Language of document : ECLI:EU:T:2001:221

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção)

19 de Setembro de 2001 (1)

«Marca comunitária - Forma de um produto para máquina de lavar roupa ou louça - Marca tridimensional - Motivo absoluto de recusa de registo - Artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento (CE) n.° 40/94»

No processo T-337/99,

Henkel KGaA, com sede em Düsseldorf (Alemanha), representada por H. F. Wissel e C. Osterrieth, advogados, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrente,

contra

Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI), representado por A. von Mühlendahl, D. Schennen e S. Laitinen, na qualidade de agentes,

recorrido,

que tem por objecto um recurso contra a decisão da Terceira Câmara de Recurso do Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) de 21 de Setembro de 1999 (processo R 73/1999-3) notificada à recorrente em 28 de Setembro de 1999,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Segunda Secção),

composto por: A. W. H. Meij, presidente, A. Potocki e J. Pirrung, juízes,

secretário: D. Christensen, administradora,

vista a petição de recurso que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 26 de Novembro de 1999,

vista a contestação que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 17 de Fevereiro de 2000,

e após a audiência de 5 de Abril de 2001,

profere o presente

Acórdão

Factos subjacentes ao litígio

1.
    Em 15 de Dezembro de 1997, a recorrente apresentou um pedido de marca comunitária ao Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (a seguir «Instituto»), nos termos do Regulamento (CE) n.° 40/94 do Conselho, de 20 de Dezembro de 1993, sobre a marca comunitária (JO 1994, L 11, p. 1), na redacção então em vigor.

2.
    A marca tridimensional cujo registo foi pedido apresenta-se, segundo a representação gráfica que dela fez a recorrente, sob a forma de uma pastilha redonda com duas camadas, cujas cores - branca (parte inferior) e vermelha (parte superior) - são igualmente reivindicadas.

3.
    Os produtos para os quais foi pedido o registo da marca enquadram-se na classe 3 do Acordo de Nice relativo à Classificação Internacional dos Produtos e Serviços, para efeitos do registo de marcas, de 15 de Junho de 1957, tal como revisto ealterado, e correspondem à seguinte descrição: «produtos para roupa e louça sob a forma de pastilhas».

4.
    Por comunicação de 28 de Setembro de 1998, o examinador formulou objecções ao pedido com base no artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94 e fixou à recorrente um prazo de dois meses para apresentar observações - o que esta fez por carta de 9 de Outubro de 1998.

5.
    Numa carta de 6 de Janeiro de 1999 endereçada ao Instituto, a recorrente afirmou que um pedido de marca de um concorrente relativo a pastilhas para máquinas de lavar roupa semelhantes tinha sido publicado no boletim das marcas comunitárias.

6.
    Por decisão de 26 de Janeiro de 1999, o examinador recusou o pedido de registo ao abrigo do artigo 38.° do Regulamento n.° 40/94. Na primeira parte da decisão, o examinador retomou a fundamentação das objecções constante da comunicação de 28 de Setembro de 1998. Na segunda parte, indicou que a recorrente não tinha tomado posição sobre essa comunicação no prazo de dois meses nela fixado e que, por isso, o pedido seria decidido com base nos elementos então constantes dos autos. Na terceira parte, precisou que os argumentos apresentados na carta de 6 de Janeiro de 1999 tinham sido tomados em consideração mas não tinham sido acolhidos.

7.
    Em 3 de Fevereiro de 1999, o examinador transmitiu à recorrente uma cópia da decisão de 26 de Janeiro de 1999, precedida do seguinte texto: «a falta de fundamento da notificação que se segue, que vos foi transmitida em 26 de Janeiro de 1999, é evidente dado que o Instituto recebeu a vossa tomada de posição dentro do prazo. Queira considerar, portanto, essa notificação nula e sem efeito». Na mesma data, transmitiu à recorrente uma nova decisão rejeitando o pedido de marca comunitária.

8.
    Em 5 de Fevereiro de 1999, a recorrente interpôs recurso para o Instituto, ao abrigo do artigo 59.° do Regulamento n.° 40/94, contra a decisão do examinador.

9.
    Foi negado provimento ao recurso por decisão de 21 de Setembro de 1999 (a seguir «decisão impugnada»).

10.
    No essencial, a Câmara de Recurso considerou que o artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94 obstava ao registo da marca pedida. Entendeu que, para ser registada, uma marca deve permitir distinguir os produtos para os quais é pedida em função da sua origem e não em função da sua natureza. Como se trata de uma marca tridimensional que se limita a reproduzir o produto, tal pressupõe que a forma do produto seja suficientemente original para se gravar facilmente na memória e que se distinga do que é usual no comércio. Tendo em conta, por um lado, o risco de conferir ao titular da marca, através da protecção da forma do produto, um monopólio sobre este e, por outro, a necessidade de ter presente adiferença entre o direito das marcas e o direito dos modelos de utilidade e dos desenhos e modelos, os critérios de apreciação do carácter distintivo devem ser estritos. No presente caso, o pedido de marca não satisfaz estas exigências acrescidas. Segundo a Câmara de Recurso, a forma reivindicada pela recorrente não é excepcionalmente especial nem fora do comum, cabendo, ao contrário, entre as formas de base típicas do mercado em causa. O modo como as cores, o vermelho e o branco, estão dispostas também não consegue conferir qualquer especificidade à forma reivindicada. A Câmara de Recurso acrescentou que nem a falta de uniformidade na prática decisória do Instituto nem os registos anteriores invocados pela recorrente podiam ter um efeito vinculativo sobre a sua decisão.

Pedidos das partes

11.
    A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    anular a decisão impugnada;

-    condenar o recorrido nas despesas.

12.
    O Instituto conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    negar provimento ao recurso;

-    condenar a recorrente nas despesas.

O direito

13.
    A recorrente invoca três fundamentos. O primeiro baseia-se em violação do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94. O segundo consiste em «desvio de poder» e em violação do princípio da igualdade de tratamento. O terceiro, em violação do direito de ser ouvido. Há que examinar primeira este terceiro fundamento.

Quanto ao fundamento baseado em violação do direito de ser ouvido

14.
    A recorrente considera que a Câmara de Recurso não examinou os argumentos constantes da sua carta de 9 de Outubro de 1998, o que constituiria uma violação do seu direito a ser ouvida.

15.
    Resulta, porém, do ponto 3 da decisão impugnada que a Câmara de Recurso tomou conhecimento da carta da recorrente de 9 de Outubro de 1998. Os argumentos invocados pela recorrente nessa carta foram tomados em consideração, no essencial, pela Câmara de Recurso, no desenvolvimento do raciocínio que se concluiu pela referida decisão. Este fundamento não colhe, portanto.

Quanto ao fundamento baseado em violação do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94

Argumentos das partes

16.
    A recorrente sustenta que a Câmara de Recurso ignorou o facto de a marca pedida ter um carácter distintivo, sendo certo que um grau mínimo de dissemelhança basta para justificar a protecção de um sinal ao abrigo do Regulamento n.° 40/94.

17.
    Defende que a marca pedida tem carácter distintivo devido à combinação das cores e recorda que segundo o Regulamento n.° 40/94 as cores podem ser registadas como marcas. Invoca a posição de um autor que afirma que a admissão das cores e das combinações de cores como marcas não deve ser entravada por uma aplicação restritiva dos motivos de recusa.

18.
    A recorrente considera a marca pedida distintiva também pela sua forma e contesta a posição da Câmara de Recurso que exige que uma forma tridimensional tenha um carácter especial e seja fácil de recordar, isto é que apresente uma originalidade que a diferencie do que é habitual no comércio. Segundo a recorrente, o facto de uma forma tridimensional apresentar uma especificidade ou originalidade só é determinante para o exame dos requisitos de protecção dos desenhos e modelos. Quando o que está em causa é o carácter distintivo de uma marca, a única questão que se põe é a de saber se a forma de um produto ou a combinação de determinadas cores aplicadas neste podem ser entendidas pelo público como constituindo uma indicação da proveniência desse produto.

19.
    A recorrente descreve a evolução das várias apresentações dos produtos para roupa e louça. Refere que a apresentação sob a forma de pastilhas de duas cores é recente e que são possíveis múltiplas formas para essas pastilhas. A escolha das cores e o modo como são dispostas na pastilha também podem ser muito variados.

20.
    Segundo a recorrente, a situação nos mercados destes produtos caracteriza-se pela presença de um número limitado de fabricantes principais e o número de produtos apresentados sob a forma de pastilhas de duas cores nos diferentes mercados nacionais é muito reduzido. Nestas condições, os consumidores associaram, desde o início, os detergentes apresentados sob a forma de pastilhas de duas cores a um número muito limitado de fabricantes de artigos de marca, entre os quais se conta a recorrente. Esta atitude dos consumidor foi, segundo a recorrente, reforçada e perenizada por uma publicidade intensiva e duradoura que realçou a presença das duas cores que dão ao produto o seu aspecto característico e a forma específica das pastilhas de detergente. A recorrente sublinha a importância das despesas que efectuou com essa publicidade e do volume de negócios atingido pelos produtos em questão.

21.
    A recorrente invoca a situação clara do mercado bem como o interesse de qualquer fabricante, por um lado, em diferenciar os seus produtos dos dos outros fabricantes graças a uma forma e a uma combinação de cores determinadas e, por outro, em tornar os seus produtos visíveis sob essa forma igualmente nas embalagens, para daí deduzir que não se pode afirmar que uma combinação específica de forma e de cores não serve, por si só, para indicar a proveniência do produto em causa. A recorrente considera que a questão do alcance da protecção de uma marca desse tipo deve ser analisada em separado. O facto de essa protecção poder ser muito limitada num determinado caso não justifica, do seu ponto de vista, a recusa imediata de qualquer carácter distintivo a uma determinada combinação de forma e de cores.

22.
    A recorrente refere-se, apresentando para isso uma importante documentação, a vários pedidos de registo de marca de produtos para roupa e louça sob a forma de pastilhas, tanto a nível nacional como internacional, dos quais alguns se concluíram por registos. Segundo a recorrente, resulta desses dados, por um lado, que todos os fabricantes de renome de artigos de marca no domínio dos produtos para lavagem de roupa e louça consideraram sempre que a forma e a cor das pastilhas são elementos distintivos que designam o fabricante e, por outro, que vários serviços de registo de marcas reconheceram às pastilhas a qualidade de marca. Invoca uma decisão de um órgão jurisdicional italiano que reconheceu a validade de uma marca que a recorrente considera análoga à sua.

23.
    Para a recorrente, o carácter distintivo da marca pedida deve ser apreciado com referência à data de pedido de registo, de modo que a utilização, em data posterior, de formas e cores semelhantes pelos seus concorrentes não poderia ser invocada para contestar o carácter distintivo da marca pedida. Afirma, no entanto, que este ponto não é decisivo no presente processo, porque a recorrente é a única empresa que produz pastilhas para máquinas de lavar roupa e louça compostas por uma camada vermelha e por uma camada branca.

24.
    A recorrente alega, por último, que a marca pedida adquiriu um carácter distintivo para o seu produto Persil Color graças à utilização que dele foi feita, como prevê o artigo 7.°, n.° 3, do Regulamento n.° 40/94, especialmente devido à sua combinação de cores única (vermelho e branco).

25.
    O Instituto explica, em primeiro lugar, os princípios que regem o registo das marcas tridimensionais, referindo-se aos diferentes motivos de recusa susceptíveis de actuar neste contexto.

26.
    Para o Instituto, uma marca tem carácter distintivo, na acepção do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94, se permitir diferenciar os produtos ou serviços para os quais o registo de marca é pedido em função da sua origem e não em função da sua natureza ou de outras características.

27.
    O Instituto sublinha que os critérios jurídicos de apreciação do carácter distintivo das marcas tridimensionais, consistentes, como no presente caso, na própria forma do produto, não são nem diferentes nem mais estritos do que os aplicáveis a outras marcas. Considera que os termos utilizados pela Câmara de Recurso na decisão impugnada susceptíveis de serem entendidos como a afirmação da necessidade de critérios mais severos no caso de uma marca tridimensional (pontos 23 e 24 da decisão impugnada) se prestam a confusão, mas que este ponto não é decisivo no quadro da decisão impugnada. O Instituto afirma, no entanto, que a forma de um produto não indica a sua origem do mesmo modo que palavras ou elementos figurativos apostos no produto ou na sua embalagem.

28.
    Ora, segundo o Instituto, os consumidores não estabelecem geralmente a ligação entre a forma de um produto e a sua origem. O Instituto afirma que, para que os consumidores possam apreender a própria forma do produto como um meio de identificação da origem deste, essa forma terá de ter uma «particularidade» qualquer que chame a atenção dos consumidores.

29.
    O Instituto sustenta que esta apreciação do carácter distintivo da forma de um produto se deve fazer em três fases. Primeiro, convirá verificar que formas existem para o produto em questão. A seguir, se a forma reivindicada se diferencia dessas outras de um modo perceptível para o consumidor. Por último, ter-se-á que determinar se essa forma particular tem aptidão para indicar a origem do produto.

30.
    O Instituto sublinha que, no âmbito da terceira fase de análise, o tipo de produto e o modo como o consumidor dele se serve são importantes. Precisa que, no caso das pastilhas para máquinas de lavar roupa e louça, o consumidor as retira da embalagem para as introduzir imediatamente nas máquinas, recorrendo portanto à embalagem do produto, na qual figura a marca verbal do fabricante e não à forma ou cor exacta desse produto, para reconhecer este no acto da compra.

31.
    Em segundo lugar, o Instituto procede à análise da marca pedida.

32.
    Segundo o Instituto, a forma da marca pedida, isto é, um disco, não é fora do vulgar, mas banal e corrente no mercado.

33.
    No que respeita às cores, o Instituto entende que a junção de uma camada vermelha não confere carácter distintivo ao sinal pretendido. Para o Instituto, não há combinação de cores quando uma única cor é junta à cor de base (branca ou cinzenta) dos produtos para máquinas de lavar roupa ou louça.

34.
    Segundo o Instituto, a cor pretendida é uma das cores básicas. Afirma que todas as pastilhas de detergente no mercado, compostas de duas camadas, apresentam uma camada colorida com uma das cores de base (vermelho, verde ou azul). Se o Instituto reconhecesse carácter distintivo a esses coloridos banais, os pedidos de marca que lhe fossem apresentados para pastilhas de detergente com coresvermelha, azul ou verde englobariam praticamente todos os coloridos normais e levariam à monopolização da forma do produto.

35.
    O Instituto afirma que as cores, aplicadas a diferentes camadas ou partes das pastilhas, indicam a presença de vários ingredientes activos e servem, portanto, para informar o consumidor sobre as propriedades do produto, o que é sublinhado pela publicidade feita para as pastilhas em causa. O Instituto afirma ainda que resulta do modo como as pastilhas são utilizadas que o consumidor não considera as cores destas como indicações da origem do produto.

36.
    O Instituto considera que o argumento aduzido pela recorrente segundo o qual ela é a única empresa que produz pastilhas de detergente vermelhas e brancas é impertinente. Lembra que as considerações a respeito da utilização que é feita da marca se enquadram numa apreciação à luz do artigo 7.°, n.° 3, do Regulamento n.° 40/94 e que a recorrente só invocou este artigo pela primeira vez na petição de recurso e, portanto, extemporaneamente.

37.
    O Instituto lembra que não se pode deduzir do facto de os concorrentes da recorrente terem escolhido outras cores para as respectivas pastilhas que as cores permitem distinguir os produtos em função da sua origem. A escolha de cores diferentes explica-se, segundo o Instituto, pelo elevado número de pedidos de marca apresentados para os produtos destinados a máquinas de lavar roupa e louça, desde a sua recente introdução no mercado, nos diferentes registos de marca nacionais e comunitário. O Instituto realça que, devido ao facto de determinados registos nacionais terem concedido a protecção de marca, não é aconselhável que um fabricante apresente o seu produto sob uma forma que corresponde a uma marca registada a favor de um concorrente ou mesmo apenas solicitada por este antes que uma solução judicial venha clarificar a situação.

38.
    Em terceiro lugar, quanto ao registo de marcas análogas à pedida no presente caso por serviços nacionais de registo dos Estados-Membros, o Instituto indica que a prática desses serviços não é uniforme.

39.
    Segundo o Instituto, o carácter distintivo da marca deve ser apreciado no momento do registo. Afirma que concorrentes da recorrente lançaram no mercado, antes da apresentação do presente pedido de marca, pastilhas em forma de disco.

Apreciação do Tribunal

40.
    O carácter distintivo de uma marca deve ser apreciado em relação aos produtos ou aos serviços para os quais o registo da marca é pedido.

41.
    No presente caso, a marca cujo registo é pedido é constituída pela forma e pela combinação das cores de uma pastilha para máquinas de lavar roupa ou louça, ou seja, pela apresentação do próprio produto.

42.
    Resulta do artigo 4.° do Regulamento n.° 40/94 que tanto a forma do produto como as cores contam entre os sinais susceptíveis de constituir uma marca comunitária. Mas a aptidão geral de uma categoria de sinais para constituir uma marca não implica que os sinais dessa categoria possuam necessariamente um carácter distintivo na acepção do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94 em relação a um produto ou a um serviço determinado.

43.
    Nos termos do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94, será recusado o registo «de marcas desprovidas de carácter distintivo». Considera-se que tem carácter distintivo a marca que permite distinguir, em função da sua origem, os produtos ou serviços para os quais o registo foi pedido. Para este efeito, não é necessário que transmita uma informação precisa quanto à identidade do fabricante do produto ou do prestador de serviços. Basta que a marca permita ao público em causa distinguir o produto ou serviço que ela designa dos que têm outra origem comercial e concluir que todos os produtos ou serviços que designa foram fabricados, comercializados ou fornecidos sob controlo do titular dessa marca, ao qual pode ser atribuída a responsabilidade da sua qualidade (v. neste sentido, o acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de Setembro de 1998, Canon, C-39/97, Colect., p. I-5507, n.° 28).

44.
    Resulta da letra do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94 que um mínimo de carácter distintivo basta para que o motivo de recusa definido neste artigo não seja aplicável. Importa, pois, apurar - no quadro de um exame a priori e sem qualquer tomada em consideração da utilização do sinal na acepção do artigo 7.°, n.° 3, do Regulamento n.° 40/94 - se a marca pedida permitirá ao público visado distinguir os produtos em causa dos que têm outra origem comercial quando, no acto da compra, tiver que escolher.

45.
    O artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94 não distingue entre as diferentes categorias de marcas. Os critérios de apreciação do carácter distintivo das marcas tridimensionais compostas pela forma do próprio produto não são diferentes dos aplicáveis às outras categorias de marcas.

46.
    Há, no entanto, que ter em conta, no quadro da aplicação destes critérios, o facto de a percepção do público visado não ser necessariamente a mesma no caso de uma marca tridimensional constituída pela forma e pelas cores do próprio produto e no caso de uma marca verbal, figurativa ou tridimensional que não seja constituída pela forma do produto. Com efeito, se é certo que o público está habituado a apreender imediatamente estas últimas marcas como sinais identificadores do produto, já o mesmo não acontece necessariamente quando o sinal se confunde com o aspecto do próprio produto.

47.
    No que respeita à percepção do público em causa, a Câmara de Recurso salientou, com razão, que os produtos para os quais o registo da marca foi pedido no presente caso, ou seja, os produtos para máquinas de lavar roupa ou louça sob aforma de pastilhas, são bens de consumo largamente difundidos. O público visado por estes produtos é constituído por todos os consumidores. Há assim que apreciar o carácter distintivo da marca pedida tendo em consideração a presumível expectativa de um consumidor médio, normalmente informado e razoavelmente atento e advertido (v., por analogia, o acórdão do Tribunal de Justiça de 16 de Julho de 1998, Gut Springenheide e Tusky, C-210/96, Colect., p. I-4657, n.os 30 a 32).

48.
    A percepção da marca pelo público em causa é influenciada, em primeiro lugar, pelo nível de atenção do consumidor médio, que é susceptível de variar em função da categoria de produtos ou serviços em causa (v. o acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de Junho de 1999, Lloyd Schuhfabrik Meyer, C-342/97, Colect., p. I-3819, n.° 26). Relativamente a este aspecto, a Câmara de Recurso considerou, com razão, que, tratando-se de produtos de consumo quotidiano, o nível de atenção do consumidor médio em relação à forma e às cores das pastilhas para máquinas de lavar roupa ou louça não é elevado.

49.
    Para apurar se a combinação da forma e da distribuição das cores da pastilha em causa pode ser apreendida pelo público como um indicador de origem, há que analisar a impressão de conjunto produzida por essa combinação (v., por analogia, o acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Novembro de 1997, SABEL, C-251/95, Colect., p. I-6191, n.° 23), o que não é incompatível com o exame um por um dos diferentes elementos da apresentação utilizados.

50.
    A forma tridimensional cujo registo é pedido, isto é, uma pastilha redonda, é uma das formas geométricas de base e uma das formas que vem naturalmente à mente para um produto destinado a máquinas de lavar roupa ou louça.

51.
    Quanto à presença de duas camadas, uma branca e outra vermelha, há que realçar que o público em causa está habituado à presença de elementos de cor diferente num produto detergente. Os pós, que correspondem à apresentação tradicional destes produtos, são a maior parte das vezes de cor cinzenta ou bege muito claro e parecem quase brancos. Contêm frequentemente partículas de uma ou várias cores diferentes. A publicidade promovida pela recorrente e pelos outros produtores de detergentes põe a tónica no facto de essas partículas consubstanciarem a presença de diferentes substâncias activas. As partículas coloridas evocam, portanto, sem no entanto poderem, por isso, ser consideradas como uma indicação descritiva na acepção do artigo 7.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 40/94, certas qualidades do produto. Não se pode deduzir, porém, da inaplicabilidade deste último motivo de recusa, que os elementos coloridos conferem necessariamente um carácter distintivo à marca pedida. Com efeito, esse carácter não existe quando o público visado é levado, como no presente caso, a apreender a presença dos elementos coloridos como a evocação de certas qualidades do produto e não como a indicação da sua origem. A eventualidade de os consumidores adquirirem, apesar disso, o hábito de reconhecer o produto com base nas suas cores não basta, por si só, para afastar o motivo de recusa baseadono artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94. Essa evolução na percepção do sinal pelo público só poderá ser tomada em conta, se for provada, no quadro do artigo 7.°, n.° 3, do Regulamento n.° 40/94.

52.
    O facto de as partículas coloridas, no presente caso, não se distribuírem de modo regular por toda a pastilha, mas se encontrarem concentradas na parte superior desta, não basta para tornar o aspecto da pastilha perceptível como uma indicação da origem do produto. Com efeito, quando se trata de combinar diferentes substâncias num produto para máquinas de lavar roupa ou louça com a forma de uma pastilha, a junção de uma camada faz parte das soluções que vêm naturalmente à mente.

53.
    Não é relevante, neste contexto, que a recorrente seja a única empresa a utilizar a cor vermelha para as pastilhas constituídas por duas camadas. A utilização de cores de base, como o azul ou o verde, é corrente e mesmo típica dos produtos detergentes. O recurso a outras cores básicas, como o vermelho ou o amarelo, faz parte das variações, que vêm naturalmente à mente, da apresentação típica desses produtos.

54.
    De onde se conclui que a marca tridimensional pedida é constituída por uma combinação de elementos de apresentação que vêm naturalmente à mente e típicas do produto em causa.

55.
    Acresce que são possíveis combinações diferentes destes elementos de apresentação através de uma modificação das formas geométricas de base e da junção, à cor de base do produto, de outra cor básica que apareça noutra camada da pastilha ou de um mosqueado. As divergências daí resultantes quanto ao aspecto das várias pastilhas não bastam para permitir que cada uma destas pastilhas funcione como um indicador da origem do produto quando se trata, como no presente caso, de variações que vêm naturalmente à mente das formas de base do produto.

56.
    Atendendo à impressão de conjunto que sobressai da forma e da combinação das cores da pastilha em causa, a marca pedida não permitiria ao público visado distinguir esses produtos dos que têm outra origem comercial, quando efectua a sua escolha no acto da compra.

57.
    Acrescente-se que a falta de aptidão da marca pedida para indicar a priori e independentemente da sua utilização na acepção do artigo 7.°, n.° 3, do Regulamento n.° 40/94, a origem do produto não é resolvida pelo número mais ou menos importante de pastilhas semelhantes já presentes no mercado. Por conseguinte, não é necessário decidir, no presente caso, se o carácter distintivo da marca deve ser apreciado na data da apresentação do pedido de registo ou na data do registo efectivo.

58.
    No que diz respeito,a seguir, aos argumentos que a recorrente retira da prática dos serviços nacionais de registo de marcas e do reconhecimento do carácter distintivo de um sinal semelhante por uma decisão jurisdicional italiana, recorde-se que os registos já efectuados nos Estados-Membros constituem apenas um elemento que, não sendo determinante, apenas pode ser tomado em consideração para efeitos de registo de uma marca comunitária [acórdãos de 16 de Fevereiro de 2000, Procter & Gamble/IHMI (forma de um sabão), T-122/99, Colect., p. II-265, n.° 61, e de 31 de Janeiro de 2001, Sunrider/IHMI (VITALITÉ), T-24/00, Colect., p. II-449, n.° 33]. As mesmas considerações são aplicáveis à jurisprudência dos órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros. Acresce que resulta das respostas do Instituto às perguntas deste Tribunal que a prática dos serviços nacionais de registo de marcas em relação às marcas tridimensionais constituídas por pastilhas para máquinas de lavar roupa e louça não é uniforme. Não pode, portanto, criticar-se a Câmara de Recurso por ter ignorado essa prática e uma jurisprudência nacional.

59.
    De onde se conclui que a Câmara de Recurso julgou acertadamente que a marca tridimensional pedida não tinha carácter distintivo.

60.
    O facto de os critérios de apreciação desse carácter distintivo, no caso de uma marca tridimensional constituída pela forma do próprio produto, não serem mais rigorosos do que os aplicáveis às outras categorias de marcas não implica mais nada além disso mesmo.

61.
    Com efeito, as considerações que levaram a Câmara de Recurso a declarar a falta de carácter distintivo da marca pedida justificam uma conclusão idêntica à luz dos critérios de apreciação respectivos, aplicáveis a todas as marcas, quer estas sejam verbais, figurativas ou tridimensionais.

62.
    A recorrente alega ainda, sem invocar explicitamente como fundamento uma violação do artigo 7.°, n.° 3, do Regulamento n.° 40/94, que a marca pedida tem carácter distintivo devido ao uso que dela foi feito. Não tendo este fundamento sido invocado perante a Câmara de Recurso, este argumento não pode ser apreciado pelo Tribunal [v. acórdão de 8 de Julho de 1999, Procter & Gamble/IHMI (BABY-DRY), T-163/98, Colect., p. II-2383, n.os 48 a 51].

Quanto ao fundamento baseado em «desvio de poder» e em violação do princípio da igualdade de tratamento

Argumentos das partes

63.
    Para fundamentar o alegado «desvio de poder», a recorrente sustenta que o Instituto autorizou a publicação de certos pedidos de marcas comunitárias análogas à sua para produtos da mesma área ou de uma área próxima. Invoca designadamente o pedido de marca comunitária n.° 809 830 da sociedade Benckiser N.V. A recorrente afirma que a Câmara de Recurso violou deste modo o princípio da igualdade de tratamento.

64.
    A recorrente considera, além disso, que a decisão impugnada é contrária ao objectivo superior do direito comunitário em geral e do regulamento sobre a marca comunitária em particular de harmonização do direito das marcas a nível comunitário. Segundo a recorrente, este objectivo de harmonização só poderá ser realmente atingido se o direito das marcas for interpretado de modo uniforme.

65.
    O Instituto afirma que o pedido de marca invocado pela recorrente não se concluiu por um registo. Além disso, mesmo admitindo que o Instituto tivesse efectivamente registado essa marca, essa decisão seria errada e a recorrente não poderia apoiar-se nela para requerer a adopção de uma decisão que seria uma repetição do erro.

Apreciação do Tribunal

66.
    Importa recordar que a noção de desvio de poder tem um alcance preciso em direito comunitário e que se refere ao facto de uma autoridade administrativa utilizar os seus poderes com um objectivo diverso daquele para que lhe foram conferidos. A este respeito, é jurisprudência constante que uma decisão só está viciada por desvio de poder quando se verifique, com base em indícios objectivos, pertinentes e concordantes, ter sido tomada para alcançar fins diversos dos invocados (v. designadamente o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 24 de Abril de 1996, Industrias Pesqueras Campos e o./Comissão, T-551/93, T-231/94, T-232/94, T-233/94 e T-234/94, Colect., p. II-247, n.° 168). A recorrente não apresentou qualquer elemento do qual se possa deduzir que a adopção da decisão impugnada tinha outro fim que não o de verificar que a marca respeitava as condições de registo previstas pelo Regulamento n.° 40/94.

67.
    Como este fundamento se destina a provar uma violação do princípio da igualdade de tratamento, decorre das respostas do Instituto às perguntas do Tribunal que o pedido de marca cuja publicação foi invocada pela recorrente foi rejeitado pelo examinador em data posterior à apresentação do presente recurso e que esta decisão está actualmente a ser examinada por uma Câmara de Recurso. Por conseguinte, o argumento fundado na publicação desse pedido de marca tornou-se, de qualquer modo, caduco. De onde se conclui que o presente fundamento não colhe.

68.
    Tendo em conta quanto precede, o recurso deve ser rejeitado.

Quanto às despesas

69.
    Por força do disposto no n.° 3 do artigo 87.° do Regulamento de Processo, o Tribunal pode repartir as despesas ou determinar que cada uma das partes suporte as suas próprias despesas, se cada parte obtiver vencimento parcial ou perante circunstâncias excepcionais. Como o texto da decisão impugnada podia dar origema dúvidas quanto à correcta aplicação, neste caso, do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94 pela Câmara de Recurso, há que decidir que cada uma das partes suportará as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção),

decide:

1.
    Negar provimento ao recurso.

2.
    Condenar cada uma das partes a suportar as suas próprias despesas.

Meij
Potocki
Pirrung

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 19 de Setembro de 2001.

O secretário

O presidente

H. Jung

A. W. H. Meij


1: Língua do processo: alemão.