Language of document : ECLI:EU:T:1998:11

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quinta Secção)

29 de Janeiro de 1998 (1)

«Responsabilidade extracontratual — Acto Único Europeu — Despachante oficial»

No processo T-113/96,

Edouard Dubois et Fils, sociedade anónima de direito francês, com sede social em Roubaix (França), representada por Pierre Ricard e Alain Crosson du Cornier, advogados no foro de Paris, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório do advogado Marc Feiler, 67, rue Ermesinde,

demandante,

contra

Conselho da União Europeia, representado por Guus Houttuin e Maria Cristina Giorgi, consultores jurídicos, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Alessandro Morbilli, director-geral da Direcção dos Serviços Jurídicos do Banco Europeu de Investimento, 100, boulevard Konrad Adenauer,

e

Comissão das Comunidades Europeias, representada por Hendrik van Lier, consultor jurídico, e Fernando Castillo de la Torre, membro do Serviço Jurídico,

na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Carlos Gómez de la Cruz,membro do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,

demandados,

que tem por objecto um pedido de indemnização apresentado ao abrigo dos artigos 178.° e 215.°, segundo parágrafo, do Tratado CE e destinado a obter a condenação da Comissão na reparação do prejuízo alegadamente sofrido pela demandante devido ao estabelecimento, a partir de 1 de Janeiro de 1993, do mercado interno, em conformidade com o Acto Único Europeu, e a subsequente supressão da actividade de despachante oficial que exercia até então no território francês.

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quinta Secção),

composto por: R. García-Valdecasas, presidente, J. Azizi e M. Jaeger, juízes,

secretário: J. Palacio Gonzalez, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 16 de Setembro de 1997,

profere o presente

Acórdão

Factos que estão na origem do recurso e quadro legal

1.
    O Acto Único Europeu (a seguir, «Acto Único»), assinado no Luxemburgo aos 17 de Fevereiro de 1986 e na Haia em 28 de Fevereiro de 1986, entrado em vigor a 1 de Julho de 1987, completou, com o seu artigo 13.°, o Tratado CEE, aditando-lhe o artigo 8.°-A, convertido, nos termos do artigo G, n.° 9, do Tratado da União Europeia, no artigo 7.°-A do Tratado CE, que dispõe:

«A Comunidade adoptará as medidas destinadas a estabelecer progressivamente o mercado interno durante um período que termina em 31 de Dezembro de 1992, nos termos do disposto no presente artigo, (...)

O mercado interno compreende um espaço sem fronteiras internas no qual a livre circulação das mercadorias, das pessoas, dos serviços e dos capitais é assegurada de acordo com as disposições do presente Tratado.»

2.
    A realização do mercado interno, ao impor a criação entre Estados-Membros da CEE de «um espaço sem fronteiras», implica a abolição das fronteiras fiscais e dos controlos aduaneiros intracomunitários após o termo do período definido na disposição acima citada, ou seja, em 1 de Janeiro de 1993.

3.
    Esta realização é susceptível de afectar seriamente a continuação do exercício de determinadas actividades económicas directamente ligadas à existência de controlos aduaneiros e fiscais nas fronteiras intracomunitárias.

4.
    Atinge, por este facto, em especial os agentes aduaneiros e os despachantes oficiais, pessoas que desempenham por conta de outrem, mediante remuneração, as formalidades alfandegárias exigidas para assegurar a passagem das mercadorias nas fronteiras. Os agentes aduaneiros efectuam estas formalidades por conta e em nome de outrem. Os despachantes oficiais cumprem estas formalidades por conta de outrem mas em seu próprio nome.

5.
    Tal como resulta duma comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu e ao Comité Económico e Social, relativa à adaptação ao mercado interno da profissão de agentes aduaneiros e despachantes (SEC (92) 887 final, a seguir «comunicação da Comissão»), diferentes medidas de acompanhamento foram adoptadas para ter em conta as consequências socioeconómicas da realização do mercado interno para esta categoria profissional.

6.
    Por um lado, os Estados-Membros procederam, ainda que de forma desigual, a concertação com os profissionais envolvidos e propuseram frequentemente medidas de carácter social (tais como a concessão de pré-reformas, de medidas de reconversão profissional, de medidas compensatórias de perda de remuneração, de ajudas à mobilidade geográfica e assistência técnica à procura de um emprego) ou económico (como a isenção fiscal concedida em relação às indemnizações de despedimento, o escalonamento num período mais longo do pagamento do imposto sobre o valor acrescentado ou ajudas às empresas) (comunicação da Comissão, pp. 11 a 13, ponto III).

7.
    Por outro lado, a Comunidade, após a Comissão ter mandado elaborar, em 1991, um estudo financiado pelo Fundo Social Europeu (comunicação da Comissão, pp. 6 a 11, ponto II), adoptou três categorias de medidas.

8.
    Em primeiro lugar, o Fundo Social Europeu equiparou os agentes aduaneiros e os despachantes oficiais a desempregados de longa duração e permitiu-lhes seguir, nesta qualidade, acções destinadas a assegurar a formação, a ajuda ao emprego e acções específicas, entre as quais intervenções destinadas a facilitar a sua orientação profissional, financiadas pelo Fundo (comunicação da Comissão, pp. 14 a 16, ponto IV.1).

9.
    Em segundo lugar, a iniciativa Interreg apoiou a reestruturação das empresas envolvidas, a formação e a reorganização do seu pessoal, a reconversão e a adaptação das zonas de tratamento das mercadorias nas fronteiras, bem como a criação de empregos de substituição (comunicação da Comissão, pp. 16 a 17, ponto IV.2).

10.
    Em terceiro lugar, e em complemento das acções já referidas, todas elas inseridas no âmbito dos fundos estruturais, foram propostas e adoptadas medidas não integradas nos fundos estruturais. Foi a este título que o Conselho adoptou o Regulamento (CEE) n.° 3904/92, de 17 de Dezembro de 1992, relativo às medidas de adaptação da profissão de despachante alfandegário ao mercado interno (JO L 394, p. 1, a seguir «Regulamento n.° 3904/92»).

11.
    A demandante, sociedade anónima de direito francês com capital social de 47 850 000 FF, emprega 1 400 assalariados e possui quarenta sucursais e correspondentes. Exerce a sua actividade principal no domínio da organização de transportes e sectores anexos e exercia, antes da realização do mercado interno, a actividade de despachante aduaneiro oficial em 16 estabelecimentos situados em diversos pontos do território francês.

12.
    Para se preparar para as repercussões que a realização do mercado interno deveria provocar nesta actividade a partir de 1 de Janeiro de 1993, a demandante refere ter consagrado importantes esforços à aplicação duma estratégia de desenvolvimento e de redistribuição para outros sectores de actividade.

13.
    A demandante pôde, em especial, aproveitar do Regulamento n.° 3904/92 e beneficiar a este título de uma decisão de concessão de 100 000 ecus, que lhe permitiram comprar uma outra sociedade (Société Adrien Martin, posteriormente transformada em Adrien Martin International), que se encontrava em situação de liquidação judicial. Esta aquisição fazia parte da sua estratégia de transferência das suas actividades de despachante oficial para outras, no caso as dos serviços relacionados com mercadorias provenientes ou destinadas a países não comunitários;

14.
    A demandante afirma ter sido obrigada, na sequência da realização do mercado interno, a partir de 1 de Janeiro de 1993, a suprimir praticamente de forma total e definitiva as suas actividades de despachante oficial. Calcula o prejuízo material que terá sofrido por este motivo em 112 339 703 FF.

Tramitação processual e pedidos das partes

15.
    Foi nestas condições que, por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 24 de Julho de 1996, a demandante propôs a presente acção de indemnização.

16.
    Com base no relatório preliminar do juiz-relator, o Tribunal (Quinta Secção) decidiu iniciar a fase oral do processo sem instrução.

17.
    Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às perguntas orais do Tribunal na audiência pública de 16 de Setembro de 1997.

18.
    A demandante conclui pedindo que o Tribunal se digne:

—    declarar os demandados responsáveis na acepção do artigo 215.°, segundo parágrafo, do Tratado CE, pelo prejuízo que lhe causaram as repercussões, nas suas actividades de despachante oficial, da aplicação do Acto Único, que instituiu um espaço sem fronteiras entre os Estados-Membros da Comunidade a partir de 1 de Janeiro de 1993;

—    condenar o Conselho e a Comissão a pagarem-lhe solidariamente, a título de indemnização por este prejuízo, o montante de 112 339 702 FF;

—    condenar o Conselho e a Comissão nas despesas.

19.
    O Conselho conclui pedindo que o Tribunal se digne:

—    a título principal, julgar a acção manifestamente inadmissível;

—    a título subsidiário, negar-lhe provimento;

—    condenar a demandante nas despesas.

20.
    A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

—    julgar a acção inadmissível ou negar-lhe provimento;

—    condenar a demandante nas despesas.

Quanto à admissibilidade

Argumentos das partes

21.
    Os demandados invocam três fundamentos de inadmissibilidade, sendo os dois primeiros suscitados pela Comissão e pelo Conselho e o terceiro pelo Conselho.

22.
    No âmbito do seu primeiro fundamento de inadmissibilidade, os demandados alegam que a acção tem por fim fazer reconhecer a responsabilidade da Comissão relativamente a um prejuízo causado por um Tratado celebrado entre Estados-Membros. Os demandados recordam a jurisprudência (acórdãos do Tribunal de Justiça de 4 de Fevereiro de 1975, Compagnie Continentale

France/Conselho, 169/73, Colect. 1975, p. 59, n.° 16; e de 28 de Abril de 1988, LAISA e CPC España/Conselho, 31/86 e 35/86, Colect., p. 2285, n.os 18 a 22) segundo a qual as acções em sede de responsabilidade destinadas a obter reparação de prejuízos eventualmente causados por um acordo celebrado entre Estados-Membros, ou pelos próprios Tratados constitutivos, são inadmissíveis. Consideram que, no caso em apreço, a acção se destina à reparação de um prejuízo causado pela aplicação do Acto Único.

23.
    No âmbito do segundo fundamento de inadmissibilidade, os demandados alegam, por um lado, que a petição, não identificando o facto danoso, não satisfaz a exigência do artigo 19.°, do Estatuto CE do Tribunal de Justiça e do artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância. O objecto do litígio não é, por conseguinte, definido com precisão suficiente. Por outro lado, a petição, uma vez que não é dirigida apenas contra o Acto Único, não precisa qual é o seu fundamento jurídico.

24.
    No quadro do terceiro fundamento de inadmissibilidade, o Conselho afirma que o alegado prejuízo é imputável aos Estados-Membros. Com efeito, uma vez que a acção deve ser interpretada como alegação de omissão por parte das instituições comunitárias, é inadmissível por o alegado prejuízo ser, ao menos numa parte não negligenciável, imputável aos Estados-Membros, pois o artigo 215.°, segundo parágrafo, do Tratado, base do recurso, só permite pôr em causa a responsabilidade das instituições comunitárias e dos seus agentes.

25.
    A demandante considera, quanto ao primeiro fundamento de inadmissibilidade, que, se a acção visa o Acto Único, isso não sucede por este ser a origem do prejuízo directamente sofrido pela demandante, mas como norma cuja entrada em vigor constituiu para as instituições a fonte de novas obrigações de agir, essencialmente de adoptar medidas compensatórias e de adaptação adequadas para a profissão de despachante oficial. Estas medidas, ou não foram tomadas, ou foram-no de forma insuficiente.

26.
    A demandante considera que o segundo fundamento de inadmissibilidade carece de seriedade. Os demandados identificaram perfeitamente o facto danoso invocado e refutaram de maneira exaustiva os fundamentos invocados pela recorrente.

27.
    A demandante não toma posição quanto ao terceiro fundamento de inadmissibilidade.

Apreciação do Tribunal

28.
    O Tribunal considera oportuno analisar o segundo fundamento de inadmissibilidade antes do primeiro e terceiro fundamentos.

—    Quanto ao segundo fundamento de inadmissibilidade

29.
    Deve recordar-se que, nos termos do artigo 19.°, primeiro parágrafo, do Estatuto CE do Tribunal de Justiça, aplicável ao Tribunal de Primeira Instância por força do artigo 46.°, primeiro parágrafo, do mesmo Estatuto, e do artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, a petição deve indicar o objecto do litígio e fazer uma exposição sumária dos fundamentos invocados. Esta indicação deve ser suficientemente clara e precisa para permitir à parte demandada preparar a sua defesa e ao Tribunal decidir o recurso, eventualmente, sem outras informações. Para garantir a segurança jurídica e uma boa administração da justiça, é necessário, para que uma acção seja admissível, que os elementos essenciais de facto e de direito em que esta se baseia, resultem, pelo menos sumariamente e de um modo coerente e compreensível, do texto da própria petição (despacho do Tribunal de Primeira Instância de 28 de Abril de 1993, De Hoe/Comissão, T-85/92, Colect., p. II-523, n.° 20).

30.
    Para preencher estas condições, uma petição destinada a obter a reparação de prejuízos causados por uma instituição comunitária deve conter os elementos que permitam identificar o comportamento que o demandante censura à instituição, as razões por que considera que existe um nexo de causalidade entre o comportamento e o prejuízo que alega ter sofrido e o carácter e a extensão deste prejuízo (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 18 de Setembro de 1996, Asia Motor France e o./Comissão, T-387/94, Colect., p. II-961, n.° 107; de 6 de Maio de 1997, Guérin automobiles/Comissão, T-195/95, Colect., p. II-679, n.° 21; e de 10 de Julho de 1997, Guérin automobiles/Comissão, T-38/96, Colect., p. II-1223, n.° 42).

31.
    No caso em apreço, deve dizer-se que a petição preenche estas condições mínimas. Com efeito, não há qualquer dúvida de que a acção tem por fim fazer declarar a responsabilidade extracontratual da Comunidade para obtenção da reparação do prejuízo alegado, ou seja, a perda pela demandante da sua actividade de despachante oficial, que deveria ser classificada como fundo de comércio, e os encargos excepcionais de exploração em relação com essa perda. Este prejuízo alegadamente sofrido devido à desaparição da actividade de despachante oficial intracomunitária é, segundo a demandante, imputável à Comunidade. Esta terá causado o prejuízo invocado, por um lado, ao abolir, em aplicação do Acto Único, as fronteiras fiscais e alfandegárias e, por outro, ao não ter adoptado medidas adequadas de indemnização e de acompanhamento para atenuar as repercussões desta abolição na profissão em questão.

32.
    A Comunidade praticou assim, ao mesmo tempo, uma violação do princípio da igualdade face aos encargos públicos, uma intervenção equivalente a uma expropriação que fundamenta o direito a indemnização e uma violação suficientemente caracterizada das regras superiores de direito que protegem os particulares, a saber, o princípio do respeito dos direitos adquiridos e o princípio da protecção da confiança legítima.

33.
    A petição dá, por conseguinte e contrariamente ao que alegam os demandados, precisões formalmente suficientes sobre o facto danoso e o fundamento jurídico do pedido, de modo que este fundamento de inadmissibilidade não é procedente.

—    Quanto aos primeiro e terceiro fundamentos de inadmissibilidade

34.
    O Tribunal verifica que estes dois fundamentos de inadmissibilidade suscitam, essencialmente, a questão de saber se o alegado prejuízo é imputável aos Estados-Membros ou antes às instituições comunitárias. Os dois fundamentos referem-se, portanto, às condições necessárias para existir responsabilidade da Comunidade, ou seja, a determinação do facto gerador de responsabilidade e o nexo de causalidade entre esse facto gerador e o prejuízo invocado. O seu exame está, portanto, ligado ao do mérito do litígio.

Quanto ao mérito

35.
    Em apoio do seu pedido, a demandante invoca, a título principal, um pedido baseado em responsabilidade objectiva da Comissão e, a título subsidiário, um pedido baseado em responsabilidade daquela por facto ilícito.

Quanto à responsabilidade objectiva

Argumentos das partes

36.
    Em apoio do pedido principal baseado em responsabilidade objectiva da Comissão, a demandante invoca dois fundamentos.

37.
    O primeiro fundamento baseia-se na noção de violação do princípio da igualdade face aos encargos públicos, derivada do direito administrativo francês. Esta teoria permite indemnizar quem possa provar ter sofrido, sem existência de ilegalidade, um prejuízo anormal, especial e directo. A demandante considera que a aplicação do Acto Único destruiu em seu prejuízo a igualdade face aos encargos públicos e fez-lhe sofrer um prejuízo anormal, especial e directo. Com efeito, a aplicação deste Tratado internacional levou à supressão da actividade específica de despachante oficial nas trocas intracomunitárias e, portanto, à perda irrevogável do fundo de comércio da demandante, bem como a encargos excepcionais de exploração no domínio social, técnico e administrativo. Invocando a comunicação (p. 1, terceiro parágrafo) da Comissão, bem como o Regulamento n.° 3904/92, que afirma no seu quinto considerando que «a supressão das formalidades aduaneiras nas fronteiras intracomunitárias irá extinguir abruptamente as actividades intracomunitárias desta profissão», a demandante considera que esta causalidade imediata dificilmente pode ser contestada.

38.
    O segundo fundamento inspira-se na noção de intervenção equivalente a uma expropriação, derivada do direito alemão. A demandante considera, a este propósito, que a aplicação do Acto Único constitui em relação a ela uma

intervenção equivalente a uma expropriação. Invoca as conclusões do advogado-geral Sir Gordon Slynn no processo em que foi proferido o acórdão do Tribunal de Justiça de 6 de Dezembro de 1984, Biovilac/CEE, 59/83, Recueil, p. 4057, p. 4091, nas quais aquele afirma que «se fosse possível à Comunidade proceder legalmente a uma expropriação, o proprietário teria direito a obter uma indemnização; essa indemnização poderia então ser concedida no âmbito de uma acção com fundamento no artigo 215.°, segundo parágrafo». A demandante conclui que este princípio lhe é aplicável.

39.
    Os demandados contestam a procedência do pedido principal.

Apreciação do Tribunal

40.
    A responsabilidade extracontratual da Comissão estende-se, nos termos do artigo 215.°, segundo parágrafo, do Tratado CE, aos prejuízos causados pelas instituições ou pelos seus agentes no exercício das suas funções.

41.
    O direito comunitário primário compreende os Tratados constitutivos da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, da Comunidade e da Comunidade Europeia da Energia Atómica, bem como as Convenções que completaram ou alteraram estes tratados constitutivos, tais como a convenção relativa a determinadas instituições comuns às Comunidades Europeias, os Tratados de Adesão de novos Estados-Membros, o Acto Único e o Tratado da União Europeia. Estes Tratados, entre os quais o Acto Único, são acordos celebrados pelos Estados-Membros, para instituir ou alterar as Comunidades Europeias. O Acto Único não constitui, portanto, nem um acto das instituições, nem um acto dos seus agentes. Não pode, por conseguinte, provocar responsabilidade extracontratual da Comunidade (acórdãos Compagnie Continental France/Conselho, referido no n.° 22, n.° 16, e LAISA e CPC/Conselho, referido no n.° 22, n.os 18 a 22). Além disso, os artigos 178.° e 215.°, segundo parágrafo, do Tratado, que regem a responsabilidade extracontratual da Comunidade fazem também parte do direito primário. Ora resulta da hierarquia das normas que estas disposições não podem aplicar-se a actos de nível equivalente, como o Acto Único, pois isso não está expressamente previsto.

42.
    Sem ser necessário responder à questão de saber se, em direito comunitário, a responsabilidade extracontratual da Comunidade pode existir objectivamente, basta notar, no caso em apreço, que a acção, quanto ao seu primeiro fundamento, e não obstante as afirmações da demandante de que o prejuízo que invoca não tem origem no Acto Único mas na omissão das instituições comunitárias em adoptar medidas de compensação e de adaptação adequadas, visa na realidade e essencialmente determinar a responsabilidade da Comunidade em razão do próprio Acto Único.

43.
    Com efeito, é apenas a realização do mercado interno com a supressão consequente das fronteiras aduaneiras e fiscais, eliminando de facto a profissão em questão que é eventualmente susceptível de causar na esfera jurídica da demandante um prejuízo anormal, especial e directo, e é a instituição do mercado interno que, no caso presente, é constitutiva ao mesmo tempo, de uma violação do princípio da igualdade perante os encargos públicos, ou de uma intervenção equivalente a uma expropriação, determinando a perda praticamente total e definitiva desta actividade e encargos excepcionais de exploração relacionados com essa perda.

44.
    Esta conclusão impõe-se tanto mais quanto o pedido principal pressupõe a existência de nexo causal entre o prejuízo invocado e a supressão das fronteiras aduaneiras e fiscais em aplicação do Acto Único.

45.
    Os fundamentos invocados em apoio do pedido principal, fundado na responsabilidade objectiva da Comunidade baseiam-se, portanto, na abolição das fronteiras aduaneiras e fiscais, que pôs termo às actividades intracomunitárias dos despachantes oficiais. Este nexo de causalidade não é, de resto, contestado. Com efeito, ele é simultaneamente invocado expressamente pela demandante na sua petição, reconhecido pela Comissão e referido pelo Conselho no quinto considerando do Regulamento n.° 3904/92, nos termos do qual a supressão das formalidades aduaneiras nas fronteiras intracomunitárias irá extinguir abruptamente as actividades intracomunitárias desta profissão.

46.
    Ora, a abolição das fronteiras aduaneiras e fiscais resulta directamente do artigo 13.° do Acto Único, tornado artigo 7.°-A do Tratado CE, que dispõe que «o mercado interno compreende um espaço sem fronteiras internas». A abolição é, portanto, uma consequência directa e necessária. O prejuízo provocado pela abolição das fronteiras aduaneiras e fiscais tem assim a sua causa directa e determinante no artigo 13.° do Acto Único. Em contrapartida, as medidas comunitárias ou estatais de aplicação do Acto Único que eliminam as fronteiras aduaneiras e fiscais não constituem uma causa independente do prejuízo alegado.

47.
    Segue-se que o pedido baseado em responsabilidade objectiva da Comunidade, visa a determinar a responsabilidade desta em razão de um prejuízo que tem a sua origem no Acto Único, que é um acto do direito comunitário primário. Não constitui, portanto, nem um acto das instituições comunitárias nem um acto dos agentes da Comunidade no exercício das suas funções e não pode, por consequência, provocar a responsabilidade extracontratual objectiva da Comunidade.

48.
    O pedido principal, baseado em responsabilidade objectiva da Comunidade, é, portanto, inadmissível.

Quanto à responsabilidade por facto ilícito

Argumentos das partes

49.
    Em apoio do seu pedido subsidiário, baseado em responsabilidade por facto ilícito, a demandante alega que os demandados cometeram, na aplicação do Acto Único, bem como no âmbito do exame das medidas adoptadas relativamente aos seus efeitos ou para controlar algumas das suas consequências, violações suficientemente caracterizadas de regras superiores de direito que protegem os particulares. Salienta, a este respeito, o carácter alegadamente insuficiente das intervenções compensatórias da Comunidade previstas pelo Regulamento n.° 3904/92.

50.
    As regras superiores de direito que protegem os particulares violadas pelos demandados são os princípios do respeito dos direitos adquiridos e da protecção da confiança legítima.

51.
    A demandante sublinha que a especificidade da categoria profissional dos despachantes oficiais foi reconhecida no direito comunitário pelo Regulamento (CEE) n.° 3632/85 do Conselho, de 12 de Dezembro de 1985, que define as condições segundo as quais a pessoa é admitida a fazer uma declaração (JO L 350, p. 1; EE 2 F15 p. 244, a seguir «Regulamento n.° 3632/85»). Estes direitos adquiridos não foram directamente postos em causa pelo direito comunitário primário. Só o foram de modo indirecto por disposições de direito comunitário derivado, nomeadamente pelas que alteraram as formalidades de declaração do imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA») e que tiveram como consequência suprimir, de facto, a actividade profissional de despachante oficial nas trocas intracomunitárias.

52.
    A demandante considera que houve, no caso em apreço, uma tripla violação do princípio da protecção da confiança legítima. Em primeiro lugar, foi atingido o direito fundamental da demandante ao exercício da sua actividade profissional. Em segundo lugar, o princípio foi violado devido à inexistência de medidas transitórias permitindo à profissão dos despachantes oficiais preparar-se e adaptar-se às circunstâncias novas resultantes do estabelecimento do mercado único a partir de 1 de Janeiro de 1993. Esta omissão foi tanto mais grave quanto a profissão foi legalmente obrigada a prosseguir integralmente as suas anteriores actividades até essa data. Em terceiro lugar, as instituições comunitárias não adoptaram medidas adequadas para indemnização do prejuízo específico causado à profissão e isto ignorando as expectativas legítimas dos interessados. Nada podia, com efeito, fazer supor que, no momento da adopção das medidas necessárias para finalização do mercado interno, as instituições comunitárias não tomariam medidas de indemnização e de acompanhamento específicas.

53.
    Os demandados contestam a validade do segundo fundamento.

Apreciação do Tribunal

54.
    A título preliminar, deve recordar-se que, segundo uma jurisprudência pacífica, a determinação da responsabilidade extracontratual da Comunidade pressupõe que a demandante prove a ilegalidade do comportamento reprovado à instituição em causa, a realidade do prejuízo e a existência de um nexo de causalidade entre esse comportamento e o prejuízo alegado (acórdãos do Tribunal de Justiça de 29 de Setembro de 1982, Oleifici Mediterranei/CEE, 26/81, Recueil, p. 3057, n.° 16, e do Tribunal de Primeira Instância de 13 de Dezembro de 1995, Exporteurs in Levende Varkens e o./Comissão, T-481/93 e T-484/93, Colect., p. II-2941, n.° 80; de 11 de Julho de 1996, International Procurement Services/Comissão, T-175/94, Colect., p. II-729, n.° 44; de 16 de Outubro de 1996, Efisol/Comissão, T-336/94, Colect., p. II-1343, n.° 30; e de 11 de Julho de 1997, Oleifici Italiani/Comissão, T-267/94, Colect., p. II-1239, n.° 20).

55.
    Fazendo uma análise mais específica da condição relativa à existência de ilegalidade do comportamento, deve dizer-se que a acção não é procedente por duas razões.

56.
    Em primeiro lugar, deve recordar-se que as omissões das instituições comunitárias só são susceptíveis de fundamentar a responsabilidade da Comunidade na medida em que as instituições tenham violado uma obrigação legal de agir resultante de uma disposição comunitária (acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Setembro de 1994, KYDEP/Conselho e Comissão, C-146/91, Colect., p. I-4199, n.° 58; e acórdão Oleifici Italiani/Comissão, já referido no n.° 54, n.° 21).

57.
    Coloca-se, portanto, a questão de saber com que base legal e em que medida a Comunidade seria obrigada a agir, e portanto a indemnizar a demandante. Essa obrigação não resulta, por um lado, nem do próprio Acto Único, nem de qualquer outra disposição formal do direito comunitário escrito. Por outro lado, também não há que questionar, neste caso, a existência eventual de um princípio geral do direito em virtude do qual a Comunidade seria obrigada a indemnizar quem tenha sido objecto de uma medida de expropriação ou de restrição da sua liberdade de usar o seu direito de propriedade e cujo desconhecimento faria nascer o direito a uma acção baseada no artigo 215.°, segundo parágrafo, do Tratado. Com efeito, essa obrigação de indemnização só seria concebível em relação a actos constituindo uma expropriação emanados das próprias instituições comunitárias, não podendo ser imposta à Comunidade a obrigação de indemnizar actos que não lhe são imputáveis. Ora, como já se disse acima, o desaparecimento da profissão de despachante oficial intracomunitário resulta do Acto Único, Tratado internacional adoptado e aprovado pelos Estados-Membros. Por conseguinte, as condições para a existência de responsabilidade da Comunidade não estão preenchidas. Nem por isso se exclui que essa obrigação de indemnização possa, eventualmente, impor-se com base no direito interno do Estado-Membro do território no qual o agente ou despachante oficial intracomunitário exercia a sua actividade.

58.
    Em segundo lugar, deve dizer-se que, mesmo supondo que, no caso em apreço, tenha sido violada uma obrigação legal de agir, nem assim, nas circunstâncias do caso, essa falta seria susceptível de provocar a responsabilidade da Comunidade.

59.
    A este respeito, deve recordar-se que, se a ilegalidade censurada disser respeito a um acto normativo, a responsabilidade da Comunidade está subordinada à verificação da violação de uma regra superior de direito que protege os particulares. Além disso, se a instituição tiver adoptado o acto normativo no âmbito do seu amplo poder de apreciação, a responsabilidade da Comunidade só pode existir se a violação for caracterizada, quer dizer se se revestir de um carácter manifesto e grave (v., por exemplo, acórdãos do Tribunal de Justiça de 2 de Dezembro de 1971, Zuckerfabrik Schöppenstedt/Conselho, 5/71, Colect., p. 375, n.° 11; de 25 de Maio de 1978, HNL e o./Conselho e Comissão, 83/76 e 94/76, 4/77, 15/77 e 40/77, Recueil, p. 1209; Colect., p. 421, n.° 6; de 19 de Maio de 1992, Mulder e o./Conselho e Comissão, C-104/89 e C-37/90, Colect., p. I-3061, n.° 12; e do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Julho de 1995, Odigitria/Conselho e Comissão, T-572/93, Colect., p. II-2025, n.° 34; Exporteurs in Levende Varkens e o./Comissão, referido no n.° 54, n.° 81; e Oleifici Italiani/Comissão, referido no n.° 54, n.° 22).

60.
    Estes critérios aplicam-se também perante uma omissão por facto ilícito (acórdãos do Tribunal de Justiça de 8 de Dezembro de 1987, Grands Moulins de Paris/CEE, 50/86, Colect., p. 4833, n.os 9 e 16; e do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Setembro de 1995, Lefebvre e o./Comissão, T-571/93, Colect., p. II-2379, n.° 39).

61.
    A presente acção, uma vez que tem por objecto um pedido de indemnização de um prejuízo relacionado com uma alegada insuficiência das intervenções da Comunidade em favor da profissão dos despachantes oficiais por ocasião do estabelecimento do mercado único, diz manifestamente respeito a actos de carácter normativo que se referem a opções de política económica e reservam às instituições comunitárias um amplo poder de apreciação.

62.
    Deve-se, portanto, verificar, em primeiro lugar, se os demandados violaram uma regra superior de direito que protege os particulares e em seguida, eventualmente, se essa violação foi suficientemente caracterizada.

63.
    No que diz respeito ao princípio da protecção dos direitos adquiridos, deve dizer-se, em primeiro lugar, que o Regulamento n.° 3632/85, citado pela demandante, se limita a harmonizar as condições em que qualquer pessoa pode fazer uma declaração aduaneira. O regulamento reconhece, por um lado, que as condições em que uma pessoa é habilitada a fazer uma declaração aduaneira variam consideravelmente de um Estado-Membro para outro, nomeadamente no que concerne à possibilidade de efectuar uma declaração aduaneira por conta de outrem (segundo considerando). Salienta, por outro lado, a existência em certos Estados-Membros, de regulamentação que reserva o exercício da profissão que tem

por objecto fazer declarações aduaneiras, quer em nome de outrem, quer em seu próprio nome mas por conta de outrem, a pessoas que preenchem determinadas condições (sexto considerando). O regulamento limita-se a precisar, a este respeito, que não se opõe à manutenção dessas regulamentações na medida em que digam respeito ao acesso ao exercício de uma profissão determinada (sexto considerando).

64.
    Daqui resulta que o Regulamento n.° 3632/85, longe de definir e regulamentar, em direito comunitário, o exercício das profissões de agente aduaneiro e de despachante oficial, se limita, pois, a não pôr em causa as regulamentações a elas relativas existentes em determinados Estados-Membros. Se há direitos adquiridos, estes não resultam, por conseguinte, do Regulamento n.° 3632/85, mas quando muito, eventualmente, das respectivas regulamentações de determinados Estados-Membros que, ao assinarem e eventualmente ratificarem o Acto Único, as puseram em causa. Deve recordar-se, a este propósito, que a demandante refere que dispunha de autorização ministerial francesa concedida em aplicação do code des douanes francês, que lhe permitia exercer a profissão de despachante oficial, regulamentado em último lugar por um decreto francês de 24 de Dezembro de 1986.

65.
    Segue-se que o Regulamento n.° 3632/85 não fez nascer na esfera jurídica da demandante uma vantagem susceptível de ser qualificada como direito adquirido.

66.
    O Tribunal recorda, em segundo lugar, que, nos casos em que as autoridades comunitárias dispõem de um largo poder de apreciação, os operadores económicos não podem invocar um direito adquirido na manutenção de uma vantagem que resulta da regulamentação comunitária em causa e que aproveitaram num determinado momento (v., por exemplo, acórdãos do Tribunal de Justiça de 27 deSetembro de 1979, Eridania, 230/78, Recueil, p. 2749, n.° 22, Biovilac/CEE, já referido no n.° 38, n.° 23; de 21 de Maio de 1987, Rau e o./BALM, 133/85, 134/85, 135/85 e 136/85, Colect., p. 2289, n.° 18; e de 7 de Maio de 1991, Nakajima All Precision/Conselho, C-69/89, Colect., p. I-2069, n.° 119).

67.
    Segue-se que, admitindo que o Regulamento n.° 3632/85 tenha efectivamente concedido à categoria profissional dos agentes aduaneiros e despachantes oficiais uma vantagem específica, a demandante nem por isso pode invocar um direito adquirido à manutenção dessa vantagem, tendo as instituições comunitárias o direito de adaptar as regulamentações às necessárias evoluções de que devem ser objecto. Este direito de adaptação das instituições é tanto mais evidente, no caso em apreço, quanto, tal como resulta do primeiro considerando do Regulamento n.° 3904/92, a realização do mercado interno constitui um objectivo fundamental para o desenvolvimento da Comunidade.

68.
    No que concerne ao princípio da confiança legítima, o Tribunal recorda que o direito de reclamar a protecção da confiança legítima se estende a todo e qualquer particular que se encontre numa situação de que resulte que a administração comunitária fez nascer na sua esfera jurídica esperanças fundadas (v., por exemplo,

acórdão Exporteurs in Levende Varkens e o./Comissão, já referido no n.° 54, n.° 148). Em contrapartida, ninguém pode invocar violação do princípio da protecção da confiança legítima na falta de garantias precisas que lhe tenham sido fornecidas pela administração (v. por exemplo, acórdão Lefebvre e o./Comissão, já referido no n.° 60, n.° 72).

69.
    O Tribunal verifica que, no caso em apreço, a demandante não apresentou qualquer elemento que demonstre ou em que se alegue que as instituições comunitárias fizeram nascer na sua esfera jurídica esperanças fundadas de que adoptariam medidas compensatórias e de adaptação adequadas.

70.
    A demandante limita-se a invocar na petição «a expectativa legítima... de toda a profissão» ou na réplica que «nada fazia supor que, no momento da adopção das medidas necessárias para finalização do mercado interno, as instituições comunitárias não tomariam as medidas indemnizatórias e de acompanhamento específicas». Não está, portanto, manifestamente em condições de provar que os demandados fizeram nascer na sua esfera jurídica esperanças fundadas, na acepção de que não adoptariam as medidas necessárias para a realização do mercado interno ou de que adoptariam medidas compensatórias ou de acompanhamento.

71.
    O argumento baseado em violação do princípio da confiança legítima não tem, portanto, fundamento.

72.
    O Tribunal acrescenta que o argumento da demandante baseado em alegada violação do direito fundamental ao exercício da sua actividade profissional constitutiva de violação do princípio da protecção da confiança legítima, também não é procedente.

73.
    Os direitos fundamentais fazem parte integrante dos princípios gerais do direito cujo respeito os órgãos jurisdicionais comunitários asseguram. Ao garantir a salvaguarda desses direitos, os órgãos jurisdicionais comunitários são obrigados a inspirar-se nas tradições constitucionais comuns aos Estados-Membros, de modo que não podem ser admitidas na Comunidade medidas incompatíveis com os direitos fundamentais reconhecidos pelas constituições desses Estados. Os instrumentos internacionais relativos à protecção dos direitos do homem, com os quais os Estados-Membros cooperaram ou aos quais aderiram, podem também fornecer indicações que é conveniente ter em conta (acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Dezembro de 1979, Hauer, 44/79, Recueil, p. 3727, n.° 15; e parecer do Tribunal de Justiça de 28 de Março de 1996, 2/94, Colect., p. I-1759, n.° 33).

74.
    O direito ao livre exercício das actividades profissionais faz parte dos princípios gerais do direito comunitário. Este princípio não constitui, todavia, uma prerrogativa absoluta, antes deve ser tido em consideração relativamente à sua função na sociedade. Por conseguinte, podem ser introduzidas restrições ao livre

exercício de uma actividade profissional, na condição de essas restrições corresponderem efectivamente a objectivos de interesse geral prosseguidos pela Comunidade e de não constituírem, em relação ao objectivo prosseguido, uma intervenção desmesurada intolerável, que atentaria contra a própria essência do direito deste modo garantido (acórdãos do Tribunal de Justiça de 1 de Julho de 1989, Schräder, 265/87, Colect., p. 2237, n.° 15; de 30 de Julho de 1996, Bosphorus, C-84/95, Colect., p. I-3953, n.° 21; e do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Abril de 1997, Schröder e o./Comissão, T-390/94, Colect., p. II-504, n.° 125).

75.
    No caso em apreço, o Tribunal observa que a realização do mercado interno não atenta contra a existência da empresa da demandante nem contra a essência da livre escolha da profissão. Não afecta directamente, mas apenas indirectamente, um direito a ela relativo, pois a abolição de determinadas formalidades aduaneiras e fiscais que implica, tem determinadas repercussões nas possibilidades de exploração da empresa da demandante e, apenas por isso, no exercício da profissão. Deve seguidamente dizer-se que a realização do mercado interno constitui um objectivo de interesse geral evidente. Em relação ao objectivo essencial deste modo prosseguido, não implica qualquer limitação indevida do exercício do direito fundamental em causa.

76.
    Resulta do que precede que nenhum dos princípios superiores de direito invocados pela demandante foi violado.

77.
    Finalmente, deve acrescentar-se que a alegada omissão que a adopção de medidas compensatórias e de acompanhamento, a supor que ela existisse e fosse culposa, não constituiria todavia manifestamente uma violação grave e manifesta dos princípios em causa. Com efeito, por um lado, os demandados dispõem, na realização do mercado interno, e, portanto, relativamente à tomada em consideração dos efeitos negativos que ela pode engendrar, de um largo poder de apreciação e, por outro lado, adoptaram, através do Regulamento n.° 3904/92, medidas diversificadas. Este regulamento tem, de resto, o cuidado de precisar, tal como resulta do oitavo considerando, que estas medidas comunitárias são simplesmente complementares e têm por fim contribuir utilmente para os esforços desenvolvidos pelos Estados-Membros. Com efeito, tal como resulta do sexto considerando do Regulamento n.° 3632/85, certos Estados-Membros, entre os quais a França, dispunham de uma regulamentação específica da profissão de agente aduaneiro e de despachante oficial que o direito comunitário, no caso o Regulamento n.° 3632/85, se limitava a não pôr em causa. Parece portanto evidente, mesmo sem invocar a questão da subsidiariedade, que incumbia em primeiro lugar aos Estados-Membros em causa, que, com a adopção do Acto Único estiveram na base do alegado prejuízo, tomarem eventualmente medidas de compensação ou de acompanhamento. À luz do papel assumido neste caso pelos Estados-Membros, a intervenção da Comunidade deve ser considerada como suficiente, se se admitir que ela estava obrigada a intervir.

78.
    Segue-se que o pedido subsidiário, baseado em responsabilidade por facto ilícito, não procede. Resulta de tudo o que precede que deve ser negado provimento à acção no seu conjunto.

Quanto às despesas

79.
    Por força do disposto no n.° 2 do artigo 87.° do Regulamento de Processo, a parte vencida deve ser condenada nas despesas, se tal for requerido. Tendo a demandante sido vencida e tendo o Conselho e a Comissão pedido a sua condenação nas despesas, há que condená-la nas despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quinta Secção)

decide:

1.
    É negado provimento à acção.

2.
    A demandante é condenada nas despesas.

García-Valdecasas
Azizi
Jaeger

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 29 de Janeiro de 1998.

O secretário

O presidente

H. Jung

J. Azizi


1: Língua do processo: francês.