; o alcance do DDC não é minimamente ambíguo; os efeitos das disfunções criadas pelos ramos não compatíveis são negativos para todos os atores;

—        a Opera alega que o modelo comercial do Android lhe foi benéfico, ao oferecer‑lhe uma plataforma fiável, a qual lhe permite aceder a um grande número de potenciais utilizadores; considera este modelo mais favorável à concorrência do que qualquer outro.

2)      Argumentos da Comissão

825    A Comissão remete, em substância, para o conteúdo da decisão recorrida. Com efeito, em sua opinião, documentos internos e comunicações da Google com os FEO mostram que esta empresa pretendia que os AAF impedissem os FEO que tencionassem vender aparelhos com pré‑instalação da Play Store e da aplicação Google Search de vender igualmente aparelhos funcionando em ramos Android não compatíveis. Os AAF também restringem a concorrência no domínio dos serviços de pesquisa geral, ao impedir os parceiros e os concorrentes da Google de desenvolver ramos Android não compatíveis que escapam ao controlo da Google, nos quais os FEO poderiam ter pré‑instalado e definido por defeito serviços de pesquisa geral concorrentes.

826    Assim, primeiro, no entender da Comissão, o objetivo dos AAF é impedir, por um lado, o desenvolvimento dos ramos Android não compatíveis, tanto pelos programadores de SO como pelos FEO e, por outro, vender aparelhos que funcionam nesses ramos. Na opinião da Comissão, esse objetivo bastava para caracterizar a estratégia da Google destinada a excluir os ramos Android não compatíveis. Segundo, os ramos Android não compatíveis constituem para a Google uma ameaça concorrencial mais credível do que os ramos Android compatíveis. Terceiro, os efeitos de exclusão inerentes aos AAF não são atenuados pela existência de SO sob licença, diferentes do Android). Quarto, a Comissão recorda que alguns FEO quiseram vender aparelhos a funcionar com ramos Android não compatíveis. Ora, em todos esses casos, os AAF impediram os FEO e os programadores interessados de responder a essa procura.

827    Os intervenientes em apoio da Comissão alegam nomeadamente o seguinte:

—        a VDZ sustenta que a concorrência dos ramos Android não compatíveis permite aumentar a diversidade e diminuir o preço dos aparelhos, encorajando simultaneamente a inovação; por conseguinte, as OAF vão além do necessário;

—        a FairSearch alega que as OAF foram concebidas para eliminar a concorrência dos programas informáticos livres e que a Google dispõe de um poder discricionário na interpretação do termo «fragmentação», o que lhe permite consolidar o seu poder de mercado; assim, as OAF não são justificadas nem proporcionadas;

—        a Seznam observa que é obrigada a recorrer à Play Store, devido à impossibilidade de convencer os programadores de criarem a sua própria plataforma de distribuição de aplicações para um mercado tão pequeno como a República Checa; as OAF privam‑na de qualquer opção com interesse comercial e levantam obstáculos à concorrência pelo mérito nos mercados dos serviços de pesquisa geral;

—        a Qwant sustenta que, após a adoção da decisão recorrida, as propostas de ramos Android não compatíveis pelos FEO tornaram‑se competitivas, como ilustra o exemplo do Fairphone; ao impedirem o desenvolvimento de ramos Android não compatíveis, os AAF privaram de plataformas de distribuição motores de pesquisa concorrentes da Google Search.

c)      Apreciação do Tribunal Geral

828    Como acaba de ser recordado, a Comissão acusa a Google de condicionar a concessão das licenças da Play Store e da Google Search a um conjunto de obrigações que restringe a liberdade dos FEO que quisessem obter essas licenças, precisamente na medida em que os proíbem de comercializar, por outro lado, qualquer outro aparelho que execute um ramo Android não compatível. Esta restrição decorre dos AAF, de que constitui, uma vez que é aplicável aos aparelhos móveis inteligentes nos quais as aplicações da Google não estão pré‑instaladas, a única obrigação considerada abusiva na decisão recorrida. Com efeito, a Comissão não contesta o direito da Google de impor exigências de compatibilidade em relação aos aparelhos em que as suas aplicações estão instaladas. Em contrapartida, considera abusiva a prática da Google que visa impedir o desenvolvimento e a presença no mercado de aparelhos que funcionem num ramo Android não compatível. Por conseguinte, há que verificar se a Comissão conseguiu demonstrar que a Google, como considera na decisão recorrida, implementou uma prática destinada a eliminar os ramos Android não compatíveis e se essa prática pode ser qualificada de «anticoncorrencial» na aceção do artigo 102.o TFUE.

829    Nos termos do artigo 102.o, segundo parágrafo, alínea b), TFUE, as práticas abusivas que podem constituir um abuso de posição dominante consistem, nomeadamente, em limitar a produção, a distribuição ou o desenvolvimento técnico em prejuízo dos consumidores. Para apreciar se o segundo comportamento da Google qualificado de abuso na decisão recorrida constitui tal prática abusiva, há que começar por verificar se a Comissão demonstrou a sua existência e, em seguida, se a Comissão demonstrou que era suscetível de restringir a concorrência.

1)      Quanto à existência da prática

830    No que se refere à existência da prática em causa, a proibição imposta às partes nos AAF de comercializarem aparelhos que executam ramos Android não compatíveis não é contestada pelas partes. Além disso, resulta dos documentos dos autos.

831    Primeiro, a existência desta prática é corroborada pelas respostas apresentadas pela Google às perguntas escritas que lhe foram colocadas pelo Tribunal Geral, nas quais recorda que a sua decisão de implementar os AAF remonta às origens do Android. Alega que optou por tratar comercialmente apenas com empresas que aceitavam não pôr o Android em perigo. Na sua opinião, tal objetivo só podia ser alcançado limitando todas as fontes possíveis de incompatibilidades e, nomeadamente, o desenvolvimento de ramos Android não compatíveis. Estes, ao criarem um risco de mau funcionamento das aplicações, representavam uma ameaça para a sua reputação e uma desvantagem, tanto do ponto de vista dos programadores como dos consumidores. Por conseguinte, há que declarar que a Google reconhece ter, desde o início, implementado os AAF para impedir o desenvolvimento de ramos Android não compatíveis.

832    Segundo, a Google não contesta a realidade dos sete exemplos, retomados na decisão recorrida, segundo os quais interveio ativamente para recordar as suas obrigações contratuais aos FEO que tinham começado a comercializar aparelhos que executam ramos Android não compatíveis ou para pressionar os programadores a fim de os dissuadir de conceber aplicações para ramos Android não compatíveis (considerandos 1051 a 1059 da decisão recorrida). Embora a Google tenha alegado, durante o procedimento administrativo, que as suas intervenções visavam corrigir falhas do material, não apresentou nenhum elemento de prova em apoio das suas alegações. Pelo contrário, resulta das mensagens de correio eletrónico enviadas à época pela Google às empresas em causa que as suas intervenções eram motivadas pela vontade de impedir o desenvolvimento de ramos Android não compatíveis e não pela necessidade de resolver dificuldades técnicas ligadas aos próprios aparelhos.

833    Terceiro, as observações transmitidas à Comissão por uma empresa interrogada durante o procedimento administrativo mostram que a própria Google assegurava o cumprimento dos AAF pelos FEO procedendo, esporadicamente, a compras a um ORM e submetendo ela própria os aparelhos assim adquiridos à STC (considerando 1061 da decisão recorrida).

834    Por conseguinte, há que considerar que a existência material da prática que a Comissão considerou constitutiva do segundo abuso, admitida pela Google, está demonstrada. Resulta também do que precede que foi efetivamente posta em prática desde as origens do Android.

835    Portanto, há que verificar se essa prática, que visa limitar o desenvolvimento de ramos Android não compatíveis, constitui um abuso de posição dominante na aceção do artigo 102.o TFUE. Para este efeito, há que examinar as razões pelas quais a Comissão considerou, na decisão recorrida, que esta exclusão restringia a concorrência ou, pelo menos, era suscetível de o fazer, bem como os argumentos com os quais a Google contesta estas apreciações.

2)      Quanto ao caráter anticoncorrencial da prática

836    No que respeita ao caráter anticoncorrencial da prática em causa, segundo a decisão recorrida, a Google prosseguiu objetivos anticoncorrenciais e o seu comportamento produziu efetivamente efeitos restritivos da concorrência. Por conseguinte, há que examinar estas apreciações.

i)      Quanto ao caráter anticoncorrencial dos objetivos prosseguidos

837    Resulta de documentos internos mencionados na decisão recorrida que as OAF foram concebidas, nomeadamente, com a intenção de criar obstáculos a qualquer desenvolvimento do código‑fonte do Android não aprovado pela Google, privando de oportunidades comerciais os programadores de ramos Android não compatíveis. Este objetivo é, por outro lado, confirmado pelos argumentos apresentados pela Google no âmbito da primeira parte do quarto fundamento.

838    Com efeito, por um lado, resulta de mensagens de correio eletrónico internas citadas na decisão recorrida que a estratégia destinada a entravar o desenvolvimento dos ramos Android não compatíveis foi implementada desde o início, para impedir os parceiros e os concorrentes da Google de desenvolverem versões do Android autónomas. Desde o início, como resulta de mensagens de correio eletrónico internas e de informações publicadas no sítio Internet do Android, a Google pretendeu reservar o acesso ao «ecossistema» aos ramos Android compatíveis e proibir as empresas participantes de comercializarem aparelhos a funcionar em ramos Android não compatíveis (considerandos 159 e 160 da decisão recorrida).

839    Por outro lado, os argumentos apresentados pela Google no âmbito da primeira parte do presente fundamento para contestar o caráter anticoncorrencial da prática em causa assentam na pretensa necessidade de preservar o «ecossistema Android» da fragmentação inerente aos modelos de licença chamados «open source». Essa pretensa necessidade constitui uma circunstância que obsta a que o seu comportamento possa ser considerado abusivo, uma vez que as vantagens pró‑concorrenciais resultantes da não fragmentação do «ecossistema Android» excedem largamente os efeitos anticoncorrenciais da exclusão dos ramos Android não compatíveis. Ora, segundo a Google, esse risco de fragmentação decorre da simples presença no mercado de ramos Android não compatíveis, suscetíveis, devido à sua incompatibilidade, de prejudicar a interoperabilidade, ou seja, a capacidade de fazer funcionar todas as aplicações concebidas para Android em todos os aparelhos que utilizam o Android ou qualquer ramo Android como SO. A Google reconhece assim que a necessidade de lutar contra essa ameaça a levou a impedir o desenvolvimento de ramos não compatíveis.

840    A este respeito, segundo a Google, o resultado pretendido não podia ser alcançado apenas com os incentivos do mercado, uma vez que os programadores e os FEO, na falta dos AAF, não tinham interesse suficiente em sanear qualquer risco de incompatibilidade. A Google alega, assim, que a proibição de comercialização relativa aos ramos Android não compatíveis contida nos AAF era necessária. Por seu turno, a questão de saber se o risco de fragmentação invocado pela Google é suscetível de justificar objetivamente este comportamento será examinada no âmbito da segunda parte do presente fundamento.

841    Por conseguinte, há que constatar que resulta das próprias declarações da Google, corroboradas pelos documentos dos autos, que a prática qualificada de abusiva na decisão recorrida foi intencionalmente implementada com o objetivo de limitar o acesso ao mercado dos ramos Android não compatíveis.

ii)    No que respeita à restrição da concorrência

842    Assim, importa examinar se a Google tem razão ao sustentar que a Comissão não demonstrou de maneira suficiente na decisão recorrida que a prática em causa era suscetível de restringir a concorrência. A este respeito, os elementos apresentados pela Comissão na decisão recorrida para demonstrar a capacidade do segundo abuso para restringir a concorrência contestada pela Google podem ser agrupados em três motivos principais. Primeiro, os ramos Android não compatíveis são concorrentes da Google mais credíveis do que os ramos Android compatíveis. Segundo, o segundo abuso permitiu à Google excluir efetivamente os ramos Android não compatíveis. Por último, terceiro, essa exclusão é prejudicial para a concorrência, uma vez que tem como consequência reforçar a posição dominante da Google nos mercados de serviços de pesquisa geral nacionais e constitui um entrave à inovação.

–       Quanto à ameaça potencial exercida pelos ramos não compatíveis

843    Segundo a Comissão, os ramos Android não compatíveis constituem para a Google uma ameaça concorrencial não só credível mas mesmo superior à exercida pelos ramos Android compatíveis e à que poderiam representar SO diferentes, como o Windows Mobile ou o Linux. A este respeito, as partes discordam, por um lado, quanto à questão de saber em que medida as aplicações concebidas para Android poderiam funcionar corretamente em ramos Android não compatíveis e, por outro, quanto aos custos provocados pela adaptação dessas aplicações aos ramos Android não compatíveis, considerando a Comissão que são inferiores em caso de portabilidade de uma aplicação concebida para Android através de um ramo Android não compatível e os que seriam necessários para a portabilidade dessa aplicação para SO diferentes.

844    A este respeito, resulta inequivocamente dos documentos dos autos que os ramos Android não compatíveis constituem, como o Android e os ramos Android compatíveis, SO sob licença. Além disso, resulta do exame do primeiro fundamento que os SO sob licença constituem um mercado relevante para a apreciação de relações de concorrência. Consequentemente, os ramos Android não compatíveis podem entrar em concorrência com a Google no mercado dos SO sob licença. Assim, a questão, debatida entre as partes, de saber em que medida, por comparação com a pressão concorrencial exercida sobre a Google pelos ramos Android não compatíveis, a pressão concorrencial relativa exercida pelos ramos Android compatíveis e pelos outros SO sob licença é mais ou menos importante, não é pertinente. Com efeito, para caracterizar uma restrição da concorrência, basta demonstrar que os ramos Android não compatíveis eram concorrentes do Android no mercado dos SO sob licença, o que a Google não contesta.

845    Do mesmo modo, a questão de saber se os custos da portabilidade das aplicações para os ramos Android não compatíveis, isto é, as despesas de desenvolvimento que devem ser efetuadas para permitir o funcionamento correto das aplicações concebidas para Android em aparelhos cujo SO é um ramo Android não compatível, são mais ou menos elevados do que os da portabilidade para SO diferentes do Android também não é pertinente. Com efeito, mesmo admitindo, o que a Google não demonstrou, que os custos da portabilidade das aplicações concebidas para o «ecossistema Android» através dos ramos Android não compatíveis são comparáveis aos que devem ser suportados para uma portabilidade através de SO totalmente diferentes, isto é, não desenvolvidos a partir do código‑fonte do Android, há que considerar que, do ponto de vista dessas despesas, a ameaça concorrencial para a Google exercida pelos ramos Android não compatíveis não pode ser inferior à que é exercida pelos outros SO sob licença analisados na decisão recorrida.

846    A capacidade dos ramos Android não compatíveis para exercer uma pressão concorrencial sobre a Google também não é posta em causa pelos argumentos das recorrentes de que o desenvolvimento de ramos Android não compatíveis não tem nenhum interesse comercial, o que exclui que constituam uma ameaça para elas. Com efeito, a Google apresenta a este respeito uma alegação geral e abstrata, cuja eventual procedência não se baseia em nenhum elemento de prova concludente. Pelo contrário, a Seznam, na sua resposta às perguntas escritas do Tribunal Geral, alega que tentou em vão convencer os FEO que tinham celebrado um AAF com a Google a comercializarem aparelhos que executam ramos Android não compatíveis, nos quais tencionava instalar o seu próprio motor de pesquisa. Este exemplo corrobora as apreciações constantes da decisão recorrida de que o segundo abuso contribuiu para subtrair a Google à ameaça concorrencial que os ramos Android não compatíveis poderiam representar para si, tanto no mercado dos SO sob licença como no dos serviços de pesquisa geral.

847    Resulta do que precede que a Google não demonstrou que os ramos Android não compatíveis não podiam em caso algum constituir para si uma ameaça concorrencial. Por conseguinte, há que examinar se os AAF podiam ter efetivamente dificultado a entrada desses concorrentes da Google no mercado dos SO.

–       Quanto à exclusão efetiva dos ramos Android não compatíveis e aos efeitos anticoncorrenciais dessa exclusão

848    É pacífico que, durante o período da infração considerado na decisão recorrida, nenhum ramo Android não compatível pôde existir duradouramente no mercado. As partes opõem‑se quanto à interpretação desta constatação, considerando a Comissão, na decisão recorrida, que o insucesso comercial dos ramos Android não compatíveis, por um lado, e a inexistência de novos ramos Android não compatíveis no mercado, por outro, resultam do comportamento da Google. Especificamente, a Comissão acusa a Google de ter imposto a celebração de um AAF a todos os FEO que pretendiam beneficiar da instalação da Play Store e da Google Search nos aparelhos que comercializavam. Pelo contrário, a Google alega que o fracasso dos ramos Android não compatíveis se prende com as suas fragilidades inerentes e com a sua falta de interesse comercial.

849    Antes de mais, há que observar que a Google não contesta as observações, que figuram na secção 6.3.1 da decisão recorrida, relativas à cobertura dos AAF. A este respeito, recorda‑se na decisão recorrida que a Google celebrou AAF ou acordos semelhantes com uma centena de empresas ativas no mercado dos aparelhos móveis inteligentes, a todos os níveis da cadeia de produção destes aparelhos. Foram celebrados AAF, nomeadamente, com os 30 FEO mais importantes no que respeita às suas vendas de aparelhos móveis inteligentes (Gráfico 7 da decisão recorrida) A vigência desses acordos celebrados com os FEO era pelo menos igual às dos ADAM, devendo os AAF ser reconduzidas no caso de os FEO pretenderem continuar a beneficiar de um ADAM. Por conseguinte, há que considerar demonstrado que, durante o período da infração, os operadores económicos mais importantes, que podiam oferecer uma oportunidade comercial aos programadores de ramos Android não compatíveis, eram impedidos de o fazer pelos AAF.

850    Em seguida, a Google contesta a interpretação pela Comissão do fracasso do Fire OS, um ramo Android não compatível desenvolvido pela Amazon e concebido com o objetivo de criar um «ecossistema» independente da Google, mas para permitir que as aplicações concebidas para Android funcionassem. Segundo a Google, o insucesso do Fire OS explica‑se por diferentes fatores, entre os quais a indisponibilidade da Play Store, o que a própria Amazon reconheceu. A este respeito, há que observar que é efetivamente um facto assente que a Play Store é um «must have» deliberadamente reservado aos participantes no «ecossistema Android». Não obstante, a Google não apresenta nenhum elemento suscetível de infirmar as constatações, que figuram na decisão recorrida, de que seis dos FEO mais importantes em termos de vendas recusaram celebrar acordos com vista ao desenvolvimento de aparelhos a funcionar com o Fire OS, ao opor à Amazon que se tratava de uma violação clara dos AAF (considerando 1094 da decisão recorrida). Assim, há que considerar que, mesmo que outras razões também possam explicar o insucesso comercial do Fire OS, as quais, de resto, não são independentes da política comercial da Google, a Comissão demonstrou, no entanto, que os AAF tinham privado esse SO das oportunidades comerciais que podiam ter representado para si, os FEO que tinham celebrado um AAF com a Google.

851    Além disso, a Google não contesta ter intervindo ativamente para recordar as respetivas obrigações a diversos FEO que pretendiam comercializar, num primeiro momento na China, o SO Aliyun, um ramo Android não compatível desenvolvido pela Alibaba. Com efeito, resulta das declarações que fez durante o procedimento administrativo que esta última empresa tencionava celebrar acordos de produção destinados a introduzir o seu SO na China e posteriormente no resto do mundo, incluindo o EEE. Também resulta das declarações feitas por diversos FEO que a Google lhes pediu expressamente para suspenderem todas as negociações comerciais com a Alibaba (considerandos 1054, 1057 e 1069 da decisão recorrida). Ora, a Google, embora considere as suas intervenções justificadas por motivos relacionados com a proteção da sua reputação e a vontade de não deixar os seus concorrentes beneficiar de externalidades positivas devidas ao caráter «open source» da licença do Android, não contesta ter intervindo para fazer esses FEO cumprirem as suas obrigações contidas nos AAF relativas à proibição de fornecer oportunidades comerciais aos ramos Android não compatíveis. Nestas condições, a Google não tem motivos para sustentar que o insucesso do Alibaba na China se explica exclusivamente por falhas de material e problemas de qualidade das contrafações.

852    Além disso, importa recordar que, na segunda parte do quarto fundamento, a Google alega, em resposta a um argumento da Comissão, que, na falta dos AAF, a disciplina do mercado, apesar da falta de interesse comercial no desenvolvimento de ramos Android não compatíveis, não teria sido suficiente para garantir a inexistência de incompatibilidades. Com efeito, na falta de obrigações vinculativas, a Google considera que os operadores do «ecossistema Android» teriam tido interesse em aproveitar a interoperabilidade resultante da compatibilidade, mas não necessariamente em realizar eles próprios as despesas necessárias para obviar a todas as incompatibilidades.

853    Por último, as partes estão igualmente em desacordo em relação às consequências que devem ser retiradas do facto de a Google ter reservado para si a propriedade das IPA e de outros programas que ela própria desenvolveu, contribuindo para o funcionamento das aplicações em aparelhos, ao permitir‑lhe comunicar eficazmente com o SO. Embora a Comissão considere na decisão recorrida que a recusa da Google em pôr as suas IPA à disposição dos programadores de ramos Android não compatíveis contribuiu para o segundo abuso, importa, todavia, salientar que, como confirmou na audiência, não contestou enquanto tal o direito de propriedade da Google sobre os programas que ela própria desenvolveu. Além disso, há que salientar que a Google indicou, sem ser contestada, que todas as sucessivas versões do código‑fonte do Android que tinha divulgado integravam uma atualização das IPA «de base» e que estas eram suficientes para permitir às aplicações concebidas para Android funcionarem em todos os desenvolvimentos compatíveis do código‑fonte.

854    No caso em apreço, há que salientar que não se pode considerar enquanto tal abusiva, na aceção do artigo 102.o TFUE, a utilização por uma empresa, mesmo em posição dominante, de um direito de propriedade legitimamente adquirido. Com efeito, o exercício de um direito exclusivo ligado a um direito de propriedade intelectual faz parte das prerrogativas do titular desse direito, pelo que o seu exercício, mesmo quando é feito por uma empresa em posição dominante, não pode constituir em si mesmo um abuso desta. Contudo, tais comportamentos não podem ser admitidos quando tenham precisamente como objetivo reforçar a posição dominante do seu autor e abusar dessa posição (Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.os 150 e 151 e jurisprudência referida).

855    Neste caso, há que ter em conta as declarações prestadas por três empresas durante o procedimento administrativo, segundo as quais a colocação à disposição apenas dos participantes no «ecossistema Android» dessas IPA privativas, cada vez mais eficientes, incentivou tendencialmente os programadores de aplicações para Android a dependerem de forma crítica desses IPA. O custo de uma eventual portabilidade das aplicações para ramos Android não compatíveis tornou‑se assim mais dissuasivo. Tendo em conta estas constatações, há que considerar que a política comercial adotada pela Google no que respeita à colocação à disposição das suas IPA deve ser tomada em consideração, enquanto elemento de contexto, para apreciar o efeito das restrições de oportunidades comerciais implementadas nos AAF. Este efeito é tanto mais importante quanto a Google não contesta as apreciações da Comissão segundo as quais a diferença tecnológica entre as IPA da Google e as versões básicas do código‑fonte cresceu ao longo de todo o período da infração. O acesso às IPA privativas da Google apresentava assim um interesse estratégico para os programadores e para os FEO. Aliás a ADA, interveniente em apoio da Google, confirma, de resto, que, sem as IPA privativas da Google, as aplicações não funcionariam corretamente e as correções dessas disfunções gerariam custos múltiplos e elevados.

856    Ora, como resulta do exame do segundo fundamento, os FEO que desejassem dispor das IPA privativas da Google deviam celebrar um ADAM, o que pressupunha aceitar previamente as condições dos AAF. Por conseguinte, há que constatar que a política de desenvolvimento e de distribuição das suas IPA pela Google constituiu um incentivo à celebração de AAF, os quais, como acabou de se observar, limitavam as oportunidades comerciais dos ramos Android não compatíveis.

857    Para demonstrar o caráter anticoncorrencial da prática de exclusão constitutiva do segundo abuso, a Comissão, na decisão recorrida, destaca, além do entrave ao desenvolvimento de concorrentes reais ou potenciais da Google no mercado dos SO sob licença, duas consequências principais. Por um lado, o segundo abuso levou ao reforço da posição dominante da Google no mercado dos serviços de pesquisa geral. Por outro lado, constitui um travão à inovação e limita a diversidade das ofertas acessíveis aos consumidores (considerandos 1139 a 1145 da decisão recorrida).

858    No que respeita à primeira questão evocada supra, por um lado, a Google contesta que os AAF tenham contribuído para o reforço da sua posição dominante nos mercados de serviços de pesquisa geral. Em apoio da sua contestação, a Google alega, em substância, que os AAF não continham nenhuma cláusula que proibisse os FEO de instalar serviços de pesquisa geral concorrentes da Google Search e que o sucesso do seu próprio serviço se explica pelos seus méritos.

859    A este respeito, basta constatar que a Comissão não considerou abusivas as cláusulas dos AAF na medida em que eram aplicáveis aos aparelhos nos quais a sequência SMG está instalada. Em contrapartida, no âmbito do segundo abuso, a Comissão acusa a Google de ter atuado a fim de privar os ramos Android não compatíveis de qualquer oportunidade comercial. Ora, é pacífico que a política de licenciamento instituída pela Google consistia em reservar o pacote SMG aos ramos Android compatíveis. A instalação da Google Search estava, portanto, excluída nos aparelhos que funcionavam em ramos Android não compatíveis. Esta simples circunstância basta para demonstrar que os ramos Android não compatíveis poderiam ter constituído canais de distribuição para serviços de pesquisa geral concorrentes. Assim, embora os AAF não comportassem efetivamente nenhuma proibição de pré‑instalar serviços de pesquisa geral concorrentes da Google Search, contribuíam, no entanto, limitando as oportunidades comerciais dos ramos Android não compatíveis, para privar os serviços de pesquisa geral concorrentes de situações em que, sendo objeto de uma pré‑instalação exclusiva, não entrariam em concorrência direta com a Google Search num determinado aparelho.

860    Com efeito, nos aparelhos que funcionam em ramos Android não compatíveis, os serviços de pesquisa geral concorrentes da Google Search poderiam ter aspirado não só a uma pré‑instalação mas mesmo a uma instalação exclusiva. Foi, aliás, segundo a Seznam, a razão pela qual propôs aos FEO a comercialização de aparelhos a funcionar em ramos Android não compatíveis, nos quais o seu próprio serviço de pesquisa geral seria o único instalado. A FairSearch alega igualmente, sem ser seriamente contestada, que a prática contestada tornou mais difícil o desenvolvimento e a penetração no mercado de serviços de pesquisa geral que punham a enfase na proteção da vida privada dos utilizadores.

861    Daqui resulta que a Google não tem razão quando contesta as apreciações de que a sua prática de exclusão dos ramos Android não compatíveis contribuiu para o reforço da sua posição dominante nos mercados dos serviços de pesquisa geral.

862    Por outro lado, relativamente ao travão à inovação, a Comissão considerou na decisão recorrida que a prática de exclusão dos ramos Android não compatíveis implementados nos AAF, ao impedirem o desenvolvimento de diferentes variantes do SO, tinha, por esse facto, obstado às possibilidades de inovação e privado os utilizadores de funcionalidades diferentes das oferecidas pelos ramos Android compatíveis ou adicionais a estas. A este propósito, contrariamente ao que a Google alega, a Comissão não era obrigada, para fundamentar o mérito dessa apreciação, definir mais precisamente quais as funcionalidades que deveriam ter sido implementadas se a prática contestada não tivesse existido. Com efeito, a Google não contesta que os mercados em causa sejam caraterizados pela rapidez das inovações para as quais ramos com características diferentes das de ramos compatíveis poderiam ter contribuído.

863    Resulta do que precede que a Comissão fez prova bastante de que os AAF tinham proibido os seus signatários de oferecer oportunidades comerciais aos ramos Android não compatíveis. Este entrave a concorrentes diretos da Google no mercado dos SO, cujos efeitos são, além disso, reforçados pela política da Google relativa às condições de comercialização das suas IPA e de outras aplicações proprietárias, contribuiu, por outro lado, para o reforço da posição dominante da Google nos mercados de serviços de pesquisa geral e também se revelou prejudicial para os utilizadores finais.

864    Tendo considerado que o segundo abuso consistia na aplicação do conjunto das normas técnicas definidas no DDC aos aparelhos em que não estava instalado todo o SMG e tendo procedido a uma análise global dos efeitos de restrição da concorrência provocada pela prática contestada, a Comissão não era obrigada, contrariamente ao que sustenta a Google, a identificar com precisão as normas do DDC que estavam na origem desses efeitos. De facto, as acusações feitas à Google na decisão recorrida não dizem respeito ao conteúdo das obrigações de compatibilidade que definiu, mas à sua prática destinada a impedir os ramos Android não compatíveis de encontrar oportunidades comerciais.

865    Uma vez que esta prática pode ser considerada demonstrada pelos elementos anteriores, tanto na sua existência como nos seus efeitos, não é necessário pronunciar‑se, no âmbito desta parte, sobre os argumentos relativos à clareza das OAF, ao caráter puramente teórico da possibilidade de a Google fazer evoluir o conteúdo do DDC num sentido anticoncorrencial ou à existência, por parte desta, de uma intenção de induzir os seus cocontratantes em erro. Com efeito, estes argumentos visam contestar os motivos adicionais considerados na decisão recorrida, de modo que o seu exame não é suscetível de pôr em causa as conclusões que precedem. Em contrapartida, há que examinar agora as justificações objetivas apresentadas pela Google.

3.      Quanto à segunda parte, relativa à existência de justificações objetivas

a)      Decisão recorrida

866    A Comissão considera que nenhuma das justificações objetivas apresentadas pela Google pode ser admitida. Contesta a argumentação desenvolvida pela Google em oito pontos durante o procedimento administrativo, a saber que, primeiro, as OAF são necessárias para garantir a compatibilidade no âmbito do «ecossistema Android», uma vez que os modelos comerciais dos programadores dos outros SO são mais restritivos da concorrência; segundo, as OAF são necessárias para prevenir a fragmentação, que é nociva para todo o «ecossistema Android»; terceiro, as OAF são necessárias para proteger a sua reputação; quarto, as OAF são necessárias para evitar que os programadores de ramos Android não compatíveis beneficiem de externalidades induzidas relacionadas com a redução dos seus custos de desenvolvimento através da disponibilização gratuita de um código‑fonte já operacional; quinto, as OAF são necessárias para evitar que os programadores de ramos Android não compatíveis beneficiem de externalidades induzidas relacionadas com a disponibilização pela Google da sua tecnologia, nomeadamente através da comunicação precoce do código‑fonte ou da organização de ações de formação de aperfeiçoamento para os programadores; sexto, as OAF foram introduzidas antes de a Google beneficiar de uma posição dominante; sétimo, as OAF não foram concebidas com o objetivo de induzir em erro quanto ao seu alcance as empresas que celebraram um AAF e, oitavo, a Comissão não fez o balanço dos efeitos anticoncorrenciais e pró‑concorrenciais das OAF (considerandos 1155 a 1183 da decisão recorrida).

b)      Argumentos das partes

1)      Argumentos da Google

867    Em apoio da segunda parte do quarto fundamento, a Google sustenta que a decisão recorrida não tem em conta a natureza pró‑concorrencial das OAS, necessárias para proteger a integridade e a qualidade da plataforma Android face aos riscos inerentes a eventuais incompatibilidades.

868    Em primeiro lugar, a Google sustenta que as OAF são necessárias para proteger a viabilidade e a qualidade do Android contra os riscos provocados pelas incompatibilidades. As OAF asseguram aos programadores que as suas aplicações são executadas em diferentes aparelhos Android sem falhas de funcionamento. Também dão aos utilizadores finais a garantia de que as aplicações desenvolvidas para Android funcionarão no periférico Android da sua escolha. Por conseguinte, segundo a Google, promover a compatibilidade constitui uma vantagem concorrencial simultaneamente para os programadores de ramos Android, para os programadores de aplicações, para os FEO e para os utilizadores. A preservação desta interoperabilidade e a proteção da integridade e da qualidade da plataforma Android são objetivos legítimos e desprovidos de caráter anticoncorrencial.

869    Em segundo lugar, a Google recorda que o Android foi introduzido sob um modelo de licença aberta, que oferece aos FEO e aos programadores mais flexibilidade do que os modelos de licença denominados de «privativos», ao permitir‑lhes alterar o código‑fonte e adaptá‑lo às suas necessidades. A plataforma Android, na qual coexistem diversos ramos, está assim concebida para ser desenvolvida de maneira pluralista e diversificada. No entanto, estas especificidades tornam indispensável a implementação de mecanismos destinados a prevenir a fragmentação, que poderia levar à destruição da plataforma Android no seu conjunto. As OAF, que se destinam apenas a responder a esse objetivo, são, portanto, justificados, mesmo admitindo que apresentam um caráter anticoncorrencial — o que, de resto, a Google contesta no âmbito da primeira parte do presente fundamento.

870    Diversos elementos demonstram a necessidade das OAF. Primeiro, as experiências passadas de fragmentação das plataformas abertas Unix, Symbian e Linux Mobile mostram as consequências irremediáveis da proliferação das incompatibilidades. Segundo, os testemunhos de muitos participantes no «ecossistema Android» corroboram a posição da Google. Assim, mais de 94 % (35 em 37) dos participantes interessados do Android que responderam quanto ao fundo às perguntas da Comissão relativas à fragmentação (incluindo os programadores de aplicações, os FEO, os ORM e outras empresas) indicaram que a ameaça de incompatibilidades era uma fonte de preocupação. Terceiro, os documentos internos da Google apresentados durante o procedimento administrativo demonstram que a única razão de ser das OAF era assegurar a compatibilidade e preservar a integridade da plataforma Android.

871    Em terceiro lugar, a Google salienta que, na decisão recorrida, a Comissão indica que as OAF não eram necessárias, uma vez que os programadores de ramos evitam espontaneamente as incompatibilidades para assegurar o bom funcionamento das aplicações. Segundo a Google, a Comissão não pode simultaneamente, sem se contradizer, por um lado, criticar as OAF por impedirem o desenvolvimento de ramos Android não compatíveis e, por outro, alegar que os programadores minimizam as incompatibilidades independentemente da existência das OAF. A Google considera que os programadores só podem assegurar a compatibilidade dos seus ramos Android conformando‑se com os requisitos técnicos do DDC. Consequentemente, sem as OAF, a compatibilidade não pode ser garantida. Também não se pode alegar que os programadores de ramos ou os FEO asseguram eles próprios a compatibilidade, uma vez que estes têm interesse em aproveitar a interoperabilidade, mas não têm um incentivo suficiente para fazerem eles próprios os esforços necessários para a garantir, na falta de critérios de definição e de controlo comuns, que só a Google estava em condições de implementar.

872    Em quarto lugar, a Google salienta que a aplicação das OAF, cuja legitimidade a Comissão reconhece na medida em que se aplicam aos aparelhos nos quais a sequência SMG está instalada, deve necessariamente ser alargada a aparelhos em que essas aplicações não estejam pré‑instaladas. Caso contrário, a integridade e a viabilidade da plataforma Android no seu conjunto não poderiam ser protegidas dos problemas criados pelas incompatibilidades, a saber, o risco da fragmentação do Android.

873    Em quinto lugar, a Google contesta os argumentos da Comissão relativos à possibilidade de obviar aos inconvenientes da fragmentação através do recurso a uma política de propriedade intelectual adaptada. A este respeito, segundo a Google, a Comissão deixa entender que os problemas de incompatibilidade apenas afetam a sua reputação e podem ser resolvidos por uma estratégia de marca que limite a utilização da denominação «Android» aos aparelhos compatíveis. A incompatibilidade e o risco de funcionamento incorreto das aplicações Android não são, no entanto, um problema de reputação, mas um problema técnico que ameaça a integridade e a viabilidade do «ecossistema Android». Este argumento também ignora que as OAF só se aplicam aos aparelhos «desenvolvidos especialmente para funcionar em Android». Se esses aparelhos não correspondessem às expectativas dos utilizadores e dos programadores de aplicações em matéria de compatibilidade, afetariam a confiança depositada no Android no seu conjunto.

2)      Argumentos da Comissão

874    A Comissão alega, na decisão recorrida, que os AAF são contestados apenas na medida em que exigem dos FEO que os seus aparelhos, nos quais as aplicações da Google não estão pré‑instaladas, passem com sucesso a STC. Segundo a Comissão, devem ser afastadas as justificações objetivas invocadas quanto à necessidade de evitar os riscos ligados às aplicações que não funcionam ou não funcionam corretamente nos aparelhos nos quais as aplicações da Google não estão pré‑instaladas. Com efeito, os utilizadores e os programadores de aplicações não atribuem à Google eventuais falhas ou problemas de funcionamento das aplicações nesses aparelhos.

875    As OAF não têm como única razão de ser garantir a compatibilidade e preservar a integridade da plataforma Android, mas procuram também lutar contra as consequências negativas para a Google da concorrência proveniente dos ramos Android não compatíveis. Isto resulta, segundo a Comissão, de documentos internos da Google e das respostas aos pedidos de informações.

c)      Apreciação do Tribunal Geral

876    Segundo a jurisprudência recordada na análise da segunda parte do segundo fundamento, um comportamento não é abusivo se for justificado por vantagens pró‑concorrenciais ou servir interesses legítimos. Em especial, a empresa que ocupa uma posição dominante pode demonstrar, para este efeito, que o seu comportamento é objetivamente necessário ou que o efeito de exclusão que tal comportamento comporta pode ser compensado, ou mesmo superado, por ganhos de eficácia suscetíveis de beneficiar igualmente os consumidores. Para este efeito, cabe à empresa dominante em causa demonstrar que os ganhos de eficácia suscetíveis de resultar do comportamento controvertido neutralizam o efeito de exclusão que esse comportamento provoca, que esses ganhos de eficácia foram ou são suscetíveis de ser realizados graças ao referido comportamento, que este último é indispensável à realização daqueles e que não elimina uma concorrência efetiva ao suprimir a totalidade ou a maior parte das fontes existentes de concorrência atual ou potencial (v., neste sentido, Acórdão de 27 de março de 2012, Post Danmark, C‑209/10, EU:C:2012:172, n.os 40 a 42 e jurisprudência referida).Tendo em conta estes princípios há que apreciar as justificações apresentadas pela Google.

1)      Quanto à necessidade de proteger a compatibilidade no âmbito do «ecossistema Android» e de prevenir a «fragmentação»

877    A Google considera que o comportamento controvertido é necessário para assegurar a compatibilidade no âmbito do «ecossistema Android», para o qual a fragmentação constitui uma ameaça. Trata‑se, contudo, de dois objetivos diferentes, que devem ser apreciados distintamente.

878    Por um lado, importa recordar que a Comissão não considerou, na decisão recorrida, que a implementação de obrigações destinadas a assegurar a compatibilidade dos ramos Android nos quais a Play Store e a Google Search estavam instaladas constituía uma violação do artigo 102.o TFUE. Importa igualmente recordar que a Comissão não contesta o direito da Google de reservar a instalação do conjunto da SMG aos aparelhos que funcionam com ramos Android compatíveis. A Comissão apenas considerou abusiva a proibição imposta aos FEO de comercializarem aparelhos nos quais o pacote SMG estava instalado de oferecer, por outro lado, oportunidades comerciais aos ramos Android não compatíveis. Daqui resulta que a primeira justificação apresentada pela Google, a saber, a necessidade de garantir a compatibilidade no âmbito do «ecossistema Android», não tem relação com o segundo abuso e, por conseguinte, não é pertinente no caso em apreço.

879    Por outro lado, a Google não pode justificar a privação de todas as oportunidades comerciais resultantes dos AAF para os ramos Android não compatíveis unicamente invocando o risco de a «fragmentação», ou seja, a multiplicação de plataformas incompatíveis entre si, poder ameaçar a própria sobrevivência da Android. Sobre esta questão, a Google remete para os fracassos que, por essa razão, afetaram SO anteriores distribuídos, como o Android, em «open source».

880    Ora, e sem que seja necessário dirimir o debate entre as partes sobre o caráter nefasto ou os benefícios que a fragmentação poderia ter representado para a Google e para todo o setor, basta constatar que a Google não põe seriamente em causa as conclusões a que se chegou na decisão recorrida relativas ao nível de superioridade do poder de mercado do «ecossistema Android». Importa recordar, a este respeito, que os argumentos apresentados em apoio do primeiro fundamento, relativos à posição dominante da Google nos mercados das plataformas de distribuição de aplicações e dos SO, devem ser afastados. Acresce que a Google não contesta que ocupa uma posição dominante nos mercados de serviços de pesquisa geral. Além disso, segundo o quadro 1 reproduzido na decisão recorrida, a Google também não contesta a percentagem dos aparelhos que funcionam com um SO sob licença vendidos em todo o mundo, excluindo a China, por FEO vinculados por um AAF, passou de [70‑80] % em 2011 para [90‑100] % em 2016 (considerando 167 da decisão recorrida). A Google tão‑pouco contesta a exatidão dos elementos reproduzidos no gráfico 16 que consta da decisão recorrida, dos quais resulta que o número de aplicações disponíveis na Play Store atingiu um milhão em 2013 e 2,8 milhões em 2017 (considerando 607 da decisão recorrida). É certo que não se pode excluir que a situação do Android possa ter sido equiparada, no momento do seu lançamento, à dos SO anteriormente existentes distribuídos em «open source», como o Unix, o Symbian e o Linux. No entanto, o crescimento extremamente rápido do «ecossistema Android» desde o início dos anos 2010 torna pouco credíveis as alegações da Google quanto ao risco hipotético de que a ameaça que descreve para a própria sobrevivência deste «ecossistema» possa ter perdurado durante o período da infração. Daqui resulta que esta justificação deve ser afastada.

2)      Quanto à necessidade de proteger a sua reputação

881    A Google alega que, embora visassem essencialmente responder a problemáticas técnicas cujo impacto era muito mais sério, as OAF também eram necessárias para proteger a sua reputação.

882    A este respeito, antes de mais, importa recordar que a Comissão não considerou as OAF abusivas na medida em que se aplicavam aos aparelhos nos quais a sequência SMG estava instalada, ou seja, as aplicações da Google. Por conseguinte, as alegações da Google relativas à proteção da sua reputação devem ser examinadas tendo unicamente em conta o entrave constituído pelos AAF aos ramos Android não compatíveis, nos quais a instalação dessas aplicações estava, de qualquer modo, excluída pela Google. Com efeito, é pacífico que a Google reserva o direito de instalar as suas aplicações aos FEO que respeitam as obrigações técnicas definidas no DDC.

883    Em seguida, a Google contesta a apreciação que figura na decisão recorrida segundo a qual podia implementar medidas que permitissem eliminar qualquer confusão no que respeita à origem comercial dos aparelhos que funcionam com ramos Android compatíveis, por exemplo através do registo de marcas que lhes reservassem a denominação «Android» (considerandos 1172 a 1176 da decisão recorrida). A este respeito, a Google limita‑se a sustentar que tais medidas não seriam suficientes, mas não apresenta nenhum elemento circunstanciado em apoio desta alegação. A ineficácia da defesa pela Google dos seus direitos de propriedade intelectual com o objetivo de proteger a sua reputação proibindo, por exemplo, a utilização das denominações «Google» e «Android» nos aparelhos que funcionam com ramos Android não compatíveis, exteriores ao «ecossistema Android», não pode, por conseguinte, ser demonstrada. Ora, tais medidas seriam seguramente menos restritivas da concorrência do que a eliminação dos ramos Android não compatíveis que decorre dos AAF, a qual apresenta, portanto, um caráter desproporcionado à luz do objetivo invocado.

884    Por último, para sustentar a violação que invoca, a Google faz essencialmente referência a riscos que, em seu entender, decorreriam da «fragmentação», uma vez que os eventuais disfuncionamentos imputáveis aos ramos Android não compatíveis se repercutiriam no conjunto do «ecossistema». Ora, resulta do que precede (v. n.os 879 e 880 supra) que o risco de propagação em detrimento do ecossistema Android não está suficientemente demonstrado neste caso.

3)      Quanto à necessidade de eliminar os efeitos benéficos inesperados

885    A Google alega que as OAF são necessárias para limitar os efeitos benéficos inesperados decorrentes da colocação da sua tecnologia à disposição de terceiros. No que toca às externalidades positivas de que os ramos Android não compatíveis beneficiariam, estão em causa, por um lado, segundo a Google, efeitos financeiros inesperados, provenientes da redução dos custos de desenvolvimento tanto no que respeita ao SO como às aplicações e, por outro, efeitos técnicos benéficos, ligados às transferências da sua tecnologia (v., neste sentido, Acórdão de 27 de março de 2012, Post Danmark, C‑209/10, EU:C:2012:172, n.os 41 e 42).

886    A este respeito, importa recordar que a Comissão apenas contesta os AAF na medida em que comportam obrigações que visam privar os ramos Android não compatíveis de oportunidades comerciais. Ora, o direito que assiste a uma empresa de beneficiar das repercussões económicas ligadas aos serviços que desenvolve não pode ir ao ponto de lhe reconhecer o direito de impedir eventuais concorrentes de existir no mercado. Por outro lado, importa observar que, à semelhança da Comissão (considerandos 1177 a 1181 da decisão recorrida), a possibilidade de os terceiros beneficiarem da tecnologia desenvolvida pela Google é inerente à opção feita por esta empresa de divulgar o código‑fonte do Android através da licença AOSP. Por conseguinte, a eventualidade de os concorrentes da Google poderem beneficiar de efeitos benéficos inesperados não pode justificar o segundo abuso.

4)      Quanto à anterioridade relativamente à aquisição da posição dominante e à inexistência de comportamento fraudulento

887    Por um lado, a Google não põe em causa a pertinência das observações que figuram na decisão recorrida, segundo as quais a circunstância de o comportamento controvertido ter tido início antes de ter adquirido uma posição dominante nos mercados das plataformas de distribuição de aplicações Android e dos serviços de pesquisa geral não é suscetível de justificar o segundo abuso. Importa simplesmente observar, a este respeito, que a Comissão não aplicou uma sanção à Google em relação ao período anterior à aquisição da sua posição dominante.

888    Por outro lado, a Comissão não acusa a Google de ter tentado enganar as partes nos AAF ou terceiros sobre o alcance das OAF, pelo que o argumento da Google relativo à inexistência de comportamento fraudulento da sua parte deve ser julgado inoperante.

5)      Quanto à tomada em consideração dos efeitos próconcorrenciais das OAF

889    A Google acusa a Comissão de não ter ponderado os efeitos pró‑concorrenciais das OAF com os seus efeitos anticoncorrenciais. A este respeito, importa recordar que a Comissão não contesta que as normas de compatibilidade definidas pela Google contribuíram para o desenvolvimento do «ecossistema Android». A Comissão também não contesta que a compatibilidade produziu efeitos pró‑concorrenciais, favorecendo o desenvolvimento dos participantes neste ecossistema, bem como a sua concorrência recíproca. A Comissão tão‑pouco considera que a Google não podia implementar normas destinadas a assegurar a compatibilidade no âmbito do referido «ecossistema». Em contrapartida, a Comissão considerou que, não tendo a Google justificado objetivamente os entraves aos ramos Android não compatíveis decorrentes dos AAF, não era obrigada a ter em conta os efeitos pró‑concorrenciais das OAF (considerando 1183 da decisão recorrida).

890    A este respeito, antes de mais, há que recordar que a Comissão só considera abusivas as cláusulas dos AAF na medida em que proíbem os FEO de oferecer oportunidades comerciais aos ramos Android não compatíveis. Por conseguinte, este entrave deve ser considerado, para efeitos da aplicação do artigo 102.o TFUE, distinto das obrigações que visam assegurar a compatibilidade dos ramos Android e a interoperabilidade no âmbito do «ecossistema Android», cujos efeitos pró‑concorrenciais não são contestados. Com efeito, como foi recordado supra, o entrave em causa produz efeitos fora do ecossistema Android, uma vez que tem por objeto ramos não compatíveis nos quais as aplicações privativas da Google, como a sequência SMG, não se destinam a ser instaladas e nas quais a compatibilidade e a interoperabilidade não são necessariamente procuradas.

891    Com efeito, o entrave ao desenvolvimento dos ramos Android não compatíveis não pode ser considerado indispensável enquanto tal para a definição das normas de compatibilidade destinadas a ser aplicadas no âmbito do «ecossistema Android». Resulta, especialmente, do facto de as justificações da Google relativas à necessidade de lutar contra a «fragmentação» deverem ser afastadas que a Google não demonstrou que lhe era impossível assegurar a sobrevivência do «ecossistema Android» na falta das condições controvertidas. Por conseguinte, na falta de qualquer relação de necessidade entre a exclusão dos ramos Android não compatíveis, por um lado, e a compatibilidade no ecossistema Android, que constitui, além disso, o objetivo prosseguido pelas OAF, por outro, a Google não tem justificação para sustentar que a Comissão devia ter procedido a uma ponderação entre os efeitos pró‑concorrenciais das OAF no ecossistema Android, os quais decorrem, para os participantes no referido ecossistema, das vantagens da compatibilidade, por um lado, e as restrições da concorrência que são exercidas fora desse ecossistema, identificadas como constituindo o segundo abuso, por outro.

4.      Conclusão relativa à apreciação do quarto fundamento

892    Resulta do que precede que o caráter anticoncorrencial da exclusão dos ramos Android não compatíveis através dos AAF deve ser considerado provado. Esse comportamento privou de oportunidades comerciais concorrentes potenciais ou existentes da Google, reforçou a posição dominante da Google nos mercados dos serviços de pesquisa geral e constituiu um travão à inovação. Por outro lado, a Google não demonstrou que a exclusão dos ramos Android não compatíveis resultantes do AAF respondia a um objetivo legítimo nem demonstrou que essa exclusão implicava efeitos pró‑concorrenciais que lhe fossem imputáveis.

893    Resulta também do que precede que a Comissão, contrariamente ao que a Google alega, teve devidamente em conta o contexto económico e legal pertinente, bem como os efeitos concretos produzidos pelo segundo abuso. Por conseguinte, tendo demonstrado suficientemente a existência das restrições controvertidas e dos seus efeitos na concorrência, a Comissão não era obrigada a proceder, além disso, contrariamente ao que sustentam a Google e os intervenientes que intervêm em seu apoio, a uma análise contrafactual destinada a avaliar as consequências hipotéticas que poderiam ter sido observadas, na falta do segundo abuso, nos mercados das plataformas de distribuição de aplicações Android, dos serviços de pesquisa geral, nos quais o referido abuso foi constatado, bem como o dos SO sob licença, nos quais a Google também exerce uma posição dominante.

894    Por conseguinte, o quarto fundamento deve ser julgado improcedente.

F.      Quanto ao quinto fundamento, relativo à violação dos direitos de defesa

895    No quinto fundamento, dividido em duas partes, a Google alega que a Comissão violou os seus direitos de defesa ao não respeitar, por um lado, o seu direito de ser ouvida e, por outro, o seu direito de acesso ao processo. Em seu entender, estas irregularidades processuais invalidam as conclusões da decisão recorrida e justificam a sua anulação. Antes de mais, há que analisar a segunda parte do fundamento.

1.      Quanto à segunda parte do quinto fundamento, relativa à violação do direito de acesso ao processo

a)      Argumentos das partes

896    A Google alega que o conteúdo as notas relativas às reuniões que a Comissão teve com os terceiros no que se refere ao objeto do inquérito é insuficiente e não permite assegurar os seus direitos de defesa ou, pelo menos, respeitar o princípio da boa administração. Segundo a Google, essas notas foram preparadas posteriormente, por vezes muitos anos depois da reunião em questão. Apenas 3 das 35 notas transmitidas a este propósito podem ser consideradas completas. As outras 32 são demasiado breves e sumárias tendo em conta o que está previsto para uma audição com um terceiro pelo artigo 19.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1/2003, tendo em conta nomeadamente o Acórdão 6 de setembro de 2017, Intel/Comissão (C‑413/14 P, EU:C:2017:632).

897    Especificamente, a Google critica a insuficiência das informações transmitidas no que se refere às reuniões com o membro da Comissão responsável pelas questões de concorrência ou com um membro do seu gabinete bem como a anonimização de alguns dados nominativos.

898    Devido ao caráter sucinto das notas transmitidas, a Google não pôde determinar o conteúdo das discussões entre a Comissão e os terceiros ouvidos nem a natureza as informações apresentadas nesse âmbito. Esta violação dos direitos de defesa é, segundo a Google, substancial, em especial no que se refere às audições com os programadores de aplicações onde é plausível que estes tenham feito declarações ilibatórias que não são reportadas nas notas transmitidas pela Comissão.

899    A Comissão contesta esta argumentação.

900    A título preliminar, alega que apenas está obrigada a redigir uma ata completa de uma reunião com um terceiro se esta for uma «audição» na aceção do artigo 19.o do Regulamento n.o 1/2003, isto é, uma reunião cujo objeto seja a recolha de informações sobre o objeto de um inquérito. No que respeita às outras reuniões, a Comissão apenas é obrigada a tomar notas sucintas no que se refere, por um lado, a qualquer elemento de prova apresentado durante a reunião em causa que considere utilizar na decisão e, por outro, qualquer elemento de prova potencialmente favorável apresentado nessa mesma ocasião no qual a empresa objeto do inquérito se poderia ter baseado para contrariar as conclusões da Comissão.

901    Neste contexto, a Comissão alega que as reuniões com o membro da Comissão responsável pelas questões da concorrência e um membro do seu gabinete não tinham por objeto recolher informações relativas ao objeto do inquérito.

902    Quanto às notas relativas às outras reuniões, a Comissão sustenta que forneceu informações suficientes sobre o momento e o modo como tinha preparado essas notas, no que toca, nomeadamente, às razões pelas quais certos dados nominativos eram omitidos.

b)      Apreciação do Tribunal Geral

903    Com a segunda parte do quinto fundamento, a Google acusa, em substância, a Comissão de lhe ter transmitido notas relativas às reuniões com os terceiros que não lhe permitem compreender o teor das discussões que tiveram lugar, bem como a natureza das informações fornecidas sobre os assuntos abordados nessas reuniões e, portanto, fazer valer corretamente os seus direitos de defesa a este respeito.

904    Resulta efetivamente decisão recorrida que, em 15 de setembro de 2017, na sequência do Acórdão de 6 de setembro de 2017, Intel/Comissão (C‑413/14 P, EU:C:2017:632), a Google pediu para obter todos os documentos pertinentes relativos às reuniões que a Comissão tinha tido com os terceiros (v. considerando 30 da decisão recorrida). A Comissão respondeu a esse pedido em 28 de fevereiro de 2018 (v. considerandos 33 e 63 da decisão recorrida).

905    Resulta igualmente da decisão recorrida que, a partir da transmissão desses documentos, a Comissão afirmou que não tinha outros documentos referentes a essas reuniões, quer tivessem decorrido presencialmente ou por telefone (v. considerando 64 da decisão recorrida). Esta afirmação não é posta em causa por nenhum documento dos autos do presente processo.

906    Antes de mais, importa recordar que os direitos de defesa são direitos fundamentais que fazem parte integrante dos princípios gerais de direito cujo respeito é assegurado pelo Tribunal Geral e pelo Tribunal de Justiça (v., neste sentido, Acórdão de 25 de outubro de 2011, Solvay/Comissão, C‑109/10 P, EU:C:2011:686, n.o 52).

907    Cabe igualmente à Comissão, em aplicação do princípio da boa administração, assegurar que as suas regras internas respeitam os direitos da defesa.

908    No contexto do direito da concorrência, o respeito dos direitos de defesa implica que tenha sido dada a qualquer destinatário de uma decisão que declare que este cometeu uma infração às regras da concorrência a possibilidade, ao longo do procedimento administrativo, de dar a conhecer utilmente o seu ponto de vista sobre a realidade e a pertinência dos factos e das circunstâncias que lhe são imputados, bem como sobre os documentos que a Comissão teve em conta em apoio da sua alegação da existência dessa infração (Acórdãos de 25 de outubro de 2011, Solvay/Comissão, C‑109/10 P, EU:C:2011:686, n.o 53, e de 25 de março de 2021, Deutsche Telekom/Comissão, C‑152/19 P, EU:C:2021:238, n.o 106).

909    Corolário do princípio do respeito dos direitos de defesa, o direito de acesso ao processo implica assim que a Comissão deve dar à empresa em causa a possibilidade de proceder a um exame de todos os documentos que figuram no processo de instrução e que possam ser pertinentes para a sua defesa. Estes incluem tanto os elementos incriminatórios como os que ilibam a empresa, sob reserva dos segredos comerciais de outras empresas, dos documentos internos da Comissão e de outras informações confidenciais (Acórdãos de 7 de janeiro de 2004, Aalborg Portland e o./Comissão, C‑204/00 P, C‑205/00 P, C‑211/00 P, C‑213/00 P, C‑217/00 P e C‑219/00 P, EU:C:2004:6, n.o 68, e de 12 de julho de 2011, Toshiba/Comissão, T‑113/07, EU:T:2011:343, n.o 41).

910    Por outro lado, também importa recordar que o artigo 19.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1/2003, evocado pela Google, constitui uma base jurídica que habilita a Comissão a proceder à audição de uma pessoa singular ou coletiva no âmbito de um inquérito (Acórdão de 6 de setembro de 2017, Intel/Comissão, C‑413/14 P, EU:C:2017:632, n.o 86).

911    Resulta da própria redação do artigo 19.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1/2003 que este último é aplicável a qualquer audição para efeitos de recolha de informações sobre o objeto de um inquérito. Com efeito, nenhum elemento literal ou teleológico desta disposição permite inferir que o legislador tenha querido excluir do âmbito de aplicação da referida disposição alguma dessas audições. (Acórdão de 6 de setembro de 2017, Intel/Comissão, C‑413/14 P, EU:C:2017:632, n.os 84 e 87).

912    Ora, quando conduz uma audição, ao abrigo do artigo 19.o do Regulamento n.o 1/2003, para registar declarações relativas ao objeto de um inquérito, a Comissão tem a obrigação de registar, sob uma forma à sua escolha, essa audição. Para esse efeito, não é suficiente que a Comissão proceda a um breve resumo dos assuntos abordados no decurso da audição, cabendo‑lhe fornecer uma indicação sobre o teor das discussões que tiveram lugar na audição, particularmente sobre a natureza das informações prestadas durante a audição sobre os assuntos abordados (v., neste sentido, Acórdão de 6 de setembro de 2017, Intel/Comissão, C‑413/14 P, EU:C:2017:632, n.os 91 e 92).

913    Por último, importa salientar que, segundo jurisprudência assente, há violação dos direitos de defesa quando, em razão de uma irregularidade processual cometida pela Comissão, há a possibilidade de que o procedimento administrativo por ela conduzido poderia ter levado a um resultado diferente. Uma empresa recorrente demonstra que tal violação existiu quando demonstra de forma bastante não que a decisão da Comissão teria tido um conteúdo diferente mas que poderia ter assegurado melhor a sua defesa se não tivesse existido essa irregularidade processual (Acórdãos de 2 de outubro de 2003, Thyssen Stahl/Comissão, C‑194/99 P, EU:C:2003:527, n.o 31, e de 13 de dezembro de 2018, Deutsche Telekom/Comissão, T‑827/14, EU:T:2018:930, n.o 129). A apreciação do respeito dos direitos de defesa pela Comissão deve ser efetuada em função das circunstâncias de facto e de direito específicas de cada caso concreto (v., neste sentido, Acórdão de 18 de junho de 2020, Comissão/RQ, C‑831/18 P, EU:C:2020:481, n.o 107).

914    É tendo em atenção estes princípios que importa examinar os argumentos das partes relativos à segunda parte do quinto fundamento.

915    Em primeiro lugar, relativamente à questão de saber se todas as notas relativas às reuniões com terceiros dizem respeito a audições na aceção do artigo 19.o do Regulamento n.o 1/2003, importa salientar que, em resposta a uma questão do Tribunal Geral na audiência de alegações, a Comissão reconheceu, o que foi registado em ata, que 33 das 35 notas transmitidas à Google respeitavam a audições na aceção desta disposição.

916    Por conseguinte, é apenas por duas das 35 reuniões visadas nas notas transmitidas à Google, a saber, as duas reuniões com a presença do membro da Comissão responsável pelas questões de concorrência ou de um membro do seu gabinete, que a Comissão contesta a qualificação de audição na aceção do artigo 19.o do Regulamento n.o 1/2003. Esta objeção é feita pelo facto de o objeto dessas reuniões não ser recolher informações relativas ao objeto do inquérito.

917    Todavia, contrariamente ao que sustenta a Comissão, essas duas reuniões também devem ser consideradas, no caso em apreço, audições na aceção do artigo 19.o do Regulamento n.o 1/2003. Com efeito, da leitura das notas transmitidas pela Comissão a propósito dessas reuniões afigura‑se efetivamente que estas correspondem a audições com vista à recolha de informações relativas ao objeto do inquérito.

918    Assim, resulta da primeira dessas notas que, durante uma audição em 2 de julho de 2015, uma empesa do setor apresentou à Comissão a sua visão sobre as plataformas movéis, incluindo o Android, bem como sobre o ambiente concorrencial no qual evoluem as suas aplicações e os seus serviços.

919    Do mesmo modo, resulta da segunda dessas notas que, na audição que teve lugar em 27 de setembro de 2017, a ADA apresentou à Comissão as suas observações sobre o inquérito que deu origem à decisão recorrida, especialmente no que se refere aos AAF bem como as soluções adotadas para sanar os problemas de concorrência identificados. A referida nota também mostra que a ADA confirmou à Comissão que todas as afirmações que proferiu nessa audição já lhe tinham sido expostas em documentos que lhe tinham sido enviados.

920    Por conseguinte, a circunstância de as audições que a Comissão teve com terceiros terem podido assumir a forma de reuniões com um membro da Comissão responsável pelas questões de concorrência ou de um membro do seu gabinete não é suscetível de as retirar do âmbito de aplicação do artigo 19.o do Regulamento n.o 1/2003, dado que essas reuniões visavam a recolha de informações relativas ao objetivo de um inquérito.

921    Em segundo lugar, no que se refere à regularidade à luz do artigo 19.o do Regulamento n.o 1/2003 das notas relativas às audições que a Comissão fez com terceiros com vista à recolha de informações relativas ao objetivo de um inquérito, há que salientar que a Google alega em substância que essas notas são simultaneamente tardias e incompletas.

922    Quanto ao caráter tardio, importa observar que das 35 notas apresentadas ao Tribunal Geral num anexo da petição, apenas três respeitam a audições realizadas após a prolação do Acórdão de 6 de setembro de 2017, Intel/Comissão (C‑413/14 P, EU:C:2017:632). Trata‑se de duas audições com a ADA, em 18 e 27 de setembro de 2017, e de uma audição com o BEUC em 20 de dezembro de 2017. As outras 32 audições desenrolaram‑se entre 30 de maio de 2013 e 26 de julho de 2017, das quais nomeadamente 21 audições entre 2013 e 2015.

923    O atraso na transmissão de algumas dessas notas, especialmente as que foram finalizadas vários anos após a audição em causa, explica‑se no caso em apreço pelas circunstâncias específicas do presente processo.

924    Com efeito, resulta antes de mais dos autos que, em 2 de setembro de 2016, a Google tinha pedido à Comissão para lhe enviar as notas que retomam completamente o conteúdo de todas as discussões que tiveram lugar entre a Comissão e terceiros relativamente ao objetivo do inquérito. Na sua resposta de 22 de setembro de 2016, a Comissão tinha indicado que rejeitava esse pedido invocando a propósito a jurisprudência do Tribunal Geral anterior ao Acórdão do Tribunal de Justiça de 6 de setembro de 2017, Intel/Comissão (C‑413/14 P, EU:C:2017:632), nomeadamente o Acórdão de 12 de junho de 2014, Intel/Comissão (T‑286/09, EU:T:2014:547, n.o 619 e jurisprudência referida).

925    Resulta igualmente dos autos que, em 15 de setembro de 2017, a Google reiterou o seu pedido, invocando nessa ocasião a prolação do Acórdão de 6 de setembro de 2017, Intel/Comissão (C‑413/14 P, EU:C:2017:632), e clarificações feitas nesse acórdão sobre o conceito de audição que visa a recolha de informações sobre o objeto de um inquérito.

926    Para responder a esse pedido, a Comissão indicou, em 28 de fevereiro de 2018, ter contactado todos os terceiros com os quais tinha tido reuniões para obter o respetivo acordo sobre o conteúdo das discussões que era reproduzido nas notas que lhes respeitavam. Por conseguinte, as referidas notas foram efetivamente finalizadas, quanto às 32 que respeitavam às audições realizadas antes da prolação do Acórdão de 6 de setembro de 2017, Intel/Comissão (C‑413/14 P, EU:C:2017:632), na sequência do pedido da Google de 15 de setembro de 2017.

927    Por conseguinte, na falta de registos feitos no momento das declarações prestadas pelos terceiros por ocasião das audições, a Comissão procurou, como refere o auditor na sua carta de 30 de abril de 2018 em resposta a um pedido da Google sobre o tratamento dos seus pedidos de acesso aos autos, preparar notas mais detalhadas que mencionavam, quando isso era possível, os documentos pertinentes dos autos que já tinham sido comunicados à Google ou que reproduziam o melhor possível as memórias das pessoas presentes quando esses documentes não eram identificáveis.

928    A verdade, porém, como alega a Google, é que algumas das notas que lhe foram enviadas não foram preparadas imediatamente ou pouco depois mas por vezes vários anos depois da reunião em causa. É nesta perspetiva que há que considerar que uma boa parte das notas relativas às reuniões com terceiros foi tardia.

929    Quanto ao caráter incompleto, importa salientar que a Google considerou que apenas 3 das 35 notas transmitidas pela Comissão cumprem o disposto no artigo 19.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1/2003 para uma audição que vise a recolha de informações sobre o objeto de um inquérito. Trata‑se das notas relativas à audição de 26 de janeiro de 2015 com uma empresa do setor, à audição de 28 de maio de 2015 com uma empresa cujo nome não foi comunicado à Google e à audição de 18 de setembro de 2017 com a ADA.

930    Quanto às outras 32 notas, importa considerar, como alega a Google, que continuam a ser demasiado sumárias para constituírem um registo de uma audição que visa a recolha de informações sobre o objeto de um inquérito em conformidade com o disposto no artigo 19.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1/2003. Especificamente, e na medida em que permitam identificar o teor geral das discussões que tiveram lugar durante essas audições, essas notas continuam ainda assim, por si sós, a ser demasiado vagas ou insuficientemente detalhadas quanto ao teor preciso dessas discussões e à natureza das informações que esses terceiros forneceram durante essas audições.

931    Consequentemente, tendo em conta o caráter tardio já salientado supra, há que considerar, como alega a Google, que as 32 notas transmitidas em fevereiro de 2018 que contesta, são demasiado sumárias. A reconstituição a posteriori do conteúdo das audições que a Comissão teve com terceiros visando a recolha de informações sobre o objeto de um inquérito ou as referências feitas posteriormente aos documentos anteriores ou posteriores que figuram no processo de instrução relativos a essas audições não podem assim bastar para colmatar a falta de um registo adequado.

932    Resulta do que precede que uma boa parte das notas transmitidas pela Comissão em 28 de fevereiro de 2018 são demasiado tardias e demasiado sumárias para constituírem o registo de uma audição no sentido previsto pelo artigo 19.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1/2003.

933    No futuro seria útil e adequado que o registo de cada audição da Comissão com um terceiro com o fim de recolher informações sobre o objeto de um inquérito fosse efetuado ou validado nessa ocasião ou pouco depois a fim de fazerem parte do processo o mais rapidamente possível e permitir ao acusado, no momento oportuno, tomar conhecimento deles para o exercício dos direitos de defesa.

934    Em terceiro lugar, quanto às consequências que devem ser tiradas das irregularidades processais relativamente ao registo das audições no sentido previsto no artigo 19.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1/2003, há que determinar se, tendo em conta as circunstâncias de facto e de direito específicas do presente processo, a Google fez prova suficiente de que poderia ter assegurado melhor a sua defesa sem essas irregularidades. Com efeito, na falta dessa demonstração não se pode dar como provada uma violação dos seus direitos de defesa.

935    Tal demonstração seria efetuada quando o conteúdo dos elementos de prova não divulgados não pudesse ser determinado nem determinável. Nessa hipótese, não se pode exigir à empresa a prova irrefutável do conteúdo do documento, nomeadamente a existência de meios de prova incriminatórios ou ilibatórios não divulgados. Assim, a empresa pode limitar‑se a assinalar a mera possibilidade de que as informações em falta poderiam ter sido úteis à sua defesa (v., neste sentido, Acórdão de 25 de outubro de 2011, Solvay/Comissão, C‑110/10 P, EU:C:2011:687, n.os 59 a 62).

936    Em contrapartida, quando o conteúdo dos elementos de prova, aos quais o acesso tiver sido restringido, for determinado ou determinável a posteriori, a empresa não pode ser dispensada de fazer prova de que não teve acesso a elementos de prova incriminatórios ou ilibatórios, bem como as consequências que há que retirar daí tendo em conta o exercício dos seus direitos de defesa. O mesmo se passa quando a empresa disponha de, pelo menos, elementos elucidativos quanto aos autores, bem como quanto à natureza e ao conteúdo dos documentos a que não teve acesso (v., neste sentido, conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo Solvay/Comissão, C‑110/10 P, EU:C:2011:257, n.o 37).

937    Perante elementos de prova incriminatórios não divulgados é importante para a empresa em causa demonstrar que o processo poderia ter tido um resultado diferente, no pressuposto de que esses elementos de prova incriminatórios tivessem sido divulgados (v., neste sentido, Acórdãos de 7 de janeiro de 2004, Aalborg Portland e o./Comissão, C‑204/00 P, C‑205/00 P, C‑211/00 P, C‑213/00 P, C‑217/00 P e C‑219/00 P, EU:C:2004:6, n.os 71 e 73, e de 12 de julho de 2011, Toshiba/Comissão, T‑113/07, EU:T:2011:343, n.o 46).

938    No que respeita aos elementos de prova ilibatórios, a empresa em causa deve demonstrar que poderia ter feito uso desses elementos para a sua defesa, no sentido de que, se tivesse assim podido invocá‑los durante o procedimento administrativo, poderia ter apresentado elementos que não concordavam com as deduções feitas nessa fase pela Comissão e, consequentemente, poderia ter influenciado, de uma maneira ou de outra, as apreciações feitas por esta na sua decisão. Daqui se conclui que cabe à empresa interessada demonstrar, por um lado, que não teve acesso a certos elementos de prova ilibatórios e, por outro, que os poderia ter utilizado em sua defesa (Acórdão de 6 de setembro de 2017, Intel/Comissão, C‑413/14 P, EU:C:2017:632, n.os 97 e 98).

939    Ora, no caso em apreço, há que concluir que a Google não logrou fazer prova de que, se não se tivessem verificado as irregularidades processuais salientadas supra no que se refere ao carater tardio e incompleto das notas transmitidas que contesta, poderia ter assegurado melhor a sua defesa.

940    Com efeito, a Google limita‑se a afirmar, de um modo geral, que uma transcrição fiel do teor das discussões com os terceiros ouvidos lhe teria fornecido explicações e elementos de contexto quanto aos documentos constantes do processo de inquérito e nos quais a Comissão se terá baseado.

941    Ora, primeiro, quanto à possibilidade de determinar a posteriori se os elementos de prova não foram divulgados, importa recordar que, na falta de registos das audições, a Comissão se esforçou por reconstruir o seu conteúdo para permitir à Google exercer os seus direitos de defesa.

942    Assim, importa salientar que, no número das observações feitas em 28 de fevereiro de 2018 em resposta ao pedido da Google, a Comissão indicava por um lado, não ter feito uso das notas transmitidas enquanto prova incriminatória, quer na comunicação das acusações ou na primeira carta de exposição dos factos e, por outro lado, ter fornecido à Google todas as provas potencialmente ilibatórias apresentadas durante cada uma dessas reuniões para que pudessem ser úteis à defesa desta última.

943    Não resulta do exame da decisão recorrida e do dossier de que o Tribunal Geral tomou conhecimento no âmbito do presente processo que elementos do referido dossier sejam suscetíveis de pôr em causa as garantias fornecidas a este propósito pela Comissão.

944    Segundo, há que constatar que, em relação a 26 das 32 notas, cujo caráter completo a Google contesta, é indicado que o conteúdo das discussões que tiveram lugar durante essas audições se encontra inteiramente em documentos específicos que figuram no processo de instrução, aos quais a Google, em resposta a uma questão do Tribunal Geral, reconheceu ter tido acesso. 24 dessas 26 notas também indicam que a Comissão obteve a validação do conteúdo da nota junto do terceiro ouvido, o que confirma a pertinência e a exaustividade das referências feitas aos documentos que constam dos autos. No que se refere às duas notas cujo conteúdo não pôde ser validado junto do terceiro ouvido, a explicação é aí referida: o primeiro desses terceiros já não existia e o segundo não respondeu aos repetidos pedidos de aprovação apresentados pela Comissão.

945    Nestas circunstâncias, há que considerar que, apesar das irregularidades processuais relativamente ao registo das audições, a Google conseguiu obter da Comissão indicações quanto ao teor das discussões que tiveram lugar durante essas audições, especialmente quanto à natureza das informações dadas nessas ocasiões sobre os assuntos que aí foram abordados.

946    Ora, tendo em conta as indicações dadas pela Comissão e o que era possível delas deduzir para apreciar o conteúdo das audições, a Google não apresenta nenhum argumento circunstanciado que permita compreender a que título poderia ter assegurado melhor a sua defesa, incluindo o que respeita às audições realizadas com os dois terceiros dos quais não foi possível obter a validação do conteúdo das notas correspondentes.

947    Terceiro, em relação às seis notas restantes, que reproduzem sumariamente o teor das discussões e não remetem para nenhum documento do processo de inquérito que permita completar o conteúdo, importa salientar o seguinte.

948    A primeira nota por ordem cronológica diz respeito a uma audição ocorrida em 2 de julho de 2015 com uma empresa do setor. Nessa ocasião, a referida empresa apresentou à Comissão os seus pontos de vista sobre plataformas móveis incluindo o Android, bem como sobre ambiente concorrencial no qual evoluíam as suas aplicações e os seus serviços.

949    Embora nenhum documento dos autos tenha sido referenciado nessa nota, foi, todavia, possível à Google pô‑la em perspetiva com as informações transmitidas no que se refere a duas outras audições com a mesma empresa em 10 de dezembro de 2014 e em 12 de janeiro de 2016 sobre o mesmo assunto. Ora, as notas transmitidas à Google relativamente a essas audições, que foram validadas pela empresa em causa, dão conta de documentos que figuram no processo de inquérito que retomam o conteúdo das discussões que tiveram lugar nessas ocasiões, isto é, tanto antes como depois da referida audição. Consequentemente a posição desta empresa no âmbito do inquérito era do conhecimento da Google.

950    Nestas circunstâncias, a Google não invoca, no entanto, nenhum argumento circunstanciado que permita compreender a que título poderia ter assegurado melhor a sua defesa no presente processo.

951    A segunda nota é relativa a uma audição que teve lugar em 15 de julho de 2015 com um prestador de segurança, cujo nome não foi comunicado à Google. Essa audição foi a oportunidade, como a Comissão esclarece na sua nota, que foi validada pela empresa em questão, de discutir dinâmicas de mercado em relação ao SO Android. Todavia, conforme resulta do conteúdo dessa nota, as preocupações expostas por ocasião dessa audição diziam essencialmente respeito a soluções de segurança, a saber um aspeto do processo que não foi abordado na decisão recorrida e não às restrições controvertidas analisadas no âmbito dos diferentes abusos considerados pela Comissão.

952    Do mesmo modo, a terceira nota é relativa a uma audição que teve lugar em 28 de outubro de 2015 com um prestador de serviços de pagamentos. Nessa ocasião, esse prestador pode apresentar à Comissão os seus pontos de vista sobre as dinâmicas do mercado relativas aos aparelhos móveis e às suas aplicações no que se refere aos sistemas de pagamentos móveis. Trata‑se aqui também de um aspeto do processo que não é considerado na decisão recorrida.

953    Em todo o caso, além da falta de evidência da ligação entre estas audições e os abusos censurados na decisão recorrida, há que salientar que a Google não invocou nenhum argumento circunstanciado que permita compreender a que título poderia ter assegurado melhor a sua defesa no presente processo na falta de irregularidades processais relativamente ao registo das audições na aceção do artigo 19.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1/2003.

954    As quarta e quinta notas são relativas a duas audições com o BEUC em 1 de fevereiro e em 20 de dezembro de 2017. Nessas reuniões o BEUC pretendia obter da Comissão informações quanto ao andamento do inquérito. O próprio objeto dessas reuniões e o seu resumo validado pelo BEUC, permitem assim excluir a hipótese de uma retenção de elementos de prova pela Comissão.

955    A sexta e última nota diz respeito às declarações feitas pela ADA, uma entidade que interveio em apoio da Google durante o processo administrativo, por ocasião de uma audição que teve lugar em 27 de setembro de 2017. Muito embora redigida em termos gerais, resulta claramente da nota que a ADA não via nenhuma razão para exigir à Google que alterasse o seu comportamento. Além disso, o representante da ADA confirmou na referida nota que a discussão tinha incidido sobre informações que a ADA já tinha transmitido à Comissão. Importa a este propósito salientar que a Google não alega não ter tido acesso a todos os documentos do processo de instrução transmitidos pela ADA durante o processo administrativo. Estas circunstâncias, tal como a presença da ADA que intervém em apoio da Google no âmbito do presente recurso e o facto de se ter abstido de qualquer comentário a esse respeito permitem ao Tribunal Geral excluir a hipótese de uma retenção de elementos de prova pela Comissão.

956    A este respeito, a argumentação da Google, apresentada na petição, segundo a qual era plausível que na altura das diferentes audições com os programadores de aplicações com a Comissão, estas tenham sido consideradas declarações ilibatórias que não eram relatadas nas notas transmitidas, não pode convencer. Com efeito, o facto da intervenção da ADA, em apoio da Google no âmbito do presente recurso e das numerosas ocasiões oferecidas a esta parte, como à Google, de esclarecer quais podiam ser essas declarações que não tinham sido relatadas pela Comissão, há que considerar que essa hipótese não se verificou.

957    Resulta do que precede, que, tendo em conta os elementos considerados na decisão recorrida e às indicações dadas pela Comissão à Google no processo administrativo, não há que considerar que a redação sumária e frequentemente tardia das notas relativas às audições com terceiros tenha privado a Google do acesso a meios de prova incriminatórios ou ilibatórios que lhe podiam permitir assegurar melhor a sua defesa.

958    Portanto, as irregularidades processuais que consistem na falta de transcrição fiel das audições conduzidas pela Comissão com terceiros não podem, nas circunstâncias específicas do caso em apreço, ter levado à violação dos direitos de defesa da Google.

959    Esta conclusão não é, por outro lado, posta em causa pelo anonimato concedido pela Comissão a determinados terceiros. Com efeito, importa recordar que, em aplicação do artigo 27.o do Regulamento 1/2003, o direito de acesso ao processo não abrange as informações confidenciais, as quais podem salientar, consoante as circunstâncias do caso em apreço, dados pessoais dos representantes das sociedades ouvidas e a denominação das próprias sociedades com o objetivo de evitar eventuais represálias. No caso em apreço, não resulta dos documentos dos autos que o anonimato concedido pela Comissão e debatido perante o auditor não seja o resultado de uma ponderação correta de dois interesses contraditórios, o da empresa (e/ou os seus representantes) ouvida de aparecer de forma anónima e o da Google obter informações suficientes sobre as discussões ocorridas.

960    Do mesmo modo, os argumentos relativos ao incumprimento, pela Comissão, do princípio da boa administração, do seu manual dos procedimentos internos e da sua comunicação de 20 de outubro de 2011 devem ser julgados inoperantes. Com efeito, tendo o Tribunal Geral concluído supra que a irregularidade processual ligada ao conteúdo das notas em questão não constitui, no caso em apreço, uma violação dos direitos de defesa da Google, a constatação de um vício processual suplementar, mesmo que comprovado, em relação com a elaboração das referidas notas e a sua comunicação à Google, não é relevante para a questão de saber se, não se tendo verificado a referida irregularidade processual, a Google poderia ter assegurado melhor a sua defesa.

961    Por conseguinte, a segunda parte deve ser julgada improcedente.

2.      Quanto à primeira parte do quinto fundamento, relativa à recusa de uma audição sobre o teste AEC

a)      Argumentos das partes

962    A Google sustenta que, em vez de lhe enviar cartas de exposição dos factos, a Comissão deveria ter adotado uma ou mais comunicações de acusações complementares e ter‑lhe concedido assim novamente o direito a uma audição. Essa audição deveria ter incidido sobre aspetos essenciais do processo no que respeita aos APR por carteira e ao teste AEC. A este respeito, não se pode considerar que a Google tenha renunciado a uma audição desde a fase da comunicação de acusações ou que as cartas de exposição dos factos apenas tenham aperfeiçoado a avaliação provisória contida na comunicação de acusações.

963    A Comissão alega que a Google renunciou ao seu direito a uma audição na sequência da comunicação de acusações e que, como as cartas de exposição dos factos não continham uma nova acusação, não tinha de transmitir a comunicação de acusações complementar. As cartas de exposição dos factos diziam respeito a um comportamento relativamente ao qual a Google já tinha tido a possibilidade de apresentar as suas observações. Por conseguinte, a Comissão não era obrigada a conceder de novo à Google o direito a uma audição.

b)      Apreciação do Tribunal Geral

964    A título preliminar, há que salientar que, em resposta a uma questão colocada pelo Tribunal Geral na audiência de alegações, a Google reconheceu expressamente, como consta da ata da audiência, que qualquer constatação de violação dos seus direitos de defesa no âmbito da primeira parte do quinto fundamento só poderia conduzir à anulação da parte da decisão recorrida relativa ao abuso procedente dos APR por carteira.

965    Com efeito, a primeira parte do quinto fundamento constitui a vertente processual do terceiro fundamento do recurso, com o qual a Google contesta o mérito dos motivos da decisão recorrida relativos à natureza abusiva dos APR por carteira. A Google afirma assim que a Comissão violou os seus direitos de defesa durante o procedimento administrativo ao não lhe dar a oportunidade de se expressar oralmente em tempo útil sobre elementos essenciais da análise concorrencial dos APR por carteira, especialmente do teste AEC.

966    Importa recordar que o respeito dos direitos de defesa constitui um princípio geral do direito da União que é aplicável sempre que a Administração se proponha adotar, relativamente a uma pessoa, um ato lesivo dos seus interesses (Acórdão de 16 de janeiro de 2019, Comissão/United Parcel Service, C‑265/17 P, EU:C:2019:23, n.o 28).

967    Este princípio é reproduzido, nomeadamente, no artigo 10.o do Regulamento (CE) n.o 773/2004 da Comissão, de 7 de abril de 2004, relativo à instrução de processos pela Comissão para efeitos dos artigos [101.o] e [102.o TFUE] (JO 2004, L 123, pp. 18 a 24). Este artigo exige que a Comissão, por um lado, comunique por escrito à empresa em causa as acusações contra ela deduzidas e, por outro lado, dê a essa empresa a possibilidade de a informar por escrito das suas observações.

968    O artigo 12.o do Regulamento n.o 773/2004 também esclarece que, nas suas observações escritas, uma empresa destinatária de uma comunicação de acusações pode pedir à Comissão a realização de uma audição para poder desenvolver os seus argumentos oralmente.

969    Ora, no caso em apreço, na sua resposta à comunicação de acusações de 23 de dezembro de 2016, a Google referiu declinar o seu direito a uma audição («We therefore declined our right to such a Hearing»). Nessa resposta, a Google referiu, no essencial faltar tempo para preparar utilmente uma audição nas instalações da Comissão, e isso em prazos vinculativos.

970    Mais precisamente, a Google sublinhou que, devido à receção, menos de três semanas antes da data‑limite do envio das suas observações à comunicação de acusações fixada em 23 de dezembro de 2016, de cerca de 60 documentos do processo de inquérito e, um dia antes da data‑limite, de dois documentos, um dos quais especialmente importante relativo à pré‑instalação de um serviço de pesquisa geral concorrente em aparelhos Android, não estava em condições de debater, em tempo útil, a oportunidade de recorrer a uma audição. Segundo a Google, a renúncia ao seu direito a uma audição impôs‑se tanto mais que o auditor lhe tinha referido que se desenrolaria no final do mês de janeiro de 2017, deixando à Google e aos seus advogados apenas um mês para preparar a audição, além do mais, durante um período de atividade intensa.

971    Portanto, independentemente das dificuldades evocadas pela Google para decidir, neste contexto singular e nessa fase do inquérito, da utilidade da realização de uma audição, a Google não pode acusar a Comissão de não ter organizado uma audição na sequência da comunicação de acusações.

972    Por conseguinte, coloca‑se a questão de saber se, após ter declinado o seu direito a uma audição em 23 de dezembro de 2016 na resposta à comunicação de acusações, a Google podia invocar a necessidade do respeito dos seus direitos de defesa para poder obter da Comissão, em maio de 2018, ou seja, dezasseis meses mais tarde, a realização de uma audição.

973    No contexto das disposições materiais relativas ao exercício dos direitos de defesa, verifica‑se, com efeito, que uma empresa pode, com fundamento no artigo 12.o do Regulamento n.o 773/2004, obter o direito a uma nova audição, no caso de a Comissão adotar uma comunicação de acusações complementar.

974    Resulta efetivamente do artigo 11.o do Regulamento n.o 773/2004 que, nas suas decisões, a Comissão só deve ter em conta as acusações sobre as quais a empresa em causa teve ocasião de apresentar observações. Por conseguinte, uma nova acusação tem de conceder de novo a possibilidade de a empresa em causa apresentar as suas observações escritas e solicitar a realização de uma audição para poder desenvolver os seus argumentos.

975    No entanto, no presente caso, entre a resposta à comunicação de acusações de 23 de dezembro de 2016 e a decisão recorrida de 18 de julho de 2018, a Comissão não adotou uma comunicação de acusações complementar. Além das diversas medidas adotadas pela Comissão na sequência da resposta à comunicação de acusações para permitir à Google ter acesso ao processo e, nomeadamente, aos elementos de prova obtidos posteriormente, a Comissão optou por enviar cartas de exposição de factos à Google.

976    Assim, a Comissão enviou duas cartas de exposição dos factos à Google, uma em 31 de agosto de 2017, a outra em 11 de abril de 2018, sobre as quais a Google teve a possibilidade de apresentar as suas observações escritas, respetivamente em 23 de outubro de 2017 e em 7 de maio de 2018. Este procedimento excluía, segundo a Comissão, qualquer direito da Google à organização de uma nova audição e fundamentava o indeferimento pelo auditor, em 18 de maio de 2018, do pedido apresentado nesse sentido pela Google, em 7 de maio de 2018.

977    A este respeito, há que recordar que a comunicação de acusações é um procedimento preparatório da decisão, que constitui o último ato do procedimento administrativo. Por conseguinte, até à decisão final, a Comissão pode, à luz das observações escritas ou orais das partes, abandonar algumas ou mesmo a totalidade das acusações inicialmente articuladas e alterar a sua posição a seu favor, ou, ao invés, pode acrescentar novos fundamentos, desde que dê às empresas interessadas a oportunidade de se pronunciarem a esse respeito (Acórdão de 27 de junho de 2012, Microsoft/Comissão, T‑167/08, EU:T:2012:323, n.o 184).

978    A comunicação aos interessados de um complemento de acusações só é necessária se o resultado das averiguações levar a Comissão a imputar às empresas atos novos ou a modificar sensivelmente os elementos de prova das infrações contestadas, mas não o é quando a Comissão cumpre o seu dever de abandonar acusações que, à luz das respostas à comunicação de acusações, se tenham revelado infundadas (v. Acórdão de 27 de junho de 2012, Microsoft/Comissão, T‑167/08, EU:T:2012:323, n.o 191 e jurisprudência referida).

979    Em contrapartida, na sequência do n.o 111 da comunicação da Comissão de 20 de outubro de 2011, sobre boas práticas para a instrução de processos de aplicação dos artigos 101.o e 102.o TFUE (JO 2011, C 308, p. 6), oponível à Comissão, a adoção de uma simples carta de exposição dos factos só se justifica na hipótese de a Comissão pretender apoiar‑se em novos elementos de prova que corroborem as objeções já demonstradas na comunicação de acusações. Para respeitar o princípio do contraditório, a Comissão dá conhecimento à empresa cujas práticas são objeto do inquérito desses novos elementos de prova e recolhe, num prazo que fixa, as suas objeções escritas. O n.o 111 da referida comunicação da Comissão nada menciona quanto à possibilidade de apresentar observações orais.

980    Importa assim que o Tribunal Geral verifique se a opção da Comissão de utilizar cartas de exposição dos factos e a decisão subsequente do auditor de recusar à Google a utilização de uma audição para lhe permitir desenvolver oralmente as suas observações sobre os novos elementos de prova invocados pela Comissão não constitui uma violação dos direitos de defesa dessa empresa no âmbito de um processo repressivo com vista a sancionar um abuso de posição dominante.

981    Ora, no caso em apreço, embora as cartas de exposição dos factos não acrescentem formalmente nenhuma objeção às que figuram na comunicação de acusações, na medida em que continuam a ser visadas as práticas abusivas identificadas pela Comissão, há todavia que concluir que, na realidade, as cartas de exposição dos factos completam de maneira substancial o teor e o alcance da acusação relativa à natureza abusiva dos APR por carteira, que não estava suficientemente alicerçada no âmbito da comunicação de acusações e, consequentemente, que alteram de modo sensível os elementos de prova das infrações contestadas.

982    Isto diz especificamente respeito ao teste AEC, que, no caso em apreço, teve uma importância real na apreciação, pela Comissão, da capacidade dos APR por carteira de produzir um efeito de exclusão de concorrentes igualmente eficazes (v., neste sentido, Acórdão de 6 de setembro de 2017, Intel/Comissão (C‑413/14 P, EU:C:2017:632, n.o 143).

983    Com efeito, enquanto os n.os 718 a 722 da comunicação de acusações apenas incluíam uma análise sumária da capacidade de um concorrente igualar os pagamentos efetuados pela Google no âmbito dos APR por carteira, foi só a partir das cartas de exposição dos factos, a última das quais foi transmitida três meses antes da adoção da decisão recorrida, que a Google pôde tomar pleno conhecimento do teste e do raciocínio privilegiado pela Comissão, no caso em apreço. A análise quantitativa da capacidade de concorrentes para igualarem os pagamentos da Google no âmbito dos APR por carteira que figuram na comunicação de acusações só podia ser compreendida fazendo uma leitura conjugada da primeira e segunda cartas de exposição dos factos.

984    Adotada oito meses após a comunicação de acusações, a primeira carta de exposição dos factos sustenta a análise quantitativa, alterando profundamente a abordagem provisoriamente adotada na comunicação de acusações.

985    Nesta última, a Comissão articulava toda a sua análise em torno de dois elementos, a saber, a impossibilidade de um concorrente reservar para si mais de 5 % das percentagens de pedidos de pesquisa em aparelhos móveis tendo em conta a percentagem de pedidos de pesquisa captados, durante o período de 2012‑2015, pela Google e a pretensa obrigação, nos termos dos ADAM, de não definir por defeito um motor de pesquisa concorrente num navegador terceiro.

986    Ora, na primeira carta de exposição dos factos, a Comissão relativizou a obrigação, no âmbito dos ADAM, de definir por defeito os serviços de pesquisa da Google em navegadores terceiros. A Comissão também formulou pela primeira vez a hipótese, reproduzida no n.o 1234 da decisão recorrida, de que um concorrente pelo menos tão eficaz como a Google não poderia contestar em aparelhos móveis mais de 12 % dos pedidos de pesquisa gerais. A partir dessa nova premissa, a Comissão considerou que uma aplicação concorrente da Google Search só poderia captar, no máximo, [0‑10] % dos pedidos de pesquisa efetuados pelos utilizadores por intermédio da Google Search.

987    A primeira carta de exposição dos factos altera tanto mais profundamente a abordagem adotada provisoriamente na comunicação de acusações quanto a Comissão chega, a respeito da capacidade de um concorrente igualar os pagamentos da Google no âmbito dos APR por carteira, a um resultado manifestamente mais ponderado do que o que tinha previsto inicialmente.

988    Enquanto, nos termos da comunicação de acusações, a Comissão sublinhava que um concorrente devia, em todas as hipóteses, partilhar a totalidade das suas receitas de publicidade para igualar, não para exceder, os pagamentos da Google, a Comissão indicou, na primeira carta de exposição dos factos, que um concorrente podia, se fosse definido por defeito num navegador terceiro, igualar ou mesmo exceder os pagamentos mais generalizados da Google sem ter de partilhar a totalidade das suas receitas.

989    Adotada oito meses depois da primeira carta de exposição dos factos e três meses antes da decisão recorrida, a segunda carta de exposição dos factos também acrescentou correções importantes à análise que figura na primeira carta de exposição dos factos e, por maioria de razão, na comunicação de acusações.

990    Primeiro, depois de ter obtido informações da Google a propósito de aspetos contemporâneos da comunicação de acusações, a Comissão excluiu que um concorrente pudesse querer partilhar receitas de publicidade resultantes de pedidos de pesquisa efetuados a partir da página inicial do motor de pesquisa, na medida em que a própria Google não partilhava as referidas receitas.

991    Segundo, a Comissão integrou duas novas variáveis no teste AEC, a saber, a impossibilidade de um concorrente obter a pré‑instalação da sua aplicação de pesquisa geral em todos os aparelhos móveis da carteira de um FEO ou de um ORM e a obrigação de um concorrente compensar as perdas sofridas pelos FEO e pelos ORM em causa, tendo em conta as receitas associadas aos aparelhos móveis já em circulação e abrangidos pelos APR por carteira. Estes dois pontos afiguram‑se determinantes, uma vez que permitem à Comissão relativizar a capacidade de um concorrente igualar os pagamentos da Google no caso de os serviços de pesquisa concorrentes também serem definidos por defeito num navegador terceiro.

992    Terceiro, a Comissão acrescentou certos dados financeiros relativos à Google, adquiridos não junto desta última, mas de um FEO. É o caso dos custos chamados «operacionais», no valor de [10‑20] %, que a Comissão menciona pela primeira vez na segunda carta de exposição dos factos e extrapola para um concorrente hipoteticamente pelo menos tão eficaz como a Google. Todavia, este dado continua a ser debatido pela Google no Tribunal Geral tanto no que respeita ao seu montante como à categoria dos custos pertinentes aplicável ao teste AEC.

993    A este respeito, a Comissão não pode alegar que a Google, nas suas observações à primeira carta de exposição dos factos, concordou com a tomada em consideração desses dados. A Google indica apenas, no que respeita ao raciocínio da Comissão a propósito dos APR por aparelho, não por carteira, que as percentagens de receitas partilhadas são expressas apenas em termos brutos, sendo essas percentagens reduzidas no montante de [10‑20] %, sem, no entanto, precisar a natureza dessa redução. Em todo o caso, a Comissão, sobre quem recai o ónus da prova dos efeitos de exclusão imputados, não procurou de modo nenhum comparar os referidos dados com os que a Google podia ter transmitido diretamente.

994    Do mesmo modo, contrariamente ao que a Comissão alega na contestação, as declarações de um FEO e os dados contidos em documentos transmitidos por este último não foram apenas explorados no âmbito da análise dos APR por aparelho. Com efeito, esses dados serviram para completar a análise da Comissão no âmbito dos APR por carteira, o que uma simples leitura da segunda carta de exposição dos factos permite ilustrar.

995    Decorre do que precede que, ao comunicar apenas na fase da segunda carta de exposição dos factos os dados que tencionava ter em conta para realizar o teste AEC, deve considerar‑se que a Comissão alterou substancialmente o teor da acusação relativa aos APR por carteira.

996    Com efeito, a comunicação de acusações não pode ser considerada suficientemente fundamentada quanto a esta questão crucial da análise concorrencial dos APR por carteira para que uma audição, que deveria ter sido organizada no início de 2017, pudesse ter sido útil à Google. Só a partir da segunda carta de exposição dos factos, transmitida em abril de 2018, a saber, três meses antes da adoção da decisão recorrida, é que a comunicação de acusações pôde ser suficientemente fundamentada e permitir assim à Google tomar conhecimento dos aspetos principais e determinantes do teste AEC previsto pela Comissão. Assim, neste contexto específico, a Comissão, que não estava sujeita a nenhuma pressão temporal, deveria ter adotado uma comunicação de acusações complementar.

997    Ao transmitir, em vez de uma comunicação de acusações complementar, duas cartas de exposição de factos, e não concordando com o conteúdo de uma audição sobre as observações apresentadas em resposta a estas duas cartas de exposição de factos, a Comissão contornou assim o direito da Google de poder desenvolver os seus argumentos oralmente sobre essas observações e violou os direitos de defesa dessa empresa.

998    Com efeito, tendo em conta a importância a realização de uma audição, no âmbito de um procedimento repressivo destinado a sancionar um abuso de posição dominante, a falta de uma audição dessa natureza constitui uma violação de formalidades essenciais. e isso independentemente da demonstração pela Google de que essa omissão pôde influenciar, em seu detrimento, o desenrolar do procedimento e o conteúdo da decisão controvertida (v., neste sentido, Acórdão de 21 de setembro de 2017, Feralpi/Comissão, C‑85/15 P, EU:C:2017:709, n.os 45 a 47).

999    Além disso, em todo o caso, há que constatar que, tendo em conta a natureza do teste AEC, e a importância dada pela Comissão ao referido teste para apreciar a capacidade dos APR por carteira para produzir um efeito de exclusão de concorrentes igualmente eficazes, a Google poderia, de um modo mais fácil, ter desenvolvido oralmente as suas observações sobre a conceção dessa teste, do qual fornece, em anexo à petição, uma versão alternativa elaborada posteriormente à decisão recorrida por um gabinete de economistas e que conduziria a um resultado diferente.

1000 Esta conclusão não pode ser posta em causa pelo facto de a Comissão ter permitido à Google apresentar, por escrito, as suas observações sobre as primeira e segunda cartas de exposição dos factos. Embora o contraditório tenha sido cumprido por escrito, a Comissão não procurou de modo nenhum permitir à Google desenvolver as suas observações orais, como teria sido exigido em caso de adoção de uma comunicação de acusações complementar.

1001 O interesse de tal discussão oral pode ser ilustrado, por exemplo, pela questão dos custos a considerar para efeitos da elaboração do teste AEC. Com efeito, quanto a esta questão, os custos imputados pela Comissão à Google foram extraídos de documentos transmitidos por um FEO, não confirmados através de um pedido de informação à principal interessada. Em substância, a Comissão afastou‑se das suas Orientações sobre comportamentos de exclusão abusivos, nos termos das quais, «[q]uando estiverem disponíveis dados fiáveis, a Comissão utilizará a informação sobre os custos da empresa em posição dominante».

1002 Uma audição teria assim permitido à Google fornecer à Comissão esclarecimentos suscetíveis de dissipar, numa fase mais precoce, algumas das ambiguidades que rodearam a elaboração do teste AEC e discutir diretamente com ela. Com efeito, a realização de uma audição teria levado a Comissão a debater plenamente com a Google a fim de circunscrever utilmente as questões controvertidas, de facto e de direito. O interesse de uma audição resulta sobretudo no presente processo, na medida em que as objeções formuladas pela Google no presente recurso levem o Tribunal Geral, em razão do seu mérito, a julgar procedente o terceiro fundamento do recurso.

1003 Assim, tendo em conta as dificuldades inerentes à elaboração de um teste AEC, se se tivesse realizado uma audição, a Google poderia ter tido uma possibilidade de assegurar melhor a sua defesa e convencer a Comissão da necessidade de reavaliar diversas questões da sua análise.

1004 De resto, permitir à Google desenvolver oralmente os seus argumentos sobre as alterações substanciais introduzidas pela Comissão nos elementos de prova utilizados para demonstrar a natureza abusiva dos APR por carteira poderia ter permitido Comissão afinar a sua análise.

1005 Por conseguinte, há que julgar procedente a primeira parte do quinto fundamento do recurso e anular, também com base neste fundamento, a decisão recorrida na parte em que qualifica de abusivos os APR por carteira.

G.      Quanto às consequências do exame dos cinco primeiros fundamentos e quanto ao sexto fundamento

1006 A Google observa que a decisão recorrida impõe a coima mais grave alguma vez aplicada na Europa por uma autoridade da concorrência, a saber, 4 342 865 000 euros.

1007 Seja qual for o montante, a finalidade repressiva e dissuasiva das coimas aplicadas pela Comissão para punir uma infração ao artigo 102.o TFUE obriga o Tribunal Geral, enquanto tribunal imparcial e independente, a assegurar a efetividade do direito a um recurso efetivo consagrado no artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais quando se pronuncia sobre um recurso intentado contra uma sanção imposta por uma autoridade administrativa que também exerce funções de inquérito.

1008 No âmbito do presente recurso, a Google conclui pedindo, por um lado, a anulação da decisão recorrida e, por outro, caso essa anulação não seja decretada, a supressão ou a redução da coima ao abrigo da competência de plena jurisdição de que o Tribunal Geral está investido.

1009 No termo do exame dos cinco primeiros fundamentos, há que apreciar as consequências das conclusões anteriormente expostas para a decisão recorrida. Na medida em que essas consequências afetem a coima, há também que clarificar em que medida a apreciação do Tribunal Geral a este respeito, ao abrigo da sua competência de plena jurisdição, terá em conta a argumentação evocada no âmbito do sexto fundamento, relativamente aos diversos elementos tidos em conta para o cálculo da coima.

1.      Articulação dos cinco primeiros fundamentos com o sexto fundamento relativo à coima

1010 No sexto fundamento, dividido em três partes, a Google observa que, embora, contrariamente aos argumentos evocados nos cinco primeiros fundamentos, o Tribunal Geral confirme as apreciações da decisão recorrida relativas à existência de uma violação do artigo 102.o TFUE, três erros requerem, no entanto, a anulação ou a redução substancial da coima. Assim, devido a esses erros, a coima deveria ser suprimida ou, a título subsidiário, o Tribunal Geral deveria exercer a sua competência de plena jurisdição para reduzir substancialmente o seu montante.

1011 Neste contexto, a Google alega, primeiro, que não cometeu a infração deliberadamente nem por negligência, segundo, que a decisão recorrida viola o princípio da proporcionalidade e, terceiro, que contém erros de cálculo importantes da Comissão no que respeita à aplicação das suas orientações. A este respeito, a Google alega que a Comissão fez um cálculo errado do valor das vendas pertinente, aplicou um coeficiente multiplicador de gravidade incorreto, acrescentou um montante adicional injustificado e não teve em conta diversas circunstâncias atenuantes, entre as quais a duração limitada de certos comportamentos.

1012 A Comissão contesta esta argumentação. A decisão recorrida fixou o montante da coima em conformidade com as orientações e este montante corresponde à gravidade e à duração da infração única e continuada.

1013 Resulta do que precede que, embora a argumentação desenvolvida no âmbito do sexto fundamento se baseie na premissa de que o Tribunal Geral valida a análise da Comissão contestada nos cinco primeiros fundamentos, essa argumentação comporta, no entanto, algumas acusações que podem ser examinadas, neste caso, pelo Tribunal Geral quando exerce autonomamente a sua competência de plena jurisdição.

1014 Por esta razão, na medida em que se afigure pertinente e adequado para esse exercício, responder‑se‑á a essas acusações na análise que se segue.

2.      Conclusões relativas à infração na sequência do exame dos cinco primeiros fundamentos

1015 Resulta do exame dos primeiro, segundo e quarto fundamentos, quanto aos aspetos substanciais, e da segunda parte do quinto fundamento do recurso, quanto aos aspetos processuais, que a Comissão demonstrou o caráter abusivo dos primeiros e segundo aspetos da infração única e continuada, qualificados de primeiro a terceiro abusos distintos da decisão recorrida. Em contrapartida, resulta da análise do terceiro fundamento e da primeira parte do quinto fundamento do recurso que, na medida em que considerou que o terceiro aspeto desta infração qualificada de quarto abuso, distinto da decisão recorrida, constituía um abuso de posição dominante na aceção do artigo 102.o TFUE, a Comissão violou os direitos de defesa e feriu a decisão recorrida de diversos erros de apreciação.

1016 Daqui decorre que os artigos 1.o, 3.o e 4.o da decisão recorrida devem ser anulados, apenas na medida em que aí se constata, no artigo 1.o, que a Google cometeu uma infração única e continuada ao artigo 102.o TFUE constituída por quatro abusos distintos, dos quais o quarto consiste em ter condicionado, no âmbito de alguns APR, uma partilha de receitas com FEO e ORM à pré‑instalação exclusiva da Google Search numa carteira pré‑definida de aparelhos e na medida em que esse mesmo quarto abuso é visado nos artigos 3.o e 4.o Daqui também decorre que há que reformar o artigo 2.o da decisão recorrida na medida em que é aí aplicada uma coima repressiva da participação das sociedades Google e Alphabet numa infração única e continuada ao artigo 102.o TFUE que integra o quarto abuso.

1017 Com efeito, no caso em apreço, a Comissão não cumpriu a sua obrigação de analisar a capacidade de exclusão de concorrentes pelo menos igualmente eficazes inerente ao quarto abuso, o relativo aos APR por carteira (terceiro aspeto da infração única e continuada). Por conseguinte, o Tribunal Geral não pode dissipar as suas dúvidas no que respeita à capacidade dos pagamentos em causa para restringir a concorrência e, concretamente, para produzir os efeitos de exclusão imputados.

1018 Não obstante, e independentemente da justeza da sua qualificação tendo em atenção o artigo 102.o TFUE, há que recordar que os APR por carteira — tal como, aliás, os APR por aparelhos — foram acertadamente tomados em consideração na decisão recorrida, enquanto elementos do contexto factual, para apreciar os efeitos de exclusão gerados pelos primeiro e segundo aspetos da infração única e continuada (qualificados de primeiro, segundo e terceiro abusos distintos da decisão recorrida), cujo caráter abusivo foi confirmado no exame dos segundo e quarto fundamentos.

1019 Em especial, há que recordar que, independentemente da qualificação dos APR à luz do direito da concorrência, os efeitos conjugados das práticas implementadas pela Google permitiram‑lhe beneficiar, no que respeitava à Google Search, de uma pré‑instalação exclusiva que cobria, pelo menos até 2016, mais de metade dos aparelhos comercializados no EEE a funcionar com um SO derivado do Android (considerando 822 e nota de pé de página n.o 908 da decisão recorrida).

1020 Além disso, importa igualmente recordar que os ADAM previam que os aparelhos SMG eram obrigados a cumprir as normas técnicas de compatibilidade contidas no DDC, que eram, por outro lado, aplicáveis aos FEO, para todos os seus aparelhos cujo SO era uma versão derivada da Android, nos termos dos AAF, cuja celebração era imposta pela Google aos FEO como um pré‑requisito para a celebração dos ADAM. Esta ligação entre o DDC e os ADAM facilitou a execução da estratégia global pretendida pela Google. Por conseguinte, foi com razão que a Comissão teve em conta o DDC para apreciar os efeitos dos ADAM nos mercados dos serviços de pesquisa geral.

1021 Esses elementos, circunstâncias factuais pertinentes para a apreciação do caráter abusivo dos comportamentos imputados à Google, demonstram assim a existência de um vínculo entre o primeiro aspeto da infração única e continuada e os APR que foram celebrados pela Google ao longo do período infracional, por um lado, e entre os primeiro e segundo aspetos da infração única e continuada, por outro.

1022 A análise do primeiro, segundo e quarto fundamentos do recurso demonstra, além disso, que as primeira e segunda restrições controvertidas se inscreviam numa estratégia de conjunto. Com base nesta constatação, a Comissão tinha razões para considerar que o comportamento das recorrentes, que consistia em fazer acompanhar de condições específicas a utilização do SO Android, por um lado, e de certas aplicações e de certos serviços, por outro, devia ser qualificado de infração única e continuada ao artigo 102.o TFUE (considerando 2 e artigo 1.o da decisão recorrida).

1023 Com efeito, os abusos constatados inscreviam‑se no âmbito de uma estratégia global, que visava antecipar o desenvolvimento da Internet em equipamentos móveis, embora preservando o modelo comercial específico da Google, que assenta nas receitas que retira essencialmente da utilização do seu serviço de pesquisa geral.

1024 Importa recordar, a este respeito, que a Google não contradiz as apreciações que figuram na decisão recorrida segundo as quais o seu modelo comercial assenta na interação entre, por um lado, produtos e serviços ligados à Internet propostos mais frequentemente sem custos aos utilizadores e, por outro, serviços de publicidade em linha, dos quais retira a grande maioria das suas receitas. Assim, os receitas da Google estão essencialmente ligadas à audiência dos seus serviços de pesquisa geral em linha, que lhe permitem vender serviços de publicidade em linha de onde retira a sua remuneração (considerando 153 da decisão recorrida).

1025 Por conseguinte, no âmbito desta estratégia global prosseguida pela Google, a preservação da posição dominante que detinha, durante todo o período da infração, nos mercados nacionais dos serviços de pesquisa geral revestia uma importância determinante, para a qual as primeira e segunda restrições controvertidas contribuíram. Com efeito, como resulta da análise do quarto fundamento, a exclusão de SO concorrentes suscetíveis de permitir a serviços de pesquisa geral concorrentes da Google Search serem pré‑instalados, ou mesmo beneficiar de uma exclusividade de instalação, também contribuía para esse mesmo objetivo.

1026 Finalmente, há que ter em conta que os efeitos gerados pela execução dessa estratégia de conjunto se inseriram numa situação factual em que a Google Search beneficiava de facto, graças aos APR celebrados pela Google, e isso independentemente da sua qualificação à luz do direito da concorrência, de uma pré‑instalação exclusiva que abrangia, pelo menos até 2016, mais de metade dos aparelhos comercializados nos EEE que funcionavam com um SO derivado do Android (considerando 822 e nota de pé de página n.o 908 da decisão recorrida).

1027 Mais amplamente, deve também ser feita referência, a título de elemento factual a ter em conta na apreciação de todas as circunstâncias pertinentes, ao facto de, durante todo o período da infração, a Google dispor de um acordo com a Apple que lhe permitia ter o seu motor de pesquisa regulado por defeito em todos os iPhones deste FEO (v. considerandos 118 e 119 da decisão recorrida). Por conseguinte, a presença do ecossistema Apple, que coexistia com o ecossistema Android, no mercado global dos aparelhos móveis inteligentes não era uma ameaça concorrencial significativa para a Google no que respeita às receitas geradas pela publicidade relativa aos serviços de pesquisa geral (v., por exemplo, considerando 515 da decisão recorrida).

1028 Por outro lado, as práticas abusivas da Google tiveram nomeadamente por efeito privar os concorrentes da possibilidade de oferecerem sem entraves aos utilizadores que o desejassem soluções alternativas ao serviço de pesquisa geral Google Search (considerandos 862 e 1213 da decisão recorrida). Assim, de uma maneira geral, estas práticas lesaram o interesse dos consumidores em dispor de mais de uma fonte para obter informações na Internet. Mais concretamente, essas práticas também restringiram o desenvolvimento de serviços de pesquisa dirigidos aos segmentos dos consumidores que atribuem um interesse específico, nomeadamente, à proteção da vida privada ou às especificidades linguísticas no EEE. Tais interesses eram não só conformes com a concorrência pelo mérito, na medida em que incentivam a inovação em benefício dos consumidores, mas também necessários para garantir a pluralidade numa sociedade democrática.

1029 Resulta do que precede que, embora os artigos 1.o, 3.o e 4.o da decisão recorrida devam ser parcialmente anulados e o artigo 2.o da decisão recorrida reformado, na medida em que a Comissão não demonstrou o caráter abusivo dos APR por carteira, a constatação de uma infração única e continuada, que se inscreveu numa estratégia global, para a qual contribuíram as primeira e segunda restrições controvertidas, não está, em contrapartida, ferida de ilegalidade. Consequentemente, cabe ao próprio Tribunal Geral determinar, tendo em conta o que precede e todas as circunstâncias pertinentes do caso em apreço, o montante adequado da coima exercendo a sua competência de plena jurisdição, como a Google lhe pede no âmbito do seu pedido subsidiário de reforma.

1030 As consequências a retirar de uma anulação parcial da decisão recorrida no que respeita à determinação do montante da coima foram especificamente evocadas e amplamente debatidas com as partes na audiência.

1031 O Tribunal Geral considera oportuno começar por recordar que, uma vez que, no exercício da sua competência de plena jurisdição, procede a uma apreciação autónoma dos critérios pertinentes para a determinação do montante da coima, não há que tirar consequências automáticas dessa anulação parcial no que respeita à determinação de infração única e dos seus componentes sobre o montante da coima. Em contrapartida, o Tribunal Geral terá em conta todos os elementos de facto provados e apreciações legalmente feitas na decisão recorrida que sejam suscetíveis de ter um impacto no caráter adequado do montante da coima.

3.      Quanto à reforma da coima

1032 Tendo em conta o que precede e em conformidade com o pedido apresentado neste sentido, há que se pronunciar sobre o montante da coima, em aplicação da competência de plena jurisdição reconhecida ao Tribunal Geral pelo artigo 261.o TFUE e pelo artigo 31.o do Regulamento n.o 1/2003.

1033 A competência de plena jurisdição habilita o Tribunal Geral, além da simples fiscalização da legalidade da sanção, que apenas permite negar provimento ao recurso de anulação ou anular o ato impugnado, a substituir a apreciação da Comissão pela sua própria apreciação e, deste modo, a alterar o ato impugnado, mesmo sem o anular, tendo em conta todas as circunstâncias de facto, a fim de alterar, por exemplo, o montante da coima, tanto para reduzir esse montante como para o agravar (v., neste sentido, Acórdãos de 8 de fevereiro de 2007, Groupe Danone/Comissão, C‑3/06 P, EU:C:2007:88, n.os 61 e 62, e de 3 de setembro de 2009, Prym e Prym Consumer/Comissão, C‑534/07 P, EU:C:2009:505, n.o 86). Nestas condições, o Tribunal Geral pode, sendo caso disso, fazer apreciações diferentes das feitas pela Comissão na decisão recorrida no que respeita à sanção aplicada à Google.

1034 Este exercício não exige que o Tribunal Geral aplique as orientações da Comissão para o cálculo das coimas (v., neste sentido, Acórdão de 14 de setembro de 2016, Trafilerie Meridionali/Comissão, C‑519/15 P, EU:C:2016:682, n.os 52 a 55), mesmo que essas regras indicativas possam eventualmente orientá‑lo (v., neste sentido, Acórdão de 21 de janeiro de 2016, Galp Energía España e o./Comissão, C‑603/13 P, EU:C:2016:38, n.o 90 e jurisprudência referida).

1035 No âmbito do seu dever de fundamentação, incumbe igualmente ao Tribunal Geral expor detalhadamente os fatores que teve em conta ao determinar o montante da coima (v., neste sentido, Acórdão de 14 de setembro de 2016, Trafilerie Meridionali/Comissão, C‑519/15 P, EU:C:2016:682, n.o 52).

1036 No caso em apreço, para determinar o montante da coima destinada a sancionar a participação da Google na infração única e continuada, conforme resulta da anulação parcial do artigo 1.o da decisão recorrida no termo do exame dos cinco primeiros fundamentos do recurso, o Tribunal Geral deve ter em conta as seguintes circunstâncias.

a)      Infração cometida deliberadamente ou por negligência

1037 Importa determinar se a infração foi cometida deliberadamente ou por negligência. Esta distinção, prevista no artigo 23.o, n.o 2 do Regulamento n.o 1/2003, é de facto suscetível de ter um impacto no montante da coima.

1038 As partes pronunciam‑se sobre esta questão no âmbito da primeira parte do sexto fundamento.

1039 A este respeito, a Google alega que a coima não tem em conta a inexistência de intenção ou de negligência da sua parte. Com efeito, a decisão recorrida não apresenta nenhuma prova relativa à intenção, uma vez que as práticas impugnadas ocorreram antes de a Google ter pretensamente adquirido uma posição dominante. Do mesmo modo, a Google não poderia, no estado designadamente da prática anterior e concomitante com a decisão recorrida, ter estado «consciente» da natureza anticoncorrencial do seu modelo comercial aberto, gratuito e intrinsecamente pró‑concorrencial. Segundo a Google, nada permite saber quando a Comissão alterou a sua apreciação.

1040 Por seu turno, a Comissão alega não ter de demonstrar uma intenção de exclusão para concluir que a infração foi cometida deliberadamente. Bastava que a Google não tenha podido «ignorar a natureza anticoncorrencial do seu comportamento». No caso em apreço, a infração era efetivamente «destinada a reforçar» a posição dominante da Google nos mercados dos serviços de pesquisa geral (considerandos 858 a 860, 972 a 977 e 1140 da decisão recorrida). Além disso, a infração foi cometida, pelo menos, por negligência, uma vez que a Google conhecia os «factos essenciais» que justificavam as conclusões da decisão recorrida relativas à posição dominante e aos abusos.

1041 Importa recordar que, segundo o artigo 23.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 1/2003, a Comissão pode, mediante decisão, aplicar uma coima a uma empresa sempre que, deliberadamente ou por negligência, cometa uma infração às disposições do artigo 102.o TFUE.

1042 No que respeita à condição relativa à comissão de uma infração deliberadamente ou por negligência, resulta da jurisprudência que a primeira hipótese está preenchida quando a empresa em causa subscreve uma prática e a aplica com pleno conhecimento dos seus efeitos anticoncorrenciais no mercado, sem que seja necessário que se demonstre que tenha ou não tido consciência de, ao fazê‑lo, violar as regras da concorrência (v., neste sentido, Acórdão de 8 de novembro de 1983, IAZ International Belgium e o./Comissão, 96/82 a 102/82, 104/82, 105/82, 108/82 e 110/82, EU:C:1983:310, n.o 45).

1043 Ora, em primeiro lugar, não há dúvida de que, como a Comissão corretamente sublinhou, a Google aplicou as práticas em causa deliberadamente, a saber, com pleno conhecimento dos efeitos que essas práticas produziriam nos mercados relevantes.

1044 Com efeito, a Google não podia razoavelmente ignorar deter uma posição dominante ou um forte poder nos mercados das plataformas de distribuição de aplicações Android e de serviços de pesquisa geral. De resto, no âmbito do presente recurso, a Google não contesta ter ocupado uma posição dominante, nos mercados dos serviços de pesquisa geral, durante o período da infração.

1045 Além da sua posição nos mercados relevantes, a Google prosseguia intencionalmente uma estratégia da «cenoura e do bastão», segundo os próprios termos utilizados numa apresentação interna da Google e retomada pela Comissão na decisão recorrida (considerando 1343). A finalidade anunciada era, graças aos ADAM, aos AAF e aos APR, independentemente da insuficiente demonstração, na decisão recorrida, do caráter abusivo dos APR por carteira, de prevenir a utilização de versões alternativas não aprovadas do Android e de promover apenas a utilização dos serviços da Google, com o objetivo claro de proteger e de reforçar a posição da Google nos mercados dos serviços de pesquisa geral (considerandos 1343, 1350 e 1351). Os efeitos que tinham justificado a intervenção da Comissão e a adoção da decisão recorrida eram tanto mais procurados quanto resultam de estipulações contratuais contidas nos acordos em causa concebidos e elaborados pela Google. As declarações dos representantes da Google retomadas na decisão recorrida corroboram esta leitura, um deles indicando claramente que o objetivo era prevenir as versões da Android que integrassem serviços de pesquisa concorrentes da Google (considerando 1344 e 1347 da decisão recorrida).

1046 Mais especificamente, a intenção da Google de impedir qualquer desenvolvimento do código‑fonte do Android privando os programadores de ramos Android alternativos de oportunidades comerciais é incontestável, como resulta do exame do quarto fundamento do presente recurso. A vontade de entravar o desenvolvimento de ramos Android alternativos está incluída nos diferentes objetivos prosseguidos pelos AAF, apesar de a Google alegar que era obrigada a fazê‑lo para assegurar a sobrevivência do Android. Por outro lado, resulta de mensagens de correio eletrónico internas citadas na decisão recorrida que esta estratégia destinada a entravar o desenvolvimento de ramos Android alternativos foi implementada deliberadamente desde o início, para impedir os parceiros e os concorrentes da Google de desenvolverem versões do Android autónomas (considerandos 159 e 160 da decisão recorrida).

1047 Em segundo lugar, a Google não pode afirmar ter ignorado os efeitos anticoncorrenciais dos acordos em causa pelo simples facto de estes terem sido executados antes de adquirir uma posição dominante. Com efeito, primeiro, independentemente da sua posição nos mercados relevantes, há que salientar que a Google procurou intencionalmente os efeitos dos acordos em causa. Segundo, também não podia ignorar a sua natureza anticoncorrencial quando o seu poder de mercado cresceu substancialmente. Por conseguinte, é efetivamente a partir do momento em que se tornou dominante que a Google podia ser sancionada por ter cometido intencionalmente uma infração ao artigo 102.o TFUE, como a Comissão fez na decisão recorrida.

1048 Do mesmo modo, a mera constatação de que a Google pretendia, em seu entender, prosseguir outros objetivos pretensamente pró‑concorrenciais, relativos ao desenvolvimento e à proteção da plataforma Android, não pode pôr em causa o facto de que prosseguiu igualmente, com os acordos em questão, uma estratégia da «cenoura e do bastão», para preservar e reforçar a sua posição, nomeadamente nos mercados dos serviços de pesquisa geral, e limitar a presença dos seus concorrentes nesses mercados, ou mesmo prevenir o desenvolvimento de qualquer concorrência.

1049 Por conseguinte, a Google não pode alegar ter aplicado as práticas em causa de outra maneira que não deliberadamente nem sem ter procurado os efeitos que estas últimas podiam ter e que justificaram a adoção da decisão recorrida pela Comissão.

1050 Esta constatação não pode ser posta em causa pelos argumentos da Google relativos à incerteza quanto à qualificação das práticas em causa de abusivas tendo em atenção práticas jurisprudencial e decisória anteriores à decisão recorrida. Conduzir esta análise equivaleria, com efeito, em verificar se a Google podia ter consciência de que o seu comportamento implicava uma violação do artigo 102.o TFUE, o que, como resulta claramente da jurisprudência do Tribunal de Justiça, é indiferente. Na hipótese de uma infração cometida intencionalmente apenas importa a prova da aplicação de uma prática com total conhecimento dos efeitos anticoncorrenciais dela resultantes para o mercado.

1051 Por conseguinte, como aliás a Comissão considerou com razão, a Google cometeu a infração deliberadamente. O Tribunal Geral terá em conta esta circunstância no âmbito da determinação do montante da coima.

b)      Tomada em consideração da gravidade e a duração da infração

1052 No exercício da sua competência de plena jurisdição, cabe ao Tribunal Geral determinar o montante da coima tendo em conta todas as circunstâncias do caso concreto. Este exercício pressupõe, em aplicação do artigo 23.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1/2003, que seja tida em consideração a gravidade e a duração da infração cometida, respeitando os princípios, designadamente, da proporcionalidade e da individualização das sanções (Acórdão de 21 de janeiro de 2016, Galp Energía España e o./Comissão, C‑603/13 P, EU:C:2016:38, n.o 90 e jurisprudência referida).

1)      Tomada em conta do valor das vendas enquanto dado inicial

1053 A título preliminar, no que respeita ao valor das vendas realizadas pela Google relacionadas com a infração, que permite à Comissão determinar o montante de base da coima em aplicação das suas orientações, o Tribunal Geral salienta que, embora seja jurisprudência constante que a fixação de uma coima não é um exercício aritmético preciso (Acórdãos de 5 de outubro de 2011, Romana Tabacchi/Comissão, T‑11/06, EU:T:2011:560, n.o 266, e de 15 de julho de 2015, SLM e Ori Martin/Comissão, T‑389/10 e T‑419/10, EU:T:2015:513, n.o 436), a utilização desse valor é suscetível, neste caso, de constitui um ponto de partida adequado para determinar o montante da coima.

1054 Afigura‑se efetivamente oportuno para definir o montante da coima utilizar uma metodologia que, como a seguida pela Comissão, identifique, num primeiro momento, o montante de base suscetível, num segundo momento, de ser ajustado tendo em consideração as circunstâncias próprias do processo. A este propósito, o valor das vendas relacionadas com a infração reflete no caso em apreço o impacto económico da infração e a importância da empresa que participou nela.

1055 É neste contexto que o Tribunal Geral examinará os argumentos apresentados contra o montante tomado em consideração pela Comissão no âmbito da terceira parte do sexto fundamento.

1056 Primeiro, a Google acusa a Comissão de ter tomado em conta o valor das vendas realizado em 2017, último ano completo de participação na infração, quando deveria antes ter considerado o valor médio das vendas realizadas durante todo o período da infração. Tal tomada em conta era justificada, segundo a Google, pelo crescimento exponencial das suas receitas entre 2011 e 2017 devido à passagem dos telefones digitais para os smartphones e ao crescimento correlativo da Internet nos aparelhos móveis.

1057 A Comissão sublinha, pelo contrário, que incumbia à Google demonstrar que as vendas realizadas durante o ano de 2017 não refletiam a realidade económica da infração nem a sua dimensão e poder de mercado. A simples constatação do crescimento das suas receitas entre 2011 e 2017 não bastava para este efeito.

1058 Importa recordar que a tomada em conta do valor das vendas no cálculo do montante de base da coima visa refletir a realidade e a dimensão económica da infração punida. O último ano de participação na infração como período de referência para o cálculo do valor das vendas nem sempre deve ser considerado, especialmente quando as vendas realizadas pela empresa durante o último ano de participação na infração não permitem refletir a amplitude económica da infração (v., neste sentido, Acórdão de 11 de julho de 2014, Esso e o./Comissão, T‑540/08, EU:T:2014:630, n.o 95).

1059 No entanto, a simples constatação do crescimento significativo das receitas da Google entre 2011 e 2017 não basta para demonstrar que as receitas que gerou em 2017 não refletem a realidade económica e a amplitude da infração, a dimensão e o poder de mercado da Google. Pelo contrário, a natureza unilateral das práticas sancionadas pela Comissão, que permitiram à Google entre 2011 e 2017 reforçar a sua posição dominante e o seu poder de mercado e travar a expansão dos seus concorrentes, ou mesmo excluí‑los do mercado ou criar obstáculos a concorrentes potenciais, justifica a tomada em conta das receitas geradas em 2017, ano durante o qual a Google pôde recolher economicamente todos os frutos das práticas que aplicou desde 2011.

1060 Por conseguinte, o Tribunal Geral considera adequado, no âmbito do exercício da sua competência de plena jurisdição, ter em conta o valor das vendas realizadas pela Google no último ano da sua participação completa na infração.

1061 Segundo, a Google acusa a Comissão de ter contabilizado no valor das vendas pertinente receitas sem nenhuma ligação com a infração. É o caso das receitas geradas pela Google nos cliques efetuados pelos utilizadores nas ligações publicitárias, na sequência de pedidos de pesquisa geral efetuados não através das aplicações Google pré‑instaladas, mas por intermédio da sua página inicial. Essas receitas não eram, segundo a Google, abrangidas pelos APR por carteira e a Google podia isolar essas receitas das obtidas através de pedidos efetuados por intermédio das suas aplicações.

1062 A Comissão sublinha, pelo contrário, a importância de ter em conta tais receitas, na medida em que estão relacionados com a infração.

1063 A este respeito, há que ter em atenção que o valor das vendas considerado no cálculo do montante de base da coima deve apresentar um nexo direto ou, pelo menos, indireto com a infração punida, na falta do que a realidade e a amplitude económica desta infração serão, na fase da determinação da sua sanção, desvirtuadas.

1064 Ora, no presente caso, as receitas obtidas pela Google por ocasião dos cliques efetuados pelos utilizadores nos links publicitários na sequência de pedidos de pesquisa feitos não através das aplicações Google pré‑instaladas mas através da página inicial da Google, apresentam uma ligação, pelo menos indireta, com a infração. Com efeito, como resulta acertadamente da decisão recorrida, as práticas punidas pela Comissão permitiram à Google manter e reforçar a sua posição dominante e o seu poder de mercado em todos os mercados nacionais de serviços de pesquisa geral, e que essas pesquisas fossem efetuadas através de uma aplicação pré‑instalada ou através da página inicial da Google (considerando 1439 da decisão recorrida).

1065 Ao tornar a utilização e o acesso aos serviços de pesquisa concorrentes mais difíceis e ao captar os utilizadores desses serviços, as práticas implementadas pela Google permitiram‑lhe indiretamente beneficiar de receitas substanciais também através da sua página inicial. O facto de os APR por carteira não terem em conta essas receitas é, a este respeito, indiferente.

1066 Por conseguinte, o Tribunal Geral julga adequado não excluir do valor das vendas considerado no cálculo do montante de base da coima as receitas geradas a partir dos pedidos de pesquisa geral efetuados na página inicial da Google.

1067 Terceiro, a Google acusa a Comissão de ter tido em conta, no âmbito do valor das vendas, receitas geradas não pela Google mas por terceiros. Foi o que em sua opinião aconteceu com os custos de aquisição de tráfego, a saber, pagamentos efetuados pela Google para fazer figurar as suas ligações publicitárias em sítios Internet terceiros.

1068 Pelo contrário, a Comissão sustenta que os custos de aquisição de tráfego são parte integrante das receitas da Google resultantes de publicidades contextuais que representavam uma componente do preço faturado aos anunciantes pelos serviços da Google.

1069 A este respeito, há que recordar que o artigo 23.o, n.o 2, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 1/2003 visa, na sua redação, o volume de negócios total da empresa em causa, sem nenhuma dedução (Acórdão de 12 de dezembro de 2012, Almamet/Comissão, T‑410/09, não publicado, EU:T:2012:676, n.o 225).

1070 Ora, no caso em apreço, como acertadamente salienta a Comissão na decisão recorrida, embora os custos de aquisição de tráfego sejam efetivamente custos suportados pela Google, na medida em que constituem despesas voluntárias para fazer figurar as suas ligações em sítios Internet terceiros, os referidos custos são, em substância, faturados aos anunciantes, pelo que constituem uma componente das receitas da Google (considerando 1442 da decisão recorrida).

1071 Por conseguinte, contrariamente ao que a Google afirma, os custos de aquisição de tráfego não podem ser subtraídos do valor das vendas. Com efeito, esses custos não têm impacto no montante bruto das receitas obtidas pela Google e refletem adequadamente a realidade e a amplitude económica da infração punida.

1072 Consequentemente, o Tribunal Geral decide tomar em consideração, para a determinação do montante da coima, o mesmo valor das vendas que o considerado pela Comissão na decisão recorrida.

2)      Tomada em consideração da gravidade

1073 Quanto à apreciação da gravidade da infração, foi designadamente declarado que esta devia ser objeto de uma apreciação individual e que havia que ter em conta todos os elementos suscetíveis de entrar nessa apreciação, como, por exemplo, o número e a intensidade dos comportamentos anticoncorrenciais (v., neste sentido, Acórdão de 26 de setembro de 2018, Infineon Technologies/Comissão, C‑99/17 P, EU:C:2018:773, n.os 196 e 197 e jurisprudência referida).

1074 No caso em apreço, no exercício da sua competência de plena jurisdição, o Tribunal Geral considera, antes de mais, adequado tomar em consideração os elementos seguintes, que são igualmente evocados pela Comissão nas suas orientações, a saber, a natureza da infração, a situação da Google nos mercados relevantes, o âmbito geográfico dessa infração e a execução ou não da infração.

1075 Quanto à natureza da infração, resulta da análise que precede que a Comissão caracterizou de modo juridicamente bastante diversas práticas de exclusão abusivas por parte da Google, que entravavam o jogo da concorrência ao afastar os seus concorrentes em detrimento dos consumidores. Essas práticas estão ligadas às condições de pré‑instalação dos ADAM e aos efeitos de exclusão provocados pelos AAF e analisam‑se tendo em conta o contexto factual pertinente durante o período da infração.

1076 Quanto à situação da Google nos mercados relevantes e ao âmbito geográfico da infração, é pacífico que, durante todo o período da infração, a Google deteve uma posição dominante nos mercados nacionais dos serviços de pesquisa geral no EEE. Esses mercados eram os que constituíam o objeto da estratégia global da Google, que pretendia conservar o poder de mercado que detinha nos pedidos de serviços de pesquisa geral efetuados a partir de um PC e nos pedidos de serviços de pesquisa geral efetuados a partir de um aparelho móvel inteligente. Tal constatação não é posta em causa se se tiverem em conta não apenas os pedidos de serviços de pesquisa geral efetuados a partir de um aparelho Android, mas também os pedidos de serviços de pesquisa geral efetuados a partir de um iPhone.

1077 Quanto à execução ou não da infração, o Tribunal Geral considera especialmente necessário, a este respeito, para cumprir os princípios da proporcionalidade e da individualização das sanções, apreciar o número e a intensidade dos comportamentos anticoncorrenciais da Google.

1078 Tal exercício é facilitado pelo exame atento dos efeitos concretos que foi feito pela Comissão no presente processo a fim de avaliar o impacto sobre a concorrência pelos méritos da estratégia global da Google e dos diferentes meios utilizados para a pôr em prática.

1079 A este respeito, o Tribunal Geral observa que, embora, na decisão recorrida, a Comissão se tenha limitado inicialmente a considerar que «os mercados relevantes para a infração [eram] de uma importância económica significativa», o que significava que «qualquer comportamento anticoncorrencial nesses mercados [era] suscetível de ter um impacto considerável» (considerando 1449), teve, todavia, o cuidado de indicar em seguida que tal apreciação assentava nas conclusões que retirava da análise dos efeitos restritivos da concorrência efetuada na decisão recorrida no que se referia a cada comportamento em causa (considerando 1455).

1080 A apreciação feita pelo Tribunal Geral a este respeito decorre da análise exposta supra no âmbito dos fundamentos correspondentes no que respeita às primeira e segunda restrições controvertidas. Essa análise tem em conta não só efeitos de exclusão constatados pela Comissão na decisão recorrida mas também diversos argumentos evocados pelas partes no que se refere ao interesse do desenvolvimento e à manutenção do SO Android e do seu «ecossistema», que deve ser considerado demonstrado, como resulta nomeadamente dos números 889 e 890 supra.

1081 A este respeito, na sequência da tomada em consideração de todos estes elementos, o Tribunal Geral entende oportuno indicar que considera que a aplicação de um coeficiente de gravidade fixo de 11 % do valor das vendas determinado pela Comissão (considerando 1447 da decisão recorrida) não traduz suficientemente a realidade da execução da infração e, especialmente, a sua intensidade ao longo do período em causa, no que diz respeito nomeadamente, como será examinado em seguida, a comportamentos anticoncorrenciais da Google ao longo dos anos de 2012 a 2014.

3)      Tomada em consideração da duração

1082 Quanto à apreciação da duração da infração, importa ter em conta as seguintes circunstâncias, que, de resto, não são contestadas pela Google no âmbito do presente recurso.

1083 Por um lado, a Google LLC participou sem interrupção entre 1 de janeiro de 2011 e 18 de julho de 2018, data da adoção da decisão recorrida, nos dois aspetos seguintes da infração única e continuada: o relativo ao pacote da aplicação Google Search com a Play Store e o relativo à sujeição da concessão de uma licença para a Play Store e para a aplicação Google Search à condição de celebrar um AAF.

1084 Por outro lado, a Google LLC participou ininterruptamente entre 1 de agosto de 2012 e 18 de julho de 2018, data da adoção da decisão recorrida, noutro aspeto da infração única e continuada, a saber, o pacote da Google Chrome com a Play Store e a aplicação Google Search.

1085 Todavia, diversamente da Comissão, que utilizou um coeficiente multiplicador único e global para ter em conta a duração da participação da Google na infração (considerando 1461 da decisão recorrida), sendo o valor das vendas tomado em consideração multiplicado por esse coeficiente de duração, o Tribunal Geral considera que, no presente processo, é mais adequado ter igualmente em conta outros parâmetros para melhor representar certas especificidades próprias da evolução da infração no tempo tendo em consideração, nomeadamente, a sua intensidade variável.

4)      Apreciação combinada tendo em consideração a intensidade

1086 Na sua apreciação do montante da coima em função da gravidade e da duração da infração, o Tribunal Geral considera preferível utilizar uma técnica diferente, aritmética e linear, definida pela Comissão em aplicação da metodologia geral que se fixou nas orientações. Esta opção é a mais adequada para assegurar, em conformidade com os princípios da proporcionalidade e da individualização das sanções, que serão tidas devidamente em conta as especificidades do presente processo, sem que isso afete a necessidade de alcançar um nível dissuasivo satisfatório.

1087 Por um lado, é adequado, no caso em apreço, tomar em consideração a complementaridade dos primeiros abusos. Como resulta da análise efetuada a este respeito, afigura‑se que as práticas abusivas da Google no âmbito da sua estratégia global foram reforçadas a partir do momento em que tanto a aplicação Google Search como o programa de navegação Chrome foram objeto das condições de pré‑instalação do ADAM. Ao fazê‑lo, a Google assegurava uma vantagem concorrencial significativa nos dois principais pontos de entrada para efetuar uma pesquisa na Internet, vantagem concorrencial que era muito difícil de compensar para os concorrentes da Google.

1088 Por outro lado, também se afigura necessário para o Tribunal Geral ter especialmente em conta a intensidade dos comportamentos anticoncorrenciais ao longo do tempo, bem como os outros elementos factuais que envolvem estes comportamentos evocados na decisão recorrida, como os APR. A este respeito, podem distinguir‑se diversos períodos:

—        um primeiro período exploratório entre 1 de janeiro de 2011 e 1 de agosto de 2012, marcado pelo desenvolvimento da estratégia global pretendida pela Google para assegurar a transição para a Internet nos aparelhos móveis;

—        um segundo período compreendido entre 1 de agosto de 2012 e o fim dos APR por carteira, em 31 de março de 2014, durante o qual a intensidade da infração foi a máxima porque os seus efeitos combinavam os aspetos restritivos dos ADAM (para os dois pacotes) e dos AAF, num contexto em que a exclusividade conferida pelos APR por carteira reduzia na mesma medida as possibilidades teóricas de uma pré‑instalação conjunta em aparelhos SMG;

—        um terceiro período compreendido entre 31 de março de 2014 e a data da adoção da decisão recorrida, na qual se pode considerar que os concorrentes beneficiavam de uma maior margem de liberdade com os APR por aparelhos do que tinham na vigência dos APR por carteira, mas onde, paralelamente, há também que ter em conta o desenvolvimento das IPA que agravavam os efeitos de exclusão dos AAF.

1089 Esta segmentação leva o Tribunal Geral a ter em conta, na determinação do montante da coima, as seguintes circunstâncias.

1090 Antes de mais, é verdade, como alega a Google no âmbito da segunda parte do sexto fundamento, que se deve ter em conta o facto de espontaneamente ter posto termo aos APR por carteira, a partir de 31 de março de 2014, para os substituir por APR por aparelhos e que isso teve necessariamente por efeito diminuir o bloqueio conferido pela pré‑instalação exclusiva da aplicação Google Search e do Chrome em certos aparelhos SMG comercializados no EEE.

1091 Ora, a utilização de dois coeficientes multiplicadores fixos e globais — um para a gravidade e outro para a duração — não permite ter em conta esta circunstância, tal como, aliás, não permite ter em conta o facto de as condições de pré‑instalação do ADAM terem previsto o Chrome apenas a partir de 1 de agosto de 2012.

1092 Em seguida, deve também salientar‑se que os efeitos das práticas em causa no âmbito do segundo período foram particularmente significativos, o que importa ter também especialmente em conta, uma vez que esses efeitos ocorreram num momento crítico tanto para a Google como para os seus concorrentes, o do desenvolvimento da Internet nos aparelhos móveis.

1093 Nessa época, crucial para o desenvolvimento dos serviços de pesquisa em linha efetuados a partir de um aparelho móvel inteligente, as práticas abusivas da Google foram prejudiciais para os seus concorrentes, para os quais era particularmente importante estar presentes, nem que fosse em pequenas quantidades de aparelhos. Este ponto de vista foi exposto na audiência de maneira convincente pelos diferentes concorrentes da Google que intervêm no processo.

1094 Consequentemente, no âmbito da determinação do montante da coima, o Tribunal Geral terá em conta tanto a duração respetiva das diferentes vertentes da infração única e continuada como as diferenças existentes entre os diversos períodos, como foi constatado supra, para apreciar a intensidade variável dos efeitos dessa infração.

c)      Circunstâncias atenuantes ou agravantes

1095 O Tribunal Geral considera que o contexto factual do presente processo não justifica que se reconheça à Google o benefício de circunstâncias atenuantes ou, pelo contrário, que sejam tidas em conta circunstâncias agravantes.

1096 Quanto aos argumentos invocados a este respeito no âmbito da terceira parte do sexto fundamento, há que salientar, antes de mais, que a Google não pode invocar o benefício de uma redução da coima na medida em que terá em seu entender cometido a infração por negligência. Como a Comissão acertadamente concluiu na decisão recorrida, e como resulta dos pontos que precedem, a Google cometeu a infração deliberadamente ao ter de maneira intencional procurado os efeitos que os acordos em causa podiam ter.

1097 Do mesmo modo, a Google não pode exigir uma redução do montante da coima em contrapartida da sua pretensa cooperação ativa durante o procedimento administrativo. É verdade que a Google propôs espontaneamente compromissos para responder às preocupações da Comissão em matéria de concorrência. Todavia, tal proposta não pode, por si só, ir além das obrigações jurídicas que impendem sobre a Google de cooperar durante o procedimento administrativo e não pode, apenas por esse motivo, justificar uma redução da coima a título da sua cooperação ativa.

1098 Por outro lado, o Tribunal Geral não considera que seja necessário considerar outras circunstâncias factuais suscetíveis de influenciar o agravamento ou a redução do montante da coima.

d)      Montante da coima e solidariedade da Alphabet

1099 Com base nas considerações que precedem, nomeadamente a execução deliberada, durante um período significativo, de uma estratégia global cuja existência não é posta em causa pelos erros cometidos pela Comissão que afetam o terceiro tipo de comportamento analisado na decisão recorrida e que teve efeitos de intensidade variável durante o período de infração, o Tribunal Geral considera é feita uma justa apreciação da gravidade da infração e da sua duração avaliadas, tendo nomeadamente em conta o princípio da individualização da sanção, ao fixar o montante da coima aplicada à Google LLC em 4 125 000 000 euros em vez de 4 342 865 000 euros.

1100 Por outro lado, a Alphabet Inc. deve ser considerada solidariamente responsável, enquanto sociedade‑mãe, pelo comportamento infracional da Google LLC de 2 de outubro de 2015 a 18 de julho de 2018 pelas razões expostas na decisão recorrida e não contestadas no presente recurso (considerandos 1388 e 1389 da decisão recorrida). No caso em apreço, e dado que a Alphabet Inc. controlou a Google LLC durante 1 013 dias dos 2 748 dias da infração única e continuada, a Alphabet Inc. é condenada conjunta e solidariamente no pagamento de 1 520 605 895 euros.

e)      Caráter adequado da sanção

1101 O Tribunal Geral considera que uma coima no montante de 4 125 000 000 euros é adequada tendo em conta a importância da infração. Quanto aos argumentos invocados a este respeito pela Google no âmbito da segunda parte do sexto fundamento, importa começar por salientar que, contrariamente ao que a Google afirma, a Comissão não estava obrigada, no âmbito do seu poder sancionatório, a fazer prova de moderação para ter em conta a pretensa novidade das práticas em causa. O mesmo é valido para o Tribunal Geral no uso da sua competência de plena jurisdição.

1102 É certo que a Comissão conduz pela primeira vez uma análise concorrencial da plataforma Android. Todavia, as apreciações relativas aos mercados, à posição dominante ocupada pela Google nestes últimos e os abusos identificados pela Comissão na decisão recorrida assentam em análises juridicamente bem fundamentadas em direito da concorrência. Na decisão recorrida, a Comissão sublinha com razão que aplica sanções a diversos acordos, cuja análise revela situações clássicas de vendas ligadas ou de exclusividade entre operadores (considerando 1432 da decisão recorrida).

1103 Assim, contrariamente ao que alega a Google, o presente processo não pode ser equiparado ao que deu origem ao Acórdão de 3 de julho de 1991, AKZO/Comissão (C‑62/86, EU:C:1991:286), no qual o Tribunal de Justiça teve em conta a sanção inédita de preço predatórios para reduzir o montante da coima, sem que este aspeto seja, de resto, o único considerado para esse efeito.

1104 Impõe‑se uma leitura idêntica tendo em atenção a Decisão 93/82/CEE da Comissão, de 23 de dezembro de 1992, relativa a um procedimento de aplicação do artigo 101.o [TFUE] (IV/32.448 e IV/32.450 — Cewal, Cowac, Ukwal) e do artigo 102.o [TFUE] (IV/32.448 e IV/32.450 — Cewal) (JO 1993, L 34, p. 20), e na qual a Google se baseia. É certo que, no considerando 116 dessa decisão, a Comissão teve em conta o facto de a circunstância de as empresas em causa poderem não ter conhecimento das suas obrigações decorrentes do direito da concorrência ou poderem ter subestimado a gravidade da infração sancionada poderia ter tido consequências sobre a determinação do montante da coima.

1105 Todavia, por um lado, no caso em apreço, há que salientar que uma empresa da dimensão da Google e que detém um poder de mercado substancial nos mercados referidos na decisão recorrida não pode ignorar as suas obrigações decorrentes do direito da concorrência. Por outro lado, resulta claramente dos documentos internos e das declarações da Google em que a Comissão se baseia que a Google tinha plena consciência dos efeitos das práticas postas em causa na decisão recorrida (considerandos 1343 a 1347).

1106 No caso em apreço, o Tribunal Geral também considera que os vários comportamentos em causa já eram objeto de uma prática decisória anterior por parte da Comissão, que também já tinha sido fiscalizada pelo juiz da União, quer no Acórdão de 17 de setembro de 2007, Microsoft/Comissão (T‑201/04, EU:T:2007:289), ou no Acórdão de 6 de setembro de 2017, Intel/Comissão (C‑413/14 P, EU:C:2017:632), que clarificaram ambos os critérios de análise a utilizar para apreciar esses diferentes comportamentos. Por conseguinte, não há que considerar a coima aplicada desproporcionada porque supostamente não tem em conta a pretensa novidade das práticas em causa.

1107 Em seguia, a Google alega que o seu comportamento era de uma gravidade relativa e gerou efeitos pró‑concorrenciais. Assim, a coima aplicada devia corresponder, segunda a Google, à gravidade do seu comportamento, mas não ir além disso.

1108 A este respeito, afigura‑se que, no exercício da sua competência de plena jurisdição, o Tribunal Geral teve plenamente em conta, no âmbito da determinação da gravidade da infração, todas as circunstâncias que envolveram esta, incluindo os argumentos evocados pelas partes Google no que respeita ao desenvolvimento e à manutenção do SO Android e do seu «ecossistema», e isto a fim de assegurar a conformidade da coima com o princípio da proporcionalidade.

f)      Caráter suficientemente dissuasivo da sanção tendo em consideração a dimensão da empresa

1109 À semelhança da Comissão (considerando 1479 da decisão recorrida), não há razão para o Tribunal Geral, no presente processo, agravar especificamente a coima com vista a conferir‑lhe um efeito dissuasivo.

1110 O montante da coima determinado pelo Tribunal Geral tem devidamente em conta a necessidade de aplicar à Google uma coima de montante dissuasivo.

g)      Conformidade com o limite de 10 % do volume de negócios total

1111 O montante da coima determinado pelo Tribunal Geral no âmbito da competência de plena jurisdição que lhe é conferida pelo artigo 31.o do Regulamento n.o 1/2003 não excede o montante previsto no artigo 23.o, n.o 2, alínea a), do referido regulamento, a saber, 10 % do volume de negócios total realizado pela Alphabet Inc. durante o exercício social anterior.

1112 Isto verifica‑se tanto no que respeita ao exercício social de 2017, exercício social anterior à coima aplicada pela Comissão (considerando 1481 da decisão recorrida), como no que respeita ao exercício social de 2021, último exercício disponível, volume de negócios total em constante aumento desde 2017.

h)      Conclusão sobre a reforma

1113 Resulta do que precede que o artigo 2.o da decisão recorrida deve ser reformado no sentido de que o montante da coima imposta à Google LLC pela infração única e continuada prevista no artigo 1.o da decisão recorrida, da qual a Alphabet Inc. é solidária e conjuntamente responsável para o período entre 2 de outubro de 2015 e a data da decisão recorrida, deve ser fixado em 4 125 000 000 euros.

1114 Tendo em conta as circunstâncias tidas em consideração pelo Tribunal Geral no exercício da sua competência de plena jurisdição, não se afigura necessário pronunciar‑se sobre o mérito dos argumentos apresentados pela Google no que respeita ao montante adicional equivalente a 11 % do valor das vendas pertinentes efetuadas em 2017 (v. considerandos 1467 e 1468 da decisão recorrida), não tendo esse parâmetro sido tomado em conta pelo Tribunal Geral no âmbito desse exercício.

IV.    Quanto às despesas

1115 Nos termos do artigo 134.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, se houver várias partes vencidas, o Tribunal decide sobre a repartição das despesas. No caso em apreço, há que decidir que cada uma das partes principais suportará as suas próprias despesas.

1116 Nos termos do artigo 138.o, n.o 3, do Regulamento de Processo, o Tribunal pode decidir que um interveniente diferente dos mencionados nos n.os 1 e 2 desse artigo suporte as suas próprias despesas. No caso em apreço há que decidir que a ADA, a CCIA, a Gigaset, a HMD, a Opera, o BEUC, a VDZ, a BDZV, a Seznam, a FairSearch e a Qwant suportarão as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Sexta Secção alargada),

decide:

1)      Os artigos 1.o, 3.o e 4.o da Decisão C(2018) 4761 final da Comissão Europeia, de 18 de julho de 2018, relativa a um processo de aplicação do artigo 102.o TFUE e do artigo 54.o do Acordo EEE (Processo AT.40099 — Google Android), são anulados na medida em que têm por objeto o quarto abuso da infração única e continuada, que consistiu em ter condicionado a celebração de acordos de partilha de receitas com certos fabricantes de equipamento de origem e operadores de redes móveis à préinstalação exclusiva da Google Search numa carteira prédefinida de aparelhos.

2)      O montante da coima imposta à Google LLC no artigo 2.o da Decisão C(2018) 4761 final é fixado, relativamente à infração única que cometeu, como resulta do n.o 1 supra, em 4 125 000 000 euros, a cujo pagamento a Alphabet, Inc. está obrigada até ao montante de 1 520 605 895 euros nos termos da sua responsabilidade conjunta e solidária.

3)      É negado provimento ao recurso quanto ao restante.

4)      A Google e a Alphabet suportam as suas próprias despesas.

5)      A Comissão suporta as suas próprias despesas.

6)      A Application Developers Alliance, a BDZV — Bundesverband Digitalpublisher und Zeitungsverleger eV, o Bureau européen des unions des consommateurs (BEUC), a Computer & Communications Industry Association, a FairSearch AISBL, a Gigaset Communications GmbH, a HMD global Oy, a Opera Norway AS, a Qwant, a Seznam.cz, a.s., e a Verband Deutscher Zeitschriftenverleger eV suportam as suas próprias despesas.

Marcoulli

Frimodt Nielsen

Schwarcz

Iliopoulos

 

      Norkus

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 14 de setembro de 2022.

Assinaturas

Índice


I. Antecedentes do litígio

A. Contexto do processo

B. Procedimento perante a Comissão

C. Decisão recorrida

II. Tramitação processual e pedidos das partes

A. Pedidos de intervenção

B. Tramitação do processo, principais pedidos de tratamento confidencial e preparação do processo para julgamento

C. Pedidos das partes

III. Questão de direito

A. Observações preliminares

1. Quanto ao contexto comercial dos comportamentos sancionados

a) Modelo comercial centrado na pesquisa através da Google Search

b) Práticas adotadas aquando da transição para a Internet móvel

c) Infração única que reveste diversos aspetos

2. Quanto às modalidades da fiscalização jurisdicional

a) Fiscalização aprofundada de todos os elementos pertinentes

b) Competência de plena jurisdição no que respeita à coima

3. Quanto à produção da prova e às diferentes contestações apresentadas a este respeito

B. Quanto ao primeiro fundamento, relativo à apreciação errada da definição do mercado relevante e à existência de uma posição dominante

1. Elementos de contexto

a) Conceitos de mercado relevante, de posição dominante e de pressões concorrenciais, nomeadamente perante um «ecossistema»

b) Mercados distintos, mas interligados

2. Quanto à primeira parte, relativa à posição dominante dos SO sob licença para aparelhos móveis inteligentes

a) Quanto à admissibilidade da primeira parte

b) Quanto ao mérito da primeira parte

1) Quanto à pressão concorrencial dos SO sem licença

i) Quanto às provas de uma pressão concorrencial da Apple

– Argumentos das partes

– Apreciação do Tribunal Geral

ii) Quanto à tomada em consideração do Acórdão de 22 de outubro de 2002, Schneider Electric/Comissão (T310/01, EU:T:2002:254), e a coerência com a prática decisória anterior

– Argumentos das partes

– Apreciação do Tribunal Geral

iii) Quanto ao teste SSNDQ

– Argumentos das partes

– Apreciação do Tribunal Geral

iv) Quanto à fidelidade dos utilizadores em relação aos seus SO

– Argumentos das partes

– Apreciação do Tribunal Geral

v) Quanto à sensibilidade dos utilizadores à qualidade do SO

– Argumentos das partes

– Apreciação do Tribunal Geral

vi) Quanto aos custos de uma transferência para outro SO

– Argumentos das partes

– Apreciação do Tribunal Geral

vii) Quanto ao impacto da política tarifária da Apple

– Argumentos das partes

– Apreciação do Tribunal Geral

viii) Quanto ao comportamento dos programadores de aplicações

– Argumentos das partes

– Apreciação do Tribunal Geral

2) Quanto à pressão concorrencial da licença AOSP

i) Argumentos das partes

ii) Apreciação do Tribunal Geral

3. Quanto à segunda parte, relativa à posição dominante das plataformas de distribuição de aplicações Android

a) Argumentos das partes

b) Apreciação do Tribunal Geral

4. Quanto à terceira parte, relativa à contradição entre o domínio dos serviços de pesquisa prestados aos utilizadores e a teoria do abuso, que diz respeito às licenças de aplicação de pesquisa aos FEO

a) Argumentos das partes

b) Apreciação do Tribunal Geral

5. Quanto à pertinência relativa da concorrência entre ecossistemas para efeitos do presente processo

C. Quanto ao segundo fundamento, relativo aos primeiros abusos, baseado na apreciação errada do caráter abusivo das condições de préinstalação do ADAM

1. Contextualização

a) Conceitos de prática abusiva, de efeitos de exclusão e de venda ligada, tendo em conta nomeadamente o Acórdão de 17 de setembro de 2007, Microsoft/Comissão (T201/04, EU:T:2007:289)

b) Decisão recorrida

1) Quanto às três primeiras condições evocadas no Acórdão de 17 de setembro de 2007, Microsoft/Comissão (T201/04, EU:T:2007:289)

2) Quanto à condição relativa à «restrição da concorrência»

i) Pacote Google SearchPlay Store

ii) Pacote ChromePlay Store e Google Search

3) Quanto à condição relativa à inexistência de justificações objetivas

c) Complementaridade dos primeiros abusos

2. Quanto à primeira parte, relativa à «restrição da concorrência»

a) Préinstalação e «desvio do statu quo»

1) Decisão recorrida

2) Síntese dos argumentos das partes

3) Apreciação do Tribunal Geral

i) Observações preliminares

– Falta de interesse prático da distinção proposta

– Importância quantitativa das condições de préinstalação

ii) Quanto a certas declarações e informações constantes da decisão recorrida

– Elementos de prova apresentados pela Google

– Elementos de prova apresentados por empresas terceiras

– Análise da Yandex

– Acordo entre a Microsoft e a Verizon

iii) Quanto a algumas comparações feitas na decisão recorrida

– Estudo FairSearch

– Dados apresentados pela Microsoft e dados Netmarketshare

– Comparação das receitas da Google provenientes de aparelhos Android e iOS

iv) Quanto a certos elementos relativos ao Chrome

– Comparação das receitas da Google através do Safari e através do Chrome

– Sondagem Opera

b) Possibilidade de os FEO préinstalarem ou regularem por defeito serviços de pesquisa geral concorrentes

1) Decisão recorrida

2) Síntese dos argumentos das partes

3) Apreciação do Tribunal Geral

i) Observações preliminares

ii) Quanto à préinstalação de aplicações concorrentes

– Quanto à aplicação Google Search e aos seus concorrentes

– Quanto ao programa de navegação Chrome e aos seus concorrentes

– Quanto às outras aplicações

iii) Quanto à pretensa contradição entre o raciocínio relativo à preservação e a alegação de que a préinstalação de aplicações concorrentes não é interessante

iv) Quanto ao interesse dos FEO na préinstalação de aplicações concorrentes

– Quanto às receitas potenciais

– Quanto aos custos de transação

– Quanto à experiência do utilizador

– Quanto ao espaço de armazenamento

– Conclusão

c) Outros meios diferentes da préinstalação que permitem chegar aos utilizadores

1) Argumentos das partes

2) Apreciação do Tribunal Geral

i) Quanto ao descarregamento de aplicações concorrentes

ii) Quanto ao acesso aos serviços de pesquisa concorrentes através do programa de navegação

iii) Quanto à confusão entre vantagem concorrencial e exclusão anticoncorrencial

iv) Conclusão

d) Falta de demonstração da ligação entre as percentagens de utilização e a préinstalação

1) Argumentos das partes

2) Apreciação do Tribunal Geral

e) Não tomada em consideração do contexto económico e jurídico

1) Argumentos das partes

2) Apreciação do Tribunal Geral

3. Quanto à segunda parte, relativa às justificações objetivas

a) Argumentos das partes

b) Apreciação do Tribunal Geral

D. Quanto ao terceiro fundamento, relativo à apreciação errada do caráter abusivo da condição de préinstalação única incluída nos APR por carteira

1. Elementos de contexto

a) Decisão recorrida

1) Quanto à natureza dos APR por carteira

2) Quanto à capacidade dos APR por carteira para restringir a concorrência

3) Quanto à existência de justificações objetivas

b) Quanto à distinção entre os APR por carteira e os APR por aparelhos

c) Quanto às receitas partilhados no âmbito dos APR por carteira

d) Quanto à prova do caráter abusivo de um pagamento de exclusividade

2. Quanto à primeira parte, relativa à natureza dos APR por carteira

a) Argumentos das partes

b) Apreciação do Tribunal Geral

3. Quanto à segunda parte, relativa à falta de fundamentação

4. Quanto à terceira parte, relativa à constatação de uma restrição de concorrência

a) Quanto à cobertura e ao impacto dos APR por carteira

1) Decisão recorrida

2) Argumentos das partes

3) Apreciação do Tribunal Geral

b) Quanto à compensação dos APR por carteira

1) Decisão recorrida

2) Argumentos das partes

3) Apreciação do Tribunal Geral

i) Quanto aos custos imputáveis a um concorrente hipoteticamente pelo menos igualmente eficaz

ii) Quanto às receitas partilháveis por um concorrente hipoteticamente pelo menos igualmente eficaz

iii) Quanto à percentagem controvertida dos pedidos de pesquisa por um concorrente hipoteticamente pelo menos igualmente eficaz

iv) Quanto ao alcance da préinstalação de uma aplicação de um concorrente hipoteticamente pelo menos igualmente eficaz

v) Quanto à aplicação temporal do teste AEC

vi) Conclusão sobre a regularidade do teste AEC

5. Conclusão sobre a regularidade dos motivos relativos à natureza abusiva dos APR por carteira

E. Quanto ao quarto fundamento, relativo à apreciação errada do caráter abusivo do condicionamento da concessão das licenças da Play Store e da Google Search ao respeito das OAF

1. Observações preliminares relativas ao alcance do segundo abuso identificado na decisão recorrida

2. Quanto à primeira parte, relativa à restrição da concorrência

a) Decisão recorrida

b) Argumentos das partes

1) Argumentos da Google

2) Argumentos da Comissão

c) Apreciação do Tribunal Geral

1) Quanto à existência da prática

2) Quanto ao caráter anticoncorrencial da prática

i) Quanto ao caráter anticoncorrencial dos objetivos prosseguidos

ii) No que respeita à restrição da concorrência

– Quanto à ameaça potencial exercida pelos ramos não compatíveis

– Quanto à exclusão efetiva dos ramos Android não compatíveis e aos efeitos anticoncorrenciais dessa exclusão

3. Quanto à segunda parte, relativa à existência de justificações objetivas

a) Decisão recorrida

b) Argumentos das partes

1) Argumentos da Google

2) Argumentos da Comissão

c) Apreciação do Tribunal Geral

1) Quanto à necessidade de proteger a compatibilidade no âmbito do «ecossistema Android» e de prevenir a «fragmentação»

2) Quanto à necessidade de proteger a sua reputação

3) Quanto à necessidade de eliminar os efeitos benéficos inesperados

4) Quanto à anterioridade relativamente à aquisição da posição dominante e à inexistência de comportamento fraudulento

5) Quanto à tomada em consideração dos efeitos próconcorrenciais das OAF

4. Conclusão relativa à apreciação do quarto fundamento

F. Quanto ao quinto fundamento, relativo à violação dos direitos de defesa

1. Quanto à segunda parte do quinto fundamento, relativa à violação do direito de acesso ao processo

a) Argumentos das partes

b) Apreciação do Tribunal Geral

2. Quanto à primeira parte do quinto fundamento, relativa à recusa de uma audição sobre o teste AEC

a) Argumentos das partes

b) Apreciação do Tribunal Geral

G. Quanto às consequências do exame dos cinco primeiros fundamentos e quanto ao sexto fundamento

1. Articulação dos cinco primeiros fundamentos com o sexto fundamento relativo à coima

2. Conclusões relativas à infração na sequência do exame dos cinco primeiros fundamentos

3. Quanto à reforma da coima

a) Infração cometida deliberadamente ou por negligência

b) Tomada em consideração da gravidade e a duração da infração

1) Tomada em conta do valor das vendas enquanto dado inicial

2) Tomada em consideração da gravidade

3) Tomada em consideração da duração

4) Apreciação combinada tendo em consideração a intensidade

c) Circunstâncias atenuantes ou agravantes

d) Montante da coima e solidariedade da Alphabet

e) Caráter adequado da sanção

f) Caráter suficientemente dissuasivo da sanção tendo em consideração a dimensão da empresa

g) Conformidade com o limite de 10 % do volume de negócios total

h) Conclusão sobre a reforma

IV. Quanto às despesas


*      Língua do processo: inglês.