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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

26 de outubro de 2023 (*)

«Reenvio prejudicial — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) — Diretiva 2006/112/CE — Artigo 2.o, n.o 1, alínea c) — Prestação de serviços a título oneroso — Conceito — Atividade de um organismo público de radiotelevisão financiada por uma taxa obrigatória paga pelos detentores de um aparelho recetor de rádio e televisão que se encontra na zona de difusão terrestre — Artigo 378.o, n.o 1, e anexo X, parte A, ponto 2 — Ato de Adesão da República da Áustria — Derrogação — Âmbito de aplicação»

No processo C‑249/22,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Verwaltungsgerichtshof (Supremo Tribunal Administrativo, Áustria), por Decisão de 16 de março de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 11 de abril de 2022, no processo

BM

contra

Gebühren Info Service GmbH (GIS),

sendo intervenientes:

Bundesministerium für Finanzen,

Österreichischer Rundfunk,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: E. Regan, presidente de secção, F. Biltgen, M. Ilešič, I. Jarukaitis e D. Gratsias (relator), juízes,

advogado‑geral: M. Szpunar,

secretário: M. Siekierzyńska, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 15 de fevereiro de 2023,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação de BM, por F. List, Rechtsanwältin, e W. List, Rechtsanwalt,

–        em representação da Gebühren Info Service GmbH (GIS), por S. Lenzhofer, Rechtsanwalt,

–        em representação da Österreichischer Rundfunk, por T. Wenger e H. Wollmann, Rechtsanwälte,

–        em representação do Governo Austríaco, por A. Posch, F. Koppensteiner e B. Kuder, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo Dinamarquês, por J. F. Kronborg e V. Pasternak Jørgensen, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo Francês, por R. Bénard, na qualidade de agente,

–        em representação da Comissão Europeia, por J. Jokubauskaitė e B. Martenczuk, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 25 de maio de 2023,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 2.o, n.o 1, alínea c), e do artigo 378.o, n.o 1, da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2006, L 347, p. 1; a seguir «Diretiva IVA»), lidos em conjugação com o artigo 151.o, n.o 1, e o anexo XV, parte IX, ponto 2, alínea h), primeiro parágrafo, segundo travessão, do Ato relativo às condições de adesão da República da Áustria, da República da Finlândia e do Reino da Suécia e às adaptações dos Tratados em que se funda a União Europeia (JO 1994, C 241, p. 21, e JO 1995, L 1, p. 1; a seguir «Ato de Adesão»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe BM à Gebühren Info Service GmbH (GIS) a respeito de um pedido da primeira destinado ao reembolso, pela segunda, do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) que incidiu sobre a taxa sobre os programas relativa ao período compreendido entre 1 de outubro de 2013 e 31 de outubro de 2018.

 Quadro jurídico

 Direito da União

 Ato de Adesão

3        O artigo 151.o, n.o 1, do Ato de Adesão dispõe:

«Os atos enumerados no anexo XV do presente Ato aplicam‑se, em relação aos novos Estados‑Membros, nas condições definidas nesse anexo.»

4        O anexo XV do Ato de Adesão contém uma parte IX, intitulada «Fiscalidade», cujo ponto 2 tem a seguinte redação:

«377 L 0388: Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme (JO [1977, L 145], p. 1), com a última redação que lhe foi dada por:

–        – 394 L 0005: Diretiva 94/5/CE do Conselho[,] de 14 de fevereiro de 1994 (JO [1994, L 60], p. 16).

Áustria

[…]

h)      Para efeitos do n.o 3, alínea a), do artigo 28.o, a República da Áustria pode tributar:

[…]

–        as operações enunciadas no ponto 7 do anexo E.

[…]»

 Diretiva IVA

5        A Diretiva 77/388 (a seguir «Sexta Diretiva») foi revogada pelo artigo 411.o, n.o 1, da Diretiva IVA. Nos termos do n.o 2 deste artigo, as referências às diretivas revogadas entendem‑se feitas à diretiva IVA e devem ser lidas de acordo com o quadro de correspondência constante do anexo XII.

6        O artigo 1.o, n.o 1, da referida diretiva estabelece:

«A presente diretiva estabelece o sistema comum do [IVA].»

7        Nos termos do artigo 2.o, n.o 1, alínea c), da mesma diretiva, as prestações de serviços efetuadas a título oneroso no território de um Estado‑Membro por um sujeito passivo agindo nessa qualidade estão sujeitas ao IVA.

8        Segundo o quadro de correspondência que figura no anexo XII da Diretiva IVA, o artigo 132.o, n.o 1, alínea q), desta diretiva corresponde ao artigo 13.o, A, n.o 1, alínea q), da Sexta Diretiva. O mesmo dispõe que os Estados‑Membros isentam «as atividades dos organismos públicos de radiotelevisão que não tenham caráter comercial».

9        O artigo 370.o da referida diretiva, que corresponde ao artigo 28.o, n.o 3, alínea a), da Sexta Diretiva, dispõe:

«Os Estados‑Membros que, em 1 de janeiro de 1978, tributavam as operações cuja lista consta da parte A do anexo X podem continuar a tributá‑las.»

10      O artigo 378.o, n.o 1, da mesma diretiva, que corresponde ao anexo XV, parte IX, ponto 2, alínea h), primeiro parágrafo, segundo travessão, do Ato de Adesão, prevê:

«A Áustria pode continuar a tributar as operações referidas no ponto 2) da parte A do anexo X.»

11      O anexo X, parte A, ponto 2, da Diretiva IVA visa «atividades que não tenham caráter comercial, realizadas por organismos públicos de rádio e televisão». Estas atividades eram anteriormente referidas no anexo E, ponto 7, da Sexta Diretiva.

 Direito austríaco

 RGG

12      Nos termos do § 2, n.o 1, da Bundesgesetz betreffend die Einhebung von Rundfunkgebühren (Lei Federal relativa às Taxas de Radiodifusão, BGBl. I, 159/1999), na versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «RGG»), quem utilizar no interior dos edifícios um aparelho recetor de rádio ou televisão deve pagar a taxa prevista no artigo 3.o da RGG (a seguir «taxa de radiodifusão»). O facto de dispor de um aparelho recetor de radiodifusão é equiparado à sua utilização.

13      O § 4, n.o 1, da RGG prevê que a cobrança da taxa de radiodifusão e de quaisquer outros impostos e remunerações relacionados com esta incumbe à GIS, a qual é igualmente competente para decidir sobre os pedidos de isenção nesta matéria.

 ORFG

14      Nos termos do seu § 1, n.o 1, a Bundesgesetz über den Österreichischen Rundfunk (Lei Federal relativa à Österreichischer Rundfunk, BGBl. 379/1984), na versão aplicável ao litígio no processo principal (BGBl. I, 55/2014) (a seguir «ORF‑G»), criou uma fundação de direito público denominada «Österreichischer Rundfunk (ORF)».

15      O § 31 da ORF‑G, sob a epígrafe «Taxa sobre os programas», dispõe, nos seus n.os 1, 10 e 17:

«(1) Qualquer pessoa tem o direito de receber as emissões radiofónicas ou televisivas da [ORF] como contrapartida de uma taxa sobre os programas de caráter contínuo (taxa de rádio, taxa de televisão). O montante da taxa sobre os programas é fixado pelo Conselho da Fundação a pedido do diretor‑geral. […]

[…]

(10) A taxa sobre os programas é devida independentemente da frequência e da qualidade das emissões ou da sua receção, desde que o local de receção do utilizador (§ 2, n.o 1, do RGG) se situe numa zona abrangida pela radiodifusão terrestre (analógica ou DVB‑T) dos programas da [ORF] […]. O início e o fim da obrigação de pagar a taxa sobre os programas, bem como a isenção desta obrigação, regem‑se pelas disposições da legislação federal aplicáveis às taxas de radiodifusão.

[…]

(17) A taxa sobre os programas é cobrada juntamente com a taxa de radiodifusão e do mesmo modo que esta; nenhuma outra forma de pagamento extingue a dívida.»

 UStG

16      O § 1 da Bundesgesetz über die Besteuerung der Umsätze (Lei Federal relativa ao Imposto sobre o Volume de Negócios, BGBl. 663/1994), na versão aplicável ao litígio do processo principal (a seguir «UStG 1994»), dispõe, no seu n.o 1:

«Estão sujeitas ao imposto sobre o volume de negócios as seguintes operações:

1. as entregas e outras prestações efetuadas a título oneroso no território nacional por um empresário no âmbito da sua atividade empresarial. Uma operação efetuada com base num ato legislativo ou administrativo, ou considerada efetuada nos termos de uma disposição legislativa, continua a ser tributável;

[…]»

17      O § 10 da UStG 1994, sob a epígrafe «Taxa de imposto», enuncia:

«(1) A taxa do imposto é de 20 % da base tributável para todas as operações tributáveis (§§ 4 e 5).

(2) A taxa do imposto é reduzida para 10 % no caso:

[…]

5.      das prestações das empresas de radiodifusão, desde que estas deem lugar à cobrança de taxas de rádio e de televisão, bem como de outras prestações de empresas de televisão por cabo, na medida em que consistam na difusão simultânea, integral e inalterada de emissões de rádio e de televisão nacionais e estrangeiras, acessíveis ao público através de canais, em contrapartida de uma remuneração a pagar de forma contínua;

[…]»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

18      BM está registada na GIS como utilizadora de serviços de radiodifusão, numa zona abrangida pela radiodifusão digital terrestre dos programas da ORF, cuja receção é possível por antena interior.

19      Em 23 de outubro de 2018, BM pediu à GIS que declarasse, por decisão, o seu direito ao reembolso do montante total de 100,57 euros, correspondente ao IVA pago sobre a taxa sobre os programas de que era devedora nos termos do § 31, n.o 1, da ORF‑G, relativamente ao período compreendido entre 1 de outubro de 2013 e 31 de outubro de 2018. Para fundamentar o seu pedido, BM alegou, em substância, que a sujeição da taxa sobre os programas ao IVA era contrária à Diretiva IVA, lida à luz do Acórdão de 22 de junho de 2016, Český rozhlas (C‑11/15, EU:C:2016:470).

20      A GIS proferiu uma decisão de indeferimento do pedido de BM. Esta interpôs recurso dessa decisão para o Bundesverwaltungsgericht (Tribunal Administrativo Federal, Áustria), que lhe negou provimento. BM interpôs recurso de Revision do acórdão do Bundesverwaltungsgericht (Tribunal Administrativo Federal) para o órgão jurisdicional de reenvio.

21      O órgão jurisdicional de reenvio refere que a cobrança tanto da taxa de radiodifusão como da taxa sobre os programas incumbe à GIS. Todavia, enquanto a primeira é devida por qualquer utilizador que utilize ou disponha de um aparelho recetor de radiodifusão operacional, como uma televisão ou um rádio, seja qual for o local de receção, a segunda, que é a única sujeita ao IVA, só é devida se o lugar de receção se situar numa zona abrangida pela radiodifusão terrestre dos programas da ORF.

22      A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que, num Acórdão de 4 de setembro de 2008, tinha declarado que a taxa sobre os programas só era devida se a pessoa em causa dispusesse de um aparelho que permitisse receber efetivamente os programas da ORF. Ora, em 2011, na sequência desse acórdão, o § 31, n.o 10, da ORF‑G foi alterado, tendo sido acrescentada a expressão «desde que o local de receção do utilizador (§ 2.o, n.o 1, do RGG) se situe numa zona abrangida pela radiodifusão terrestre (analógica ou DVB‑T) dos programas da [ORF]». Resulta da exposição de motivos desta alteração que deter um aparelho técnico concreto que permita receber programas da ORF, eventualmente após uma adaptação menor, como a aquisição de um módulo de receção de emissões de televisão digital, é determinante para a obrigação de pagar a taxa sobre os programas. Em contrapartida, quando a receção dos programas da ORF só possa ser realizada através de medidas complexas ou onerosas, não existe nenhuma obrigação de pagar essa taxa. Assim, é possível que um utilizador só seja obrigado a pagar a taxa de radiodifusão quando disponha de um aparelho de televisão ou de rádio que não esteja situado numa zona de receção terrestre dos programas da ORF.

23      O órgão jurisdicional de reenvio considera que as circunstâncias do presente processo são distintas das do processo que deu origem ao Acórdão de 22 de junho de 2016, Český rozhlas (C‑11/15, EU:C:2016:470). Por um lado, no direito austríaco, existe, por força de uma ficção legal, uma relação contratual de direito civil entre o utilizador e a ORF.

24      Por outro lado, os programas da ORF são codificados e a sua receção exige um módulo de receção conforme às normas da televisão digital (DVB‑T, DVB‑S ou DVB‑C), ou a celebração de um contrato com um operador de televisão por cabo que ofereça programas da ORF no seu pacote. É, assim, possível considerar que, através da aquisição de tal aparelho ou da celebração de tal contrato, o utilizador exprime a sua intenção de fazer uso do seu direito de receber os programas da ORF, o que gera a constituição de uma relação jurídica entre ele e a ORF. Baseando‑se, por analogia, no Acórdão de 21 de março de 2002, Kennemer Golf (C‑174/00, EU:C:2002:200), o órgão jurisdicional de reenvio considera que a frequência com que os programas da ORF são efetivamente vistos ou ouvidos por um utilizador não é, a este respeito, relevante.

25      Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio refere que o direito fiscal austríaco já previa, antes da adesão da República da Áustria à União Europeia, a cobrança do IVA a taxa reduzida sobre as prestações das empresas de radiodifusão, desde que estas dessem lugar à cobrança de taxas de rádio e de televisão. Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, resulta dos documentos relativos às negociações de adesão da República da Áustria à União que o objetivo da derrogação concedida à República da Áustria nos termos do anexo XV, parte IX, ponto 2, alínea h), do Ato de Adesão era autorizar a República da Áustria a manter essa tributação após a sua adesão à União.

26      Nestas circunstâncias, o Verwaltungsgerichtshof (Supremo Tribunal Administrativo, Áustria) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Deve considerar‑se que uma taxa como a taxa [austríaca] sobre os programas da ORF, fixada pelo próprio organismo público de radio[televisão] para financiar as suas operações, constitui uma remuneração na aceção do artigo 2.o, em conjugação com o artigo 378.o, n.o 1, da Diretiva [IVA], tendo em conta a disposição de direito primário do artigo 151.o, n.o 1, em conjugação com o [a]nexo XV, [p]arte IX, ponto 2, alínea h), primeiro parágrafo, segundo travessão, [do Ato de Adesão]?

2)      Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, deve considerar‑se que a referida taxa da ORF constitui a remuneração [de um serviço] na aceção da Diretiva [IVA], na medida em que também estão obrigadas ao seu pagamento as pessoas que, embora utilizem um aparelho recetor de radio[televisão] num edifício ao qual a ORF fornece os seus programas por via terrestre, não podem aceder a estes programas por não possuírem o módulo recetor necessário?»

 Quanto às questões prejudiciais

27      A título preliminar, cumpre recordar que, no âmbito do processo de cooperação entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça instituído pelo artigo 267.o TFUE, cabe a este dar ao juiz nacional uma resposta útil que lhe permita decidir o litígio que lhe foi submetido. Nesta ótica, incumbe ao Tribunal de Justiça, se necessário, reformular as questões que lhe são submetidas (Acórdão de 14 de setembro de 2023, Volkswagen Group Italia e Volkswagen Aktiengesellschaft, C‑27/22, EU:C:2023:663, n.o 79 e jurisprudência referida).

28      No caso em apreço, o litígio no processo principal tem origem num pedido dirigido à GIS destinado ao reembolso do IVA que incidiu sobre a taxa sobre os programas, paga alegadamente em violação do direito da União e, mais concretamente, das disposições da Diretiva IVA. Por outro lado, resulta do pedido de decisão prejudicial que, apesar de, na redação das questões submetidas, o órgão jurisdicional de reenvio se centrar especificamente no conceito de «prestações de serviços efetuadas a título oneroso», conceito este que está expressamente previsto no artigo 2.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva IVA e não no seu artigo 378.o, n.o 1, o que aquele órgão jurisdicional pretende, em última análise, de um modo mais geral, é obter uma resposta do Tribunal de Justiça sobre a compatibilidade do IVA assim pago com as disposições desta diretiva, em especial tendo em conta a derrogação prevista neste artigo 378.o, n.o 1, que permite à República da Áustria continuar a tributar certas operações.

29      Nestas circunstâncias, há que considerar que, com as suas questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 2.o, n.o 1, alínea c), e o artigo 378.o, n.o 1, da Diretiva IVA, lidos em conjugação com o artigo 151.o, n.o 1, e o anexo XV, parte IX, ponto 2, alínea h), primeiro parágrafo, segundo travessão, do Ato de Adesão, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que a República da Áustria sujeite ao IVA uma atividade de radiodifusão pública, financiada por uma taxa legal obrigatória e paga por qualquer pessoa que utilize um aparelho recetor de radiodifusão no interior de um edifício situado numa zona abrangida pela radiodifusão terrestre do organismo público de radiodifusão em causa.

30      Importa começar por recordar que a Diretiva IVA estabelece um sistema comum de IVA baseado, nomeadamente, numa definição uniforme das operações tributáveis (Acórdão de 13 de junho de 2018, Gmina Wrocław, C‑665/16, EU:C:2018:431, n.o 30 e jurisprudência referida).

31      Assim, segundo o artigo 2.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva IVA, que figura sob o título I desta diretiva, intitulado «Objeto e âmbito de aplicação», estão sujeitas ao IVA as prestações de serviços efetuadas a título oneroso no território de um Estado‑Membro por um sujeito passivo agindo nessa qualidade.

32      A este respeito, é jurisprudência constante que as operações tributáveis pressupõem a existência de uma transação entre as partes, com a estipulação de um preço ou de uma contrapartida. Assim, quando a atividade de um prestador consista em fornecer exclusivamente prestações sem contrapartida direta, não existe matéria coletável, não estando, portanto, essas prestações sujeitas ao IVA (Acórdão de 22 de junho de 2016, Český rozhlas, C‑11/15, EU:C:2016:470, n.o 20 e jurisprudência referida).

33      Daqui resulta que uma prestação de serviços só é efetuada «a título oneroso», na aceção do artigo 2.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva IVA, e, portanto, só é tributável se existir entre o prestador e o beneficiário uma relação jurídica no âmbito da qual são efetuadas prestações recíprocas, constituindo a retribuição recebida pelo prestador o contravalor efetivo do serviço fornecido ao beneficiário. Neste contexto, o Tribunal de Justiça tem reiteradamente decidido que o conceito de «prestações de serviços efetuadas a título oneroso», na aceção do artigo 2.o, n.o 1, alínea c), pressupõe a existência de um nexo direto entre o serviço prestado e o contravalor recebido (v., neste sentido, Acórdão de 22 de junho de 2016, Český rozhlas, C‑11/15, EU:C:2016:470, n.os 21 e 22 e jurisprudência referida).

34      Quando uma atividade seja qualificada de operação efetuada «a título oneroso», na aceção desta disposição, está abrangida, a esse título, pelo âmbito de aplicação da Diretiva IVA. Em contrapartida, uma atividade que não seja qualificada como tal não está abrangida por esse âmbito de aplicação (v., neste sentido, Acórdão de 22 de junho de 2016, Český rozhlas, C‑11/15, EU:C:2016:470, n.os 34 e 36).

35      Embora o artigo 132.o, n.o 1, alínea q), da Diretiva IVA preveja, por sua vez, a isenção das «atividades dos organismos públicos de radiotelevisão que não tenham caráter comercial», esta disposição só é, todavia, aplicável se essas atividades estiverem «sujeitas ao IVA», na aceção do artigo 2.o, n.o 1, desta diretiva, não podendo ser interpretada de forma a alargar o âmbito de aplicação da referida diretiva, conforme definido nesse artigo 2.o (v., neste sentido, Acórdão de 22 de junho de 2016, Český rozhlas, C‑11/15, EU:C:2016:470, n.o 32).

36      No entanto, o artigo 378.o, n.o 1, da Diretiva IVA, que reflete o anexo XV, parte IX, ponto 2, alínea h), primeiro parágrafo, segundo travessão, do Ato de Adesão, permite à República da Áustria derrogar essas disposições ao conceder a este Estado‑Membro a faculdade de continuar a tributar as operações que figuram no anexo X, parte A, ponto 2, desta diretiva, que visa as atividades dos organismos públicos de radiotelevisão que não tenham caráter comercial.

37      Com efeito, como o Tribunal de Justiça já declarou, a manutenção deste regime derrogatório reflete o caráter progressivo e ainda parcial da harmonização das legislações nacionais em matéria de IVA. A harmonização pretendida não é ainda uma realidade na medida em que as disposições derrogatórias, como o artigo 378.o da Diretiva IVA, autorizam os Estados‑Membros a manterem determinadas disposições da sua legislação nacional, as quais, sem essas autorizações, seriam incompatíveis com esta diretiva (v., por analogia, Acórdão de 13 de março de 2014, Jetair e BTWE Travel4you, C‑599/12, EU:C:2014:144, n.o 48 e jurisprudência referida).

38      No entanto, a faculdade prevista no artigo 378.o, n.o 1, da Diretiva IVA é concedida a título derrogatório, em aplicação do artigo 151.o, n.o 1, e do anexo XV, parte IX, ponto 2, alínea h), primeiro parágrafo, segundo travessão, do Ato de Adesão, desde que sejam respeitadas as condições específicas dessas disposições. Importa, assim, examinar o alcance desta derrogação para determinar se a taxa em causa no processo principal está abrangida pelo seu âmbito de aplicação.

39      Para a interpretação de uma disposição do direito da União, há que ter em conta não só os seus termos mas também o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que faz parte.

40      Por outro lado, é jurisprudência constante que, quando uma disposição do direito da União possa ser objeto de várias interpretações, se deve dar prioridade àquela que for adequada a salvaguardar o seu efeito útil (Acórdão de 7 de março de 2018, Cristal Union, C‑31/17, EU:C:2018:168, n.o 41 e jurisprudência referida).

41      No caso em apreço, no que respeita à redação do artigo 378.o, n.o 1, da Diretiva IVA, como resulta do n.o 36 do presente acórdão, esta disposição, lida em conjugação com o anexo X, parte A, ponto 2, desta diretiva, autoriza a República da Áustria a «continuar a tributar» as atividades dos organismos públicos de radiotelevisão que não tenham caráter comercial.

42      Por conseguinte, segundo os termos da referida disposição, a República da Áustria só está autorizada a manter um sistema de tributação das atividades suprarreferidas já existente e não a introduzir uma nova tributação dessas atividades (v., por analogia, Acórdão de 2 de maio de 2019, Grupa Lotos, C‑225/18, EU:C:2019:349, n.o 31 e jurisprudência referida).

43      Na medida em que esta disposição tem especificamente por objeto a tributação das mencionadas atividades pela República da Áustria à data da sua adesão à União, as modalidades dessa tributação desde essa data devem manter‑se, em substância, inalteradas para que a referida tributação continue a ser abrangida pela derrogação prevista no artigo 378.o, n.o 1, da Diretiva IVA.

44      A este respeito, resulta dos elementos submetidos ao Tribunal de Justiça que a legislação nacional que prevê a taxa sobre os programas foi alterada em 2011, de modo que, doravante, esta taxa deve ser paga desde que o local de receção do utilizador se situe numa zona abrangida pela radiodifusão terrestre dos programas da ORF, ainda que esse utilizador não tenha feito o mínimo ajustamento necessário do seu aparelho para poder receber as emissões de televisão digital da ORF.

45      Ora, decorre dos elementos indicados pelo órgão jurisdicional de reenvio que essa alteração legislativa se limitou a ter em conta as inovações tecnológicas entretanto ocorridas, sem alterar o facto gerador da obrigação de pagamento da taxa sobre os programas relativamente ao que se verificava à data de adesão da República da Áustria à União.

46      No que respeita ao objetivo prosseguido pelo artigo 378.o, n.o 1, da Diretiva IVA, como resulta do anexo XII desta diretiva, esta disposição destina‑se a aplicar a derrogação concedida à República da Áustria ao abrigo do artigo 151.o, n.o 1, do Ato de Adesão, lido em conjugação com o anexo XV, parte IX, ponto 2, alínea h), primeiro parágrafo, segundo travessão, deste Ato. Ora, resulta da documentação relativa às negociações anteriores à adesão da República da Áustria à União, invocada pela GIS, pela ORF, pela República da Áustria e pela Comissão Europeia, que a República da Áustria tinha pedido para beneficiar de uma derrogação que lhe permitisse continuar a sujeitar ao IVA as atividades dos organismos públicos de radiotelevisão que não tivessem caráter comercial, e que os Estados‑Membros da União acederam a esse pedido.

47      Os elementos mencionados nos n.os 41 a 46 do presente acórdão levam a interpretar o artigo 378.o, n.o 1, da Diretiva IVA, lido em conjugação com o anexo X, parte A, ponto 2, desta diretiva, no sentido de que esta disposição permite à República da Áustria continuar a sujeitar ao IVA a taxa sobre os programas.

48      Esta interpretação é, de resto, a única que permite salvaguardar o efeito útil desta disposição, em conformidade com a jurisprudência referida no n.o 40 do presente acórdão.

49      Com efeito, resulta da decisão de reenvio que a República da Áustria, à data da sua adesão à União, sujeitava ao IVA as atividades do organismo público de radiotelevisão que não tinham caráter comercial, cobrando esse imposto sobre a taxa sobre os programas. Assim, na medida em que o artigo 378.o, n.o 1, da Diretiva IVA só autoriza a República da Áustria a «continuar a tributar» essas atividades e não a introduzir uma nova tributação, interpretar esta disposição no sentido de que não autoriza a cobrança do IVA sobre a taxa sobre os programas esvaziaria de sentido a referida disposição.

50      Uma apreciação diferente não pode resultar do Acórdão de 22 de junho de 2016, Český rozhlas (C‑11/15, EU:C:2016:470, n.o 32), no qual o Tribunal de Justiça salientou que o artigo 13.o, A, n.o 1, alínea q), da Sexta Diretiva, redigido de forma idêntica ao artigo 132.o, n.o 1, alínea q), da Diretiva IVA, só prevê a isenção das «atividades dos organismos públicos de radiotelevisão que não tenham caráter comercial» se essas atividades estiverem «sujeitas ao IVA», em conformidade com o artigo 2.o da Sexta Diretiva, que corresponde ao artigo 2.o da Diretiva IVA, e que, portanto, o artigo 13.o, A, n.o 1, alínea q), da Sexta Diretiva não pode ser interpretado de modo a alargar o âmbito de aplicação desta última diretiva.

51      A este respeito, basta recordar que, no processo que deu origem ao Acórdão de 22 de junho de 2016, Český rozhlas (C‑11/15, EU:C:2016:470), o Tribunal de Justiça não tinha de interpretar uma disposição derrogatória como, no caso em apreço, o artigo 378.o, n.o 1, da Diretiva IVA. Ora, está na natureza de tal disposição introduzir exceções ao âmbito de aplicação da regulamentação de que faz parte. Com efeito, a tributação permitida por esta disposição não é uma tributação harmonizada que seja parte integrante do regime do IVA nos moldes organizados pela Diretiva IVA. Pelo contrário, a faculdade aí prevista permite à República da Áustria manter a sua legislação relativa à tributação dos serviços em causa, sem que as diferenças que daí possam resultar entre ela e outros Estados‑Membros sejam contrárias ao direito da União (v., por analogia, Acórdãos de 7 de dezembro de 2006, Eurodental, C‑240/05, EU:C:2006:763, n.o 52 e jurisprudência referida, e de 13 de março de 2014, Jetair e BTWE Travel4you, C‑599/12, EU:C:2014:144, n.os 46 e 50).

52      Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que responder às questões submetidas que o artigo 2.o, n.o 1, alínea c), e o artigo 378.o, n.o 1, da Diretiva IVA, lidos em conjugação com o artigo 151.o, n.o 1, e o anexo XV, parte IX, ponto 2, alínea h), primeiro parágrafo, segundo travessão, do Ato de Adesão, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a que a República da Áustria sujeite ao IVA uma atividade de radiodifusão pública, financiada por uma taxa legal obrigatória e paga por qualquer pessoa que utilize um aparelho recetor de radiodifusão no interior de um edifício situado numa zona abrangida pela radiodifusão terrestre do organismo público de radiodifusão em causa, independentemente da questão de saber se a atividade de radiodifusão pública em causa está abrangida pelo conceito de «prestações de serviços efetuadas a título oneroso», na aceção deste artigo 2.o, n.o 1, alínea c).

 Quanto às despesas

53      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) declara:

O artigo 2.o, n.o 1, alínea c), e o artigo 378.o, n.o 1, da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, lidos em conjugação com o artigo 151.o, n.o 1, e o anexo XV, parte IX, ponto 2, alínea h), primeiro parágrafo, segundo travessão, do Ato relativo às condições de adesão da República da Áustria, da República da Finlândia e do Reino da Suécia e às adaptações dos Tratados em que se funda a União Europeia,

devem ser interpretados no sentido de que:

não se opõem a que a República da Áustria sujeite ao imposto sobre o valor acrescentado uma atividade de radiodifusão pública, financiada por uma taxa legal obrigatória e paga por qualquer pessoa que utilize um aparelho recetor de radiodifusão no interior de um edifício situado numa zona abrangida pela radiodifusão terrestre do organismo público de radiodifusão em causa, independentemente da questão de saber se a atividade de radiodifusão pública em causa está abrangida pelo conceito de «prestações de serviços efetuadas a título oneroso», na aceção deste artigo 2.o, n.o 1, alínea c).

Assinaturas


*      Língua do processo: alemão.