Language of document : ECLI:EU:C:2023:910

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

23 de novembro de 2023 (*)

«Reenvio prejudicial — Ambiente — Convenção de Aarhus — Diretiva 2003/4/CE — Acesso do público às informações sobre ambiente — Indeferimento de um pedido de informação — Atas das reuniões de um governo — Debates sobre as emissões de gases com efeito de estufa — Artigo 4.o, n.os 1 e 2 — Exceções ao direito de acesso à informação — Conceitos de “comunicações internas” e de “procedimentos das autoridades públicas” — Recurso judicial — Anulação da decisão de indeferimento — Exceção aplicável identificada na sentença — Autoridade de caso julgado»

No processo C‑84/22,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela High Court (Tribunal Superior, Irlanda), por Decisão de 8 de fevereiro de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 8 de fevereiro de 2022, no processo

Right to Know CLG

contra

An Taoiseach,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: C. Lycourgos, presidente de secção, O. Spineanu‑Matei, J.‑C. Bonichot (relator), S. Rodin e L. S. Rossi, juízes,

advogado‑geral: J. Kokott,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Right to Know CLG, por D. Browne, BL, F. Logue, solicitor, e N. J. Travers, SC,

–        em representação do An Taoiseach e da Irlanda, por M. Browne, E. O’Hanrahan e A. Joyce, na qualidade de agentes, assistidos por A. Carroll, BL, e B. Kennedy, SC,

–        em representação da Comissão Europeia, por G. Gattinara e L. Haasbeek, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 17 de maio de 2023,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 4.o, n.o 1, primeiro parágrafo, alínea e), e do artigo 4.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alínea a), da Diretiva 2003/4/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de janeiro de 2003, relativa ao acesso do público às informações sobre ambiente e que revoga a Diretiva 90/313/CEE do Conselho (JO 2003, L 41, p. 26), bem como dos princípios da autoridade do caso julgado e da efetividade.

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Right to Know CLG, uma organização sem fins lucrativos de direito irlandês, ao An Taoiseach (Primeiro‑Ministro, Irlanda), a respeito de um pedido dirigido ao Governo Irlandês, em 8 de março de 2016, destinado a obter o acesso a todos os documentos relativos aos debates ocorridos no âmbito do Conselho de Ministros sobre as emissões de gases com efeito de estufa da Irlanda, realizados em reuniões que tiveram lugar entre 2002 e 2016 (a seguir «pedido de acesso à informação sobre ambiente de 8 de março de 2016»).

 Quadro jurídico

 Direito internacional

3        A Convenção sobre Acesso à Informação, Participação do Público no Processo de Tomada de Decisão e Acesso à Justiça em Matéria de Ambiente, assinada em Aarhus, em 25 de junho de 1998, e aprovada, em nome da Comunidade Europeia, pela Decisão 2005/370/CE do Conselho, de 17 de fevereiro de 2005 (JO 2005, L 124, p. 1, a seguir «Convenção de Aarhus»), dispõe, no seu artigo 4.o, n.os 3 e 4:

«3.      Pode ser recusado um pedido de informações se:

[…]

c)      o pedido disser respeito a material em fase de finalização ou a comunicações internas das autoridades públicas, na medida em que o direito nacional ou as práticas correntes prevejam uma derrogação, tendo em conta o interesse público da sua divulgação.

4.      Pode ser recusado um pedido de informações se a divulgação das mesmas afetar negativamente:

a)      a confidencialidade dos procedimentos das autoridades públicas, nos casos em que tal confidencialidade esteja prevista no direito interno;

[…]»

 Direito da União

4        O considerando 16 da Diretiva 2003/4 tem a seguinte redação:

«O direito à informação significa que a divulgação de informação deve ser uma regra geral e que as autoridades públicas devem poder recusar um pedido de informações sobre ambiente em casos específicos e claramente definidos. Os motivos da recusa devem ser interpretados de forma restrita, mediante uma ponderação do interesse público protegido pela divulgação por oposição ao interesse protegido pela recusa. As razões para o indeferimento dos pedidos devem ser comunicadas ao requerente no prazo previsto na presente diretiva.»

5        Nos termos do artigo 1.o desta diretiva, sob a epígrafe «Objetivos»:

«A presente diretiva tem os seguintes objetivos:

a)      Garantir o direito de acesso à informação sobre ambiente na posse das autoridades públicas ou detida em seu nome e estabelecer as condições básicas do, e disposições práticas para o, seu exercício; […]»

6        O artigo 2.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Definições», prevê:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[…]

2)      “Autoridade pública”:

a)      O governo ou outros órgãos da Administração Pública nacional, regional ou local, incluindo órgãos consultivos;

[…]

3)      “Informação detida por uma autoridade pública”, informações sobre o ambiente na sua posse e que hajam sido elaboradas ou recebidas pela dita autoridade;

[…]

5)      “Requerente”, qualquer pessoa singular ou coletiva que peça informações sobre o ambiente.

[…]»

7        O artigo 4.o da mesma diretiva, sob a epígrafe «Exceções», estabelece:

«1.      Os Estados‑Membros podem prever o indeferimento de um pedido de informação sobre ambiente quando:

[…]

e)      O pedido se refira a comunicações internas, tendo em conta o interesse público que a divulgação da informação serviria.

[…]

2.      Os Estados‑Membros podem prever o indeferimento de um pedido de informação sobre ambiente se a divulgação dessa informação prejudicar:

a)      A confidencialidade dos procedimentos das autoridades públicas, quando tal confidencialidade esteja prevista por lei;

[…]

Os motivos de indeferimento referidos nos n.os 1 e 2 devem ser interpretados de forma restritiva, tendo em conta, em cada caso, o interesse público servido pela sua divulgação. Em cada caso específico, o interesse público que a divulgação serviria deve ser avaliado por oposição ao interesse servido pelo indeferimento. Os Estados‑Membros não podem, por força do disposto nas alíneas a), d), f), g) e h) do n.o 2, prever o indeferimento de um pedido que incida sobre emissões para o ambiente.

[…]

4.      A informação sobre ambiente na posse das autoridades públicas ou detida em seu nome e pedida por um requerente será apenas parcialmente disponibilizada quando for possível dissociar as informações abrangidas pelas alíneas d) e e) do n.o 1 ou pelo n.o 2 das restantes informações pedidas.

[…]»

8        O artigo 6.o da Diretiva 2003/4, sob a epígrafe «Acesso à justiça», impõe aos Estados‑Membros que garantam que qualquer requerente de informações sobre ambiente que considere que o seu pedido de informação foi ignorado, indevidamente indeferido, que obteve uma resposta inadequada ou não foi tratado nos termos das disposições desta diretiva, possa interpor um recurso administrativo ou judicial contra os atos ou omissões da autoridade pública em causa.

 Direito irlandês

 Constituição Irlandesa

9        O artigo 28.o, n.o 4, da Bunreacht na hÉireann (Constituição Irlandesa) dispõe:

«[…]

2.o      O governo reúne‑se e atua de modo colegial […]

3.o      A confidencialidade das conversações mantidas nas reuniões do governo é respeitada em todas as circunstâncias, exceto se a High Court (Tribunal Superior) decidir pela sua divulgação em relação a um caso específico:

i)      no interesse da administração da justiça por um tribunal, ou

ii)      por força de um interesse público superior, em conformidade com um pedido apresentado nesse sentido por uma comissão nomeada pelo governo ou por um ministro do governo sob a autoridade das Houses of the Oireachtas (Câmaras do Parlamento) para investigar uma questão por estas declarada como sendo de importância pública.

[…]»

 Regulamento relativo ao Acesso à Informação sobre Ambiente

10      A Diretiva 2003/4 foi transposta para o direito irlandês pelas European Communities (Access to Information on the Environment) Regulations 2007 (S. I. no 133/2007) [Regulamento de 2007 — Comunidades Europeias (Acesso à informação sobre ambiente)] (a seguir «Regulamento relativo ao Acesso à Informação sobre Ambiente»).

11      O artigo 8.o deste regulamento prevê certos fundamentos obrigatórios de indeferimento de um pedido de acesso à informação em matéria de ambiente. A exceção relativa aos «procedimentos» é transposta por este artigo 8.o, alínea a), iv).

12      O artigo 8.o, alínea b), do referido regulamento prevê que uma autoridade pública não disponibilize informações ambientais «na medida em que implique a divulgação dos debates realizados numa ou em mais reuniões do governo».

13      O artigo 9.o do Regulamento relativo ao acesso à informação sobre ambiente enuncia os fundamentos de indeferimento de um pedido de acesso à informação em matéria de ambiente. A exceção relativa às «comunicações internas» é transposta por este artigo 9.o, n.o 2, alínea d).

14      Nos termos do artigo 10.o do Regulamento relativo ao acesso à informação sobre ambiente:

«1.      Sem prejuízo do disposto nos artigos 8.o e 9.o, n.o 1, alínea c), um pedido de informação sobre ambiente não pode ser indeferido quando disser respeito a informações sobre emissões para o ambiente.

2.      A referência feita, no n.o 1, a informação sobre emissões para o ambiente não inclui os debates sobre da questão dessas emissões numa reunião governamental.

3.      A autoridade pública analisa individualmente cada pedido e pondera o interesse público que a divulgação serviria com o interesse servido pelo indeferimento.

4.      Os motivos de indeferimento de um pedido de informação sobre ambiente devem ser interpretados restritivamente, tendo em conta o interesse público servido pela divulgação.

5.      Nenhuma das disposições dos artigos 8.o ou 9.o autoriza uma autoridade pública a não disponibilizar informação sobre ambiente que, embora acompanhe a informação referida no artigo 8.o ou 9.o, possa ser separada desta última.

[…]»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

15      O pedido de acesso à informação sobre ambiente de 8 de março de 2016, apresentado pela Right to Know, tinha, em substância, por objetivo aceder a atas das reuniões do Governo Irlandês. Este pedido foi indeferido, em 27 de junho de 2016, na sequência de um processo interno de apreciação. A Right to Know impugnou esta decisão na High Court (Tribunal Superior, Irlanda).

16      Por Sentença de 1 de junho de 2018, esse órgão jurisdicional considerou que a exceção ao direito de acesso à informação sobre ambiente, prevista no artigo 4.o, n.o 1, primeiro parágrafo, alínea e), da Diretiva 2003/4 para as «comunicações internas» de uma autoridade pública, era aplicável, uma vez que as reuniões do Governo Irlandês deviam ser equiparadas a esse tipo de comunicações. Declarou igualmente que a aplicação dessa exceção exigia uma avaliação entre o interesse público que a divulgação serviria e o interesse servido pelo indeferimento da divulgação, avaliação essa a que a Decisão de 27 de junho de 2016 não procedeu. Por conseguinte, a High Court (Tribunal Superior) declarou a sua anulação e remeteu o pedido da Right to Know ao Primeiro‑Ministro para reapreciação.

17      Por Decisão de 16 de agosto de 2018, o Primeiro‑Ministro deferiu o pedido da Right to Know, mas apenas parcialmente. A Right to Know contestou a legalidade dessa decisão na High Court (Tribunal Superior).

18      No âmbito do recurso, a Right to Know contesta a qualificação dos documentos solicitados adotada pela High Court na Sentença de 1 de junho de 2018. Segundo a Right to Know, não há que aplicar a exceção prevista no artigo 4.o, n.o 1, primeiro parágrafo, alínea e), da Diretiva 2003/4 para as «comunicações internas» mas aplicar outra, a saber, a prevista no mesmo artigo 4.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alínea a), para os «procedimentos» confidenciais de uma autoridade pública.

19      A High Court (Tribunal Superior) salienta a este respeito que, por força do artigo 4.o, n.o 2, segundo parágrafo, da Diretiva 2003/4, a divulgação dos documentos que dizem respeito a «informação sobre emissões para o ambiente» não pode ser recusada. Com efeito, esta disposição limitaria a aplicabilidade de várias das exceções previstas no artigo 4.o, n.o 2, primeiro parágrafo, desta diretiva, no caso de pedidos de acesso à informação sobre ambiente, entre as quais, nomeadamente, a exceção prevista para os «procedimentos das autoridades públicas». Em contrapartida, a referida disposição não se aplica à exceção prevista para as «comunicações internas».

20      Assim, se os documentos aos quais acesso é pedido estiverem abrangidos não por esta última exceção, mas pela prevista para os «procedimentos», a sua divulgação é obrigatória, pelo menos, na medida em que dizem respeito a «emissões para o ambiente». Nesse caso, o Governo Irlandês não pode invocar a confidencialidade das suas reuniões.

21      O órgão jurisdicional de reenvio considera que as reuniões do governo podem constituir «procedimentos» confidenciais. Salienta, assim, que, em conformidade com o artigo 28.o, n.o 4, da Constituição irlandesa, o governo reúne‑se «de modo colegial» e esclarece que o objetivo dessas reuniões, identificado pela Supreme Court of Ireland (Supremo Tribunal, Irlanda) no processo Attorney General/Hamilton [1993] 2 I. R. 250, é o de permitir uma discussão completa, livre e franca antes da adoção das decisões.

22      Ora, a linha divisória entre as «comunicações internas» e os «procedimentos» confidenciais não resulta claramente do artigo 4.o da Diretiva 2003/4.

23      Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que não é certo, à luz do direito nacional, que, no âmbito do litígio no processo principal, a Right to Know possa pôr em causa a qualificação dos documentos em causa como «comunicações internas», adotada na Sentença de 1 de junho de 2018.

24      Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, trata‑se, com efeito, de uma questão de direito que foi definitivamente decidida na Sentença de 1 de junho de 2018, a qual, aliás, não foi objeto de recurso. Salienta, além disso, que o litígio no processo principal opõe as mesmas partes, a saber, a Right to Know e o Primeiro‑Ministro, e tem o mesmo objeto, ou seja, o tratamento do pedido de acesso à informação sobre ambiente de 8 de março de 2016, que o litígio que deu origem a essa sentença. Por conseguinte, a autoridade do caso julgado associada, em princípio, à Sentença de 1 de junho de 2018 opõe‑se, regra geral, a que a Right to Know ainda possa alegar que os documentos exigidos não são abrangidos pelo fundamento de recusa de acesso previsto para as «comunicações internas».

25      O órgão jurisdicional de reenvio refere que esta modalidade da autoridade do caso julgado, conhecida no direito irlandês como «issue estoppel», se estende, não só ao dispositivo da sentença anterior mas também aos fundamentos respetivos em que foram apreciadas as questões de facto e de direito.

26      Todavia, os juízes conservam o poder de apreciação para autorizar o reexame de uma questão no interesse da justiça. Neste âmbito, incumbe‑lhes estabelecer um equilíbrio entre os direitos concorrentes das partes e, mais globalmente, entre o direito de acesso à justiça e o interesse público na resolução definitiva dos litígios. No caso em apreço, poderia ser alcançado um equilíbrio adequado se a Right to Know pudesse invocar a sua argumentação relativa à qualificação dos documentos que pretende obter. Além disso, é do interesse público decidir esta questão de direito particularmente importante.

27      O órgão jurisdicional de reenvio considera, todavia, que também não está excluída uma aplicação estrita do issue estoppel, pedida pelo demandado no processo principal. Esta aplicação poderá ser compatível com o direito da União, mesmo que se verifique que a Sentença de 1 de junho de 2018 assenta numa interpretação errada do artigo 4.o da Diretiva 2003/4.

28      Resulta, nomeadamente, do Acórdão de 16 de março de 2006, Kapferer (C‑234/04, EU:C:2006:178), que, sem prejuízo dos princípios da equivalência e da efetividade, o direito da União não obriga um órgão jurisdicional nacional a não aplicar as regras processuais internas que conferem autoridade de caso julgado a uma decisão, mesmo que isso permita sanar uma violação desse direito. A lógica desta abordagem é a de garantir tanto a estabilidade das relações jurídicas como a boa administração da justiça.

29      Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, no caso em apreço, a estabilidade das relações jurídicas não é uma justificação particularmente relevante, uma vez que a Sentença de 1 de junho de 2018 reservou para momento ulterior a decisão sobre o pedido da Right to Know, tendo anulado a decisão de indeferimento de 27 de junho de 2016. Além disso, nestas circunstâncias, a Right to Know não pode ser acusada de não ter interposto recurso dessa sentença e de ter invocado um fundamento relativo à errada aplicação do artigo 4.o da Diretiva 2003/4 apenas no âmbito do litígio no processo principal, a saber, a qualificação errada dos documentos solicitados como comunicações internas, na aceção do artigo 4.o, n.o 1, primeiro parágrafo, alínea e), desta diretiva.

30      Tendo em conta estas considerações, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se o issue estoppel constitui uma modalidade da autoridade de caso julgado reconhecida pelo direito da União. Pergunta, além disso, se a sua aplicação estrita pode ser contrária ao princípio da efetividade quando conduz a uma situação em que já não pode ser invocada uma violação do direito da União.

31      Nestas circunstâncias, a High Court (Tribunal Superior) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Devem as atas de reuniões formais do poder executivo de um Estado‑Membro, nas quais os membros do governo devem participar e atuar [de modo] colegial, ser qualificadas, para efeitos de um pedido de acesso à informação sobre o ambiente que delas consta, [como] «comunicações internas» ou [como] «procedimentos» de uma autoridade pública na aceção, respetivamente, do artigo 4.o, n.o 1, [primeiro parágrafo,] alínea e), e do artigo 4.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alínea a), da Diretiva 2003/4?

2)      O princípio da autoridade do caso julgado (como figura no Acórdão [de 30 de setembro de 2003,] Köbler, processo C‑224/01, EU:C:2003:513, e jurisprudência posterior) estende‑se além da parte decisória ou do dispositivo do acórdão anterior, e inclui também as conclusões de facto e de direito que figuram nesse mesmo acórdão? Por outras palavras, o princípio da autoridade do caso julgado limita‑se a impedir que o caso volte a ser submetido a um tribunal («cause of action estoppel») ou também obsta a que uma parte volte a invocar em juízo uma determinada questão de facto ou de direito que já tenha sido decidida contra si em processo anterior («issue estoppel»)?

3)      Num processo pendente entre as partes relativo a um pretenso incumprimento da Diretiva 2003/4 no que se refere a um pedido específico de acesso [à informação] sobre ambiente, no qual um recorrente/requerente conseguiu que a decisão fosse anulada, invocando fundamentos baseados no direito da União, alguns deles julgados procedentes e outros improcedentes, o direito da União, em particular o princípio da efetividade, opõe‑se a uma norma nacional sobre a autoridade do caso julgado, baseada na figura jurídica «issue estoppel», que exige que o órgão jurisdicional nacional, num novo processo relativo a uma nova decisão sobre o mesmo pedido, impeça o referido recorrente/requerente de contestar essa nova decisão com base em fundamentos de direito da União que foram previamente julgados improcedentes mas que, nestas circunstâncias, ainda não foram objeto de recurso?

4)      A resposta à terceira questão é afetada pelo facto de: (i) não ter sido submetido um reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça; e (ii) nenhuma das partes ter invocado a jurisprudência relevante do Tribunal de Justiça perante o órgão jurisdicional nacional?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão

32      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 4.o da Diretiva 2003/4 deve ser interpretado no sentido de que as atas das reuniões formais do governo de um Estado‑Membro estão abrangidas pela exceção ao direito de acesso à informação sobre ambiente prevista no seu n.o 1, primeiro parágrafo, alínea e), para as «comunicações internas» ou pela exceção prevista no seu n.o 2, primeiro parágrafo, alínea a), para os «procedimentos das autoridades públicas».

33      A este respeito, importa recordar que, quando adotou a Diretiva 2003/4, o legislador da União pretendeu assegurar a compatibilidade do direito da União com a Convenção de Aarhus ao prever um regime geral destinado a garantir que qualquer requerente, na aceção do artigo 2.o, ponto 5, desta diretiva, tenha um direito de acesso à informação sobre ambiente na posse das autoridades públicas ou detida em seu nome sem ter de justificar o seu interesse (Acórdão de 20 de janeiro de 2021, Land Baden‑Württemberg (Comunicações internas), C‑619/19, EU:C:2021:35, n.o 28 e jurisprudência referida].

34      Segundo jurisprudência constante, o direito de acesso à informação sobre ambiente, previsto na Diretiva 2003/4, significa que a divulgação dessa informação deve ser a regra geral e que as autoridades públicas só devem poder recusar um pedido de informação sobre ambiente em casos específicos claramente definidos. Por conseguinte, as exceções ao direito de acesso devem ser interpretadas de forma restritiva, de maneira que avalie o interesse que a divulgação serviria por oposição ao interesse servido pelo indeferimento [v., neste sentido, Acórdão de 20 de janeiro de 2021, Land Baden‑Württemberg (Comunicações internas), C‑619/19, EU:C:2021:35, n.o 33 e jurisprudência referida].

35      O artigo 4.o desta diretiva enumera precisamente as exceções que os Estados‑Membros podem instituir ao direito de acesso à informação sobre ambiente. Na medida em que essas exceções tenham sido efetivamente transpostas para o direito nacional, as autoridades públicas podem invocá‑las a fim de indeferir os pedidos de informação que lhes são apresentados [Acórdão de 20 de janeiro de 2021, Land Baden‑Württemberg (Comunicações internas), C‑619/19, EU:C:2021:35, n.o 31].

36      Desta forma, os Estados‑Membros podem prever, em aplicação do artigo 4.o, n.o 1, primeiro parágrafo, alínea e), da Diretiva 2003/4, que um pedido de informação sobre ambiente possa ser indeferido no caso de dizer respeito a «comunicações internas», tendo, no entanto, em conta o interesse que a divulgação das informações solicitadas teria para o público.

37      No que se refere ao conceito de «comunicações internas», o Tribunal de Justiça declarou que o termo «comunicação» diz respeito a uma informação dirigida por um autor a um destinatário, entendendo‑se que este destinatário tanto pode ser uma entidade abstrata, tal como os «membros» de uma Administração ou a «comissão executiva» de uma pessoa coletiva, como pode ser uma pessoa específica pertencente a essa entidade, tal como um agente ou um funcionário [Acórdão de 20 de janeiro de 2021, Land Baden‑Württemberg (Comunicações internas), C‑619/19, EU:C:2021:35, n.o 37].

38      O termo «interna», por sua vez, refere‑se à informação que não sai da esfera interna de uma autoridade pública, especialmente quando não tenha sido divulgada a um terceiro ou disponibilizada ao público [Acórdão de 20 de janeiro de 2021, Land Baden‑Württemberg (Comunicações internas), C‑619/19, EU:C:2021:35, n.o 42].

39      Na hipótese de uma autoridade pública possuir uma informação sobre ambiente recebida de uma fonte externa, essa informação também pode ser «interna» se não tiver sido ou não devesse ter sido disponibilizada ao público antes da sua receção por essa autoridade e se não sair da esfera interna da referida autoridade após esta a receber [Acórdão de 20 de janeiro de 2021, Land Baden‑Württemberg (Comunicações internas), C‑619/19, EU:C:2021:35, n.o 43].

40      O conceito de «autoridade pública» está definido no artigo 2.o, ponto 2, da Diretiva 2003/4. Designa, nomeadamente, o «governo» e «outros órgãos da Administração Pública».

41      No caso em apreço, o pedido de acesso tem por objeto atas dos debates do Governo que, segundo as informações de que o Tribunal de Justiça dispõe, são, em princípio, suscetíveis de ser abrangidas pelo conceito de «comunicações internas». Com efeito, sem prejuízo das verificações que incumbem ao órgão jurisdicional de reenvio, em primeiro lugar, essas atas refletem informações trocadas entre os membros de uma Administração e, portanto, de uma «autoridade pública»; em segundo lugar, na medida em que são distribuídas no interior dessa Administração, configuram «comunicações» e, em terceiro e último lugar, atendendo ao seu caráter confidencial, previsto no artigo 28.o, n.o 4, ponto 3, da Constituição irlandesa, essas atas não se destinam a ser divulgadas ao público e conservam, portanto, o seu caráter «interno».

42      Por outro lado, nos termos do artigo 4.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alínea a), da Diretiva 2003/4, os Estados‑Membros podem prever o indeferimento de um pedido de informação sobre ambiente se a divulgação dessa informação prejudicar a confidencialidade dos procedimentos das autoridades públicas, quando tal confidencialidade esteja prevista por lei.

43      No que diz respeito ao conceito de «procedimentos das autoridades públicas», o Tribunal de Justiça declarou que o termo «procedimentos» remete para as fases finais dos processos decisórios das autoridades públicas que sejam claramente designados como procedimentos pelo direito nacional e cuja confidencialidade esteja prevista por lei (v., neste sentido, Acórdão de 14 de fevereiro de 2012, Flachglas Torgau, C‑204/09, EU:C:2012:71, n.os 63 e 64).

44      No caso em apreço, no que respeita às atas dos debates do Governo, está assente que estas estão abrangidas pelo regime de confidencialidade previsto no artigo 28.o, n.o 4, ponto 3, da Constituição irlandesa. Em contrapartida, o pedido de decisão prejudicial não permite ao Tribunal de Justiça determinar se as atas que são objeto do pedido de acesso da Right to Know refletem os debates realizados durante a fase final de um processo decisório que o direito irlandês designou como constituindo um procedimento. Se assim for, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, essas atas estão abrangidas pelo conceito de «procedimentos das autoridades públicas».

45      Por conseguinte, sem prejuízo das verificações que incumbem ao órgão jurisdicional de reenvio, não se exclui que, no caso em apreço, estejam simultaneamente preenchidos os requisitos de aplicação da exceção ao direito de acesso prevista no artigo 4.o, n.o 1, primeiro parágrafo, alínea e), da Diretiva 2003/4 e os da prevista no mesmo artigo 4.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alínea a).

46      A este respeito, há que salientar que não é possível aplicar estas duas exceções de forma cumulativa.

47      Com efeito, deve considerar‑se que o artigo 4.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alínea a), da Diretiva 2003/4 constitui uma lex specialis em relação ao artigo 4.o, n.o 1, primeiro parágrafo, alínea e), da mesma diretiva. Assim, se os requisitos de aplicação da exceção mais específica prevista para os «procedimentos das autoridades públicas» estiverem efetivamente preenchidos, a sua aplicação prevalece sobre a aplicação da exceção relativa às comunicações internas, que tem um alcance mais geral.

48      Concretamente, além dos requisitos de aplicação desta última exceção, a saber, em substância, a transmissão de informação exclusivamente na esfera interna de uma autoridade pública, a exceção para os «procedimentos das autoridades públicas» só é aplicável quando o intercâmbio de informações ocorra durante a fase final de um processo decisório claramente definido como constituindo um «procedimento» e cuja confidencialidade está prevista por lei.

49      Além disso, as duas exceções correspondem a dois regimes jurídicos distintos.

50      A proteção das «comunicações internas» permite, com efeito, criar, a favor das autoridades públicas, um espaço protegido para refletir e debater em privado. Trata‑se de uma exceção de alcance particularmente amplo, que é suscetível de se aplicar em todas as fases dos trabalhos levados a cabo por essas autoridades. Daqui resulta que, para determinar se a recusa de acesso à informação abrangida por esta exceção é justificada, importa enquadrar restritivamente a ponderação dos interesses em presença, a saber, os que se opõem à divulgação e os que a justificam [v., neste sentido, Acórdão de 20 de janeiro de 2021, Land Baden‑Württemberg (Comunicações internas), C‑619/19, EU:C:2021:35, n.os 50, 58 e 60].

51      Em contrapartida, a exceção relativa aos «procedimentos das autoridades públicas» visa apenas as informações trocadas num contexto muito específico. A mesma permite aos Estados‑Membros proteger exclusivamente a informação relativa às fases finais dos processos decisórios das autoridades públicas e que considerem, pelo seu caráter particularmente sensível, que devem ser confidenciais. Por conseguinte, o âmbito de aplicação desta exceção é preciso e limitado.

52      Por outro lado, o legislador da União instituiu uma exceção à exceção prevista no artigo 4.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alínea a), da Diretiva 2003/4, a fim de excluir expressamente certos dados que revistam particular importância para o público. Assim, em conformidade com o artigo 4.o, n.o 2, segundo parágrafo, último período, desta diretiva, a exceção prevista para os «procedimentos das autoridades públicas» não permite indeferir um pedido de acesso a informações sobre ambiente respeitante a «emissões para o ambiente».

53      Assim, quando um Estado‑Membro tenha transposto o artigo 4.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alínea a), desta diretiva e a informação cuja comunicação é solicitada tenha sido efetivamente trocada durante um procedimento confidencial, estando assim abrangida pelo âmbito de aplicação desta disposição, cabe às autoridades nacionais competentes verificar se essa informação está relacionada com emissões para o ambiente. Se for esse o caso, ainda que essas informações sejam, em princípio, consideradas confidenciais pelo direito nacional, o acesso às mesmas não pode ser recusado, exceto se não for possível dissociá‑las de outras informações trocadas no mesmo contexto (v., neste sentido, Acórdão de 23 de novembro de 2016, Bayer CropScience e Stichting De Bijenstichting, C‑442/14, EU:C:2016:890, n.o 105).

54      Se se verificar que a informação requerida não está relacionada com emissões para o ambiente, as autoridades nacionais competentes devem avaliar, em conformidade com o artigo 4.o, n.o 2, segundo parágrafo, segundo período, da Diretiva 2003/4, o interesse público que a divulgação dessas informações serviria por oposição ao interesse servido pelo indeferimento.

55      Essa ponderação dos interesses em presença também é exigida se, na hipótese de não ser aplicável a exceção para os «procedimentos das autoridades públicas», for aplicável a prevista para as comunicações internas, em conformidade com o artigo 4.o, n.o 1, primeiro parágrafo, alínea e), da Diretiva 2003/4 [v., neste sentido, Acórdão de 20 de janeiro de 2021, Land Baden‑Württemberg (Comunicações internas), C‑619/19, EU:C:2021:35, n.o 58].

56      Por último, importa recordar que, em conformidade com o artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva 2003/4, a autoridade nacional competente deve sempre verificar se alguma das informações pedidas pode ser dissociada das informações abrangidas pela exceção ao direito de acesso aplicável, de modo que possa proceder a uma divulgação parcial [v., neste sentido, Acórdão de 20 de janeiro de 2021, Land Baden‑Württemberg (Comunicações internas), C‑619/19, EU:C:2021:35, n.o 66].

57      Tendo em conta todas as considerações precedentes, importa responder à primeira questão que o artigo 4.o da Diretiva 2003/4 deve ser interpretado no sentido de que:

–        a exceção prevista no artigo 4.o, n.o 1, primeiro parágrafo, alínea e), desta diretiva para as «comunicações internas» abrange a informação que circula numa autoridade pública e que, à data do pedido de acesso a essa informação, não tenha saído da esfera interna dessa autoridade, se for o caso, depois de ter sido recebida pela referida autoridade e desde que não tenha sido ou não devesse ter sido disponibilizada ao público antes dessa receção;

–        a exceção prevista no artigo 4.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alínea a), da referida diretiva para os «procedimentos das autoridades públicas» abrange apenas a informação trocada no âmbito das fases finais dos processos decisórios das autoridades públicas que estejam claramente identificadas como procedimentos pelo direito nacional e em relação às quais esse direito prevê uma obrigação de confidencialidade, e

–        a aplicação cumulativa das exceções ao direito de acesso previstas, respetivamente, no artigo 4.o, n.o 1, primeiro parágrafo, alínea e), e no artigo 4.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alínea a), da mesma diretiva está excluída pelo facto de a segunda das disposições relativa à proteção dos «procedimentos das autoridades públicas» prevalecer sobre a primeira relativa à proteção das «comunicações internas».

 Quanto às questões segunda a quarta

 Observações preliminares

58      A título preliminar, há que recordar que o litígio no processo principal tem por objeto um pedido de acesso a informação sobre ambiente abrangido pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2003/4. No âmbito do recurso nela interposto da Decisão de 27 de junho de 2016, que indeferiu aquele pedido, a High Court (Tribunal Superior) declarou, por Sentença de 1 de junho de 2018, a aplicabilidade da exceção ao direito de acesso prevista no artigo 4.o, n.o 1, primeiro parágrafo, alínea e), da Diretiva 2003/4 para as comunicações internas de uma autoridade pública, e, em seguida, remeteu o processo ao Primeiro‑Ministro para que este avaliasse o interesse público que a divulgação serviria por oposição ao interesse servido pelo indeferimento.

59      Uma nova decisão, adotada em 16 de agosto de 2018, deferiu parcialmente o pedido de acesso. Esta decisão é objeto do litígio no processo principal, no âmbito do qual a Right to Know sustenta que não devia ter sido aplicada a exceção ao direito de acesso prevista para as «comunicações internas», mas sim a prevista no artigo 4.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alínea a), da Diretiva 2003/4 para os «procedimentos das autoridades públicas».

60      O órgão jurisdicional de reenvio considera que esta última exceção pode efetivamente aplicar‑se. Se for o caso, não haverá que aplicar a prevista para as comunicações internas.

61      Todavia, o órgão jurisdicional de reenvio explica que a autoridade do caso julgado associada aos fundamentos da Sentença da High Court (Tribunal Superior) de 1 de junho de 2018 poderá opor‑se a esta aplicação, na medida em que esse órgão jurisdicional concluiu nessa decisão pela aplicabilidade da exceção prevista para as «comunicações internas». Este ponto deve, regra geral, ser considerado definitivamente julgado entre as partes e já não pode, portanto, ser posto em causa. Por conseguinte, o órgão jurisdicional de reenvio considera que, para decidir o litígio no processo principal, cabe‑lhe pronunciar‑se sobre a compatibilidade com o direito da União do alcance reconhecido ao princípio da autoridade do caso julgado no direito irlandês.

62      A este respeito, há que começar por recordar a importância que o princípio da autoridade do caso julgado reveste, tanto na ordem jurídica da União como nas ordens jurídicas nacionais. Com efeito, para garantir tanto a estabilidade do direito e das relações jurídicas como uma boa administração da justiça, é necessário que as decisões judiciais que transitaram em julgado após o esgotamento das vias de recurso disponíveis ou depois de terminados os prazos previstos para esses recursos já não possam ser postas em causa (Acórdão de 7 de abril de 2022, Avio Lucos, C‑116/20, EU:C:2022:273, n.o 92 e jurisprudência referida).

63      Assim, o direito da União não obriga um órgão jurisdicional nacional a afastar a aplicação das regras processuais internas que confiram autoridade de caso julgado a uma decisão, mesmo que isso permitisse reparar uma situação nacional incompatível com esse direito (Acórdão de 7 de abril de 2022, Avio Lucos, C‑116/20, EU:C:2022:273, n.o 93 e jurisprudência referida).

64      Por conseguinte, o direito da União também não exige que, para ter em conta a interpretação de uma disposição pertinente desse direito adotada pelo Tribunal de Justiça, o órgão jurisdicional nacional deva, por princípio, rever uma decisão revestida da autoridade de caso julgado (Acórdão de 7 de abril de 2022, Avio Lucos, C‑116/20, EU:C:2022:273, n.o 94 e jurisprudência referida).

65      Por outro lado, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, na falta de regulamentação da União na matéria, as modalidades de aplicação do princípio da autoridade do caso julgado fazem parte da ordem jurídica interna dos Estados‑Membros ao abrigo do princípio da autonomia processual destes últimos. Todavia, essas modalidades não devem ser menos favoráveis do que as que regulam situações semelhantes de natureza interna (princípio da equivalência) nem ser concebidas de modo que, na prática, tornem impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União (princípio da efetividade) (Acórdão de 7 de abril de 2022, Avio Lucos, C‑116/20, EU:C:2022:273, n.o 100 e jurisprudência referida).

66      Relativamente a este último princípio, importa igualmente recordar que o artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia consagra o direito à ação perante um tribunal imparcial (Acórdão de 6 de outubro de 2015, East Sussex County Council, C‑71/14, EU:C:2015:656, n.o 52 e jurisprudência referida).

67      Este direito está também refletido no artigo 6.o da Diretiva 2003/4. Em contrapartida, nem este artigo nem as demais disposições desta diretiva comportam regras relativas à aplicação do princípio da autoridade do caso julgado.

68      Por conseguinte, há que considerar que, com as questões segunda a quarta, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 6.o da Diretiva 2003/4, lido à luz dos princípios da equivalência e da efetividade, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que prevê que o princípio da autoridade do caso julgado impede que uma pessoa, que obteve, numa primeira sentença, a anulação de uma decisão que tinha indeferido o seu pedido de acesso à informação sobre ambiente, invoque, no âmbito de um litígio entre as mesmas partes sobre a legalidade de uma segunda decisão relativa ao mesmo pedido de acesso, adotada na sequência da primeira sentença, uma acusação relativa à violação do artigo 4.o da Diretiva 2003/4, quando essa acusação tenha sido julgada improcedente na primeira sentença, embora isso não conste do dispositivo da decisão e, por não ter sido recurso interposto pelo requerente do acesso, a referida sentença tenha transitado em julgado.

 Quanto ao mérito

69      Importa começar por recordar, no que respeita ao princípio da efetividade, que o Tribunal de Justiça declarou que cada caso em que se coloque a questão de saber se uma disposição processual nacional torna impossível ou excessivamente difícil a aplicação do direito da União deve ser analisado tendo em conta o lugar dessa disposição no processo, visto como um todo, a tramitação deste e as suas particularidades, perante as várias instâncias nacionais. Nesta perspetiva, há que tomar em consideração, os princípios que estão na base do sistema jurisdicional nacional, como a proteção dos direitos de defesa, o princípio da segurança jurídica e a boa tramitação processual (v., neste sentido, Acórdão de 7 de abril de 2022, Avio Lucos, C‑116/20, EU:C:2022:273, n.o 101 e jurisprudência referida).

70      No caso em apreço, nenhum elemento dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça permite concluir que não existam, na ordem jurídica irlandesa, vias de recurso que assegurem, de modo efetivo, a salvaguarda dos direitos que a Diretiva 2003/4 confere aos litigantes.

71      Pelo contrário, como resulta do enunciado da terceira questão, lida à luz das informações que figuram na decisão de reenvio, no processo pendente na High Court (Tribunal Superior), na sequência do qual esta proferiu a Sentença de 1 de junho de 2018, a Right to Know estava em condições de invocar a violação do artigo 4.o da Diretiva 2003/4, e aquele órgão jurisdicional examinou esta alegação. Mais concretamente, este último rejeitou o argumento invocado pela Right to Know para que fosse declarado que a informação exigida estava abrangida pela exceção ao direito de acesso à informação sobre ambiente, prevista no artigo 4.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alínea a), da Diretiva 2003/4, o que a Right to Know e o Primeiro‑Ministro confirmaram nas suas observações escritas, apresentadas ao Tribunal de Justiça.

72      Nestas circunstâncias, há que considerar que, na medida em que, por força do direito irlandês, os fundamentos da Sentença da High Court (Tribunal Superior) de 1 de junho de 2018, relativos à inaplicabilidade desta última disposição, beneficiam da autoridade do caso julgado, esse direito não violou a efetividade do direito da União (v., por analogia, Acórdão de 24 de outubro de 2018, XC e o., C‑234/17, EU:C:2018:853, n.os 55 a 57).

73      Esta conclusão não é infirmada pelo facto de, no âmbito do processo no termo do qual foi proferida a Sentença de 1 de junho de 2018, a High Court (Tribunal Superior) não ter submetido um pedido de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça nos termos do artigo 267.o TFUE.

74      A este respeito, há que recordar que o artigo 267.o TFUE confere aos órgãos jurisdicionais nacionais uma faculdade muito ampla de recorrer ao Tribunal de Justiça se considerarem que um processo neles pendente suscita questões que exigem a interpretação ou a apreciação da validade das disposições do direito da União, necessárias à resolução do litígio que lhes foi submetido. Os órgãos jurisdicionais nacionais têm, portanto, a faculdade e, sendo caso disso, a obrigação de proceder a um reenvio prejudicial quando considerarem, oficiosamente ou a pedido das partes, que o mérito da causa comporta uma questão a resolver abrangida pelo primeiro parágrafo deste artigo (Acórdão de 30 de abril de 2020, Blue Air — Airline Management Solutions, C‑584/18, EU:C:2020:324, n.o 38 e jurisprudência referida).

75      Além disso, os particulares que tenham sido lesados devido à violação de direitos que lhes são conferidos pelo direito da União, causada por uma decisão de um órgão jurisdicional que se pronuncia em última instância, podem responsabilizar judicialmente o referido Estado‑Membro, desde que estejam preenchidos os requisitos relativos ao caráter suficientemente caracterizado da violação e à existência de um nexo de causalidade direto entre essa violação e o dano sofrido por esses particulares (Acórdão de 7 de julho de 2022, F. Hoffmann‑La Roche e o., C‑261/21, EU:C:2022:534, n.o 58 e jurisprudência referida).

76      Em contrapartida, o reconhecimento do princípio da responsabilidade do Estado decorrente da decisão de um órgão jurisdicional decidindo em última instância não tem, em si mesma, por consequência que seja posta em causa a autoridade do caso definitivamente julgado de tal decisão. De qualquer modo, o princípio da responsabilidade do Estado inerente à ordem jurídica da União exige tal ressarcimento, mas não a revisão da decisão judicial que causou o dano (v., neste sentido, Acórdãos de 30 de setembro de 2003, Köbler, C‑224/01, EU:C:2003:513, n.o 39, e de 9 de setembro de 2015, Ferreira da Silva e Brito e o., C‑160/14, EU:C:2015:565, n.o 55).

77      Por conseguinte, a violação, por um órgão jurisdicional que decide em última instância, da sua obrigação de proceder a um reenvio prejudicial e, por maioria de razão, o não reenvio no âmbito de um processo pendente num órgão jurisdicional que não decide em última instância não implica a obrigação de afastar a autoridade de caso julgado associada às decisões judiciais.

78      No entanto, deve recordar‑se que, embora as regras processuais internas aplicáveis prevejam a possibilidade, em determinadas condições, de o tribunal nacional revogar uma decisão com autoridade de caso julgado para tornar a situação compatível com o direito nacional, essa possibilidade deve, em conformidade com os princípios da equivalência e da efetividade, prevalecer se estiverem preenchidos estes requisitos, a fim de que seja reposta a conformidade da situação em causa no processo principal com o direito da União (v., neste sentido, Acórdão de 10 de julho de 2014, Impresa Pizzarotti, C‑213/13, EU:C:2014:2067, n.o 62).

79      Resulta, a este respeito, do n.o 54 das conclusões da advogada‑geral que, em determinadas circunstâncias, os órgãos jurisdicionais irlandeses têm efetivamente o poder discricionário de permitir que uma parte processual suscite uma questão que já foi decidida em seu desfavor num processo anterior, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

80      Se for esse o caso, e na medida em que, na situação em apreço, os requisitos a que o direito irlandês sujeita o exercício desse poder discricionário estejam preenchidos, o órgão jurisdicional de reenvio é obrigado a utilizá‑lo se constatar que, contrariamente ao que resulta da Sentença da High Court (Tribunal Superior) de 1 de junho de 2018, as informações exigidas não estão abrangidas pela exceção ao direito de acesso à informação sobre ambiente prevista para as «comunicações internas».

81      Acresce ainda que, como salientou, em substância, a advogada‑geral nos n.os 56 a 58 das conclusões, se afigura que, nos termos do sistema jurídico irlandês, a circunstância de uma parte não ter tido a possibilidade de interpor recurso de uma sentença, da qual consta uma conclusão com autoridade de caso julgado, pode revelar‑se pertinente para efeitos do exercício do referido poder discricionário. Por conseguinte, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se a Right to Know tinha efetivamente a possibilidade de interpor recurso da conclusão constante da Sentença da High Court (Tribunal Superior) de 1 de junho de 2018, segundo a qual o pedido de acesso à informação sobre ambiente de 8 de março de 2016 estava abrangido pela exceção relativa às «comunicações internas». Não se verificando esse o caso, os princípios da equivalência e da efetividade exigem que o órgão jurisdicional de reenvio faça uso do seu poder discricionário.

82      Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que responder às questões segunda a quarta que o artigo 6.o da Diretiva 2003/4, lido à luz dos princípios da equivalência e da efetividade, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma legislação nacional que prevê que o princípio da autoridade do caso julgado impede que uma pessoa, que obteve, numa primeira sentença, a anulação de uma decisão que tinha indeferido o seu pedido de acesso à informação sobre ambiente, invoque, no âmbito de um litígio entre as mesmas partes sobre a legalidade de uma segunda decisão relativa ao mesmo pedido de acesso, adotada na sequência da primeira sentença, uma acusação relativa à violação do artigo 4.o da Diretiva 2003/4, quando essa acusação tenha sido julgada improcedente na primeira sentença, embora isso não conste do dispositivo da decisão e, por não ter sido recurso interposto pelo requerente do acesso, a referida sentença tenha transitado em julgado. Todavia, desde que as regras processuais internas aplicáveis o autorizem, um órgão jurisdicional nacional deve permitir que essa pessoa invoque a referida acusação para que seja reposta, se for caso disso, a conformidade da situação em causa no processo principal com a regulamentação da União.

 Quanto às despesas

83      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

1)      O artigo 4.o da Diretiva 2003/4/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de janeiro de 2003, relativa ao acesso do público às informações sobre ambiente e que revoga a Diretiva 90/313/CEE do Conselho,

deve ser interpretado no sentido de que:

–        a exceção prevista no artigo 4.o, n.o 1, primeiro parágrafo, alínea e), da Diretiva 2003/4 para as «comunicações internas» abrange a informação que circula numa autoridade pública e que, à data do pedido de acesso a essa informação, não tenha saído da esfera interna dessa autoridade, se for o caso depois de ter sido recebida pela referida autoridade e desde que não tenha sido ou não devesse ter sido disponibilizada ao público antes dessa receção;

–        a exceção prevista no artigo 4.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alínea a), da referida diretiva para os «procedimentos das autoridades públicas» abrange apenas a informação trocada no âmbito das fases finais dos processos decisórios das autoridades públicas que estejam claramente identificadas como procedimentos pelo direito nacional e em relação às quais esse direito prevê uma obrigação de confidencialidade; e

–        a aplicação cumulativa das exceções ao direito de acesso previstas, respetivamente, no artigo 4.o, n.o 1, primeiro parágrafo, alínea e), e no artigo 4.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alínea a), da mesma diretiva está excluída pelo facto de a segunda das disposições, relativa à proteção dos «procedimentos das autoridades públicas» prevalecer sobre a primeira relativa à proteção das «comunicações internas».

2)      O artigo 6.o da Diretiva 2003/4, lido à luz dos princípios da equivalência e da efetividade,

deve ser interpretado no sentido de que:

não se opõe a uma legislação nacional que prevê que o princípio da autoridade do caso julgado impede que uma pessoa, que obteve, numa primeira sentença, a anulação de uma decisão que tinha indeferido o seu pedido de acesso à informação sobre ambiente, invoque, no âmbito de um litígio entre as mesmas partes sobre a legalidade de uma segunda decisão relativa ao mesmo pedido de acesso, adotada na sequência da primeira sentença, uma acusação relativa à violação do artigo 4.o da Diretiva 2003/4, quando essa acusação tenha sido julgada improcedente na primeira sentença, embora isso não conste do dispositivo da decisão e, por não ter sido recurso interposto pelo requerente do acesso, a referida sentença tenha transitado em julgado. Todavia, desde que as regras processuais internas aplicáveis o autorizem, um órgão jurisdicional nacional deve permitir que essa pessoa invoque a referida acusação para que seja reposta, se for caso disso, a conformidade da situação em causa no processo principal com a regulamentação da União.


Assinaturas


*      Língua do processo: inglês.