Language of document : ECLI:EU:C:2023:911

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

23 de novembro de 2023 (*

«Reenvio prejudicial — Proteção dos consumidores — Diretiva 93/13/CEE — Cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores — Contrato de crédito ao consumo — Artigo 3.o, n.o 1 — Desequilíbrio significativo — Custos do crédito não correspondentes a juros — Artigo 7.o, n.o 1 — Ação declarativa — Interesse em agir — Artigo 6.o, n.o 1 — Declaração do caráter abusivo de uma cláusula — Consequências»

No processo C‑321/22,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Sąd Rejonowy dla Warszawy Śródmieścia w Warszawie (Tribunal de Primeira Instância de Varsóvia-Centro, Varsóvia, Polónia), por Decisão de 22 de fevereiro de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 5 de maio de 2022, no processo

ZL,

KU,

KM

contra

Provident Polska S.A.,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: C. Lycourgos, presidente de secção, O. Spineanu‑Matei (relatora), J.‑C. Bonichot, S. Rodin e L. S. Rossi, juízes,

advogado‑geral: P. Pikamäe,

secretário: M. Siekierzyńska, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 30 de março de 2023,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Provident Polska S.A., por M. Modzelewska de Raad, adwokat, A. Salbert e B. Wodzicki, radcowie prawni,

–        em representação do Governo Polaco, por B. Majczyna, M. Kozak e S. Żyrek, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por M. Brauhoff e N. Ruiz García, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 22 de junho de 2023,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 3.o, n.o 1, do artigo 6.o, n.o 1, e do artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores (JO 1993, L 95, p. 29).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de três litígios que opõem, respetivamente, ZL, KU e KM à Provident Polska S.A. a respeito da validade de diversas cláusulas que figuram em contratos de crédito ao consumo que ZL, KU e KM celebraram com a Provident Polska ou com outra sociedade à qual esta sucedeu.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        O artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 dispõe:

«Uma cláusula contratual que não tenha sido objeto de negociação individual é considerada abusiva quando, a despeito da exigência de boa-fé, der origem a um desequilíbrio significativo em detrimento do consumidor, entre os direitos e obrigações das partes decorrentes do contrato.»

4        O artigo 4.o da mesma diretiva prevê:

«1.      Sem prejuízo do artigo 7.o, o caráter abusivo de uma cláusula poderá ser avaliado em função da natureza dos bens ou serviços que sejam objeto do contrato e mediante consideração de todas as circunstâncias que, no momento em que aquele foi celebrado, rodearam a sua celebração, bem como de todas as outras cláusulas do contrato, ou de outro contrato de que este dependa.

2.      A avaliação do caráter abusivo das cláusulas não incide nem sobre a definição do objeto principal do contrato nem sobre a adequação entre o preço e a remuneração, por um lado, e os bens ou serviços a fornecer em contrapartida, por outro, desde que essas cláusulas se encontrem redigidas de maneira clara e compreensível.»

5        Nos termos do artigo 6.o, n.o 1, da referida diretiva:

«Os Estados‑Membros estipularão que, nas condições fixadas pelos respetivos direitos nacionais, as cláusulas abusivas constantes de um contrato celebrado com um consumidor por um profissional não vinculem o consumidor e que o contrato continue a vincular as partes nos mesmos termos, se puder subsistir sem as cláusulas abusivas.»

6        O artigo 7.o, n.o 1, da mesma diretiva dispõe:

«Os Estados‑Membros providenciarão para que, no interesse dos consumidores e dos profissionais concorrentes, existam meios adequados e eficazes para pôr termo à utilização das cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores por um profissional.»

7        O artigo 8.o da Diretiva 93/13 estabelece:

«Os Estados‑Membros podem adotar ou manter, no domínio regido pela presente diretiva, disposições mais rigorosas, compatíveis com o Tratado, para garantir um nível de proteção mais elevado para o consumidor.»

 Direito polaco

 Código Civil

8        A ustawa – Kodeks cywilny (Lei que aprova o Código Civil), de 23 de abril de 1964 (Dz. U. no 16, posição 93), na versão aplicável à data dos factos do processo principal (a seguir «Código Civil»), dispõe, no artigo 58.o:

«§ 1.      Um ato jurídico contrário à lei ou que vise contornar a lei é nulo e desprovido de quaisquer efeitos, a menos que uma disposição pertinente disponha em sentido diferente, nomeadamente se previr que as disposições inválidas do ato jurídico são substituídas pelas disposições pertinentes da lei.

§ 2.      É nulo um ato jurídico contrário aos usos e costumes.

§ 3.      Se só uma parte do ato jurídico estiver ferida de nulidade, as outras partes do ato mantém‑se em vigor, a menos que resulte das circunstâncias que o ato não teria sido executado sem as disposições feridas de nulidade.»

9        O artigo 3851.o, n.os 1 e 2, do mesmo código dispõe:

«§ 1.      As cláusulas de um contrato celebrado com um consumidor que não tenham sido acordadas individualmente não são vinculativas para o consumidor se definirem os seus direitos e obrigações de forma contrária aos bons costumes, prejudicando manifestamente os seus interesses (cláusulas contratuais ilícitas). A presente disposição não é aplicável às cláusulas que definem as principais obrigações das partes, incluindo o preço ou a remuneração, se as mesmas tiverem uma redação inequívoca.

§ 2.      Quando uma cláusula do contrato não vincular o consumidor em aplicação do n.o 1, as partes continuam vinculadas pelas demais disposições do contrato.»

10      O artigo 405.o do referido código prevê:

«Quem, sem causa justificativa, obtiver uma vantagem patrimonial a expensas de outrem é obrigado a restituir‑lhe essa vantagem em espécie ou, se tal não for possível, a reembolsar o seu valor.»

11      O artigo 410.o do Código Civil tem a seguinte redação:

«1.      As disposições dos artigos anteriores são aplicáveis designadamente às prestações não devidas.

2.      Uma prestação é indevida se a pessoa que a efetuou não estava de modo nenhum obrigada a efetuá‑la ou não era obrigada a efetuá‑la a quem o fez, ou se o fundamento da prestação deixou de existir ou a finalidade pretendida com a mesma não foi alcançada, ou se o ato jurídico com base no qual era exigida a prestação era nulo e a nulidade não tiver sido sanada depois de a prestação ter sido fornecida.»

12      Nos termos do artigo 720.o, n.o 1, do referido código:

«Ao abrigo do contrato de mútuo, o mutuante obriga‑se a transmitir ao mutuário um determinado montante em dinheiro ou bens determinados unicamente quanto ao seu tipo, e o mutuário obriga‑se a restituir o mesmo montante em dinheiro ou a mesma quantidade de bens do mesmo tipo e qualidade.»

 Código de Processo Civil

13      A ustawa – Kodeks postępowania cywilnego (Lei que aprova o Código de Processo Civil), de 17 de novembro de 1964 (Dz. U. no 43, posição 296), na versão aplicável à data dos factos do processo principal (a seguir «Código de Processo Civil»), dispõe, no artigo 189.o:

«Um demandante pode pedir ao tribunal que declare a existência ou a inexistência de uma relação jurídica ou de um direito, desde que tenha interesse em agir.»

14      Nos termos do artigo 316.o, n.o 1, desse código:

«Encerrada a audiência, o tribunal profere sentença com base na situação existente nesse momento; em especial, a circunstância de um crédito se ter vencido no decurso da instância não obsta à condenação no respetivo pagamento.»

 Lei relativa ao Crédito ao Consumo

15      A ustawa o kredycie konsumenckim (Lei relativa ao Crédito ao Consumo), de 12 de maio de 2011 (Dz. U. no 126, posição 715), na versão aplicável à data dos factos do processo principal, dispõe, no artigo 3.o:

«1.      Entende‑se por “contrato de crédito” um contrato de crédito de montante inferior a 255 550 [zlótis polacos (PLN)] ou de valor equivalente noutra divisa que não a polaca, que o mutuante, no exercício da sua atividade, concede ou promete conceder ao consumidor.

2.      Por contrato de crédito ao consumo entende‑se, nomeadamente:

1)      um contrato de mútuo;

[…]»

16      O artigo 30.o, n.o 1, desta lei, na versão aplicável à data dos factos do processo principal, dispõe:

«O contrato de crédito ao consumo deve especificar:

[…]

3)      a duração do contrato;

[…]

8)      as condições e os prazos de pagamento do crédito […];

[…]»

 Litígios nos processos principais e questões prejudiciais

17      ZL, KU e KM celebraram contratos de crédito ao consumo com a Provident Polska ou com outra sociedade à qual sucedeu a Provident Polska.

18      O contrato celebrado com ZL em 11 de setembro de 2019 tem por objeto um empréstimo de 8 100 PLN (cerca de 1 810 euros), a uma taxa de juro anual de 10 %. Em conformidade com este contrato, o montante devido é, no total, de 15 531,73 PLN (cerca de 3 473 euros), que devem ser objeto de 90 pagamentos semanais de aproximadamente 172 PLN (cerca de 38 euros).

19      O montante total devido inclui, além do montante mutuado de 8 100 PLN (cerca de 1 810 euros), um custo total do empréstimo a cargo do mutuário de 7 431,73 PLN (cerca de 1 662 euros). Este custo total é composto, por um lado, pelos juros no montante de 1 275,73 PLN (cerca de 285 euros) e, por outro, pelos custos não correspondentes a juros, no montante de 6 156 PLN (cerca de 1 377 euros), a saber, uma «comissão de disponibilização» de 4 050 PLN (cerca de 906 euros), «despesas de processo» de 40 PLN (cerca de 9 euros) e «despesas com plano de reembolso flexível» de 2 066 PLN (cerca de 462 euros).

20      Este «plano de reembolso flexível», que o mutuário estava obrigado a subscrever, comporta duas vertentes. Por um lado, consiste na concessão ao mutuário, mediante determinadas condições, da faculdade de diferir um número máximo de quatro prestações, que são adiadas para o fim do período normal de reembolso, sem agravamento dos juros. Por outro lado, inclui uma «garantia da sustentabilidade da obrigação de reembolso», pela qual o mutuante renuncia a qualquer crédito ainda devido nos termos do contrato de mútuo em caso de falecimento do mutuário durante a vigência desse contrato.

21      Em conformidade com o ponto 6.a do contrato de mútuo em causa, os montantes devidos nas 90 prestações semanais são exclusivamente pagáveis em numerário a um agente do mutuante, aquando de visitas deste ao domicílio do mutuário.

22      O contrato celebrado com KU em 13 de outubro de 2020 tem por objeto um empréstimo de 6 240 PLN (cerca de 1 395 euros), a uma taxa de juro anual de 7,2 %. Este montante é composto por um montante de 6 000 PLN (cerca de 1 342 euros) entregue em numerário e por um montante de 240 PLN (cerca de 53 euros) que o referido contrato precisa ter sido depositado numa conta segundo instruções do mutuário que figuram no pedido de empréstimo. Em conformidade com o referido contrato, o montante devido é, no total, de 9 450,71 PLN (cerca de 2 113 euros), que devem ser objeto de 60 pagamentos semanais de aproximadamente 157 PLN (cerca de 35 euros).

23      O montante total devido inclui, além do montante mutuado de 6 240 PLN (cerca de 1 395 euros), um custo total do empréstimo a cargo do mutuário de 3 210,71 PLN (cerca de 718 euros). Este custo total é composto, por um lado, pelos juros no montante de 385,87 PLN (cerca de 86 euros) e, por outro, pelos custos não correspondentes a juros, no montante de 2 824,84 PLN (cerca de 632 euros), a saber, uma «comissão de disponibilização» de 556,96 PLN (cerca de 125 euros), «despesas de processo» de 40 PLN (cerca de 9 euros) e «despesas com plano de reembolso flexível» de 2 227,88 PLN (cerca de 498 euros).

24      O referido contrato prevê que as prestações semanais são pagas no domicílio do mutuário segundo modalidades idênticas às descritas no n.o 21 do presente acórdão.

25      O contrato celebrado com KM em 7 de agosto de 2019 tem por objeto um empréstimo de 6 000 PLN (cerca de 1 343 euros), a uma taxa de juro anual de 10 %. Em conformidade com este contrato, o montante devido é, no total, de 12 318,03 PLN (cerca de 2 757 euros), que devem ser objeto de 27 pagamentos mensais de aproximadamente 456 PLN (cerca de 102 euros).

26      O montante total devido inclui, além do montante mutuado de 6 000 PLN (cerca de 1 343 euros), um custo total do empréstimo a cargo do mutuário de 6 318,03 PLN (cerca de 1 414 euros). Este custo total é composto, por um lado, pelos juros no montante de 793,83 PLN (cerca de 178 euros) e, por outro, pelos custos não correspondentes a juros, a saber, uma «comissão de disponibilização» de 4 143,15 PLN (cerca de 927 euros) e «despesas de processo» de 1 381,05 PLN (cerca de 309 euros).

27      ZL, KU e KM intentaram, separadamente, no Sąd Rejonowy dla Warszawy‑Śródmieścia w Warszawie (Tribunal de Primeira Instância de Varsóvia‑Centro, Varsóvia, Polónia), que é o órgão jurisdicional de reenvio, ações respeitantes aos contratos que as vinculam à Provident Polska, com data de 15 de abril, 17 de maio e 14 de setembro de 2021, respetivamente.

28      Na última fase dos respetivos articulados no órgão jurisdicional de reenvio, cada um dos demandantes pede, em substância, que este órgão jurisdicional declare que as cláusulas do contrato celebrado com a Provident Polska relativas aos encargos do empréstimo não correspondentes a juros não lhes são oponíveis devido ao seu caráter abusivo, por as referidas taxas e comissões serem manifestamente excessivas e irrazoáveis. Alegam que estas despesas e comissões são desproporcionais em relação ao montante mutuado e constituem, de facto, a principal fonte de rendimento do mutuante.

29      O pedido de KU abrange igualmente o montante de 240 PLN (cerca de 53 euros) mencionado no contrato de mútuo que celebrou como tendo sido depositado numa conta segundo as instruções do mutuário constantes do pedido de empréstimo.

30      A Provident Polska pediu que as ações de ZL, de KU e de KM fossem julgadas improcedentes e deduziu contra cada um deles um pedido reconvencional que tinha por objeto a sua condenação no pagamento das quantias correspondentes a uma parte das despesas e comissões previstas no respetivo contrato de mútuo que não tinham sido pagas. As demandantes nos processos principais pedem que este pedido reconvencional seja julgado improcedente.

31      Em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta‑se se o artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 deve ser interpretado no sentido de que as cláusulas que fixam taxas ou comissões devidas a um profissional podem ser declaradas abusivas pelo simples motivo de essas taxas ou comissões serem manifestamente excessivas em relação à prestação do profissional.

32      A este respeito, indica que é normal que uma empresa de crédito procure cobrir os seus custos de exploração, bem como os riscos de incumprimento e obter um benefício. Todavia, parece‑lhe que, nos processos principais, a remuneração que o mutuante obtém num lapso de tempo relativamente curto excede essa normalidade, uma vez que essa remuneração corresponde a várias dezenas de pontos percentuais do montante mutuado, ou é mesmo próxima desse montante.

33      Considera que os custos associados ao «plano de reembolso flexível» e à «comissão de disponibilização» são muito elevados e não correspondem a um serviço real, e que os custos reais cobertos pelas «despesas de processo» são insignificantes. Salienta que estas despesas, tal como a «comissão de disponibilização», se reportam, em definitivo, unicamente à concessão do empréstimo em causa.

34      A análise dos dados relativos aos processos principais, bem como a uma dezena de outros que foram objeto de decisões recentes de diversas secções do tribunal de que faz parte o órgão jurisdicional de reenvio, leva‑o a considerar que o modelo económico da demandada no processo principal pode consistir em conceder empréstimos que incidem sobre montantes pouco importantes por curtos períodos, retirando lucros não apenas dos juros, mas sobretudo dos custos de crédito não correspondentes a juros, que representam geralmente entre 70 e 90 % do montante mutuado.

35      Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio observa que uma percentagem significativa dos empréstimos concedidos pela demandada no processo principal é relativa às mesmas pessoas. Considera, a este respeito, que é notório que as pessoas que contraem empréstimos a curto prazo são geralmente pessoas com dificuldades de gestão das suas finanças e que, não podendo obter um empréstimo junto de um banco, se dirigem a instituições de crédito que concedem empréstimos em condições muito desfavoráveis, cujos custos são de tal modo elevados, que os mutuários não têm frequentemente outra solução senão contrair um novo empréstimo para reembolsar o precedente, entrando assim numa «espiral de endividamento», para montantes crescentes, acabando por ultrapassar largamente o montante inicialmente mutuado.

36      Em segundo lugar, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a compatibilidade dos artigos 189.o e 316.o, n.o 1, do Código de Processo Civil, conforme interpretados pelo Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal, Polónia) com o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 e com o princípio da efetividade.

37      Em conformidade com estas disposições do Código de Processo Civil, uma ação declarativa só pode ser julgada procedente se o demandante demonstrar que tem interesse em agir e que esse interesse persiste até ao encerramento da audiência. O órgão jurisdicional de reenvio expõe que, segundo a jurisprudência do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal), esse interesse existe quando a clarificação de uma situação jurídica é objetivamente justificada por dúvidas e é necessária. Isto está excluído, nomeadamente, quando possa obter‑se uma proteção mais completa de um direito alegado através de outra ação judicial, por exemplo porque houve uma violação desse direito que, em si mesma, cria um direito a uma prestação suscetível de proteção.

38      No caso de um devedor, este tem interesse em que seja declarado o âmbito, ou mesmo a existência da sua obrigação, enquanto o seu credor não tiver requerido o cumprimento dessa obrigação. Quando essa execução tenha sido requerida, é no âmbito do processo relativo a esse pedido de execução que o devedor deve assegurar a sua defesa. Do mesmo modo, se um devedor tiver pago uma quantia em cumprimento de uma obrigação que considera duvidosa, dispõe de uma ação mais ampla do que uma ação de declaração, concretamente uma ação de repetição do indevido.

39      A interrogação do órgão jurisdicional de reenvio advém do facto de, mesmo quando um consumidor demonstre a ineficácia ou a nulidade de um contrato ou de partes deste, a ação de declaração intentada por ele dever ser julgada improcedente se não demonstrar o seu interesse em agir. Além disso, a falta de definição legal deste conceito gera divergências nas decisões proferidas a este propósito e, por conseguinte, uma incerteza para os consumidores, que os pode levar a hesitar em intentar uma ação de declaração do caráter abusivo de cláusulas de um contrato celebrado com um profissional, tendo em conta o risco de que essa ação seja julgada improcedente por falta de interesse em agir e de, consequentemente, deverem suportar as respetivas despesas.

40      Em terceiro e último lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o princípio da proporcionalidade e o princípio da segurança jurídica se opõem à anulação dos contratos celebrados por ZL e KU em razão da nulidade da cláusula segundo a qual os pagamentos semanais só podem ser efetuados em numerário por intermédio de um agente da Provident Polska aquando de visitas deste ao domicílio do mutuário. Com efeito, esta cláusula é abusiva, uma vez que não apresenta uma vantagem para o mutuário, mas impede‑o de efetuar os reembolsos semanais através do meio habitual de pagamentos bancários, e só se explica pela possibilidade que oferece ao mutuante de exercer uma pressão emocional sobre o mutuário. Consequentemente, a referida cláusula não vincula este último.

41      O órgão jurisdicional de reenvio expõe, a este respeito, que a supressão do elemento abusivo da cláusula que fixa as modalidades de reembolso do mútuo equivaleria a alterar o conteúdo desta, afetando a sua substância, pelo que deveria ser a totalidade dessa cláusula a não vincular o consumidor. Ora, na falta da referida cláusula, os contratos em causa já não poderiam ser executados, uma vez que já não contêm nenhuma disposição relativa às modalidades de reembolso e não é possível interpretá‑los no sentido de que autorizam reembolsos por pagamento bancário, uma vez que as partes pretenderam excluir esta modalidade de reembolso. Por outro lado, não há que aplicar as disposições supletivas do direito nacional, uma vez que a impossibilidade de executar os contratos em causa não expõe os consumidores em causa a consequências particularmente danosas, visto que apenas estão obrigados a reembolsar o montante do empréstimo principal.

42      Neste contexto, o Sąd Rejonowy dla Warszawy‑Śródmieścia w Warszawie (Tribunal de Primeira Instância de Varsóvia‑Centro, Varsóvia) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Deve o artigo 3.o, n.o 1, da [Diretiva 93/13] ser interpretado no sentido de que permite declarar abusiva uma cláusula de um contrato que concede a um profissional uma taxa ou comissão num montante anormalmente elevado face ao serviço que presta?

2)      Deve[m] o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 [e o princípio da efetividade] ser interpretado[s] no sentido de que se opõe[m] a disposições do direito nacional ou a uma interpretação judicial dessas disposições nacionais segundo as quais o interesse em agir do consumidor é um requisito para a propositura de uma ação contra o profissional com vista a obter a declaração de nulidade ou de ineficácia do contrato ou de uma parte deste que contém cláusulas abusivas?

3)      Devem o artigo 6.o, n.o 1, da [Diretiva 93/13] e os princípios da efetividade, da proporcionalidade e da segurança jurídica, ser interpretados no sentido de que permitem considerar que um contrato de mútuo, cuja única cláusula que regula o modo de reembolso do empréstimo foi declarada abusiva, não pode subsistir após a eliminação dessa cláusula e que, por esse motivo, é nulo?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão

43      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 deve ser interpretado no sentido de que pode revestir caráter abusivo uma cláusula relativa a custos não correspondentes a juros de um contrato de mútuo celebrado entre um profissional e um consumidor que prevê o pagamento por este último de encargos ou de uma comissão de um montante manifestamente desproporcionado em relação ao serviço a fornecer em contrapartida.

44      Importa recordar que, nos termos do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 93/13, uma cláusula contratual que não tenha sido objeto de negociação individual é considerada abusiva quando, a despeito da exigência de boa-fé, der origem a um desequilíbrio significativo em detrimento do consumidor, entre os direitos e obrigações das partes decorrentes do contrato.

45      Segundo jurisprudência constante, o exame da existência de um tal desequilíbrio significativo não se pode limitar a uma apreciação económica de natureza quantitativa, assente numa comparação entre o montante total da operação que foi objeto do contrato, por um lado, e os custos imputados ao consumidor por essa cláusula, por outro. Com efeito, o desequilíbrio significativo pode resultar simplesmente de uma lesão suficientemente grave da situação jurídica na qual o consumidor, enquanto parte no contrato em causa, é colocado por força das disposições nacionais aplicáveis, seja sob a forma de uma restrição ao conteúdo dos direitos que, segundo essas disposições, resultam para ele desse contrato, ou de um entrave ao exercício dos mesmos, ou ainda do facto de lhe ser imposta uma obrigação suplementar, não prevista pelas regras nacionais [Acórdãos de 3 de outubro de 2019, Kiss e CIB Bank, C‑621/17, EU:C:2019:820, n.o 51, e de 16 de março de 2023, Caixabank (Comissão de abertura do empréstimo) C‑565/21, EU:C:2023:212, n.o 51].

46      Decorre desta jurisprudência que o juiz nacional, quando constata que uma apreciação económica de natureza quantitativa não revela um desequilíbrio significativo, não pode limitar o seu exame a essa apreciação. Incumbe‑lhe, nesse caso, examinar se esse desequilíbrio resulta de outro elemento, como uma restrição a um direito decorrente do direito nacional ou uma obrigação suplementar não prevista por esse direito.

47      Em contrapartida, quando uma apreciação económica de natureza quantitativa apresenta um desequilíbrio significativo, este pode ser constatado sem que seja necessário examinar outros elementos. No caso de um contrato de crédito, essa constatação pode ser efetuada, nomeadamente, se os serviços prestados em contrapartida de custos não correspondentes a juros não estiverem compreendidos razoavelmente nas prestações efetuadas no âmbito da celebração ou da gestão desse contrato, ou se os montantes imputados ao consumidor a título dos custos de concessão e de gestão do empréstimo forem claramente desproporcionados relativamente ao montante mutuado. Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio ter em conta, a este respeito, o efeito das outras cláusulas contratuais a fim de determinar se as referidas cláusulas dão origem a um desequilíbrio significativo em detrimento do mutuário (v., neste sentido, Acórdão de 3 de setembro de 2020, Profi Credit Polska e o., C‑84/19, C‑222/19 e C‑252/19, EU:C:2020:631, n.o 95).

48      No caso em apreço, o órgão jurisdicional de reenvio manifesta dúvidas quanto à proporcionalidade da relação entre o montante mutuado a cada um dos recorrentes no processo principal e o montante total dos custos não correspondentes a juros que lhe são imputados, visto que este último montante é manifestamente desproporcionado em relação, simultaneamente, às prestações que são normalmente inerentes à concessão e à gestão de um crédito, bem como ao montante dos créditos concedidos. Resulta da jurisprudência recordada no número anterior do presente acórdão que tal constatação é suscetível de caracterizar um desequilíbrio significativo entre os direitos e obrigações das partes decorrentes do contrato, na aceção do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 93/13.

49      Não obstante, incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar previamente se o exame do caráter eventualmente abusivo das cláusulas contratuais em causa, relativas aos custos do crédito não correspondente a juros, não está excluído por força do artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 93/13.

50      Com efeito, segundo esta disposição, e sem prejuízo do artigo 8.o desta diretiva, a avaliação do caráter abusivo das cláusulas não incide nem sobre a definição do objeto principal do contrato nem sobre a adequação entre o preço e a remuneração, por um lado, e os bens ou serviços a fornecer em contrapartida, por outro, desde que essas cláusulas se encontrem redigidas de maneira clara e compreensível.

51      A este respeito, há que recordar que não se pode considerar que uma comissão que cobre a remuneração dos serviços associados à análise, à concessão ou ao tratamento do empréstimo ou do crédito ou de outros serviços semelhantes inerentes à atividade do mutuante, gerada pela concessão do empréstimo ou do crédito, está abrangida pelos principais compromissos resultantes de um contrato de crédito [v., neste sentido, Acórdão de 16 de março de 2023, Caixabank (Comissão de abertura do empréstimo) C‑565/21, EU:C:2023:212, n.os 22 e 23].

52      Pelo contrário, as cláusulas relativas à contrapartida devida pelo consumidor ao mutuante ou que têm incidência no preço efetivo que o consumidor tem de pagar a este último integram‑se, em princípio, nesta segunda categoria de cláusulas referidas no artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 93/13 no que respeita à questão de saber se o montante da contrapartida ou do preço conforme estipulado no contrato é adequado ao serviço prestado em troca pelo mutuante (v., neste sentido, Acórdão de 3 de outubro de 2019, Kiss e CIB Bank, C‑621/17, EU:C:2019:820, n.o 35 e jurisprudência referida).

53      O Governo Polaco refere, no entanto, que o artigo 3851.o, n.o 1, do Código Civil, que corresponde à transposição do artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 93/13 para o direito polaco, permite o exame da relação entre o preço e o serviço quando se trata de cláusulas que não estão relacionadas com as prestações principais das partes, estabelecendo assim uma proteção mais ampla do consumidor. Ora, na medida em que essa disposição nacional confere efetivamente um alcance mais estrito à exceção estabelecida no referido artigo 4.o, n.o 2, ao permitir um controlo mais amplo do caráter eventualmente abusivo das cláusulas contratuais abrangidas pelo âmbito de aplicação desta diretiva, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, faz parte do objetivo de proteção dos consumidores prosseguido pela referida diretiva e enquadra‑se na faculdade, conferida aos Estados‑Membros pelo artigo 8.o da mesma, de adotar ou manter disposições mais rigorosas para garantir um nível de proteção mais elevado para o consumidor (v., neste sentido, Acórdão de 3 de setembro de 2020, Profi Credit Polska e o., C‑84/19, C‑222/19 e C‑252/19, EU:C:2020:631, n.os 83 a 85).

54      Por outro lado, se o caráter abusivo de tal cláusula for alegado perante o juiz nacional devido à falta de prestação efetiva do mutuante que possa constituir a contrapartida de uma comissão nela prevista, a questão assim suscitada não terá por objeto a adequação entre o montante dessa comissão e uma qualquer prestação, e, por conseguinte, não estará abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 93/13 (v., neste sentido, Acórdão de 26 de fevereiro de 2015, Matei, C‑143/13, EU:C:2015:127, n.o 70 e jurisprudência referida).

55      Nestas circunstâncias, incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se o interessado foi informado dos motivos que justificavam o pagamento dessa comissão (v., neste sentido, Acórdão de 3 de outubro de 2019, Kiss e CIB Bank, C‑621/17, EU:C:2019:820, n.o 41).

56      Por último, há que salientar que a exclusão prevista no artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 93/13 não prejudica, em todo o caso, o respeito da exigência de transparência que esta disposição impõe, que tem o mesmo alcance que a exigência referida no artigo 5.o desta diretiva e deve ser entendida no sentido de que impõe não só que a cláusula em causa seja gramaticalmente inteligível para o consumidor, mas igualmente que esse consumidor esteja em condições de avaliar, com base em critérios precisos e inteligíveis, as consequências económicas que daí decorrem para ele (v., neste sentido, Acórdão de 3 de outubro de 2019, Kiss e CIB Bank, C‑621/17, EU:C:2019:820, n.os 36 e 37, e jurisprudência referida).

57      A este respeito, importa recordar que, sem que o mutuante seja obrigado a especificar no contrato a natureza de todos os serviços prestados em contrapartida dos encargos ou das comissões previstos por certas cláusulas contratuais, importa, por um lado, que a natureza dos serviços efetivamente prestados possa ser razoavelmente compreendida ou deduzida a partir do contrato considerado na sua globalidade e, por outro, que o consumidor esteja em condições de verificar se não existe sobreposição entre os diferentes custos ou entre os serviços que lhe são imputados. Esta análise deve ser efetuada à luz de todos os elementos factuais pertinentes, entre os quais figuram não só as cláusulas do contrato em causa mas também a publicidade e a informação facultadas pelo mutuante no âmbito da negociação do contrato (v., neste sentido, Acórdão de 3 de outubro de 2019, Kiss e CIB Bank, C‑621/17, EU:C:2019:820, n.os 44 e 45).

58      Daqui resulta que, mesmo que o órgão jurisdicional de reenvio venha a concluir que as cláusulas em causa não estão redigidas de maneira clara e compreensível, estas devem, em todo o caso, ser objeto de uma apreciação do seu eventual caráter abusivo, mesmo que o referido órgão jurisdicional considere, por outro lado, que essas cláusulas fazem parte do objeto principal do contrato ou que são de facto contestadas à luz da adequação do preço ou da remuneração relativamente aos serviços prestados em contrapartida (v., neste sentido, Acórdão de 26 de fevereiro de 2015, Matei, C‑143/13, EU:C:2015:127, n.o 72 e jurisprudência referida).

59      Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que responder à primeira questão que o artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 deve ser interpretado no sentido de que, na medida em que o exame do caráter eventualmente abusivo de uma cláusula relativa a custos não correspondentes a juros de um contrato de mútuo celebrado entre um profissional e um consumidor não esteja excluído nos termos do artigo 4.o, n.o 2, desta diretiva, lido em conjugação com o artigo 8.o da mesma, pode ser declarado o caráter abusivo dessa cláusula tendo em conta que semelhante cláusula prevê o pagamento por aquele consumidor de encargos ou de uma comissão de um montante manifestamente desproporcionado em relação ao serviço prestado em contrapartida.

 Quanto à segunda questão

60      Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 93/13, lido à luz do princípio da efetividade, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, conforme interpretada pela jurisprudência, que exige, para que se possa julgar procedente a ação judicial de um consumidor destinada a obter a declaração da ineficácia de uma cláusula abusiva constante de um contrato celebrado com um profissional, a prova de um interesse em agir, visto que se considera que tal interesse não existe quando esse consumidor disponha de outro recurso mais protetor dos seus direitos, nomeadamente uma ação de repetição do indevido, ou quando possa invocar essa ineficácia no âmbito da sua defesa num pedido reconvencional de execução deduzido contra si pelo referido profissional com fundamento nessa cláusula.

61      A título preliminar, importa recordar que, na falta de regulamentação específica da União na matéria, as modalidades de execução da proteção dos consumidores prevista pela Diretiva 93/13 fazem parte do ordenamento jurídico interno dos Estados‑Membros, por força do princípio da autonomia processual destes últimos. Todavia, essas modalidades não devem ser menos favoráveis do que as que regulam situações semelhantes de natureza interna (princípio da equivalência) nem ser concebidas a fim de tornarem impossível, na prática, ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União (princípio da efetividade) (Acórdão de 13 de julho de 2023, CAJASUR Banco, C‑35/22, EU:C:2023:569, n.o 23 e jurisprudência referida).

62      Por conseguinte, sob reserva da observância destes dois princípios, a questão do interesse em agir de um consumidor no âmbito de uma ação destinada a obter a declaração da ineficácia de cláusulas abusivas, bem como a questão do encargo das despesas dessa ação estão abrangidas pela autonomia processual dos Estados‑Membros.

63      No que respeita ao princípio da efetividade, único que é visado no presente pedido de decisão prejudicial, refira‑se que cada caso em que se coloque a questão de saber se uma disposição processual nacional torna impossível ou excessivamente difícil a aplicação do direito da União deve ser analisado tendo em conta o lugar que essa disposição ocupa em todo o processo, bem como o desenrolar e as particularidades deste último nas diversas instâncias nacionais. Nesta perspetiva, há que tomar em consideração, sendo caso disso, os princípios que estão na base do sistema jurisdicional nacional, como a proteção dos direitos de defesa, o princípio da segurança jurídica e a boa marcha do processo (Acórdão de 13 de julho de 2023, CAJASUR Banco, C‑35/22, EU:C:2023:569, n.o 25 e jurisprudência referida).

64      Por outro lado, dada a natureza e a importância do interesse público que constitui a proteção dos consumidores, que se encontram numa situação de inferioridade em relação aos profissionais, a Diretiva 93/13 impõe aos Estados‑Membros, como resulta do artigo 7.o, n.o 1, desta diretiva, lido em conjugação com o seu vigésimo quarto considerando, que prevejam os meios adequados e eficazes para pôr termo à utilização das cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores por um profissional (Acórdão de 13 de julho de 2023, CAJASUR Banco, C‑35/22, EU:C:2023:569, n.o 22 e jurisprudência referida).

65      Assim, a referida diretiva confere ao consumidor o direito de se dirigir aos tribunais para pedir a declaração do caráter abusivo de uma cláusula de um contrato que um profissional celebrou com ele e impedir a sua aplicação (Acórdão de 16 de julho de 2020, Caixabank e Banco Bilbao Vizcaya Argentaria, C‑224/19 e C‑259/19, EU:C:2020:578, n.o 98 e jurisprudência referida).

66      Além disso, a obrigação dos Estados‑Membros de prever normas processuais que permitam garantir a observância dos direitos que as partes retiram da Diretiva 93/13 contra a utilização de cláusulas abusivas implica uma exigência de tutela jurisdicional efetiva, também consagrada no artigo 47.o da Carta. Esta proteção deve ser assegurada, nomeadamente, no que respeita à definição das regras processuais relativas às ações baseadas no direito da União. Todavia, a proteção do consumidor não é absoluta. Assim, o facto de determinado processo comportar certas exigências processuais que o consumidor deve respeitar para fazer valer os seus direitos não significa, por esse facto, que não beneficie de uma tutela jurisdicional efetiva (v., neste sentido, Acórdão de 31 de maio de 2018, Sziber, C‑483/16, EU:C:2018:367, n.os 49 e 50 e jurisprudência referida).

67      A este respeito, há que salientar que a existência de um interesse em agir constitui uma condição prévia e fundamental de qualquer ação judicial (Acórdão de 23 de novembro de 2017, Bionorica e Diapharm/Comissão, C‑596/15 P e C‑597/15 P, EU:C:2017:886, n.o 83). Ao evitar, nomeadamente, que os órgãos jurisdicionais sejam congestionados com ações destinadas, de facto, a obter consultas jurídicas, a exigência de um interesse em agir prossegue um interesse geral de boa administração da justiça e é suscetível de prevalecer sobre os interesses particulares (v., por analogia, Acórdão de 31 de maio de 2018, Sziber, C‑483/16, EU:C:2018:367, n.o 51 e jurisprudência referida).

68      Consequentemente, como salientou o advogado‑geral, em substância, nos n.os 30 a 32 das suas conclusões, há que considerar que essa exigência é, em princípio, legítima.

69      Só no caso de as regras processuais serem tão complexas e comportarem requisitos tão onerosos que excedessem o necessário para atingir o seu objetivo é que essas regras afetariam de forma desproporcionada o direito a uma tutela jurisdicional efetiva do consumidor (v., neste sentido, Acórdão de 31 de maio de 2018, Sziber, C‑483/16, EU:C:2018:367, n.o 52) e, consequentemente, seriam contrárias ao princípio da efetividade, na medida em que tornariam excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos aos consumidores pela Diretiva 93/13.

70      No caso em apreço, resulta dos elementos de que dispõe o Tribunal de Justiça que os consumidores, que são os demandantes no processo principal, já tinham cumprido parcialmente as obrigações estipuladas nas cláusulas em causa quando intentaram ações destinadas a obter a declaração do seu caráter abusivo. Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio parece indicar que, tendo em conta as disposições pertinentes do direito nacional conforme interpretadas pela jurisprudência nacional, as ações declarativas de que foi chamado a conhecer devem ser julgadas improcedentes por falta de interesse em agir, e os consumidores condenados nas despesas dessas ações, por duas razões.

71      Primeiro, quando uma pessoa já cumpriu, no presente caso parcialmente, uma obrigação contratual, a falta de interesse em agir para declarar a inexistência dessa obrigação decorre do facto de essa pessoa dispor de uma ação considerada mais protetora dos seus direitos, a saber, uma ação de repetição do indevido, no âmbito da qual pode obter a condenação do seu cocontratante a reembolsá‑la dos montantes pagos em execução da obrigação controvertida.

72      Segundo, quando uma pessoa contesta a existência de uma obrigação que ainda não cumpriu, nem sequer parcialmente, perde o interesse em agir numa ação declarativa, uma vez que o seu cocontratante intenta uma ação destinada a obter a execução dessa obrigação, no caso em apreço, um pedido reconvencional, devido à possibilidade de invocar a inexistência da obrigação em causa no âmbito da sua defesa na ação desse cocontratante.

73      Todavia, o Governo Polaco contesta que a jurisprudência do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) relativa à aplicação do artigo 189.o do artigo 316.o, n.o 1, do Código de Processo Civil tenha as implicações descritas pelo órgão jurisdicional de reenvio. Cumpre, no entanto, recordar que, no âmbito de um reenvio prejudicial, não cabe ao Tribunal de Justiça pronunciar‑se sobre a interpretação das disposições de direito nacional nem declarar se a interpretação dada pelo órgão jurisdicional nacional ou a aplicação por ele efetuada é correta, uma vez que essa interpretação é da competência exclusiva deste último (v., neste sentido, Acórdão de 25 de novembro de 2020, Sociálna poisťovňa, C‑799/19, EU:C:2020:960, n.os 44 e 45 e jurisprudência referida). É, pois, com base nas indicações dadas pelo órgão jurisdicional de reenvio que se formulam as considerações que se seguem.

74      Na primeira situação, referida no n.o 71 do presente acórdão, como salientou o advogado‑geral no n.o 41 das suas conclusões, julgar improcedente a ação intentada pelo consumidor destinada a obter a declaração do caráter abusivo das cláusulas contratuais por falta de um interesse em agir idóneo, mas não de qualquer interesse em agir, e condená‑lo nas despesas, obrigando‑o a instaurar outra ação, equivaleria a introduzir nos processos destinados a conceder aos consumidores a proteção pretendida pela Diretiva 93/13 uma fonte de complexidade, de sobrecarga, de despesas e de insegurança jurídica inúteis, suscetível de os dissuadir de invocar os direitos que lhes são conferidos por esta diretiva, em violação do princípio da efetividade.

75      Além disso, como sublinhado no mesmo número das conclusões do advogado‑geral, num contexto como o dos processos principais, a improcedência da ação de declaração do consumidor e a obrigação de este intentar uma ação mais protetora dos seus direitos, quando o órgão jurisdicional de reenvio estará, em qualquer caso, obrigado a examinar a problemática jurídica em causa nessa ação de declaração no âmbito do pedido reconvencional do profissional, seria contrário ao interesse geral numa boa administração da justiça, em especial à exigência de economia processual.

76      Por último, na medida em que se deva considerar que a segunda questão tem igualmente por objeto a segunda situação, referida no n.o 72 do presente acórdão, na qual o consumidor, após ter intentado uma ação de declaração do caráter abusivo de uma cláusula contratual, perde o interesse em agir na pendência do processo por o profissional ter deduzido um pedido reconvencional destinado a obter a execução das obrigações estipuladas nessa cláusula, o facto de a ação intentada pelo consumidor ser julgada improcedente e de este ser condenado nas despesas da mesma, independentemente da eventual declaração do caráter abusivo da referida cláusula abusiva, equivaleria a fazer recair sobre ele um risco financeiro tanto mais injustificado quanto a concretização desse risco dependia exclusivamente de uma iniciativa processual do profissional. Ora, fazer depender o resultado da repartição das despesas da ação do consumidor de tal iniciativa do profissional seria suscetível de dissuadir o consumidor de exercer o seu direito de se dirigir aos tribunais para pedir a declaração do caráter abusivo de uma cláusula contratual e impedir a sua aplicação, em violação do princípio da efetividade (v., neste sentido, Acórdão de 16 de julho de 2020, Caixabank e Banco Bilbao Vizcaya Argentaria, C‑224/19 e C‑259/19, EU:C:2020:578, n.o 98 e jurisprudência referida).

77      Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à segunda questão que o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 93/13, lido à luz do princípio da efetividade, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, conforme interpretada pela jurisprudência, que exige, para que se possa julgar procedente a ação judicial intentada por um consumidor destinada a obter a declaração da ineficácia de uma cláusula abusiva constante de um contrato celebrado com um profissional, a prova de um interesse em agir, visto que se considera que tal interesse não existe quando esse consumidor disponha de uma ação de repetição do indevido ou quando possa invocar essa ineficácia no âmbito da sua defesa num pedido reconvencional de execução deduzido contra si pelo referido profissional com fundamento nessa cláusula.

 Quanto à terceira questão

78      Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13, lido à luz dos princípios da efetividade, da proporcionalidade e da segurança jurídica, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um contrato de mútuo celebrado entre um profissional e um consumidor seja declarado nulo na hipótese de se constatar que só é abusiva a cláusula desse contrato que fixa as modalidades concretas de pagamento das quantias devidas nas prestações periódicas e que o referido contrato não pode subsistir sem essa cláusula.

79      A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio indica que a única cláusula que fixa todas as modalidades e as prestações de reembolso dos empréstimos em causa inclui uma disposição segundo a qual o consumidor só pode efetuar os pagamentos semanais em numerário por intermédio de um agente da Provident Polska durante as visitas deste ao domicílio do consumidor. Considera que tal disposição é abusiva, uma vez que, em substância, não responde a nenhum outro objetivo que não seja colocar o mutuante em posição de exercer uma pressão ilegítima sobre o mutuário. Por conseguinte, a referida disposição deve ser julgada nula e, consequentemente, toda a cláusula em que se insere, uma vez que uma intervenção limitada à supressão da referida disposição equivaleria a rever o conteúdo daquela cláusula, alterando a sua substância. Ora, na falta de outras cláusulas que permitam determinar as modalidades de reembolso desses empréstimos, seria impossível executar os contratos em causa.

80      No que respeita às consequências a retirar da declaração do caráter abusivo de uma cláusula de um contrato que vincula um consumidor a um profissional, o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13, dispõe que os Estados‑Membros estipularão que, nas condições fixadas pelos respetivos direitos nacionais, as cláusulas abusivas constantes de um contrato celebrado com um consumidor por um profissional não vinculem o consumidor e que o contrato continue a vincular as partes nos mesmos termos, se puder subsistir sem as cláusulas abusivas.

81      Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, esta disposição, nomeadamente a sua segunda parte, não tem por objetivo causar a nulidade de todos os contratos que contenham cláusulas abusivas, mas substituir o equilíbrio formal que o contrato estabelece entre os direitos e as obrigações dos contratantes por um equilíbrio real, suscetível de restabelecer a igualdade entre estes, precisando‑se que o contrato em causa deve subsistir, em princípio, sem nenhuma modificação a não ser a resultante da supressão das cláusulas abusivas. Desde que esta última condição esteja preenchida, o contrato em causa pode subsistir, na medida em que, em conformidade com as regras do direito interno, essa subsistência do contrato sem as cláusulas abusivas seja juridicamente possível, o que deve ser verificado segundo uma abordagem objetiva (v., neste sentido, Acórdão de 3 de outubro de 2019, Dziubak, C‑260/18, EU:C:2019:819, n.o 39 e jurisprudência referida).

82      Esta abordagem objetiva implica, designadamente, que a situação de uma das partes no contrato não pode ser considerada o critério determinante que regula o destino futuro de um contrato com uma ou várias cláusulas abusivas, pelo que a apreciação pelo juiz nacional da possibilidade de tal contrato subsistir sem as referidas cláusulas não se pode basear unicamente no caráter eventualmente vantajoso, para o consumidor, da anulação desse contrato no seu todo (v., neste sentido, Acórdão de 29 de abril de 201, Bank BPH, C‑19/20, EU:C:2021:341, n.os 56 e 57 e jurisprudência referida).

83      O artigo 6.o, n.o 1, segunda parte, da Diretiva 93/13 não enuncia, portanto, ele próprio, os critérios que regulam a possibilidade de um contrato subsistir sem as cláusulas abusivas, mas deixa aos Estados‑Membros a tarefa de definir, através dos respetivos direitos nacionais, as modalidades segundo as quais se procede à declaração do caráter abusivo de uma cláusula constante de um contrato e se materializam os efeitos jurídicos concretos dessa declaração. Todavia, tal declaração deve permitir restabelecer a situação de direito e de facto em que o consumidor se encontraria se essa cláusula abusiva não existisse (v., neste sentido, Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Gutiérrez Naranjo e o., C‑154/15, C‑307/15 e C‑308/15, EU:C:2016:980, n.o 66).

84      Em consequência, se um órgão jurisdicional nacional entender que, em aplicação das disposições pertinentes do seu direito interno, não é possível a subsistência de um contrato sem as cláusulas abusivas nele contidas, o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 não se opõe, em princípio, a que esse contrato seja declarado inválido (Acórdão de 3 de outubro de 2019, Dziubak, C‑260/18, EU:C:2019:819, n.o 43).

85      No entanto, o objetivo de restabelecer a situação de direito e de facto em que o consumidor se encontraria se essa cláusula abusiva não existisse deve ser prosseguido na observância do princípio da proporcionalidade, o qual constitui um princípio geral do direito da União que exige que a regulamentação nacional de aplicação desse direito não vá além do necessário para alcançar os objetivos prosseguidos [v., neste sentido, Acórdão de 15 de junho de 2023, Bank M. (Consequências da anulação do contrato), C‑520/21, EU:C:2023:478, n.o 73 e jurisprudência referida].

86      Consequentemente, a menos que a determinação segundo uma abordagem objetiva das consequências a retirar, em conformidade com o direito nacional, da constatação do caráter abusivo de uma cláusula no que respeita à subsistência ou não do contrato em que se insere não deixe nenhuma margem de apreciação ou de interpretação ao juiz nacional, este não pode concluir pela declaração da nulidade desse contrato se a situação de direito e de facto em que o consumidor se encontraria se essa cláusula abusiva puder ser restabelecida, deixando subsistir o referido contrato.

87      A este respeito, cumpre recordar que o tribunal nacional pode substituir uma cláusula abusiva por uma disposição nacional de caráter supletivo, desde que essa substituição seja conforme com o objetivo do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 e permita restabelecer um equilíbrio real entre os direitos e as obrigações dos contratantes. Contudo, esta possibilidade excecional está limitada aos casos em que a nulidade da cláusula abusiva obrigaria o tribunal a anular o contrato na íntegra, expondo o consumidor a consequências particularmente prejudiciais, de modo que este seria penalizado por isso [v., neste sentido, Acórdãos de 21 de janeiro de 2015, Unicaja Banco e Caixabank, C‑482/13, C‑484/13, C‑485/13 e C‑487/13, EU:C:2015:21, n.o 33 e jurisprudência referida, e de 12 de janeiro de 2023, D.V. (Honorários de advogado — Princípio da tarifa horária), C‑395/21, EU:C:2023:14, n.o 60].

88      No caso em apreço, tal eventualidade é excluída pelo órgão jurisdicional de reenvio, uma vez que a nulidade dos contratos em causa não seria prejudicial para os consumidores que os subscreveram.

89      Importa igualmente recordar que as disposições da Diretiva 93/13 se opõem a que uma cláusula julgada abusiva seja parcialmente mantida, através da supressão dos elementos que a tornam abusiva, quando tal supressão tenha por efeito rever o conteúdo da referida cláusula, afetando a sua substância (Acórdão de 29 de abril de 2021, Bank BPH, C‑19/20, EU:C:2021:341, n.o 70 e jurisprudência referida).

90      No entanto, não é o que sucede quando o elemento abusivo de uma cláusula consistir numa obrigação contratual distinta das outras estipulações, suscetível de ser objeto de um exame individualizado do respetivo caráter abusivo (v., neste sentido, Acórdão de 29 de abril de 2021, Bank BPH, C‑19/20, EU:C:2021:341, n.o 71), uma vez que a estipulação que prevê essa obrigação pode ser considerada destacável das outras estipulações da cláusula em causa.

91      Com efeito, a Diretiva 93/13 não exige que o juiz nacional afaste, além da cláusula declarada abusiva, cláusulas que não tenham sido qualificadas de abusivas, consistindo o objetivo prosseguido pelo legislador no âmbito desta diretiva em proteger o consumidor e em restabelecer o equilíbrio entre as partes, afastando a aplicação das cláusulas consideradas abusivas, embora mantendo, em princípio, a validade das outras cláusulas do contrato em causa (Acórdão de 29 de abril de 2021, Bank BPH, C‑19/20, EU:C:2021:341, n.o 72 e jurisprudência referida). Este ensinamento é igualmente válido para as diversas estipulações de uma mesma cláusula, desde que a supressão de uma estipulação abusiva não prejudique a própria substância dessa cláusula.

92      No caso em apreço, resulta da decisão de reenvio que a única cláusula que fixa todas as condições relativas ao reembolso dos empréstimos em causa, como os montantes a pagar e as diversas prestações, inclui igualmente uma estipulação relativa às modalidades concretas segundo as quais esses pagamentos devem ser executados, a saber, no domicílio do mutuário diretamente a um agente do mutuante.

93      Sem prejuízo da apreciação que caberá ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar tendo em conta todas as circunstâncias relativas aos contratos em causa e às disposições pertinentes do direito nacional, afigura‑se que uma estipulação que determina essas modalidades concretas de execução da obrigação de pagamento do consumidor constitui uma obrigação contratual distinta das outras estipulações de uma cláusula única como a descrita no número anterior do presente acórdão e reveste caráter acessório relativamente aos elementos do contrato que definem a substância dessa cláusula, como os relativos à determinação dos montantes a pagar e das datas em que esses pagamentos devem ser efetuados. Por outro lado, a supressão desta estipulação não se afigura suscetível de afetar a própria substância da cláusula em causa, uma vez que o consumidor continua obrigado a cumprir a sua obrigação de reembolso em conformidade com as outras condições que esta cláusula prevê, escolhendo qualquer modo de pagamento entre os que são admissíveis ao abrigo do direito nacional.

94      Por último, importa acrescentar, por um lado, que a declaração judicial do caráter abusivo de uma cláusula ou, eventualmente, de um elemento de uma cláusula de um contrato abrangido pela Diretiva 93/13 deve, em princípio, ter por consequência o restabelecimento da situação de direito e de facto em que o consumidor se encontraria se a referida cláusula ou elemento não tivesse existido [v., neste sentido, Acórdão de 15 de junho de 2023, Bank M. (Consequências da anulação do contrato), C‑520/21, EU:C:2023:478, n.o 57 e jurisprudência referida]. O respeito do princípio da efetividade depende, portanto, em princípio, da adoção de medidas que permitam o restabelecimento dessa situação.

95      Por outro lado, medidas que constituam a aplicação concreta da proibição das cláusulas abusivas não podem ser consideradas contrárias ao princípio da segurança jurídica [v., neste sentido, Acórdão de 15 de junho de 2023, Bank M. (Consequências da anulação do contrato), C‑520/21, EU:C:2023:478, n.o 72]. Com efeito, sob reserva, em especial, da aplicação de certas regras processuais internas que, designadamente, conferem autoridade de caso julgado a uma decisão judicial, este princípio não pode prejudicar a substância do direito que o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 confere aos consumidores de não estarem vinculados por uma cláusula considerada abusiva (v., neste sentido, Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Gutiérrez Naranjo e o., C‑154/15, C‑307/15 e C‑308/15, EU:C:2016:980, n.os 67, 68 e 71).

96      Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que responder à terceira questão que o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13, lido à luz dos princípios da efetividade, da proporcionalidade e da segurança jurídica, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um contrato de mútuo celebrado entre um profissional e um consumidor seja declarado nulo na hipótese de se constatar que só é abusiva a cláusula desse contrato que fixa as modalidades concretas de pagamento das quantias devidas nas prestações periódicas e que o referido contrato não pode subsistir sem essa cláusula. No entanto, quando uma cláusula inclui uma estipulação destacável das outras estipulações dessa cláusula, suscetível de ser objeto de um exame individualizado do respetivo caráter abusivo, cuja supressão permitiria restabelecer um equilíbrio real entre as partes sem afetar a substância do contrato em causa, essa disposição, lida à luz destes princípios, não implica a nulidade da referida cláusula, ou mesmo desse contrato, na sua totalidade.

 Quanto às despesas

97      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

1)      O artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores,

deve ser interpretado no sentido de que:

na medida em que o exame do caráter eventualmente abusivo de uma cláusula relativa a custos não correspondentes a juros de um contrato de mútuo celebrado entre um profissional e um consumidor não esteja excluído nos termos do artigo 4.o, n.o 2, desta diretiva, lido em conjugação com o artigo 8.o da mesma, pode ser declarado o caráter abusivo dessa cláusula tendo em conta que semelhante cláusula prevê o pagamento por aquele consumidor de encargos ou de uma comissão de um montante manifestamente desproporcionado em relação ao serviço prestado em contrapartida.

2)      O artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 93/13, lido à luz do princípio da efetividade,

deve ser interpretado no sentido de que:

se opõe a uma legislação nacional, conforme interpretada pela jurisprudência, que exige, para que se possa julgar procedente a ação judicial intentada por um consumidor destinada a obter a declaração da ineficácia de uma cláusula abusiva constante de um contrato celebrado com um profissional, a prova de um interesse em agir, visto que se considera que tal interesse não existe quando esse consumidor disponha de uma ação de repetição do indevido ou quando possa invocar essa ineficácia no âmbito da sua defesa num pedido reconvencional de execução deduzido contra si pelo referido profissional com fundamento nessa cláusula.

3)      O artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13, lido à luz dos princípios da efetividade, da proporcionalidade e da segurança jurídica,

deve ser interpretado no sentido de que:

não se opõe a que um contrato de mútuo celebrado entre um profissional e um consumidor seja declarado nulo na hipótese de se constatar que só é abusiva a cláusula desse contrato que fixa as modalidades concretas de pagamento das quantias devidas nas prestações periódicas e que o referido contrato não pode subsistir sem essa cláusula. No entanto, quando uma cláusula inclui uma estipulação destacável das outras estipulações dessa cláusula, suscetível de ser objeto de um exame individualizado do respetivo caráter abusivo, cuja supressão permitiria restabelecer um equilíbrio real entre as partes sem afetar a substância do contrato em causa, essa disposição, lida à luz destes princípios, não implica a nulidade da referida cláusula, ou mesmo desse contrato, na sua totalidade.

Assinaturas


*      Língua de processo: polaco.