Language of document : ECLI:EU:T:2019:508

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Sexta Secção alargada)

11 de julho de 2019 (*)

«Recurso de anulação — Auxílios de Estado — Medidas concedidas pela França ao aeroporto de Marselha‑Provença e às companhias aéreas que utilizam esse aeroporto — Decisão que declara o auxílio compatível com o mercado interno — Subvenções ao investimento — Diferenciação das taxas aeroportuárias aplicáveis aos voos nacionais e aos voos internacionais — Reduções das taxas aeroportuárias para incentivar a realização de voos a partir da nova aerogare Marselha Provença 2 — Recorrente não individualmente afetado — Posição concorrencial não substancialmente afetada — Inadmissibilidade»

No processo T‑894/16,

Société Air France, estabelecida em Tremblay‑en‑France (França), representada por R. Sermier, advogado,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por S. Noë, C. Giolito e C. Georgieva‑Kecsmar, na qualidade de agentes,

recorrida,

apoiada por:

Aéroport Marseille Provence SA, estabelecida em Marignane (França), representada por A. Lepièce, advogada,

e por:

Ryanair DAC, anteriormente Ryanair Ltd, estabelecida em Dublim (Irlanda),

e

Airport Marketing Services Ltd, estabelecida em Dublim,

representadas por E. Vahida e I.‑G. Metaxas‑Maranghidis, advogados,

intervenientes,

que tem por objeto um pedido baseado no artigo 263.o TFUE e destinado à anulação da Decisão (UE) 2016/1698 da Comissão, de 20 de fevereiro de 2014, relativa às medidas SA.22932 (11/C) (ex NN 37/07) concedidas pela França ao aeroporto de Marselha‑Provença e às companhias aéreas que utilizam esse aeroporto (JO 2016, L 260, p. 1),

O TRIBUNAL GERAL (Sexta Secção alargada),

composto por: G. Berardis, presidente, S. Papasavvas, D. Spielmann (relator), Z. Csehi e O. Spineanu‑Matei, juízes,

secretário: E. Artemiou, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 10 de janeiro de 2019,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        O aeroporto de Marselha‑Provença está situado no departamento de Bouches‑du‑Rhône em França. É um dos maiores aeroportos do país. Em 2012, acolheu mais de oito milhões de passageiros. Em 2004, com a preocupação de redinamizar o seu tráfego e de reorientar o seu desenvolvimento para destinos europeus, decidiu instalar, junto à aerogare principal (a seguir «aerogare mp1»), uma nova aerogare dedicada aos voos de «baixo custo» (a seguir «aerogare mp2»). As obras foram iniciadas em dezembro de 2005 e a aerogare mp2 ficou operacional em setembro de 2006.

2        Em 27 de março de 2007, a Comissão Europeia recebeu uma denúncia, datada de 15 de março de 2007 e apresentada pela recorrente, a Société Air France, alegando a existência de auxílios ilegais concedidos pelo Conseil général des Bouches‑du‑Rhône (Conselho Geral de Bouches‑du‑Rhône, França) ao aeroporto de Marselha‑Provença, bem como de auxílios ilegais concedidos por este aeroporto à Ryanair DAC, anteriormente Ryanair Ltd, e a outras companhias aéreas. Essas vantagens consistiriam, nomeadamente, em reduções das taxas aeroportuárias para incentivar a realização de voos a partir da aerogare mp2.

3        Em 27 de novembro de 2009, a recorrente apresentou à Comissão uma denúncia respeitante a auxílios ilegais concedidos por vários aeroportos regionais e locais franceses, entre os quais consta o aeroporto de Marselha‑Provença.

4        Em 7 de maio de 2008, o Conseil d’État (Conselho de Estado, França) anulou as tarifas homologadas da taxa por passageiro aplicáveis na aerogare mp2 a partir de 1 de junho de 2006 e as aplicáveis a partir de 1 de janeiro de 2007, alegando que os elementos contabilísticos considerados no cálculo da taxa não estavam suficientemente justificados.

5        Após a anulação das tarifas homologadas da taxa por passageiro aplicáveis na aerogare mp2 a partir de 1 de junho de 2006 e das aplicáveis a partir de 1 de janeiro de 2007, a Direção‑Geral da Aviação Civil, adstrita ao Ministério da Ecologia, do Desenvolvimento Sustentável e da Energia, encomendou a um gabinete de auditoria um estudo sobre os métodos de imputação dos custos e das receitas entre as aerogares mp1 e mp2 e sobre a respetiva tarifação, o qual foi entregue em novembro de 2008. Com base nessa auditoria, a chambre de commerce et d’industrie [Câmara de Comércio e Indústria (CCI) de Marselha‑Provença (França, a seguir «CCIMP») estabeleceu novas tarifas para a taxa por passageiro, aplicáveis retroativamente.

6        Por decisão de 13 de julho de 2011, dirigida à República Francesa, a Comissão deu início ao procedimento previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE e convidou as partes interessadas a submeterem as suas observações sobre as medidas em questão (a seguir «decisão de início do procedimento»).

7        A Comissão recebeu observações da República Francesa, da CCIMP, da recorrente, da Ryanair e da Airport Marketing Services Ltd (a seguir «AMS»), uma filial a 100 % da Ryanair.

8        Em 20 de fevereiro de 2014, a Comissão adotou a Decisão (UE) 2016/1698, relativa às medidas SA.22932 (11/C) (ex NN 37/07) concedidas pela França ao aeroporto de Marselha‑Provença e às companhias aéreas que utilizam esse aeroporto (JO 2016, L 260, p. 1, a seguir «decisão impugnada»).

9        Na decisão impugnada, a Comissão considerou nomeadamente que o aeroporto de Marselha‑Provença tinha beneficiado de um auxílio ao investimento que era compatível com o mercado interno. Constatou que a aerogare mp2 e a área adjacente de estacionamento para aviões não estavam reservadas a nenhuma companhia aérea em particular. Na sua opinião, a referida aerogare estava, portanto, aberta a toda e qualquer companhia que pretendesse utilizá‑la, na condição de propor um nível de serviços limitado. Salientou que o referido aeroporto tinha lançado um convite à manifestação de interesse na utilização dessa aerogare e que, uma vez que a sua capacidade não estava a ser totalmente explorada, a mesma aerogare se encontrava à disposição de todas as companhias aéreas interessadas. Acresce que a Comissão constatou que as companhias aéreas também pagavam tarifas que cobriam pelo menos os custos marginais gerados por cada acordo.

10      Além disso, a Comissão analisou as tarifas da taxa por passageiro aplicáveis na aerogare mp2. Em particular, constatou que, a fim de determinar a rendibilidade do projeto de aerogare com serviços simplificados e a tarificação correspondente, o operador prudente tem em conta todas as receitas aeronáuticas e não aeronáuticas, sem esquecer a elasticidade da procura de tráfego face à tarifação da taxa aeronáutica em causa. Considerou que «[a] diferença entre o nível da taxa por passageiro e o custo da função “passageiro” que [era] coberta pelas receitas não aeronáuticas não [constituía] […] uma vantagem concedida às companhias aéreas, mas [era] uma consequência da otimização subjacente da entidade exploradora com o intuito de rentabilizar o seu projeto de investimento» (considerando 369 da decisão impugnada). Concluiu que a decisão que fixa as tarifas da referida aerogare estava conforme com o princípio do operador prudente numa economia de mercado.

11      Por último, a Comissão analisou o contrato de compra de espaço publicitário celebrado em 19 de maio de 2006 entre a CCIMP e a AMS (a seguir «contrato AMS»). Este contrato foi celebrado por um período de cinco anos, renovável uma vez pelo mesmo período, e não tinha sido objeto de concurso nem de publicidade prévia. O contrato visava assegurar a publicidade do destino de Marselha para atrair um número elevado de passageiros.

12      Baseando‑se no estudo de rendibilidade apresentado pela República Francesa relativo às margens financeiras geradas pelos voos da Ryanair no período de 2007‑2021, no qual a CCIMP se baseou, ela própria, para tomar a decisão relativa ao contrato AMS, a Comissão constatou que os custos médios do referido contrato por passageiro dessa companhia aérea permitiam determinar a rendibilidade do projeto de construção da aerogare mp2 no seu conjunto. Concluiu que, a todo o momento, as tarifas aplicadas às companhias aéreas, tendo em conta as diferentes reduções mencionadas e os custos do referido contrato, cobriam pelo menos os custos suplementares da utilização do aeroporto de Marselha‑Provença pela referida companhia aérea.

 Tramitação processual e pedidos das partes

13      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 19 de dezembro de 2016, a recorrente interpôs o presente recurso.

14      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 23 de março de 2017, a Aéroport Marseille Provence SA pediu para intervir no presente processo em apoio dos pedidos da Comissão.

15      Por requerimentos apresentados na Secretaria do Tribunal Geral em 26 de março de 2017, a Ryanair e a AMS pediram para intervir no presente processo em apoio dos pedidos da Comissão.

16      Por despacho de 29 de maio de 2017, o presidente da Sexta Secção do Tribunal Geral admitiu estas intervenções. Os intervenientes apresentaram os seus articulados e as partes principais apresentaram as suas observações acerca desses articulados nos prazos fixados.

17      Sob proposta da Sexta Secção, o Tribunal Geral decidiu, em aplicação do artigo 28.o do seu Regulamento de Processo, remeter o processo a uma secção alargada.

18      Sob proposta do juiz relator, o Tribunal Geral (Sexta Secção alargada) deu início à fase oral e, no âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 89.o do Regulamento de Processo, convidou as partes a responderem a determinadas questões. As partes cumpriram estes pedidos nos prazos fixados.

19      Na audiência de 10 de janeiro de 2019, foram ouvidas as alegações das partes.

20      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão impugnada;

–        condenar a Comissão nas despesas.

21      A Comissão, apoiada pelas intervenientes, conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        julgar o recurso inadmissível e, em qualquer caso, improcedente;

–        condenar a recorrente nas despesas.

 Questão de direito

22      A Comissão, apoiada pelas intervenientes, afirma que o recurso é inadmissível pelo facto de, em substância, a recorrente não ter legitimidade processual. Em especial, sustenta que as medidas em causa não dizem direta e individualmente respeito à recorrente e que esta não explica por que razões a decisão impugnada a afeta devido a determinadas qualidades que lhe são próprias ou a uma situação de facto que a caracteriza relativamente a qualquer outra pessoa.

23      A recorrente sustenta que, contrariamente ao que afirma a Comissão, a sua situação deve individualizá‑la de maneira análoga à do destinatário do ato impugnado. Referindo‑se à jurisprudência, entende que a admissibilidade do recurso interposto por um terceiro relativamente ao beneficiário do auxílio pressupõe que o primeiro se encontra numa relação de concorrência com o segundo e que o auxílio pode afetar de maneira substancial a posição desse terceiro no mercado. Invoca igualmente o Acórdão de 25 de junho de 1998, British Airways e o./Comissão (T‑371/94 e T‑394/94, EU:T:1998:140), e alega que o Tribunal Geral confirmou implicitamente nesse acórdão que as companhias aéreas que eram suas concorrentes tinham legitimidade para impugnar uma decisão da Comissão que valida uma medida de auxílio estatal de que a mesma era beneficiária.

24      A este respeito, há que recordar que o artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, prevê duas situações nas quais é reconhecida legitimidade a uma pessoa singular ou coletiva para interpor recurso de anulação de um ato da União Europeia do qual não é destinatária. Por um lado, esse recurso pode ser interposto na condição de esse ato lhe dizer direta e individualmente respeito. Por outro, essa pessoa pode interpor recurso de um ato regulamentar que não necessite de medidas de execução, se este lhe disser diretamente respeito.

25      No caso em apreço, a decisão impugnada tem por única destinatária a República Francesa e diz respeito a um auxílio individual na aceção do artigo 1.o, alínea e), do Regulamento (UE) 2015/1589 do Conselho, de 13 de julho de 2015, que estabelece as regras de execução do artigo 108.o TFUE (JO 2015, L 248, p. 9). Tendo, assim, um alcance individual, a decisão não pode constituir um ato regulamentar na aceção do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, que se refere a qualquer ato de alcance geral com exceção dos atos legislativos (v. Acórdão de 3 de dezembro de 2014, Castelnou Energía/Comissão, T‑57/11, EU:T:2014:1021, n.o 23 e jurisprudência referida). Daqui decorre que, uma vez que a recorrente não é a destinatária da decisão impugnada, o seu recurso só será admissível se a recorrente for direta e individualmente afetada pela referida decisão (Acórdão de 22 de junho de 2016, Whirlpool Europe/Comissão, T‑118/13, EU:T:2016:365, n.o 41).

26      Segundo jurisprudência constante, os sujeitos que não sejam destinatários de uma decisão só podem alegar que esta lhes diz individualmente respeito se essa decisão os afetar devido a certas qualidades que lhes são próprias ou a uma situação de facto que os caracteriza em relação a qualquer outra pessoa e, assim, os individualiza de maneira análoga à do destinatário (Acórdãos de 15 de julho de 1963, Plaumann/Comissão, 25/62, EU:C:1963:17, p. 223, e de 21 de dezembro de 2016, Comissão/Hansestadt Lübeck, C‑524/14 P, EU:C:2016:971, n.o 15).

27      No âmbito do procedimento de controlo dos auxílios estatais previsto no artigo 108.o TFUE, é preciso distinguir entre, por um lado, a fase preliminar de investigação dos auxílios instituída no n.o 3 deste artigo, que apenas tem por objetivo permitir à Comissão formar uma primeira opinião sobre a compatibilidade parcial ou total do auxílio em causa, e, por outro, a fase de exame a que se refere o n.o 2 do referido artigo. É só no âmbito desta última fase, que se destina a permitir à Comissão ter uma informação completa sobre todos os dados do processo, que o Tratado prevê a obrigação de a Comissão notificar os interessados para apresentarem as suas observações (v. Acórdão de 9 de julho de 2009, 3F/Comissão, C‑319/07 P, EU:C:2009:435, n.o 30 e jurisprudência referida).

28      Se uma empresa põe em causa a correção da decisão de apreciação do auxílio tomada com base no artigo 108.o, n.o 3, TFUE, ou no termo do procedimento formal de investigação, o simples facto de poder ser considerada interessada, na aceção do n.o 2 desse artigo, não basta para que o recurso seja julgado admissível. Deve então demonstrar que possui um estatuto especial na aceção do Acórdão de 15 de julho de 1963, Plaumann/Comissão (25/62, EU:C:1963:17) (v., neste sentido, Despacho de 10 de novembro de 2015, Compagnia Trasporti Pubblici e o./Comissão, T‑187/15, não publicado, EU:T:2015:846, n.o 18). Será esse o caso, nomeadamente, se a sua posição no mercado for substancialmente afetada pelo auxílio objeto da decisão em causa (Acórdão de 22 de junho de 2016, Whirlpool Europe/Comissão, T‑118/13, EU:T:2016:365, n.o 44).

29      A este respeito, foi reconhecido que uma decisão da Comissão que põe termo ao procedimento formal de investigação iniciado ao abrigo do artigo 108.o, n.o 2, TFUE, relativo a uma medida de auxílio, diz individualmente respeito não só à empresa beneficiária, mas também às empresas concorrentes desta última que desempenharam um papel ativo no quadro desse procedimento, desde que a respetiva posição no mercado tenha sido substancialmente afetada pela medida de auxílio objeto da decisão cuja anulação era requerida. Uma empresa não pode, portanto, invocar apenas a sua qualidade de concorrente relativamente à empresa beneficiária, devendo antes, como já foi salientado, demonstrar, tendo em conta o seu grau de participação eventual no procedimento e a relevância com que a sua posição no mercado é afetada, que se encontra numa situação de facto que a individualiza de modo análogo ao destinatário (v. Despacho de 7 de março de 2013, UOP/Comissão, T‑198/09, não publicado, EU:T:2013:105, n.os 25 e 26 e jurisprudência referida; v., também, nesse sentido, Acórdão de 28 de janeiro de 1986, Cofaz e o./Comissão, 169/84, EU:C:1986:42, n.o 25, e Despacho de 27 de maio de 2004, Deutsche Post e DHL/Comissão, T‑358/02, EU:T:2004:159, n.os 33 e 34).

30      Além disso, há que recordar que as condições de admissibilidade de um recurso são apreciadas no momento da sua interposição, a saber, no momento da apresentação da petição (Despacho de 15 de dezembro de 2010, Albertini e o. e Donnelly/Parlamento, T‑219/09 e T‑326/09, EU:T:2010:519, n.o 39, e Acórdão de 3 de dezembro de 2014, Castelnou Energía/Comissão, T‑57/11, EU:T:2014:1021, n.o 34).

31      No caso em apreço, há que observar que a recorrente contesta algumas das medidas analisadas pela Comissão na decisão impugnada. Por um lado, é posta em causa a subvenção ao investimento para a construção da aerogare mp2 e, por outro, são impugnadas as tarifas das taxas por passageiro específicas da referida aerogare, bem como o contrato AMS, que constituem, em conjunto, um auxílio estatal a favor desta última. Há, portanto, que examinar a legitimidade da recorrente no que respeita, por um lado, à subvenção ao investimento e, por outro, às referidas tarifas e ao referido contrato.

 Quanto à subvenção ao investimento

32      A Comissão entende que não existe qualquer relação de concorrência entre a recorrente e o aeroporto de Marselha‑Provença, beneficiário do auxílio, no que respeita à subvenção ao investimento concedida à CCIMP para a construção da aerogare mp2.  Em particular, alega ter analisado separadamente a referida subvenção concedida à CCIMP e os alegados auxílios ao funcionamento concedidos pela CCIMP às companhias aéreas. Alega que a recorrente deveria, no caso em apreço, ter demonstrado que essa subvenção era de facto transferida pela CCIMP para a Ryanair. Ora, tal não era o caso, uma vez que a decisão de concessão da mesma subvenção não impunha qualquer condição à CCIMP para dar o acesso a condições preferenciais à referida companhia aérea.

33      A título exaustivo, a Comissão alega que, na falta de uma relação de concorrência entre o aeroporto beneficiário do auxílio e a recorrente, esta última não tem interesse em agir. Em particular, a anulação da decisão impugnada no que respeita à subvenção ao investimento não lhe traria qualquer vantagem.

34      A recorrente afirma que a Ryanair era o verdadeiro beneficiário da subvenção ao investimento concedido à CCIMP. Alega que a decisão de início do procedimento faz claramente sobressair o nexo indissociável que existe entre as subvenções ao investimento concedidas à CCIMP e a companhia Ryanair, na medida em que a referida subvenção permitiu ao aeroporto de Marselha‑Provença consentir preços artificialmente baixos a um dos seus concorrentes diretos. Remete, em especial, para os n.os 90, 91 e 275 da referida decisão para demonstrar a existência de um nexo indissociável entre esta subvenção recebida pela CCIMP para criar a aerogare mp2 e a vantagem recebida pela Ryanair enquanto utilizadora da mesma aerogare. Sustenta que esses números expõem o mecanismo pelo qual a CCIMP transferiu para a Ryanair o benefício económico da mesma subvenção e explicam claramente o nexo estreito entre a subvenção em questão e a vantagem económica de que a Ryanair beneficiou. Na sua opinião, basta demonstrar que se encontra numa relação de concorrência com a Ryanair no referido aeroporto para que o recurso seja julgado admissível.

35      A este respeito, há que constatar que a subvenção ao investimento para a construção da aerogare mp2 só foi concedida à CCIMP, o que, aliás, não foi contestado pelas partes. Há igualmente que salientar que, na decisão impugnada, a Ryanair não foi designada beneficiária do auxílio ao investimento. Como resulta por diversas vezes da referida decisão, a Comissão considerou que a CCIMP era a única beneficiária da referida subvenção.

36      Mais precisamente, no caso em apreço, a Comissão só examinou os requisitos relativos à existência de uma atividade económica e de uma empresa relativamente à CCIMP. Em especial, no ponto 6.1 da decisão impugnada, constatou que a CCIMP explorava o aeroporto de Marselha‑Provença e cobrava taxas aos utilizadores dessa infraestrutura.

37      De igual modo, no ponto 6.1.3 da decisão impugnada, a existência de uma vantagem seletiva foi apreciada apenas em relação à CCIMP. A Comissão considerou a este respeito que «as subvenções de investimento só [beneficiavam] a CCIMP em relação a outros operadores aeroportuários e a outras empresas de outros setores».

38      Além disso, o critério de perturbação da concorrência e das trocas comerciais intra‑União Europeia só foi apreciado em relação à CCIMP. A Comissão constatou a este respeito que «[e]nquanto entidade gestora do aeroporto de Marselha‑Provença, a CCIMP [concorria] com as outras plataformas aeroportuárias que [serviam] a mesma zona de influência, num raio de menos de 100 km ou 60 minutos de distância». Acrescentou igualmente que existia «concorrência entre os gestores aeroportuários» e que «[por conseguinte,] a concessão de um auxílio à CCIMP [podia] reforçar a posição desta última nesse mercado».

39      Atendendo ao exposto, há, portanto, que examinar se, como sustenta a recorrente, e à luz dos elementos de facto apresentados no processo, a Ryanair beneficiou de forma indireta da subvenção ao investimento para a construção da aerogare mp2.

40      A esse título, em primeiro lugar, e contrariamente ao alegado pela recorrente, não resulta da decisão de início do procedimento que existia um nexo indissociável entre as subvenções ao investimento concedidas à CCIMP e a Ryanair. Mais precisamente, quanto aos n.os 90 e 91 da referida decisão, a Comissão referiu‑se simplesmente ao relatório elaborado por um gabinete de auditoria sem retirar as suas próprias conclusões. Além disso, no n.o 275 dessa decisão, não constatou que as companhias aéreas que utilizam a aerogare mp2 eram igualmente beneficiárias da subvenção ao investimento concedida à CCIMP, mas interrogou‑se simplesmente sobre o efeito de uma eventual incompatibilidade do auxílio ao investimento e sobre a questão de saber se as taxas por passageiro aplicadas pela CCIMP constituíam auxílios.

41      Além disso, resulta da decisão de início do procedimento que não havia qualquer prioridade concedida à Ryanair relativamente ao acesso e à utilização da aerogare mp2. Com efeito, a referida aerogare estava aberta a todas as companhias aéreas interessadas, sem estar reservada a uma ou várias companhias aéreas específicas. A este respeito, o n.o 31 da referida decisão remete para o preâmbulo das regras de utilização da aerogare mp2, publicado na Internet em 18 de julho de 2006, que prevê nomeadamente que «[a] utilização [dessa aerogare] está, por princípio, aberta a todas as companhias aéreas que se comprometam a respeitar as condições gerais de utilização desta aerogare definidas pelas [suas disposições]». Este elemento é aliás retomado no considerando 291 da decisão impugnada, em que a Comissão considerou que, «[d]e acordo com as informações fornecidas pela [República Francesa], designadamente as regras de utilização da aerogare [em questão] […], a nova infraestrutura [estava] à disposição de todos os potenciais utilizadores (empresas de transportes aéreos) de forma equitativa e não discriminatória».

42      Em segundo lugar, resulta dos autos que, na sequência do convite à apresentação de projetos lançado em 2004 pela CCIMP destinado às companhias aéreas, a recorrente enviou um processo de candidatura para a aerogare mp2. Estava interessada, em particular, na ligação aérea do aeroporto de Marselha‑Provença para o aeroporto de Paris‑Orly (França) e propunha 19 voos por dia de segunda a sexta‑feira, 14 voos ao sábado e 18 voos ao domingo. Ora, as negociações entre a recorrente e a entidade gestora do referido aeroporto não chegaram a bom termo posteriormente, nomeadamente devido à limitação do tráfego da aerogare aos voos «ponto a ponto» e ao facto de a referida aerogare apenas acolher voos nacionais e intra‑União. Também é de salientar que, uma vez que o volume total constante das propostas apresentadas pelas companhias aéreas interessadas não excedeu a capacidade prevista, não foi necessário proceder a qualquer seleção. Assim, cada companhia aérea que demonstrou interesse teve acesso à aerogare em questão. Por conseguinte, não só a utilização da referida aerogare não estava reservada a uma determinada companhia aérea, e mais especificamente à Ryanair, como a recorrente poderia também ter tido acesso à mesma se as negociações com a entidade gestora do aeroporto tivessem chegado a bom termo.

43      Em terceiro lugar, ao contrário do que alega a recorrente, a solução adotada pelo Tribunal Geral no Acórdão de 10 de maio de 2006, Air One/Comissão (T‑395/04, EU:T:2006:123), não é transponível para o caso em apreço. Com efeito, o referido acórdão diz respeito à omissão da Comissão de adotar uma decisão na fase preliminar de investigação dos auxílios e, com o recurso interposto no processo que deu origem a esse acórdão, a recorrente visava a proteção dos seus direitos processuais. O Tribunal Geral examinou portanto a questão de saber se a recorrente no referido processo podia ser considerada interessada para efeitos do disposto no artigo 88.o, n.o 2, CE (atual artigo 108.o, n.o 2, TFUE) (Acórdão de 10 de maio de 2006, Air One/Comissão, T‑395/04, EU:T:2006:123, n.o 34). Em contrapartida, no presente processo, a decisão impugnada foi adotada no termo do procedimento formal de investigação e a recorrente não visa a salvaguarda dos seus direitos processuais, mas contesta a justeza da referida decisão.

44      Atendendo ao exposto, a recorrente não pode validamente sustentar que a Ryanair era o beneficiário indireto da subvenção ao investimento para a construção da aerogare mp2. Daqui resulta que, na falta de uma relação de concorrência entre a CCIMP e a recorrente, esta última não tem fundamento para alegar que a decisão impugnada lhe diz individualmente respeito no que respeita à subvenção ao investimento. Por conseguinte, na medida em que diz respeito a este auxílio, o presente recurso é inadmissível e não é necessário examinar o argumento invocado a título exaustivo pela Comissão, relativo à falta de interesse em agir da recorrente a este propósito.

 Quanto às tarifas das taxas por passageiro específicas da aerogare mp2 e ao contrato AMS

45      A Comissão alega que a situação da recorrente não se distingue da das outras companhias aéreas que utilizam o aeroporto de Marselha‑Provença e que, por conseguinte, os alegados auxílios às companhias aéreas não lhe dizem respeito a título individual. Reconhece que a recorrente está em concorrência com a Ryanair, acrescentando, todavia, que, segundo a jurisprudência, a existência de uma relação com o beneficiário de um auxílio não é, em si mesmo, um elemento suficiente para se ser considerado individualmente afetado. A este respeito, considera que a recorrente é apenas um dos numerosos concorrentes da Ryanair e constata que, embora esta companhia aérea servisse 29 dos 41 destinos propostos na aerogare mp2, a recorrente apenas estava em concorrência frontal com a Ryanair em destinos muito limitados e com uma importância económica modesta.

46      Por outro lado, questionada na audiência, a Comissão sustentou que o Tribunal Geral deveria analisar o efeito das tarifas das taxas por passageiro específicas da aerogare mp2 e do contrato AMS no mercado global europeu dos transportes aéreos e, subsidiariamente, no âmbito das ligações a partir de e para o aeroporto de Marselha‑Provença.

47      A recorrente alega, em substância, que se encontra numa relação de concorrência com a Ryanair e que as medidas de que esta última beneficia no aeroporto de Marselha‑Provença, a saber, as tarifas das taxas por passageiro específicas da aerogare mp2 e o contrato AMS, a afetam especificamente.

48      Em particular, a recorrente alega que, juntamente com a Ryanair, é um dos principais utilizadores do aeroporto de Marselha‑Provença e que estas duas companhias aéreas estavam em 2017 em concorrência direta em três destinos com partida desse aeroporto, a saber, Brest (França), Nantes (França) e Ibiza (Espanha). A este título, questionada na audiência, sustentou que, em matéria de transporte aéreo de passageiros, na prática decisória das autoridades de concorrência, cada rota, isto é, cada dupla «origem e destino», constituía um mercado relevante.

49      Na réplica, a recorrente salientou que, nas ligações em que estava em concorrência frontal com a Ryanair, entre 2014 e 2016, o volume do tráfego desta última estava compreendido entre 360 000 e 660 000 lugares por ano, ao passo que o número de passageiros transportados pela mesma estava compreendido entre 530 000 e 660 000 passageiros por ano. Na audiência, precisou que em 2018 tinha transportado para ou a partir de Marselha (França) 2,6 milhões de passageiros e que cerca de 400 000 passageiros tinham sido transportados em voos diretos com partida do aeroporto de Marselha‑Provença com destino ao aeroporto de Lille (França), ao aeroporto de Lyon (França) e, em menor número, ao aeroporto de Brest, a saber, destinos igualmente propostos pela Ryanair a partir do aeroporto de Marselha‑Provença.

50      No que diz respeito às ligações com partida do ou com destino ao aeroporto de Marselha‑Provença, a recorrente afirma que, à data dos factos, havia apenas quatro companhias «low cost» que utilizavam a aerogare mp2 e que a Ryanair servia 29 dos 41 destinos propostos com partida dessa aerogare. Sustenta que a Ryanair pagava taxas artificialmente baixas e que, em contrapartida, a recorrente e a sua filial HOP! pagavam taxas acrescidas em relação ao seu custo real. Considera que esta situação permitia à Ryanair oferecer preços mais baixos do que os propostos pela HOP! para voos efetuados na mesma data e com o mesmo destino. Apresenta, a este respeito, um quadro segundo o qual um bilhete para um voo, em 4 de julho de 2017, com destino a Brest, era proposto pela Ryanair a 63,94 euros e pela HOP! a 105,25 euros e um bilhete para um voo, em 3 de julho de 2017, com destino a Nantes era proposto pela Ryanair a 30,28 euros e pela HOP! a 50,51 euros.

51      Por conseguinte, a recorrente salienta que teve de cessar, entre 2013 e 2015, as ligações aéreas com partida do aeroporto de Marselha‑Provença e com destino ao aeroporto de Roma (Itália), ao aeroporto de Düsseldorf (Alemanha) e ao aeroporto de Bordéus (França) devido à concorrência direta da Ryanair. Além disso, indica que, devido a essa concorrência, limitou em 2016 as suas operações na ligação sazonal Marselha‑Brest a seis semanas em julho e em agosto. Alega, com recurso a um diagrama, que, com exceção das ligações aéreas com partida do aeroporto de Marselha‑Provença e com destino ao aeroporto de Paris (França) e ao aeroporto de Amesterdão (Países Baixos), a sua atividade «ponto a ponto» diminuiu mais de 50 % entre 2013 e 2017.

52      A recorrente conclui que a possibilidade oferecida à Ryanair de propor preços de transporte artificialmente baixos com partida da aerogare mp2, devido às subvenções recebidas pelo aeroporto de Marselha‑Provença para financiar a sua organização e aos auxílios ao funcionamento de que a Ryanair é beneficiária, constitui uma distorção de concorrência que tem como consequência a deterioração da sua posição na plataforma aeroportuária em questão.

53      Há que examinar, portanto, se os elementos apresentados pela recorrente permitem demonstrar que as medidas tomadas pela entidade gestora do aeroporto sobre as tarifas das taxas por passageiro específicas da aerogare mp2 e o contrato AMS lhe dizem individualmente respeito.

54      Antes de mais, no que se refere ao mercado relevante em que é necessário analisar o efeito das medidas em causa, há que constatar que embora, por um lado, as referidas medidas se destinem apenas à aerogare mp2 e, por outro, no aeroporto de Marselha‑Provença a recorrente e a Ryanair utilizem as aerogares mp1 e mp2, de maneira geral os destinos servidos pelas diferentes companhias aéreas que utilizam o referido aeroporto não estão a priori reservados a uma ou outra destas duas aerogares. Consequentemente, e contrariamente ao que a Comissão, a título principal, e a recorrente alegam (n.os 46 e 48, supra), o efeito das medidas em causa deve ser examinado à luz de todas as ligações operadas a partir de e para esse aeroporto, independentemente da aerogare utilizada.

55      Em seguida, como resulta da jurisprudência referida no n.o 29, supra, a recorrente deve demonstrar que a sua posição concorrencial no mercado pertinente é substancialmente afetada pelas medidas objeto da decisão impugnada.

56      Por último, há que salientar que, na fase do exame da admissibilidade, não cabe ao Tribunal Geral pronunciar‑se definitivamente sobre as relações de concorrência entre a recorrente e a Ryanair. A recorrente só tem de indicar, de forma pertinente, as razões pelas quais as medidas objeto da decisão impugnada são suscetíveis de lesar os seus interesses legítimos, afetando substancialmente a sua posição concorrencial no mercado em causa (v., neste sentido, Despacho de 21 de janeiro de 2011, Vtesse Networks/Comissão, T‑54/07, não publicado, EU:T:2011:15, n.o 98).

57      A este respeito, há que considerar que, quanto à condição da perturbação substancial da posição da recorrente no mercado relevante, é pacífico entre as partes que a Ryanair e a recorrente são companhias aéreas concorrentes. Ainda assim, mesmo admitindo que sejam os principais utilizadores do aeroporto de Marselha‑Provença, a recorrente não apresentou elementos que permitam concluir que a sua posição concorrencial era afetada de maneira substancial no referido mercado pelas tarifas das taxas por passageiro específicas da aerogare mp2 ou pelo contrato AMS.

58      Com efeito, em primeiro lugar, resulta do guia horário 2016‑2018 do aeroporto de Marselha‑Provença que 36 companhias aéreas, incluindo a Ryanair, a Air France e a HOP!, servem ligações a partir de e para esse aeroporto, a saber, a Germanwings, a Aegean Airlines, a HOP!, a Air Canada, a Air France, a Air Algérie, a Royal Air Maroc, a Alitalia, a British Airways, a Nouvelair, a Aer Lingus, a Eurowings, a Ryanair, a Iberia, a Meridiana, a Air Malta, a Lufthansa, a El Al Israel Airlines, a Mistral Air, a Air Madagascar, a Pegasus Airlines, a XL Airways France, a Tassili Airlines, a Brussels Airlines, a Twin Jet, a TUIfly, a Turkish Airlines, a TAP Portugal, a Air Transat, a TunisAir, a EasyJet, a Air Austral, a Volotea, a Vueling Airlines, a Air Corsica e a Aigle Azur.

59      Além disso, resulta do guia horário 2016‑2018 do aeroporto de Marselha‑Provença que a recorrente e a HOP! não são as únicas companhias aéreas a estar em «concorrência frontal» com a Ryanair, ou seja, a efetuar voos diretos sem escala. Com efeito, a Ryanair está em concorrência frontal com outras onze companhias aéreas, a saber, a Air Malta, a Alitalia, a British Airways, a Brussels Airlines, a EasyJet, a Iberia, a Royal Air Maroc, a TAP Portugal, a TUIfly, a Volotea e a Vueling Airlines.

60      Em segundo lugar, como resulta do quadro comparativo das ligações do grupo de companhias aéreas de que faz parte a recorrente e da Ryanair, a partir de e para o aeroporto de Marselha‑Provença, em 2016, ano de interposição do presente recurso, o referido grupo, que inclui a recorrente e a HOP!, estava em concorrência frontal com a Ryanair em três ligações, a saber, Marselha‑Brest, Marselha‑Nantes e Marselha‑Lille. É também pacífico entre as partes que a recorrente estava em concorrência direta com a Ryanair nessas três ligações.

61      No entanto, a recorrente, que não era a única companhia aérea em concorrência com a Ryanair em três ligações, não demonstrou que, no que respeita às tarifas das taxas por passageiro específicas da aerogare mp2 e ao contrato AMS, estava numa situação que a distinguia dos outros concorrentes em causa. Em particular, a Royal Air Maroc era concorrente da Ryanair para os voos com destino a Marraquexe (Marrocos), a Oujda (Marrocos) e a Rabat (Marrocos), e a Vueling Airlines para os voos com destino a Málaga (Espanha), Palma de Maiorca (Espanha) e Roma. Assim, estas duas últimas companhias aéreas encontravam‑se na mesma situação de concorrência com a Ryanair que a recorrente. Além disso, o grupo de companhias aéreas de que fazem parte a Vueling Airlines, a British Airways e a Iberia estava em concorrência frontal com a Ryanair em cinco ligações, a saber, Londres (Reino Unido), Madrid (Espanha), Málaga, Palma de Maiorca e Roma, ultrapassando assim em dois o número de ligações servidas pelo grupo de companhias aéreas de que faz parte a recorrente.

62      Em terceiro lugar, no que respeita à importância económica das ligações em que a Ryanair e a recorrente estavam em concorrência frontal, resulta dos autos que a de Marselha‑Nantes era servida pela recorrente até três vezes por dia. Quanto à ligação Marselha‑Brest, a recorrente limitou em 2016 as suas operações a seis semanas em julho e em agosto. Ora, além da recorrente, a Ryanair estava em concorrência frontal com outras companhias aéreas noutras ligações com cidades maiores que Nantes e Brest. A este respeito, como salienta a Comissão, no que diz respeito a Londres, a Ryanair estava em concorrência com a British Airways, que propunha três voos por dia para o aeroporto de Londres‑Heathrow (Reino Unido), e a EasyJet, que oferecia até três voos por dia para o aeroporto de Londres‑Gatwick (Reino Unido) e três voos por semana para o aeroporto de Londres‑Luton (Reino Unido).

63      Em quarto lugar, o argumento da recorrente segundo o qual a comparação dos preços propostos pela HOP! e pela Ryanair para os voos a partir do aeroporto de Marselha‑Provença com destino a Brest e a Nantes demonstra a distorção considerável da concorrência e, em substância, que a sua posição concorrencial no mercado é afetada pelas tarifas das taxas por passageiro específicas da aerogare mp2 e pelo contrato AMS deve ser rejeitado. Com efeito, embora a referida comparação dos preços, feita pela recorrente em 29 de março de 2017, demonstre que os preços oferecidos pela Ryanair eram nitidamente menos caros do que os propostos pela recorrente e pela sua filial, a comparação dos preços apresentada pela Comissão em relação a 27 de julho de 2017 e 31 de julho de 2017 demonstra o contrário. Em todo o caso, mesmo admitindo que os preços praticados pela Ryanair sejam globalmente mais baixos do que os propostos pela recorrente para as referidas ligações, isso não prova, por si só, uma distorção considerável da concorrência causada pelo nível das taxas aeroportuárias estabelecidas pela entidade gestora do referido aeroporto e pelo referido contrato. Como indica a Comissão, uma diferença de preço pode dever‑se a outros fatores, como os custos de exploração mais ou menos elevados de cada companhia aérea em causa.

64      Em quinto lugar, o quadro apresentado pela recorrente, sem indicação de qualquer fonte, que ilustra a evolução da sua atividade «ponto a ponto» a partir do aeroporto de Marselha‑Provença e que demonstra uma queda de mais de 50 % entre 2013 e 2017, não demonstra que a sua posição concorrencial no mercado pertinente foi substancialmente afetada pelas tarifas das taxas por passageiro específicas da aerogare mp2 e pelo contrato AMS. Desde logo, a recorrente não especifica os elementos respeitantes à atividade de transporte «ponto a ponto» em que se baseou para elaborar esse quadro. Em seguida, como a própria recorrente reconhece, esta não teve em conta, nas suas estimativas, os dados relativos às ligações, aparentemente importantes, a saber, Marselha‑Paris e Marselha‑Amesterdão. Por último, não apresenta qualquer dado específico quanto ao impacto da sua concorrência frontal com a Ryanair durante o período escolhido na redução da sua atividade «ponto a ponto».

65      A este propósito, dado que, no caso em apreço, o mercado pertinente apresenta uma estrutura desconcentrada, caracterizada pela presença de um número elevado de operadores, não pode simplesmente presumir‑se que a redução da atividade «ponto a ponto» da recorrente entre 2013 e 2017, como resulta do quadro já referido, se deve exclusivamente às tarifas das taxas por passageiro específicas da aerogare mp2 e ao contrato AMS, tendo em conta a sua concorrência com a Ryanair no referido mercado. É verdade que não se pode exigir da recorrente que demonstre que a referida redução se deve exclusivamente às referidas medidas. No entanto, cabia‑lhe, pelo menos, apresentar elementos destinados a demonstrar que, tendo em conta a sua concorrência frontal com a Ryanair nas ligações Marselha‑Brest, Marselha‑Nantes e Marselha‑Lille, estas medidas tinham tido consequências na sua posição concorrencial nesse mercado, o que não fez.

66      A este respeito, segundo a jurisprudência, uma importante redução do volume de negócios, perdas financeiras não negligenciáveis, uma diminuição significativa das quotas de mercado e lucros cessantes podem constituir indícios, que o concorrente deve demonstrar serem resultantes da concessão do auxílio, que afetam substancialmente a posição concorrencial no mercado do concorrente em causa (v., neste sentido, Acórdão de 22 de dezembro de 2008, British Aggregates/Comissão, C‑487/06 P, EU:C:2008:757, n.o 53). Ora, no caso em apreço, a recorrente não apresenta estimativas precisas, quantitativas e pormenorizadas que demonstrem que as quotas de mercado alegadamente adquiridas pela Ryanair no mercado pertinente eram a consequência das tarifas das taxas por passageiro específicas da aerogare mp2 e do contrato AMS. A mesma afirmação é válida para o argumento da recorrente segundo o qual, devido à sua concorrência com a Ryanair, foi obrigada a cessar as ligações Marselha‑Roma, Marselha‑Düsseldorf e Marselha‑Bordéus entre 2013 e 2015. Com efeito, a recorrente não apresenta qualquer elemento preciso suscetível de demonstrar que a cessação das ligações já referidas se devia à sua concorrência direta com a Ryanair.

67      Além disso, há que salientar a este respeito que, na audiência, a Aéroport Marseille Provence afirmou, sem ser contestada pela recorrente, que, no que respeita nomeadamente às ligações Marselha‑Lille e Marselha‑Nantes, não tinha havido uma redução do tráfego, mas que, pelo contrário, a recorrente tinha aumentado o número de passageiros transportados após a chegada da Ryanair a essas ligações.

68      Nestas condições, a invocação pela recorrente de que a sua posição concorrencial no mercado pertinente  foi afetada pelas tarifas das taxas por passageiro específicas da aerogare mp2 e pelo contrato AMS não está demonstrada e não permite constatar que a recorrente é individualmente afetada. Em especial, mesmo que tais medidas possam conduzir, como a recorrente alega, a uma limitação da sua atividade no referido mercado, resulta do exposto que a mesma não apresenta elementos suficientes que permitam demonstrar que a sua situação se distingue da dos outros operadores que estão em concorrência com a Ryanair nesse mercado, de forma a afetá‑la de um modo análogo ao destinatário das referidas medidas.

69      Atendendo ao exposto, admitindo que a posição concorrencial da recorrente no mercado pertinente seja diretamente afetada, tendo em conta a sua concorrência frontal com a Ryanair, pelas tarifas das taxas por passageiro específicas da aerogare mp2 e pelo contrato AMS, não foi demonstrado que o fosse de forma substancial. Por conseguinte, as referidas medidas não dizem individualmente respeito à recorrente na aceção da jurisprudência aplicável.

70      Os outros argumentos da recorrente não infirmam esta conclusão.

71      Em primeiro lugar, a recorrente realça a sua participação ativa no procedimento no termo do qual a Comissão adotou a decisão impugnada. A este respeito, alega que apresentou duas denúncias sucessivas relativas às medidas de auxílio estatais aplicadas pelo aeroporto de Marselha‑Provença invocando as consequências negativas que as medidas em causa teriam na sua posição enquanto utilizadora desse aeroporto. Daí deduz que teve um papel extremamente ativo no procedimento que antecedeu a adoção da referida decisão.

72      Todavia, a legitimidade de uma recorrente não pode ser inferida da sua mera participação no procedimento administrativo (Despacho de 7 de março de 2013, UOP/Comissão, T‑198/09, não publicado, EU:T:2013:105, n.o 27, e Acórdão de 22 de junho de 2016, Whirlpool Europe/Comissão, T‑118/13, EU:T:2016:365, n.o 55), mesmo que tenha desempenhado um papel relevante nesse procedimento, designadamente apresentando a denúncia na origem da decisão impugnada (v., neste sentido, Acórdão de 9 de julho de 2009, 3F/Comissão, C‑319/07 P, EU:C:2009:435, n.os 94 e 95).

73      Em segundo lugar, a recorrente refere‑se a uma reunião do presidente executivo da Ryanair em que este teria reivindicado «uma situação de concorrência» com a recorrente. Ora, as opiniões pessoais de um dirigente de uma companhia aérea beneficiária de um auxílio não podem ser suficientes para demonstrar que a posição dos seus concorrentes no mercado em causa é substancialmente afetada. Acresce que não resulta da referida reunião que o referido presidente executivo atribuiu à recorrente uma posição concorrencial particular em relação à Ryanair. Esse presidente executivo afirma, em especial, que a Ryanair tem «sempre mais concorrentes» e que «as transportadoras como [a recorrente], a Alitalia, a Lufthansa terão de seguir [a tendência para os serviços a baixo‑custo]». Por isso, o mesmo presidente executivo considera a recorrente apenas uma concorrente, entre outros, da sua companhia aérea.

74      Em terceiro lugar, a recorrente apresenta um estudo de mercado que realizou em setembro de 2017. Esse estudo mediu o índice HHI (Índice de Herfindahl‑Hirschman) que é comummente referido como medida do grau da concorrência num mercado. Quanto à concorrência da Ryanair com a recorrente, o estudo considera que, devido a um grande número de ligações em comum, o crescimento da Ryanair afeta diretamente o grupo de companhias aéreas de que a recorrente faz parte. De acordo com o mesmo estudo, em 2016, a Ryanair estava em concorrência com o referido grupo em dez ligações entre cidades francesas e 37 ligações entre uma cidade francesa e uma cidade europeia não localizada em França.

75      Ora, o estudo de mercado em causa, embora permita estabelecer a existência de uma relação de concorrência entre a recorrente e a Ryanair, não demonstra de forma alguma que a posição concorrencial da recorrente no mercado relevante é substancialmente afetada pelas tarifas das taxas por passageiro específicas da aerogare mp2 e pelo contrato AMS. Por um lado, o facto de, segundo o referido estudo, «a Ryanair não ser frequentemente o único operador nas rotas [em que] opera [e, portanto, de] as subvenções pagas poderem afetar o jogo da concorrência» é uma afirmação de caráter geral que não individualiza a posição da recorrente em relação à das outras concorrentes da Ryanair no referido mercado. Por outro lado, a afirmação do relatório, segundo a qual, «devido a um grande número de ligações em comum, o crescimento da Ryanair afeta diretamente [o grupo de companhias aéreas de que a recorrente faz parte]», pode demonstrar que a recorrente é diretamente afetada pela concorrência da Ryanair sem, no entanto, demonstrar que é substancialmente afetada pelas medidas acima referidas, na aceção da jurisprudência pertinente.

76      Em quarto lugar, a recorrente refere‑se ao Acórdão de 25 de junho de 1998, British Airways e o./Comissão (T‑371/94 e T‑394/94, EU:T:1998:140), em que, em seu entender, o Tribunal Geral reconheceu a admissibilidade das petições apresentadas, nomeadamente pelas companhias aéreas British Airways e Scandinavian Airlines System Denmark‑Norway‑Sweden, contra uma decisão da Comissão que declarou, após o procedimento formal de investigação, compatível com o mercado interno um auxílio que lhe tinha sido concedido pelas autoridades francesas.

77      No Acórdão de 25 de junho de 1998, British Airways e o./Comissão (T‑371/94 e T‑394/94, EU:T:1998:140), o Tribunal Geral, sem analisar expressamente a admissibilidade do recurso, que de resto não tinha sido suscitada pela Comissão, anulou a decisão contra a qual o recurso tinha sido apresentado no processo que tinha dado origem a esse acórdão. A decisão dizia respeito à validade de uma medida de aumento de capital de vários milhares de milhões de francos franceses da recorrente, acompanhada de um projeto de reestruturação dessa companhia aérea, destinado a restaurar a sua viabilidade económica e financeira.

78      Ora, o presente processo é relativo às tarifas das taxas por passageiro específicas da aerogare mp2 e ao contrato AMS. Assim, distingue‑se do processo que deu origem ao Acórdão de 25 de junho de 1998, British Airways e o./Comissão (T‑371/94 e T‑394/94, EU:T:1998:140), tanto no que diz respeito aos objetivos respetivos das medidas impugnadas como ao seu alcance. Com efeito, esse acórdão diz respeito de modo geral à injeção de um montante muito elevado no capital de uma companhia aérea para assegurar, de forma geral, a sua viabilidade no setor do transporte aéreo, ao passo que o presente processo se prende exclusivamente com a atividade de companhias aéreas concorrentes num aeroporto específico. Consequentemente, o facto de a admissibilidade ter sido implicitamente reconhecida relativamente ao auxílio estrutural no processo que deu origem ao referido acórdão de 1998 não impede que se aprecie de forma diferente se a posição concorrencial da recorrente no mercado pertinente é substancialmente afetada pelas tarifas das taxas por passageiro específicas da aerogare mp2 e pelo contrato AMS.

79      Esta conclusão não pode, no caso de o presente recurso ser julgado inadmissível, ser posta em causa pelo argumento da recorrente relativo à aplicação pelo Tribunal Geral de um padrão de admissibilidade diferente nos dois casos, o que constitui uma violação do direito à ação, garantido pelo artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

80      Com efeito, basta recordar que, segundo a jurisprudência, as condições de admissibilidade de um recurso de anulação não podem ser afastadas devido à interpretação feita pelo recorrente do direito a uma proteção jurisdicional efetiva. Deste modo, no que se refere especificamente ao domínio que é objeto do presente recurso, o Tribunal já decidiu que um particular, relativamente ao qual uma decisão da Comissão em matéria de auxílios de Estado não diz direta e individualmente respeito e que, consequentemente, não é afetado nos seus interesses pela medida estatal objeto dessa decisão, não pode invocar o direito a uma proteção jurisdicional efetiva relativamente a essa decisão (v., neste sentido, Acórdão de 22 de novembro de 2007, Sniace/Comissão, C‑260/05 P, EU:C:2007:700, n.os 64 e 65). Ora, resulta dos elementos expostos que uma destas duas condições não está preenchida no caso vertente, uma vez que a recorrente não demonstrou que a decisão impugnada lhe dizia individualmente respeito. Tendo em conta o facto de o presente processo e o processo que deu origem ao Acórdão de 25 de junho de 1998, British Airways e o./Comissão (T‑371/94 e T‑394/94, EU:T:1998:140), não se referirem a medidas de caráter idêntico ou sequer semelhante, a recorrente não tem razão ao sustentar que a inadmissibilidade do presente recurso viola o seu direito a uma proteção jurisdicional efetiva.

81      Resulta de todo o exposto que a recorrente não demonstrou que foi individualizada relativamente aos outros concorrentes da Ryanair no mercado relevante, tanto no que diz respeito às tarifas das taxas por passageiro específicas da aerogare mp2 como ao contrato AMS.

82      Nestas condições, o presente recurso deve ser julgado inadmissível.

 Quanto às despesas

83      Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida, há que condená‑la nas despesas, em conformidade com os pedidos da Comissão.

84      Além disso, nos termos do artigo 138.o, n.o 3, do Regulamento de Processo, o Tribunal Geral pode determinar que um interveniente diferente dos mencionados nos n.os 1 e 2 do referido artigo suportará as suas próprias despesas. No caso vertente, as intervenientes em apoio da Comissão suportarão as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Sexta Secção alargada)

decide:

1)      O recurso é julgado inadmissível.

2)      A Société Air France suportará as suas próprias despesas e as despesas efetuadas pela Comissão Europeia.

3)      A Ryanair DAC, a Airport Marketing Services Ltd e a Aéroport Marseille Provence SA suportarão as suas próprias despesas.

Berardis

Papasavvas

Spielmann

Csehi

 

      Spineanu‑Matei

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 11 de julho de 2019.

Assinaturas

Índice



*      Língua do processo: francês.