Language of document : ECLI:EU:C:2021:76

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção)

28 de janeiro de 2021 (*)

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Concorrência — Abuso de posição dominante — Mercado dos chipsets em banda de base UMTS — Regulamento (CE) n.o 1/2003 — Artigo 18.o, n.o 3 — Decisão de pedido de informações — Caráter necessário das informações pedidas — Proporcionalidade — Ónus da prova — Auto‑incriminação»

No processo C‑466/19 P,

que tem por objeto um recurso de um acórdão do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 18 de junho de 2019,

Qualcomm Inc., com sede em San Diego (Estados Unidos),

Qualcomm Europe Inc., com sede em Sacramento (Estados Unidos), representadas por M. Pinto de Lemos Fermiano Rato, advogado, e M. Davilla, dikigoros,

recorrentes,

sendo a outra parte no processo:

Comissão Europeia, representada por H. van Vliet, G. Conte, M. Farley e C. Urraca Caviedes, na qualidade de agentes,

recorrida em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção),

composto por: N. Wahl, presidente de secção, F. Biltgen e L. S. Rossi (relatora), juízes,

advogado‑geral: M. Bobek,

Secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        Com o presente recurso, a Qualcomm Inc. e a Qualcomm Europe Inc. pedem a anulação do Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 9 de abril de 2019, Qualcomm e Qualcomm Europe/Comissão (T‑371/17, não publicado, a seguir «acórdão recorrido», EU:T:2019:232), que negou provimento ao seu recurso de anulação da Decisão C(2017) 2258 final da Comissão, de 31 de março de 2017, relativa a um procedimento nos termos do artigo 18.o, n.o 3, e do artigo 24.o, n.o 1, alínea d), do Regulamento (CE) n.o 1/2003 do Conselho [processo AT.39711 — Qualcomm (preço predatório)] (a seguir «decisão controvertida»).

 Quadro jurídico

2        Nos termos dos considerandos 23 e 37 do Regulamento (CE) n.o 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos [101.o] e [102.o TFUE] (JO 2003, L 1, p. 1):

«23)      A Comissão [Europeia] deverá dispor, em todo o território da [União Erropeia] de poderes para exigir as informações necessárias para detetar eventuais acordos, decisões ou práticas concertadas proibidas pelo artigo [101.o TFUE], ou eventuais abusos de posição dominante proibidos pelo artigo [102.o TFUE]. Ao cumprirem uma decisão da Comissão, as empresas não podem ser forçadas a admitir que cometeram uma infração, mas são de qualquer forma obrigadas a responder a perguntas de natureza factual e a exibir documentos, mesmo que essas informações possam ser utilizadas para determinar que elas próprias ou quaisquer outras empresas cometeram uma infração.

[…]

37)      O presente regulamento respeita os direitos fundamentais e observa os princípios gerais reconhecidos, nomeadamente, na Carta dos direitos fundamentais da União Europeia. Assim, nada no presente regulamento deverá ser interpretado e aplicado como afetando esses direitos e princípios.»

3        O artigo 18.o desse regulamento, sob a epígrafe «Pedidos de informações», dispõe, nos seus n.os 1 a 3:

«1.      No cumprimento das funções que lhe são atribuídas pelo presente regulamento, a Comissão pode, mediante simples pedido ou decisão, solicitar às empresas e associações de empresas que forneçam todas as informações necessárias.

2.      Ao dirigir um simples pedido de informações a uma empresa ou associação de empresas, a Comissão deve indicar o fundamento jurídico e a finalidade do pedido, especificar as informações que são necessárias e o prazo em que as informações devem ser fornecidas, bem como as sanções previstas no artigo 23.o, no caso de fornecimento de informações inexatas ou deturpadas.

3.      Sempre que solicitar, mediante decisão, às empresas ou associações de empresas que prestem informações, a Comissão deve indicar o fundamento jurídico e a finalidade do pedido, especificar as informações que são necessárias e o prazo em que as informações devem ser fornecidas. Deve indicar igualmente as sanções previstas no artigo 23.o e indicar ou aplicar as sanções previstas no artigo 24.o Deve indicar ainda a possibilidade de impugnação da decisão perante o Tribunal de Justiça [da União Europeia].»

4        O artigo 24.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Sanções pecuniárias compulsórias», prevê:

«1.      A Comissão pode, mediante decisão, aplicar sanções pecuniárias compulsórias às empresas e associações de empresas até 5 % do volume de negócios diário médio realizado durante o exercício precedente, por cada dia de atraso, a contar da data fixada na decisão, a fim de as compelir a:

[…]

d)      Fornecer de maneira completa e exata informações que a Comissão tenha pedido, mediante decisão tomada nos termos do artigo 17.o ou do n.o 3 do artigo 18.o;

[…]

2.      Quando as empresas ou associações de empresas tiverem cumprido a obrigação para cuja execução fora aplicada a sanção pecuniária compulsória, a Comissão pode fixar o montante definitivo da mesma num montante inferior ao resultante da decisão inicial. […]»

 Antecedentes do litígio e decisão controvertida

5        Os antecedentes do litígio estão expostos nos n.os 1 a 18 do acórdão recorrido. Para efeitos do presente processo, podem ser resumidos da seguinte forma.

6        A Qualcomm e a Qualcomm Europe são sociedades com sede nos Estados Unidos e que exercem atividades no setor da conceção e da comercialização dos chipsets de banda de base.

7        Na sequência de uma denúncia apresentada em 8 de abril de 2010 pela Icera Inc., outra sociedade com atividade nesse setor, a Comissão abriu um inquérito sobre um pretenso abuso de posição dominante, na aceção do artigo 102.o TFUE, das recorrentes, que consistia na aplicação de preços predatórios no mercado dos chipsets de banda de base UMTS (Universal Mobile Telecommunications System). Neste contexto, entre 7 de junho de 2010 e 14 de janeiro de 2015, a Comissão enviou às recorrentes vários pedidos de informações com base no artigo 18.o do Regulamento n.o 1/2003.

8        Em 8 de dezembro de 2015, a Comissão enviou às recorrentes uma comunicação de acusações, na sequência da abertura de um procedimento formal a seu respeito, em 16 de julho de 2015. Nessa comunicação de acusações, chegou à conclusão preliminar de que as recorrentes tinham abusado da sua posição dominante no mercado dos chipsets de banda de base UMTS por, no período compreendido entre 3 de fevereiro de 2009 e 16 de dezembro de 2011, terem fornecido determinadas quantidades de três desses chipsets a dois dos seus principais clientes, a Huawei e a ZTE, a preços inferiores aos custos, com o objetivo de expulsarem a Icera, a única concorrente das recorrentes nesse mercado durante esse período. Em 15 de agosto de 2016, as recorrentes apresentaram as suas observações quanto à comunicação de acusações.

9        Em 30 de janeiro de 2017, a Comissão enviou às recorrentes um pedido de informações com base no artigo 18.o, n.os 1 e 2, do Regulamento n.o 1/2003. Sem resposta a esse pedido de informações, em 31 de março de 2017, a Comissão, com base no artigo 18.o, n.o 3, deste regulamento, adotou a decisão controvertida.

10      Nos termos do artigo 1.o dessa decisão, as recorrentes deviam fornecer, dentro de certos prazos, as informações especificadas no anexo I da mesma, sob pena de lhes ser aplicada, por força do artigo 2.o da referida decisão, uma sanção pecuniária compulsória de 580 000 euros por cada dia de atraso. As recorrentes transmitiram a sua resposta às questões colocadas nos prazos fixados, que tinham entretanto sido prorrogados pela Comissão.

 Recurso para o Tribunal Geral e acórdão recorrido

11      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 13 de junho de 2017, as recorrentes interpuseram recurso de anulação da decisão controvertida com base em seis fundamentos.

12      A título preliminar, o Tribunal Geral, nos n.os 29 a 33 do acórdão recorrido, julgou inoperante a alegação de excesso de duração do procedimento administrativo, observando que essa alegação não era pertinente em sede de exame de um recurso que não tinha por objeto uma decisão de declaração de uma violação do artigo 102.o TFUE, mas sim uma decisão de pedido de informações.

13      Referido isso, o Tribunal Geral, em primeiro lugar, julgou improcedente o terceiro fundamento, relativo à falta de fundamentação da decisão controvertida. A esse respeito, o Tribunal Geral considerou, nos n.os 47 a 54 do acórdão recorrido, que, na medida em que a decisão controvertida evidenciava de forma clara e inequívoca as presunções de infração que a Comissão pretendia verificar, bem como a necessidade das informações pedidas para avaliar a prova na sua posse à luz dos argumentos invocados pelas recorrentes depois de a comunicação de acusações lhes ter sido dirigida, essa decisão estava suficientemente fundamentada, uma vez que a Comissão não tinha de fornecer uma fundamentação mais detalhada sobre a questão de saber como tencionava utilizar essas informações para analisar esses argumentos.

14      Em segundo lugar, o Tribunal Geral examinou as duas primeiras partes do primeiro fundamento, relativo a uma violação do princípio da necessidade. Num primeiro momento, o Tribunal Geral rejeitou, nos n.os 69 a 91 do acórdão recorrido, a primeira parte do primeiro fundamento, em que se alegava que a decisão controvertida ia além do âmbito do inquérito instaurado tal como tinha sido definido na comunicação de acusações, pedindo informações relativas aos chips que compõem os chipsets sobre os quais incidia esse inquérito e relativos a períodos adjacentes ao período da infração definido nessa comunicação de acusações. Para esse efeito, o Tribunal Geral considerou, por um lado, que a Comissão podia, nomeadamente para tomar em consideração os argumentos invocados pelas empresas em causa, prosseguir o seu inquérito após a adoção da referida comunicação de acusações, incluindo através de pedidos de informações suplementares, sem que isso torne esses pedidos ilegais ou ponha em causa, por si só, o caráter necessário dessas informações pedidas. Por outro lado, o Tribunal Geral declarou que as prerrogativas da Comissão não se podem limitar às questões que pretende suscitar, na medida em que estas permitam obter informações necessárias ao inquérito instaurado e a Comissão dê às empresas em causa a possibilidade de serem ouvidas. O Tribunal Geral acrescentou que, de qualquer forma, a Comissão não alargou o âmbito dessa investigação ao pedir as informações exigidas, sendo estas não só pertinentes enquanto elementos de compreensão do contexto em que se inscrevia um eventual comportamento ilícito mas também necessárias à aplicação de um critério «preço‑custo» adequado.

15      Num segundo momento, o Tribunal Geral rejeitou, nos n.os 98 a 110 do acórdão recorrido, a segunda parte do primeiro fundamento, destinada a pôr em causa o caráter necessário das informações pedidas à luz das presunções que a Comissão pretendia verificar. Para esse efeito, o Tribunal Geral referiu, em substância, que, com a decisão controvertida, a Comissão tinha tentado obter informações que permitissem estabelecer o critério «preço‑custo» com base em dados que refletissem fielmente a situação durante o período da infração, uma vez que, tendo em conta, nomeadamente, as observações formuladas pelas recorrentes sobre a comunicação de acusações, tinha considerado que os dados em que se tinha baseado para esse efeito nessa comunicação de acusações não refletiam o preço efetivamente pago pelos clientes das recorrentes e que esse elemento era determinante para verificar se tinha sido cometida a infração. As informações pedidas apresentavam, por conseguinte, uma correlação com as presunções de infração em causa e deviam ser consideradas necessárias, mesmo tendo a Comissão procurado modificar ou adaptar a sua metodologia após o envio da referida comunicação de acusações.

16      Em terceiro lugar, o Tribunal Geral examinou o segundo fundamento, através do qual as recorrentes contestavam o caráter proporcionado da decisão controvertida. Antes de mais, o Tribunal Geral rejeitou, nos n.os 118 a 148 do acórdão recorrido, a primeira parte desse fundamento, que se confundia com a terceira parte do primeiro fundamento e pretendia pôr em causa o caráter proporcionado dessa decisão relativamente ao volume de trabalho que implicava. A esse respeito, o Tribunal Geral considerou que esse volume de trabalho, por muito grande que fosse, não revestia um caráter desproporcionado relativamente às necessidades do inquérito relativas às presunções de infração que a Comissão pretendia verificar, nomeadamente tendo em conta as observações formuladas pelas recorrentes sobre a comunicação de acusações. Segundo o Tribunal Geral, o facto de as recorrentes não conservarem as informações pedidas no formato de resposta proposto pela Comissão e a circunstância de os seus arquivos não terem sido organizados de forma sistemática não eram pertinentes a este respeito. Seguidamente, o Tribunal Geral julgou inadmissível a segunda parte do segundo fundamento, relativa ao caráter desproporcionado do montante da sanção pecuniária compulsória prevista no artigo 2.o da decisão controvertida. Após ter referido que, com essa parte, as recorrentes pediam implicitamente a anulação desse artigo, o Tribunal Geral considerou, nos n.os 153 a 159 do acórdão recorrido, que a decisão controvertida tinha caráter preliminar relativamente à eventual decisão que fixasse definitivamente o montante total de uma sanção pecuniária compulsória e, portanto, não constituía um ato recorrível. Por último, o Tribunal Geral rejeitou, nos n.os 164 a 166 desse acórdão, a terceira parte desse fundamento, que punha em causa o caráter suficiente dos prazos de resposta concedidos pela decisão controvertida.

17      Em quarto lugar, o Tribunal Geral rejeitou o quarto fundamento, pelo qual as recorrentes acusavam a Comissão de ter invertido indevidamente o ónus da prova ao exigir‑lhes que praticassem atos de constituição de um processo e, por conseguinte, da competência dessa instituição, observando, nos n.os 172 a 175 do acórdão recorrido, que esse fundamento procedia de uma leitura errada da decisão controvertida. Por um lado, o Tribunal Geral considerou que a Comissão não tinha tentado auditar as contas das recorrentes, mas sim dispor de elementos necessários para adaptar a metodologia do critério «preço‑custo» de forma a ter em conta as críticas que estas tinham formulado nas suas observações sobre a comunicação de acusações. Por outro lado, o Tribunal Geral considerou que a Comissão também não tinha pedido às recorrentes que demonstrassem que tinham cumprido a lei, mas sim que fornecessem documentos internos que corroborassem a sua própria afirmação de que, nas decisões em matéria de preços, se tinham baseado na jurisprudência pertinente e nas orientações da Comissão.

18      Em quinto lugar, o Tribunal Geral examinou e depois rejeitou, nos n.os 186 a 195 do acórdão recorrido, o quinto fundamento, que punha em causa a decisão controvertida na medida em que esta violava o direito das recorrentes de não contribuírem para a sua própria incriminação, impondo‑lhes que respondessem a questões que excediam o âmbito do fornecimento de elementos de natureza factual ou demonstrassem que tinham cumprido as normas de concorrência da União. A esse respeito, o Tribunal Geral referiu, nomeadamente, primeiro, que as informações pedidas tinham caráter puramente factual, segundo, que essas informações diziam respeito a dados aos quais só as recorrentes podiam ter acesso e que, portanto, eram obrigadas a fornecê‑los mesmo que essas informações pudessem servir para demonstrar a existência de um comportamento anticoncorrencial e, terceiro, que as recorrentes não tinham demonstrado que o facto de, para responder às questões colocadas, serem levadas a formalizar os dados factuais pedidos num documento destinado a facilitar a sua compreensão pela Comissão era suscetível de constituir uma violação desse seu direito.

19      Em sexto lugar, o Tribunal Geral rejeitou, nos n.os 201 a 203 do acórdão recorrido, o sexto fundamento, relativo a uma violação do princípio da boa administração, referindo que resultava do exame do primeiro a quinto fundamentos, com os quais se confundiam as alegações feitas no âmbito do sexto fundamento, que fora precisamente para dar cumprimento às obrigações decorrentes desse princípio que a Comissão tinha adotado a decisão controvertida.

 Pedidos das partes no presente recurso

20      A Qualcomm e a Qualcomm Europe pedem que o Tribunal de Justiça:

–        anule o acórdão recorrido;

–        anule a decisão controvertida;

–        a título subsidiário, devolva o processo ao Tribunal Geral para que decida em conformidade com as indicações jurídicas do Tribunal de Justiça; e

–        condene a Comissão nas despesas por elas efetuadas no Tribunal Geral e no Tribunal de Justiça.

21      A Comissão pede ao Tribunal de Justiça que:

–        negue provimento ao recurso;

–        condene as recorrentes nas despesas.

 Quanto ao recurso de segunda instância

22      As recorrentes invocam seis fundamentos de recurso.

 Quanto ao primeiro fundamento, omissão de pronúncia

 Argumentos das partes

23      Com o seu primeiro fundamento no presente recurso, as recorrentes acusam o Tribunal Geral de não se ter pronunciado sobre todos os seus fundamentos e argumentos.

24      Em primeiro lugar, as recorrentes alegam que o Tribunal Geral, nos n.os 29 a 33, 101, 102, 110, 147 e 202 do acórdão recorrido, erradamente, não examinou a sua argumentação de que a duração excessiva do procedimento administrativo tinha lesado os seus direitos de defesa, ao considerá‑la não pertinente na medida em que não era relativa a uma decisão de declaração de uma violação do artigo 102.o TFUE. Para o fazer, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao interpretar e aplicar por analogia ao presente caso a jurisprudência resultante do Acórdão do Tribunal Geral de 18 de junho de 2008, Hoechst/Comissão (T‑410/03, EU:T:2008:211, n.o 227). Essa jurisprudência não faz nenhuma distinção consoante a decisão em causa conclua pela existência de uma infração ou constitua outro tipo de decisão final e, portanto, a referida jurisprudência permita contestar o caráter razoável da duração de uma investigação no âmbito de um recurso de decisões finais da Comissão que aplicam, ou ameaçam aplicar, coimas ou sanções pecuniárias compulsórias à empresa em causa.

25      Assim, foi também erradamente que o Tribunal Geral considerou, no n.o 110 do acórdão recorrido, ter analisado a argumentação relativa à duração excessiva do procedimento administrativo invocada no âmbito da primeira parte do segundo fundamento. Com efeito, o Tribunal Geral limitou‑se, no n.o 147 desse acórdão, a examinar a argumentação relativa às dificuldades das recorrentes em comunicar informações relativas a factos que remontam a vários anos e não examinou a argumentação de que a duração excessiva do inquérito instaurado afetara a sua capacidade para se defenderem de forma efetiva.

26      Em segundo lugar, as recorrentes alegam que o Tribunal Geral errou ao não examinar o sexto fundamento, relativo à violação do princípio da boa administração, pelo facto de os outros fundamentos terem sido julgados improcedentes. Entendem que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito por, em violação do considerando 37 do Regulamento n.o 1/2003 e do artigo 41.o, n.o 1, da Carta dos Direitos Fundamentais, não ter apreciado esse fundamento, nomeadamente a argumentação das recorrentes de que a decisão controvertida era o resultado de um inquérito parcial, rejeitando essa argumentação sem uma explicação adequada nem uma fundamentação suficiente.

27      A Comissão contesta estes argumentos.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

28      O primeiro fundamento de recurso é relativo à omissão de pronúncia do Tribunal Geral, por um lado, sobre a argumentação das recorrentes relativa à violação dos seus direitos de defesa devido à duração excessiva do procedimento administrativo e, por outro, sobre o sexto fundamento, relativo a uma violação do princípio da boa administração. Além disso, o primeiro fundamento de recurso é igualmente relativo a erro de direito, pretensamente cometido pelo Tribunal Geral no âmbito do exame dessa argumentação, na interpretação e na aplicação da jurisprudência resultante do Acórdão do Tribunal Geral de 18 de junho de 2008, Hoechst/Comissão (T‑410/03, EU:T:2008:211).

29      No que respeita, em primeiro lugar, à pretensa omissão de pronúncia sobre a referida argumentação e sobre o sexto fundamento, refira‑se, antes de mais, que, como as próprias recorrentes admitem implicitamente, o Tribunal Geral examinou, respetivamente, nos n.os 29 a 33 e nos n.os 198 a 203 do acórdão recorrido, a mesma argumentação e esse fundamento, antes de os julgar, respetivamente, inoperante e improcedente.

30      Seguidamente, no que respeita, mais especificamente, à pretensa omissão de pronúncia quanto à argumentação relativa a uma violação dos direitos de defesa das recorrentes devido à duração excessiva do procedimento administrativo, refira‑se que, uma vez que o Tribunal Geral a examinou a título preliminar antes de a julgar inoperante, não pode ser criticado por não a ter examinado novamente no âmbito da segunda parte do primeiro fundamento. Refira‑se, por outro lado, que o Tribunal Geral, no n.o 110 do acórdão recorrido, não mencionou ter analisado essa argumentação no âmbito do exame da primeira parte do segundo fundamento, mas considerou que a argumentação das recorrentes, relativa à violação dos seus direitos de defesa devido às suas dificuldades em comunicar, tendo em conta o nível de pormenor exigido, as informações relativas a factos que remontavam a vários anos, se confundia com algumas alegações feitas nessa parte e analisadas quanto ao mérito no n.o 147 do acórdão recorrido.

31      Por último, quanto à pretensa omissão de pronúncia sobre o sexto fundamento, relativo à violação do princípio da boa administração, há que acrescentar que o Tribunal Geral fundamentou suficientemente a razão pela qual esse fundamento devia ser rejeitado. Com efeito, por um lado, o Tribunal Geral referiu, no n.o 201 do acórdão recorrido, que a argumentação das recorrentes invocada no âmbito desse fundamento se confundia com a que tinha sido invocada em apoio do primeiro a quinto fundamentos e que tinha sido rejeitada no âmbito da análise desses fundamentos. Por outro lado, nesse n.o 201, o Tribunal Geral considerou que resultava da análise desses fundamentos que fora precisamente para cumprir a sua obrigação de examinar com cuidado e imparcialidade, em conformidade com a jurisprudência relativa ao princípio da boa administração recordada no n.o 200 do acórdão recorrido, a argumentação invocada pelas recorrentes, nomeadamente no âmbito das suas observações sobre a comunicação de acusações, a fim de preparar a sua decisão final relativa à eventual existência de uma infração ao artigo 102.o TFUE com toda a diligência exigida e com base em todos os dados que pudessem ter influência nesta, que a Comissão tinha adotado a decisão controvertida. Assim, o Tribunal Geral concluiu acertadamente, no n.o 202 do acórdão recorrido, que as recorrentes não tinham conseguido demonstrar a pretensa violação do princípio da boa administração devido a um comportamento parcial da Comissão.

32      Em segundo lugar, quanto ao erro de direito na interpretação e aplicação da jurisprudência resultante do Acórdão do Tribunal Geral de 18 de junho 2008, Hoechst/Comissão (T‑410/03, EU:T:2008:211, n.o 227), basta referir que resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que a violação do princípio do respeito do prazo razoável só é suscetível de justificar a anulação de uma decisão que declare infrações tomada no termo de um procedimento administrativo baseada no artigo 101.o ou 102.o TFUE quando se tiver demonstrado que essa violação tinha lesado os direitos de defesa das empresas em causa (v., neste sentido, Acórdãos de 21 de setembro de 2006, Nederlandse Federatieve Vereniging voor de Groothandel op Elektrotechnisch Gebied/Comissão, C‑105/04 P, EU:C:2006:592, n.os 42 e 43; de 9 de junho de 2016, CEPSA/Comissão, C‑608/13 P, EU:C:2016:414, n.o 61; e de 9 de junho de 2016, PROAS/Comissão, C‑616/13 P, EU:C:2016:415, n.o 74).

33      Foi, portanto, sem cometer um erro de direito que o Tribunal Geral, no n.o 31 do acórdão recorrido, recordou os ensinamentos decorrentes dessa jurisprudência, tal como reproduzidos pelo Tribunal Geral no Acórdão de 18 de junho de 2008, Hoechst/Comissão (T‑410/03, EU:T:2008:211). Foi igualmente com razão que o Tribunal Geral, em seguida, nos n.os 32 e 33 do acórdão recorrido, aplicou a referida jurisprudência ao caso presente, considerando que, na medida em que o recurso que lhe fora submetido não tinha por objeto uma decisão de declaração de uma violação do artigo 102.o TFUE, mas sim uma decisão de pedido de informações adotada no âmbito de um procedimento administrativo que podia eventualmente conduzir a essa decisão de declaração de uma infração, a argumentação relativa ao caráter excessivo da duração do procedimento administrativo não era pertinente para o exame desse recurso, devendo, por conseguinte, ser julgada inoperante.

34      Nestas condições, improcede o primeiro fundamento do presente recurso.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo à apreciação do caráter suficientemente fundamentado da decisão controvertida

 Argumentos das partes

35      Com o seu segundo fundamento no presente recurso, as recorrentes alegam que o Tribunal Geral cometeu erros de facto e de direito, bem como uma desvirtuação da respetiva prova, e falta de fundamentação no âmbito da apreciação, nos n.os 35 a 56 do acórdão recorrido, do caráter suficientemente fundamentado da decisão controvertida.

36      Em primeiro lugar, as recorrentes criticam o Tribunal Geral por, nomeadamente nos n.os 81, 82, 85, 127, 132, 136, 137, 139 e 145 do acórdão recorrido, referentes à apreciação do primeiro e segundo fundamentos, relativos a violação dos princípios da necessidade e da proporcionalidade, ter cometido erros de facto e desvirtuação da prova por eles apresentada.

37      Em segundo lugar, as recorrentes alegam desvirtuação dessa prova, na medida em que o Tribunal Geral, nos n.os 48 a 53 desse acórdão, não teve em conta a correspondência que tinham trocado com a Comissão, antes e depois da adoção da decisão controvertida, a fim de pedir a clarificação de certas questões e do âmbito do inquérito instaurado.

38      Em terceiro lugar, as recorrentes contestam as considerações do Tribunal Geral, formuladas no n.o 52 do referido acórdão, segundo as quais o caráter suficientemente fundamentado da decisão controvertida não era posto em causa pelas suas alegações de que a Comissão não tinha explicado de que modo as informações pedidas lhe permitiriam responder aos argumentos que invocaram no âmbito das suas observações sobre a comunicação de acusações ou avaliar a sua pertinência para o seu inquérito. Entendem que essas considerações são não só insuficientes mas também manifestamente desprovidas de fundamento, devido a erros cometidos pelo Tribunal Geral nos n.os 53 a 55 do acórdão recorrido e examinados no âmbito do terceiro fundamento de recurso.

39      A Comissão considera que o segundo fundamento do presente recurso deve ser julgado inadmissível, por não terem as recorrentes indicado de modo preciso os elementos impugnados do acórdão recorrido nem sustentado detalhadamente a sua argumentação. Alega igualmente que, de qualquer modo, esse fundamento é improcedente.

40      Na réplica, as recorrentes respondem que, na sua petição em primeira instância, expuseram detalhadamente as razões pelas quais a decisão controvertida não estava suficientemente fundamentada, tendo por essa razão demonstrado, de forma precisa e detalhada, no presente recurso, os erros que o Tribunal Geral cometeu ao concluir de outro modo.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

41      O segundo fundamento no presente recurso é relativo a erros de facto e de direito, desvirtuação da respetiva prova e falta de fundamentação pretensamente cometida pelo Tribunal Geral no âmbito da apreciação, nos n.os 35 a 56 do acórdão recorrido, do caráter suficientemente fundamentado da decisão controvertida.

42      Ora, há que lembrar, a título preliminar, que resulta de jurisprudência constante que, antes de mais, quando o Tribunal Geral tiver apurado ou apreciado os factos, o Tribunal de Justiça apenas tem competência, ao abrigo do artigo 256.o TFUE, para fiscalizar a qualificação jurídica desses factos e as consequências jurídicas daí extraídas. Assim, a apreciação dos factos não constitui, salvo em caso de desvirtuação da prova apresentada no Tribunal Geral, uma questão de direito sujeita, enquanto tal, à fiscalização do Tribunal de Justiça (v., nomeadamente, Acórdão de 20 de setembro de 2018, Espanha/Comissão, C‑114/17 P, EU:C:2018:753, n.o 75 e jurisprudência aí referida).

43      Seguidamente, quando o recorrente invoca a desvirtuação da prova pelo Tribunal Geral, deve, por força do artigo 256.o TFUE, do artigo 58.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e do artigo 168.o, n.o 1, alínea d), do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, indicar de modo preciso as provas que entende terem sido desvirtuadas e demonstrar os erros de análise que, na sua apreciação, levaram o Tribunal Geral a essa desvirtuação. Além disso, a desvirtuação deve resultar de forma manifesta dos autos, sem que seja necessário proceder a uma nova apreciação dos factos e da prova (Acórdão de 25 de junho de 2020, CSUE/KF, C‑14/19 P, EU:C:2020:492, n.o 105).

44      Por outro lado, embora uma desvirtuação da prova possa consistir numa interpretação de um documento contrária ao seu conteúdo, deve resultar de forma manifesta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça e pressupõe que o Tribunal Geral tenha excedido manifestamente os limites de uma apreciação razoável dessa prova. A este respeito, não basta demonstrar que um documento pode ser objeto de interpretação diferente da adotada pelo Tribunal Geral (Acórdão de 30 de janeiro de 2020, České dráhy/Comissão, C‑538/18 P e C‑539/18 P, não publicado, EU:C:2020:53, n.o 60 e jurisprudência aí referida).

45      Ora, segundo a jurisprudência evocada no n.o 43 do presente acórdão, os recursos de segunda instância devem indicar de modo preciso os elementos impugnados do acórdão cuja anulação é pedida, bem como os argumentos jurídicos em que se apoia especificamente esse pedido. Não preenche as exigências de fundamentação resultantes dessas disposições um recurso de segunda instância que, sem conter sequer uma argumentação especificamente destinada a identificar o erro de direito de que o acórdão recorrido padece, se limita a reproduzir textualmente os fundamentos e os argumentos que foram apresentados no Tribunal Geral, incluindo os que se baseavam em factos expressamente rejeitados por esse tribunal. Com efeito, esse recurso constitui, na realidade, um pedido de simples reanálise da petição apresentada no Tribunal Geral, o que escapa à competência do Tribunal de Justiça (Acórdão de 20 de dezembro de 2017, Comunidad Autónoma de Galicia e Retegal/Comissão, C‑70/16 P, EU:C:2017:1002, n.o 48 e jurisprudência aí referida).

46      No caso, em primeiro lugar, quanto ao segundo argumento invocado pelas recorrentes, lembrado no n.o 37 do presente acórdão, que importa examinar primeiro, refira‑se que estas se limitam a enunciar esse argumento, remetendo para as argumentações que tinham invocado no Tribunal Geral, sem de forma alguma demonstrarem os erros de análise que, em seu entender, o levaram à desvirtuação alegada e, mais especificamente, sem demonstrarem de que modo a pretensa omissão do Tribunal Geral de tomar em consideração a correspondência que tinham trocado com a Comissão no âmbito da sua apreciação constitui desvirtuação dessa prova. Daí resulta que esse argumento manifestamente não preenche os requisitos mencionados nos n.os 42 a 45 do presente acórdão.

47      Em segundo lugar, no que respeita ao primeiro e terceiro argumentos das recorrentes, recordados nos n.os 36 e 38 do presente acórdão, refira‑se que esses argumentos visam impugnar constatações de facto e considerações feitas pelo Tribunal Geral no âmbito da sua apreciação do caráter necessário e proporcionado das informações pedidas. Os referidos argumentos confundem‑se, portanto, com certos argumentos suscitados no âmbito do terceiro e quarto fundamentos e serão, portanto, analisados no âmbito do seu exame.

48      Em face do exposto, e sem prejuízo da análise do terceiro e quarto fundamentos do recurso de segunda instância, o segundo fundamento deve ser julgado manifestamente inadmissível.

 Quanto ao terceiro fundamento, relativo à apreciação do caráter necessário das informações pedidas pela decisão controvertida

49      Com o seu terceiro fundamento no presente recurso, as recorrentes acusam o Tribunal Geral de ter cometido erros de direito, violado o seu dever de fundamentação e desvirtuado a prova na sua apreciação do caráter necessário das informações pedidas pela decisão controvertida. Este fundamento de recurso é composto por cinco partes.

 Quanto à primeira a terceira partes

–       Argumentos das partes

50      Com a primeira a terceira partes do terceiro fundamento no presente recurso, as recorrentes alegam que as conclusões do Tribunal Geral no sentido de que, primeiro, a decisão controvertida não tinha alterado o âmbito do inquérito, segundo, a Comissão estava legalmente habilitada a pedir informações relativas a períodos situados fora do âmbito do inquérito, conforme definido na comunicação de acusações, e, terceiro, as informações pedidas por essa decisão eram necessárias padecem de erros de direito e de facto, desvirtuação da respetiva prova e falta de fundamentação.

51      Com a primeira parte, as recorrentes alegam que o Tribunal Geral concluiu erradamente, nos n.os 81, 82 e 91 do acórdão recorrido, que a decisão controvertida não tinha alterado o âmbito do inquérito. Com efeito, antes de mais, o Tribunal Geral não teve em conta a correspondência trocada entre as recorrentes e a Comissão na qual lhe pediam que confirmasse esse quadro a fim de compreenderem o alcance do inquérito instaurado. Seguidamente, entendem que o Tribunal Geral não referiu que, com a decisão controvertida, a Comissão tinha alargado o referido quadro ao duplicar a sua duração e ao pedir numerosas informações relativas a sete componentes de chipsets em vez de três chipsets, sem que isso fosse necessário para permitir à Comissão examinar os argumentos invocados pelas recorrentes. Afirmam, por último, que o Tribunal Geral não referiu que o alargamento do âmbito desse inquérito era corroborado pela comunicação de acusações complementar que, baseando‑se em dados obtidos graças à decisão controvertida, participara na elaboração de um processo inteiramente novo contra as recorrentes, baseado, nomeadamente, num novo critério «preço‑custo», «conservando unicamente a “capa” do processo apresentado na comunicação de acusações».

52      Ao fazê‑lo, o Tribunal Geral, no n.o 62 e nos n.os 69 e seguintes do acórdão recorrido, foi contra a jurisprudência assente que impõe que se avalie o processo à luz de todos os factos e do contexto em que estes se inscrevem, nomeadamente do facto de a decisão controvertida ter sido adotada numa fase muito avançada de um procedimento administrativo extremamente longo e dois anos após a emissão da comunicação de acusações. Em contrapartida, ao invocar o amplo poder de investigação da Comissão, o Tribunal Geral avalizou o ponto de vista desta, sem verificar se ela tinha explicado a ponderação e a avaliação dos elementos tomados em consideração.

53      Entendem que, nesse contexto, o Tribunal Geral também cometeu um erro de direito no n.o 73 desse acórdão, ao basear‑se por analogia na jurisprudência resultante do Acórdão do Tribunal Geral de 30 de setembro de 2003, Atlantic Container Line e o./Comissão (T‑191/98 e T‑212/98 a T‑214/98, EU:T:2003:245), a fim de concluir que os n.os 2 e 3 do artigo 18.o do Regulamento n.o 1/2003 não impõem uma obrigação à Comissão no que respeita à data em que pode enviar pedidos de informação, o que, na realidade, equivale a deixar à Comissão a liberdade de conduzir as suas investigações sobre as empresas como entender e pelo tempo que entender, em violação dos princípios da necessidade, da proporcionalidade e da boa administração, da letra ou do espírito do considerando 23 e do artigo 18.o desse regulamento, e do Acórdão de 10 de março de 2016 C‑247/14 P, HeidelbergCement/Comissão (C‑247/14 P, UE):C:2016:149).

54      Com a segunda parte, as recorrentes alegam que, nos n.os 85, 88 e 127 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral desvirtuou a prova ao fazer uma leitura errada, por um lado, do tipo de dados que estavam registados no seu sistema contabilístico interno e dos dados em que a Comissão se baseou para efetuar a análise da relação «preço‑custo» na comunicação de acusações e, por outro, das críticas formuladas a respeito do método adotado nessa comunicação de acusações.

55      Além disso, as recorrentes criticam as considerações do Tribunal Geral relativas à necessidade de a Comissão pedir informações relativas a períodos anteriores e posteriores ao período da infração. A esse respeito, as recorrentes, por um lado, acusam o Tribunal Geral de ter cometido, no n.o 86 do acórdão recorrido, um erro de direito ao aplicar por analogia ao caso presente o Acórdão do Tribunal Geral de 22 de março de 2012, Slovak Telekom/Comissão (T‑458/09 e T‑171/10, EU:T:2012:145, n.o 51), para reconhecer a necessidade de a Comissão pedir informações relativas a um período anterior ao período da infração para precisar o contexto em que um comportamento se tinha inserido durante este último período. Com efeito, segundo as recorrentes, os factos em causa nesse acórdão e na jurisprudência aí referida, que diziam respeito a decisões adotadas antes da comunicação de acusações e que visavam determinar o contexto em que se inseria o comportamento ilícito, eram diferentes dos que se verificam no caso presente.

56      Por outro lado, as recorrentes contestam as conclusões a que chegou o Tribunal Geral nos n.os 87 e 90 do acórdão recorrido, no sentido de que a Comissão tinha o direito de pedir dados relativos a 2008 e ao seu exercício contabilístico de 2013. Para esse efeito, alegam falta de fundamentação do acórdão recorrido no que respeita a estas considerações, na medida em que o Tribunal Geral não demonstrou a pertinência desses dados para apreciar a infração alegada.

57      Com a terceira parte, as recorrentes acusam, antes de mais, o Tribunal Geral de não ter fundamentado suficientemente, nos n.os 99 a 111 do acórdão recorrido, em que medida as informações pedidas pela decisão controvertida eram necessárias para permitir à Comissão demonstrar as acusações formuladas na comunicação de acusações.

58      Em seguida, as recorrentes consideram que o Tribunal Geral cometeu, nomeadamente nos n.os 98, 99 e 188 do acórdão recorrido, um erro de facto e desvirtuou a prova ao considerar que a Comissão pedia dados complementares para reconstituir os preços efetivamente pagos pelos seus clientes para responder às críticas formuladas na sua resposta à comunicação de acusações. Com efeito, tendo em conta as explicações fornecidas pelas recorrentes nessa resposta, esses dados não eram necessários nem úteis para esse efeito.

59      Por último, as recorrentes contestam as constatações de facto do Tribunal Geral, feitas nos n.os 105 a 107 do acórdão recorrido, segundo as quais a referência feita na decisão controvertida a um anexo da resposta a um pedido de informações anterior devia ser entendida no sentido de que as convidava a apresentarem dados da mesma natureza, reafirmando que, com essa referência, a Comissão lhes tinha pedido que reiterassem o trabalho contabilístico a fim de auditar novamente as suas contas. Entende, assim, que o Tribunal Geral cometeu igualmente um erro de direito ao considerar que as informações pedidas apresentavam uma correlação com a infração alegada, o que, de resto, é corroborado pela comunicação de acusações complementar.

60      A Comissão considera que a primeira a terceira partes do terceiro fundamento do presente recurso devem ser julgadas inadmissíveis. Com efeito, as recorrentes não indicam de forma suficientemente precisa que provas foram desvirtuadas, não demonstram os erros de apreciação que levaram a essa desvirtuação nem alicerçaram as suas alegações de falta de fundamentação do acórdão recorrido. Em contrapartida, limitam‑se a repetir os argumentos invocados no Tribunal Geral, a fim de obter um reexame dos mesmos. De resto, a Comissão alega que estas partes são, em todo o caso, improcedentes.

61      Na réplica, as recorrentes repetem, no essencial, os argumentos invocados na petição do presente recurso e alegam que demonstraram os erros cometidos pelo Tribunal Geral no âmbito da apreciação dos seus argumentos invocados em primeira instância ou dos factos do caso presente.

–       Apreciação do Tribunal de Justiça

62      A primeira a terceira partes do terceiro fundamento no presente recurso, a analisar em conjunto, destinam‑se a demonstrar que o Tribunal Geral cometeu erros de direito e de facto, bem como uma desvirtuação da respetiva prova, e que não fundamentou suficientemente o acórdão recorrido ao concluir, primeiro, que a decisão controvertida não tinha alterado o âmbito do inquérito instaurado, tal como definido na comunicação de acusações, segundo, que a Comissão tinha habilitação legal para pedir informações sobre os períodos situados fora desse âmbito e, terceiro, que as informações pedidas nessa decisão eram necessárias.

63      Ora, no que respeita, em primeiro lugar, aos pretensos erros de facto e desvirtuações da prova cometidos pelo Tribunal Geral e recordados nos n.os 51, 54, 58 e 59 do presente acórdão, refira‑se que as recorrentes se limitam a indicar esses factos e essa prova pretensamente desvirtuada pelo Tribunal Geral, reiterando, em substância, a apreciação desta que tinham formulado em primeira instância, sem, no entanto, apresentarem nenhum elemento que revele de forma manifesta os erros de análise que teriam levado o Tribunal Geral a essa desvirtuação ou demonstrarem que este tinha manifestamente excedido os limites de uma apreciação razoável dessa prova.

64      Por conseguinte, em conformidade com a jurisprudência recordada nos n.os 42 a 45 do presente acórdão, na medida em que a primeira a terceira partes do terceiro fundamento do presente recurso se destinam a demonstrar que o Tribunal Geral cometeu erros de facto e desvirtuou a respetiva prova, essas partes devem ser julgadas manifestamente inadmissíveis.

65      Em segundo lugar, quanto ao mérito da fração dessas partes que é admissível, refira‑se que visa, em substância, pôr em causa a apreciação do Tribunal Geral quanto ao caráter necessário das informações pedidas pela decisão controvertida do ponto de vista do seu alcance material e temporal, imputando‑lhe erros de direito e falta de fundamentação do acórdão recorrido.

66      A esse respeito, há que lembrar, a título preliminar, que, por um lado, o Tribunal de Justiça já declarou que a comunicação de acusações é um documento de caráter processual e preparatório que, para assegurar o exercício eficaz dos direitos de defesa, circunscreve o objeto do procedimento administrativo iniciado pela Comissão, impedindo‑a assim de ter outras acusações em conta na sua decisão que põe termo ao procedimento em causa. Por conseguinte, é inerente à natureza dessa comunicação o facto de esta ser provisória e suscetível de sofrer alterações no momento da avaliação que a Comissão faz posteriormente com base nas observações que lhe foram apresentadas em resposta pelas partes e no apuramento de outros factos. Com efeito, a Comissão deve ter em conta os elementos resultantes do procedimento administrativo no seu todo, quer para desistir de acusações infundadas quer para organizar e completar, tanto em matéria de facto como de direito, a sua argumentação em apoio das acusações que formula (Acórdão de 24 de setembro de 2009, Erste Group Bank e o./Comissão, C‑125/07 P, C‑133/07 P e C‑137/07 P, EU:C:2009:576, n.os 310 e 311).

67      Por conseguinte, a Comissão não está vinculada à manutenção das apreciações de facto ou de direito efetuadas na comunicação de acusações. Pelo contrário, deve fundamentar a sua decisão final através das suas apreciações definitivas baseadas nos resultados da totalidade do seu inquérito, tal como se apresentavam à data do encerramento do procedimento formal, sem ter de explicar as eventuais diferenças existentes em relação às suas apreciações provisórias que figuram na comunicação de acusações (v., neste sentido, Despacho de 18 de junho de 1986, British American Tobacco and Reynolds Industries/Comissão, 142/84, não publicado, EU:C:1986:250, n.o 15, e Acórdão de 17 de novembro de 1987, British American Tobacco and Reynolds Industries/Comissão, 142/84 e 156/84, EU:C:1987:490, n.o 70).

68      Por outro lado, o Tribunal de Justiça precisou que a Comissão só pode exigir a comunicação de informações suscetíveis de lhe permitir verificar as presunções de infrações que justificam a condução do inquérito e que sejam indicadas no pedido de informações (Acórdão de 10 de março de 2016, HeidelbergCement/Comissão, C‑247/14 P, EU:C:2016:149, n.o 23).

69      Tendo em conta o amplo poder de investigação conferido à Comissão pelo Regulamento n.o 1/2003, cabe‑lhe apreciar se uma informação é necessária para poder detetar uma infração às normas da concorrência. Mesmo que já disponha de indícios ou mesmo provas da existência de uma infração, a Comissão pode legitimamente considerar necessário pedir informações adicionais que lhe permitam delimitar melhor o âmbito da infração, determinar a sua duração ou o círculo de empresas envolvidas (v., neste sentido, Acórdãos de 18 de outubro de 1989, Orkem/Comissão, 374/87, EU:C:1989:387, n.o 15, e de 22 de outubro de 2002, Roquette Frères, C‑94/00, EU:C:2002:603, n.o 78).

70      No que respeita à fiscalização exercida pelo juiz da União sobre a apreciação da Comissão quanto ao caráter necessário de uma informação, o Tribunal de Justiça já declarou que esse caráter deve ser apreciado em relação ao objetivo mencionado no pedido de informações, a saber, as suspeitas de infrações que a Comissão pretende averiguar (v., neste sentido, Acórdão de 10 de março de 2016, HeidelbergCement/Comissão, C‑247/14 P, EU:C:2016:149, n.os 24 e 25). A exigência de uma correlação entre o pedido de informações e a infração de que se suspeita está preenchida se a Comissão puder razoavelmente supor, à data do pedido, que essa informação é suscetível de a ajudar a determinar a existência dessa infração (v., neste sentido, Acórdão de 19 de maio de 1994, SEP/Comissão, C‑36/92 P, EU:C:1994:205, n.o 21).

71      No caso, refira‑se, antes de mais, que o Tribunal Geral não cometeu, no n.o 62 do acórdão recorrido, nenhum erro de direito ao recordar, a título preliminar, a jurisprudência do Tribunal de Justiça referida nos n.os 69 e 70 do presente acórdão.

72      Em seguida, o Tribunal Geral não cometeu nenhum erro de direito ao considerar, em substância, nos n.os 69 a 76 do acórdão recorrido, que, na medida em que as informações pedidas sejam necessárias e o pedido de informações indique os elementos essenciais definidos no artigo 18.o, n.o 2, e no artigo 3.o do Regulamento n.o 1/2003, essa disposição não limita o poder de a Comissão enviar pedidos de informações após o envio da comunicação de acusações, uma vez que a Comissão tem o direito de prosseguir o seu inquérito após a sua adoção, nomeadamente com vista a obter qualquer esclarecimento necessário a respeito dos argumentos e elementos invocados pelas empresas em causa na sua resposta a essa comunicação, sem que isso torne esses pedidos ilegais ou ponha em causa, só por si, o caráter necessário das informações pedidas.

73      Com efeito, resulta da jurisprudência referida nos n.os 66, 67 e 69 do presente acórdão que, sendo a comunicação de acusações um ato provisório e suscetível de alteração, a Comissão não está vinculada pelas apreciações de facto feitas na mesma. Pelo contrário, tem de proceder a uma avaliação dessas apreciações com base nos elementos resultantes da totalidade do seu inquérito e, em especial, das observações apresentadas pelas partes, a fim de adaptar e completar a sua argumentação em apoio das acusações em que se baseia. A Comissão pode, portanto, pedir informações suplementares para esse efeito, nomeadamente para melhor delimitar o alcance da infração, desde que sejam necessárias, na aceção da jurisprudência mencionada nos n.os 68 a 70 do presente acórdão.

74      Por último, quanto à necessidade das informações pedidas pela decisão controvertida, refira‑se que o caráter necessário dessas informações decorre de duas séries de factos apurados pelo Tribunal Geral nos n.os 85, 88 a 90, 98 e 99 do acórdão recorrido, que, como declarado nos n.os 63 e 64 do presente acórdão, as recorrentes não lograram pôr em causa.

75      Por um lado, o Tribunal Geral referiu que, nomeadamente na sequência das observações das recorrentes sobre a comunicação de acusações, a Comissão tinha considerado que os dados em que se baseara para estabelecer o critério «preço‑custo» nessa comunicação de acusações não refletiam os preços efetivamente pagos pelos clientes das recorrentes durante o período da infração, em razão dos princípios de contabilização dos rendimentos aplicados pelas recorrentes, conforme estas lembraram nessas observações, e pelo facto de os chipsets em causa terem sido vendidos sob diferentes configurações. Por outro lado, o Tribunal Geral considerou que as informações pedidas, incluindo as relativas a períodos adjacentes ao período da infração, visavam precisamente sanar essa divergência, obtendo dados que refletissem fielmente a situação durante esse período para estabelecer um critério «preço‑custo» adequado, na medida em que este era determinante para verificar as suspeitas de infração que recaíam sobre as recorrentes.

76      Nestas condições, não se pode acusar o Tribunal Geral de ter cometido um erro de direito ou de ter violado o seu dever de fundamentação ao concluir, nos n.os 86, 87, 91, 100 e 103 do acórdão recorrido, que, mesmo que a Comissão tivesse tentado, com base nas informações pedidas, alterar ou adaptar a sua metodologia tendo em conta, nomeadamente, as observações das recorrentes, essas informações eram necessárias, na aceção da jurisprudência lembrada nos n.os 68 a 70 do presente acórdão, no sentido de que a Comissão podia razoavelmente supor que essas informações a ajudariam a determinar a existência da infração alegada.

77      Em face do exposto, há que julgar as três primeiras partes do terceiro fundamento de recurso parcialmente inadmissíveis e parcialmente improcedentes.

 Quanto à quarta parte

–       Argumentos das partes

78      Com a quarta parte do terceiro fundamento do presente recurso, as recorrentes acusam o Tribunal Geral de ter cometido um erro de direito e um erro manifesto de apreciação ao julgar inoperante, nos n.os 108 e 109 do acórdão recorrido, nomeadamente com base no Acórdão do Tribunal Geral de 22 de março de 2012, Slovak Telekom/Comissão (T‑458/09 e T‑171/10, EU:T:2012:145), o seu argumento de que a comunicação de acusações complementar, adotada posteriormente à decisão controvertida, confirmava que esta não era necessária.

79      Com efeito, contrariamente aos pedidos de informações que foram objeto desse acórdão, essa comunicação de acusações mais não faz do que confirmar e desenvolver os argumentos que tinham invocado na petição. A referida comunicação de acusações constituiu, assim, uma prova suplementar do caráter desnecessário da decisão controvertida, que, se tivesse sido tomada em consideração pelo Tribunal Geral, tê‑lo‑ia levado a uma conclusão diferente.

80      A Comissão contesta estes argumentos.

–       Apreciação do Tribunal de Justiça

81      A quarta parte do terceiro fundamento do presente recurso diz respeito a um pretenso erro de direito e de apreciação manifesto cometido pelo Tribunal Geral, nos n.os 108 e 109 do acórdão recorrido, ao julgar inoperante o argumento das recorrentes de que a comunicação de acusações complementar prova que a decisão controvertida se limitava ao necessário para prosseguir o seu objetivo declarado, na medida em que essa comunicação tinha sido adotada posteriormente à decisão controvertida.

82      A esse respeito, basta, por um lado, observar, no que respeita ao pretenso erro manifesto de apreciação, que as recorrentes se limitam a mencionar esse erro sem o demonstrarem. Por outro lado, no que respeita ao pretenso erro de direito, há que lembrar que resulta de jurisprudência constante que a legalidade de um ato da União deve ser apreciada em função dos elementos de facto e de direito existentes à data em que esse ato foi adotado, pelo que os atos posteriores à adoção de uma decisão não podem afetar a sua validade (Acórdão de 17 de outubro de 2019, Alcogroup e Alcodis/Comissão, C‑403/18 P, EU:C:2019:870, n.o 45 e jurisprudência aí referida).

83      Por conseguinte, há que concluir que o Tribunal Geral não cometeu um erro de direito ao julgar inoperante, no n.o 109 do acórdão recorrido, a argumentação das recorrentes destinada a pôr em causa a legalidade da decisão controvertida com base num ato posterior à sua adoção, como a comunicação de acusações complementar.

84      A quarta parte do terceiro fundamento de recurso deve, portanto, ser julgada improcedente.

 Quanto à quinta parte

–       Argumentos das partes

85      Com a quinta parte do terceiro fundamento do presente recurso, as recorrentes alegam que o Tribunal Geral não teve em conta todos os elementos de prova pertinentes, na medida em que indeferiu a junção aos autos da sua resposta à comunicação de acusações complementar.

86      Em especial, as recorrentes acusam o Tribunal Geral de ter cometido um erro de direito ao considerar que essa prova complementar tinha sido apresentada após o encerramento da fase oral do processo e de ter adotado um «raciocínio manifestamente viciado e inadequado» para não a admitir. Com efeito, as recorrentes sustentam que comunicaram a sua resposta à comunicação de acusações complementar logo que esta foi apresentada à Comissão e que o Tribunal Geral não justificou a sua recusa de reabrir essa fase oral.

87      A Comissão contesta estes argumentos.

–       Apreciação do Tribunal de Justiça

88      A quinta parte do terceiro fundamento do presente recurso diz respeito a erro de direito e falta de fundamentação pretensamente cometidos pelo Tribunal Geral na medida em que este indeferiu a junção aos autos da resposta das recorrentes à comunicação de acusações complementar como prova.

89      A esse respeito, refira‑se que o Tribunal Geral não cometeu nenhum erro de direito e fundamentou devidamente a sua recusa de juntar aos autos como prova a resposta das recorrentes à comunicação de acusações complementar. Com efeito, o Tribunal Geral referiu acertadamente, no n.o 24 do acórdão recorrido, que a apresentação dessa resposta tinha ocorrido após o encerramento da fase oral do processo, antes de considerar, sem que as recorrentes impugnassem essa apreciação no Tribunal de Justiça, que nenhum dos requisitos previstos no Regulamento de Processo do Tribunal Geral para a reabertura da fase oral do processo neste último estava preenchido.

90      Improcede, portanto, a quinta parte do terceiro fundamento do presente recurso e, por conseguinte, esse terceiro fundamento na íntegra.

 Quanto ao quarto fundamento, relativo à apreciação do caráter proporcionado da decisão controvertida

91      Com o seu quarto fundamento no presente recurso, as recorrentes invocam vários erros de facto e de direito, bem como uma desvirtuação da respetiva prova, que o Tribunal Geral cometeu no âmbito da apreciação do caráter proporcionado da decisão controvertida. Este fundamento de recurso compõe‑se de quatro partes.

 Quanto à primeira a terceira partes

–       Argumentos das partes

92      Com a primeira a terceira partes do quarto fundamento de recurso, as recorrentes contestam a apreciação do Tribunal Geral do caráter proporcionado das informações pedidas pela decisão controvertida.

93      Na primeira parte, as recorrentes acusam o Tribunal Geral de não ter sabido compreender, ou mesmo de ter ignorado, certos factos essenciais do processo e desvirtuado a respetiva prova. Por um lado, o Tribunal Geral não referiu, nos n.os 85 e 127 do acórdão recorrido, que a Comissão não tinha, em nenhuma fase do inquérito que levou à comunicação de acusações, pedido os dados contabilísticos relativos a cada um dos componentes dos três chipsets objeto desse inquérito, apesar de o Tribunal Geral ter admitido, no n.o 85 desse acórdão, que poderia ter obtido esses dados a qualquer momento.

94      Por outro lado, o Tribunal Geral não teve em conta o facto de que, para recuperar os dados pedidos, as recorrentes foram obrigadas a identificar, encontrar e analisar cerca de 25 000 páginas de documentos conservados em locais de armazenagem externos e que não tinham a obrigação de conservar.

95      Com a segunda parte, as recorrentes contestam a conclusão do Tribunal Geral de que o formato proposto pela Comissão para responder a certas questões não era vinculativo. A esse respeito, antes de mais, acusam o Tribunal Geral de, no n.o 131 do acórdão recorrido, ter cometido um erro de direito na interpretação da jurisprudência relativa ao conceito de «informações». Com efeito, resulta das conclusões do advogado‑geral N. Wahl no processo HeidelbergCement/Comissão (C‑247/14 P, EU:C:2015:694, n.os 106 e 107) que só pode ser imposta à empresa a obrigação de fornecer informações, e não a de desempenhar tarefas que são da competência da Comissão quando esta constitui um processo, e que a Comissão não está, em princípio, autorizada a impor ao destinatário de uma decisão de pedido de informações a obrigação de apresentar em todas as circunstâncias essas informações segundo um formato específico.

96      As recorrentes alegam ainda que, no caso, o Tribunal Geral desvirtuou a prova ao qualificar de factos ou documentos as informações que lhes eram pedidas, quando consistiam sobretudo em cálculos, pormenores, códigos e preços hipotéticos para produtos não constitutivos de um incentivo financeiro especial acordado com o cliente, bem como em análises e interpretações de suposições feitas há vários anos por antigos trabalhadores.

97      Seguidamente, as recorrentes contestam as considerações do Tribunal Geral, que figuram, respetivamente, nos n.os 132 e 133 do acórdão recorrido, segundo as quais os formatos propostos pela decisão controvertida para responder a certas questões colocadas não eram vinculativos e eram suscetíveis de facilitar a sua tarefa. Em especial, quanto à primeira consideração, alegam que foram obrigadas a preencher uma folha de cálculo anexa a essa decisão, que não estava elaborada no quadro normal das suas atividades, o que lhes causou dificuldades que foram objeto de discussões com a Comissão.

98      Por último, as recorrentes alegam que o Tribunal Geral considerou erradamente, no n.o 135 do acórdão recorrido, que o facto de a Comissão ter tido de fornecer orientações sobre o modo como se devia responder à decisão controvertida não era suscetível de demonstrar o caráter desproporcionado do volume de trabalho que lhes era assim imposto para responderem às questões colocadas pela decisão controvertida.

99      Com a terceira parte, as recorrentes contestam as considerações do Tribunal Geral relativas à sua obrigação de conservar os dados e documentos pedidos. Antes de mais, as recorrentes acusam, em substância, o Tribunal Geral de ter cometido, nos n.os 87, 136, 137 e 139 do acórdão recorrido, um erro de direito e um erro manifesto de apreciação ao considerar, primeiro, que eram obrigadas a conservar dados precisos sobre os preços e sobre os custos desde 2008, segundo, que os seus processos de arquivo estavam «desorganizados» e, terceiro, que a Comissão não tinha pedido informações diferentes daquelas a que só as recorrentes tinham acesso.

100    A este respeito, primeiro, as recorrentes observam, por um lado, que não eram juridicamente obrigadas a conservar os tipos de dados exigidos na decisão controvertida e, por outro, que só a partir de 2010 tomaram conhecimento da denúncia que tinha dado origem à abertura do inquérito, no qual a infração alegada representava uma parte negligenciável. Acrescentam que a Comissão lhes pediu pela primeira vez informações sobre os preços e os custos em julho de 2013 e que essa instituição só a partir de julho de 2014 as informou de que o inquérito instaurado se baseava nos preços predatórios alegados. Em segundo lugar, as recorrentes sustentam que os seus processos de arquivos não estavam «desorganizados» e que só por conservarem documentos que não eram obrigadas a conservar puderam fornecer as informações pedidas. Em terceiro lugar, as recorrentes observam, em substância, que resulta da comunicação de acusações e do n.o 145 do acórdão recorrido que os dados pedidos na decisão controvertida lhes foram comunicados pelos seus clientes, pelo que a Comissão poderia tê‑los pedido a estes.

101    Seguidamente, as recorrentes entendem que, ao considerar, no n.o 136 e seguintes do acórdão recorrido, que as informações pedidas eram proporcionadas ao volume de trabalho que implicavam, apesar de os factos do processo fornecerem de forma flagrante a prova contrária, o próprio Tribunal Geral violou o princípio da proporcionalidade.

102    Por último, as recorrentes alegam que o n.o 147 do acórdão recorrido, onde o Tribunal Geral examinou a sua alegação de que seria difícil comunicar informações relativas a factos que remontavam a vários anos, bem como o indeferimento da junção aos autos da sua resposta à comunicação de acusações complementar, padece de erros de direito e de facto, erros examinados no âmbito da análise do primeiro fundamento e da quarta parte do terceiro fundamento do presente recurso.

103    A Comissão alega que a primeira parte e alguns dos argumentos invocados no âmbito das segunda e terceira partes e apresentados, respetivamente, nos n.os 96, 98 e 101 do presente acórdão devem ser julgados inadmissíveis. Com efeito, as recorrentes limitaram‑se a repetir os seus argumentos invocados em primeira instância e não determinaram as provas desvirtuadas nem demonstraram os erros pretensamente cometidos pelo Tribunal Geral. Quanto ao resto, a Comissão contesta a procedência da argumentação das recorrentes.

104    Na réplica, as recorrentes respondem que, no presente recurso, determinaram claramente os factos e provas desvirtuados pelo Tribunal Geral, bem como a sua incidência na apreciação do caráter proporcionado da decisão controvertida.

–       Apreciação do Tribunal de Justiça

105    A primeira a terceira partes do quarto fundamento de recurso, que devem ser analisadas conjuntamente, destinam‑se a demonstrar que o Tribunal Geral cometeu erros de facto, desvirtuações das respetivas provas, bem como falta de fundamentação do acórdão recorrido no âmbito da apreciação do caráter proporcionado das informações pedidas pela decisão controvertida.

106    Em primeiro lugar, quanto à admissibilidade dessas partes, refira‑se que, na medida em que as recorrentes aí acusam o Tribunal Geral de ter tido uma leitura errada de certos factos e de ter cometido erros manifestos de apreciação, erros de direito e uma desvirtuação da respetiva prova, essas partes devem ser julgadas manifestamente inadmissíveis, em conformidade com a jurisprudência recordada nos n.os 42 a 45 do presente acórdão.

107    Com efeito, por um lado, no que respeita aos erros de apreciação e às desvirtuações da prova referidos nos n.os 93 e 96 do presente acórdão, as recorrentes limitam‑se a mencionar esses pretensos erros de facto e desvirtuações, sem os demonstrar de forma alguma. Por outro lado, quanto aos erros de apreciação e de direito referidos nos n.os 98 e 101 do presente acórdão, as recorrentes limitam‑se a repetir, respetivamente, argumentos invocados no Tribunal Geral e baseados em factos expressamente afastados por este e, em substância, a pôr em causa a apreciação do Tribunal Geral dos factos do processo sem, no entanto, invocar a sua desvirtuação.

108    No que respeita, em segundo lugar, ao mérito da parte admissível da primeira a terceira partes, importa, antes de mais, considerar que a primeira dessas partes visa pôr em causa o facto de o Tribunal Geral não ter tomado em consideração, no âmbito da sua apreciação do caráter proporcionado das informações pedidas pela decisão controvertida, o volume de trabalho exigido para encontrar e analisar os documentos suscetíveis de fornecer essas informações.

109    Ora, resulta do n.o 122 do acórdão recorrido que o Tribunal Geral reconheceu expressamente a importância desse volume de trabalho. No entanto, o Tribunal Geral recordou igualmente, no n.o 121 desse acórdão, que, em conformidade com a jurisprudência que as recorrentes não contestam, o caráter proporcionado de um pedido de informações deve ser apreciado em relação às necessidades do inquérito, sem que o facto de esse pedido impor à empresa um grande volume de trabalho baste, por si só, para demonstrar que tem caráter desproporcionado. A esse respeito, o Tribunal Geral referiu, nos n.os 124 a 128 do referido acórdão, por um lado, que a prática alegada objeto do inquérito instaurado era suscetível de justificar o fornecimento de um número significativo de informações e, por outro, recordou que eram necessárias à luz do objetivo desse inquérito. Por conseguinte, no n.o 123 do mesmo acórdão, o Tribunal Geral concluiu acertadamente que o volume de trabalho exigido para fornecer as informações pedidas não tinha um caráter desproporcionado relativamente às necessidades do inquérito relacionadas com as presunções de infração alegadas, nomeadamente tendo em conta as respostas das recorrentes à comunicação de acusações.

110    Seguidamente, no que respeita à segunda parte, em que os recorrentes contestam a apreciação do Tribunal Geral sobre o caráter não vinculativo do formato proposto pela Comissão para responder a certas questões suscitadas pela decisão controvertida, há que considerar que, tendo em conta a redação dessas questões e as observações introdutórias em resposta às mesmas, anexas a essa decisão, as recorrentes não demonstraram que o Tribunal Geral tenha excedido manifestamente os limites de uma apreciação razoável dessa decisão, na aceção da jurisprudência referida no n.o 44 do presente acórdão, ao declarar, nos n.os 132 e 133 do acórdão recorrido, por um lado, que de modo nenhum resultava da mesma decisão que o formato proposto pela Comissão para responder a essas questões era vinculativo e que os requerentes não tinham a possibilidade de o adaptar se tal se revelasse mais adequado e, em segundo lugar, que esse formato era suscetível de facilitar a tarefa das requerentes.

111    Por conseguinte, uma vez que as considerações do Tribunal Geral recordadas no n.o 110 do presente acórdão eram suficientes para rejeitar a argumentação das recorrentes no sentido de que o facto de impor um formato obrigatório de resposta à decisão controvertida era suscetível de demonstrar que o seu pedido de informações excedia o que era necessário à luz do objetivo do inquérito, o erro de direito na interpretação da jurisprudência relativa ao conceito de «informações» de que poderia estar ferido o n.o 131 do acórdão recorrido, admitindo‑o demonstrado, não seria, em todo o caso, suscetível de levar à anulação do acórdão recorrido. As críticas das recorrentes formuladas a esse respeito são, portanto, inoperantes, pelo que devem ser rejeitadas (v., neste sentido, Acórdãos de 14 de junho de 2018, Makhlouf/Conselho, C‑458/17 P, não publicado, EU:C:2018:441, n.o 96 e jurisprudência aí referida, e de 14 de março de 2019, Meta Group/Comissão, C‑428/17 P, não publicado, EU:C:2019:201, n.o 44).

112    Por último, quanto à terceira parte, refira‑se, por um lado, que, na medida em que esta visa o n.o 147 do acórdão recorrido, os argumentos invocados em seu apoio se confundem, nomeadamente, com os invocados no âmbito da quarta parte do terceiro fundamento de recurso e devem, portanto, ser rejeitados pelos mesmos motivos desenvolvidos nos n.os 82 a 84 do presente acórdão. Por outro lado, na medida em que a terceira parte acusa o Tribunal Geral de ter cometido erros de direito e erros manifestos de apreciação na determinação do alcance do dever das recorrentes de conservarem os dados e documentos pedidos pela decisão controvertida assim como do alcance dos dados de que dispõem, refira‑se que essa parte procede de uma leitura errada do acórdão recorrido devendo, por conseguinte, ser julgada improcedente.

113    Com efeito, há que referir que as considerações do Tribunal Geral criticadas pelas recorrentes foram desenvolvidas no âmbito da apreciação, que figura nos n.os 136 a 141 do acórdão recorrido, da procedência de dois argumentos invocados para pôr em causa o caráter proporcionado das informações pedidas. Esses argumentos são relativos, respetivamente, às dificuldades práticas com que as recorrentes se depararam para recolher algumas dessas informações e ao facto de terem sido obrigadas a levar a cabo um trabalho por conta da Comissão a fim de reexaminarem documentos já na sua posse para determinar, nomeadamente, quais das referidas informações não tinham sido já fornecidas.

114    Neste contexto, por um lado, o Tribunal Geral não procedeu, nos n.os 136 e 137 do acórdão recorrido, a apreciações sobre uma eventual obrigação de as recorrentes conservarem dados ou documentos. Pelo contrário, o Tribunal Geral reconheceu que, em princípio, não podia ser imposta às empresas a obrigação de fornecerem à Comissão documentos que já não estavam na sua posse e que já não eram legalmente obrigadas a conservar, embora considerando que cabia às recorrentes, pelo menos a partir dos primeiros pedidos de informações enviados pela Comissão em junho de 2010, agir com diligência acrescida e tomar todas as medidas úteis a fim de preservar as provas de que pudessem razoavelmente dispor. Por outro lado, o Tribunal Geral considerou, sem impugnação das recorrentes, não que os seus processos de arquivo estavam «desorganizados», mas sim que a forma de os conservarem não era pertinente para a apreciação da proporcionalidade da decisão controvertida.

115    Por outro lado, não se pode entender que a consideração do Tribunal Geral, efetuada no n.o 139 do acórdão recorrido, de que não resulta dessa decisão que a Comissão pede informações diferentes daquelas a que só as recorrentes têm acesso não se destina a afirmar que as informações pedidas não podiam ser fornecidas pelos clientes das recorrentes, mas sim a excluir que essas informações estivessem integralmente na posse da Comissão, pelo que esta não estava em condições de realizar por si própria esse trabalho de análise.

116    Em face do exposto, a primeira a terceira partes do quarto fundamento de recurso devem ser rejeitadas por serem, em parte, manifestamente inadmissíveis, em parte, inoperantes e, em parte, improcedentes.

 Quanto à quarta parte

–       Argumentos das partes

117    Com a quarta parte do quarto fundamento do presente recurso, as recorrentes acusam o Tribunal Geral de, nos n.os 150 a 159 do acórdão recorrido, ter cometido um erro de direito ao concluir que o montante da sanção pecuniária compulsória prevista no artigo 2.o da decisão controvertida era proporcionado.

118    As recorrentes alegam que, na realidade, eram obrigadas a responder a essa decisão sob pena de terem de pagar uma sanção pecuniária compulsória de montante extremamente elevado e que, tendo em conta as dificuldades encontradas para satisfazer os consideráveis pedidos que figuram na referida decisão, havia um risco concreto de essa ameaça se concretizar, pelo que o seu pedido de anulação dessa disposição por violação do princípio da proporcionalidade não era prematuro.

119    A Comissão contesta estes argumentos.

–       Apreciação do Tribunal de Justiça

120    A quarta parte do quarto fundamento de recurso tem por objeto um erro de direito pretensamente cometido pelo Tribunal Geral ao julgar inadmissível a argumentação relativa ao caráter desproporcionado do montante da sanção pecuniária compulsória diária prevista no artigo 2.o da decisão controvertida.

121    Ora, como o Tribunal de Justiça já declarou, a fixação de sanções pecuniárias compulsórias por força do artigo 24.o do Regulamento n.o 1/2003 comporta necessariamente duas fases. Através de uma primeira decisão, adotada com base no artigo 24.o, n.o 1, desse regulamento, a Comissão aplica uma sanção pecuniária compulsória. Não tendo sido determinado o montante total da sanção pecuniária compulsória, essa decisão não pode ser executada. Esse montante só pode ser definitivamente fixado por uma nova decisão, adotada posteriormente com base no artigo 24.o, n.o 2, do referido regulamento (v., neste sentido, Acórdão de 21 de setembro de 1989, Hoechst/Comissão, 46/87 e 227/88, EU:C:1989:337, n.o 55).

122    Por conseguinte, o Tribunal Geral não cometeu nenhum erro de direito ao considerar, antes de mais, nos n.os 155 e 156 do acórdão recorrido, que, na medida em que constitui apenas uma fase do processo no termo da qual a Comissão adota eventualmente uma decisão que fixa definitivamente o montante total da sanção pecuniária compulsória e constitui assim título executivo, a decisão referida no artigo 24.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1/2003 tem caráter preliminar nesse procedimento e não produz, por conseguinte, efeitos jurídicos vinculativos. Seguidamente, após ter referido que a decisão controvertida era a que aplicava uma sanção pecuniária compulsória, na aceção dessa disposição, o que, de resto, não é impugnado pelas recorrentes, o Tribunal Geral concluiu acertadamente, nos n.os 157 e 158 desse acórdão, que o artigo 2.o dessa decisão não produzia efeitos jurídicos vinculativos.

123    Por conseguinte, foi também acertadamente que o Tribunal Geral, por último, no n.o 159 do referido acórdão, concluiu que a argumentação das recorrentes relativa ao caráter desproporcionado do montante da sanção pecuniária compulsória prevista nesse artigo não visava um ato recorrível e era, portanto, inadmissível. Com efeito, resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que constituem, em princípio, atos recorríveis as medidas que fixam definitivamente a posição de uma instituição, de um órgão ou de um organismo da União no termo de um procedimento administrativo e que visam produzir efeitos jurídicos vinculativos suscetíveis de afetar os interesses do recorrente, com exclusão, nomeadamente, das medidas intermédias cujo objetivo é preparar a decisão final, que não têm tais efeitos (Acórdão de 25 de junho de 2020, CSUE/KF, C‑14/19 P, EU:C:2020:492, n.o 70 e jurisprudência aí referida).

124    Nestas condições, improcedem a quarta parte do quarto fundamento do presente e, com ela, todo esse quarto fundamento.

 Quanto ao quinto fundamento, relativo a uma aplicação errada das regras do ónus da prova

 Argumentos das partes

125    Com o seu quinto fundamento no presente recurso, as recorrentes acusam o Tribunal Geral de ter aplicado de forma errada as regras do ónus da prova em infrações ao artigo 102.o TFUE, ao julgar improcedente o seu fundamento relativo a uma inversão indevida desse ónus.

126    Por um lado, as recorrentes contestam as conclusões do Tribunal Geral, que figuram nos n.os 173 e 174 do acórdão recorrido, segundo as quais a Comissão não pretendia auditar as suas contas, mas sim dispor de elementos necessários para ter em consideração as críticas que tinham formulado na sua resposta à comunicação de acusações, e que, ao fazê‑lo, a Comissão não pedia às recorrentes que efetuassem tarefas por ela. A este respeito, as recorrentes alegam que as informações pedidas não eram pertinentes nem necessárias e que o Tribunal Geral não respondeu à questão de saber se, através da decisão controvertida, a Comissão lhes exigia que desempenhassem tarefas de constituição de um processo e, portanto, da competência dessa instituição. Com efeito, as recorrentes sustentam que, ao pedir‑lhes que verificassem todos os seus registos contabilísticos, essa decisão «externalizava» de facto, junto delas, a constituição de um novo processo, sem que isso tivesse sido necessário para permitir à Comissão responder aos seus argumentos.

127    Por outro lado, as recorrentes consideram que a constatação do Tribunal Geral, efetuada no n.o 175 do acórdão recorrido, de que, através da referida decisão, a Comissão se tinha limitado a pedir‑lhes que fornecessem documentos que corroborassem a sua própria afirmação de que se basearam na jurisprudência pertinente e nas orientações dessa instituição não está suficientemente fundamentada e reiteram que, na mesma decisão, a referida instituição lhes pedia que provassem que tinham agido em conformidade com a lei, o que constitui uma inversão «intolerável» do ónus da prova.

128    A Comissão contesta estes argumentos.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

129    Com o quinto fundamento no presente recurso, as recorrentes acusam o Tribunal Geral de ter rejeitado erradamente o quarto fundamento, relativo a uma inversão do ónus da prova, na medida em que a Comissão lhes exigiu o cumprimento de funções da sua competência.

130    Em primeiro lugar, quanto aos argumentos invocados para contestar os n.os 173 e 174 do acórdão recorrido, refira‑se, por um lado, que esses números remetem para a análise efetuada pelo Tribunal Geral, respetivamente nos n.os 106 e 107 e nos n.os 138 a 140 do acórdão recorrido, no âmbito do exame do primeiro e segundo fundamentos relativos, respetivamente, ao caráter necessário e proporcionado das informações pedidas pela decisão controvertida, análise que as recorrentes não lograram pôr em causa no seu terceiro e quarto fundamentos. Refira‑se ainda que esses argumentos se baseiam, em substância, nas mesmas considerações que foram formuladas e rejeitadas na análise da terceira parte do terceiro fundamento e da terceira parte do quarto fundamento do presente recurso. Por conseguinte, esses argumentos devem igualmente ser julgados improcedentes.

131    No que respeita, em segundo lugar, à argumentação relativa a uma pretensa falta de fundamentação da conclusão, que figura no n.o 175 do acórdão recorrido, segundo a qual a Comissão não tinha pedido às recorrentes que demonstrassem que tinham dado cumprimento à lei, refira‑se que, com essa argumentação, as recorrentes pretendem, na realidade, pôr em causa a apreciação do Tribunal Geral no que respeita ao conteúdo da decisão controvertida, sem com isso alegarem uma desvirtuação desta. Em contrapartida, limitam‑se a repetir a argumentação invocada no âmbito do seu quarto fundamento em primeira instância e baseada numa interpretação dessa decisão que foi expressamente rejeitada pelo Tribunal Geral. Por conseguinte, de acordo com a jurisprudência recordada nos n.os 42 a 45 do presente acórdão, essa argumentação deve ser julgada manifestamente inadmissível.

132    Nestas condições, o quinto fundamento de recurso deve ser julgado em parte manifestamente inadmissível e em parte improcedente.

 Quanto ao sexto fundamento, relativo à apreciação de uma violação do direito de não contribuir para a sua própria incriminação

 Argumentos das partes

133    Com o seu sexto fundamento no presente recurso, as recorrentes acusam o Tribunal Geral de ter cometido erros de direito e de facto, bem como desvirtuação da respetiva prova e falta de fundamentação na sua apreciação do quinto fundamento, relativo a uma violação do direito de não contribuir para a sua própria incriminação.

134    Antes de mais, as recorrentes alegam que o n.o 186 do acórdão recorrido, no qual o Tribunal Geral referiu a título preliminar que as recorrentes se limitavam a invocar de forma abstrata essa violação, enferma de erros, como resulta dos argumentos que tinham invocado em primeira instância.

135    Em seguida, as recorrentes sustentam que, pelos mesmos motivos expostos a respeito do n.o 175 desse acórdão, não está suficientemente fundamentada a consideração do Tribunal Geral no n.o 190 do referido acórdão de que a decisão controvertida não impunha às recorrentes que procedessem a apreciações suscetíveis de as levar a confessar terem agido em violação do artigo 102.o TFUE.

136    Por último, as recorrentes alegam que a conclusão do Tribunal Geral, no n.o 192 do acórdão recorrido, que rejeita a sua argumentação no sentido de que a decisão controvertida constitui uma violação do direito de não contribuir para a sua própria incriminação, uma vez que as obriga a fornecer documentos que não podem ser qualificados de «preexistentes», padece de erros de direito e de facto.

137    Entendem que, em particular, por um lado, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito na interpretação do Acórdão de 28 de abril de 2010, Amann & Söhne e Cousin Filterie/Comissão (T‑446/05, EU:T:2010:165, n.o 328), ao concluir que um pedido de apresentação de um documento que não pode ser qualificado de «preexistente» não viola necessariamente o direito de não contribuir para a sua própria incriminação, quando esse acórdão se limita a indicar que a simples obrigação de responder a questões puramente factuais não é suscetível de violar o direito de defesa ou o direito a um processo equitativo.

138    Por outro lado, o n.o 192 do acórdão recorrido assenta num erro de facto, na medida em que, com a decisão controvertida, a Comissão pediu às recorrentes que fornecessem informações que não podiam ser qualificadas de factos ou de documentos e ainda que demonstrassem que tinham tomado medidas pró-ativas para respeitarem as exigências das normas da concorrência da União, uma vez que a falta dessa demonstração leva a crer que não cumpriram a sua obrigação.

139    A Comissão alega que, uma vez que as recorrentes se limitaram a remeter o Tribunal de Justiça para os argumentos que tinham exposto no Tribunal Geral, os argumentos invocados contra os n.os 186 e 192 do acórdão recorrido e expostos nos n.os 134 e 138 do presente acórdão devem ser julgados inadmissíveis e o sexto fundamento de recurso deve ser julgado improcedente quanto ao restante. Na réplica, as recorrentes respondem que é precisamente essa remissão que faz com que estes argumentos sejam admissíveis.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

140    Com o sexto fundamento no presente recurso, as recorrentes alegam que o Tribunal Geral cometeu erros de facto e de direito, bem como uma desvirtuação da respetiva prova, e uma falta de fundamentação no âmbito da sua apreciação da pretensa violação, pela Comissão na decisão controvertida, do direito de não contribuir para a sua própria incriminação.

141    Quanto à admissibilidade deste fundamento, resulta da jurisprudência recordada nos n.os 42 a 45 do presente acórdão que, na medida em que a argumentação que visa o n.o 186 do acórdão recorrido só se baseia em argumentos invocados em primeira instância, para os quais as recorrentes se limitam a remeter, essa argumentação deve ser julgada manifestamente inadmissível. O mesmo se diga da argumentação relativa a um erro de facto cometido pelo Tribunal Geral no n.o 192 do acórdão recorrido, dado que, por um lado, essa argumentação assenta nas mesmas considerações que foram expostas no n.o 96 e julgadas inadmissíveis no n.o 107 do presente acórdão e, por outro, que as recorrentes contestam a apreciação do Tribunal Geral relativa ao conteúdo da decisão controvertida, sem, no entanto, invocarem uma desvirtuação desta.

142    Quanto ao mérito da parte admissível deste fundamento de recurso, importa recordar, a título preliminar, que, por força do considerando 23 do Regulamento n.o 1/2003, quando dão cumprimento a uma decisão de pedido de informações da Comissão, as empresas não podem ser obrigadas a admitir que cometeram uma infração, mas são, em todo o caso, obrigadas a responder a questões de facto e a apresentar documentos, mesmo que essas informações possam servir para demonstrar a existência de uma infração contra elas ou contra outra empresa.

143    Esta disposição reproduz, em substância, a jurisprudência assente do Tribunal de Justiça no sentido de que a Comissão tem o direito de obrigar uma empresa a prestar todas as informações necessárias relativas a factos de que possa ter conhecimento e a comunicar‑lhe, se necessário, os documentos na sua posse que lhes digam respeito, mesmo que estes possam servir para demonstrar, contra ela ou outra empresa, a existência de um comportamento anticoncorrencial. Embora a Comissão não possa impor a essa empresa a obrigação de fornecer respostas através das quais tenha de admitir a existência da infração cuja prova cabe à Comissão, essa empresa não pode subtrair‑se a pedidos de apresentação de documentos com o fundamento de que, ao cumpri‑los, seria obrigada a testemunhar contra si própria (v., neste sentido, Acórdãos de 18 de outubro de 1989, Orkem/Comissão, 374/87, EU:C:1989:387, n.os 27, 34 e 35, e de 29 de junho de 2006, Comissão/SGL Carbon, C‑301/04 P, EU:C:2006:432, n.os 41 a 44 e 48).

144    Contudo, no que respeita, em primeiro lugar, à argumentação baseada na pretensa falta de fundamentação da conclusão constante do n.o 190 do acórdão recorrido de que, ao pedir às recorrentes que apresentassem documentos que corroborassem a sua própria alegação de que se tinham baseado na jurisprudência pertinente e nas orientações da Comissão, esta não tinha imposto que as recorrentes fizessem avaliações suscetíveis de as levar a reconhecer terem agido em violação do artigo 102.o do TFUE, refira‑se que essa argumentação se baseia nas mesmas alegações apresentadas a respeito do n.o 175 desse acórdão e deve, por conseguinte, ser rejeitada pelos mesmos fundamentos expostos no n.o 131 do presente acórdão.

145    De qualquer forma, saliente‑se que o Tribunal Geral fundamentou suficientemente a conclusão a que chegou no n.o 190 do acórdão recorrido. Com efeito, antes de mais, o Tribunal Geral recordou, nos n.os 180, 182 e 183 desse acórdão, a jurisprudência referida no n.o 143 do presente acórdão. Seguidamente, apoiando‑se, nomeadamente, na sua própria jurisprudência, o Tribunal Geral extraiu daí a consequência, nos n.os 184 e 185 do acórdão recorrido, de que, por um lado, cabe ao juiz da União verificar, em caso de contestação do alcance de uma questão colocada por um pedido de informações, se uma resposta do destinatário equivaleria efetivamente a reconhecer a prática de uma infração e, por outro, as respostas de ordem puramente factual não podem, em princípio, ser consideradas suscetíveis de obrigar o destinatário a admitir a prática dessa infração. Foi, portanto, com base na jurisprudência acima referida, que, de resto, as recorrentes não impugnam, que o Tribunal Geral pôde concluir, nos n.os 187 e 190 do acórdão recorrido, que, na medida em que as informações pedidas pela decisão controvertida têm caráter puramente factual, que consiste, nomeadamente, no pedido de apresentação de documentos internos, a prestação dessas informações não impunha às recorrentes que efetuassem apreciações suscetíveis de as levar a reconhecer terem agido em violação do artigo 102.o TFUE.

146    Em segundo lugar, quanto à argumentação relativa ao erro de direito pretensamente cometido pelo Tribunal Geral no n.o 192 do acórdão recorrido, refira‑se que o Tribunal Geral interpretou corretamente a jurisprudência resultante do Acórdão de 28 de abril de 2010, Amann & Söhne e Cousin Filterie/Comissão (T‑446/05, EU:T:2010:165, n.o 328), no sentido de que, na medida em que exclui que o facto de ser obrigado a apresentar documentos preexistentes seja suscetível de violar os direitos de defesa, essa jurisprudência não pode ser interpretada a contrario, no sentido de que significa que qualquer pedido de apresentação de um documento que não possa ser qualificado de «preexistente» viola necessariamente esses direitos, em particular o direito de não contribuir para a sua própria incriminação.

147    Com efeito, resulta da jurisprudência recordada no n.o 143 do presente acórdão que só no caso de uma empresa ser obrigada a fornecer respostas através das quais seja levada a admitir a existência da infração é que essa empresa se pode subtrair à obrigação de comunicar todas as informações necessárias, na aceção da jurisprudência referida nos n.os 68 a 70 do presente acórdão. No caso, o Tribunal Geral considerou, sem impugnação das recorrentes sobre essa conclusão, que não era esse o caso, na medida em que estas não tinham invocado nenhum argumento concreto suscetível de demonstrar que o facto de serem levadas, para responder às questões da Comissão, a formalizar os dados factuais pedidos num documento destinado a facilitar a sua compreensão por esta era, em si mesmo, suscetível de constituir uma violação do direito de não contribuir para a sua própria incriminação.

148    Nestas condições, o sexto fundamento de recurso deve ser julgado em parte manifestamente inadmissível e em parte improcedente.

149    Uma vez que todos os fundamentos foram julgados improcedentes, há que negar integralmente provimento ao recurso.

 Quanto às despesas

150    Por força do disposto no artigo 184.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, se o recurso da decisão do Tribunal Geral for julgado improcedente, o Tribunal de Justiça decide sobre as despesas. Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, aplicável aos processos de recursos de decisões do Tribunal Geral por força do artigo 184.o, n.o 1, desse regulamento, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

151    Tendo a Comissão pedido a condenação da Qualcomm e da Qualcomm Europe nas despesas e tendo estas sido vencidas, há que condená‑las nas despesas do presente recurso.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Oitava Secção) decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Qualcomm Inc. e a Qualcomm Europe Inc. são condenadas nas despesas.

Assinaturas


*      Língua do processo: inglês.